quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Vitrine das ilusões

AA VVIITTRRIINNEE DDAASS IILLUUSSÕÕEESS
Window to Happiness
Nancy John
Resumo
Como conquistar aquele homem frio e arrogante com quem se casara?
Dawn nunca iria imaginar as conseqüências que teria de enfrentar ao aceitar o convite para jantar com o ex-namorado. Agora era uma mulher casada, e Warren Hemingway, seu cínico e charmoso marido, jamais admitiria vê-la saindo com outros homens.
Mas como poderia submeter-se às exigências dele, uma vez que, logo após voltarem da lua-de-mel, Warren fora correndo para os braços de Velda Knight, a famosa atriz com quem mantinha um caso?
VITRINE DAS ILUSÕES
Window to Happiness
Nancy John
© 1987
Disponibilização do livro: Valeria O. Digitalização: Joyce Revisão: Cynthia M.
Vitrine das Ilusões – Bianca 372 – Nancy John
Projeto Revisoras 2
Vitrine das Ilusões – Bianca 372 – Nancy John
Projeto Revisoras 3
CAPÍTULO I
Dawn Lockwood, sentada à prancheta de desenho, tocava com delicadeza a túnica de seda pura que tinha à sua frente. Belos motivos orientais, numa composição de verde-jade e dourado, faziam daquela uma peça muito especial. Dawn teria de criar uma vitrine compatível com seu estilo, exótico mas elegante.
— Dawn! Venha cá, por favor.
Ela se levantou e atravessou o estúdio até chegar ao escritório de Charles Hodge, o gerente do departamento.
— Você me chamou, Charles?
— Sim, Dawn, chamei. Acabei de receber um recado do sétimo andar. O chefão quer falar com você.
— O Sr. Hemingway?
— Ele mesmo. E pediram que você suba sem demora.
— Mas por quê? Não fiz nada de errado, fiz? Charles a fitou com ternura.
— Não fique nervosa, não há nada contra você.
— Você sabe qual é o assunto, Charles?
— Não posso adiantar nada, Dawn. Só acho melhor você subir logo. O Sr. Hemingway não gosta de esperar, você sabe.
— Está bem.
Dawn saiu do escritório de Charles e foi até o vestuário. Precisava se arrumar um pouco. O uniforme que usava, um camisão amarelo e uma calça preta, estava manchado de tinta. Depois de trocá-lo por um limpo, ela desprendeu os cabelos loiros e os deixou cair por sobre os ombros. Passou um pouco de batom e de blush e olhou-se detidamente no espelho. O rosto ovalado, iluminado pelos olhos verdes, a boca bem desenhada e o nariz pequeno e fino realçavam os traços de sua personalidade.
Depois de longa avaliação, sentiu-se satisfeita com a aparência. Talvez devesse colocar um toque a mais de sombra. . . Não, não seria apropriado. . . Refletiu que, além de não ter mais tempo a perder, ela era somente um membro da equipe de vitrinistas da Hemingway, e não uma das manequins. Poderia fazer um papel ridículo ao deixar evidente demais a preocupação em parecer bela. Afinal, ela nem mesmo sabia por que havia sido chamada...
O elevador que servia o sétimo andar saía da seção de acessórios, onde uma vitrine fora decorada segundo o tema "Aladim e a Caverna de Mercadorias". Dawn tivera a idéia de colocar sapatos, luvas e bolsas, cuidadosamente iluminados, sobre uma profusão de braceletes e colares brilhantes. O resultado parecia ter agradado, pois verificou-se um aumento de vendas bastante significativo. A seção de acessórios nunca vira tanto movimento, e com freqüência ouviam-se elogios ao bom gosto e à criatividade da vitrinista.
Glenda Kingsley, balconista da seção, chamou Dawn quando a viu.
— Escute! Como vai o arco-íris de cachecóis que você me prometeu?
— Vai bem. Estou terminando o estudo. Mas falo com você em outra hora. Vou ver o chefe agora.
— O chefe? Então boa sorte!
Enquanto entrava no elevador e pressionava o botão do sétimo andar, Dawn chegava à conclusão de que realmente precisaria de uma boa dose de sorte. Era raro o grande Warren Hemingway chamar um funcionário à sua presença. Em geral, ele se dirigia aos gerentes de seção ou a alguém de função semelhante.
O andar no qual ficavam os executivos era calmo e silencioso, se comparado aos demais. Dawn caminhou pelo corredor acarpetado e passou por várias salas antes de chegar à que procurava.
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Projeto Revisoras 4
Uma secretária de meia-idade a recebeu. — O Sr. Hemingway a aguarda, Srta. Lockwood. Bata e entre, por favor.
Dawn mal conseguia disfarçar o nervosismo quando girou a maçaneta da porta. Nunca estivera naquela sala antes. O local era amplo e iluminado, decorado em tons de marrom e bege. Três janelas altas tomavam toda a extensão de uma das paredes e permitiam uma magnífica vista das torres da Catedral de St. Paul e da Tower Bridge.
A atenção dela, porém, concentrou-se em Warren Hemingway, que, sentado à mesa de trabalho, falava ao telefone. Com um rápido olhar à recém-chegada, ele lhe fez sinal para que se sentasse. Dawn já o conhecia de vista, uma vez que ele costumava dar uma volta pela loja de vez em quando para ver como iam as coisas.
A Hemingway's fora fundada pelo avô, no auge da Inglaterra eduardina. Depois ele a passara para o filho que a fez prosperar de tal maneira que agora, sob a direção firme de Warren Hemingway, o estabelecimento era tido como um dos maiores do gênero em Londres.
Warren Hemingway devia ser um homem interessante, pensou Dawn enquanto o observava. Mesmo sentado como estava, podia-se perceber que era alto e dono de um porte atlético. O casaco cinzento que ele usava viera, sem dúvida, da alfaiataria da loja, onde fora feito sob medida. Os cabelos escuros e ondulados, com alguns reflexos avermelhados, haviam sido cortados pelas mãos experientes de monsieur Durand, chefe da seção de cabeleireiros masculinos, no andar térreo.
Aos trinta e quatro anos, Warren Hemingway não era o que convencionalmente se chama de bonito, mas tinha uma aparência viril o bastante para fazê-lo atraente. O rosto era de traços harmoniosos: nariz firme, queixo angular e testa larga e olhos de um cinzento profundo, que impressionavam pelo brilho.
Surpresa, Dawn notou que aquele homem era quase a réplica do rosto do avô, retratado na pintura a óleo pendurada na parede. Talvez houvesse um pouco mais de determinação no rosto do fundador do império Hemingway, mas a semelhança era inquestionável.
Warren desligou o telefone e fixou o olhar em Dawn. Sem graça, ela se apressou em dizer:
— Sou Dawn Lockwood. O senhor me chamou, Sr. Hemingway?
— Sim, chamei. Tem realizado um excelente trabalho, Srta. Lockwood. Gostei muito do que preparou para o Natal em particular. Tenho certeza de que grande parte do sucesso das vendas foi conseqüência da decoração das vitrines.
— Obrigada.
— Eu é que quero lhe agradecer. Espero de todos os funcionários um trabalho de primeira classe. Quando encontro alguém como você, criativo e com um trabalho admirável, sinto ser meu dever cumprimentá-lo pelo desempenho.
Dawn esperou que ele continuasse. Será que receberia um aumento de salário? Talvez não. Mas o reconhecimento profissional já era por si só uma forma de gratificação. O silêncio momentâneo entre os dois foi quebrado pelo sinal do interfone. Warren Hemingway atendeu ao chamado.
— Sim, Margaret.
— A reunião com o diretor financeiro será daqui a dez minutos, Sr. Hemingway.
— Obrigado, diga que já vou — ele desligou o interfone e voltou-se para Dawn. — Gostaria de discutir um novo projeto com você, mas não tenho tempo agora. Talvez seja melhor conversarmos durante o jantar.
Dawn quase caiu da cadeira.
— O que foi que o senhor disse? Quer que eu jante em sua companhia?
— Sim, por quê? Algum problema? Espero você às oito, no Restaurante Caravelle, certo?
Ela teve uma estranha sensação, que parecia percorrer-lhe todo o corpo. As relações
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de Warren Hemingway com as mulheres eram motivo de constantes fofocas nos departamentos da loja. Nunca, porém, ela ouvira falar que ele tivesse namorado alguma das funcionárias. Talvez pela posição social que ocupava, Warren preferia mulheres que apareciam com freqüência nas colunas sociais ou personalidades do mundo artístico. Velda Knight, a bela loira que era estrela do musical de maior sucesso de Londres, fora, pelo que comentavam os funcionários, seu último romance.
Dawn sabia que era tolice pensar que o jantar significava mais do que uma conversa de trabalho fora da loja. Seu coração, contudo, batia acelerado pelo convite.
— E então, Srta. Lockwood? Será que já pode me dar uma resposta?
— Desculpe, Sr. Hemingway, eu estava pensando se poderia ou não sair nesta noite.
— E a que conclusão chegou?
— Que não há nada tão importante que eu não possa desmarcar.
— Perfeito!
Warren levantou-se da cadeira e estendeu a mão í direção a Dawn.
Até as oito então, no Caravelle. E, por favor, Srta. Lockwood, não se atrase.
— Fique tranqüilo, eu não o farei esperar. Com licença.
De volta a seu departamento, Dawn procurou por Charles Hodge. Tinha a impressão de que era melhor contar a ele sobre o jantar com o patrão.
Quando terminou de falar, Charles a olhou pensativo.
— Acho tudo isso muito estranho, Dawn.
— Parece que ele quer discutir comigo um novo projeto.
— Sim, eu estou a par do assunto. Ele me consultou antes de chamá-la. Mas. . . jantar! Warren Hemingway é uma pessoa excelente, e o admiro muito. Em relação às mulheres, porém, é um perigo!
— Você não tem com que se preocupar, Charles. Para ele, não sou uma mulher. Sou uma funcionária da loja, como qualquer outra.
— Eu não teria tanta certeza disso, Dawn. . . E digo mais, se eu fosse trinta anos mais jovem e solteiro, não a deixaria escapar.
— Obrigada pelo elogio. Mas, por que você não me adianta alguma coisa sobre esse projeto? Confesso que estou curiosa.
— Você vai saber de tudo à noite, não é?
— Ah! Charles! Não faça isso comigo!
— Vamos, Dawn! Nada de ansiedade. Vá para sua mesa e trabalhe. Assim o tempo passa mais depressa. — Se é a única solução...
No intervalo para o café, Dawn ligou para a Contabilidade e pediu para falar com Brian Clarke.
— Escute... sobre esta noite.. . Quero que me desculpe, mas não vou poder encontrá-lo, Brian.
— Mas por que, Dawn? O que aconteceu?
Dawn pensou em explicar-lhe o motivo que a impediria de encontrar-se com ele. Porém, ponderou que pelo telefone não seria aconselhável. Brian poderia não entender e talvez até brigassem. Limitou-se então a lhe dar uma desculpa.
— Eu tenho de trabalhar até mais tarde hoje. Surgiram coisas de última hora.
— De novo, Dawn! Pensei que tivesse decidido não mais fazer horas extras! Combinamos que iríamos assistir ao filme francês que estréia hoje, lembra-se?
— Claro que sim, mas ele ficará por mais dias em cartaz, podemos assisti-lo em outra noite. . . Você sabe como é o trabalho aqui na seção.
Dawn sabia que o argumento surtira efeito. Com alguma freqüência ela trabalhava à noite, já que as vitrines eram montadas quando a loja estava fechada. Brian costumava reclamar, mas não criava maiores problemas.
— Tudo bem, Dawn! Se é assim que quer... Mas, que tal jantarmos naquela cantina italiana? Eu poderia vir buscá-la lá pelas nove horas. O que acha?
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— Sinto muito, mas não vai dar mesmo, Brian. Temos um jantar de negócios com o Sr. Hemingway.
— Com o chefe? Todos da seção? Desse jeito, não vai sobrar tempo para nos vermos. .. Como sempre...
— Não se faça de vítima, Brian! Podemos nos falar amanhã e ir ao cinema, está bem? Eu ligo para você, tchau!
Dawn desligou o telefone com a sensação incômoda de ter mentido para Brian. Não gostaria de ter tomado essa atitude, mas, afinal, ela era independente e livre para fazer o que bem entendesse!
Se Brian não pudesse compreender que o trabalho era a primeira de suas preocupações, isso era problema dele. Deu de ombros e resolveu não pensar mais nesse assunto. Agora, o que tomava conta de seus pensamentos era o traje que usaria à noite: queria estar bonita sem, no entanto, perder a naturalidade. Talvez um vestido de seda. . .
Às oito horas em ponto Dawn chegou ao Caravelle. Em outras circunstâncias, estaria se sentindo segura com o vestido de seda azul-turquesa que lhe moldava o corpo e realçava o tom claro dos cabelos. Naquela noite, porém, um estranho nervosismo a perturbava, e precisou fazer algum esforço para erguer a cabeça e entrar no luxuoso restaurante. Warren Hemingway já havia chegado e conversava num canto com o maitre. Assim que viu Dawn, ele a conduziu ao bar para um aperitivo.
— Um Martini seco, Srta. Lockwood?
— Um suco de tomate, por favor. Não costumo beber.
— Eu sabia que você poderia cancelar qualquer compromisso sem grandes dificuldades.
— É, não era nada muito importante.
— E quem foi o desafortunado?
— Acho que o senhor não conhece.
Warren levantou o copo num brinde e, para surpresa de Dawn, perguntou:
— Quantos anos tem, Srta. Lockwood?
— Vinte e cinco.
— Há quanto tempo trabalha na Hemingway's?
— Há quase três anos.
— E o que fazia antes?
— Eu estudei design na faculdade. Logo que me formei, arranjei um emprego numa loja em Coventry, e trabalhei lá por um ano.
— E o que a trouxe a Londres? As luzes?. ..
Coventry é uma cidade muito animada também, Sr. Hemingway. Vim para cá à procura de maiores chances profissionais. Eu tinha perdido meus pais não havia mais nenhum elo que me prendesse àquele lugar.
Dawn fitou com mais atenção aquele homem, que, sob a iluminação do lugar, estava ainda mais atraente. Ele, satisfeito com a explicação, mudou de assunto.
— Você gosta de caviar, Dawn?
— Não sei. Nunca provei.
Um brilho de curiosidade surgiu nos olhos de Warren.
— Você me surpreende.
— Se eu mentisse, o senhor logo perceberia.
— É a única razão que a faz dizer a verdade? Quer dizer, o medo de ser desmascarada?
Dawn esboçou um sorriso enigmático.
— Não sei como responder a essa questão, Sr. Hemingway.
— Com a verdade, Srta. Lockwood. Com o que mais?
Ela pensava em uma resposta quando o garçom os avisou de que a mesa estava pronta. Ao se sentarem, Warren retomou o tom profissional que lhe era característico.
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— Você deve estar curiosa para saber o motivo desse jantar.
— Estou sim, Sr. Hemingway.
— Pois bem. Creio que você é a pessoa indicada para um projeto que desejo desenvolver na loja.
— Não entendo.
— E não pode, até que saiba ao que me refiro. Talvez encare o que vou lhe dizer como um desafio muito grande...
— Não costumo ter medo de desafios.
— Bom! Quero que faça mais do que simples vitrines. Quero que faça uma coisa nova e criativa, que atinja o público com impacto, que chame a atenção. Não estou criticando o estilo de Charles Hodge, veja bem. Ele fez um excelente trabalho no passado, mas quero um pouco mais de ousadia. Temos a sorte de estar bem localizados na cidade, o que leva os produtores da Hemingway's a serem notados com facilidade, desde que façamos as coisas certas. O que pretendo é o seguinte: todas as vitrines deverão ser criadas juntas, com o mesmo tema, no início de cada mês. E o lançamento será coberto pelas rádios, pela tevê, pelos jornais, enfim, terá uma publicidade sem igual. Desejo que todos que moram em Londres, ou estejam visitando a cidade, tenham a curiosidade de ir até a Hemingway's para ver as novidades. Quase uma atração turística, entende?
— É claro! É uma magnífica idéia! Posso até visualizar. Um tema especial a cada mês, baseado em alguma coisa que esteja acontecendo no momento e que cause sensação!
Ela falou excitada, e Warren gostou do entusiasmo com que aceitou a idéia.
— É um projeto que precisa ter no comando alguém competente e dedicado, e que não tenha medo de ousar. Alguém que esteja disposto a trabalhar com afinco, abdicando até dos próprios interesses, enfim, alguém que se entregue totalmente ao trabalho. Será que posso confiar em você, Dawn Lockwood?
— É essa a proposta, Sr. Hemingway? Quer dizer que me acha capaz de assumir um projeto desse porte?
— O seu desempenho responderá a essa questão, Srta. Lockwood. Para que possa se dedicar completa-mente, será dispensada de qualquer outra tarefa, só se ocupará desse projeto. O que me diz?
Dawn refletiu por alguns instantes. Era evidente que Warren Hemingway confiava em sua imaginação e capacidade criativa. A oferta que ele estava lhe fazendo era a chance que ela tanto esperara. Era, enfim, a oportunidade para que se destacasse em sua profissão.
Se obtivesse sucesso, poderia chegar ao topo da carreira. Seria absurdo recusar. A idéia era brilhante e a proposta, magnífica. Com convicção, ela respondeu:
— Pode confiar em mini, Sr. Hemingway! Não vou desapontá-lo!
— Ótimo!
Warren sorriu confiante e estendeu-lhe a mão. Esse gesto tão simples fez com que o coração de Dawn batesse acelerado. Longe de perceber a emoção que provocara, Hemingway retomou a conversa.
— Não creio ser uma decisão precipitada de minha parte. Tenho observado você há algum tempo, e gosto muito das idéias que tem. Seu estilo é bom, e, na seção em que trabalha, você é sem dúvida a melhor.
Uma súbita ansiedade tomou conta de Dawn. Queria começar logo o trabalho e provar que ele escolhera a pessoa certa. Contar com o apoio do próprio Warren Hemingway seria extraordinário incentivo para sua carreira.
— Quando pretende começar? — perguntou Dawn, obrigando-se a pôr os pés na terra.
— Em abril.
— Abril? São só nove semanas até lá.
— É um bom tempo. Você terá toda a assistência de que precisar, fique tranqüila.
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O jantar transcorreu animado com a discussão dos planos e projetos. Na companhia de Warren, ela se sentia inspirada e cheia de idéias.
— Abril. . . Lembra primavera. . . páscoa... casamentos.
— Isso mesmo — disse ele.
— Poderíamos fazer as vitrines com o tema do casamento, utilizando as últimas novidades em vestidos de noiva para conseguir um efeito grandioso.
— Perfeito! — concordou Warren, entusiasmado.
— Teríamos todas as vitrines centrais enfeitadas com várias noivas!
— Não! — Dawn não hesitou em contradizê-lo. — Uma noiva é figura muito importante para que seja misturada a outras. Seria melhor termos uma só em cada vitrine... em estilos diferentes, talvez. O que acha de cada vitrine representar um país, mostrando como o casamento é celebrado em diversas regiões do mundo?
— É exatamente isso que quero, Dawn. Sabia que estava certo escolhendo você!
Subitamente seus olhares se encontraram. Dawn o observava, tomada de uma confusa mistura de emoções. Aquele homem era mesmo especial. ..
— Warren, querido!
A voz ecoou às costas de Dawn. Ela se voltou e viu uma belíssima loira se aproximando,. com os braços estendidos. Warren levantou-se e deu-lhe um caloroso abraço.
— Que surpresa encontrá-lo por aqui! Saí do teatro pensando em comer alguma coisa e vim para cá. Mas vejo que você não está sozinho, querido. Por que não traz sua amiguinha para nossa mesa?
— Creio que não será possível, Velda. A Srta. Lockwood e eu estamos numa discussão de negócios e. ..
Dawn, porém, mal escutava o que era dito. Sentia-se inferiorizada diante da presença da atriz cuja foto estava constantemente nos jornais. Velda Knight, a estrela do musical Sem Perdão, que empolgava toda Londres no momento.
Ela usava um vestido negro de crepe de seda, que delineava o contorno estonteante de sua figura. Os cabelos loiro-acinzentados caíam-lhe pelos ombros, emoldurando a pele alva e sedosa.
Os dedos esguios e elegantes de Velda seguraram o braço de Warren num gesto possessivo. Embora parecesse absurdo, Dawn sentia-se enciumada e teve de lutar para controlar esse sentimento. Era difícil, porém, deixar de ser o centro das atenções para reduzir-se a uma mera funcionária que jantava com o patrão. Decidiu-se a intervir na conversa, e o fez com segurança, para seu próprio espanto.
— Sr. Hemingway, não há muito mais o que discutir. Posso ir agora e procurá-lo amanhã, já com alguns pontos mais definidos. Assim o senhor poderá passar uma noite agradável em companhia de seus amigos.
— Não, Dawn. Ainda não terminamos. — Virando-se para Velda, ele perguntou: — Como foi o espetáculo desta noite?
— Terminou com uma chuva de aplausos. Aliás, como sempre.
— Esplêndido!
— Não se esqueça da festa de amanhã, Warren. São três meses de apresentação e de sucesso que devem ser bem comemorados.
— Não vou me esquecer, Velda. Estarei lá.
Era melhor mesmo que ele estivesse. . . Embora Velda nada tenha dito, uma ameaça pairava no ar. . . O olhar incisivo daquela bela mulher não dava margens para dúvidas. Como era possível uma pessoa tão atraente ser àquele ponto possessiva?
Quando a atriz os deixou, Dawn observou:
— Está ficando tarde. Nem percebi o tempo passar. % Warren não deu atenção a seu comentário, voltando à discussão como se nada tivesse acontecido.
