sábado, 6 de julho de 2013

It Girl 1# - Garota problema

THE IT GIRL:
GAROTA PROBLEMA
CECILY VON ZREGESAR
OP: K274 — PAGE MAKER 6.5
1ª PROVA — PRÉ-PAGINADA
LÁLLA
25/07/07
GABARITO PARA MONTAGEM:
dentro: 22 mm / fora: 20 mm

Nunca permiti que a escola interferisse em minha educação.
— Mark Twain

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UMA WAVERLY OWL NÃO DISCUTE
SEMINUA COM ESTRANHOS.
A bolsa de viagem Jack Spade xadrez de alguém bateu
no queixo de Jenny Humphrey e a arrancou de um
sonho. O trem Amtrak Empire Service das dez da
manhã para Rhinecliff, em Nova York, tinha parado em
Pughkeepsie e um rapaz alto, de uns 20 anos e queixo eriçado,
usando óculos quadrados e marrons Paul Smith e uma
camiseta da banda Decemberists, estava parado junto dela.
— Tem alguém sentado aqui? — perguntou ele.
— Não — respondeu ela meio grogue. Ele atirou a bolsa
debaixo do banco e se acomodou ao lado de Jenny.
O trem gemia a quase um quilômetro por hora. Jenny
cheirou o ar rançoso e meio suarento do vagão e sacudiu o pé,
pensando que ia chegar superatrasada para o check-in na
Waverly Academy. Ela teria chegado cedo se o pai, Rufus, a
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tivesse levado de carro para lá com sua perua Volvo azul amassada
— ele praticamente implorou a Jenny para deixar que
fizesse isso —, mas Jenny não queria que o pai pacifista e que
não fazia a barba a deixasse no novo e esnobe internato. Ela o
conhecia e sabia que ele teria tentado dar início a um roda de
poesia improvisada com as novas colegas de turma de Jenny e
mostrado fotos antigas da filha, de quando ela era uma aluna
idiota da quinta série e só usava suéteres de lã verde e laranja
fluorescente Old Navy. Hum, não, obrigada.
— Vai pra Waverly? — perguntou o garoto. Ele ergueu as
sobrancelhas para o Guia de Ética da Waverly Academy que estava
fechado no colo de Jenny.
Jenny tirou um cacho de cabelos castanhos dos olhos.
— Vou — respondeu ela. — Vou começar este ano. — Sua
voz não conseguia esconder o entusiasmo, estava tão animada
para começar em seu novo internato que se sentia toda agitada
por dentro, como se tivesse com vontade de fazer xixi.
— Caloura?
— Não. Segundo ano. Eu era da Constance Billard. Na
capital. — Jenny estava meio satisfeita por ter um passado relativamente
chique a que recorrer, ou que pelo menos desse
essa impressão.
— Então você quer uma mudança de ritmo ou o quê? —
Ele remexeu na pulseira de couro do relógio.
Jenny deu de ombros. Esse cara parecia ser da idade de seu
irmão, Dan. Dan tinha acabado de partir para Evergreeen
College, na Costa Oeste, dois dias antes, só com duas bolsas
de viagem, o laptop Mac G4 e dois pacotes de cigarros. Jenny,
por outro lado, já mandara quatro caixas abarrotadas e algu-
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mas bolsas de viagem enormes à Waverly, e estava levando com
ela a mala gigantesca e uma bolsa estufada de coisas. Nos preparativos
hiperempolgados para o colégio interno, ela praticamente
comprou os produtos para cabelo, cosméticos e
femininos de todos os corredores da CVS — quem sabia do
que ia precisar no internato? Ela também fez uma farra de compras
na Club Monaco, na J. Crew e na Barneys com o cartão
de crédito que o pai lhe emprestara para as compras de volta
às aulas.
— Mais ou menos — respondeu ela por fim.
A verdade era que ela foi convidada a sair da Constance —
ao que parece, porque foi considerada uma “má influência”
para as outras alunas. Jenny não pensava que era má influência
alguma — ela só estava tentando se divertir, como todas as
outras meninas da escola. Mas de algum jeito, todos os seus
momentos de extrema diversão também foram muito divulgados
e constrangedores: uma foto de seus peitos num sutiã
esportivo apareceu em uma revista (ela achava que era uma
sessão de fotos de roupas esportivas), um vídeo de sua bunda
praticamente nua foi espalhado pela escola e ela tomou algumas
decisões ruins sobre meninos com quem ficou em várias
festas — e é claro que todo mundo descobriu.
A gota d’água veio depois que Jenny passou uma noite no
Plaza Hotel com a banda do irmão mais velho, os Raves. Uma
foto dela saindo do Plaza com nada mais que um roupão branco
apareceu na Page Six online no dia seguinte. Voaram boatos
de que Jenny estava dormindo com todos os Raves, inclusive o
próprio irmão. Eca! Pais preocupados rapidamente apelaram
à diretora da Constance, alvoroçados com a promiscuidade de
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Jenny. Afinal, a Constance tinha uma reputação de excelência
a zelar!
Embora Jenny não tenha ficado com nem um Rave, que
dirá todos, ela não queria exatamente negar o boato — ela meio
que adorou ser o assunto das conversas de todo o mundo. E
então, enquanto estava sentada com a diretora da Constance
Billard, a Sra. McLean, em sua patriótica sala vermelha, azul e
branca em Nova York, Jenny percebera uma coisa ótima: não
era o fim do mundo ser expulsa da Constance. Era sua chance
de recomeçar, de reinventar a si mesma como a sofisticada que
não fazia asneiras que ela sempre quis ser. E qual era o lugar
de maior classe onde recomeçar? No internato, é claro.
Para grande pesar do pai — Jenny tinha certeza absoluta
de que Rufus queria que ela morasse com ele no apartamento
do Upper West Side para sempre — Jenny tinha pesquisado
furiosamente um monte de escolas e visitou algumas. A primeira
escola tinha um código de disciplina estrito e era chata
demais, para resumir. Por outro lado, minutos depois de chegar
à segunda escola, ofereceram-lhe ecstasy e ela tirou a blusa.
Mas exatamente como a terceira cama da Cachinhos
Dourados, a terceira escola que Jenny procurara, a Waverly,
era exatamente a certa.
Bom, para falar a verdade, ela não chegou a visitar a Waverly
realmente — ela estava sem tempo, já havia passado o prazo
de matrícula e ela tomara algumas liberdades criativas com sua
solicitação — mas ela viu milhares de fotos online e decorou
todos os nomes de prédios e mapas do campus. Jenny tinha
certeza de que seria perfeito.
— Eu era aluno de uma rival da Waverly — disse o rapaz,
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tirando um livro da bolsa. — A St. Lucius. Nossa escola odiava
a sua escola.
— Ah — respondeu Jenny baixinho, afundando na poltrona.
— Estou brincando. — Ele sorriu e se virou para o livro.
Jenny percebeu que era Trópico de Câncer, de Henry Miller, um
dos favoritos do pai dela. De acordo com Rufus, fora proibido
porque era avançado demais com sua crítica social depravada
do amor e do sexo em Nova York. Oba, cenas de sexo.
Jenny sentiu o rosto ficar rosado.
Depois ela percebeu: estava agindo como a velha Jenny,
nada sofisticada. E uma coisa era certa: a velha Jenny obviamente
não a estava ajudando.
Jenny analisou o rapaz com calma. Ela não o conhecia e
provavelmente nunca mais o veria de novo, então por que se
importava com o que ele pensava dela? Na Waverly, Jenny ia
ser a Nova Jenny, formidável e incrível, a garota que estava no
centro de tudo.
Então por que não começar a se transformar na Nova Jenny
agora mesmo?
Reunindo coragem, ela descruzou os braços e revelou os
grandes seios tamanho 42, que pareciam ainda maiores uma
vez que ela mal tinha 1,50 metro e meio de altura, e se endireitou
na poltrona.
— E aí, humm, alguma parte boa neste livro?
O rapaz ficou confuso, os olhos disparando da cara inocente
de Jenny para seus peitos e dali para a capa gasta do livro
em brochura. Por fim, ele franziu o nariz e respondeu.
— Talvez.
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— Lê pra mim?
O garoto passou a língua nos lábios.
— Tá legal. Mas só se primeiro você ler para mim uma
frase daquele livro que estava com você. — Ele bateu na capa
marrom do amado Guia de ética da Waverly Academy de Jenny.
— Claro. — Jenny abriu o livro de regras. Ela o recebeu
havia algumas semanas e o devorara da primeira à última página.
Ela adorou a encadernação em couro macio, o papel creme
e o estilo de história infantil, um tanto condescendente e
meio britânico em que era escrito. Parecia tão maravilhosamente
respeitável e de elite, e Jenny tinha certeza de que depois
de ter passado algumas semanas na Waverly, ela seria tão
educada, graciosa e perfeita quanto Amanda Hearst, a jovem
socialite, ou a falecida Carolyn Bessette Kennedy.
Ela deu um pigarro.
— Essa aqui é boa. “As Waverly Owls não podem dançar
de forma sexualmente sugestiva em público.” — Ela riu. Isso
significava que podiam dançar de forma sexualmente sugestiva
em particular?
— Eles realmente se referem a vocês como Waverly Owls,
as Corujas da Waverly? — O rapaz se inclinou para ver a página.
Ele tinha cheiro de sabonete Ivory.
— É. — Ao dizer isso, Jenny sorriu. Ela, Jenny Humphrey,
ia ser uma Waverly Owl!
Ela virou a página.
— “Os Waverly Owls não podem ter intimidade sexual.
Uma Waverly Owl não deve se envolver em atividades que
possam ser perigosas, como pular da ponte Richards. Uma
Waverly Owl não usa alças finas nem minissaias acima do meio
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da coxa.”
O rapaz deu um sorriso sacana.
— Já que estão falando de uma menina, não deveria ser
uma oulette, as “corujete”?
Jenny fechou o livro num baque.
— Tá legal. Agora é a sua vez.
— Bom, eu acabei de começar, então vou ler do início.
— O rapaz sorriu maliciosamente e abriu na primeira página.
— “Desde o início, treinei a mim mesmo para não querer nada
desesperadamente.”
Engraçado, pensou Jenny. Ela estava com o problema contrário
— ela queria tudo desesperadamente.
— “Eu era corrupto” — continuou ele. — “Corrupto
desde o começo.”
— Eu sou corrupta! — soltou Jenny. — Mas não desde o
começo. — A Velha Jenny não conseguia acreditar no que a
Nova Jenny estava dizendo.
— É? — Ele fechou livro. — A propósito, meu nome é
Sam.
— Jenny. — Ela olhou para ver se Sam queria apertar a
mão dela, mas ainda estava enfiada por baixo da perna dele.
Os dois sorriram meio sem-jeito.
— E aí, a sua corrupção tem alguma coisa a ver com o
motivo para você sair de Nova York e ir para um internato?
— perguntou Sam.
— Talvez. — Jenny deu de ombros, tentando ser ao mesmo
tempo recatada e misteriosa.
— Diz aí.
Ela soltou um suspiro. Podia admitir a verdade, mas Todo
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mundo pensou que eu tinha dormido com os caras daquela banda e eu
não neguei parecia meio piranhudo. Definitivamente não era
nem misterioso, nem chique. Então ela decidiu tomar algumas
liberdades criativas.
— Bom, eu meio que me meti num desfile de moda indecente.
Os olhos de Sam brilharam de interesse.
— Como assim?
Ela pensou por um momento.
— Bom, aparentemente eu só estava de sutiã e calcinha.
E saltos. Acho que foi meio demais para algumas pessoas.
Isso não era inteiramente uma mentira. Jenny tinha mesmo
trabalhado como modelo no ano passado — para uma série
de fotos de Les Best na revista W. Vestida. Mas as roupas não
pareciam muito interessantes naquele momento.
— É mesmo? — Sam deu um pigarro e ajeitou os óculos.
— Já ouviu falar de Tinsley Carmichael? Você deve conhecêla.
— Quem?
— Tinsley Carmichael. Ela é da Waverly. Eu agora sou da
Bard, mas eu a encontrei algumas vezes em festas no ano passado...
Ela vem para a escola no próprio avião. Mas me contaram
que ela decidiu sair da Waverly porque Wes Anderson lhe
ofereceu o papel principal no próximo filme dele.
Jenny deu de ombros, sentindo-se estranhamente competitiva
— e meio animada — com essa tal de Tinsley. Ela
parecia a Nova Jenny ideal.
O cobrador de aparência exausta apareceu no corredor e
pegou o bilhete no alto da poltrona de Jenny.
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— Próxima parada, Rhinecliff.
— Ah. É a minha. — Jenny respirou fundo. Estava mesmo
acontecendo! Ela olhou pela janela, esperando ver alguma
coisa verdadeiramente mágica, mas só viu árvores verdes
luxuriantes, um campo amplo e postes telefônicos. Ainda assim,
árvores! Um campo! O único campo em Manhattan era
o Sheep Meadow, no Central Park, e estava sempre cheio de
traficantes e magricelas seminuas tomando sol.
Ela se levantou e pegou a bolsa LeSportsac vermelha de
bolinhas brancas e a antiquada mala marrom Samsonite que
pegara emprestada com o pai. Perto da alça, tinha um adesivo
enorme ABRACE, NÃO JOGUE BOMBAS. Não era lá
muito Nova Jenny. Enquanto ela lutava para colocar a mala
no chão, Sam se levantou para ajudar, puxando-a do bagageiro
sem esforço nenhum.
— Obrigada — disse ela, corando.
— Tudo bem. — Ele tirou o cabelo da frente dos olhos.
— E aí, vou poder ver fotos suas do... desfile?
— Se procurar na Internet — mentiu Jenny. Ela olhou pela
janela e viu, do outro lado do campo, um velho catavento de
galo no alto de uma grande sede de fazenda esmaecida. — O
nome do estilista é, humm, Galo.
— Nunca ouvi falar dele.
— Ele é meio obscuro — respondeu Jenny rapidamente,
percebendo que o rapaz educado vestido de camisa pólo corde-
rosa sentado atrás deles estava sem dúvida nenhuma ouvindo
a conversa dos dois. Jenny tentou ver o que ele digitava
em seu celular BlackBerry, mas ele cobriu a tela quando percebeu
que ela estava olhando.
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— Você... tem que ir na Bard um dia desses — continuou
Sam. — A gente faz umas festas que são demais. DJs ótimos e
essas coisas.
— Tá legal — respondeu Jenny por sobre o ombro, erguendo
as sobrancelhas só um pouco. — Mas sabe como é,
uma Waverly Owl não pode dançar de forma sexualmente
sugestiva.
— Eu não vou te dedurar — respondeu ele, sem tirar os
olhos dos peitos dela.
— Tchau, Sam — Jenny acenou, usando o tom de voz
mais musical de azaração. Ela saiu do trem para a plataforma
e respirou fundo o ar fresco do interior. Caraca.
Ainda vai demorar um pouquinho até se acostumar com a
Nova Jenny!
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OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
RyanReynold s: Aí, Benster. Bem-vinda de volta, gata!
BennyCunningham: E aí, fofo! E a vida?
RyanReynolds: Fiz a pior viagem possível para cá no
nosso avião. Meu pai tem um piloto
doido e eles ficaram tagarelando um
com o outro o tempo todo e acelerando
cada vez mais...
BennyCunningham: Da próxima vez, vem no meu avião. Vou
deixar você se aninhar comigo debaixo
da minha pashmina.
RyanReynolds: Meu Deus, você é uma figura. Aí, viu a
foto da Callie na Atlanta Magazine?
BennyCunningham: Não, mas soube que isso quase acabou
com a mãe dela. Ela teve que controlar
os danos no Good Morning Atlanta!
RyanReynolds: É, parece que a C bombou na foto.
BennyCunningham: Ela ainda está com EZ? Eu vou voar nele
se não estiver.
RyanReynolds: Sei lá. Alguém me disse que viu o cara
dançando com uma garota linda de
olhos bem azuis e trancinhas pretas em
Lexington.
BennyCunningham: Parece a Tinsley. A não ser pelas
trancinhas.
RyanReynolds: Eu sei. Que droga, ela não vai na festa de
hoje.
BennyCunningham: Fala sério.

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2
UMA WAVERLY OWL DEVE RESISTIR AO
IMPULSO DE LAMBER O NAMORADO
DA CABEÇA AOS PÉS.
Callie Vernon baixou a mala na entrada do quarto 303
do alojamento Dumbarton e olhou em volta. O
quarto estava exatamente do jeito que ela, Brett e
Tinsley tinham deixado — a não ser pela ausência de garrafas
vazias de Diet Coke, cinzeiros abarrotados de Parliament e
caixas de CD espalhadas por todo o quarto. No último outono,
como só estavam no segundo ano, Callie e as duas melhores
amigas, Brett Messerschmidt e Tinsley Carmichael,
tinham sido colocadas em um quarto horrível e apertado com
uma só janela. Mas depois Tinsley subornou três veteranas
bobalhonas para trocar com elas na primeira semana de aula
com a promessa de que receberiam convites para as melhores
festas secretas. Elas queriam este quarto porque era maior do
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que a maioria, tinha janelas de batente dando para o rio
Hudson e ficava perto da saída de incêndio — o ideal para
escapulir depois do toque de recolher.