— Tenho certeza de que vamos trabalhar juntos sem problemas, Dawn. Ao que
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parece, partilhamos dos mesmos pontos de vista. Preciso de alguém que ponha em prática minhas idéias e que responda com sugestões criativas às minhas propostas. Exatamente como você o fez nesta noite.
— Na verdade, foram reações espontâneas, nada muito trabalhado. Quando colocarmos tudo no papel, e eu tiver detalhado o projeto, verá que nem tudo que parece brilhante à primeira vista resulta em um bom trabalho na prática. É necessário não fugir do conjunto das idéias. . .
Dawn argumentava com cuidado, na tentativa de resguardar-se, pois o chefe parecia tê-la como um poço de inspiração. Naquele instante, por exemplo, era incapaz de qualquer pensamento criativo e original. O breve encontro com Velda Knight a deixara tensa, e lhe mostrara o quanto era vulnerável ao charme de Warren Hemingway.
— O que faz nas horas livres, Dawn?
— Como?
— Eu perguntei o que você faz quando não está na loja.
— Ah, nada de muito importante. Leio de vez em quando e costumo ir ao teatro e ao cinema. Procuro praticar um pouco de natação e gosto de caminhar pelo campo...
— Imagino que você não faça essas coisas sozinha.
— Não. Tenho amigos.
— Algum em especial? — Warren perguntou com um sorriso malicioso.
— Tenho um namorado, se é o que pretende saber.
— Mas você não usa aliança, portanto não está noiva.
— Não.
— A sua convicção me leva a deduzir que seja contra o casamento. Estou errado?
— Está. Eu não tenho nada contra o casamento. Só que não pretendo me casar tão já.
— Isso soa como se você tivesse pleno controle sobre sua vida.
— E tenho mesmo. No momento, o que mais me interessa é o meu trabalho.
E era verdade. Dawn sempre buscara se tornar uma boa profissional. Encarava o trabalho como uma das coisas mais importantes na sua vida. Naquela noite visualizara novas perspectivas e tinha certeza de que poderia se transformar no gênio criativo das vitrines da Hemingway's. Era claro, no entanto, que tudo dependeria de Warren Hemingway. Ele era o apoio para obter o sucesso que pretendia. E, talvez, a recíproca fosse verdadeira, pensou Dawn. Caso contrário, por e confiaria tanto em seu talento e em sua criatividade?
Com um sorriso tranqüilo, ela acrescentou:
— Posso soltar a imaginação e criar novas vitrines, mas asseguro-lhe de que tenho os pés bem firmes no chão.
— Estou certo de que assim é, Dawn. Conte-me: onde mora?
— Tenho um apartamento do tipo estúdio na Fulham Road.
— Você o divide com outra pessoa? Ela riu.
— Isso não é possível. O espaço é muito reduzido. Ê uma kitchenette.
Warren pediu a conta e, depois de pagá-la, disse:
— Vamos, então, Dawn. Eu levo você para casa.
— Não é necessário. Posso pedir um táxi.
— Para que, se posso dar-lhe uma carona?
— Está bem então.
Garoava quando eles saíram do restaurante e entraram no carro. O Mercedes de Warren seguia rápido pelas ruas sem movimento.
Em outras circunstâncias, Dawn talvez observasse com mais cuidado as luzes refletidas no asfalto úmido e os vários padrões de guarda-chuvas, procurando inspiração para uma vitrine de artigos para chuva. Naquela noite, porém, só conseguia sentir a presença de Warren a seu lado. Nunca imaginara que algum dia isso acontecesse. No entanto, ali estava e, o que era incrível, parecia hipnotizada pelo carisma daquele homem.
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Em poucos minutos, o carro estacionou em frente ao prédio em que morava. Numa atitude gentil, ele a acompanhou até o apartamento.
— Obrigada por tudo, Sr. Hemingway. Foi uma noite muito agradável.
— Não precisa ser tão formal, Dawn. Concordo que no trabalho é apropriado manter uma certa distância. Mas, fora da loja, por que não me chama de Warren?
— Bem. . . é assim que prefere?
— Sim.
Os olhos de Warren brilhavam sob a luz fraca do corredor. Delicadamente, ele se aproximou e a puxou para perto de si. Dawn, entorpecida pelo calor que emanava daquele corpo, não ofereceu resistência quando ele pousou os lábios sobre os dela. Uma louca sensação lhe percorreu o corpo, fazendo-a estremecer. Nunca sentira tanto prazer em um beijo antes. A chave que tinha nas mãos caiu no chão. Warren abaixou-se para pegá-la e a colocou na fechadura.
— Obrigada.
Dawn abriu a porta e esperou que Warren se fosse. No entanto, ele ultrapassou a porta, adentrando-se no apartamento.
— Aonde você pensa que vai, Warren?
— Entrar com você. Por que não? Há algum motivo que a impeça de me receber.
— Eu acho que. . .
— O que é que você acha, Dawn?
— É tarde. . . e eu. . .
— Não venha me dizer que vai se recusar a uma noite de amor. Você não vai ser fria e puritana comigo. Seria uma decepção depois do beijo encorajador que me deu.
— Não foi um beijo encorajador!
— Não?!
— Você. .. me pegou de surpresa. Além disso, não é pelo fato de uma garota não querer ir para a cama com um homem que ela é puritana.
— Dawn... estamos no século XX! Se uma mulher sente-se atraída por um homem, nada a impede de dormir com ele. E você se sente atraída por mim. Percebi isso quando olhou com raiva para a pobre Velda.
— Pobre Velda? Duvido que ela precise da solidariedade de alguém!
— Quer dizer que você prefere que nosso contato seja estritamente profissional?
— Isso mesmo. Warren endureceu a voz.
— Não brinque comigo, garota. Não gosto de fazer papel de bobo.
Dawn sentiu todos os seus sonhos se desvanecerem. Por um louco instante, teve o impulso de ceder a Warren ... Afinal ele era o homem mais atraente que já conhecera, e a idéia a agradava. Mas, o que aconteceria depois? Mesmo que obtivesse sucesso no plano profissional, saberia que só o atingira porque favorecera Warren Hemingway com o próprio corpo. Não poderia fazer isso.
Era contra seus princípios. Embora parecesse doloroso renunciar aos planos que fizera, não era certo se entregar a ele por interesse.
— É um trato, então? Ou durmo com você ou assumo as conseqüências? Acabou-se a promoção e talvez eu perca até mesmo o emprego, não é?
Warren a fitou, incrédulo.
— Pela primeira vez você faz com que eu duvide da sua inteligência. Acha mesmo que dirijo minha organização dessa forma? Não, Dawn. Conservo trabalho e prazer em diferentes esferas. Se você seguisse seus instintos nesta noite e fosse para a cama comigo, não alteraria em nada o que penso sobre seu trabalho.
— Você está dizendo que ainda estou no projeto?
— Não sou de voltar atrás no que digo. O acordo permanece, tudo só depende do desempenho que tiver. Terá de provar sua habilidade e dedicar-se ao trabalho, só isso. Eu já disse que confio em você.
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— Vou provar, Warren. Não vai se arrepender de ter me escolhido.
— Espero que não. Mas arrependo-me de tê-la trazido para casa. Devia ter chamado um táxi e me despedido de você no restaurante.
— Foi o que sugeri, lembra-se?
— Então boa-noite, Dawn. Obrigado pela noite agradável. . . embora o final tenha sido decepcionante.
Dawn observou Warren ir embora. Teve vontade de chamá-lo e pedir-lhe que ficasse, que não fosse atrás de Velda no Caravelle. No entanto, conteve-se e fechou a porta em silêncio.
CAPÍTULO II
Brian e Dawn almoçavam numa cantina italiana perto da Hemingway's. Ela havia sugerido que se encontrassem fora da loja no horário de almoço porque pretendia contar-lhe sobre a promoção que ganhara na véspera. Na verdade, ensaiara durante toda a manhã a melhor forma de comunicar-lhe o fato.
Brian ia bem em seu trabalho e, com certeza, em algum tempo faria carreira na firma. Mas a contabilidade exigia técnica e cálculos, e não imaginação. Talvez fossem necessários mais dez anos para que obtivesse um bom salário. Como Dawn poderia contar sobre o salto profissional que dera sem magoá-lo?
— Quem mais vai trabalhar nesse projeto, Dawn?
— O que foi que você disse?
— Eu perguntei sobre o encontro com o chefe ontem à noite. Você me falou sobre um novo trabalho. Quem é que estava nessa reunião? Hemingway trouxe gente de fora da firma?
— Não, não havia ninguém de fora. Na realidade, só discutimos idéias que deverão ser concretizadas e apresentadas em breve. Num segundo passo é que poderei pensar em contratar pessoas para a equipe, se for necessário.
— Dawn, não entendi uma coisa: onde entra Charles Hodge nessa história?
— Não entra. Quero dizer, ele ainda é o chefe da seção, mas não tem mais nada a ver com as vitrines. Ou melhor, com o que planejarei para elas de agora em diante. Charles ficou satisfeito com a decisão e se prontificou a me apoiar no que for preciso.
Na realidade, o gerente gostara muito da idéia. Longe de ficar ressentido pelo fato de Dawn trabalhar sob as ordens diretas de Warren Hemingway, chamara a atenção dela para o quanto era importante essa nova perspectiva profissional.
— Veja, Brian, no momento o que importa é que o Sr. Hemingway mantenha o projeto, para que eu possa desenvolver as idéias que venho armazenando na cabeça há anos.
— Então a reunião de ontem à noite foi só entre você e o Sr. Hemingway? E, na falta de outras pessoas, o jantar era só com ele, certo?
— E qual é o problema? O Sr. Hemingway é muito ocupado e queria conversar sem ser interrompido. Por isso fomos a um restaurante.
— Posso imaginar o que tenha acontecido.
— E o que essa sua cabeça maliciosa acha que aconteceu?
— Ah, Dawn! Vamos lá! Nós dois sabemos muito bem a fama que esse homem tem. É um dom-juan sem medidas e troca de mulher a cada mês, exatamente como você fará com as suas vitrines!
— Que bela opinião você faz de mim, Brian! Então você acha que sou capaz de me envolver com qualquer homem que me aparecer pela frente?
— Você está compreendendo muito bem o que digo, Dawn. Warren Hemingway não é qualquer um. Ele tem dinheiro e poder suficientes para conquistar quantas mulheres quiser e na hora que bem entender.
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— Pois o seu discurso está totalmente errado, Brian. O tipo de mulher que atrai o Sr. Hemingway vem da elite. . . Todo mundo sabe disso.
— Espero que você não esteja enganada, Dawn. Mesmo assim. . .
— Mesmo assim, nada! Escute, Brian, vamos encerrar o assunto! Eu conquistei uma oportunidade de mostrar o que sei fazer, e gostaria que você compartilhasse isso comigo. . . Isto é, se você realmente me quer bem.
— Desculpe, Dawn. Mas você não pode me impedir de pensar que alguma coisa vai mudar entre nós.
— Nem pretendo. Só que não vou alimentar a sua insegurança. Além do mais, não cabe a nós prever o futuro.
Naquela tarde, Dawn foi chamada mais uma vez ao sétimo andar. Quando estava no elevador foi tomada pelo nervosismo.
Como Warren Hemingway a receberia depois do que acontecera entre eles? Será que mudara de idéia? Não, não era provável. Ele deixara claro que a queria na função. Tentando desviar os pensamentos negativos, Dawn alcançou a recepção.
— Boa-tarde. O Sr. Hemingway mandou me chamar.
— Ele está à sua espera, Srta. Lockwood.
Ao entrar, Dawn teve uma surpresa: ao lado de Warren estava Bill Gaunt, o gerente do departamento de construção e decoração. Ambos a receberam com um sorriso amigável.
— Ah, Dawn. Bill e eu estamos resolvendo os detalhes da sala que você ocupará. Pensamos em um escritório do tipo estúdio, com escrivaninha e mesa de desenho e equipado com todo o material de que necessitar. É o suficiente? Também mandei desocupar uma sala adjacente àquela que será seu escritório, para o caso de precisarmos de pessoal extra. Eu quero que você se transfira para a sua nova sala amanhã.
Dawn engoliu em seco. O projeto era complexo demais para o pequeno estúdio onde estava instalada, era verdade, mas não havia imaginado que o chefe lhe daria um escritório próprio.
— E. . . onde é que vou trabalhar, Sr. Hemingway?
— Aqui mesmo nó sétimo andar. Assim poderei acompanhar de perto o desenvolvimento das coisas. Bill a levará até lá agora para que você dê uma olhada. Depois volte para falar comigo, certo?
Dawn seguiu Bill Gaunt até o final do corredor principal. O lugar já havia sido adaptado para recebê-la de forma adequada. Era espaçoso, e a janela dava para a Catedral de St. Paul.
— Vamos passar a segunda demão de tinta nesta tarde e no máximo até amanhã teremos o telefone instalado, Dawn. Seria bom que você relacionasse o que está faltando e me entregasse a lista. Veja! Esta é a porta para a sala anexa.
— Mas cabem pelo menos dez pessoas aqui, Bill!
— Creio que é do que o Sr. Warren acha que você precisa. Não se esqueça da relação. Vejo-a depois!
Assim que se viu sozinha, Dawn explorou o novo espaço. Sentia-se excitada, porém muito nervosa. Com um suspiro, recordou o velho ditado: "Quanto mais alto o degrau, maior o tombo". Ergueu o queixo, decidida, e saiu para o corredor, indo ao encontro do chefe. Não podia permitir que a insegurança lhe atrapalhasse os planos. Warren estudava alguns gráficos quando ela entrou.
— E então, gostou da sala?
— Muito! Parece ótima.
— Está preparada para começar?
— Nunca temi nenhum desafio, Sr. Hemingway.
— Neste andar só há hora para entrar, você sabe.
— Sim. Além do mais eu já fazia horas extras com o Sr. Hodges. Não tem problema.
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Warren deixou de lado os papéis e a encarou.
— Aqui o compromisso será maior, e há um ponto que quero esclarecer logo, Dawn. Quando o projeto for iniciado, com certeza você ficará à noite trabalhando sozinha. . . comigo. Por isso, acho melhor termos as coisas bem esclarecidas entre nós. Você disse que quer que o nosso relacionamento seja estritamente profissional, certo?
— Certo?
— Então, não quero que você fique tensa todas as vezes que me aproximar de você.
— Não ficarei se não me der motivos.
— E isso vale para nós dois, está bem?
— O que quer dizer com isso?
— Você sabe, Dawn. . . Pare de me olhar como se não pudesse decidir se foge ou se corre para os meus braços.
— Isso não é verdade, e o senhor está me ofendendo! Agora, se me dá licença. . .
— Não, espere! Você tem os próximos dois dias para trabalhar sem nenhum tipo de interrupção. Na sexta, pela manhã, quero que me traga os primeiros estudos para as vitrines de abril.
— Sexta?! Mas. . .
— Sexta! Você pode fazê-lo, Dawn.
— Não acredito! — disse Brian, impaciente. — O que está acontecendo, Dawn? Você não ouviu uma só palavra do que eu disse esta noite. E quase não tocou na comida!
Eles estavam na varanda do Peacock Hotel, onde um pianista executava suaves melodias de jazz.
— Sinto muito. Mas minha cabeça está a mil por hora.
— Será que só consegue pensar nessas malditas vitrines?
— Mas é a minha grande oportunidade! E eu pretendo segurá-la com unhas e dentes. Você precisa entender, Brian.
— E eu, como fico?
— Como sempre, é lógico. Vou dedicar um pouco mais de tempo à Hemingway's, mas não acho que isso vá alterar nossa amizade,
— Você sempre tem um argumento pronto, não é, Dawn?
Ela, no entanto, já não ouvia Brian. Embalada pela música, imaginava-se no escritório de Warren, com um portfólio repleto de idéias originais.
— São perfeitas, Dawn! — dizia Warren, fitando-a com admiração. — Melhores do que eu esperava! Você é um gênio!
A voz de Brian, porém, quebrou o devaneio. —- Tem certeza de que não está dando um passo maior que as pernas, Dawn?
— Ora, Brian! Obrigada pela confiança. Você é mesmo um estímulo!
— Desculpe! Você sabe que não. . .
— Então controle as palavras! — Dawn cortou com frieza. — Entenda! Eu vou fazer com que as vitrines da loja seja um grande sucesso! Mesmo que para isso tenha de trabalhar vinte e quatro horas por dia! E, se tudo der certo, com esse currículo poderei arranjar um bom emprego em qualquer lugar do mundo!
O ressentimento estampado no rosto de Brian a fez conter o entusiasmo. Era óbvio que o súbito desenvolvimento profissional dela o assustava. . .
Os dois se conheciam desde a infância, pois suas famílias eram vizinhas. Quando adolescentes, pertenceram à mesma turma, e costumavam estar juntos em todos os lugares.
Naquela época, o futuro parecia sorrir para Brian. Ele o projetava como se nada pudesse impedi-lo de ser um executivo competente se usasse a cabeça e mantivesse a determinação.
Ao terminar o secundário, Dawn foi para a faculdade de decoração em Birmingham e passou a ver o amigo apenas quando passava os fins de semana ou as férias em casa.
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Com o tempo, acabaram por perder o contato. Alguns anos depois tornou a encontrá-lo no casamento de uma colega de escola.
— Que bom revê-la, Dawn!
— Eu digo o mesmo, Brian. Você não mudou muito.
— Mas você se transformou nesses anos! Está mais bonita do que nunca! Sempre foi a garota mais atraente da cidade. Agora, porém, está estonteante!
— Você continua um grande galanteador!
Dawn encontrara vários outros amigos durante a cerimônia, mas fora Brian quem permanecera a seu lado o tempo todo. No final da festa ele a acompanhara até a estação. Como ainda faltasse uma hora para que o trem partisse, procuraram um café para conversar.
— Faz tempo que não nos vemos, Dawn. Fale-me um pouco de você. Como vai a vida?
— Tudo bem! Gosto muito do emprego que consegui na Hemingway's. È uma loja grande, e o meu chefe, o Sr. Hodge, costuma pedir opiniões sobre o que fazer. Já estou até decorando as vitrines sozinha!
— Que sorte!
— E você? O que anda fazendo, Brian?
— Eu estou desempregado! A firma onde trabalhava resolveu fazer um corte no pessoal, e eu caí fora.
— Sinto muito!
— Pois é! E eu fiquei sem ter onde aplicar meus conhecimentos.
— Deve ter sido decepcionante. Mas suponho que não seja difícil conseguir outro emprego, não? Com as qualificações que você tem.
— Você está brincando, Dawn! Esta cidade é muito pequena. Não há mercado de trabalho. E quanto a Londres?
— Razoável.
— Você acha que eu conseguiria alguma colocação se fosse para lá?
— Olhe, não sei como é o departamento contábil da Hemingway's, mas, se quiser, posso entrar em contato com o gerente para ver se arrumo alguma coisa para você.
— Seria ótimo, Dawn. Gostaria muito.
Na verdade ela fizera mais do que conversar com o gerente contábil, o Sr. Preston. Passara-lhe o currículo de Brian, ressaltando sua inteligência e habilidade. Por sorte, havia uma vaga na divisão de controle de crédito, e Brian foi contratado.
Daí por diante, eles podiam ser vistos sempre juntos. Como Dawn não estivesse compromissada com ninguém, Brian tornara-se seu par constante. Um relacionamento agradável surgira entre os dois. No entanto, o amigo nutria esperanças de um relacionamento mais íntimo. Sempre que ele tocava no assunto, Dawn se esquivava e mudava de conversa.
Agora, contudo, ela sentia que era o momento de enfrentar a situação tantas vezes adiada.
— Ouça, Brian. Quero muito que esteja a meu lado, mas nunca escondi a importância que dou ao trabalho. Sou ambiciosa e não poderia deixar passar uma oportunidade como essa sem agarrá-la com todas as forças. Sei que posso parecer precipitada, mas não é o caso. Seja paciente comigo até que eu me organize. Então. . .
— Então você será uma mulher bem-sucedida e não se interessará por alguém como eu. Mas não vou permanecer estático no cargo que ocupo. Eu também vou subir, Dawn, você vai ver.
— Não duvido disso, Brian. Você é inteligente. E, tenho certeza, vai brilhar na sua área. Na verdade, estamos apenas começando.
Mais tarde, quando se despediam, Brian tentou marcar um encontro para a noite seguinte.
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— Poderíamos assistir ao filme que perdemos ontem.
— Não, Brian, é melhor darmos um tempo. Da forma como as coisas se encaminham, não acredito que terei disposição para sair amanhã ou em qualquer outro dia desta semana.
— Se é assim que você quer, está certo.
Dawn observou o amigo ir embora e refletiu sobre aquelas constantes mudanças de humor. Talvez ele não pudesse compreender nunca a importância do seu projeto. Pelo menos, não enquanto fosse tão possessivo. . . Com tristeza percebeu que Brian estava muito distante do jovem impetuoso e seguro que conhecera na adolescência. O futuro deles era uma incógnita, mas uma intuição lhe dizia que dificilmente eles permaneceriam juntos.
Já fazia tempo que a loja fora fechada, naquela quinta-feira, mas uma luz ainda brilhava no sétimo andar. Na sua sala, Dawn trabalhava com afinco para entregar os esboços das vitrines no prazo marcado. Até mesmo os faxineiros já tinham ido embora, e os guardas de segurança já tinham assumido seus postos.
Muitas idéias haviam surgido, e ela tivera de ser seletiva para descartar algumas e aproveitar as mais viáveis. A escrivaninha estava repleta de maquetes, e o chão, forrado de papéis com idéias rejeitadas.
Pelo menos, Warren Hemingway cumprira a promessa de deixá-la sozinha para que trabalhasse sem ser interrompida. Não o via desde a tarde de terça-feira.
De repente a porta se abriu, e Warren entrou como se adivinhasse por onde andavam os pensamentos dela.
— Você sabe que horas são, Dawn?
— Eu... não.
— São dez e meia, até quando pretende ficar aqui?