Brett ainda não havia voltado à escola e Tinsley tinha sido
expulsa no final do ano letivo anterior. Elas foram pegas com
ecstasy no meio do campo de rugby às cinco da manhã pelo
Sr. Purcell, o severo professor de física, que gostava de sair
para correr com seus três schnauzers gigantes impecavelmente
bem-cuidados antes do sol nascer. Era a primeira vez que elas
experimentavam E e elas precisaram de algum tempo para
parar de rir dos cães de aparência ridícula antes de perceber
em que encrenca enorme tinham se metido. As meninas foram
chamadas à sala do diretor separadamente — primeiro
Tinsley, depois Callie e em seguida Brett — mas a única a ter
problemas de verdade foi Tinsley, que foi prontamente expulsa
da Waverly.
Callie pegou seu reflexo no espelho recém-emoldurado
acima da escrivaninha antiga de carvalho e endireitou o top
branco Jill Stuart e a saia pregueada Tocca amarelo-limão. Ela
perdera alguns quilos no verão e o zíper lateral ficava escorregando
pela barriga. Callie agora era magra, talvez meio magra
demais, e estava sardenta do sol. Seu cabelo era comprido e
revolto e os olhos castanhos redondos eram emoldurados por
cílios grossos de pontas louras. Ela fez um biquinho, mandou
um beijo para o espelho e sentiu uma palpitação de ansiedade
no peito.
Por todo o verão, a mente de Callie rodou sem parar, pensando
em por que Tinsley tinha sido expulsa e ela e Brett, não.
Será que Brett armou tudo? Brett era superdiscreta com sua
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vida em casa — a mãe e o pai nunca apareciam no Dia dos
Pais e Brett nunca convidava ninguém para a casa dela em East
Hampton para fins de semana prolongados. Tinsley certa vez
deixou escapar que Brett tinha uns problemas familiares que
ela não queria que ninguém soubesse. Será que Brett realmente
tramara a expulsão de Tinsley para que ela não revela seus
segredos? Parecia coisa de novela, mas às vezes Brett era tão
melodramática que Callie não duvidava de que ela fosse capaz
disso.
Callie se aninhou na cadeira da escrivaninha, feliz por
voltar à escola. Além de as duas amigas não terem falado com
ela — ela não ouviu um pio de nenhuma das duas — seu verão
tinha sido um desastre. Primeiro, foi a foto de Callie no
Club Compound que saiu na Atlanta Magazine, dançando em
cima de uma mesa com um vanilla martíni na mão. A legenda
dizia, Bebida demais e idade de menos: Será este um comportamento
adequado para a filha de uma governadora? Nem é preciso dizer
que isso não caiu muito bem com os eleitores georgianos e
conservadores da mãe. Êpa.
Depois desse pesadelo, Callie fora de avião para o chalé da
família em Barcelona — o Sr. Vernon era meio espanhol e
passava os verões trabalhando com negócios imobiliários na
Europa. Ela esperava que Barcelona compusesse o cenário
perfeito para um encontro romântico com o namorado, Easy
Walsh. Mas a visita dele foi tudo, menos romântica. Digamos
que foi meio bizarra.
— Oi — disse uma voz cavernosa atrás dela.
Callie girou para ver quem era. Easy. Aqui estava ele, o 1,80
metro amarfanhado e sexy dele, parado na soleira da porta,
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mais lindo do que nunca.
— Oh! — Ela sentiu as palmas das mãos ficarem escorregadias
de suor.
— Como é que você está? — perguntou ele, puxando a
bainha puída da camisa pólo. O cabelo desgrenhado e quase
preto se encaracolava no pescoço e nas orelhas.
“Confusa” teria sido uma resposta razoável. A última vez
em que ela vira Easy foi quando ela o deixou no aeroporto de
Barcelona. Eles não deram um beijo de despedida e mal se
falaram durante todo o último dia da visita dele.
— Legal — respondeu ela cautelosamente. — Como foi
que entrou aqui? A Angelica te viu? — A diretora do alojamento,
Angelica Pardee, era muito rigorosa para permitir que
meninos entrassem no alojamento das meninas, a não ser
durante a “visita”, que só acontecia por uma hora entre a prática
de esportes e o jantar.
— Você está magra demais — disse Easy delicadamente,
ignorando as perguntas de Callie.
Callie franziu a testa.
— Quer ter problemas já no primeiro dia de aula?
— Seus peitos sumiram — continuou ele.
— Que bom — murmurou ela, irritada. A verdade era que
passou o verão todo sem fome, não teve apetite nem para paella
à Barcelona, a preferida dela. Ela estava nervosa demais para
comer, ou para fazer qualquer coisa, na verdade. Callie passou
as últimas semanas na Espanha no sofá, parecendo uma
palerma desestruturada, usando um biquíni branco Dior meio
roto e um sarongue qualquer de batik rasgado e velho que ela
comprara por uma ninharia em uma feira livre de Barcelona,
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e vendo, por horas sem fim, The Surreal Life em espanhol. E
ela nem falava espanhol muito bem. — Por que voltou tão
cedo?
Easy em geral se atrasava elegantemente para o check-in da
Waverly — outra proibição absoluta — porque ele chegava em
um trailer com o puro-sangue, Credo, que ele mantinha no
campus.
— O Credo vem na semana que vem, então não havia
motivo para eu me atrasar.
Ele olhou para Callie. Eles estavam juntos desde o último
outono, mas ele teve dificuldades para ficar louco para revê-la
na escola depois que seus pais receberam um bilhete furioso
do reitor Marymount no verão dizendo que ele ia observar
Easy de perto este ano. Ao que parecia, havia regras a cumprir,
e só porque Easy era um legado — o avô, o pai e três irmãos
mais velhos dele freqüentaram a Waverly — isso não
significava que podia quebrar essas regras. Então, em vez de
ir para a escola com uma semana de atraso com Credo, Easy
tinha pego um vôo fretado sozinho do Kentucky para Nova
York com os bancos reclináveis de couro e a champanhe ilimitada.
Parece ótimo, né? Só que não era exatamente o que
Easy tinha em mente.
Easy sempre fantasiava com sua expulsão da Waverly
Academy — até que se lembrou da proposta do pai. Se Easy
se formasse na Waverly, podia ficar um ano em Paris. Seu pai
tinha um grande apartamento no Quartier Latin todo pronto
para o ano de Easy no exterior. Paris — não seria legal? Ele ia
tomar absinto, pintar cenas de rua da janela de seu quarto e
andar pelo Sena em uma bicicleta Peugeot antiga e raquítica,
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um Gauloise pendurado da boca. Ele podia fumar até morrer
e ninguém daria a mínima para isso!
— Vai na festa no estar da Richards hoje à noite? — perguntou
Callie.
Easy deu de ombros.
— Não tenho certeza. — Ele parou bem do lado de dentro
da soleira da porta.
Callie tirou um pé do mocassim Burberry pontudo e passou
os dedos dos pés pintados de rosa no chão. Uma sensação
horrível de medo a inundou. Por que Easy não iria à primeira
festa do ano? Todo o mundo ia à primeira festa do ano. Será que
ele estava saindo com alguém? Alguém com quem ele quisesse
ficar sozinho na primeira noite na escola?
— Bom, eu vou nessa — disse ele rapidamente, cruzando
os braços.
Nenhum dos dois fez um só movimento na direção do
outro. Mas com o cabelo com musse, os ombros largos e os
antebraços dourados, Easy estava tão irresistível que Callie
morreu de vontade de lambê-lo da cabeça aos pés.
— Teve um bom verão depois da Espanha? — disse ela,
tentando parecer o mais indiferente possível.
— Acho que sim. Lexington estava um saco, como sempre.
— Ele tirou um palito de dentes de trás da orelha e o
colocou entre os lábios meio rachados.
Callie se recostou na guarda da antiga cama de madeira
branca. A visita dele à Espanha foi uma droga desde o começo.
Easy teve de viajar na classe econômica e, quando chegou,
estava tenso e rude e foi direto para o bar — não um daqueles
lindos cafés ao ar livre saídos de O sol também se levanta, mas
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simplesmente o bar mais próximo possível, no aeroporto.
Depois ele vomitou no sofá dos Vernon, o que foi um problema
porque o pai de Callie precisava se sentar naquele sofá para
ver o noticiário internacional da CNN a cada minuto em que
não estava trabalhando.
Callie projetou os quadris para a frente e roeu a unha recém-
feita do polegar.
— Bom, isso é legal — respondeu ela por fim. Ela queria
poder passar os braços em volta dele e beijá-lo em toda parte,
mas não podia exatamente fazer isso quando ele sequer tentara
lhe dar um abraço.
Depois ela viu uma figura conhecida atrás de Easy e seu
coração começou a disparar.
— Sr. Walsh! — gritou Angelica Pardee, a diretora do alojamento
Dumbarton. Angelica não tinha nem trinta anos, mas
parecia ter pressa para chegar à meia-idade. Hoje estava vestindo
um cardigã caramelo fino e disforme, uma saia reta e
preta na altura dos joelhos e sapatos Easy Spirits pretos. A
barriga das pernas estava meio varicosa e meio azulada demais
e ela não estava maquiada. — Já terei que fazer um relatório
seu hoje?
Easy deu um pulo.
— Desculpe — disse ele, colocando a mão na cabeça,
confuso, como se tivesse amnésia. — Eu não vinha aqui há
tanto tempo que, tipo assim, esqueci de que alojamento eu
era. — Ele olhou pelo quarto, diretamente nos olhos de Callie,
e ela sentiu os braços se arrepiarem.
— A gente se vê depois? — murmurou ela por fim.
Ele assentiu ainda mais levemente.
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— Estábulos? — sussurrou ela.
— Amanhã? — fez ele com a boca.
“Por que não hoje à noite?”, Callie queria perguntar. Mas
não perguntou.
— Sr. Walsh! — Angelica praticamente cuspiu, pegando
o punho da camisa dele. Seu rosto estava de um vermelho
anormal.
— Tá bom! — gritou Easy. — Eu já disse que estava saindo.
Angelica sacudiu a cabeça e acompanhou Easy pelo
corredor.
Callie se virou e olhou pela janela. Era no estábulo abandonado
que eles costumavam ir no ano passado para namorar.
Só alguns alunos tinham cavalos na escola, então várias
baias estavam sempre vazias. Ela odiava que ela tivesse de sugerir
que se encontrassem ali, e não ele.
Um bando de calouras subiu a escada do Dumbarton, carregando
bagagem demais. Callie percebeu como as meninas
pareciam oprimidas. Ela sabia como era. Havia tantas coisas
no internato que não estavam nos seus planos. Elas logo descobririam
que não iam precisar nem de metade dos trecos que
trouxeram e que tinham se esquecido de coisas realmente
importantes — como frascos de xampu vazios para esconder
vodca. Ela observou o monte de calouras passar enquanto Easy
descia a escada do Dumbarton, assentindo para as caras inocentes.
Meu Deus, como era difícil namorar um galinha.
Ela pôs a cabeça entre as mãos. Era tão óbvio o que tinha
dado de errado na Espanha. Na última noite que eles passaram
juntos, ela admitira uma coisa a Easy que era grande demais
e apavorante demais de se dizer. E qual foi a resposta dele?
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Nada. Silêncio.
Callie suspirou. Eles iam ter de conversar sobre isso amanhã,
embora ela esperasse que eles fizessem um pouco mais
do que só falar.
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OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
BennyCunningham: Um amigo do meu irmão em Exeter me
contou que tem uma garota nova na
Waverly que era stripper em NY.
HeathFerro: ?!?
BennyCunningham: É. Uma boate chamada... Hen Party?
Chicken Hut? Horse Stable? Acho que fica
no Brooklyn. Pedi a um primo que mora
no Village para ver — é o tipo de lugar
onde vc tira tudo. Até a calcinha.
HeathFerro: Quando vou conhecer a garota?
BennyCunningham: Heath, você é terrível.
HeathFerro: Nem sabe como, baby!
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3
UMA WAVERLY OWL DEVE MANTER O SUTIÃ
DE VELHA ESCONDIDO O TEMPO TODO.
Aqui está bom — disse Jenny ao taxista assim que
viu a placa marrom discreta que dizia WAVERLY
ACADEMY pendurada em uma árvore ao lado
de um pequeno prédio térreo de tijolos aparentes. A Waverly
não ficava longe da estação de trem, mas Jenny estava ansiosa
demais para chegar ali.
— Tem certeza? — O taxista se virou, revelando um
narizinho bicudo e um boné dos Yankees azul-claro e desbotado.
— Porque a recepção fica...
— Sou aluna daqui — interrompeu Jenny, sentindo um
estremecimento ondular por seu peito ao falar. — Sei onde
fica a recepção.
O taxista ergueu as mãos, derrotado.
— Você é quem manda.

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Jenny lhe passou uma nota de vinte, saiu do táxi e olhou
em volta.
Aqui estava ela. Na Waverly. A grama parecia mais verde,
as árvores mais altas e o céu mais claro e mais azul do que em
qualquer outro lugar que ela conhecera. Havia sempre-vivas
luxuriantes em todos os lados e à direita havia um largo caminho
de paralelepípedo serpentando por uma colina. Um campo
verde se espalhava à esquerda e a distância alguns meninos
de shorts Abercrombie jogavam futebol. Todo o lugar tinha
cheiro de internato. Como o bosque profundo, que ela só vira
algumas vezes, antes de perceber que não precisava acompanhar
o pai e seus amigos anarquistas meio pirados em viagens
de acampamento ao sul de Vermont.
Um Mercedes creme conversível passou voando por ela.
Ela ouviu a imponente badalada de um relógio de campanário
bater a uma da tarde.
— É — sussurrou ela, satisfeita. Ela definitivamente chegara.
A verdade era que ela queria sair do táxi porque mal podia
esperar um segundo a mais que fosse para colocar os pés no
terreno da Waverly, não porque soubesse exatamente aonde
estava ido. Olhando para o pequeno prédio de tijolinhos ao
lado, ela percebeu que a hera tinha crescido pelas janelas e que
as portas estavam fechadas e enferrujadas. Esta definitivamente
não era a recepção, onde ela precisava fazer o check-in. Outro
carro, este um Bentley cinza-militar, passou por ela. Jenny
decidiu seguir o desfile de carros de luxo.
Ela arrastou a bagagem pelo morro de grama recém-aparada,
os saltinhos gatinho afundando na grama molhada e
31
abundante. Uma pista de corrida passava a sua direita, ladeada
por arquibancadas altas e brancas. Algumas meninas estavam
correndo animadas pela pista, os rabos-de-cavalo balançando.
No alto da colina, acima das árvores verde-escuras, ela podia
ver o pináculo de uma igreja branca e o telhado de ardósia de
outros prédios de tijolinho. Os meninos do futebol pararam
de jogar e agora estavam se reunindo, olhando na direção dela.
Estariam eles olhando para ela?
— Precisa de uma carona? — uma voz de homem interrompeu
seus pensamentos. Jenny olhou e viu um homem
bronzeado de meia-idade com dentes incrivelmente brancos
saindo pela janela do motorista de um Cadillac Escalade prata.
Ela podia ver o próprio reflexo nos óculos de sol Rayban
dele. Ela parecia desajeitada e boba vestida com uma camisa
pólo Lacoste apertada demais e arrastando a bagagem morro
acima com as sandálias de salto baixo cor-de-rosa. Ela comprou
a blusa na Bloomingdale’s porque tinha certeza de que a
faria se sentir absolutamente parte do internato, e ela voltara
para ver as sandálias várias vezes antes que finalmente entrassem
em liquidação e ela pudesse comprar.
— Humm, claro. Vou para a recepção. — Ela entrou na
traseira do 4x4, que tinha cheiro de carro novo. Um rapaz
louro com feições cinzeladas estava sentado no banco do carona
com cara de mau humor, mas ele não se virou para falar
com ela.
— Não sei não, Heath — disse em voz baixa o homem
ao rapaz. — Pode ser que você não possa dar a festa... Talvez
sua mãe e eu precisemos da casa de Woodstock nesse fim de
semana.
32
— Mas que porra — sibilou o rapaz à meia-voz. O pai
suspirou.
Jenny mal percebeu a grosseria do garoto. Só teve ouvidos
para uma palavra: festa.
Mas ela não se sentia à vontade para perguntar ao garoto
sobre a festa, porque ele parecia muito irritado. O carro parou
no enorme prédio de tijolos aparentes com uma pequena
placa marrom, ao lado do caminho de pedra, que dizia RECEPÇÃO.
Jenny guinchou um agradecimento, pegou as malas
e foi direto para a porta.
Lá dentro, a sala de espera era do tamanho de um salão de
festas, com um piso reluzente de cerejeira escura. Um grande
candelabro de cristal se pendurava do teto de pé-direito alto.
Quatro sofás de couro manteiga estavam dispostos em quadrado
em volta de uma pesada mesa de centro de teca e um
lindo rapaz de cabelo âmbar estava estirado num deles lendo
FHM e comendo um saco de Fritos.
— Posso ajudá-la? — perguntou alguém atrás dela. Jenny
deu um pulo. Ela se virou e viu uma mulher mais velha vestida
de Laura Ashley, com um coque cinza cheio de laquê e
olhos azuis, usando uma plaquinha de OLÁ, MEU NOME
É SRA. TULLINGTON e postada atrás de uma mesa, que
tinha uma pequena placa branca que dizia “Check-in de novos
alunos”.
— Oi! — piou Jenny. — Meu nome é Jennifer
Humphrey. Sou aluna nova!
Ela estudou a agenda Bem-vindo à Waverly, colada na mesa.
As aulas só começavam oficialmente na noite seguinte, no jantar
de orientação e boas-vindas, mas os testes das equipes es-
33
portivas iam acontecer durante o dia. A Sra. Tullington digitou
algumas informações em um imaculado laptop Sony cinzarevólver
e depois franziu a testa.
— Temos um problema.
Jenny a encarou inexpressivamente. Problema? Não havia
problemas na terra mágica de Waverly! Olha como o garoto
comedor de salgadinhos Fritos é lindo!
— Você foi matriculada como menino — continuou a Sra.
Tullington.
— Peraí, como é? — Jenny voltou à consciência num
susto. — A senhora disse menino?
— Sim... Você está aqui como Sr. Jennifer Humphrey. —
A velha parecia aturdida, vasculhando uma papelada de um
lado a outro. — Alguns alunos têm sobrenomes muito antigos,
entendeu, e talvez o comitê de admissão tenha pensado
que Jennifer era...
— Ah — respondeu Jenny constrangida, girando para ver
se o rapaz no sofá tinha ouvido, mas ele saíra. Toda a correspondência
da Waverly que ela recebera estava endereçada ao
Sr. Jennifer Humphrey. Ela achava que era um erro de
digitação. Que coisa burra de se pensar. Tão Antiga Jenny. —
O que isso quer dizer? Eu mandei toda a minha bagagem
para... o alojamento Richards, não é isso?
— Sim, mas esse é o alojamento masculino. — A Sra.
Tullington explicou lentamente, como se Jenny fosse incapaz
de entender. — Vamos ter que encontrar outro espaço para
você. — Ela vasculhou mais alguns papéis. — O alojamento
das meninas já está lotado... — Ela pegou o telefone. — Vamos
resolver isso. Mas veja se suas coisas estão no alojamento
34
Richards. Eles teriam que mandar para a sala de estar no primeiro
andar... É ali que fica toda a bagagem que chega pelo
correio. Siga o caminho à sua direita, o quarto prédio. Tem
uma placa. Vamos mandar alguém encontrá-la depois que resolvermos
isso.
— Tudo bem — respondeu Jenny toda feliz, imaginando
todos os meninos gatos sem camisa que estava prestes a ver
zanzando pelo Richards. — Sem problema.
— A porta principal deve estar aberta. Mas não vá a nenhum
dos quartos. É proibido! — disse a Sra. Tullington atrás
dela.
— Claro — concordou Jenny. — Obrigada!
Jenny parou na varanda de pedra da recepção. Pelos estudos
que fez do mapa do campus, ela sabia que os alojamentos,
a capela, o auditório e as salas de aula da Waverly ficavam dispostas
em um grande círculo, com os campos de futebol no
meio. Atrás do círculo ficavam a casa de barco, o rio Hudson,
a galeria de arte, o laboratório de botânica e a biblioteca. Todos
os prédios pareciam ser de tijolos aparentes, com antigas
janelas pesadas e remates brancos.
Trotando toda animada para os alojamentos, Jenny teve que
se conter para não sair pulando. Meninas com jeans Citizens
desbotados e chinelos rotos saíam de Mercedes 4x4 e peruas
Audi, abraçando outras meninas e conversando empolgadas
sobre o que aconteceu no verão em suas casas em Martha’s
Vineyard e nos Hamptons. Meninos com moletons de capuz
e bermuda se esbarravam com os ombros. Um cara levando
uma bolsa de viagem Louis Vuitton gritou: “Tomei tanto E
no verão que meu cérebro torrou!”
35
Jenny sentiu o corpo enrijecido, repentinamente intimidada.
Todo mundo era tão bonito — escovado, limpo e na
moda sem sequer tentar, o que era muito mais legal do que
passar horas se produzindo, como Jenny em geral fazia — e
parecia que se conheciam desde sempre. Ela respirou fundo e
continuou pelo caminho.
Depois, saída do nada, uma coisa gigante que parecia uma
batata passou voando, soltando um grasnado horrível, e voou
a centímetros da cara de Jenny.
— Aiii! — gritou ela, estapeando para a frente.
Ela viu a coisa voar para uma árvore. Que medo! Parecia
um rato bombado de esteróides.
Atrás dela, Jenny ouvir uma risadinha e se virou. Todas as
meninas ainda conversavam, mas dois caras com bonés com
o “W” de Waverly virados para trás estavam sentados em um
muro de pedra, observando. Depois ela percebeu que, no susto,
largara a mala abarrotada no caminho e ela se abrira. Ai,
meu Deus. O sutiã gigantesco com suporte reforçado, do tipo
com colchete extra e alças acolchoadas que ela usava quando
estava menstruada, estava esparramado no chão. Era um sutiã
enorme e atarracado que podia ser usado pela vovó.
Ela rapidamente enfiou o sutiã de volta na mala, espiando
para ver se os dois meninos sentados no muro tinham percebido.
Eles já estavam se reunindo a outro cara de boné, fazendo
aquele troço de meio aperto de mão e meio abraço que os
meninos faziam, sem prestar nenhuma atenção em Jenny.
Com o ar fresco e o cenário luxuriante, talvez os peitos gigantes
e o sutiã não fossem o tipo de coisa que a galera da Waverly
percebesse...
36
E então o recém-chegado virou-se para Jenny e tocou a
pala do boné branco e puído com o indicador. Ele lhe deu uma
piscadela, como quem diz: O ar pode ser fresco, mas nós não somos
inteiramente cegos.
37
4
OS WAVERLY OWLS SABEM QUE PULMÕES
LIMPOS GERAM VAIAS SAUDÁVEIS!
Brandon Buchanan sentou-se em uma de suas
Samsonites e olhou para Heath Ferro. Sempre que
chegava no campus, independente de quando chegasse,
ele via Heath primeiro. Embora eles fossem colegas de
quarto, Brandon achava Heath muito irritante na maior parte
do tempo.
— Trouxe um pacote de cigarros — vangloriou-se Heath
enquanto abria o fecho da bolsa de viagem preta Tumi e mostrava
a Brandon a beira de um pacote de Camel “sem filtro”.
Eles estavam na sala de estar do alojamento Richards, esperando
para saber para que quarto iriam. Era só uma sala comum,
um local de encontro onde os meninos assistiam a
SportsCenter, dividiam pizzas de salsicha do Ritoli’s e paqueravam
as meninas bonitas durante a hora de visita. Mas ainda
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assim, o lounge parecia inglês e aristocrático. O teto de reboco
creme tinha 4,5 metros de altura, com vigas de madeira
escura, e havia poltronas de couro confortáveis e gastas espalhadas
por toda a sala. Uma velha TV de armário que só pegava
três canais abertos e de vez em quando a ESPN assomava
em um canto. No chão havia um enorme tapete oriental.
Buracos descuidados de queimadura de cigarro o deixavam
com uma aparência ainda mais histórica.
— Só vai durar uma semana com você — ridicularizou
Brandon, empurrando o cabelo castanho dourado curto e
ondulado para trás, com seu jeito deliberadamente desleixado.
Heath fumava como uma chaminé do lado de fora do
Richards, embora fosse proibido fumar no campus, mas o corpo
docente costumava fazer vista grossa. Podia ser devido à
beleza atordoante de Heath — ele era alto, magro e atlético,
os olhos verdes com toques de dourado, maçãs do rosto pronunciadas
e cabelo louro escuro e sedoso. Mais provavelmente,
porém, era porque a família de Heath o livrava de problemas.
O pai de Heath doara 4,5 milhões de dólares para o centro de
natação olímpica e mais um milhão para um anexo de três
andares à reformada biblioteca de botânica, então Heath podia
muito bem fazer o que lhe desse na telha e nunca levava
mais do que uma advertência.
— Você trouxe seu creme esquisito de mulherzinha este
ano? — zombou Heath.
— É hidratante — esclareceu Brandon.
— É hidratante — ecoou Heath numa voz aguda.
E daí que Brandon cuidasse da pele? E que gostasse de
roupas e sapatos bonitos e que seu cabelo ondulado estives-
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sem bem? Ele era neurótico com o peso — só tinha 1,70 metro
de altura — e depilava o peito porque odiava os pelinhos que
cresciam na parte côncava do esterno. Os amigos menos limpos
o sacaneavam sem parar. Mas e daí?
— Quem você acha que vai dividir o quarto com a gente?
— perguntou Heath.
— Não sei. Talvez o Ryan. A não ser que ele consiga ficar
sozinho de novo. — O pai de Ryan Reynolds tinha inventado
uma lente de contato macia e usava acintosamente sua riqueza
como alavanca para o filho. Muitos pais de alunos subornavam
a escola, mas em geral isso era guardado em segredo.
Heath deu uma risadinha sacana.
— Talvez você vá fazer par com Walsh.
— Não, até a direção sabe que não deve — respondeu
Brandon. Só o som do nome dele, Walsh, de Easy Walsh, gelava
o sangue de Brandon.
— E aí, como é que tá a Natasha? — Heath recitou o nome
dela com um sotaque russo vagabundo.
Brandon suspirou. Em abril passado, ele começou a sair
com Natasha Wood, que foi para a Millbrook Academy, depois
de Easy roubar a namorada dele, Callie Vernon.
— A gente terminou há duas semanas.
— Tá brincando. Traição sua?
— Não.
— O que foi, então?
Brandon deu de ombros. Eles terminaram porque ele ainda
estava apaixonado por Callie. Ele e Natasha estavam transando
na praia de Harwich, em Cape Cod, e Brandon por acaso
chamou Natasha de Callie por engano. Êpa. Natasha subiu
40
no pequeno posto salva-vidas de madeira e se recusou a descer
até que Brandon fosse embora. Para sempre.
— De quem são esses troços? — Heath olhou a sala e
chutou o sofá de tweed marrom. Havia toda uma pilha de
bolsas de lona cor-de-rosa L. L. Bean que ainda não tinha dono.
Brandon deu de ombros.
— Sei lá. — Ele pegou uma das etiquetas. — Jennifer
Humphrey.
— Vai ter um cara chamado Jennifer Humphrey no alojamento?
Que esquisito.
— Não, eu sou a Jennifer.
Uma garota baixinha de cabelo cacheado, usando uma saia
lilás que era uma cópia barata da Marc Jacobs, estava parada
na soleira da porta da sala. Brandon sabia que a saia era
falsificada porque ele comprou a verdadeira no verão para
Natasha. Esta Jennifer tinha um narizinho arrebitado e bochechas
rosadas e usava sapatos cor-de-rosa de saltinho com
uma pequena abertura na frente, então ele pôde ver os dedos
dos pés dela se projetando para fora.
— Oi — disse ela simplesmente.
— Er — Brandon gaguejou. — Você não... Não devia ser...
— Não... na verdade... sou. — Ela riu um pouco. — Eu
fui mandada para este alojamento.
— Então você é o senhor Jennifer Humphrey? — intrometeu-
se Heath, passando um pé por sobre o outro.
— Sou. A Waverly achou que eu era homem.
Brandon sabia muito bem o que Heath estava pensando
naquele momento: Com tetas assim, você certamente não parece em
nada um homem. Meu Deus, os amigos dele às vezes o irrita-
41
vam.
— Meu nome é Brandon. — Ele estendeu a mão
educadamente, metendo-se na frente de Heath.
Jenny puxou a saia para baixo.
— Oi. — Ela se sentia meio aturdida. Dos sete meninos
que estavam vagando pela sala de estar com suas coisas, ela
escolheu os dois mais lindinhos. Brandon era lindo, com uma
pele impecável, o cabelo louro escuro perfeito e os cílios longos
e luxuriantes, mas ele era mais produzido do que ela! Jenny
preferia homens que parecessem um pouco mais rudes e mais
desleixados, como aquele sentado atrás de Brandon, cujo cabelo
louro era meio seboso e a camisa verde parecia ter sido
usada para dormir. Ela o olhou novamente, percebendo que
ele era o cara que tinha dado carona a ela para subir o morro.
Aquele que ia dar a festa. Ele não a reconhecia?
— Acho que tenho que esperar até que eles saibam o que
fazer comigo. — Ela olhou diretamente para trás de Brandon,
tentando refrescar a memória do amigo gato. — Posso ficar
com vocês? — Ela tentou manter a voz estável. A Nova Jenny
não guincha quando se convida para ficar com gatos do internato!,
repreendeu-se ela em silêncio, cravando as unhas na palma
das mãos.
— Claro — respondeu o garoto, olhando diretamente para
os peitos dela.
— O que vocês estão fazendo aqui, aliás? — Jenny olhou
em volta. — Todo mundo não tem que ir para o saguão até
que saiba para que quarto vai?
— Não, a gente se ferrou, então ficamos presos aqui até
que eles nos digam para onde ir. — Ele sorriu, sacando um
42
celular BlackBerry do bolso da calça cáqui.
Jenny se sentou.
— O que vocês fizeram de errado?
— Não dê ouvidos ao Heath. — Brandon sacudiu a cabeça.
— Os professores da Waverly são simplesmente uns
babacas.
Jenny começou discretamente a limpar o melhor que pôde
a lama dos sapatos rosa.
— Mas aí, eu estou meio apavorada. Uma coisa me atacou
total quando eu estava vindo pra cá. Era tipo... Um gato
voador gigante.
— Aaahhhh.... é o corujão-da-virgínia — explicou
Brandon. — Estão em todo o campus. Alguém doou um casal
tipo há uns cem anos e eles proliferaram. Mas embora praticamente
mate crianças o tempo todo, o corujão é nosso
mascote. Acho que é tipo assim, uma tradição da Waverly ter
essas corujas por aqui.
— Elas cagam em toda parte — acrescentou Heath.
— Ah, eu adoro tradições — exclamou Jenny rapidamente.
— Mas a coisa voou pra cima de mim como se não quisesse
errar!
— Como poderia errar? — murmurou Heath, digitando
em seu BlackBerry. Ele olhou de novo para os peitos de Jenny.
A Antiga Jenny teria ficado sem-graça, pensou ela, mas não a
Nova Jenny. Ela ia encarar o sujeito.
— Algum problema? — perguntou ela educadamente,
cruzando as mãos no colo.
Heath sorriu timidamente, depois inclinou a cabeça de
lado.
43
— Peraí um minutinho. — Ele parou. — Você disse que
era da capital? Nova York?
— É. Do Upper West Side.
Os olhos de Heath se acenderam como um caça-níqueis.
— Já ouviu falar num club chamado Hen Party?
Jenny franziu as sobrancelhas.
— Não...
— Talvez eu te leve lá um dia.
— Não é adequado — murmurou Brandon. O Hen Party
era um club de strip em Manhattan de que de repente todo
mundo estava falando. Ele olhou para a aluna nova. Os dois
pareciam estar numa espécie de guerra de encarada. Ela parecia
magoada, mas não fazia diferença. Heath podia ser amigo
de Brandon, mas era a versão humana de um Monet, só parecia
bom de longe. De perto, depois de conhecê-lo, ele era
muito... ridículo. Espera só até você descobrir que ele tem o péssimo
hábito de não cortar as unhas dos pés, pensou Brandon, trincando
os dentes. Espera só até descobrir que ele fofoca mais do que uma
mulher. Espera só até descobrir que as meninas o chamam de Pônei
pelas costas dele, porque todo mundo já deu uma voltinha nele.
A guerra de encarada continuava. Então um ruído agudo
sem a atenção de Heath rapidamente se voltou para o
BlackBerry. Pop! Campo de força desativado.
— Senhor Jennifer Humphrey — murmurou ele novamente
— do Upper West Side. — Ele digitou mais algumas
linhas e atirou o BlackBerry na bolsa. Depois tirou a camiseta
e afagou o torso dourado e esculpido de passar o verão em
Nantucket. — Vou tomar um banho. Quer vir?
Jenny abriu a boca para responder, mas Heath se virou,
44
achou uma toalha de banho branca na bolsa de viagem e saiu
gingando para o banheiro.
Brandon suspirou e pegou o Motorola Razr prata. Ele
rolou por uns e-mails — só umas mensagens de boas-vindas
e fofoca especulativa sobre o que aconteceu com Tinsley
Carmichael. Ele podia ver Jenny olhando-o e não pôde deixar
de ficar todo formigando.
— Podemos ter telefone aqui? — perguntou Jenny.
— Bom, não. A gente não pode falar neles. Mas todo
mundo manda texto e mensagem instantânea pelo telefone.
É só fazer o logon na Owlnet e usar seu e-mail da Waverly, que
é só seu nome e sobrenome, sem espaços. É um brecha que
os funcionários ainda não descobriram.
— Droga. Eu não trouxe o meu. O manual dizia nada de
celular.
— “Os Waverly Owls não usam celulares no campus” —
recitou Brandon numa voz que fingia seriedade.
Jenny riu.
— É. Eu adoro todas essas coisas de Waverly Owl.
Brandon sorriu.
— Ao que parece, uma das ex-diretoras da Waverly escreveu
o manual logo depois dos anos 1920, talvez, tipo assim,
durante a Lei Seca ou coisa parecida, quando as boas maneiras
e o bom comportamento eram realmente importantes.
Acho que as corujas já eram mascotes nessa época também.
Foi adaptado para a época atual, com celulares e essas coisas.
— Que engraçado. — Jenny sentiu-se relaxar um pouco.
Seu rosto doía de sorrir tanto num só dia.
— Vai ter uma festa nesta sala hoje à noite. Quer vir?
45
— Uma festa? — Jenny ergueu as sobrancelhas, ansiosa.
— Claro.
— Quer dizer, é meio informal, mas é a tradição, sabe
como é. — Brandon deu de ombros. Ele parecia menos tímido
sem Heath por perto.
Jenny mordeu o lábio, o que Brandon achou irresistível.
Ela era tão novinha e parecia tão animada de estar ali, diferente
de todas as outras meninas cheias de frescura da Waverly,
de suéter Fair Isle, óculos de sol Gucci do tipo Barbie-vai-parao-
internato, que não davam valor a nada. Agora, se ao menos
ela pudesse ficar longe do Pônei antes que as aulas começassem...