— Eu já estou quase terminando.
— É o que espero. Sei que lhe dei um prazo apertado, mas não exagere. Você já jantou?
— Tomei café e comi um sanduíche.
— E a que horas foi isso?
— Por volta de cinco da tarde, acho.
— Você vai acabar doente se continuar agindo dessa forma. Venha comigo. Conseguirei alguma coisa para você comer.
— Mas eu estou bem! É verdade!
Com um olhar impaciente, Warren se aproximou e segurou o braço de Dawn com firmeza.
— Admiro a determinação, mas detesto a teimosia. O simples toque daquele homem a fez estremecer.
O coração acelerou e um súbito calor lhe envolveu o corpo.
Ele a conduziu pelo corredor até uma porta que costumava permanecer fechada. Subiram um lance de escada até uma sala finamente mobiliada em vários tons de verde. Ao lado de uma estante repleta de livros ficava a lareira, que estava acesa, tornando o lugar especialmente acolhedor. Todos os funcionários da loja sabiam que o chefe tinha um apartamento de cobertura no prédio, mas Dawn nunca imaginara que fosse tão luxuoso.
— Sente-se. O que gostaria de comer? Que tal uma omelete e um pouco de café?
— Parece ótimo. Mas quem. . .
— Quem vai cozinhar? Eu, é claro.
— Imagine! Não vai fazer comida para mim!
— Por que não? Não acredita que eu saiba cozinhar? Posso garantir que me saio tão bem quanto você!
— Não duvido. Só que. . .
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— Só quê?
— Bem. . . você é o chefe.
— E um chefe não pode demonstrar o mínimo de consideração para com seus empregados? Olhe, enquanto eu preparo a comida, por que você não toma um drinque?
Dawn olhou em direção ao bar, onde várias garrafas estavam ao lado de um balde de gelo. Temia, porém, que o álcool lhe causasse um efeito indesejado, já que estava de estômago vazio.
Decidida a não beber, ela caminhou até uma das janelas, cujas cortinas estavam entreabertas. Lá fora, um jardim interno com pequenas árvores e arbustos rodeava uma piscina oval. Tudo ali era tão bonito que ela só desviou a atenção ao ouvir um ruído atrás de si. Era Warren que chegava. Ele tinha nas mãos uma bandeja de prata com a omelete, torradas, uvas e um bule de café.
— Pronto, Dawn. Que tal lhe parece?
— Simplesmente delicioso. Você não vai comer lambem?
— Não. Não faz muito tempo que jantei. Na verdade, estava acabando de chegar e ia até o meu escritório apenas para pegar alguns papéis quando percebi a luz da sua sala acesa. Mas a acompanho num café.
— Acho que você gostaria de saber como vão meus planos.
Warren sacudiu a cabeça em negativa.
— Dei-lhe até amanhã de manhã e pretendo conter minha impaciência até lá.
— Eu pensei que você tivesse uma governanta. Ela está de folga esta noite?
Ele sorriu, ciente do que estava oculto por trás da questão.
— E tenho mesmo. Ela vem todos os dias, exceto nos fins de semana. Só que, à noite, prefiro ter a solidão como companhia.
Dawn continuou comendo. Após alguns minutos, Warren perguntou num tom irônico.
— Está nervosa, Dawn?
— Nervosa? Por quê?
— Porque me parece que todas as vezes que estamos sozinhos você fica. . . apreensiva.
— Não. Isso não é verdade! Eu não entendo por que você insiste nesse ponto. . . — Dawn replicou com veemência, embora um pouco insegura. Apesar de ele ter assegurado que o relacionamento entre ambos seria apenas profissional, ainda achava que Warren poderia tentar alguma coisa.
— Você é mesmo muito segura, Dawn. Segura demais, eu diria. . .
Dawn deixou de lado a comida, incomodada pelo fato de estar sendo testada. Warren a olhava de forma maliciosa, como se pretendesse deixá-la vulnerável ao seu charme.
— Acho melhor voltar para a minha sala. Há algumas coisas que quero fazer antes de ir embora.
— Não, termine o seu jantar. Depois eu a levarei para casa. Chega de trabalho por hoje.
— E quem vai explicar ao chefe amanhã cedo que o projeto ficou inacabado?
— Ele é um homem compreensivo, acredite.
— Não é o que tenho ouvido. . .
Antes que Warren pudesse replicar, o telefone tocou, e ele se levantou para atendê-lo.
— Alô. Ah!, Velda! Não, cheguei em casa há pouco. É, saí para jantar. Sozinho, sim.
Por mais absurdo que fosse, Dawn sentiu ciúme da atriz, que interferia, sem saber, na sua conversa com Warren. No momento seguinte, porém, reconheceu que devia estar grata pela interrupção, e não aborrecida.
— Sim. Tudo certo para amanhã. Pego-a no teatro depois do espetáculo. Até lá, Velda. Outro para você.
Assim que Warren colocou o fone no gancho, virou-se para Dawn.
— Você ainda não comeu tudo!
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— Não, mas o suficiente. Estava muito gostoso, obrigada.
— Está um pouco pálida, Dawn. Tem se cuidado direito? É importante reconhecer os próprios limites, eu trabalho muito, mas sei quando relaxar. Espero que você o saiba também.
— Não tem motivo para se preocupar, Warren. Ele caminhou até o bar e serviu um copo de brandy.
— Beba isso, Dawn.
— Não. Não preciso.
— É só para relaxar um pouco. Tenho certeza de que lhe fará bem. Enquanto você toma isso, eu vou preparar outro café para nós.
— Está bem.
Dawn ficou sozinha na sala, ouvindo o crepitar do fogo na lareira e, mais longe, o ruído do trânsito na rua. O calor aconchegante e o conforto da poltrona fizeram-na fechar os olhos.
Um toque leve nos ombros a despertou. A seu lado, Warren a fitava com meiguice. Dawn sabia que deveria levantar-se e ir embora, mas não podia se mover. Era como se estivesse entorpecida. Warren massageou-lhe então as têmporas. Aquilo causou-lhe uma deliciosa sensação de prazer.
— Cansada?
— Sim. Percebi de repente que estou exausta.
— Tem dormido pouco, Dawn?
— Acho que sim.
— Não me espanta que esteja cansada. Mesmo que a cabeça esteja ativa, o corpo sempre pede por repouso.
Ele a ergueu com ternura e a manteve nos braços. Ela estava tão próxima dele que podia sentir o calor laqueie corpo viril. Ele aproximou os lábios e beijou-lhe as maçãs do rosto, o nariz e os lábios.
— Você é muito mais bonita do que quer parecer. Warren buscou de novo a doçura dos lábios dela e os explorou com a língua. Puxou-a para mais perto de si, e Dawn pôde sentir a rigidez dos músculos dele em contato com seu corpo.
— Não vou levá-la para casa a essa hora. Você pode ficar aqui, esta noite.
Durante alguns segundos, ela concordou, entregue à agradável sensualidade do momento. De repente, a lucidez tomou conta de sua mente e Dawn se afastou, alarmada.
— Não! Como pôde? Você.. . você prometeu. . .
— Prometi o quê?
— Que não tentaria. . . Deu-me sua palavra que não o faria! Não aceito que tire proveito do fato de eu depender de você para manter o emprego!
O rosto de Warren endureceu.
— Quando dou minha palavra, não costumo voltar atrás. Entenda isso! Eu disse que a Hemingway's nada tem a ver com o nosso relacionamento pessoal. E é verdade. Se vai dormir comigo ou se só nos veremos no escritório é outro assunto. Ficou claro?
— Nesse caso, deixe-me ir embora. Posso tomar um táxi até minha casa.
— Se afirmei que a levaria, vou levá-la. Mas, por que tanta pressa? Do que tem medo?
— Não tenho medo. Estou cansada, só isso.
— Por que não admite? Se não reprimisse com tanta fúria os próprios impulsos, passaria a noite aqui comigo. O que há de errado?
— Que impulsos estou reprimindo?
:— Ah, Dawn! Você está louca para ir para a cama comigo! É evidente! Ainda há pouco permitiu-se seguir os instintos e correspondeu com paixão ao beijo que lhe dei. A sua recusa é absurda, a menos que esteja jogando comigo. É isso? Quer manter meu interesse por você dessa maneira? Se for assim, pode desistir. Não gosto desse tipo de jogo.
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— Acabou? Será que posso ir agora?
— Está certo. Vá até sua sala e pegue o casaco. Em cinco minutos eu a encontro no estacionamento.
Sentindo as pernas trêmulas, Dawn saiu do apartamento. Warren tornara claras as próprias intenções. Era evidente que pretendia ter um caso com ela. . . Algumas noites de prazer até que se cansasse. Por outro lado, reafirmara que isso nada tinha a ver com o trabalho. Como podia acreditar nele?
Warren dirigiu pelas ruas de Londres no mais absoluto silêncio. Quando parou o carro em frente à casa de Dawn, disse-lhe apenas:
— Leve o que já criou para que eu possa dar uma olhada amanhã de manhã. Esteja em meu escritório às dez em ponto. Boa-noite.
CAPÍTULO III
A primeira parte do projeto estaria praticamente concluída em fins de março. Depois, com a montagem das vitrines, a "Operação Abril" se iniciaria enfim. O trabalho de planejamento já atravessara noites. Agora, com os acertos dos últimos detalhes e a execução propriamente dita, havia a mobilização de vários empregados, desde porteiros e seguranças até vitrinistas. Tudo deveria estar pronto para que, às onze horas da manhã do dia 1.° de abril, o público tivesse acesso à decoração inovadora das vitrines, cujo tema era: "Tempo de Primavera".
Para Dawn, as semanas que antecediam o grande dia haviam sido tensas e agitadas. Além de se encarregar da criação, ela também supervisionava o trabalho de oito pessoas. Por várias vezes tivera de pedir ajuda a Charles Hodge, para que, com sua experiência, recrutasse mais gente para o empreendimento.
O humor dela também oscilara muito durante aquele período. Passara do pânico ao excitamento de ver as idéias postas em prática.
Warren a apoiara durante todo o tempo, aprovando ou então criticando as sugestões. Ele resolvera com facilidade os problemas que haviam surgido e não tolheu Dawn na execução dos planos.
Em duas ocasiões, porém, o relacionamento harmonioso existente entre os dois foi abalado. Na primeira vez, Warren tentara persuadi-la a jantar na companhia dele, e ficara aborrecido com a recusa que recebera.
Numa segunda oportunidade, ele levara ao estúdio um lanche reforçado para Dawn e a envolvera numa conversa agradável sobre música, livros e filmes. Naquele dia ambos descobriram que tinham gostos semelhantes no campo das artes.
Mas, num dado momento, ele mudou de atitude e colocou a mão sobre o ombro dela, fitando-a com intensidade. Dawn, no entanto, não se deixou embriagar pelo carinho de Warren. Com cuidado, para não irritá-lo, ela.se afastou dele e retomou o trabalho.
— Eu não entendo você, Dawn! Por que rejeita minhas aproximações?
— Não o rejeito. É que sou sensível. E um envolvimento com você, em qualquer nível, acabará afetando meu trabalho.
— Você não consegue pensar em mais nada?
— Não com você.
— Com quem, então?
— Já deveria saber; com meu namorado, Brian Clarke, que trabalha na contabilidade da Hemingway's.
— Você tem intenções sérias com ele?
— Minha vida particular só diz respeito a mim.
— É, você tem razão. Só que não acredito que esteja apaixonada por ele. Pelo menos você não consegue convencer ninguém disso. Agora vou deixá-la, Dawn. Não quero
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incomodá-la mais. Tchau!
Assim que se viu sozinha, Dawn refletiu sobre as palavras de Warren. Era verdade que permanecia ligada a Brian, mas isso se dava em razão da amizade existente entre os dois e não por amor. A idéia de se casar com ele se distanciava cada vez mais do ideal de vida que Dawn sonhava.
Brian, por sua vez, comportava-se de forma estranha nas últimas semanas. Algumas vezes havia se referido com sarcasmo e amargura à nova posição de Dawn na loja; em outras, não escondia o medo de que ela o abandonasse assim que obtivesse o sucesso que pretendia.
A insegurança impelia Brian a atitudes contraditórias. Levava Dawn ao teatro e a jantares, gastando mais do que podia, como uma forma de se auto-afirmar. Apesar dessa situação desagradar Dawn profundamente, ela se esforçava por entender as razões do amigo e não lhe negava a companhia. Uma coisa, no entanto, era evidente. Brian tinha de se interessar por outra garota, e Dawn precisava agir nesse sentido.
A menos de vinte e quatro horas do grande dia, Dawn ficou até mais tarde no estúdio, verificando as listas de material de cada uma das trinta vitrines. Warren, de repente, apareceu à porta.
— Já para o meu escritório. Vamos tomar uma taça de champanhe.
— Agradeço o convite, mas acho que não posso ir. Ainda tenho de terminar umas coisas aqui.
— Não é um convite, é uma ordem, Dawn. Portanto, dê um sorriso e me siga. E, quando o pessoal da imprensa estiver aqui, não se esqueça de me tratar bem. Temos que salvar as aparências.. .
— Mas eles só chegarão amanhã!
— O que não nos impede de fazer um pequeno simulado.
— Não posso demorar muito, Warren. Tenho um programa para esta noite.
— Ê surpreendente que às vésperas da "Operação Abril" você ache tempo para namorar.
— Vou jantar com Brian, só isso.
— Então vamos logo. Não gostaria que você o fizesse esperar por minha causa.
No escritório, Warren abriu a garrafa de champanhe e ofereceu uma taça a Dawn.
— Ao nosso sucesso!
— Você não acha que é um pouco cedo para comemorar?
— Não. Se há uma coisa da qual tenho certeza, Dawn, é de que as vitrines da Hemingway's irão causar o maior impacto no público. E tudo graças a você.
Ela sacudiu a cabeça, num gesto negativo.
— A equipe toda merece o elogio. Sozinha eu não teria conseguido nada.
— Quanta modéstia! Mas não há equipe que funcione sem um bom comando, Dawn.
Alguns minutos mais tarde, no elevador, Dawn começava a se arrepender de ter marcado o encontro com Brian. Estava cansada pelo dia estafante que tivera e ansiava por ir para casa, tomar um banho e cair na cama. Não podia, porém, desapontar o amigo. Na porta da loja, Brian a esperava, conversando com o vigia.
— Desculpe-me pelo atraso. É que. .. apareceu um problema de última hora.
— Isso não é nenhuma novidade, Dawn. Raro mesmo é quando você não se atrasa!
— Olhe, Brian, se você já vai ficar emburrado, eu prefiro ir para casa.
— Não, nada disso. Eu só estava brincando. Que tal irmos àquele restaurante que você mencionou há poucas semanas? Fiquei com vontade de conhecê-lo.
— Restaurante que mencionei?
— Sim, o Caravelle. Você foi lá com Warren Hemingway, não é?
Dawn o fitou, surpresa.
— Brian, o que há! Você por acaso tem idéia dos preços daquele restaurante?
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— Não, mas posso imaginar. Só que quando saio com minha namorada, gosto de fazer as coisas em grande estilo.
— Ah, Brian, você só pode estar querendo brincar comigo! Para um homem como Warren Hemingway o custo do jantar foi irrelevante, mas para pessoas como nós...
Ele a interrompeu, irônico.
— Pessoas como nós? Estou surpreso por comparar-se a mim, Dawn, agora que se transferiu para o sétimo andar. Você tem até um escritório executivo!
— Isso não significa nada. Estou no andar dos executivos porque o trabalho assim o exigiu.
— Ah, sim, o esplêndido emprego! Vou mostrar-lhe, porém, que não é a única a fazer sucesso entre nós.
— Escute, Brian, eu ainda não obtive sucesso algum. Tive sorte de subir um pouco na profissão, só isso. Por favor, esqueça essa história do Caravelle!
— Nada disso. Além do mais, é muito tarde, querida. Já reservei uma mesa. Vamos, entre no táxi.
Dawn concordou, pois sabia que de nada adiantaria discutir com Brian. Conhecia bem sua teimosia.
Era mais fácil entrar no jogo que ele ditava. Seria a última vez, porém. Depois dessa noite ela o faria perceber que não se impressionava com esse tipo de demonstração.
O jantar não foi nada agradável. Além de estar mal-humorada, Dawn apavorava-se cada vez que a porta do restaurante se abria. E se Warren entrasse ali com Velda? Com certeza ele pensaria que Dawn fora até lá com o namorado apenas para fustigá-lo, o que não tinha sido, em absoluto, sua intenção. Brian, por sua vez, parecia satisfeito e alheio ao desconforto dela. Depois de dois copos de vinho, ele já estava bastante alegre.
— Sabe, eu estava pensando nas nossas férias de verão. Será que não podíamos passá-las juntos neste ano? O que acha de ir até a Espanha ou Portugal?
— Não é uma boa idéia, Brian.
— E por quê? Todos viajam juntos hoje em dia.
— Nem todos. Eu não vou passar minhas férias com você, e ponto final.
— Dê-me uma boa razão.
— É que, da forma como as coisas vão, Brian, não sei se terei férias nesse verão. Talvez um fim de semana e nada mais.
— Eu sabia! Está vendo? Esse emprego ainda vai acabar com o nosso relacionamento!
— Brian, a última coisa que quero é brigar com você, mas vamos deixar tudo claro entre nós. A coisa mais importante na minha vida no momento é minha carreira, minha profissão. Já disse isso antes, mas vou repetir, pois creio que você não me escutou direito. Se pretende que continuemos a nos ver, terá de aceitar a situação e não me criar problemas, certo?
O dia 1.° de abril chegou brilhante e ensolarado. A divulgação, feita pelo setor de propaganda surtira efeito e, às dez e meia da manhã, as calçadas em volta da loja já estavam repletas de gente. Na entrada principal, uma equipe de tevê e vários jornalistas posicionavam-se para a cobertura do evento.
Às onze horas em ponto, Dawn, acompanhada de Warren, acionou o sistema eletrônico, descerrando as cortinas de todas as vitrines simultaneamente. Do lado de fora do edifício, o murmúrio de surpresa foi geral. Ao lado de cada noiva, presentes de casamento da Hemingway's.
— E então, Dawn, sente-se orgulhosa do seu trabalho? Se ainda não está, pode ficar. Tem todo o direito do mundo.
— Você quer dizer eu e a equipe. Warren fez um gesto negativo com a cabeça.
— Os outros eram os músicos da orquestra. Você, o maestro. Agora, vamos para a entrevista.
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Na coletiva, eles receberam congratulações de todos e responderam a uma série de perguntas. Warren algumas vezes passava a palavra a Dawn, com o propósito de colocá-la em evidência.
Em determinado momento, quando ele passou o braço sobre os ombros dela para uma fotografia, uma jornalista de meia-idade, famosa pela coluna de fofocas que publicava em um jornal de grande circulação, aproximou-se de Dawn e cochichou:
— Conte-me, querida. . . será que há um quê de romance no ar?
— Não, claro que não. Ele é meu chefe, só isso.
— Mesmo os chefes são humanos. E vocês formam um lindo par.
Para o embaraço de Dawn, as primeiras edições dos jornais da tarde circularam com a sugestão velada de que o belo casal que produzira as deslumbrantes vitrines da Hemingway's não tinha uma relação meramente profissional.
Embora constrangida com a notícia, ela se manteve fria, esperando que, caso Warren visse a referência, mostrasse apenas indiferença.
No final do dia, quando as portas da Hemingway's foram fechadas, um coquetel foi servido no saguão principal para todos os funcionários. Warren se encontrava em excelente forma. Agradecia aos empregados pela cooperação na realização do projeto, que, sem dúvida, aumentaria as vendas e beneficiaria a todos.
— Devemos um brinde a Dawn Lockwood, embora tenha sido ela a primeira a reconhecer que, sem o empenho da equipe que a auxiliou, nunca chegaria a esse resultado. Obrigado a todos.
Com um copo de vinho nas mãos, Dawn circulava entre os funcionários. Pelos murmúrios que ouvia, ela deduziu que a fofoca do jornal não passara despercebida. Uma das vendedoras não perdeu a oportunidade de comentá-la.
— Da forma como vão as coisas, você vai acabar se tornando a Sra. Warren Hemingway.
— Ora, não seja tola! Não há nada entre nós! Tudo não passa de um boato sem fundamento.
Irritada, Dawn afastou-se e procurou por Brian.
Como não o encontrasse entre os presentes, ela perguntou ao gerente da contabilidade se o tinha visto. O homem sorriu, constrangido.
— Não, ele não está aqui. E sinto muito que o problema dele tenha ofuscado o brilho de hoje. Mas não havia nada que eu pudesse fazer. Tive de agir com severidade.
Dawn o fitou, alarmada.
— O que quer dizer com. . . problema de Brian?
— Ele não lhe contou? Eu tinha certeza de que você já sabia. Oh, meu Deus! Acho que falei demais.
— Sr. Preston, por favor! Diga-me o que aconteceu.
— Espero que esteja preparada para levar um choque, Dawn. Eu mesmo não entendi por que Brian fez isso, por uma tolice juvenil, não sei. Tenho certeza de que ele não previa as conseqüências de seu ato. Ele deu um desfalque na empresa, Dawn.
— Desfalque?
— É, ele foi retirando um pouco por dia, durante algum tempo, o que resultou em uma quantia razoável de dinheiro. Eu descobri o golpe ao conferir os cheques, num trabalho de rotina. Se não fosse assim, não teria percebido até a próxima auditoria.
— E onde está ele agora? O que aconteceu com Brian?
— Bem... Eu apenas o suspendi tão logo soube do desfalque, mas a última palavra cabe ao Sr. Hemingway. Imagino que ele vá despedi-lo, como costuma fazer quando encontra alguém desonesto na loja! Antes disso, porém, deve chamar a polícia. Numa firma grande como esta, as medidas adotadas têm de ser drásticas.
Dawn, atônita, já não escutava mais nada. Precisava encontrar Brian e ouvir a versão dele da história antes de aceitar a acusação. Era possível que houvesse algum erro. . .
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não podia acreditar na desonestidade do amigo. Por outro lado, lembrava-se do estranho comportamento dele nos últimos tempos. Só na noite em que haviam ido ao Caravelle, Brian gastara uma fortuna.
— O Sr. Hemingway já sabe? — perguntou Dawn, aflita.
— Não. Com tudo o que aconteceu hoje, não tive tempo de lhe contar! Pretendo falar com ele amanhã pela manhã.
— Desculpe-me. Preciso sair e ver se encontro Brian.
— Mas você não pode deixar a festa agora. As pessoas vão reparar.
— Pois que reparem. Com licença.
Dawn subiu ao escritório, pegou o casaco e em pouco tempo já estava no metro. Brian morava num quarto de uma velha casa vitoriana. Ao escutar as batidas na porta, foi abri-la de má vontade.
— Que diabo. . . Ah! é você?
— Acabo de falar com o Sr. Preston. O que o levou a fazer uma loucura dessas, Brian?
— Você também acha que sou um criminoso?
— Quer dizer que foi um engano?
— Vou devolver todo o dinheiro, tostão por tostão.
— Então você deu mesmo o desfalque?
— Só tomei um pouco de dinheiro emprestado.
— Mas. . . o Sr. Preston disse que a quantia é alta. Como é que vai devolvê-lo?
— Eu sei como. Um amigo meu tem cavalos de raça e só preciso de um pouco de sorte para ganhar um bom dinheiro com eles.
Toda a esperança de Dawn se desvaneceu.
— Cavalos?! Você enlouqueceu, Brian! Isso vai acabar conosco!
— Você disse. . . conosco? Isso significa que vai me ajudar? Não vai me deixar por alguém do seu nível social?
— Nunca pensei em deixá-lo por esse motivo!
Ao mesmo tempo que protestava, Dawn sentia que a acusação dele não estava muito longe da verdade. No entanto, ela reprimiu o pensamento e tentou achar a melhor forma de resolver a questão.
— Quanto é que você tirou, Brian?
— Cerca de quatrocentas libras.
— Isso é tudo? — ela falou pensativa.
A cabeça dela funcionava com rapidez. Tinha pensado em usar o aumento de salário para renovar o guarda-roupa. Devia ter ainda umas cento e cinqüenta libras na conta bancária e, sem dúvida, conseguiria um empréstimo com o gerente do banco. Talvez pudesse conversar com Warren e responsabilizar-se pelo débito de Brian. Por mais que a idéia não lhe agradasse, precisava fazer tudo para livrar o amigo da cadeia. E não podia perder tempo! Mesmo que o Sr. Preston só comunicasse o fato oficialmente na manhã do dia seguinte, talvez Warren ouvisse algum comentário durante a festa. Era importante procurá-lo logo, antes que fosse tarde.
— Escute, Brian. Não vou prometer nada porque ainda não sei bem o que fazer, mas vou voltar para a loja e tentar falar com o Sr. Hemingway. Talvez ele me ouça e seja condescendente com você.
— Dawn! Você é maravilhosa! Por que não pensei nisso antes? Tenho certeza de que conseguirá.
— Espero! Mas, se conheço bem Warren Hemingway, não será nada fácil.
— Mas ele confia em você, Dawn. Se quiser, poderá convencê-lo.
— Vou fazer o possível. É tudo que posso prometer. Portanto, se não der certo, esteja preparado para o pior.
Brian a abraçou entusiasmado.
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— Obrigado! Estou muito agradecido a você! Dawn tomou um táxi e voltou para a Hemingway's.
A festa já acabara, e todos tinham ido embora. Chegou à pequena porta lateral que conduzia ao apartamento de Warren e tocou a campainha. A voz dele soou pelo interfone.
— Quem é?
— Sou eu. . . Dawn. Preciso falar com você com urgência.
— Entre.
O elevador a levou com rapidez até a cobertura de Warren. Ele abriu a porta, surpreso.
— O que aconteceu com você? Sumiu de repente da festa!
— Fui resolver um problema. Escute, você soube alguma coisa a respeito de Brian?
Warren tinha uma expressão intrigada no olhar.
— Brian Clarke, seu namorado?
— Sim, ele mesmo.
— Espere um minuto. — Conduziu-a até uma poltrona e serviu-lhe um cherry. — Acho que precisa disso. Agora diga-me, o que a preocupa?
Dawn contou-lhe toda a história. Warren ouviu o relato em silêncio e, por instantes, ela temeu que estivesse falando em vão.
— Por favor, tente entender. O que aconteceu foi por minha culpa. Ele só tirou o dinheiro porque se sentiu inferiorizado diante do meu novo cargo na loja.
— Boa desculpa. . . para um gesto criminoso.
— Mas ele pretende devolver o dinheiro!
— É o que todos dizem.
— Todos? Não entendo. ..
— Infelizmente esse tipo de coisa acontece com alguma freqüência. Embora tomemos o máximo cuidado na seleção dos funcionários, alguns acabam abusando da nossa confiança. É claro que são punidos com a demissão. Meu avô agia assim, e eu mantenho a mesma linha de ação.
Dawn concordou. Não tinha como negar que a demissão era inevitável.
— Mas será que você não pode deixar que a coisa morra aí? Precisa incluir a polícia na história?
— Não posso responder isso até que conheça todos os pormenores do problema. Pelo que me contou, porém, parece que é um caso simples, trivial.
— Escute... e se eu me comprometesse a repor o dinheiro? Poderia descontar do meu salário todos os meses e...
— E então faríamos de conta que nada aconteceu?
— Não foi isso que sugeri.
— O que foi então? Você acha que só porque a nova função que ocupa a faz ter um contato diário comigo isso lhe dá o direito de obter favores para o seu namorado?
— Você seria capaz de me negar esse favor?
— Quais são os seus planos em relação a Brian Clarke? Você pretende se casar com ele?
— Não, porque não o amo.
— Ainda bem! Cheguei a subestimar sua inteligência.
— Mas o que isso tem a ver agora? Eu...
— Sei o que pensa, Dawn. Não tenho nada a ver com sua vida, não é? Será que devo lembrá-la de que veio me pedir um favor?
— Não estou pedindo nada que o prejudique! Aplique a Brian a punição que achar necessária! Só quero assumir a dívida dele. Você não tem nada a perder. Um sorriso irônico surgiu na face de Warren.
— Vou esperar até amanhã para decidir. Até lá contenha a sua impaciência, está bem?
— Mas... vai pensar na proposta que lhe fiz?
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— Olhe, Dawn, não costumo resolver nada sem ter pleno conhecimento dos fatos. Principalmente quando se trata de negócios.
Dawn se levantou. Tinha certeza de que não conseguiria de Warren mais nada além daquela vaga promessa.
— Por que não fica e janta comigo?
— Não. . . Estou sem fome.
— Percebo que está mesmo preocupada. Porém, a decisão não depende só de você Dawn.
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
— Vamos! O que é isso! Brian Clarke não merece toda essa atenção. Esqueça-o um pouco. Pense em você.
— Mas, se eu tivesse um caso com você, as coisas seriam diferentes, não é?
— Até que não seria mal. Só que não gostaria que fosse só um caso. Acredite!
— E eu posso lhe garantir que isso nunca acontecerá!
— Escute, você não quer jantar nem dormir comigo. O que nos sobra então, Dawn? O trabalho? Só isso a satisfaz?
— Eu. . . eu preciso ir embora.
Warren aproximou-se e segurou-a pelo braço.
— Levo você para casa, Dawn.
Ela puxou o braço, tentando se livrar da sensação que aquele toque lhe causava.
— Não é preciso, obrigada. Eu realmente prefiro ir sozinha.
Warren a encarou, desapontado. Depois abriu a porta do elevador e disse com frieza. — Boa-noite, se é assim que deseja.
— Devo procurá-lo pela manha? Quer dizer...
— Eu chamo você quando for hora de discutirmos o assunto.
CAPÍTULO IV
Na manhã seguinte, a equipe de vitrinistas reuniu-se na sala contígua à de Dawn para discutir os planos e verificar o material que haviam conseguido para executar o tema do mês de junho: "Os Vendedores Ambulantes de Londres".
Vários objetos interessantes estavam espalhados pelo chão: desde um alegre e colorido carrinho de mão de um mascate a um boné de vendedor de doces; de uma grande cesta de florista à vassoura de um limpador de chaminés.
Alguém conseguira um livro para pesquisa na biblioteca no qual haviam muitos dos refrões que eles costumavam gritar, além dos já conhecidos: "Quem quer comprar minhas flores?", "Cerejas, cerejas maduras!", "Bolinhos, bolinhos quentinhos!". Dawn estava satis-feita com todo aquele material, mas se sentia incapaz de liderar a reunião. A assistente-chefe, Wendy Parker, percebendo o que se passava com ela, perguntou:
— Podemos ir em frente, Dawn?
— Sim, por quê? Alguma razão para não prosseguir?
— Bem, como já disse, sairá um pouco caro alugarmos uma dúzia ou mais de carrinhos de mão, conforme estabelecemos. Por outro lado, se deixarmos para mais tarde, correremos o risco de não consegui-los.
— É melhor ir em frente então. O Sr. Hemingway não se incomodará com os preços. — Dawn retrucou, batendo com o lápis na prancheta, de maneira displicente.
— Algo errado, Dawn? Você parece tão distraída!
— Não é nada, Wendy. Só um pouco de cansaço! Antes fosse apenas cansaço, ela pensou. Brian dera um desfalque na firma e poderia ser preso a qualquer momento, e todo mundo na Hemingway's já devia estar sabendo do fato e comentando com maldade. O telefone tocou, e Wendy foi atendê-lo.
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— Sim, Margaret. Vou avisar. Dawn, o chefe mandou te chamar.
— Creio que podemos encerrar a reunião. Voltamos a conversar quando tivermos mais material, está bem?
Warren estava junto à janela, olhando para fora, quando Dawn entrou. Devagar, ele se virou para recebê-la.
— Bom dia, Dawn. Sente-se.
Embora preferisse ficar de pé, ela sentia as pernas trêmulas e preferiu obedecê-lo. O rosto de Warren não deixava transparecer uma só emoção, e os olhos cinzentos a fitavam curiosos.
— Já tenho todos os detalhes do caso Brian Clarke. E são piores do que eu esperava. Estou espantado que ele tenha sido tolo o suficiente para achar que não seria descoberto.
— Brian pretende devolver o dinheiro. E o fará, acredite!
— Apostando em cavalos? Não seja tola. Ele se afundaria ainda mais, na ilusão de um dia ganhar nas corridas e devolver o que tomou "emprestado" da firma. Esse homem vive no mundo da lua!
— O que pretende fazer, então?
— Isso depende de você.
— De mim? Quer dizer que concorda que eu pague a dívida de Brian?
— Não foi o que eu disse.
— Não entendo. O que depende de mim, então?
Warren não respondeu de imediato. Em vez disso, apertou o botão do interfone e avisou:
— Não quero ser interrompido nos próximos vinte minutos. Certo, Margaret?
— Certo, Sr. Hemingway.
Sem pressa, ele se recostou na cadeira e cruzou as pernas. Estudou com calma o rosto de Dawn e, depois de algum tempo, disse:
— Pode ser que a princípio ache minha proposta um tanto estranha, mas, se pensar nela com cuidado, verá que pode ser uma boa solução. Sabe, há algumas semanas eu tenho observado você mais de perto. E confesso que estou impressionado com a objetividade com que conduz o trabalho, desde os detalhes até o acabamento. Além disso, admiro sua capacidade de inspirar confiança à equipe e a segurança que demonstra em público. Foi perfeita ao aparecer na tevê.
— E então. . .
— Não só provou que nós dois podemos trabalhar em harmonia como também passou isso para os outros. Houve até um comentário no jornal dizendo que éramos mais do que patrão e funcionária. . .
— Os jornalistas inventam absurdos para conseguirem uma boa notícia.
— Não vejo isso como absurdo. Aquela mulher percebeu o entendimento que existe entre nós, pelo menos quanto ao aspecto profissional, e o estendeu para o lado afetivo. Podíamos aproveitar a oportunidade.
— Onde quer chegar?
— Vou direto ao assunto, Dawn. Talvez fosse uma boa idéia nos casarmos.
— Casar? — ela murmurou, surpresa. — Isso é uma brincadeira?
— Não, não é, Dawn. Considere as vantagens. Do seu ponto de vista, parece-me irrecusável. Do meu. .. obtenho uma esposa e uma sócia ao mesmo tempo.
Você será um excelente par para alguém na minha posição. Todas as qualidades que apresenta são valiosas para uma esposa de qualquer homem de negócios. . . Dawn o interrompeu, furiosa.
— Nunca ouvi uma proposta tão arrogante e machista! E você a trata como irrecusável!.. . Ora, presumo que pense que me fará um favor, caso eu, pobre mortal, consiga me casar com um deus! Não duvido que encontre por aí dezenas de mulheres dispostas a aceitar uma situação dessas. Mas não eu, Warren Hemingway!
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— Deduzo que só acredita em casamentos onde há falta de dinheiro, então. . . — comentou Warren, sarcástico.
— O que não admito é a falta de amor!
— Ah!... amor.. . Sempre achei esse argumento o alimento das fantasias femininas! As mulheres têm de criar alguma coisa para escaparem da vida real.
— Você está errado, Warren. E confirma a impressão que eu já tinha a seu respeito. É um homem cínico e presunçoso! Se quer mesmo saber, nunca me casaria com alguém sem amor.
— Com toda essa determinação, não vejo por que seja impossível para você me amar.
— Nunca!
Warren ergueu uma das sobrancelhas, numa expressão irônica.
— Não se esqueça de que me pediu um favor. Veio aqui nesta manhã para saber da minha decisão sobre o caso de Brian Clarke. E ela depende de você. Reflita, Dawn. Quero fazer um acordo: você se casa comigo, e eu não mando seu amigo para a cadeia.
— Mas isso é chantagem!
— Dê o nome que quiser. Eu prefiro dizer que estou lhe oferecendo um agradável compromisso. . . que virá ao encontro de todos. Além disso, causará inveja a muitas mulheres.
— Minha resposta é não.
— E vai perder a oportunidade de salvar o ex-namorado?
— Se está com tanta vontade de se casar, por que não procura outra pessoa?
— Porque escolhi você, Dawn. Gosto do seu jeito. Além do mais, é bonita, inteligente e atraente. Vamos, Dawn, está mesmo contra a idéia? Sei que se sente atraída por mim, tive a prova naquela noite.
— E nunca mais!
— Está segura disso?
— Muito! E tem um porém: não acho que o casamento deva ser tratado como um acerto comercial.
— Está bem. Se tem certeza de que não quer ter relações sexuais comigo, vamos esquecer este aspecto. Não será de vital importância.
Dawn o fitou, incrédula.
— Ouvi direito? Está dizendo que se casaria comigo mesmo não havendo nenhum contato sexual entre nós?
— Por que não? Alguns dos relacionamentos mais bem-sucedidos são feitos por conveniência, baseados em atitudes platônicas. Não precisamos de nenhum contato físico. Exceto, é claro, para termos filhos.
O modo frio e desapaixonado com que aquele homem se referia a coisas tão importantes a deixou revoltada. No entanto, ela conteve a raiva e deixou que ele conti-nuasse a falar.
— Vou ser franco, Dawn. Fazer amor com você me parece muito agradável. Mas, se não fazer for uma condição para nos casarmos, tudo bem. Há muitas outras vantagens em jogo. Você é quem decide. Prometo que respeitarei sua vontade.
O instinto de Dawn ainda lhe dizia que "não" era a melhor resposta. Como poderia ter garantias de que Warren cumpriria a promessa?
— Suponho que, nesse caso, você manteria a vida que costuma ter. . . com várias namoradas.
— Não é bem assim, mas vou estar livre para buscar o prazer em outros lugares.
— Você está louco!
Warren olhou insinuante para os seios dela.
— De desejo, talvez.
Dawn ficou em silêncio, sentindo o rosto queimar. Odiava Warren Hemingway, embora não pudesse negar que exercesse um inquietante fascínio sobre ela. Mesmo agora,
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furiosa como estava, desejava ir para a cama com ele, sentir o contato daquele corpo másculo de uma forma mais íntima.
— Dawn, reflita! Estou lhe fazendo uma proposta irrecusável e que beneficiará nós dois. Se trabalharmos juntos, ninguém nos vencerá no mundo dos negócios.
— Quanto a isso, concordo plenamente, Warren. Mas, casamento. . . nem pensar. ..
— Escute. Você está deixando que os sonhos românticos da adolescência a impeçam de ver a realidade das coisas. Quando paro para analisar os casamentos de amigos meus, sinto que nenhum deles está firmado em bases tão sólidas quanto o nosso poderá estar.
— Suspeito, então, que eles têm sorte.. .
— Você está sendo teimosa.
Warren aproximou-se e passou a mão pelos ombros dela. Perturbada, ela repeliu o gesto.
— Está certo, Dawn. Vou voltar ao início da conversa. Você é quem escolhe: ou aceita a minha proposta ou mando Brian Clarke para a cadeia.
— Como pode pensar em se casar comigo sabendo o quanto o odeio?
— Isso não me preocupa. É apenas o primeiro sentimento, não o definitivo. O que me diz então?
Dawn hesitou. Precisava refletir com cuidado sobre o que fazer, para que não se sentisse culpada depois. O futuro dela e o de Brian estavam em jogo. Se dissesse "não", Warren mandaria o amigo para a cadeia. E, se dissesse "sim", estaria presa a um homem a quem desprezava, e pagaria um preço muito alto pela liberdade do amigo.
— Olhe, vou lhe dar um tempo para pensar, Dawn. Um tempo curto, porém, porque devo agir com rapidez em relação ao problema. Espero a resposta até esta noite. Suba até a cobertura quando terminar o expediente.
— Mas. . .
— Reflita e deixe a emoção de lado. . . Ela é muito perigosa.
Dawn voltou ao estúdio sentindo-se deprimida e vazia. Esqueceu o trabalho e passou a analisar a questão de forma fria e racional. Por que iria sacrificar-se por Brian? Se ele tinha errado, que arcasse com as punições a que estava sujeito. Era absurdo aceitar a proposta só para protegê-lo. Mas, seria mesmo um sacrifício tornar-se esposa de Warren Hemingway? Sempre acreditara que um casamento só se realizava quando havia amor de ambos os lados. Nesse caso, porém, isso não acontecia. Deixaria, então, que Brian fosse preso?
E se aceitasse? Sem dúvida a união se manteria no mesmo nível satisfatório que o profissional. No entanto, quem poderia garantir que Warren cumpriria a promessa de um relacionamento platônico? E os filhos? Não podia concordar em aceitar um ato sexual mecânico, só para gerá-los.
De repente, lembrando-se do prazer que sentira nos braços daquele homem, Dawn estremeceu. A sensação do corpo de Warren cheio de desejo junto ao dela, proporcionando-lhe emoções desconhecidas, ainda estava bem viva. Tentou tirar aquela imagem da mente, mas não conseguiu. Se concordasse em casar-se com Warren, toda a sensualidade que ele lhe despertava teria de ser reprimida.
Depois que todos os funcionários do sétimo andar haviam ido embora, Dawn subiu à cobertura de Warren com a decisão tomada. Bateu à porta.
— Entre, Dawn.
Na sala, Warren perguntou:
— E então, já tomou uma decisão?
— Você mantém o que disse nesta manhã?
— Sem tirar uma vírgula.
— Então, se você vê o nosso casamento como um acordo comercial, podemos torná-lo real sem que seja necessário nenhuma cerimônia. Eu me comprometo a assinar um
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contrato com a Hemingway's pelo número de anos que achar melhor.
— Isso não funciona, Dawn.
— Você pode redigi-lo da forma que achar melhor.
— Volto a lembrá-la de que ou se casa comigo ou Brian vai para a cadeia.
— Se eu aceitar você promete não o denunciar?
— Essa é a própria essência do acordo. Não poderia deixar de cumpri-la.
— Mas quero algo mais.
— Você não está em condições de exigir nada, Dawn. Mas, de qualquer forma, posso escutá-la.
— Sei que Brian terá dificuldade em encontrar uma nova colocação depois de tudo o que aconteceu. Será que você não poderia readmiti-lo?
— Isso é impossível, Dawn. Uma vez reconhecida a falta, aceitá-lo de volta seria estimular outros funcionários a fazerem o que ele fez.
Dawn ergueu os olhos e encarou Warren, desafiante:
— Só concordo com o casamento se você conseguir um emprego para Brian.
— Está sugerindo que eu deva oferecer a algum conhecido um funcionário que costuma se apropriar do que não lhe pertence?
— Mas ele aprendeu a lição. Tenho certeza de que não repetirá o erro.
— Pois eu não tenho tanta certeza disso. A melhor solução é prevenir para que não aconteça outra vez.
Dawn tentou interferir, mas Warren fez um gesto para que esperasse.
— Veja, eu não disse que não aceito a sugestão. Talvez possa mandá-lo para a nossa filial no leste, com o cargo de controlador de estoque. Precisamos de alguém lá, e Brian não teria acesso a dinheiro. É só uma possibilidade, porém.
— Você me fez uma proposta e deu-me até a noite para respondê-la. Pois bem... eu me caso com você, Warren, exatamente nos termos que sugeriu.
A expressão severa que ele tinha no rosto deu lugar a um sorriso caloroso.
— Ótimo! Você não vai se arrepender. Garanto. Warren aproximou-se para abraçá-la. Mas Dawn recuou com rapidez.
— Por favor, não.
— O que quer dizer com isso? Não é com um beijo que se costuma selar um casamento?
— Creio que essa tradição não se aplica ao nosso caso.
— E por que não?
— Porque nossa união é feita por conveniência.