— Bom — Jenny interrompeu o monólogo interior dele.
— Se é uma tradição, então vou ter que vir. O Heath também
vem?
Heath apareceu na soleira da porta da sala. O cabelo louro
pingava água no peito nu e a toalha de banho branca estava
amarrada abaixo dos quadris esculpidos. Ele só segurava seu
BlackBerry, e sorriu ao falar.
— Não perco por nada neste mundo.
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OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
HeathFerro: Já vi a stripper duas vezes.
RyanReynolds: ???
HeathFerro: Meu pai deu uma carona pra ela até a
recepção. Depois eu e Brandon estávamos
sentados no Richards e ela apareceu. Mas ela
é legal. Bem inocente. Mas dá pra perceber
que é uma pervertida.
RyanReynolds: Ela já se meteu no alojamento masculino? Ela
mostrou a calcinha dela?
HeathFerro: Ainda não...
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5
MESMO QUANDO PROVOCADA, UMA
WAVERLY OWL DEVE CONTINUAR CIVILIZADA
COM A COLEGA DE QUARTO.
Mãe, dá por favor para dizer ao Raoul que ele
não precisa entrar no alojamento comigo?
Isso é constrangedor. — Brett Messerschmidt
tentou equilibrar a bolsa acolchoada Chanel creme e uma pasta
de laptop Jack Spade preta em uma das mãos e uma enorme sacola
de compras Hermès na outra enquanto aninhava o Nokia
platinado no ombro. O secretário dos pais, Raoul, que tinha uns
120 quilos e era careca, lutava para erguer algumas das malas
aparentemente intermináveis sem amarrotar o terno preto. Por
fim ele desistiu e tirou o paletó, revelando uma camisa branca
manchada de suor e uma montanha de músculos.
— Querida, você precisa da ajuda dele — piou a mãe com
o forte sotaque de Nova Jersey do outro lado da linha. — Não

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pode carregar todas aquelas malas pesadas sozinha!
Brett gemeu e desligou o telefone de repente. Todas as
outras levavam suas coisas — independente do peso que tivessem.
Os motoristas só deixavam as malas no meio-fio, na
frente do alojamento. Até parece que alguém ia fugir com suas
porcarias. Mas os pais dela, Stuart e Becki Messerschmidt, de
Rumson, Nova Jersey, mimavam-na como se ela fosse uma
das minichihuahuas trêmulas deles.
Os pais dela — cruz-credo. O pai, o mais importante cirurgião
plástico em três estados, era famoso por se vangloriar da
mais alta porcentagem de gordura que podia tirar numa lipo
de uma paciente em uma única sessão. E a única vez em que
a mãe de Brett a acompanhou até Waverly, quando Brett estava
na sétima série e visitava a escola, a Sra. Messerschmidt disse
a uma determinada mãe bem careta e conservadora que o
queixo dela era simplesmente perfeito e perguntou quem tinha
feito. A mulher encarou a Sra. Messerschmidt com uma
expressão confusa antes de finalmente entender e desaparecer
de vista.
Desde que começara na Waverly, Brett mentia direto sobre
os pais. Ela afirmava que eles moravam numa fazenda
orgânica de East Hampton mas passavam o verão na Terra
Nova, que o pai dela era cardiologista e a mãe promovia pequenos
eventos de caridade no Canadá. Ela não fazia idéia de
por que essa era a história que ela inventava, mas qualquer coisa
era melhor do que a história verdadeira, que era a de que os
pais eram novos-ricos e as pessoas mais bregas que Brett conheceu
na vida. Todo mundo na Waverly engoliu, a não ser
Tinsley, que no ano passado tinha atendido ao telefone de Brett
49
quando ela não estava no quarto e teve uma longa conversa
sobre estampas de leopardo e de tigre com a Sra.
Messerschmidt que, é claro, estava ligando de sua casa em
Rumson, Nova Jersey — e não do East Hampton. Era bom
que Tinsley não voltasse à Waverly: pelo menos seus pais constrangedores
continuariam sendo um segredo.
— Você não precisa me ajudar, depois de dirigir isso tudo.
— Brett sorriu como quem se desculpa a Raoul. Ela teria que
se lembrar de mandar a ele um creme All-Sport Muscle Rub
da Kiehl quando ele voltasse para casa.
— Está tudo bem — respondeu Raoul com sua voz de
barítono, mas Brett pensou ter detectado um leve gemido
quando ele largou as malas e voltou ao carro para a rodada
seguinte.
Quando ela abriu a porta do quarto, a melhor amiga, Callie,
que vinha de uma linhagem perfeita e nada brega — a mãe era
a encarnação de Scarlett O’Hara e era governadora da Georgia,
pelo amor de Deus — deu um sorriso malicioso enquanto
Raoul lutava para saber exatamente onde ficaria a mala Louis
Vuitton gigante de Brett.
— Ah, qualquer lugar está bom! — disse Brett rapidamente.
Depois ela se virou para Callie. — Oi.
— Oi, e aí. — Callie se recostou na janela e cruzou os
braços.
Ela parecia ter passado o verão todo sendo contorcida e
espicaçada por seu instrutor de Pilates, Claude, sem comer
nada a não ser chiclete Trident. O cabelo estava puxado em
um rabo-de-cavalo baixo e embaraçado e ela trazia nos olhos
castanhos aquele jeito meio tonto de você-poderia-muito-
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bem-pensar-que-ela-era-pateta-se-não-conhecesse-bem.
Uma saia de algodão laranja claro e uma camiseta estavam em
uma pilha amarfanhada no chão, e agora ela vestia uma camiseta
azul-bebê desbotada, short Ralph Lauren terracota de
menino e meias de ginástica com bolinhas felpudas cor-derosa
nos tornozelos.
Onde Callie era bonitinha e produzida à sua própria maneira
— ela era capitã do time feminino de hóquei, afinal —
Brett era de aparência mais incomum. Tinha a pele clara e
branca como leite e o cabelo curto muito ruivo. Os olhos verdes
eram amendoados e o nariz e o queixo lhe davam uma
aparência travessa.
Era estranho ver Callie de repente e compará-la consigo
própria de novo. No ano anterior, Brett, Callie e Tinsley eram
unha e carne. Mas depois aconteceu a história com o Ecstasy
e tudo mudou. Ninguém sabia por que Tinsley foi a única a
ser expulsa, mas Callie sempre teve um talento todo particular
para a persuasão — no primeiro ano, ela convenceu Sarah
Mortimer a sair com Baylor Kenyoir em vez de com Brandon
Buchanan, só porque Callie queria Brandon para ela. E no ano
passado Benny Cunningham, a linda morena bem-nascida da
Filadélfia que era sua amiga, queria ficar com Erik Olssen, um
sueco gato e branquinho, mas ele gostava da nojenta da Tricia
Rieken — que tinha um senhor peito e usava as roupas mais
piranhudas e mais de dominatrix de Dolce & Gabbana. De
algum jeito Callie conseguira convencer Tricia a gostar de Lon
Baruzza, que era o bolsista mas lindo e supostamente muito
bom de cama, deixando Erik livre para Benny.
Evidentemente Callie era boa para conseguir que as pes-
51
soas fizessem o que ela queria, em especial quando tinha algo
a ganhar pessoalmente. E, neste caso, talvez Callie ficasse
melhor sem Tinsley por perto: na primavera passada, Tinsley
e o namorado de Callie, Easy Walsh, foram vistos pelo time
de futebol feminino atrás das casas de barco à noite — sozinhos.
Tinsley e Easy negaram que alguma coisa tivesse acontecido,
mas Callie podia ser bem territorialista quando se
tratava dos namorados. Parecia loucura que Callie conseguisse
a expulsão de Tinsley da escola por ela supostamente ter
ficado com Easy, mas, bom, a Callie era meio maluca.
Callie pestanejou.
— Tingiu o cabelo de mais vermelho ainda?
— Mais ou menos — murmurou Brett. O colorista,
Jacques, fez confusão e usou um vermelho azulado nela em
vez do vermelho amarelado. Ela foi à Bergdorf para consertar,
mas de algum jeito entrou no salão do estilista mais punk
rock, que disse a ela que era perfeito e que mudar o cabelo
contrariaria sua sensibilidade artística. Brett ficou preocupada
que isso a deixasse muito parecida com Kate Winslet naquele
filme, Brilho eterno, o que não era um bom visual.
— Gostei — declarou Callie. — Está incrível.
Mentirosa! Brett sabia o que Callie achava de cabelo pintado
que parecia falso. Brett bateu a bolsa no chão.
— E aí, você não me ligou o verão todo.
— Eu... Eu te liguei — gaguejou Callie, arregalando os
olhos.
— Não ligou não. Você só me mandou uma mensagem
de texto. Em junho.
Callie se aprumou.
52
— Bom, você não respondeu!
— Eu... — Brett se calou. Callie tinha razão. Ela não respondeu.
— E aí, tem notícias da Tinsley?
— Claro.
Brett sentiu uma pontada de inveja.
— Eu também — mentiu ela. Ela não ouvia falar da amiga
glamorosa desde que ela foi expulsa, no final de maio.
As duas olharam para a cama vazia de Tinsley. Ficaria vazia
durante todo o ano? Talvez elas a usassem como depósito
extra ou a cobrissem com uma colcha indiana de batik e travesseiros
bordados de uma das lojas hippies de Rhinecliff. Ou
a Waverly as colocaria com alguma esquisitona com quem
ninguém queria dormir?
— A Tinsley me ligou um monte de vezes — continuou
Callie, meio agressiva.
— Pra mim também — mentiu Brett de novo, retirando
uma das blusas da mala de couro creme. — E aí, e o Easy? —
Ela mudou de assunto. — Você o viu no verão?
— Humm... Vi — respondeu Callie rapidamente, um
toque de mágoa na voz. — Viu o Jeremiah?
— É, vi — murmurou Brett.
— Ainda odeia o modo como ele diz mar? — perguntou
Callie enquanto examinava o brilho labial claro e um compacto
Chanel preto laqueado.
— Ainda — gemeu Brett. Seu namorado, Jeremiah, era
atacante do time de futebol do St. Lucius e, embora fosse de
uma família endinheirada e tradicional de Newton, um subúrbio
de elite de Boston, falava com um sotaque de cidade
universitária, omitindo os r’s como Matt Damon em Gênio
53
indomável.
— Você foi na casa dele ou ele foi na sua?
— Bom, eu passei uma semana com a família dele em
Martha’s Vineyard. Foi bem legal. — Brett gostava de
Jeremiah, mas ela amava de verdade a família dele. Eles eram
os típicos ricos da Nova Inglaterra, tão discretos e de bom
gosto, o extremo oposto de seus pais vulgares. Também não
era ruim que Jeremiah fosse lindo, com um queixo anguloso
e quadrado, cabelo castanho avermelhado nos ombros e olhos
verde-azulados que a devoravam.
Brett prometera que, assim que chegasse à escola, ia ligar
para ele e eles fariam sexo por telefone. Jeremiah queria transar
no verão, mas ela ainda não estava preparada. Ela não sabia
inteiramente o motivo, só que nunca transou com ninguém
antes e realmente não tinha certeza se Jeremiah era o cara certo
para a primeira vez.
É claro que a indecisão quanto a perder a virgindade não
era o tipo de coisa que uma menina como Brett admitiria em
voz alta. Ela contou a Callie que perdera a virgindade anos antes
com um suíço de nome Gunther que conhecera em uma viagem
de esqui com a família a Gstaad, embora na verdade ela
sequer tenha permitido que ele tocasse nela. Brett cultivava
uma imagem na Waverly: durona, experiente, sofisticada e
meio putinha. A mãe era o oposto — incompetente, ingênua,
infantil — e Brett não queria ser igual a ela.
Callie esticou as pernas compridas e perfeitamente lisas.
— Eu preciso mesmo de um banho. — Ela bocejou, levantou-
se e calçou um par de tamancos de borracha. — Quer
sair para jantar quando eu terminar?
54
Brett deu de ombros.
— Não sei. Tenho que ver a roupa perfeita para amanhã.
Tem um orientador novo, então preciso estar preparada, essas
coisas. — Brett tinha sido eleita monitora júnior no ano anterior,
o que significava que ela faria as chamadas e agiria como
líder júnior no CD, ou Comitê Disciplinar. Era um sinal de
enorme popularidade, todo mundo de sua turma tinha que
votar em você para o cargo. — Mas acho que posso matar. E
temos a festa de hoje à noite também...
— Que seja. — Callie acenou com a toalha e se virou para
a porta.
Brett se jogou na cama e olhou pela janela. A vista do rio,
que em geral a acalmava como uma dose de uísque envelhecido,
agora parecia sufocante. Ela imaginou que o primeiro
encontro com Callie depois do longo verão seria diferente. Ela
não esperava que as duas conversassem sobre Tinsley já de
saída. E ela achava que Callie se comportaria como sempre —
atirando-se na cama de Brett, abrindo um saco de biscoitos
Pirate’s Booty para dividirem e fofocando sobre todas as coisas
malucas, românticas e indecentes que elas fizeram o verão
todo. Elas iam rir, tomar um gim-tônica e sair para jantar, como
no ano anterior.
Ela abriu o celular e rapidamente apertou a tecla de atalho
para a irmã, Brianna, que morava em Nova York e trabalhava
como editora de moda da revista Elle. Bree passara pelo
triturador da Waverly seis anos antes e em geral podia tirar Brett
de qualquer depressão. Infelizmente, o telefone de Bree caiu
direto na caixa postal.
— Oi, sou eu — disse Brett quando ouviu o sinal. — Eu
55
me sinto... Sei lá. Confusa. Me liga.
Ela desligou e caiu de volta na cama. Assim que fez isso, o
celular berrou. Pensando ser Bree, ela o abriu, mas estava
enganada.
— Oi, Jeremiah — suspirou ela, apertando o telefone na
orelha. — Como é que está?
— Muito bem, agora — murmurou ele na outra ponta.
Brett revirou os olhos. Depois ela o imaginou esparramado
em sua cama de dossel no St. Lucius, à 15 quilômetros de
distância, numa camisa de futebol esfarrapada e cueca sambacanção,
com os braços compridos e bronzeados e os olhos
sensuais, e ela sentiu um jato quente de prazer.
— Então a gente vai fazer aquela... coisa? — perguntou
ela, sem sequer se incomodar em fechar a porta do quarto.
Pouco importa que as meninas barulhentas do segundo ano
ouçam no quarto ao lado. Talvez elas aprendam alguma coisa.
56
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HeathFerro: Tenho novidades. Falei com o amigo do meu
irmão que trabalha com I-banking, e ele disse
que o Fish Stick está bombando na cidade. As
meninas tiram tudo por 99 cents!
CallieVernon: Humm, Heath? Acho que passou torpedo para a
pessoa errada. Aqui é a Callie. Não quero saber
de strippers. Especialmente não quando estou
entrando no banho.
HeathFerro: Vc está no banho? Posso ver? Agora que você e
Easy terminaram, vc está livre feito um
passarinho, né?
CallieVernon: Como é? Quem te disse isso?
CallieVernon: Heath? Cadê você? Não é verdade!
CallieVernon: Ei!
57
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BennyCunningham: Então a grande pergunta é, já montou
no Pônei?
CallieVernon: Pônei?
BennyCunningham: É o novo apelido de Heath Ferro. Ele
consegue mais bundas do que um
pônei de feira do interior.
CallieVernon: Eca. De jeito nenhum eu fico com ele.
Ele é nojento. E você?
BennyCunningham: Culpada da acusação.
CallieVernon: Aimeudeus. Quando?
BennyCunningham: Primeiro ano. A gente transou no
armário de casacos do Stansfield Hall.
Nunca mais. Totalmente tosco.
CallieVernon: Sem querer mudar de assunto, mas
alguém te disse que eu e Easy
terminamos?
BennyCunningham: Humm... talvez.
CallieVernon: Quem?
BennyCunningham: Não lembro. Tenha que me arrumar pro
jantar!
CallieVernon: Porque não é verdade.
CallieVernon: É sério.
CallieVernon: Vc ainda está aí?

59
6
SE QUISER IMPRESSIONAR AS COLEGAS
DE QUARTO, UMA WAVERLY OWL PODE
FOFOCAR SOBRE A PRÓPRIA VIDA.
Estou procurando por Jennifer Humphrey. — Uma
magrinha com cara de passarinho, sotaque britâ
nico e cabelo louro pegajoso estava parada se retorcendo
diante de Brandon e Jenny, logo depois da porta da
sala de estar do Richards. Ela vestia um suéter de algodão e
gola rulê branco e sem mangas com um penacho triangular
no bolso e uma calça cáqui muito mamãe-suburbana que apertava
sua cintura e deixava a bunda enorme. — Acho que deve
ser você.
— Sim — Jenny meio que guinchou, tentando não demonstrar
a ansiedade na voz.
— Meu nome é Yvonne Stidder. — A garota estendeu a
mão. Tinha um aperto de mão mole e uma espinha no quei-

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xo. — Sou mentora das novas alunas. Achamos um quarto para
você.
Brandon ergueu as sobrancelhas para Jenny e começou a
se levantar.
— Foi um prazer conhecer você, Jenny.
— O prazer foi meu. — Jenny passou as bolsas L. L. Bean
rosa no ombro. — A gente se vê hoje a noite — sussurrou ela
quando Yvonne deu as costas.
— Desculpe por fazer você esperar tanto tempo — continuou
Yvonne, levando Jenny pela escada de saída do alojamento
Richards, passando por uma entrada cheia de mountain
bikes usadas, skates, caixas vazias de PlayStation e uma dezena
de bolas de futebol americano gastas.