— Isso não quer dizer que tenhamos de levar as coisas ao pé da letra. Qual é o problema de trocarmos um beijo de noivado?
Todos os problemas do mundo, Dawn pensou, temerosa. Se permitisse que ele a beijasse, talvez perdesse o autocontrole e se entregasse às carícias de Warren. E, caso sucumbisse ao desejo, não conseguiria mais fitar-se no espelho. Seria como se o próprio corpo fizesse parte do acordo que fora obrigada a aceitar.
— Combinamos uma coisa, Warren, e espero que você a respeite. Não haverá intimidade entre nós, entendido? E, já que está tudo certo, acho que posso ir embora agora. Deixo a seu encargo a escolha do dia e da hora da cerimônia. Peço, porém, que me avise com alguma antecedência.
Embora surpreso, Warren tinha um certo brilho de admiração nos olhos.
— Você tem um autocontrole invejável.
— Não é o que espera de mim?
— Foi você quem o disse. E, quanto aos preparativos, eu cuido de tudo e a informo depois.
— Você vai entrar em contato com Brian para oferecer-lhe o trabalho?
— Já lhe disse o que pretendo fazer com ele. Não se preocupe mais com esse
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assunto.
— Mas se é por causa dele que estou aqui!
— Está bem, Dawn. Você venceu. Em vez de selarmos o noivado com um beijo, vamos apertar as mãos, como num acordo comercial.
Incapaz de recusar, Dawn apertou a mão que ele lhe oferecia. Porém, aquele mínimo toque físico a fez queimar de desejo. E seria sempre assim, pensou ela desesperada. Sempre.
CAPÍTULO V
A perspectiva de reencontrar Brian estava fora dos planos de Dawn e, nos poucos dias que antecederam à comunicação do noivado, ela se resguardou de qualquer contato com as pessoas, exceto o profissional. Uma noite, porém, Brian a procurou no apartamento.
— Percebo agora o quanto fui tolo — ele confessou, com uma certa vergonha. — Obrigado, Dawn, pelo novo emprego. Pode não ser grande coisa, mas é a minha oportunidade de provar que não sou desonesto. Vou conseguir me reerguer, você verá!
— Tenho certeza de que vai, Brian. E sei que você
se sairá bem.
— Reze por mim. Talvez um dia eu alcance o mesmo nível profissional que você.
— Escute, Brian, é difícil para mim dizer isso, mas... Bem, eu já havia decidido, antes mesmo que essa história do desfalque viesse à tona. Sabe, eu gostaria que não nos encontrássemos mais.
— Mas por quê? Você se considera melhor do que eu, não é? Na certa Warren Hemingway é uma pessoa mais adequada a seus planos.
— Não é nada disso, Brian! Acho até que podemos ser amigos. Mas não quero nenhum outro tipo de compromisso.
— Mas, Dawn, sempre pensei que íamos nos casar!
— Nunca tocamos nesse assunto, Brian. Admita.
— Existe outra pessoa?
— Não estou apaixonada por ninguém e creio que nunca ficarei.
— Então é o que eu disse: você acha que não sou um partido interessante.
— Você está enganado, Brian! Mesmo que eu ainda estivesse no antigo cargo e sem perspectivas de mudança, ainda assim eu romperia com você. Não é um ato impulsivo. Venho pensando nisso já há bastante tempo. Só não falei antes porque temia magoá-lo e perder a sua amizade.
Brian, mesmo decepcionado, aceitou a situação. Não tinha outra escolha diante da firmeza com que Dawn lhe participava a decisão. Ela, por sua vez, se sentia mal ante o sofrimento do amigo, ainda mais por não poder contar a ele sobre o casamento com Warren. Mas como argumentar que fazia isso para livrá-lo da cadeia?
Dias depois, o noivado foi anunciado oficialmente, numa pequena nota na coluna social.
De um dia para outro, Dawn transformou-se no centro das atenções. Se saía com Warren para jantar, no dia seguinte a foto deles estava estampada no jornal. Um jornalista chegou até mesmo a procurá-la para uma entrevista.
O relacionamento com sua equipe de trabalho também se modificou. Eles passaram a tratá-la com mais formalidade, já que seria a esposa do patrão. Dawn, porém, conversou com todos e pediu que as coisas permanecessem como eram antes. Mas não foi fácil. Muitas pessoas a invejavam e se ressentiam com a sorte que tivera. Wendy, a assistente, comentou um dia:
— Para alguém que vai se casar com o homem mais cobiçado de Londres, você não parece muito feliz.
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— É claro que estou feliz! Acontece que há moitas coisas para serem resolvidas. Viajaremos logo após a cerimônia e tenho de encontrar tempo para tomar todas as providências.
Apesar dos protestos de Dawn, Warren abriu uma conta bancária em nome dela, para que comprasse o enxoval. Deixou claro na ocasião que desejava uma esposa bem vestida. Escolher as roupas adequadas não era para ela nenhum problema, já que um senso estético refinado era requisito fundamental para seu trabalho. Os preços, porém, a assustaram. Como jamais se imaginara vestida em trajes tão elegantes quanto os que comprava então, nunca se preocupava com o quanto custavam.
A Hemingway's possuía uma seção especializada em artigos femininos, dos mais simples aos mais sofisticados. Lá, Dawn escolheu também o vestido de noiva. Confeccionado em seda pura, o modelo era justo até a cintura, o que lhe valorizava o corpo bem-feito. Uma saia drapeada que ia até o chão se encarregava de dar leveza e elegância aos movimentos.
O casamento, marcado para o meio do mês de maio, aconteceu em uma esplêndida manhã de primavera, de céu muito azul. Dawn chegou à igreja de Mayfair às onze horas e ficou assustada com o número de pessoas presentes.
Depois foi oferecida uma recepção num dos melhores hotéis de Londres, cujo salão de festas fora decorado com flores da época.
Entre os vários convidados, muitos dos quais Dawn via pela primeira vez, estava um homem grisalho, de rosto rude. Acompanhava-o uma garota insípida e tão sem graça, que fazia o vestido caro que usava parecer simples algodão. Warren apresentou-os à esposa:
— Dawn, este é Vernon Fontescue, proprietário do prédio em frente à loja. E esta é sua filha, Penélope.
— Muito prazer, Sr. Vernon.
— O prazer é meu conhecer uma mulher tão bonita.
Warren teve mesmo bom gosto. Soube que trabalha na Hemingway's.
— É verdade, Vernon — respondeu Warren. — E posso garantir que Dawn é tão talentosa quanto bela.
— Sei que a ocasião não é propícia, mas acho que podemos concluir aquele nosso negócio. Mande seus advogados entrarem em contato com o meu departamento jurídico para resolvermos a transação.
— Certo, Vernon. Vou providenciar isso, com rapidez.
— Venha, Penny — chamou o pai. — Cumprimente os noivos. Há outras pessoas esperando para serem apresentadas à esposa de Warren.
A garota estendeu a mão e murmurou alguma coisa, mas tanto o gesto quanto as palavras foram inexpressivos. Dawn sentiu-se curiosa em relação a eles, e, mesmo recebendo o cumprimento de outros convidados, não deixou de prestar atenção na estranha dupla. Mais tarde, pediria maiores detalhes sobre Vernon ao marido. Será que ele lhe diria alguma coisa? Afinal, não era um casamento como os demais, onde marido e mulher podem conversar abertamente.
Um súbito pânico tomou conta de Dawn ao pensar no tipo de relacionamento que os uniria. Teria cometido um ato insano? Preocupada, tentou manter-se sorridente, pois era o que a situação exigia. Warren não percebia o estado de Dawn, nem mesmo parecia ner-voso. Ao contrário, mostrava-se seguro de si, e a beijava como qualquer noivo apaixonado.
Após a festa, eles viajaram para Paris, em lua-de-mel. Era a primeira etapa da viagem que Warren sugerira. Iriam percorrer as principais capitais da Europa, aproveitando para fazer contatos profissionais.
Uma limusine já os esperava no aeroporto Charles de Gaulle para levá-los ao hotel. Ao chegarem, foram cercados por jornalistas e fotógrafos. Depois de algumas declarações, eles conseguiram, finalmente, ficar a sós na suíte nupcial. Warren dirigiu-se a Dawn com
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um olhar malicioso.
— E então, Sra. Hemingway? Como se sente?
— Com vontade de trocar de roupa.
— Está muito cansada?
— Não, por quê?
— Pensei que talvez pudéssemos passear um pouco antes do jantar. O que acha de irmos ao Arco do Triunfo? De lá pode-se avistar toda a cidade. Sabe o que dizem sobre Paris?
— Não. O quê?
— Que é a cidade dos amantes, dos apaixonados. Dawn retrucou, evasiva:
— Interessante. Eu vou tomar um banho antes do passeio.
A suíte nupcial era decorada em tons de rosa, branco e ouro. As paredes, revestidas de um belíssimo papel com motivos chineses, combinavam com um tapete do mesmo estilo. Cortinas leves completavam o aconchego do lugar.
Dawn prendeu a respiração. Tudo ali era bonito demais. Depois de desfazer as malas, ela vestiu um robe de cetim e foi para o banheiro. Trancou a porta, encheu a banheira e relaxou o corpo tenso pelos acontecimentos do dia. Ao sair, encontrou Warren. Ele tam-bém usava um robe, só que curto, amarrado frouxamente à altura da cintura.
— Você fica muito atraente desarrumada, Dawn. Mais ainda do que eu havia imaginado.
— Vou aproveitar para trocar de roupa enquanto você toma banho, está bem?
— Certo. Volto em dez minutos.
Dawn colocou um elegante vestido verde, que lhe realçava o tom claro da pele e dos cabelos. Mirou-se por algum tempo no espelho e, satisfeita com a própria imagem, sentiu-se pronta para esperar pelo marido.
Por uma porta de vidro, ela saiu para a varanda. O ar do fim de tarde estava agradável e de algum lugar vinha o som de um acordeom. Absorta que estava, não percebeu que Warren se aproximara. Ele colocou as mãos sobre os ombros de Dawn, e ela se sobressaltou.
— Assustei você, Dawn?
— Sim, eu estava distraída.
— Ainda não se habituou às intimidades da vida de casada, não é? Devo dizer que aprovo a escolha do vestido. Você está muito bonita.
— Obrigada.
— Não precisa ficar tímida quando lhe faço um elogio. Farei isso sempre. Você é uma mulher muito atraente.
Dawn tentou desviar o assunto. —- Estou pronta.
— Para quê? — ele insinuou.
— Não brinque, Warren, por favor. Não vejo graça nesse tipo de brincadeira. Podemos ir?
— Quando quiser.
Na rua, Warren abraçou Dawn e, enquanto caminhavam, perguntou:
— Quando esteve pela última vez em Paris, Dawn?
— Há alguns anos, com o pessoal da escola.
— A situação então era bem diferente de uma lua-de-mel, não é mesmo? — ele brincou.
— Agora tudo é muito mais luxuoso. Naquela época visitamos os pontos turísticos, pensando no trabalho escolar que tínhamos de desenvolver.
— O objetivo era estritamente cultural, não?
— Sem dúvida. Desta vez, porém, pretendo ver as últimas novidades em decoração de vitrines. Espero aprender bastante.
— Tenho certeza que sim.
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— Escute, Warren, aquele homem na recepção... Vernon Fontescue. O que ele quis dizer com "concluir o negócio"? O que tem nosso casamento a ver com isso?
— Nada. Ele estava comunicando que ia mandar os advogados à Hemingway's.
— A filha dele parece um ratinho acuado.
— Pobre menina! Penny é um problema para o pai.
— Em que sentido?
— Precisamos mesmo discutir Penélope Fontescue? Acho que temos coisas mais interessantes para conversar.
Talvez, refletiu ela, mas esse era um bom assunto para distrair Warren. Na recepção, todas as vezes que a beijara, Dawn sentira um frio na espinha. Precisava precaver-se, caso contrário seria fácil abandonar-se às carícias do marido e esquecer o acordo que haviam feito. Por outro lado, não tinha sentido manter um relacionamento platônico se o seu corpo ansiava pelo de Warren. Mas.. . e o amor? Como admitiria o fato de estar apaixonada, sabendo de antemão que ele não acreditava nesse sentimento?
Alheio ao que se passava na cabeça dela, Warren apontou uma butique. Na vitrine estavam dispostos, sobre um pedestal de vidro, bolsas, luvas e sapatos. O fundo, feito de cetim branco, produzia um efeito espetacular. Dawn parou e admirou a disposição dos objetos.
— Maravilhoso! Um espaço tão pequeno e tão bem elaborado! Você não sente vontade de entrar e ver a loja por dentro, Warren?
— Por que não o fazemos? Quem sabe compramos alguma coisa interessante que lhe agrade.
— Não, não é isso. Eu pensava como vitrinista. O trabalho está muito bem-feito. Os franceses parecem ter um dom especial nesse campo. Estou ansiosa para ver as grandes lojas!
— Não teremos tempo para ver todas, Dawn.
— Mas se é por isso que estou, aqui!
— Há também outras coisas a fazer. Vamos nos sentar num desses cafés que têm mesinhas na calçada e pedir um bom vinho? Conheço um lugar bem perto daqui.
— Está bem, Warren.
Eles andaram alguns quarteirões e chegaram a um aconchegante café. Depois de pedir o vinho, Warren retomou a conversa.
— Os franceses mantêm suas tradições tão fielmente que são imitados por muitos povos, inclusive por nós.
— Em alguns aspectos. Eu diria que são bons em arte, em comida e. . .
— No amor? — sugeriu ele, com um sorriso insinuante.
— É... Acho que sim. Mas não era sobre isso que desejava falar.
— Prefere uma visão mais romântica, certo?
— Sim. O que há de errado nisso?
— Nada. Ainda acho que amor é um sentimento típico das mulheres.
— E quanto aos homens?
— Os homens têm os pés no chão.
— Diz isso por você?
— Sim. Veja o exemplo... Herdei o controle da Hemingway's de meu pai, e desde então consegui duplicar os lucros da empresa. Não acredito que poderia ter feito isso se não tivesse os pés no chão.
— E qual é a definição que dá aos românticos? Gente que tem a cabeça nas nuvens? Simples idealistas?
— Pode ser.
— Algumas pessoas o considerariam cínico se o ouvissem falar dessa forma.
— Inclusive você, não é?
— Eu, pelo menos, não fico envergonhada quando me chamam de romântica.
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— Nem há motivo. No seu trabalho, em particular, isso é uma vantagem, Dawn. No meu, não é. Pense um pouco. O que aconteceria aos departamentos artísticos e criativos da loja, ou mesmo a todos os funcionários, se eu não fosse como sou... um cínico?
— Você está sendo radical, Warren. Um policial não pode abrir mão de alguns sentimentos de humanidade, como a compaixão, por exemplo.
— Concordo. Fica claro então que você condena algumas das minhas atitudes como patrão. Quais as críticas que tem a fazer, Dawn?
— Talvez seja melhor eu ficar calada.
— E por quê? Como minha esposa tem todo o direito de se manifestar. Sou mau patrão? A escalada de salários da Hemingway's é a mais alta de Londres.
— Não duvido disso, Warren.
— Então, por que me tem em tão baixo conceito? Não pode ser pela forma como tratei Brian Clarke! Fui generoso com ele. Até demais para o meu gosto.
— Chantagear-me faz parte da sua... generosidade?
— Acha mesmo que fez mau negócio se casando comigo, Dawn? Inúmeras mulheres discordariam de você, fique certa.
Sem dúvida, pensou Dawn com tristeza. A maioria da equipe feminina da Hemingway's olhava para o chefe como se ele fosse o homem mais atraente que já tivessem visto. Invejavam-na, com certeza. Mas se soubessem o alto preço que lhe fora cobrado.. .
— E por que você não escolheu uma delas, então? Será que é pela sensação de poder possuir uma mulher sem que ela tenha direito de rejeitá-lo?
— É assim que pensa? Pois me pareceu um acerto vantajoso para ambos os lados. Você terá, de agora em diante, a oportunidade de desenvolver o talento que possui sem ter de se preocupar com concorrentes. E eu ganhei uma esposa que, sem dúvida, será um bom investimento. Quero apresentá-la a alguns de meus sócios franceses, mas não hoje. Creio que a primeira noite da lua-de-mel de um jovem casal deve ser passada à margem do resto do mundo. Ou isso me torna um tolo romântico?
O brilho existente no olhar de Warren fez com que Dawn desejasse que eles tivessem ura compromisso marcado para aquela noite. Ela se sentiria mais segura na companhia de outras pessoas.
— É difícil aceitar que um homem que compara a esposa a um bom investimento possa ser chamado de "tolo romântico".
— Dawn, querida! Você e eu possuímos excelentes bases para um relacionamento bem-sucedido: vantagens mútuas e atração sexual. O que mais poderíamos desejar?
— Muito mais!
— O quê, por exemplo?
— Respeito, companheirismo, amor. Mas não acho que essas qualidades o atraiam.
— Claro que sim. Só que não são imprescindíveis. Podemos muito bem conviver sem que as tenhamos como prioridade, não acha?
Dawn fechou os olhos, desalentada. Fizera um pacto com aquele homem e o levaria ao pé da letra. Seria sócia, secretária particular, anfitriã, tudo o que fosse necessário para dar credibilidade à união. Nada além disso.
— Suponho que esteja correto. Só que limitaremos o casamento à vantagem mútua. E basta.
— Sem o lado físico?
— Isso mesmo.
— Pelo que conheço de você, Dawn, acho que está exigindo muito de si mesma. Vamos? Prometo-lhe um esplêndido jantar.
Warren a levou a um luxuoso restaurante, próximo ao Sena, onde se executava música de orquestra. Ao chegarem, foram conduzidos pelo maitre a uma mesa junto à pista de dança. Dois garçons apressaram-se em trazer um grande buque de rosas e uma garrafa de champanhe. Dawn compreendeu quando o maitre falou, em francês, que era uma
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oferta da casa, com os cumprimentos do gerente.
A orquestra começou então a tocar e um facho de luz iluminou a mesa. Com sorrisos amistosos, os presentes deram uma salva de palmas aos recém-casados. Warren, bastante à vontade, sorriu e agradeceu a homenagem.
Dawn, intimidada com a recepção, baixou os olhos. Alguns minutos mais tarde, quando não eram mais o centro das atenções, ela tomou um gole de champanhe e olhou ao redor. Tinha de admitir que, de todos os homens que ali se encontravam, o marido era o mais atraente.
— Vamos dançar, Dawn?
Surpresa, ela a princípio hesitou. Mas achou que era bobagem se privar de um bom momento. Olhou para Warren e respondeu, decidida:
— Vamos.
Na pista, ele a tomou nos braços e ambos foram envolvidos pela música suave. Por instantes, Dawn se esqueceu dos problemas e se deixou levar por aquele corpo firme e musculoso. Com os lábios entre os cabelos dela, Warren murmurou:
— Você está tão bonita! Não há um só homem nesta sala que não esteja com inveja de mim.
As palavras tiveram sobre Dawn o efeito de um banho gelado.
— É mais uma parte do acordo? Provocar inveja nos outros?
— Por favor, Dawn. Não estrague nosso jantar. Vamos nos sentar e tomar mais um pouco de champanhe.
Dawn, no entanto, mal molhou os lábios na bebida. Estava em atitude de defesa outra vez, certa do perigo que corria caso se abandonasse ao carisma do marido.
Depois do jantar, tomaram café, e Warren sugeriu que fosse embora.
— Teremos um longo dia amanhã. Precisamos descansar.
— Acho que vou dormir como uma pedra. Dawn, porém, duvidava de suas próprias palavras.
Como conseguiria dormir tendo a poucos metros um homem tão atraente, que, por acaso, era seu marido? Estariam separados pela porta de comunicação, nada mais. E se Warren não quisesse ir para o quarto dele?
— Você está com aquela expressão teimosa nos olhos de novo — comentou ele quando cruzavam o saguão em direção ao elevador.
— Estou pensando nas vitrines para o próximo mês.
— Esqueça-se disso. A noite de núpcias não é hora de se pensar em trabalho.
— Não sei por que não. Tenho muita coisa a fazer e quero aproveitar cada minuto nesse sentido.
— Muito interessante, Dawn. Mesmo assim, ainda acho que é momento de se pensar em outras coisas.
— A decisão é minha.
— Suspeito que esteja errada.
— Olhe aqui, Warren.
Ele colocou o dedo indicador sobre os lábios dela, silenciando-a.
— Hora de dormir. Espero na sala até que esteja pronta.
Warren sentou-se na poltrona e pegou um jornal. Dawn foi para o quarto e fechou a porta. Pensou em trancá-la, mas achou que se o fizesse poderia irritar o marido. Além disso, estaria apenas adiando o confronto que tanto a atemorizava.
Deixou os pensamentos se libertarem... Se as coisas fossem diferentes... Se Warren tivesse se casado por amor, em vez de tensa, estaria feliz com a expectativa de ficar com ele. Com que prazer o receberia na cama para sentir-lhe as carícias! Começou a imaginar como seus corpos se uniriam se os dois se amassem.. . Sentou-se de repente, alarmada. Se sonhava com aquele homem, era porque se apaixonara! O que aconteceria se isso fosse real? Com certeza Warren cantaria vitória. Afinal, o que pensar de uma mulher que
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fora chantageada para se casar e que acabara por se apaixonar pelo algoz?
Dawn ouviu os passos de Warren em direção ao quarto de vestir.
Sentou-se à penteadeira e ficou escovando os cabelos durante algum tempo. Depois, despiu o robe e deitou-se na cama. Apagou a luz, mantendo apenas acesa a tênue luz do abajur, e fingiu dormir.
No instante seguinte, sentiu os lençóis serem erguidos e o colchão afundar-se sob o peso do corpo de Warren. Ele a abraçou com ternura e pressionou o corpo contra o dela. Dawn sentiu que suas resistências a abandonavam. Deixou-se acariciar, totalmente envolvida pela sensualidade do momento. Warren beijou-lhe os lábios e o pescoço, fazendo-a gemer de prazer.