— Não tem problema. — Jenny estava emocionada por
ter conversado com dois garotos bacanas, mas estava meio
aliviada por se afastar deles. Assim podia respirar um pouco.
— Em geral não permitimos a entrada no alojamento
masculino, a não ser nas horas de visita. — Yvonne olhou
longamente de lado para Jenny, mantendo a porta aberta para
ela. Ela espirrou assim que as duas saíram. — Na verdade,
humm, esta é a primeira vez que eu entro num alojamento de
meninos. Apesar de eu saber tudo sobre os alojamentos masculinos,
é claro. Sei todo o tipo de coisas sobre a Waverly, se
quiser me fazer alguma pergunta. Qualquer coisa.
— Tudo bem. Obrigada. — Se Yvonne não parecesse tão
monga, Jenny podia ter desconfiado de que ela estava cheirada,
porque ela falava rápido demais. — E para qual alojamento
eu vou? — perguntou ela enquanto atravessavam o
gramado. Ela sentiu uma palpitação de nervosismo no peito.
61
Estavam indo para seu novo alojamento, onde ela ia morar por
todo o ano letivo! Onde todo o tipo de coisas incríveis iam
acontecer com ela! Assim esperamos.
— Dumbarton. Bem ali, está vendo? — Yvonne apontou
para um prédio de tijolinhos e dois andares com janelas que
se projetavam de um telhado nos fundos do campus. Além dele,
brilhava o rio Hudson, que parecia muito mais bonito aqui
do que em Nova York. Jenny podia imaginar a equipe de remo
masculina deslizando tranquilamente por sua superfície com
seus remos reluzentes, os braços fortes inchando enquanto
remavam. — Uma garota, a Tinsley Carmichael... Ela ia morar
com Callie Vernon e Brett Messerschmidt, mas foi expulsa,
então tem um lugar vago. Minha amiga do grupo de jazz,
Storm Bathurst, mora no quarto ao lado...
— Peraí. Você disse Tinsley? — perguntou Jenny. Ela reconheceu
o nome, mas tinha absorvido tanta coisa em tão
pouco tempo que não conseguia se lembrar de onde ou quando.
— Por que ela foi expulsa?
Yvonne empurrou os óculos redondos de armação de
metal mais para cima do nariz. Ela cheirava a Vick Vaporub.
— Não sei bem — respondeu ela categoricamente. —
Não gosto de fofoca.
— Bom, pode me dizer alguma coisa sobre minhas novas
colegas de quarto?
Yvonne fez uma pausa.
— Eu não as conheço bem. Mas elas são as meninas que
todo mundo procura.
— Procura? — O coração de Jenny se acelerou.
— Sabe como é, aquelas que sempre dão festas, sempre
62
ficam com os garotos mais bonitos... — Yvonne riu e se virou
para Jenny. — Não é que não tenha meninos bonitos no grupo
de jazz. Você toca algum instrumento? O grupo de jazz está
procurando por algumas pessoas.
— Humm, não, desculpe. Mas e Callie e Brett... Elas são,
tipo assim, populares de verdade?
— São. — Yvonne assentiu, desviando-se de um colete
marrom de jogo que alguém deixara no campo. — Tem uma
galera que é o centro das atenções de todo mundo no campus.
Ah, é mesmo?, pensou Jenny toda animada. Ela tocou o
pequeno jacaré de patricinha na blusa, satisfeita por ter se vestido
tão bem para conhecer as novas colegas superdescoladas.
Depois ela percebeu um cara alto e moreno com cabelo colado
na cabeça, como se tivesse acabado de tirar um chapéu,
andando pelo gramado. Ele levava um grande cavalete de
madeira no ombro e seus jeans estavam manchados de tinta.
A respiração de Jenny ficou presa na garganta.
— Quem é esse? — ela apontou.
— Ele? — murmurou Yvonne. — Esse é Easy Walsh.
— Easy. Que nome ótimo — refletiu Jenny. — Ele é artista
ou coisa assim?
— Eu não o conheço muito bem, só sei que ele está sempre
se metendo em problemas. — Yvonne franziu o nariz. —
Fumando — cochichou ela. Para uma menina que não gostava
de fofoca, ela certamente sabia de muitas.
O rapaz entrou pelas portas duplas da biblioteca. Jenny de
repente queria poder largar as malas — e Yvonne — e ir atrás
dele.
Em vez disso, ela seguiu Yvonne até o alojamento
63
Dumbarton. Era um prédio de tijolos aparentes de dois andares
que tinha o nome inscrito em arenito acima de uma porta
de madeira grande e branca de fazenda. Elas se enfiaram por
uma passagem estreita e subiram um lance de escada de granito.
Um dos degraus tinha a inscrição 1832, RHINECLIFF,
NY. O alojamento era ainda mais antigo do que o prédio em
ruínas em que sua família morava no Upper West Side.
Em volta dela, as meninas estavam fazendo a mudança.
Rooney berrava de um quarto, No Doubt de outro. Ela viu
uma asiática baixinha de rabo-de-cavalo desenrolando um
pôster gigante de Jennifer Garner como Elektra, acabando com
a raça de alguém.
Elas se aproximaram da porta 303, que estava entreaberta.
— ...e eu estou lambendo você todo e... peraí. Não. Meu
Deus, Jeremiah, você ainda não tirou a calça. Tem que me
acompanhar!
— Er, oi? — disse Yvonne, empurrando a porta um pouco.
Uma menina mais velha com um rosto notável e cabelo
ruivo se levantou de um pulo de uma das camas do quarto.
— Preciso ir — disse ela ao telefone e o desligou. Ela olhou
por um segundo para Yvonne e depois fixou os olhos penetrantes
em Jenny.
— Ermmm, esta é Jenny Humphrey — explicou Yvonne.
— Ela é sua nova colega de quarto. Ela é de... De onde você
veio?
— Da Constance Billard — respondeu Jenny, erguendo
a mão. — Em Nova York.
— Ah. Legal. Brett Messerschmidt. — A menina estava
64
com uma blusa de manga curta feita sob medida e engomada
que Jenny tinha visto na vitrine da Soho Scoop o verão todo e
aquela bermuda na altura do joelho que só a galera mais hype
de Williamsburg usava.
Jenny entrou no quarto, que era maior e de certa forma
mais simples do que ela imaginava. As janelas eram enormes
e lindas, dando para o rio, enquanto as camas e a mobília eram
simplesmente... velhas. Ela analisou a nova colega de quarto
pelo canto do olho. O cabelo ruivo reluzente tinha um corte
curto severo que terminava bem no queixo. Uma orelha tinha
umas sete argolinhas de ouro e ela usava um relógio
Cartier de ouro e diamante no pulso esquerdo. Ela era sensual,
sofisticada e muito... familiar. Depois Jenny se lembrou:
havia uma foto de Brett no site da Waverly. Ela era a Garota
Curvada Sobre os Livros Parecendo Estudiosa. Ou pelo menos
era como Jenny a chamava.
— E a Callie? — Yvonne deu uma olhada no quarto. —
Ela já chegou?
— No banho — murmurou Brett.
Yvonne piscou com força, depois murmurou alguma coisa
sobre uma aula de flauta e disparou para fora do quarto.
Jenny andou até o que parecia a cama vaga e se sentou,
quicando algumas vezes.
— Este quarto é ótimo. Adorei a vista.
— É, é legal. — Brett cruzou os braços.
— Quem é você? — disse uma voz atrás delas. Jenny se
virou e viu uma garota alta e incrivelmente linda, com olhos
castanhos enormes e um cabelo louro escuro que parecia ter
acabado de sair do secador. Jenny pensou que ela parecia ver-
65
são Disney da Cinderela. Depois de transformada em princesa,
é claro.
— Oi. Meu nome é Jenny. Eu sou... Eles me mandaram
para este quarto.
— Eles? Eles quem? — quis saber Cinderela.
— Bom... a Waverly — gaguejou Jenny. — Você é a Callie?
— Sou. Você é do segundo ou do terceiro ano?
— Segundo. E vocês?
— Terceiro. — Callie fez um biquinho com os lábios de
batom rosa e baixou uma enorme bolsa de maquiagem Gucci
na mesa. — Vai ficar com essa cama? — Ela apontou para a
cama em que Jenny estava sentada.
— Acho que sim. Quer dizer, se não tiver problema para
vocês duas.
— Acho que está tudo bem. — Callie olhou para Brett.
— Parece que a Tinsley realmente foi embora.
Brett pareceu bufar pelo nariz. Jenny limitou-se a ficar
parada, sem saber bem o que dizer.
— O que aconteceu com a... er... Tinsley? — perguntou
ela por fim.
— É complicado — respondeu Brett rapidamente, abrindo
o fecho de uma mala abarrotada de sapatos. Jenny viu as
etiquetas em alguns. Jimmy Choo. Sigerson Morrison.
Manolo Blahnik.
— Não foi nada — acrescentou Callie. Ela olhou pela janela,
desviando os olhos das duas.
Jenny não era muito de fumar, mas queria ter um cigarro
naquele momento só para ter o que fazer com as mãos.
Callie finalmente rompeu o silêncio.
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— De que escola você era?
— Constance Billard. Fica em...
— Nova York. Só de meninas — interrompeu Callie
numa voz sussurrada, chegando um pouco mais perto de Jenny
como um gato que pode roçar na sua perna. Ela se virou para
Brett. — A Tinsley não era da Constance?
— Não. Ela era do Trinity. Até a quarta série. Depois foi
para algum lugar na Suíça, depois veio pra cá.
— É, pensando bem, a Tinsley não iria de jeito algum a
uma escola só pra meninas. — Callie examinou as cutículas.
— Eu me lembro de quando ela disse que teve toneladas de
namorados.
— Bom, a Tinsley é bonita — acrescentou Brett sem
muito interesse, tirando camisetas de outra mala.
Jenny se eriçou. Será que Brett estava dizendo que ela não
era bonita? Quem era essa tal de Tinsley, aliás?
— Ela podia ter o cara que quisesse — continuou Brett.
— Até os que tinham namorada.
— Isso não é verdade — rebateu Callie antes de se virar
para Jenny.
Os olhos de Jenny dispararam de uma colega de quarto
para outra. O que é que estava rolando com elas?
— A Tinsley deu a festa de 11 anos dela nas docas de
Chelsea. Tipo assim, ela alugou o troço todo e instalou uma
escola de trapézio na área de ginástica. Você foi?
Jenny deu de ombros.
— Não, desculpe. — Mas ela se lembrava dessa festa, é
verdade. Quando Jenny tinha 10 anos, o pai ficou dias rabugento
por causa de um artigo na seção Style do New York Ti-
67
mes que cobriu uma festa no Complexo Esportivo das Docas
de Chelsea para uma menina um ano mais velha do que Jenny.
O pai tinha sacaneado porque era uma festa complacente e um
nojo de burguesa, mas Jenny achou que a menina era a criança
mais sortuda do planeta. E agora ela ia dormir na cama dela!
Isso tinha que ser um bom sinal.
Callie olhou para Jenny como um avaliador da Christie
examinaria um vaso Ming e depois sorriu.
— Bom, bem-vinda à Waverly. Acho que vai gostar daqui.
Jenny pensou satisfeita: Eu já estou gostando.
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OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
TeagueWilliams: Como é que é a garota de 99 cents mesmo?
HeathFerro: Cabelo castanho cacheado, praticamente
anã, peitões.
TeagueWilliams: Deixa eu adivinhar... Vai levar a menina na
capela?
HeathFerro: Pode apostar!
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
CelineColista: Aí, a Callie e a Brett estão brigadas. As
duas foram na sala de Marymount para
pedir transferência de quarto.
BennyCunningham: Tudo por causa da Tinsley, né? Onde ela
está, aliás? Alguém sabe?
CelineColista: Eu soube que ela está namorando um
cara dos Raves e eles estão em turnê pela
Europa.
BennyCunningham: Pensei que a garota nova da capital é
que estivesse namorando os Raves...
Celinecolista: Qual deles!?
BennyCunningham: Todos. A banda toda.
CelineColista: Que tosco. Como soube disso?
BennyCunningham: Eu tenho as minhas fontes.
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7
A CAPELA NÃO É UM LUGAR ADEQUADO PARA
SOCIALIZAÇÃO DE NOVAS WAVERLY OLWS.
Aí, olha só quem está aqui!
Jenny estava parada do lado de fora da sala de
estar da Richards, reaplicando o gloss rosa transparente
no espelho grande e embaçado estilo café do hall. Vestia
um top APC verde-esmeralda de gola alta que estava ficando
meio esticado demais nos peitos enormes e sandálias de couro
com os saltos mais altos que tinha. Ela girou a cabeça e viu
Heath Ferro, o cara que vira mais cedo com o BlackBerry e a
barriga perfeita, parado na soleira da porta, um cigarro apagado
na mão. Gotas pequenininhas de suor saíam de sua testa e
os olhos estavam meio vidrados e tontos.
— Oi — respondeu Jenny toda alegrinha, passando as
mãos no único jeans Seven que tinha, que por acaso deixava
suas pernas um pouquinho mais compridas do que um toco

70
de árvore. — A festa é aqui?
— Sem dúvida que é — respondeu Heath galantemente.
Ele passou o braço na cintura de Jenny.
Jenny sorriu. Heath parecia realmente feliz em vê-la. E ela
também estava feliz em vê-lo. Ele vestia uma camisa azul-clara
por fora da calça, bermuda do exército e estava descalço.
Ela gostou de seus ombros largos e do corte de cabelo souum-
mauricinho-completo. Meio como Hamlet seria se fosse uma
pessoa real, pensou Jenny. Todo aquele sangue dinamarquês
principesco, além de um brilho de rebeldia nos olhos.
E Jenny gostava de rebeldia.
Heath empurrou a pesada porta de madeira, abrindo-a para
Jenny. Todo mundo congelou.
— Está tudo bem — anunciou Heath, a mão roçando por
acidente no peito de Jenny. — É só a gente.
Jenny olhou a sala. Sua primeira festa na Waverly! Ela podia
ter ficado no alojamento jogando xadrez com Yvonne, mas
em vez disso estava quebrando as regras em sua primeiríssima
noite no internato! Ela de imediato viu que tinha um clima
diferente das festas a que foi em Nova York — ninguém estava
se agarrando no quarto de hóspedes e eles não precisavam
se preocupar com os pais chegando mais cedo de Paris. Alguém
tinha reduzido as luzes e acendido um monte de velas.
Todos pareciam ter saído de um catálogo da J. Crew — eles
eram todos tão lindos, com a pele perfeita e brilhante, os corpos
atléticos da prática de esportes obrigatória o ano todo. Cada
um era mais lindo do que o outro. Todo mundo segurava grandes
canecas térmicas de café, o que a confundiu um pouco,
até que Jenny percebeu que as canecas continham álcool.
71
Do outro lado da sala, Brett estava sentada no sofá de couro
rachado com Callie, a amiga delas Benny Cunningham, e
Sage Francis, que estava deliciando a todas com as histórias
do fabuloso safári na África que ela fez no verão. Não parecia
muito bom para Brett. Moscas, malária e animais selvagens
fedorentos. Que divertido! Ela olhou para a porta, viu a nova
colega de quarto no braço de Heath Ferro e de imediato cutucou
Benny nas costelas.
Benny era da Filadélfia, ia herdar 200 milhões de dólares
e era bonita como uma amazona: alta e magra, cabelo castanho
comprido e basto e enormes olhos castanhos. Ela era uma
pudica e sempre culpava o lugar onde fora criada, como se a
Filadélfia ficasse em um planeta diferente onde as meninas
bebiam leite integral e se poupavam para o casamento. Benny
sempre citava uma fala de Diane Keaton em um filme antigo
de Woody Allen, Manhattan: “Eu sou da Filadélfia, e não fazemos
coisas assim lá!” Ela não percebeu que a fala era uma piada.
Apesar de seu puritanismo, ela também era uma tremenda
fofoqueira que lia a Page Six religiosamente, mas agia como se
soubesse de tudo de primeira mão.
— Olha só como o Heath está preparando o bote — disse
a melhor amiga de Benny, Sage Francis, rindo e apontando.
— Acho que ele sabia onde podia conseguir alguma coisa.
Brett deu de ombros. Ela não conseguia imaginar a nova
colega de quarto ingênua sendo uma puta, mas havia mesmo
alguma coisa aparentemente cintilante e fresca em Jenny que
podia deixá-la irresistível a, digamos, toda uma banda de rock
indie, como diziam os boatos que rolavam no campus. E Jenny
tinha um certo ar de mistério, o que fazia Brett lembrar de
72
alguém. Tinsley, talvez?
— E aí, vocês estão mesmo pedindo transferência de quarto?
— cochichou Sage, tocando o ombro despido de Brett.
— Transferência de quarto?
Sage bateu os cílios cheios de glitter. Ela sempre exagerava
no glitter nos olhos, porque um francês gato que ela conheceu
em St. Barts durante as férias de primavera do ano
anterior disse que isso deixava os olhos dela enormes e
sensuais.
— Pensei que você e a Callie estivessem quase arrancando
os olhos uma da outra.
— Bom... — Brett hesitou. — Eu não estava pensando
em pedir transferência... — Ela olhou a colega de quarto. Callie
agora estava do outro lado da sala, conversando atentamente
com Celine Colista, a outra capitã do time de hóquei. Todas
jogavam hóquei juntas desde que chegaram na Waverly, mas
Brett nunca levou o esporte a sério, como a maioria das meninas.