— Se soubesse o quanto esperei por esse momento — ele murmurou.
Num repente de lucidez, Dawn sentou-se na cama e puxou o lençol, cobrindo-se até o pescoço.
— O que você pensa que está fazendo?
— Amor com você, ora essa!
— Mas temos um acordo! E você quase o quebrou!
— O que há, Dawn? É nossa noite de núpcias.
— Combinamos que não haveria sexo entre nós.
— Podemos modificar o acordo agora, se você quiser.
— Eu não quero! Saia já da minha cama!
— Por que está agindo assim, Dawn? Está claro que me deseja também. Não há razão para brigar consigo mesma.
— Não diga tolices! Só porque me deixei levar por um impulso?
— Você admite, então?
— Sim, mas isso não quer dizer nada.
— Então, por que parou? Poderia ter sido ótimo!
— Não quero falar mais nada. Só espero que mantenha a palavra.
— Pois eu quero discutir este assunto. Não desejo que essa situação ridícula continue.
— Por favor, saia! Eu quero ficar sozinha.
— Não até que me responda. Por que me evita? Tenho o direito de saber.
— Você tem o direito de agir exatamente como combinamos. Nada além disso. Entendeu?
Embora Dawn insistisse em rejeitá-lo, seu corpo pedia pelo de Warren. Ainda mais agora, com a doce lembrança do que acabara de acontecer. Num ataque de fúria, ela gritou:
— Você não percebe que não o quero em minha cama? Saia!
Com um gesto abrupto, Warren levantou-se e a fitou, incrédulo. Dawn tentou desviar o olhar, mas não conseguiu. Era como se estivesse presa por uma força magnética. Com o coração pesado, observou o marido entrar no outro quarto e bater a porta. Abraçada aos travesseiros, ela chorou.
CAPÍTULO VI
Durante a estada em Paris, o casal Hemingway manteve uma série de encontros com artistas plásticos, pessoas ligadas ao mundo da moda, donos de butiques, perfumarias e joalheiros.
Dawn, entusiasmada com os compromissos, não deixava de sentir orgulho ao ver que Warren era recebido com deferência em todos os locais onde chegavam. Mesmo assim, fora do convívio profissional, eles continuavam a dormir em quartos separados, e não havia maiores aproximações.
Depois de Paris, eles rumaram para Genebra. Após cumprirem parte da agenda de
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negócios, fizeram um passeio pela cidade, guiados por monsieur Jacques Gaillaud, que fornecia sedas para a Hemingway's.
— As vitrines da Hemingway's são admiradas em toda a Europa. Aqui, em Genebra, foram muito comentadas.
— Temos planos de utilizar as sedas que produz para executar o tema de setembro, monsieur Gaillaud — disse Dawn. — Talvez o senhor possa ir a Londres para conferir o resultado.
— Ah, seria uma ótima desculpa para umas pequenas férias. Mas, se me permitem a intromissão, vocês não acham que estão exagerando em relação aos compromissos de trabalho? Afinal, estão em lua-de-mel!
— Estamos combinando as duas coisas, Jacques, prazer e negócios.
— Mas há tempo e lugar para tudo, não é? E esta tarde é para divertimento. Quero que conheçam um pouco desta cidade.
— Ficamos muito contentes que possa nos acompanhar.
Anoitecia quando Warren e Dawn voltaram para o hotel. No quarto, enquanto se preparavam para tomar banho, Warren perguntou:
— Você acha que Jacques tem razão, Dawn?
Dawn deu de ombros, sem nada dizer. Desde o episódio da noite de núpcias, Warren mantivera-se distante e comportara-se de forma impecável em relação a ela. Em público, porém, apresentava-se como um terno enamorado. Ninguém poderia imaginar o que acontecia de fato.
— Não quer mesmo cancelar os compromissos, para termos mais tempo livre, Dawn.
Ela se sentiu tentada a concordar. Seria ótimo desfrutar um pouco mais de prazer durante a viagem. Mas, temerosa de que Warren visse na afirmativa uma nova oportunidade de cortejá-la, respondeu:
—- Por que imagina que eu deseje isso? Temos de racionalizar nosso tempo e aproveitá-lo ao máximo.
Desapontado, Warren retrucou:
— Se é assim que você quer, devo lembrá-la de que o vôo para Roma sai amanhã, às nove.
Eles fizeram um rápido turismo pelos pontos mais atraentes da Cidade Eterna. Foram ao Coliseu, ao Fórum Romano e à Catedral de São Pedro, no Vaticano. O que mais impressionou Dawn, porém, foi a Capela Sistina, com os afrescos de Michelangelo.
Depois de Roma, dirigiram-se para Viena. Hospedaram-se em um luxuoso hotel, com esplêndida vista para a cidade.
Após manterem contato com um exportador de artigos de couro para a Hemingway's, Warren levou Dawn a um recital de piano no magnífico Schoubrunn Palace, antiga residência dos imperadores. Enquanto ouviam Mozart e Schubert, uma belíssima mulher acenou para Warren, do outro lado da sala.
— É Usa von Dolmann — comentou ele. — Vamos até lá cumprimentá-la.
De perto, a mulher era ainda mais bonita. A pele alva contrastava com a negritude dos cabelos. Possuía um porte aristocrático e estava muito bem vestida.
Warren beijou-a carinhosamente no rosto, e Dawn intuiu pelo gesto que havia entre eles algo mais que uma simples amizade. Em seguida, ele se voltou para o acompanhante da moça, um senhor alto e grisalho.
— Príncipe Anton, talvez se lembre de mim... Sou Warren Hemingway. Compareci a seu casamento.
— Mas é claro que me lembro de você. Como vai?
— Permita-me apresentar minha esposa. Dawn, príncipe e princesa Von Dolmann.
— É uma honra, Frau Hemingway.
— O prazer é meu, príncipe Von Dolmann.
— Quer dizer então que você se casou, Warren. Já não era sem tempo! Mas, conte-
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nos, quando foi? — perguntou Usa com um sorriso.
— Há poucos dias. Estamos em lua-de-mel.
— Ah! Parabéns, mein freund. Sua esposa é muito bonita. Não acha, Anton querido?
— Belíssima! — Ele se voltou para Warren. — Agora que está em Viena, herr Hemingway, precisa nos visitar. Poderíamos jantar em uma noite dessas, talvez.
— Infelizmente não será possível. Temos só mais um dia aqui e estamos repletos de compromissos.
O alívio que Dawn sentiu com as palavras do marido desvaneceu com a interrupção de Usa.
— E hoje mesmo? Por que vocês não vêm cear conosco?
— Não vejo por que recusar, não é, Dawn? Havíamos planejado nos recolher cedo, mas...
— Então está ótimo — completou a princesa. — Agora, se me dão licença, vou telefonar avisando que irão cear conosco.
Anton olhou para a esposa e sorriu. Dawn se perguntou se ele não percebia que havia alguma coisa entre Usa e Warren. Ou que pelo menos tinha havido, em outros tempos. Talvez a mentalidade dos vienenses fosse diferente, ela concluiu. Era óbvio, porém, que o príncipe amava a esposa.
Ao final do concerto, os quatro entraram na elegante limusine dos Dolmann e se dirigiram para a mansão deles no campo.
Usa e Dawn deixaram os homens conversando e foram até o quarto retocar a maquilagem. No aposento, a princesa comentou:
— Warren Hemingway é um grande homem. Você fez muito bem em se casar com ele, querida.
— Você acha mesmo isso, Usa?
— Claro que sim. Mas eu sei o que se passa pela sua cabeça: que eu estou me intrometendo onde não devo, não é? Espero, porém, que não a tenha ofendido com o comentário.
— Não, de forma alguma. Sei que muitas mulheres gostariam de estar no meu lugar.
— Ah, quanto a isso Dawn, pode ter certeza. É muito fácil se apaixonar por Warren.
Dawn concordou em silêncio. Afinal, ela mesma estava apaixonada pelo marido, embora não tivesse coragem de confessar isso a ele.
Alguns minutos mais tarde, elas foram se encontrar com Warren e Anton na sala de jantar. Após a ceia, enquanto tomavam o licor, Usa disse:
— Lembro-me, Warren, de que você se interessa por minhas plantas exóticas. Precisa conhecer, então, a estufa que Anton fez para mim. Com licença, Dawn.
Deixo-lhe meu marido como companhia. Você não se incomoda, não é?
— Em absoluto, Usa.
Durante o tempo em que ficou sozinha com o príncipe, Dawn fez o possível para manter a conversa em tom animado, embora estivesse corroída pelo ciúme. Sua mente perdia-se em devaneios. O que eles estariam fazendo? Será que matavam a saudade nos braços um do outro? Quando Warren retornou, Dawn experimentou uma sensação de alívio por tê-los novamente ao alcance dos olhos.
— Você ficaria fascinada, Dawn, com as plantas de Ilsa. Talvez seja possível aproveitá-las para algum projeto das vitrines.
— Podemos pensar no assunto, Warren.
— Com certeza. Mas agora acho melhor irmos andando, não é? Já está ficando tarde!
Depois de se despedirem do casal, eles voltaram para o hotel. Em contraste com a calma de Warren, Dawn sentia-se fervilhar pelos pensamentos que lhe assaltavam a mente. Não conseguia mais resistir ao desejo de fazer amor com Warren. Loucura ou não, eles estavam casados e, mesmo não havendo um sentimento maior que os unisse, ela não suportaria a hipótese de que o marido se sentisse atraído por outra mulher.
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Warren deixara para ela a decisão sobre dormirem ou não juntos. Pois bem, isso aconteceria naquela noite. Ainda não sabia bem como atraí-lo, mas tinha certeza de que não o rejeitaria.
Assim que entraram no quarto, ela se sentou frente ao espelho da penteadeira. Warren a seguiu e disse:
— Usa achou nosso casamento intrigante, Dawn.
— E por quê?
— As mulheres têm mesmo um sexto sentido, não? Ela percebeu que há alguma coisa errada conosco.
— Se me lembro bem, você deixou a decisão sobre o lado físico de nosso casamento em minhas mãos, Warren. Eu quero lhe dizer que. . .
— Eu sei a sua opinião sobre o assunto. Mas a situação não pode continuar assim. Daqui a pouco todo mundo vai ficar sabendo a grande mentira que é a nossa união. Para mim chega! Nesta noite, Dawn, faremos amor.
Dawn levantou-se, revoltada! Tudo o que idealizara fora por água abaixo.
— Olhe aqui, Warren, você só pode estar louco, se pensa que.. .
Num gesto repentino, porém, ele a abraçou e silenciou-lhe os protestos com um beijo. Incapaz de resistir, Dawn se abandonou às carícias do marido, sentindo o corpo arder de desejo.
Warren desabotoou-lhe a blusa e procurou com os lábios os seios. Tocava-lhe com a língua ardente, cheia de desejo. Depois, bem devagar, tirou-lhe a roupa e a levou para a cama, deitando-se sobre ela. Dawn gemia de prazer ao mesmo tempo em que acariciava o corpo nu de Warren.
Os dois foram tomados pela volúpia e buscaram um prazer sem limites. As carícias se tornaram cada vez mais excitantes, até que eles alcançaram juntos o êxtase do orgasmo.
Exaustos, afastaram-se e ficaram lado a lado. Lágrimas corriam pelo rosto de Dawn. Ela sabia que se entregara ao marido com a sinceridade máxima de seu amor.
Warren ajeitou-se na cama e a fitou. Em seguida, comentou, sarcástico:
— Ninguém mais pode dizer que não consumamos o casamento.
Um sentimento de revolta tomou conta de Dawn.
— Quer dizer então que você só fez amor comigo para manter as aparências? Você é um homem desprezível! Sinto vergonha de ter me entregado a uma pessoa tão mesquinha! Isso nunca mais voltará a acontecer! Eu juro! Você não merece a mínima consideração! Eu te odeio, Warren!
— Também não precisa exagerar, Dawn. Somos apenas um homem e uma mulher. Além disso, estamos legalmente casados. Não vejo nada de errado em fazermos amor. E não é só para manter as aparências, posso lhe garantir.
— O que aconteceu entre nós foi degradante. Você roubou-me a dignidade e o respeito que ainda tinha por você. Pensei que fosse um homem de palavra, mas vejo que não. Você quebrou o nosso acordo.
— Quebrei, Dawn? E por acaso agi sozinho? Ora, você também quis. Vale o ditado: "Quando um não quer, dois não brigam".
— Deixe de ser cínico, Warren, e por favor saia daqui. Eu quero ficar sozinha.
O clima chegara a um ponto insuportável. Dawn sentia-se confusa e vazia. Custava-lhe acreditar que o homem que amava fosse tão frio e calculista. Warren nada falou. Apanhou suas roupas e, sem olhar para trás, saiu do quarto e fechou a porta.
CAPÍTULO VII
No dia em que reiniciou o trabalho na loja, Dawn achou estranho caminhar pelo corredor do sétimo andar sem dizer o tradicional "Bom-dia, Sr. Hemingway". Mais do que
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nunca ela sentiu que precisaria de tempo e paciência para habituar-se ao novo status que adquirira.
Durante a lua-de-mel, o departamento fora dirigido por Wendy Parker, e todos os planos que elaborara antes da viagem haviam sido colocados em prática.
No meio da pilha de correspondência acumulada sobre a escrivaninha, havia uma carta de Brian. Dawn relutou um pouco antes de abri-la, mas acabou cedendo à curiosidade. O teor da mensagem, porém, não era dos mais gentis.
"Estou muito agradecido pelo tratamento cordial com o qual Warren Hemingway me contemplou, graças à sua intervenção. Não posso negar que você foi muito esperta. Aproveitou a situação e deu a grande virada da sua vida. Jogou direitinho, Dawn. . . e tirou a sorte grande casando-se com ele. Quem poderia imaginar que um homem na posição de Hemingway concordasse em pagar um preço tão alto para obter uma mulher? Parabéns!"
Dawn foi incapaz de continuar a leitura. Cada linha trazia em si uma dose de veneno. Irritada, ela jogou a carta no lixo e voltou a analisar as outras correspondências. No meio da manhã, ela recebeu o recado de que Warren desejava vê-la em seu escritório. Ao entrar na sala, ele perguntou:
— Estará livre nesta noite? Dawn?
— Eu. . . sim, ainda não planejei nada.
— Ótimo! Decidi ir à exposição de móveis. Já está terminando e quero visitá-la antes que acabe. Você não gostaria de ir comigo?
— À exposição de móveis. Ah, não, obrigada. Prefiro ficar trabalhando no meu projeto.
— Nesse caso, então, vou sozinho. Você se importa?
— Não, claro que não. . . — Dawn respondeu, disfarçando a decepção.
— E como vão os planos para as vitrines de setembro? O tema é a história das fábricas, não?
— Ao que parece está tudo em ordem. Ainda não sei dos detalhes, mas Wendy me garantiu que deu continuidade aos planos enquanto estive fora. O material já está sendo selecionado. Pensei em utilizar as sedas de monsieur Gaillaud. Acho que produzirão um belíssimo efeito!
— Tenho certeza de que, com a sua competência, repetiremos o sucesso das vezes anteriores. Jacques é que ficará satisfeito. Ele tem a maior consideração por você.
Ela corou e sorriu timidamente.
— Não creio que seja tanto assim.
— Deixe de modéstia, Dawn. Todas as pessoas que encontramos na Europa tiveram uma excelente impressão de você.
— Inclusive a princesa Von Dolmann?
— Sim. Inclusive ela. Por quê?
— Por nada, falei por falar. Agora, se me dá licença, vou voltar para o estúdio. Marquei uma reunião com o pessoal da produção.
— Tudo bem. Ah, só mais uma coisa. Estarei fora na hora do almoço e pretendo sair mais cedo para ir à exposição. Portanto, só nos veremos bem tarde nesta noite.
— Está certo, Warren.
Dawn passou o resto do dia discutindo sobre a montagem das vitrines e verificando os objetos que haviam sido escolhidos até então. Às seis da tarde, ao fim do expediente, ela subiu para a cobertura de Warren.
Seria a sua primeira noite na nova casa e sentia-se como uma estranha naquele lugar. . . Não estava habituada a ter uma governanta, mas, para sua sorte, a mulher era discreta e silenciosa. Antes de ir embora, ela disse a Dawn:
— Como eu não sabia se a senhora e o Sr. Hemingway jantariam em casa, deixei uma refeição preparada, por precaução. Está na geladeira. A senhora ainda precisa de mim?
— Não, obrigada. Você pode ir agora.
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Assim que se viu sozinha, Dawn resolveu nadar um pouco. O sol ainda não se pusera, e ela aproveitou os derradeiros raios para um mergulho. Depois de algum tempo, saiu da piscina e fez um chá.
A solidão e o entardecer lhe causaram uma deliciosa sensação de bem-estar. Longe da tensão dos últimos dias, ela buscava energia para tirar da cabeça os problemas pessoais e dedicar-se ao trabalho. Fazia um exercício de relaxamento quando o interfone tocou, in-terrompendo-a.
— Sim?
— Sou eu, Velda. Soube que haviam voltado da viagem e vim cumprimentá-los.
"Que mulher!", pensou Dawn. Não tinha a menor vontade de ver-se frente a frente com o ex-caso do marido. De súbito lembrou-se de que Velda não deve-
ria demorar-se muito, pois tinha de apresentar-se no teatro. De qualquer forma, não podia ser indelicada. Warren não gostaria.
— Entre. — Dawn pressionou o botão que abria a porta e, como não tivesse tempo de se trocar, vestiu uma saída de banho. O elevador chegou e, com ele, Velda, exuberante como sempre. Tão logo viu Dawn, a atriz comentou com ironia:
— Nadando? Já começou a aproveitar o conforto da casa?
— E por que não, Velda? Afinal, moro aqui, não é?
— Sim, claro, mas onde está Warren?
— Saiu.
— Saiu?
— Sim, foi à exposição de móveis.
— Sei. Será que posso beber alguma coisa?
— O que deseja?
— Um Martini seco.
Quando Dawn voltou com o drinque, Velda perguntou, curiosa:
— Não vai me acompanhar?
— Não, estou tomando chá.
— Curioso. .. uma recém-casada, vinda da lua-de-mel, e sozinha. . .
— É como eu disse: Warren saiu a trabalho.
— Oh, sim. . . trabalho. Essa palavra encobre qualquer problema.
— Será que você não está se intrometendo onde não deve, Velda?
— Desculpe, minha querida. Não foi essa a minha intenção.
— Eu espero que não mesmo!
— Para todos os efeitos, vou lhe dar um conselho, querida. Você acertou em se casar com Warren. Mas não espere dele muita devoção ou fidelidade. Um homem tão viril não se prende a uma só mulher. No entanto, ele possui um profundo senso de lealdade e per-manecerá a seu lado, a menos que você seja tola o suficiente para fazer cenas de ciúme. Sabe como é, muitas mulheres ainda acham que têm o direito de estar nos braços de Warren, apesar de agora ele ser um homem casado.
— Inclusive você?
— Não! Eu não, imagine! Nossa, como o tempo passa! Eu preciso ir para o teatro agora. Diga a Warren que estive aqui. Podemos sair juntos qualquer dia desses. Creio que nos tornaremos boas amigas.
Já era tarde quando Warren chegou. Enquanto o esperava, Dawn tentou esboçar algumas idéias para as vitrines do Natal, mas não conseguiu. Sua atenção estava voltada para a forte chuva que caía, raios e trovões. Como não gostava nenhum pouco de tempestades, Dawn apressou-se a fechar as portas do jardim. Ao puxar as cortinas, porém, um trovão a assustou. Warren, que acabara de entrar sem ser notado, correu ao encontro dela.
— Você está bem, Dawn?
— Sim. . . Só um pouco tensa.
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— Não gosta de tempestades?
— Não. Principalmente quando há raios e trovões, como estes.
— Vamos tomar alguma coisa. Você se sentirá melhor.
— Eu acho uma boa idéia.
Warren preparou dois drinques e sentou-se no sofá, ao lado de Dawn.
— Como foi a exposição?
— Em termos de novidade, estava melhor que a do ano passado.
— Sabe quem esteve aqui hoje? Velda Knight.
— Eu sei, ela me disse.
— Você a encontrou?
— Passei no teatro quando a peça acabou. Dawn ficou chocada. Nem bem haviam voltado da lua-de-mel e ele já procurara pela ex-amante? Percebendo o desagrado dela, Warren perguntou:
— Mas por que essa cara? Você vê algum problema no meu interesse por uma produção que financiei?
— Você financiou? Nunca comentou isso comigo.
— Porque você não perguntou. Na verdade, foi um investimento bastante lucrativo. Já recuperei o capital aplicado há meses. E a peça ficará em cartaz por mais algum tempo, antes de sair em excursão.
— E como fará quando Velda estiver fora?
— Não entendi.
— Arranjará outra amante? Warren a fitou, intrigado.
— Por que quer saber, Dawn? Por acaso quer confirmar se tenho ou não um caso com Velda?
— Talvez.
— Mas eu não vou entrar nesse jogo. Você está agindo como uma criança. Por um lado, limita nosso relacionamento ao trabalho; por outro, não quer que eu procure satisfação física em outro lugar. E, como se não bastasse, age como um cão de caça, procurando vestígios de minha traição.
Dawn corou de vergonha e deu razão a Warren. Ela agia impulsionada pelo ciúme. Embora o amasse, não tinha coragem de confessar isso ao marido, com medo da reação dele.
— Acho que vou me deitar. Tive um longo dia e estou cansada.
— Quer que leve alguma coisa para você, Dawn? Um chá, talvez?
— Não, obrigada. Não quero nada. Boa-noite. E mais uma vez ela dormiu só.
CAPÍTULO VIII
As vitrines de agosto, "Tesouros do Oriente", tiveram boa repercussão. Dawn retomou o tema da caverna de Aladim, porém sob nova abordagem, mais sofisticada. Usando tapetes escuros, pedras coloridas e brilhantes e muita luz, criou um efeito mágico, que aludia às fantasias infantis. As seções de antiguidades e de arte da Hemingway's cederam belos móveis e peças de porcelana e de jade. O Oriente moderno, em atraente contraste, foi representado por produtos de alta tecnologia.
Fascinada com os resultados que obtinha, Dawn cada vez mais se entregava ao trabalho. Utilizava a criatividade de maneira intensa e não poupava elogios à equipe. A vida, nesse campo, tornara-se extremamente interessante.
Como Sra. Warren Hemingway, porém, agia como se fosse um robô. Era a anfitriã perfeita nas reuniões sociais do marido, mas, apesar de amável, nunca estava feliz.
Dois dias após a inauguração da vitrine, Warren pediu-lhe que preparasse mais um jantar.
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— Finalmente consegui resolver o problema da propriedade com Vernon Fontescue e quero comemorar. Ainda não sei quantas pessoas virão. Mas pode tomar como base uns dez convidados.
— Por que você não convida Velda, Warren?
— Porque ela estará no teatro, trabalhando.
— E firmando-se como estrela. .. com o seu dinheiro.
— Seu ponto de vista está errado. Não deixo de lucrar com o sucesso da peça. Mas parece que você faz objeção, não é, Dawn? Afinal, como minha esposa tem o direito de opinar.
Dawn apertou as mãos e se controlou. Aquele assunto a feria terrivelmente. Warren encontrava-se sempre com Velda e não fazia segredo disso. Ela não podia fazer nada, dado o acordo estabelecido antes do casamento No entanto, ficava sempre enciumada quando os dois juntos. Pensava em construir um relacionamento feliz mas a conduta de Warren acabara com sua expectativa. Eles eram mesmo um casal de aparências,
— Está bem, Warren. Vou cuidar de tudo.
— Se precisar de alguma coisa, me avise. Quero, que o nosso jantar seja um sucesso.
"Que ironia", pensou Dawn. Eram dois estranhos que ocupavam o mesmo apartamento e que se tratavam com polidez. Na frente dos outros ela representava o papel de esposa dedicada, ele, de marido apaixonado. Se continuassem assim, sem dúvida a imagem da Hemingway's se manteria intocável.
Na sexta-feira, Dawn saiu do escritório às cinco e meia da tarde. Conforme o esperado, a governanta e a empregada que contratara para ajudá-la já tinham tudo pronto na cozinha.
Dawn dirigiu-se para a sala de jantar e verificou um a um os doze lugares marcados. Depois fez um arranjo com rosas amarelas e colocou no centro da mesa. Satisfeita, voltou para a cozinha e começou a preparar os canapés que seriam servidos com os drinques.
Faltavam poucos minutos para as sete horas quando ela deixou o que restava por fazer nas mãos das empregadas e foi para o quarto se arrumar. Devia apresentar-se impecável, e isso requeria um certo tempo. De pois de um banho relaxante, cuidou dos cabelos, prendendo-os num coque frouxo, e maquilou-se com discussão. Vestiu um vestido azul de tafetá de seda e voltou para a sala, dez minutos antes do primeiro convidado chegar.
Warren, elegante no blazer que usava, sorriu em aprovação assim que a viu. .— Você está linda, Dawn.
Embora contente com o elogio, ela simulou indiferença.
- Pois é, o dinheiro compra tudo. "— Não é bem assim. Algumas das mulheres mais ricas que conheço vestem-se muito mal. Não são as sedas ou as peles caras que fazem uma mulher bonita, É preciso um pouco de brilho pessoal. E você o possui.
— Quem são as duas pessoas que você incluiu na ultima hora. . . os Elliot?
— Sim. Peter Elliot é um criativo decorador de interiores. Achei que gostaria de conhecê-lo, por isso o
envidei. Vocês têm, sem dúvida, muito em comum.
— E a esposa dele?
— Madge passa os dias apenas vendo vitrines e fazendo compras. Peter, no entanto, é louco por ela. E isso é o que importa.
Dawn o olhou, curiosa. Se Warren acreditava mesmo no que dissera, o casamento deles era um fracasso. Era claro que ele desaprovava as mulheres frívolas, mas Madge Elliot possuía uma coisa que ela, no auge da carreira não tinha: um marido que a amava. Com frieza, comentou:
— Acho então que não tenho muito em comum com ela.
Antes que Warren pudesse responder, a campainha soou anunciando o primeiro convidado.
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O jantar estava sendo um sucesso, já que dez das pessoas presentes faziam com que assim fosse. As exceções eram Madge Eliot e Penélope Fontescue.
A primeira parecia acreditar que tudo o que precisava era ser bonita e sorrir para se dar bem na vida. A segunda ficara calada grande parte do tempo. O desleixo de Penélope em relação à aparência irritava Dawn. Se ela escolhesse com mais cuidado as roupas talvez se tornasse uma menina bem atraente. Por que será
que não o fazia?
No meio da refeição, Warren ergueu o copo de vinho e propôs um brinde. Olhou para o convidado de honra, Vernon Fontescue e disse:
— Comemoramos hoje a mais satisfatória discussão de negócios que eu já tive.
— Incluindo-se as barganhas que você fez, meu jovem.
— Vamos lá, Vernon! Não creio que haja alguma dúvida sobre o preço que estabelecemos.
— Não estou falando de dinheiro.
Depois de um breve silêncio, Hugh Passmore, diretor financeiro da Hemingway's, comentou:
— Vamos investir em seu departamento, Dawn. O trabalho vai aumentar com o acréscimo de mais vitrines.
Ela sorriu.
— Não se preocupe, Hugh. Já contratei mais funcionários.
— As coisas mudaram, desde que você se casou com esta bela jovem, não é, Warren? — Vernon acrescentou.
— Você não acha que eu acertei em cheio?
Os dois homens trocaram um olhar que todos pareceram entender, exceto Dawn. Em seguida eles comentaram, entusiasmados, sobre a nova perspectiva da Hemingway's, agora instalada em ambos os lados da rua, uma vez que o acordo estava firmado com Vernon.
Após o jantar, como a noite permanecia morna e agradável, todos saíram para o jardim. Vista da cobertura, Londres ficava ainda mais bela. Penélope Fontescue afastara-se dos outros, e Dawn achou que era um bom momento para tentar ficar amiga da garota.
— Gosta da vista?
Penny fitou Dawn com tristeza.
— Você já se arrependeu alguma vez?
— Do quê?
— Do casamento com Warren e de suas conseqüências.
Por um momento, Dawn achou que a menina a ironizava. Mas afastou a impressão. Ela era muito tímida para isso.
— Não entendi. Por que eu estaria?
— Bem... ele é autoritário, não é? Imagino que só se sinta satisfeito com a mais absoluta perfeição. Corno esse jantar, por exemplo. Você deve ter perdido um tempo enorme na elaboração do cardápio, dos arranjos de flores.. .
— É verdade que deu trabalho, Penny. Mas é a única forma de fazer alguma coisa, não acha? Mas eu tive ajuda na cozinha. Nunca teria preparado esse encontro com tanta perfeição sozinha.
— Mesmo assim você tem de saber um pouco sobre comida e temperos. E não só para o preparo de jantares especiais, mas também para os diários. Sabe, não faço idéia do que falar com um homem como Warren. Papai diz que sou tola em ficar intimidada.. . Sendo honesta, porém, fico contente que...
— Você nunca pensou em se casar, Penny?
— Claro que sim! Só que.. .
A garota interrompeu a frase e encarou Dawn. Depois, como se chegasse à conclusão de que ela era uma pessoa confiável, voltou a falar.
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— Na verdade, estou interessada num rapaz. O nome dele é Godfrey Hill e trabalha na biblioteca pública. Gosto muito dele. Nós saímos algumas vezes, embora papai tentasse me impedir de vê-lo.
— Mas por que seu pai agiu assim, Penny? Alguma razão especial?
— Acho que é porque Godfrey tem um emprego modesto e ganha pouco. Mas ele é muito inteligente e sei que poderia tornar-se até mesmo o chefe do setor de bibliotecas do bairro, se quisesse. Só que ele está mais interessado em pássaros e em música.
A atitude de Vernon Fontescue era ridícula, pensou Dawn. Um jovem com poucas ambições parecia o tipo ideal para uma garota como Penny. Se o romance continuasse, ela se transformaria numa pessoa alegre e confiante. Dawn concluiu que a apatia dela era uma forma de contestação ao autoritarismo do pai.
— Sabe, Penny, acho que você tem de ser firme com Vernon.
— Não posso, Dawn!
— Sei que não é fácil, mas nada cai do céu, querida. Se você gosta mesmo desse rapaz, tem de lutar para conquistá-lo. Você deve se impor e dizer a seu pai que quer se casar com Godfrey.
— Mas papai ficará furioso se eu o desafiar!
— Por algum tempo. Tenho certeza de que ele é bastante inteligente para perceber o erro e aceitar a situação. O que acha? É provável que Vernon passe a respeitá-la mais se assumir uma atitude como essa.
— Eu sei que você tem razão, Dawn. Mas será que vai dar certo? Papai tem um gênio tão difícil!
— Escute, Penny. Tão logo vocês cheguem em casa nesta noite, por que não diz a ele que daqui para a frente verá Godfrey todas as vezes que tiver vontade? Faça com que seu pai a entenda. Afinal, Vernon só pode querer que sua única filha seja feliz! Se você for firme, tudo dará certo, acredite. A garota sorriu entusiasmada.
— Está bem, Dawn. Eu vou tentar.
— É assim que se fala.
— Ah, Dawn, se papai souber que foi você quem me deu esses conselhos vai enlouquecer.
— Por quê?
— Oh. . . você sabe!
Ela ia pedir que Penny se explicasse, quando Warren a chamou. Depois de dar atenção a ele e aos outros convidados, ela foi ao encontro de Madge Elliot, que estava sentada sozinha perto da piscina.
— Tudo bem com você, Madge?
— Sim, Dawn. Sabe, vi você conversando com Penny. É uma menina muito triste, não?
— Eu diria que o problema é que Vernon a domina.
— Você tem razão! A garota parece um ratinho. Foi uma loucura imaginar que ela seria esposa para um homem como Warren.
Dawn engoliu em seco, surpresa. De repente as peças do quebra-cabeça se juntavam e faziam sentido.
— Warren? O que quer dizer?
— Mas então você não sabe? Não posso acreditar! Oh, querida! Todos nós sabemos que a garota era uma das condições do acordo que eles firmaram hoje. O velho Fontescue queria realizar um duplo negócio: vender o prédio e casar a filha.
— O que você está falando? Warren não se deixaria influenciar por uma coisa desse tipo.
— Pode ser, mas foi um golpe para Vernon Fontescue quando Warren escolheu você para esposa. Você foi a sorte grande que apareceu para ele no momento exato. Diga-me, Dawn, como é ser mulher de um homem tão rico? Peter ganha bem, é claro, mas,
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comparado a Warren, é um miserável.. Deve ser uma maravilha poder comprar todas as coisas que quer, viajar pelo mundo quando tiver vontade... Acho incrível!
— Não é bem assim. Afinal, eu tenho o meu trabalho.
— Que é isso, Dawn? Você não leva a sério o emprego na Hemingway's, não é? Quero dizer, você pode abandoná-lo quando desejar. Há várias outras pessoas que poderiam tocar o projeto tão bem quanto você. Não quero ser rude, mas. . .
Madge dizia a verdade. Mesmo com enorme sucesso que as vitrines da Hemingway's estavam fazendo, ela poderia ser substituída por qualquer outro artista, se manifestasse tal vontade. Lembrou-se por instantes das palavras do marido: "Tenho uma boa razão para crer que é hora de me casar." A razão era Vernon Fontescue e sua pretensão de fazer de Penny a Sra. Hemingway.
Para mostrar ao velho que era dono de si mesmo, Warren a desposara. No fundo, ele sabia que Vernon não deixaria passar uma oportunidade lucrativa, mesmo que contrariado. Só podia ser isso, Dawn pensou.
— Se você me dá licença, Madge, eu preciso conversar com outros convidados, até já.
Dawn passou o resto da reunião angustiada. Depois de tudo o que descobrira, como conseguiria encarar o marido? A festa terminou antes da meia-noite. Quando Penny foi despedir-se dela, sussurrou:
— Vou fazer o que sugeriu. Tem de dar certo!
— Boa sorte!
Ela, porém, já não sentia vontade de se envolver com os problemas de Penny. Eles pareciam muito simples se comparados aos dela. No entanto, não podia deixar de dar um apoio para a garota. Não agora, que ela lutava por sua liberdade.
— Posso ligar para contar como foi? É que, com exceção de Godfrey, não tenho ninguém para conversar.
— Claro! Ligue-me quando quiser. Força, menina! Desejo-lhe toda a sorte do mundo!
Quando o elevador desceu levando os últimos convidados, Warren se aproximou dela com um sorriso terno.
— Perfeito, Dawn. Obrigado.
— Fico feliz por me considerar uma boa anfitriã.
— Bem, vou me deitar agora — ele disse. — O dia foi muito cansativo. Boa noite.
Dawn não podia deixar passar em branco o que Madge lhe contara. Criou coragem e disse para Warren:
— Foi uma boa idéia comemorar o acerto com Vernon Fontescue convidando ele e a filha para jantar.
— Por que você está dizendo isso?
— Por nada. Sabe que Penny me contou que o pai pretendia casá-la com alguém que não amava?
— Sei.
— E você também sabe quem era o pretendente imposto?
— Eu não posso ser acusado pelas idéias malucas de Vernon!
— Claro que não. Só que você não hesitou em alterar a situação de solteirão disponível para não precisar se confrontar com ele. E, como precisasse de uma cúmplice, me chantageou e me fez casar com você. Deve ter ficado muito satisfeito, não é? Afinal o negócio se concretizou com uma cláusula a menos.
— Certo, Dawn. Admito que o raciocínio está correto.. . ou quase. Não entendo, porém, o porquê da cobrança. Estabelecemos um acordo de como seria a nossa vida em comum. E você há de convir que seguimos o estabelecido ao pé da letra. .. Com pequenas exceções, é claro!
— Pare de cinismo, Warren. Você não devia ter convidado Penny.
— Mas por que não? Nunca houve nada entre nós, a não ser na imaginação do pai dela. Acho que a idéia de se casar comigo era tão desagradável para ela quanto
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para mim.
— Você não se engana quando diz isso. Na verdade, Penny estava apavorada e sentiu-se aliviada por ter se safado dessa loucura.
— Quer dizer então que Vernon não tinha mesmo a aprovação dela. . . Ele é mais louco do que pensei.
— Bem, águas passadas não movem moinhos. Na realidade, o que nós dois vivemos é um casamento vazio e sem significado. Eu, sinceramente, não desejaria isso para ninguém. Vou dormir agora. Boa-noite, Warren.
— Dawn.. .
Ela se voltou para olhá-lo, o coração acelerado.
— Sim.
— Será. . . que não podemos ficar juntos?
Dawn quase cedeu à sugestão. A atração que sentia por Warren era forte o bastante para fazê-la se esquecer de que ele não a amava. Mas o lado racional sobrepôs-se à emoção.
— Está me confundindo com outra mulher? Tenho certeza de que, mesmo sendo tarde, poderá encontrar quem queira satisfazê-lo. Por que não telefona para Velda?
O rosto de Warren endureceu.
— Não é má idéia.
— Pois então decida-se. Eu também vejo a idéia de procurar outras pessoas com simpatia. Afinal o mundo está cheio de homens interessantes.
— Dawn, se você pretende.. . Ah, não sei por que perco tempo discutindo com você. A vida é sua, faça o que quiser. .
Dawn saiu da sala e foi para o quarto. Após fechar i porta, ficou de prontidão, tentando perceber se Warren ligaria para Velda. Com o passar do tempo, porém, começou a achar que ele ficaria em casa. Foi então que ouviu o ruído da porta sendo fechada e, em seguida, o elevador descendo. Ela se deixou cair na cama e chorou.
CAPÍTULO IX
Dawn estava no estúdio, trabalhando no projeto das vitrines de Natal, quando o telefone tocou.
— Alô?
— Dawn? Será que você ainda se lembra de mim?
— Brian? Que surpresa! Como vai você?
— Melhor impossível! Afinal, o emprego que seu marido me arrumou é ótimo... Minha vida mudou tanto! Estou até ficando rico com o gordo salário que recebo todo mês.
O sarcasmo na voz de Brian era irritante. Apesar de não tê-lo visto nem falado com ele nos últimos meses, Dawn esperava que o amigo tivesse mudado um pouco depois do episódio desagradável que provocara.
Ela suspirou e, com toda a paciência que encontrou, comentou:
— Ora, é só um começo, Brian, não desanime. Você trabalha numa grande organização e, em firmas desse porte, a promoção é rápida. Agora, eu acho que é melhor estar empregado do que. . .
— Ir para a cadeia?
— Ah, Brian! Pare com isso e me diga, está me ligando por algum motivo especial?
— Eu gostaria de te ver...
— Você está em apuros outra vez?
— Parece que sempre tenho problemas, principalmente no que se refere a dinheiro. Não é irônico? Eu, um duro, e minha ex-namorada casada com um milionário!
— Não seja tolo, Brian! Há pessoas que ganham bem menos que você.
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— Sei disso. Embora seja um consolo, não é uma solução.
— Olhe, Brian, o dinheiro não resolve todos os problemas do mundo. Entenda isso.
— Pode ser, mas ajuda bastante, não é?
— Bem, se você quer me ver, talvez eu possa encontrá-lo amanhã.
— Só amanhã? Por quê? Tem que pedir autorização para o maridinho, é?
— Deixe de ser ridículo!
—- Está bem, Dawn, desculpe. A que horas e onde?
— Às oito, na cantina italiana que costumávamos ir, certo?
— Por mim está ótimo!
— Então até amanhã. Tchau!
Dawn desligou o telefone e pegou a agenda. Como imaginara, não tinha nenhum compromisso marcado. Warren com certeza ficaria trabalhando no escritório até mais tarde, e ela estaria livre para se encontrar com Brian. Se chegasse em casa depois do marido, não seria difícil arranjar uma desculpa ou, quem sabe, até mesmo dizer a verdade. Afinal, Warren não poderia se zangar. Não era ele quem saía freqüentemente com Velda Knight?
Na noite seguinte Warren subiu para a cobertura às seis e meia da tarde, contrariando as previsões de Dawn. Com os nervos à flor da pele, ela aceitou o drinque que ele lhe serviu e olhou para o relógio. Se Warren não saísse, como faria para ver Brian?
— Você gostaria de ir ao teatro hoje à noite, Dawn? Ganhei dois ingressos para a peça que entrou no Astor. Pensei que poderíamos ir e depois jantar fora. Que acha?
Em outras circunstâncias Dawn aceitaria o convite sem pestanejar, pois, na verdade, tudo o que faziam juntos era ligado ao trabalho. Mas justamente naquela noite era impossível! Lastimando sua falta de sorte, ela respondeu:
— Eu não estou com vontade de sair hoje, mas você pode convidar outra pessoa para acompanhá-lo, se quiser.
Warren a fitou, desapontado e aborrecido.
— Se é assim, eu vou mudar de roupa.
Poucos minutos depois, Dawn, aliviada por ter se livrado de Warren, desceu até o estúdio para pegar seu casaco. Eram quase oito horas quando ela deixou o apartamento e dirigiu-se para a cantina. Brian já a esperava.
— Olá, Dawn. Você não está tão elegante quanto pensei que estivesse. Afinal, com todo o dinheiro que tem!
— E você não está sendo nada delicado comigo, para variar.
Ao sentar-se, Dawn observou o amigo com atenção. Ele usava um casaco novo e tinha melhor aparência que nos velhos tempos. No entanto, era possível que ele estivesse precisando de alguma coisa. Do contrário, por que a procuraria?
— O que aconteceu desta vez, Brian? Por que queria me ver com urgência?
— Vamos pedir a comida primeiro — ele disse, pegando o cardápio. — A pizza daqui costumava ser gostosa.
— Eu não estou com fome. Quero só tomar um suco.
— Se o lugar não for bom o suficiente para você, podemos ir a outro restaurante. Sei que você está acostumada com ambientes mais refinados.
— E gastar um dinheiro que você não tem? Ora, vamos parar com isso. Peça a pizza; eu como um pedaço.
Brian chamou o garçom e incluiu uma garrafa de vinho no pedido. Quando a bebida chegou, Dawn tomou um gole e voltou a falar.
— E então? Pode me contar agora qual. é o problema?
— Como vai a vida de casada, Dawn? Conseguir um marido como Warren Hemingway foi um belo golpe, hein?
— Não foi para saber da minha vida íntima que você me chamou aqui. Além disso, por
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que está sendo tão grosseiro, Brian?
— Oh, vamos lá! Você não vai querer me convencer de que foi um casamento por amor.. . Abra o jogo.
— Você não tem o direito de se intrometer na minha vida nem de me tratar desta maneira. Agora, deixe de rodeios e diga logo o que quer comigo.
Com uma risada displicente, Brian encheu o copo com mais vinho.
— Está bem, Dawn. Vamos ao assunto. Estou aqui porque quero fazer um investimento e estou sem capital. Tudo que preciso é de duzentas libras.
— Duzentas! Não espera que eu tenha todo esse dinheiro. . .
— E por que não? É uma ninharia para você. Vou pagar, não se preocupe. Estou pedindo apenas um empréstimo.
— Vai pagar? Sei! Por acaso você já repôs o dinheiro do desfalque?
— Olhe, eu até que tentei, mas ainda não foi possível.