Será que Callie realmente pediu transferência de quarto
sem Brett saber? Tinha chegado a esse ponto? Ela se virou
para a nova colega de quarto, que estava parada na porta de
olhos vidrados, como se nunca tivesse ido a uma festa na vida.
Jenny estava meio impressionada — mas no bom sentido.
Heath voltou, acenando uma caneca da Waverly com um cheiro
forte diante da cara dela.
— Para você.
— O que é? — perguntou ela, pegando a caneca com as
duas mãos.
— Isso importa? — Ele sorriu e virou o conteúdo da própria
caneca garganta abaixo.
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Jenny pôs a caneca nos lábios. O líquido amargo e forte
tinha gosto de cerveja misturado com rum. Gorgolejou por
sua traquéia, provocando lágrimas nos olhos dela.
— Ei, olha lá o Brandon! — ela conseguiu arfar. Brandon
estava parado junto a uma das vidraças gigantes, cercado por
três meninas minúsculas com rabos-de-cavalo louríssimos e
iguais. Quando viu Jenny do outro lado da sala, seu rosto se
iluminou e ele acenou. Ela ergueu a mão para retribuir o aceno,
mas Heath a pegou e puxou para o lado dele.
— Está na hora de a garota nova passar por nosso ritual
de iniciação — disse ele, sorrindo diabolicamente.
— Como é? — Jenny franziu a testa. — Nunca ouvi falar
de rituais de iniciação.
— Então você não andou falando com as pessoas certas.
— Heath tomou outro longo gole da caneca, depois a colocou
no antigo radiador prateado do aquecedor. — Vem comigo.
— Ele a levou para a porta.
Na saída, alguns rapazes o cumprimentaram batendo as
mãos.
— Vai pra onde, Pônei? — perguntou um deles. Heath
só ergueu as sobrancelhas. Os meninos começaram a rir, a
ofegar e gemer.
— O que é tudo isso? — perguntou Jenny, olhando para
os meninos que uivavam.
— Quem pode saber? — murmurou Heath enquanto
abria a pesada porta de madeira para Jenny.
— Quem é Pônei? É você?
— Shhhh — interrompeu Heath. Jenny fez biquinho,
sentindo uma pequena inquietação. Mas este era o colégio
74
interno. A terra mágica de Waverly. Ela estava segura aqui, não
estava?
Do lado de fora, a noite estava um breu e silenciosa a não
ser pelos sons de alguns grilos que restaram do verão. Heath
parou diante da capela da Waverly, o prédio ao lado do
Richards. A capela era atarracada mas imponente, com vitrais
e uma porta de carvalho pesada.
— O que a gente...? — começou Jenny. Ela ainda não tinha
entrado na capela — ia fazer isso no dia seguinte de manhã,
para a chamada, os anúncios e as orações.
Heath apagou o cigarro em um dos vidros da frente.
— É tradição que os novos alunos da Waverly entrem na
capela antes de as aulas realmente começarem.
— Você não vai me trancar aí dentro nem nada disso, vai?
— perguntou Jenny numa voz trêmula, sem ligar se parecia a
Velha Jenny.
— É claro que não. — Heath ergueu as sobrancelhas. —
Eu vou entrar com você.
— Ah. — O coração de Jenny estava se acelerando. —
Tudo bem, então.
Heath empurrou a enorme porta de carvalho até abri-la.
A luz dentro da capela vinha somente de algumas velas. E estava
silencioso feito... bom... uma igreja.
— É bem legal aqui — sussurrou Jenny.
— Senta aqui comigo. — Heath deu um tapinha em um
dos bancos de madeira escura. À luz das velas, com as mãos
dele cruzadas no colo e o cabelo penteado para trás com gel,
Jenny se perguntou se o estava julgando mal. Talvez ele realmente
fosse espiritual e sensível.
75
Ela deslizou no banco para junto dele.
— Então o ritual é esse, é?
— Ritual? — Heath olhou para ela como quem não entendia
nada.
— Você disse que... — Jenny parou. É claro que não havia
um ritual. Era um truque.
Eles ficaram em silêncio por um minuto, ouvindo o vento
bater nas laterais da capela. Depois Heath pegou as mãos
de Jenny.
— Você estava tão linda hoje de manhã — sussurrou ele,
trocando o l e o m, então o que ele disse foi minda e lanhã. —
Especialmente quando meu pai te deu uma carona para subir
o morro.
— Ah — respondeu Jenny, radiante. Ele se lembrava mesmo!
— Bom, obrigada.
— Você veio de uma escola só de meninas de Nova York,
não é?
— É. — Ela havia dito isso de manhã? Jenny achava que
não.
— Você foi expulsa?
— Não exatamente.
Depois Heath se curvou para ela. Ela pensou que ele só
tivesse perdido o equilíbrio, mas a boca de Heath de repente
estava toda na cara dela e sua língua se enfiava pelos lábios de
Jenny. A primeira reação de Jenny foi empurrá-lo, mas um
formigamento de prazer começou a percorrer suas costas.
Heath beijava bem pra caramba, talvez melhor do que qualquer
outro que ela tenha beijado. Ela pegou a nuca de Heath,
fechou os olhos com força e se permitiu ser levada. O banco
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de madeira estalou e gemeu um pouco. Os ruídos de beijo
ecoavam no teto em nicho. A mão dele acompanhou o contorno
dos dedos dela, mas depois rapidamente desceram até
o antebraço e por fim terminaram no peito de Jenny.
Jenny se afastou dele, alarmada.
— O que foi? — Heath deu um sorriso sacana, os olhos
disparando de um peito para outro de Jenny. Ele não parecia
mais nenhum anjinho espiritual.
— Bom... Isso está meio rápido — Jenny conseguiu dizer.
— É só isso.
— Ah, sem essa — insistiu Heath, a voz ficando mais
sonolenta. — Jenny de Nova York. A Jenny doida.
— Eu não sou assim tão doida — replicou Jenny. Ela teve
a sensação arrepiante de que Heath estava citando alguém. O
que as pessoas diziam sobre ela? E de onde tiravam as informações?
Depois, de repente, Heath se deitou, colocou a cabeça no
banco e começou a ressonar. Jenny se levantou. Heath estava
de porre. Ela olhou a capela vazia, os roncos dele ecoando no
teto de vigas.
Tudo isso fez com que ela se sentisse a Velha Jenny. Ela
suspirou e olhou em volta, vendo a capela mal iluminada. A
escola só ia começar oficialmente amanhã, decidiu ela. A Nova
Jenny só estava no aquecimento.
77
OwlNet Caixa de Entrada de E-mail
Para: EasyWalsh@waverly.edu
De: HeathFerro@waverly.edu
Data: Quarta-feira, 4 de setembro, 9:50h
Assunto: Cara...
Ease,
Perdeu uma festa do caramba. Nem consigo me lembrar do final,
só que aquela baixinha do segundo ano e eu que ficamos juntos
de verdade. Ainda estou na cama e acho que vou ficar aqui o dia
todo. Aposto que você teve uma merda de desculpa qualquer para
não ir. Era a Tinsley? Você viu a Tinsley nesse verão, não foi?
Aí, cara, responde aí se não a gente vai pensar que você morreu.
Tchau,
H
78
OwlNet Caixa de entrada de E-mail
Para: BrettMesserschmidt@weaverly.edu
De: JeremiahMortimer@stlucius.edu
Data: Quarta-feira, 4 de setembro, 10:01h
Assunto: É melhor pessoalmente...
E aí, B. Você desligou o telefone rápido demais. Justamente quando
a gente ia chegar na melhor parte! Não posso ficar outro dia sem
ver você. Eu sei que suas aulas começam amanhã, mas você termina
às 4, não é? E se eu pegasse o trem e aparecesse amanhã à tarde?
Talvez a gente possa passar um tempinho debaixo daquele seu
edredom macio...
79
8
UMA WAVERLY OWL NÃO DEVE BEBER
COM O PROFESSOR — A NÃO SER
QUE SEJA SNAPPLE.
Uff! — Brett esbarrou em um cara alto enquanto
andava pelo corredor do terceiro andar do
Stansfield Hall. Estava tentando ganhar alguns
minutos, vendo os e-mails na telinha do celular antes de se
encontrar com um novo professor chamado Sr. Dalton, que
devia ser o novo orientador do Comitê Disciplinar. A mensagem
de Jeremiah tinha acabado de aparecer na tela. — Desculpa
— murmurou ela para a pessoa que tinha esbarrado nela,
sem olhar para ver quem era.
— É melhor olhar por onde anda. Você é a Brett, não é?
Ela olhou para ele. Um cara inacreditavelmente elegante,
com cabelo louro escuro com musse, estava parado diante dela.
Ele parecia o príncipe William, só que mais alto, mais bron-

80
zeado e melhor. Vestia uma camisa amarrotada de quadriculado
pequeno Savile Row com os dois botões de baixo
desencontrados. Brett não conseguiu deixar de imaginá-lo
vestindo-a apressadamente sobre o peito duro e musculoso
ao sair da cama.
— Eu a reconheço da foto da sua filha — prosseguiu o
rapaz. — Sou Eric Dalton, o novo orientador do CD.
Êpa. Não era nenhum garoto.
— Ah! Humm. Oi, Sr. Dalton — gaguejou Brett, enfiando
o celular no bolso. — Eu, er, peço desculpas por isso. —
Ela estendeu a mão.
Ele passou uma caneca de café — a mesma caneca marrom
e branca dos Waverly Owls que eles batizavam com álcool
nas festas do alojamento — de uma mão para a outra para
apertar a mão dela. Brett de repente ficou feliz por ter fetiche
em hidratante e que a palma de sua mão fosse sedosa na mão
dele.
— Não são permitidos aqui, você sabe disso. — O Sr.
Dalton ergueu as sobrancelhas para ao celular dela. Por um
segundo Brett pensou que ele estava falando a sério e começou
a preparar uma desculpa. Depois ele cochichou: — Mas
eu não vou contar... desta vez. Vá se sentar em minha sala e
chegarei lá em um segundo.
Desnorteada, Brett sorriu, querendo ter alguma coisa espirituosa
para dizer.
A porta para a sala dele estava aberta. Ela entrou e olhou
em volta. Para um cara que tinha acabado de chegar à Waverly,
ele certamente tinha muita tralha. Havia pôsteres enrolados
em papel pardo no chão, um globo preto e grande que ainda
81
mostrava a Rússia como URSS e livros e papelada em toda
parte. Ela percebeu uma garrafa cheia do que parecia vinho
tinto na mesa de carvalho no canto e sua mente disparou.
Calma, disse ela a si mesma. Você está aqui porque ele é novo
na Waverly e quer conhecer todos os membros do CD. Isso deve ser
Snapple de framboesa, e não vinho.
Ela foi até um dos pôsteres que o Sr. Dalton tinha pendurado
em uma moldura pesada e dourada. Era na verdade um
pergaminho antigo, montado e emoldurado. Ela semicerrou
os olhos para as palavras em grego arcaico e murmurou.
— Louve cada deus como se ele estivesse ouvindo.
— Como sabe disso? — disse uma voz atrás dela.
Brett deu um pulo. O Sr. Dalton estava parado na soleira
da porta, sorrindo da timidez dela, como se ele soubesse de
um grande segredo e estivesse pronto para revelar a todos.
— Eu passei algum tempo na Grécia — disse ela, insegura.
— Não quer se sentar? — perguntou ele. — Desculpe pela
papelada. — Ele rapidamente pegou uma pilha de papéis em
uma cadeira, curvando-se para tão perto de Brett que ela não
conseguiu deixar de perceber como ele cheirava bem. Tipo
Acqua di Parma, que era a única colônia que ela suportava num
homem.
— Posso lhe servir alguma coisa? — O Sr. Dalton se sentou
em sua cadeira de couro marrom e encosto alto. Ela fez
um barulho de peido, o que os dois fingiram não perceber. —
Eu tenho um frigobar, alguns copos, embora eu só tenha...
Bom.... Na verdade, tudo o que eu tenho, eu acho, é um pouco
de pinot noir. — Ele franziu a testa, depois piscou com força.
82
— Desculpe. Quero dizer, obviamente não podemos beber
pinot noir. Nem sei o que ele está fazendo aqui, porque eu não
ia beber nem nada.
Parece-me que o Sr. Dalton está a protestar demais, pensou Brett
pervertidamente, observando-o afastar nervoso o colarinho do
pescoço.
— Está tudo bem — declarou ela toda comportada,
empoleirando-se na beira da cadeira.
Dalton ligou o Mac G5 de tela plana instalado em cima da
mesa.
— Muito bem, Brett. Então eles me obrigaram a colocar
todos os casos antigos do CD em um banco de dados. Me
deram o trabalho chato porque eu sou novo aqui. — Ele
mostrou nervoso os dentes perfeitos e ela se perguntou se ele
tinha genes maravilhosos para os dentes ou se eles eram
recapeados. Era parada dura, mas ela não se incomodaria de
verificar mais de perto. Com, digamos, a boca.
Ele remexeu nuns papéis.
— Então, além de conhecer todos os nomeados para o
CD, estou procurando por alguém para me ajudar a garimpar
todo esse negócio do comitê disciplinar, chegar às informações
pertinentes e depois me ajudar a entrar com os dados no
computador. Mas tem que ser alguém que esteve no CD no
ano passado, porque o material é confidencial para os alunos
que não são do CD. Você foi do CD no ano passado?
Brett lambeu os lábios.
— Bom, não — respondeu ela, querendo mentir.
— Ah. — O Sr. Dalton pareceu decepcionado. Ele soltou
um suspiro. — Isso é péssimo.
83
— Mas nós não contaríamos a ninguém, não é? — sugeriu
Brett devagar. — Quer dizer, eu quero ajudar. Seria... Seria
bom para meu histórico.
Claro. É por isso que quero fazer, pensou ela. Meu histórico.
— Não sei não... — O Sr. Dalton sacudiu a cabeça. Ele
olhou para ela com um jeito indagador. Brett tirou nervosa
um fio de cabelo no rosto. — Quantos anos você tem? —
perguntou ele por fim.
— Dezessete.
— Ah. — Ele inclinou a cabeça e sorriu meio torto.
— Que foi?
— É que você não parece ter 17 anos. É só isso.
Os homens diziam isso a Brett o tempo todo. Sempre ficavam
assombrados que ela ainda estivesse no ensino médio.
— E quantos anos você tem?
Ele se aprumou um pouco.
— Vinte e três. Acabei de me formar na Brown.
Brett inconscientemente roeu o esmalte Hard Candy Vinyl
do dedo mínimo.
— Vou fazer pós-graduação, mas como estudei na Waverly,
acho que devo isso a eles, vou ensinar aqui por alguns anos —
continuou o Sr. Dalton.
— Eu quero ir para a Brown — soltou Brett.
— Posso imaginar você lá. — Ele assentiu.
Ela olhou fixamente o lindo professor de 23 anos e não
desviou os olhos pelo segundo em que ele também a encarou.
— Muito bem. — Ele finalmente rompeu o silêncio. —
Acho que talvez a gente possa bolar um jeito de você me aju-
84
dar... Quero dizer, se realmente quiser.
Eu quero, era o que Brett desejava dizer. Quero muito, de
verdade. Mas ela continuou em silêncio.
— Talvez a gente possa se reunir amanhã de manhã, antes
das aulas. Ah, e Sr. Dalton é muito esquisito. Talvez eu vá
me acostumar com isso quando tiver cinqüenta anos e administrar
um negócio familiar. Mas por enquanto... — Ele baixou
os olhos e depois olhou para ela de sob os cílios louros e
grossos. — Pode me chamar de Eric?
— Claro — concordou Brett, sorrindo. Ela podia pensar
em um monte de coisas de que gostaria de chamá-lo.
Exatamente naquele momento, os papéis que ele tinha
retirado para que ela se sentasse começaram a escorregar da
mesa dele na direção do colo de Brett. Ele avançou para a frente,
pegando-os. Ao mesmo tempo, Brett se abaixou para pegar
alguns papéis que tinham caído no chão. Eles se chocaram
de cabeça.
Ai.
— Porra! — gritou Brett, vendo um breve lampejo de
branco. Depois ela colocou a mão na boca. Embora a maioria
dos alunos da Waverly fosse desbocada, não se deveria xingar
na frente dos professores. Os Waverly Owls sempre devem
ter boas maneiras, e os palavrões eram um sinal de indecência
e má criação.
Ele esfregou a testa, estremecendo.
— Você está bem?
Brett engoliu em seco. E se o Sr. Dalton pensasse que ela
era inculta e vulgar? Mas ela percebeu a expressão preocupada
dele e concluiu que ele não ligava.
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— Acho que vou sobreviver — respondeu ela por fim.
— Que bom — ele riu. — Porque eu sem dúvida quero
que você fique viva.
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OwlNet Caixa de Entrada de E-mail
Para: BriannaMesserschmidt@elle.com
De: BrettMesserschmidt@waverly.edu
Data: Quarta-feira, 4 de setembro, 10:53h
Assunto: Gato, gato, gato
Oi, mana
Acabo de conhecer o homem perfeito. Ele é inteligente, lindo,
tímido, doce e mais gato do que os modelos das propagandas de
Ralph Lauren Romance. Mas, problema: ele é professor. Do tipo que
passa dever de casa. Do tipo que se senta no palco da Waverly
durante as reuniões. Do tipo que dá notas e não deve tocar nas
alunas... Tenho certeza de que você entendeu a essência da questão.
O que fazer?
Bjs,
Maninha
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OwlNet Caixa de entrada de E-mail
Para: JeremiahMortimer@stlucius.edu
De: BrettMesserschmidt@waverly.edu
Data: Quarta-feira, 4 de setembro, 10:57h
Assunto: Re: É melhor pessoalmente...
J,
Claro, pode vir amanhã, mas não no meu quarto. A Callie está uma
prima donna. Que surpresa.
A gente se vê.
B

89
9
UMA WAVERLY OWL NÃO DEVE PROCURAR
TER ENCONTROS SECRETOS. SEMPRE
TEM ALGUÉM VENDO.
Callie se curvou por cima das portas sujas de madeira
do velho estábulo, tentando não pisar em esterco
seco de cavalo com os sapatos novos Stella McCartney
de ponta redonda e couro preto. O celeiro vermelho e desbotado
ficava ao lado de um pasto de 12 mil metros quadrados,
separado do resto do campus da Waverly por um bosque denso
de pinheiros. Um apito soou a distância e Callie reconheceu a
voz rude da treinadora Smail, técnica de hóquei feminino, gritando:
— Isso não é de equipe universitária, senhoras! — O primeiro
dia de aula consistia em horríveis testes de oito horas
para os times do outono, mas Callie estava isenta porque já
era capitã de hóquei universitário.
90
O sol estava baixo no céu de final de tarde e Easy andava
na direção dela. Ele vestia uma das camisetas que tinha trazido
de casa — uma coisa verde e rota com uma ferradura, é
claro — debaixo do paletó marrom surrado da Waverly. Sem
gravata. O cabelo castanho escuro apontava em mechas
desordenadas e havia uma mancha de tinta azul ao lado da
orelha esquerda. Um sorriso enorme e sexy se abriu no rosto
de Easy quando ele a viu. Ela o queria tanto. Talvez tudo entre
eles estivesse bem, afinal.
— Você podia pelo menos ter trocado de camisa — brincou
ela, pegando a bainha entre os dedos.
— Acho que sim, porque eu me sinto meio nu perto de
você — brincou ele também.
— Eu não estou assim tão produzida.
— Está produzida demais. Olha só esses sapatos. — Ele
apontou. — Posso imaginar você parada na frente do armário,
angustiada com os sapatos mais novos e mais sensuais. Não
é? — ele sorriu para ela. — Eu estou certo, não estou?
— Errado — rebateu Callie, embora, é claro, ele estivesse
certo. Ela ficava irritada que Easy a conhecesse tão bem. E
que fosse mais inteligente do que ela. Na verdade, quando se
pensava bem no assunto, tudo nele a deixava ao mesmo tempo
fervilhante e trêmula de prazer.
Easy acendeu um cigarro e se abaixou para ficar fora de
vista da casa de Marymount, a grande mansão estilo Tudor bem
na beira do campus. Callie atirou o cabelo louro-avermelhado
atrás dos ombros. Por que ele ficava parado ali? Aqui estavam
eles, sozinhos no estábulo abandonado, enquanto todos os
outros estavam terminando os testes de esporte. Ela estava
91
louca para se deitar no feno infestado de carrapatos e arrancar
as roupas dele.
— Eu senti sua falta na festa de ontem à noite — sussurrou
ela com ternura.
— Humm. É. Eu estava muito cansado.
Ah, mas isso era de enfurecer. Ele ainda estava parado lá.
— E aí, quer vir aqui? — perguntou Callie finalmente,
puxando o paletó dele.
— Só um minutinho. — Ele se afastou e deu outro trago.
— Deixa pra lá, então. Esquece. — Callie recuou, pegando
o próprio maço de Marlboro Lights. Ela colocou um cigarro
na boca e tentou acender o isqueiro verde-fluorescente,
mas ficou lutando com a trava à prova de crianças.
— Não, não, sem essa — pediu Easy em voz baixa, virando-
se para ela e atirando o cigarro no chão. — Não fique assim,
toda...
— Bom, sei lá — começou Callie. — Quer dizer, você...
Easy pôs a mão na nuca de Callie.
— Eu só estou meio desligado. — Ele beijou de leve o
queixo de Callie, depois a comprimiu na porta do estábulo e
a beijou com mais força. Suas mãos competentes voaram por
todo o seu corpo. Callie tirou uma mecha de cabelo embaraçado
do rosto.
— Eu já te disse como é bom ver você? — murmurou
Easy entre os beijos.
Callie suspirou. As coisas de repente estavam bem de novo.
Por que ela estava se torturando? Ela e Easy eram perfeitos
juntos. Talvez ela não devesse se sentir tão apavorada com o
que aconteceu na Espanha. Talvez ela não devesse dar atenção
92
alguma àquela mensagem instantânea idiota que recebeu de
Heath dizendo que eles tinham terminado.
— Talvez a gente deva se deitar — sussurrou ela.
Easy a puxou para o pasto, onde a grama era verde e macia,
beijando de leve sua clavícula. Ele a empurrou para o chão
e beijou o pescoço. É assim que deve ser, pensou ela, olhando o
sol se pôr. O estábulo abandonado era lindo e o sol estava baixo
e rosado no céu. Não, não havia nenhum John Meyer tocando
suavemente ao fundo como naquela noite na Espanha, mas
isso definitivamente daria certo.
— Lembra do que conversamos na Espanha? — murmurou
Callie, o coração estremecendo no peito. A lembrança
daquela noite voltou num jato: eles estavam na cama de Callie,
debaixo dos lençóis, quase nus. Callie reunira toda a coragem
que tinha e disse ao namorado lindo, desleixado, sensual, inteligente
e beligerante: “Eu te amo.” Ela pretendia transar com
ele: eles iam dizer que se amavam e depois fariam amor pela
primeira vez. Todos os boatos do ano anterior sobre Tinsley
se esclareceriam e Easy seria dela para sempre.
Em vez disso, ele a beijou em silêncio, por fim o beijo ficou
mais lento e ele se acomodou no travesseiro ao lado do
dela e dormiu. Ela ficou ouvindo sua respiração passar a um
ressonar leve e se perguntou se ele realmente a ouvira. Será
que ela falou baixo demais? Callie passou todo o verão esperando
que fosse este o motivo de ele não responder.
Callie o amava, ela o amava de verdade. Ele não a ama também?
Ela percebeu uma daquelas corujonas gordas observando-
os de um galho de árvore. Parecia um dos desenhos idiotas
daqueles antigos comerciais de chocolate Tootsie Roll. Ela se
93
sentiu constrangida, como se a coruja a estivesse julgando.
— Lembra do que eu disse na cama? — perguntou ela,
insegura.
Easy de repente parou de beijar sua clavícula e tombou ao
lado dela.
Ela pegou o braço dele.
— Que foi?
— Nada. — Ele respirou fundo e olhou por sobre o pasto.
Os gritos dos testes do hóquei feminino ecoavam do campo
de treino. — Isso simplesmente parece... Sei lá.
— O que quer dizer? — A voz de Callie saiu num guincho
agudo e constrangedor. Ela recolocou o Stella McCartney
no pé direito e se sentou. Uma mancha enorme de terra cinzenta
corria por sua perna e ela rezou para que não fosse esterco
de cavalo.
Uma figura masculina apareceu no caminho que levava
ao estábulo, empurrando um carrinho de mão.
— Merda. — Callie pegou as mãos de Easy, puxando-o
para cima. — É o Ben.
Ben era o velho zelador desagradável que sempre metia
os alunos em problemas. Ele até portava uma câmera digital
para ter as provas. No ano anterior, ele pegou Heath Ferro
fumando um baseado na piscina coberta, mas Heath o subornou
para deletar as fotos dando-lhe as abotoaduras Harry
Winston de platina que herdara do pai.
Eles seguiram aos tropeços para o outro lado do estábulo
e se espremeram na porta de madeira.
— Eu devia voltar para o meu quarto — sussurrou Easy.
— Tanto faz. — Callie enfiou o salto na terra, embora
94
soubesse que isso ia estragar totalmente os sapatos. Merda. Por
que teve de falar da Espanha?
— Olha. — Ele pegou as mãos dela. — Desculpe. Vamos
tentar de novo. No seu quarto. À noite. Depois do jantar de
boas-vindas.
— Ah, é, tá legal — ridicularizou Callie. — Você já está
na lista negra da Angelica.
— Vou encontrar um jeito. — Easy a puxou para mais
perto e a segurou por um segundo. — Eu prometo — sussurrou
ele, depois se afastou correndo.
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OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
AlanStGirard: Cadê o Heath?
BrandonBuchanan: Na cama ainda. Nem tomou banho. Fede
pra caramba.
AlanStGirard: Cara, tá quase na hora do jantar!
BrandonBuchanan: Eu sei. Acho que tb está de porre.
AlanStgirard: Ele saiu com aquela garota nova ontem à
noite.
BrandonBuchanan: Quem?
AlanStGirard: Cabelo cacheado curto? Peitões? Dizem
que ela era stripper em NY.
BrandonBuchanan: Não. Ela quase não ficou lá ontem à
noite.
AlanStgirard: Claro que ficou. Você estava ocupado
demais secando a Callie pra perceber. Ela
sumiu porque o Heath levou a garota pra
capela. Acha que ela fez um showzinho
particular pra ele?
96
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
AlisonQuentin: Essa capela fede. Por que o discurso de
boas-vindas à Waverly de Marymount é
sempre tão compriiiiido?
BennyCunningham: Nem me fala. Cadê vc-sabe-quem?
AlisonQuentin: Sei lá. Mas sabia que a Sage desenhou
um pequeno pônei nos quadros de aviso
de todas as meninas do alojamento dela
que ficaram com ele? Até agora são seis,
inclusive a garota nova. Isso só num
andar do Dumbarton.
BennyCunningham: Como é que eu não tenho um pônei no
meu quadro?
AlisonQuentin: Você ficou com ele?
BennyCunningham: A gente se beijou quando vim pra cá!
Meio molhado demais, mas a técnica era
boa.
AlisonQuentin: B! Pensei que você fosse minha amiga
inocente!
97
10
EXISTEM COISAS QUE UMA WAVERLY OWL
NÃO PODE COMER PORQUE NÃO
PODE E PRONTO.
Vocês fazem parte de uma longa tradição. — A
voz grave e penetrante do reitor Marymount
retumbou e estrondeou pela capela. Todo mundo
dizia que Marymount tinha sido um grande ativista revolucionário
nos anos 1970 e que ele era membro de carteirinha
do Mensa, mas Jenny achava que ele mais parecia um técnico
da Liga Juvenil que dirigia uma minivan Dodge do que o reitor
de um internato de prestígio. Os cabelos grisalhos penteados
estavam colados na cabeça suada. Atrás dele, estava
sentado o corpo docente da Waverly, todos com o uniforme
da escola: gravata marrom e azul-marinho, paletó marrom,
camisa e calças brancas. Normalmente, os alunos só precisavam
usar o blazer marrom da Waverly com qualquer coisa que

98
quisessem por baixo, mas para a primeira reunião do ano na
capela todos tinham que vestir gravata, inclusive as meninas.
O meio-nó Windsor de Jenny estava todo calombento. Ela
suspirou. O pai só tinha uma gravata, cheia de teias de aranha.
Ela nunca perguntou, mas ele provavelmente a possuía desde
que ele mesmo estava no segundo ano do secundário.
Eles se reuniram para o discurso oficial de início de ano
letivo do reitor Marymount antes do primeiro jantar oficial
que congregava todo o campus. A capela estava apinhada e cheirava
a ce-cê e o chulé de adolescente.
Na noite anterior, ela acordou Heath o suficiente para
depositá-lo na escada da frente do Richards, depois ela se arrastou
de volta ao Dumbarton, exausta. No meio da noite, ou
Brett ou Callie tinha desligado o rádio-relógio de Jenny para
usar a tomada para carregar o celular. Por sorte, os sinos da
capela a acordaram, e assim ela pôde chegar aos testes de hóquei
a tempo. Toda aluna da Waverly tinha de praticar um
esporte e Jenny decidira pelo hóquei, uma vez que parecia o
esporte de internato mais tradicional a jogar. Ela pretendia jogar
lacrosse na primavera pelo mesmo motivo. Jenny nem tinha
bastão de hóquei, mas a treinadora de cara de buldogue, Alice
Smail, encontrara um bastão Cranberry sobrando para ela na
sede e Jenny logo descobriu que era uma jogadora nata em
campo.
— Você tem certeza de que não jogou na sua escola? —
perguntou a treinadora Smail a ela. Como se Jenny pudesse
ter se esquecido. A meio-campo de seu time, Kenleigh, que
Jenny vira na festa da noite anterior, murmurou um “Boa jogada”
enquanto Jenny trotava de volta às linhas laterais. Tal-
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vez ela até passasse para o time universitário!
— Este ano, temos alguns novos membros no corpo docente
que gostaria de apresentar — anunciou o reitor
Marymount. Jenny olhou o relógio. Eles já estavam ali há
quarenta minutos, cantando o hino oficial da Waverly e o hino
desportivo da Waverly, recitando a oração da Waverly a São
Francisco e aplaudindo enquanto Marymount apresentava os
monitores da escola, que eram como os presidentes de cada
turma. Jenny estava morrendo de fome.
— Primeiro, um ex-aluno de Waverly e recém-formado
na Universidade Brown, o Sr. Eric Dalton. O Sr. Dalton será
o novo professor de história do primeiro e do terceiro anos e
orientador do Comitê Disciplinar. Ele também é o novo assistente
de treinador da equipe masculina de remo. Seja bemvindo.
— Todos aplaudiram obedientemente.
Jenny espiou Brett, duas filas à frente, obrigada a ficar de
pé e acenar para a turma porque era monitora do primeiro ano.
Jenny ficou olhando enquanto Brett cutucava a morena ao lado
dela e murmurava as palavras Ai meu Deus.
— Gostaria de estender calorosas boas-vindas a todos os
novos calouros e alunos... A Waverly é sua nova casa e nós
somos sua nova família — continuou Marymount. — E por
fim... Aproveitem o jantar!
A multidão explodiu em aplausos e apupos enquanto saía
da capela e atravessava o grande gramado na direção do salão
de jantar. Jenny arfou quando entrou. O salão parecia o interior
de uma antiga catedral inglesa. As paredes eram revestidas
de telas clássicas datando de 1903 e tinha um monte de fotos
de Maximiliam Waverly, o fundador da escola.
100
Os alunos zanzavam por ali, beijando-se e trocando cumprimentos.
Jenny não sabia bem o que fazer. Onde devia se
sentar?
— Está meio doido aqui, né?
Jenny se virou, esperando que fosse Heath, finalmente
dando o ar da graça; mas ao lado dela estava o garoto com o
cavalete que ela vira no gramado no dia anterior ao passar com
Yvonne. Easy. Pelo menos, era o nome que ela pensava que
Yvonne havia dito.
O cabelo dele era tão castanho que era quase preto e os
olhos eram de um azul profundo. Ele vestia uma camiseta
surrada com a silhueta amarela de uma ferradura por baixo
do blazer da Waverly. Uma camiseta meio chique, vendida na
Barneys por 65 dólares, mas nele parecia decididamente descolada.
A voz dele era grave, com um sotaque que ela não
conseguiu reconhecer.
— É, é meio doido — concordou Jenny. Ela deu um passo
para o lado para deixá-lo passar. Um caderno de desenho
Smythson of Bond Street estava pendurado em sua bolsa de
lona. Uma única folha de papel de olhos, narizes e bocas
desenhadas estava presa na capa. — Aí, está estudando retratos?
— É, estou. E você?
— Ah. Humm, eu também. — Silenciosamente, Jenny
tentou se recompor. Você agora é a Nova Jenny, ela lembrou a si
mesma.
— Legal. — Easy bateu a mão na de um colega que acabara
de passar por ele. — Então a gente se vê. — Ele sorriu
para Jenny.
101
— Ei — chamou uma voz conhecida de trás dela. Ela se
virou e sorriu para Brandon, que estava ainda mais gracinha e
mais arrumadinho do que ontem — como se isso fosse possível,
com o blazer marrom da Waverly e gravata listrada. — É
um jantar formal. Os lugares são marcados. Você está na minha
mesa.
— Ah. Obrigada. — Jenny sorriu graciosamente e o seguiu
pelo salão de jantar abarrotado. — E aí, humm, quanto
tempo durou a festa ontem à noite?
— Ah, o de sempre. — Os olhos de Brandon voltaramse
para o chão. — Eu praticamente não vi você lá. Foi para
casa cedo?
Jenny mordeu o lábio inferior.
— Humm, é.
Eles chegaram a uma mesa já ocupada por dois alunos: um
garoto muito alto com um piercing no nariz e uma menina
muito alta cujo rosto anguloso, largo, de olhos castanhos separados
e cabelo castanho basto anunciavam aos gritos a boa
família de que provinha.
— Este é Ryan Reynolds e esta é Benny Cunningham.
— Eu te vi na festa ontem à noite. Meu nome é Jenny. —
Ela sorriu para Benny.
— É verdade — Benny assentiu, lançando um olhar malicioso
para Ryan.
Jenny tirou o quente casaco de lã da Waverly e o colocou
na cadeira.
— Não pode fazer isso — sibilou Benny. — Os professores
vão pirar.
— Ah. — Jenny rapidamente vestiu o casaco de novo. Ela
102
olhou a sala; a maioria dos alunos estava sentada a suas mesas
vestida no blazer.
— Procurando por Heath? — soltou Benny. Ryan lhe deu
um cutucão.
— Ah. — Jenny sacudiu o guardanapo marrom, esperando
que seu rosto não estivesse da mesma cor. — É. Ele estava...
ele estava meio... cansado ontem à noite. Tive que ajudá-lo
a ir para casa.