— Quando você vai criar juízo, Brian? Você devia agradecer a sorte que teve em conseguir uma colocação. Se não fosse isso, teria afundado com aquela história de cavalos! E, em vez de aprender a lição, você me aparece com uma outra grande idéia? Ficou louco?
— Mas tudo isso faz parte do passado. Agora e diferente, Dawn! Pretendo fazer um investimento sério.
— E posso saber no quê?
— Nada desonesto, se é o que está pensando. Dois colegas meus vêm trabalhando com revenda de cosméticos. E estão ganhando bem!
— Se é um negócio tão lucrativo, por que o querem como sócio? Além disso, qualquer banco faz empréstimo!
— Não percebe que eles querem me dar uma oportunidade? Ê a chance que preciso!
— Há quanto tempo você os conhece, 'Brian? -— Pouco tempo. Mas confio neles.
— E por que você não espera um pouco mais? Pelo menos até conhecê-los melhor!
— Ah, Dawn! Você sabe que só conseguirei ser promovido a supervisor daqui a cinco anos, e se for um funcionário exemplar! Não posso esperar tanto tempo! Lembre-se do seu caso. Você passou rapidamente de assistente de vitrinista a chefe de departamento. E, em questão de dias, já estava casada com o patrão!
— Brian!
— Certo, certo. Esqueça o que eu disse. Vamos voltar ao assunto. Pode me emprestar o dinheiro?
— Não. Não posso.
— Poderia... se quisesse.
— Está bem: não quero. Se tivesse certeza de que iria ajudá-lo, tentaria conseguir essa quantia. Sei, porém, que vou jogar dinheiro fora.
— Não acredita mesmo em mim, não é, Dawn?
— E como poderia?
— Veja só. . . Você tem dinheiro, status, um apartamento de cobertura. Mas, se a verdade do casal Hemingway fosse revelada, tudo seria diferente, não acha?
— A... verdade? O que você quer dizer com isso?
— Analise as coisas. Estávamos quase noivos e você me deixou para se casar com um milionário. Isso cheira a interesse, ou estou enganado?
— Mas nós nunca chegamos a ficar noivos!
— Está bem. Digamos então que mantínhamos um romance sério e que, a longo prazo, iríamos nos casar. Está melhor?
— Olhe, Brian, eu tive motivos muito fortes para me casar com Warren.
— Eu sei. Você achou que ele era um partido que não poderia ser desprezado. Você é ambiciosa, Dawn, e soube fazer as coisas muito bem.
— Você não está sendo justo comigo, Brian!
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— Pode até ser. Mas, se eu resolver espalhar pela sociedade londrina que você não se casou por amor. . .
— Você está me chantageando, Brian?
— Se quer chamar assim. . . Posso manter-me calado, ou não. . . O que são duzentas libras para você? Acho melhor pegar o talão de cheques se não quiser ter problemas. Seu marido não precisa saber de nada e, em breve, eu lhe devolvo o dinheiro.
Dawn levantou-se, furiosa.
— Você deve estar doente! Quer me enlouquecer! Chega! Vou-me embora.
— Mas. . . e a pizza?
— Coma você!
Brian puxou a carteira e retirou algum dinheiro, que colocou sobre a mesa. Em seguida correu atrás de Dawn, que já chamava um táxi na rua.
— Deixe-me sozinha!
— Dawn, escute! Eu não queria magoá-la!
— Por que falou tanta besteira, então?
— Queria convencê-la a me ajudar. Sei que usei a pior maneira, mas não vi outro jeito. Olhe, esqueça tudo o que lhe disse e, por favor, empreste-me o dinheiro.
Dawn o olhou com desprezo.
— Parece até que você não me conhece, Brian Clarke! Acha mesmo que posso agir como se nada tivesse acontecido?
— Deve ser mais fácil manter os princípios com uma polpuda conta bancária. O que não é o meu caso!
— Sinto muito, Brian, mas está claro que caminhamos por estradas muito diferentes. Eu ainda) te quero bem, acredite. Porém, a nossa amizade termina por aqui. Não quero vê-lo nunca mais na minha frente.
— Tudo bem. E obrigado pela atenção que me dispensou.
Brian virou as costas e foi embora. Dawn, deprimida, resolveu caminhar um pouco para espairecer. Pegou a rua Oxford e, de quando em quando, parava para observar a composição das vitrines das lojas.
Ao chegar ao Piccadilly Circus, encontrou um café aberto e entrou. Ainda estava chocada e furiosa com tudo o que acontecera. E se Brian resolvesse divulgar a versão que elaborara do seu relacionamento com Warren? O que ela faria?
Já passava das onze horas quando ela tomou um táxi e voltou para casa. Assim que desceu do elevador, Warren abriu a porta do apartamento com expressão zangada.
— Onde é que você estava, Dawn?
— Saí. . . Fui andar um pouco.
— Não gosto que minha mulher ande pelas ruas de Londres até tão tarde.
— Mas. . . Sentia-me só e. . .
— Não minta para mim. Cheguei logo depois das oito horas e você já não estava, quero uma explicação.
Dawn procurou achar uma desculpa enquanto tirava o casaco e o colocava sobre a cadeira.
— Como é? Estou esperando.
— Não sei de nenhum item no nosso acordo que me obrigue a justificar os meus passos para você, ou vice-versa.
— Se está interessada, eu posso lhe dar a relação das pessoas que encontrei e dos lugares onde estive hoje.
— Mas é claro! Sei que você gosta de me contar sobre as mulheres com quem se encontra.
Você admite então que estava com outro homem?
— Eu não disse isso.
— Sei que não disse. É por isso que estou perguntando.
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— Já falei que só fui dar uma volta!
— Mas a resposta não me satisfaz. Parece até que se esqueceu de que eu a convidei para ir ao teatro e você recusou, dizendo que não tinha vontade de sair.
— Pois é. Só que depois mudei de idéia.
— E por quê?
— Por nada. E quanto a você? Voltou cedo para casa por algum motivo?
— É que eu pensei em convencê-la a sair comigo para jantar ou, pelo menos, para tomar um drinque.
— Ora, Warren, você podia ter esperado que o espetáculo de Velda terminasse para que ela lhe fizesse companhia.
Ele se recusou a aceitar a provocação.
— Sim, eu poderia ter feito isso. Só que queria passar o meu aniversário com você e não com Velda.
— Ah, Warren, me desculpe. Eu me esqueci de que hoje era seu aniversário.
— Pelo visto você tinha coisas mais importantes para pensar. Diga-me, Dawn, onde você estava?
— Eu precisei sair. Mas não era nada de importante.
— E para resolver um assunto sem importância você demorou mais de três horas?
— Pois é!
Um brilho de ódio iluminou os olhos de Warren.
— Há outro homem, Dawn?
— Não! Mas e se houvesse?
Ele a segurou pelos ombros, furioso.
— Quero a verdade!
— Já disse tudo. Agora, vê se me solta. Você está me machucando!
— Você não vai dormir hoje enquanto não me contar direitinho onde esteve. E não me venha com evasivas!
— Solte-me, Warren, ou eu grito!
Em vez de fazer o que Dawn lhe pedia, Warren a puxou mais para perto de si, prendendo-a num abraço selvagem. Desesperada, ela tentou resistir, mas não conseguiu ir contra a força do marido. Ele a beijou sem nenhuma ternura, e as lágrimas rolaram pelas faces de Dawn.
Por um instante, ela pensou que Warren fosse soltá-la. Mas, isso não aconteceu. Ele a tomou nos braços e a carregou para o quarto, colocando-a na cama. Antes que ele a despisse, porém, Dawn reuniu todas as suas forças e o repeliu.
— Pare com isso, Warren! Eu não quero! Você quer saber onde estive, não é? Pois bem, fui ver Brian!
Warren a largou e levantou-se:
— Você foi se encontrar com Brian Clarke? Dawn concordou em silêncio. Ele a fitou direto nos olhos, o rosto transtornado pela raiva.
— Você me acusou de cínico, certa vez. O que diz de ter se casado comigo e manter um relacionamento com o ex-namorado ao mesmo tempo? Estou decepcionado.
— Ora, Warren, você não tem o direito de me falar em decepção. Afinal já cansei de presenciar as suas saídas com Velda. No mais, o que podíamos esperar de um casamento baseado na chantagem? Só a atração física não é suficiente para manter um relacionamento, Warren. Não é a garantia da felicidade.
— Mas você não pode negar que me deseja.
Era verdade. Bastava que ele se aproximasse para que o corpo de Dawn ardesse de desejo. Só não se entregara naquela noite por causa da forma rude com que ele a tratara. Se Warren tivesse sido terno. . .
— Poderíamos tentar começar tudo de novo. Olhe, eu prometo ser a esposa que um homem como você precisa. . . boa anfitriã e. . .
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— Isso é o de menos, Dawn. Você não tem problemas no trato social. Posso até afirmar que o emprego de primeira classe que conseguiu a ajuda nesse aspecto.
A crueldade das palavras de Warren deixou-a vazia. A única coisa que queria, uma declaração de amor vinda dele, fora negada em definitivo. E agora, como ficaria a vida entre os dois?
— Você concorda, Warren? Vamos fazer do nosso casamento apenas um arranjo profissional?
— E se eu não aceitar?
— Tem de aceitar! Afinal, a sugestão partiu de você.
— Mas eu nunca esperei que ficasse só nisso.
— Quer dizer que só porque eu não quis ir para a cama com você não vai cumprir o trato? Nenhuma mulher pode resistir aos seus encantos?
— Então é por isso que você me repele? Para provar que é superior às outras?
— Não! Eu resisto porque quero manter o nosso relacionamento no campo profissional.
— E, portanto, para estar livre para procurar Brian Clarke! Só ele, ou há outros?
Dawn pensou em protestar, mas não o fez. O marido que pensasse o que quisesse.
— Chega de discussão. Por favor, saia, Warren. Você não ouviu? Eu quero ficar sozinha!
— Eu ouvi.
— E o que está esperando?
Ele a fitou por alguns instantes. Depois, com um movimento abrupto, saiu do quarto sem dizer uma palavra.
CAPÍTULO X
Na manhã seguinte, Dawn levantou-se mais tarde do que de costume, na intenção de não encontrar Warren.
Após o café, desceu para o estúdio e concentrou-se no trabalho. Havia problemas com relação às vitrines de Natal que precisariam ser resolvidos. As maquetes estavam atrasadas, e cinco membros da equipe encontravam-se de férias. Dawn tentava elaborar um novo cronograma para o projeto, quando recebeu a visita inesperada de Velda Knight.
— Olá! Vim ver Warren, mas ele não está, e a secretária não tem idéia de onde possa ter ido. Pensei que você talvez soubesse.
— Enganou-se, Velda. Warren e eu temos plena liberdade de movimentos durante o horário de trabalho.
— Sei! E como vão as coisas, Dawn?
— Muito bem, obrigada.
— É mesmo? Pois não parece. Outro dia, por acaso, fiquei sabendo de uma coisa muito interessante. . . você e Warren dormem em quartos separados. . .
Dawn corou diante do brilho malicioso dos olhos de Velda.
— Alguns casais preferem assim.
— Ora, Dawn, não tente me enganar. Se quer um conselho...
— Não quero!
— Mesmo assim vou dá-lo. Qualquer pessoa sabe que para prender um homem como Warren é preciso mais do que um rosto bonito e uma mente ativa. Você precisa entender os homens.
— Como você, suponho. Como é que ainda não conseguiu marido com toda essa. .. experiência?
— Há muitas mulheres para quem um marido não é fundamental, Dawn.
— Quer dizer que se Warren a tivesse escolhido como esposa você o teria recusado?
— Não tente ser espirituosa, Dawn. Não faz o seu gênero.
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— Sabe, Warren comentou comigo que está muito satisfeito com o sucesso da peça. Na verdade, eu acho que ele tem tino para investimentos.
— O envolvimento dele vai além dos investimentos. Muito mais do que você imagina.
— Pois eu duvido disso. Não nego, porém, que Warren aprecie os lucros que obtém... em todos os sentidos.
Os olhos de Velda faiscaram de raiva.
— Você é uma tola. Nada sabe dos homens. Acha mesmo que ganha alguma coisa tendo-me como inimiga? Warren e eu nos entendemos. Estou próxima a ele. Bem mais que você.
— Nesse caso, por que quer me dar conselhos? Se está tão segura sobre Warren, boa sorte. Agora, se não for pedir muito, quero que saia do meu estúdio. Tenho muito trabalho para ficar jogando conversa fora.
— Por quanto tempo será o "seu" estúdio? Com certeza deve saber que o perderá tão logo Warren perceba o erro que cometeu ao casar-se com você. Nada na vida é duradouro, minha querida, se nada fizermos para manter o que conquistamos.
Velda saiu da sala com um sorriso triunfante. Mais uma vez ela conseguira destruir a confiança que Dawn tinha em si mesma.
Incapaz de continuar o trabalho, Dawn avisou a secretária de que iria descansar um pouco e foi para a cobertura. A governanta saíra mais cedo para ir ao casamento de uma sobrinha, e ela aproveitou sua ausência para refletir um pouco.
Brian e Velda a acusavam de ter se casado por interesse e a desprezavam por isso. No entanto, ela amava Warren e não era correspondida.
No fundo, Velda talvez tivesse razão quando afirmara que, mais cedo ou mais tarde, Warren se arrependeria de tê-la desposado. E se isso acontecesse? Como seria vê-lo apenas como patrão outra vez? Por outro lado, de que adiantava um casamento sem amor? Ela estava imersa nessas reflexões quando ouviu passos atrás de si. Era Warren que entrava.
— A secretária me disse que você não se sentia bem e subiu para descansar um pouco. O que houve, Dawn. Fiquei preocupado. Você não costuma fazer isso.
— Não é nada. Senti-me um pouco. . .
— Será reflexo da noite passada?
— Eu não gostaria de voltar a esse assunto, se você não se importa.
— Eu acho que está na hora de esclarecermos uma série de coisas, Dawn. Para ser franco, penso: já devíamos ter feito isso há mais tempo.
— Tem razão. Precisamos reconhecer que nosso casamento tem sido um desastre desde o início.
— É assim que você vê as coisas?
— E poderia ser de outra forma?
Eles ficaram calados por alguns instantes. Em seguida Warren retomou a conversa.
— Sabe, fui visitar Brian Clarke esta manhã.
— O quê?
— Você me entendeu. Eu passei a noite toda atormentado pela idéia de que você ainda pudesse ter algum sentimento por ele. Por isso o procurei.
— E aí? O que foi que Brian lhe disse?
— Ele ficou na defesa até entender que eu não estava lá como patrão. Eu suspeitava que você não tivesse contado a ele que se casou comigo para salvá-lo da prisão.
— Não havia por que lhe contar; Brian não concordaria, e eu precisava garantir que ele não fosse preso.
— Pois é, mas o sacrifício não era realmente necessário. Brian não era um criminoso consumado, mas sim um tolo. Quando me inteirei dos fatos, achei que não era preciso envolver a polícia no caso.
— E mesmo assim você me chantageou e me forçou a assumir o casamento!
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— Entenda, Dawn. Eu sabia que você não ficaria tentada pelo dinheiro e precisava persuadi-la a me aceitar como marido. Não tive outro jeito. A pressão de Vernon Fontescue para que eu me casasse com Penélope estava ficando insuportável! E eu tinha que concluir o negócio da venda do prédio!
— Mas você poderia ter escolhido alguém que estivesse de acordo com seus planos. Velda Knight, por exemplo. Ou então qualquer outra de suas namoradas.
— Talvez. Porém, você era a esposa que eu queria. De todas as mulheres que conheci, você foi a que mais desejei.
— Nesse caso, por que não foi franco? Por que toda a encenação?
— Pensei que, uma vez casados, pudéssemos nos entender. Percebi que você se sentia atraída por mim e uni o útil ao agradável.
— Será que você não pensou nem um minuto que eu tinha orgulho e dignidade?
— Então foi por isso que você me recusou? Por dignidade?
— Talvez esta não seja a palavra mais adequada. Eu lutei para não ser apenas mais uma conquista. Tentei manter o nosso pacto da melhor forma possível, e você não tinha o direito de esperar de mim nada além de uma esposa formal.
— Estamos falando do passado, Dawn. E quanto ao futuro?
— Eu. . . creio que não teremos futuro. A única solução que consigo ver é eu sair da sua vida em definitivo. Não poderia nem mesmo continuar na Hemingway’s.
— É mesmo a única solução? Você me esqueceria com tanta facilidade assim?
— Não foi o que disse.
— E voltaria para Brian?
— Não, nunca!
Mesmo que essa hipótese tivesse sido possível um dia, Dawn nunca se esqueceria de que ele também tentara chantageá-la para conseguir dinheiro.
— Brian me afirmou que vocês estavam quase noivos quando eu entrei na sua vida.
— Não é verdade. Nunca tocamos no assunto casamento até a última noite em que o vi, depois que ele deixou de trabalhar na loja. Éramos muito próximos e saíamos juntos, e Brian supôs que isso fosse um compromisso. Talvez até mesmo eu tenha pensado que era assim, no início. Só que com o tempo percebi que Brian c eu nada tínhamos em comum.
— No entanto ele continua apaixonado por você, a despeito de tudo o que aconteceu, Dawn. Será que não sente o mesmo por ele?
— Não. Tenho por ele um grande carinho, e é só. Afinal, nós nos conhecemos desde a infância. Além disso, não posso me esquecer de que ele deu um desfalque na Hemingway's por minha causa. Brian acreditava que minha promoção seria uma barreira entre nós c tentou reduzir a diferença financeira que isso representava. Só que o fez da maneira errada. De qualquer forma, eu não o escolheria para marido.
— Mas, mesmo assim, você se casou com um homem que não amava para livrá-lo da cadeia... — Warren tinha uma expressão séria e falava em voz baixa. — Sabe, Dawn, eu pensei que a forte atração existente entre nós fosse suficiente para que o casamento desse certo. Supus que, com o tempo, a atração se transformaria em amor...
— Você ainda não percebeu o quanto a sua suposição é presunçosa? Você usou diferentes táticas para me seduzir e isso não foi correio.
— Talvez eu tenha errado, Dawn. Quando um homem se apaixona, ele quer ser correspondido pela mulher que ama.
— Quando ura homem se apaixona?. .. É mais uma tática, Warren? Você não me ama. Recusa-se até mesmo a aceitar a idéia de se apaixonar!
— Recusava-me, Dawn. Na verdade eu sempre achei que essa história de amor e romantismo fosse só um argumento que induzisse ao casamento. Por isso tentei tirar o máximo de prazer de cada relacionamento que tive, sem pensar em qualquer compromisso mais sério. Por anos agi assim, até. . . que você apareceu, Dawn. No início
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fiquei curioso para conhecê-la melhor, já que o trabalho que desenvolvia me chamou a atenção. Mas você pertencia à equipe da loja, e eu não queria me envolver com funcionários. No entanto acabei por abrir uma exceção.
Dawn não conseguia acreditar no que ouvia. O que Warren dizia era fantástico demais para ser realidade.
— Achei que podia ter um caso com você e, diante da sua recusa, tentei esquecê-la. Mas não foi possível. O trabalho em conjunto me fazia admirá-la cada vez mais e, algum tempo depois, percebi que estava apaixonado. Foi quando você veio me pedir para ser condescendente com Brian Clarke. Era a oportunidade que. eu precisava para tê-la ao meu lado para sempre.
Dawn respondeu com amargura.
— Uma anfitriã perfeita, além de secretária e esposa. Não era isso que você queria?
— Foi o que falei na época para feri-la. Eu não queria admitir que estava apaixonado; era ridículo. Queria seduzi-la pelo desejo. Só assumi que a amava na noite passada.
— Você diz que me ama. No entanto esteve com outras mulheres durante todo esse tempo.
— Não! Não é verdade.
— Por que mente para mim? Você não pode negar sobre Velda. Você esteve com ela na noite seguinte à que voltamos da lua-de-mel.
— Sim, eu fui ao teatro naquela noite, mas para me encontrar com o produtor executivo da peça. É verdade que tenho visto Velda com freqüência, mas, desde que me casei com você, não fiz amor nem com ela nem com nenhuma outra mulher.
— Não entendo. Você sempre disse...
— Eu sempre disse milhões de besteiras- para te magoar e provocar ciúmes. Confesso que senti vontade de procurar outra, mas não o fiz. A única ambição que tenho na vida é de algum dia ver o meu amor por você correspondido. Tudo mais, mesmo a Hemingway's, é nada se comparado a isso. Será que tenho alguma chance? Você pode esquecer a minha prepotência e me ver como uma pessoa comum, e apaixonada?
Dawn o fitou, emocionada, os olhos cheios de lágrimas.
— Ah, Warren, você nunca percebeu que eu te amo e que te amei desde o início?
Warren a tomou nos braços deu-lhe um beijo cheio de amor. Dawn, ao contrário das outras vezes, aconchegou o corpo ao marido, sem reservas. Tudo o que eles queriam naquele momento era recuperar o tempo perdido.
— Devem estar procurando por nós, Warren, Talvez fosse melhor irmos para a loja.
Ele sorriu.
— Temos uma equipe competente, querida. Eles vão conseguir passar sem nós dois até o final do dia, acredite.
— Até o final do dia? Mas ainda são onze horas!
— Pois é, será que vai dar tempo?
— Tempo? Para quê?
— Para convencê-la do meu amor e de que o nosso casamento é para sempre.
Warren a pegou no colo e a levou para o quarto. Com a cabeça recostada no ombro dele, Dawn acariciou-lhe o rosto.
— Sabe no que estou pensando, Warren? — O olhar dela era malicioso e um sorriso brincava em seus lábios.
— No quê?
— Que foi ótimo a governanta ter saído cedo para ir ao casamento da sobrinha.
— O que você acha de darmos a ela umas férias?
— Concordo. E creio que há uma coisa mais que a fará feliz. Daqui para a frente ela só terá de arrumar uma cama.
FIM

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