— Você quer dizer doidão — Ryan riu. — Aliás, Brandon,
está psicologicamente preparado para o Sábado Negro? —
perguntou ele, furando a antiga mesa de madeira com a faca.
— O que é o Sábado Negro? — perguntou Jenny, curiosa.
— Não fique muito animada — Brandon riu. — É quando
todas as equipes esportivas do St. Lucius vêm à Waverly e
fazemos uma batalha campal. Os times levam isso muito a
sério, porque a gente tem que odiar demais o St. Lucius. É
outra tradição. Está jogando hóquei, não é?
— É. — Jenny sorriu. Ela nunca havia participado de um
time antes. — Os testes foram hoje.
— Bom, o time feminino de hóquei joga junto com os
times de futebol comum e de futebol americano. Mas aí, quando
acaba, a galera das duas escolas comemora como astros do
rock em um local secreto que só é revelado no dia.
— O Heath costuma dar a festa — disse Benny, fechando
novamente a pulseira Tiffany de prata no pulso. — Mas
talvez ele já tenha te dito isso.
Garçons com camisas brancas engomadas e calças de prega
de flanela cinza baixaram travessas grandes e brancas carre-
103
gadas de salmão grelhado marinado em wasabi. Isto era bem
melhor do que a lasanha experimental de cordeiro-e-abacaxi
flambada na vodca do pai.
— Ai, meu Deus. O cheiro é delicioso. — Jenny pegou o
garfo e tirou um pedaço enorme. — Hummm!
— Cara, você está comendo o salmão?
Um menino pôs os cotovelos na mesa ao lado da dela.
Heath. Até que enfim.
— Oi. — Ela cobriu a boca cheia com a mão.
— Ninguém come o salmão — zombou Heath. Não
havia o menor sinal da energia amorosa de você-é-uma-deusa-
do-sexo que ele demonstrou na noite anterior.
Os olhos de Jenny se arregalaram. Ela olhou os pratos dos
outros e, sem nenhuma dúvida, ninguém mais na mesa tocara
no peixe.
— Por quê? Tem alguma coisa errada com ele?
Brandon virou-se para ela.
— Não... Ele é ótimo. As pessoas só... não comem. Não
sei por quê. É, tipo assim, um troço aí.
— Jenny? — Alguém lhe deu um tapinha nas costas. Ela
se virou e viu Yvonne, a menina que a acompanhara até o
Dumbarton na véspera. Fivelas em formato de borboleta feitas
de tartaruga prendiam mechas do cabelo louro escorrido
nas costas, e seus olhos azuis-claros estavam tão parvos e malucos
quanto ontem. — Posso falar com você? — Yvonne
olhou nervosa para os outros na mesa. — No corredor?
Ryan e Benny trocaram outro olhar malicioso. Jenny deu
de ombros e colocou o guardanapo no peixe. A Nova Jenny
não se deixa perturbar com facilidade, disse ela a si mesma. Então,
104
e daí que ninguém comesse peixe? A Nova Jenny fazia o que
queria!
Yvonne levou Jenny até a entrada da frente do salão de
jantar.
— Espero que não seja sobre o grupo de jazz — declarou
Jenny de cara. — Porque eu meio que não estou nada interessada.
Sou basicamente surda para música.
— Não, não é isso. Eu, humm, ouvi umas coisas sobre
você e achei que você devia saber.
— Hein? — Jenny prendeu a respiração. Ela já ouvira
antes o discurso achei-que-você-devia-saber e quase sempre
se tratava do que ela não queria saber.
— Todo mundo está trocando torpedos sobre você.
— Como é? — Jenny disse rapidamente.
Yvonne respirou fundo.
— Estão dizendo que você era stripper e tirava as roupas
por, tipo assim, um dólar. E que você é tipo uma lenda do sexo
em Nova York. E, er, que você já dormiu com alguém daqui
da Waverly.
— Como é?! — guinchou Jenny. De repente o corredor
parecia escuro e cheio de brumas. — Com quem?! Quer dizer,
quem disse isso?
Yvonne olhou para baixo.
— O menino que estava na sua mesa. Heath Ferro. Não
sei se você já o conhece, mas ele...
Jenny viu uma névoa vermelha diante dos olhos. Heath.
— Não acredito nisso.
— Eu é que não acredito nisso — protestou Yvonne, agitando
a mão em círculo.
105
— Obrigada — gritou Jenny.
— Agora eu tenho que ir. Desculpe. — Yvonne se virou
e disparou porta afora.
Jenny se recostou na parede, sentindo-se tonta e desorientada.
Heath. Todo seu corpo tremia de pavor e raiva. Será
que Heath arruinara sua carreira no internato antes mesmo
que ela começasse?
Brandon apareceu na porta em arco, a testa franzida de
preocupação.
— Você está bem?
— Tenho que... — Jenny girou antes de poder terminar a
frase, voando do salão de jantar. Ela disparou pelo gramado
verde e úmido, querendo poder alçar vôo como um daqueles
corujões gordos. Os prédios antigos da Waverly assomavam
dos dois lados, as janelas iluminadas. O pedaço de salmão se
rebelou em seu estômago e Jenny reduziu o passo. Ela queria
vir para o internato para começar do zero, tornar-se a garota
que sempre quis ser, ser uma versão nova e incrível de si
mesma. Mas isso seria muito mais difícil do que ela pensava.
106
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
EasyWalsh: Estou aqui fora. Vê se tá tudo limpo.
CallieVernon: Peraí.
CallieVernon: OK, acabo de colocar a orelha na porta da
Angelica e ouvi a TV. Alta. Parece bom.
EasyWalsh: Legal. Te vejo daqui a pouco.
107
11
UMA BOA MANEIRA DE CONHECER UM
WAVERLY OWL: DESCUBRA DE QUE COR
É A CUECA SAMBA-CANÇÃO DELE.
Você está fedendo.
Jenny acordou sobressaltada. Onde ela estava?
Ah, sim. Na Waverly. No quarto dela.
— Eu falei a sério, você está fedendo mesmo. Andou bebendo?
— sussurrou alguém.
Será que Callie estava falando com ela dormindo? Jenny a
ouvira entrar; felizmente, foi logo depois de ela parar de chorar
no travesseiro. Ela tirou a roupa no escuro, disse “boa noite”
e se aninhou debaixo das cobertas.
— Eu não estou bêbado — disse outra voz arrastada. Uma
voz de homem.
— Bom, você está fedendo a vodca. Eca.
— Adoro quando você diz que estou fedendo — disse o

108
cara.
— Shhh. A Pardee vai ouvir.
Jenny se encolheu ainda mais debaixo do cobertor. A voz
parecia um tanto conhecida. E quem quer que fosse estava
mesmo fedendo — Jenny podia sentir um cheiro vagamente
alcoólico, embora as janelas estivessem escancaradas e a brisa
fria da noite entrasse no quarto.
— Bom, seria legal, Easy, se você não fedesse, porque então
eu não teria que sentir esse gosto na sua boca.
Easy?
O estômago de Jenny desabou. Quantos Easys existiam
nessa escola?
— Tem certeza de que não tem ninguém aqui? — perguntou
ele.
— Está vendo alguém aqui? — sibilou Callie.
Jenny ficou enrolada feito uma bola. Callie a havia visto
ali. Até desejou boa-noite a ela! Jenny queria deixá-los a sós,
mas se levantar e fazer barulho agora seria muito deselegante.
E se Easy a visse? Jenny tinha certeza de que a quedinha que
tinha por ele brilharia nela, como se sua cara fosse um colete
fluorescente do campo de hóquei. E pensar que ela de cara
ficara a fim do namorado da colega de quarto! A Velha Jenny
ataca novamente.
Seus olhos se adaptaram ao escuro e ela espiou de sob o
cobertor. A cama de Callie ficava a menos de 1,50 metro.
Houve um lampejo de pele nua à luz da lua.
— Camisinha — Jenny ouviu Callie cochichar.
Uma pausa. Depois a voz de Easy.
— Sério? Onde?
109
— Gaveta de cima.
Jenny ouviu um remexer no escuro. Depois uma luta e
cobertas, e tump! Easy estava com metade do corpo no chão.
Ele tentou manter o equilíbrio, mas segurou na mesa de cabeceira
e terminou arrastando a mesinha com ele. Fez um
barulhão terrível. Uma caixa de camisinhas Lifestyle Extra
Lubrificada cuspiu para fora, junto com um vidro grande de
loção hidratante para pele seca Lubriderm e um pacote de
canetas Bic escrita fina.
Jenny se levantou da cama, encarando o corpo nu e esparramado
de Easy.
— E aí — grunhiu Easy, sorrindo para ela. — Eu conheço
você.
— Ih! — Jenny se enfiou de volta ao cobertor.
— Callie, você disse que não tinha ninguém aqui — sussurrou
Easy meio alto.
Callie chutou o colchão, com raiva.
— Isso é ridículo — suspirou ela e saiu da cama. Jenny
espiou de sob o cobertor e viu a silhueta do corpo pequeno de
Callie. Ela estava com sutiã rosa com um jacaré da Lacoste
bordado na alça. Onde estava a Brett, aliás? Callie olhou para
o amontoado que era Jenny debaixo do cobertor.
— Desculpa, Jenny. — Ela deu de ombros, depois foi até
Easy, pisando na mão dele ao seguir para a porta.
— Aaai! — ele gritou de dor. — Aonde você vai?
— Ao banheiro. — Callie deixou a porta aberta e o quarto
se encheu da luz fluorescente do corredor. Jenny se enterrou
mais fundo debaixo das cobertas, mortificada. Ela está nos
deixando sozinhos?, perguntou-se, apavorada.
110
Ela ouviu Easy se sentar, estalar o pescoço, depois fungar.
— E aí, Jenny é a forma abreviada de Jennifer?
— Bom, é — resmungou Jenny, ainda aninhada nas cobertas.
— Não queria te deixar desconfortável, Jenny — continuou
ele.
— Não tem problema — murmurou ela no travesseiro.
Tinha cheiro de terra e calor, como a casa dela no Upper West
Side. Ela ficou feliz por tê-lo trazido, mas de repente provocou
tanta saudade de casa que ela quase explodiu em lágrimas.
— Pode parar de se esconder. Eu estou vestido.
Jenny espiou com um olho por cima do cobertor. Easy
tinha vestido a cueca, mas era só. A barriga dele era lisa e
musculosa. E a cueca samba-canção tinha um padrão de veleiro
que a lembrou do catálogo da J. Crew. Ela fechou os
olhos.
Estava sufocante de quente debaixo das cobertas. Ela se
sentou um pouco, esperando que Callie voltasse a qualquer
momento e levasse Easy para algum lugar para que ele não
tivesse tempo de ver os olhos inchados e o cabelo amarfanhado
de Jenny. Ela nem podia imaginar como estaria sua aparência
agora, em especial se comparada à de Callie.
Mas ao que parecia, Easy não se importou. Ele saiu do chão
e se sentou na beira da cama de Jenny. Se ela não estivesse
totalmente aturdida, podia ter dado espaço para ele. Mas ela
ficou imóvel. Ele estava apertado junto dela.
— Eu estava me perguntando quando é que a gente ia se
conhecer direito — murmurou ele tão baixinho que Jenny mal
conseguiu ouvir.
111
— O quê? — perguntou Jenny, embora tivesse ouvido
muito bem.
— Nada. — Easy olhou para cima. — Ah. As Sete Irmãs.
— Quê?
— A constelação. — Easy apontou para as estrelas de
Starfix velho que alguém tinha colado no teto anos antes. —
Mas a olho nu só seis estrelas são visíveis.
— Ah. — Jenny não sabia como responder, não só ao que
Easy acabara de dizer, mas a esta situação e ponto final. Seu gato
dos sonhos estava sentado na cama dela. A Velha Jenny ficou
totalmente apavorada. A Nova Jenny estava praticamente vibrando.
Misturadas, as duas Jennys ficaram imóveis e de língua
colada.
Ela olhou o contorno dos pés compridos e atléticos de Easy.
O segundo dedo de cada pé era mais comprido do que o primeiro.
Isso era um sinal de novo? Peraí. O que é isso? Era a
mão dele nas costas dela?
Tá legal. Estava tudo errado. Onde estava a Callie, afinal?
Isso era muito errado. Jenny sabia que devia afugentá-lo. Mas
ela simplesmente... não conseguia.
— Er, você entende muito de constelações? — perguntou
ela.
Easy movia a mão lentamente, o polegar passando na base
da coluna de Jenny. Errado, errado, errado!
— Não há muito mais a se fazer em Lexington à noite.
— Ele suspirou. — A não ser que você que iria subir na caixa
d’água ou atirar bosta nos trilhos do trem.
— Eu sou de Nova York — sussurrou Jenny, mordendo
uma mecha do cabelo para evitar que os dentes batessem de
112
nervosismo. — Mas você já deve saber disso.
— Hein?
— Você deve saber — ela se mexeu, o rosto ficando quente.
Era apavorante pensar que ele já ouvira coisas, coisas vulgares,
a respeito dela.
— Nada. Não sei de nada. Você é famosa?
— Eu... — Ela deu um pigarro. Como Yvonne podia saber
das fofocas sobre ela e esse cara lindo, não? — Não. Acho
que não.
— Bom, isso é péssimo. — Easy sorriu. — E eu aqui pensando
que estava na presença de uma celebridade.
Jenny sentiu a mão dele nas costas dela de novo. Estava
quente através do lençol.
— Meu Deus!
Jenny e Easy se viraram rapidamente. O Sr. Pardee. O
marido da diretora do alojamento, que por acaso também era
o professor de francês mais babaca da Waverly, tinha aberto a
porta completamente. Jenny viu um bilhete rabiscado em seu
quadro branco: Fui estudar no quarto da Benny — Brett. O Sr.
Pardee estava vestido no moletom com capuz do futebol da
Waverly e uma calça de pijama vermelha quadriculada. O cabelo
castanho meio desgrenhado estava eriçado em calombos
de gel e o pequeno brinco de prata brilhava na luz implacável
do corredor.
Easy rapidamente pulou da cama de Jenny, vestiu os jeans
e pegou a camisa.
— Cara. — Ele foi direto ao Sr. Pardee. — Eu não estive
aqui.
— Você não esteve... Como é? — disse o Sr. Pardee, pis-
113
cando furiosamente.
— Você não me viu.
— Easy, eu estou te vendo. — Pardee parecia que estava
tentando se convencer. — Você já usou essa fala comigo antes.
— Não — respondeu Easy. — Eu não estive aqui. — E
disparou para o corredor.
— Espere... Aonde está indo? — gritou o Sr. Pardee. Mas
era tarde demais. Ele sacudiu a cabeça e se virou para Jenny.
Sem saber exatamente o que fazer, ela não se mexera. O Sr.
Pardee podia ser o marido da diretora do alojamento, mas
Jenny ouvira dizer que também era um drogado total. Supostamente,
ele só se formou nas provas de francês depois de
fumar um ou dois baseados.
Quem sabe ele não está chapado demais agora até para
saber o que está acontecendo?
— Isso não foi legal. — O Sr. Pardee arrotou um pouco.
— Os meninos só têm permissão para vir a este alojamento
no horário de visita.
— Eu sei, mas... — gaguejou Jenny.
— Cara. — O Sr. Pardee estava encarando as camisinhas
no chão. Ninguém se incomodara em pegá-las ainda. — Isso
não parece bom.
— O que está acontecendo? — Callie estava parada na
porta, bem atrás dele.
— Vou ter que reportar isso — anunciou o professor através
de um bocejo de chapado. — Quer dizer, a Angelica terá
que...
— Não, espera! — pediu Jenny. Ela não podia se meter
114
em problemas no primeiro dia de aula.
— Oi-ê! — repetiu Callie. — O que está acontecendo?
— Jenny percebeu que o Sr. Pardee olhava o pedaço de pele
entre o short de cintura baixa American Apparel de Callie e a
camisetinha amarrotada Only Hearts. O jacaré no sutiã espiava
por seus buraquinhos.
— Easy estava aqui — declarou ele categoricamente.
— Easy?! — Callie respondeu num tom de voz chocado,
como se o Sr. Pardee tivesse dito eu vi uns macacos tomando cerveja!
— Onde você estava? — perguntou Pardee.
Callie fez uma carranca e revirou os olhos.
— Eu estava na biblioteca. Acabei de voltar.
Jenny a encarou, incrédula. Pardee pareceu aceitar essa
história, embora fosse o meio da noite e Callie estivesse praticamente
nua, sem sapatos e não tinha mochila nem livro
nenhum com ela.
— Então o que Easy estava fazendo aqui? — Callie olhou
para Jenny como se dissesse, Nem pense em foder com tudo.
O Sr. Pardee ergueu uma sobrancelha.
— E então?
Uma expressão de suspeita e mágoa toldou a cara de Callie.
Foi uma atuação digna de um Oscar.
— Estava acontecendo... alguma coisa?
O Sr. Pardee arrastou os pés.
— Eles estavam na cama juntos.
— Mas não estávamos fazendo nada! — defendeu-se Jenny.
— Então por que parece que uma caixa de camisinhas
tamanho jumbo explodiu por aqui? — quis saber o Sr. Pardee.
115
Callie revirou os olhos.
— Não acredito nisso. Sua vagabunda! — gritou ela para
Jenny, puxando a camiseta, de frustração, para expor a barriga.
O Sr. Pardee encarou faminto a barriga tonificada pelo
hóquei. Callie balançou as sobrancelhas para Jenny. Continua,
murmurou ela.
Os olhos de Jenny se arregalaram. Ela não ia deixar que
Callie pusesse a culpa nela por isso!
— Sr. Pardee, isso é um grande mal-entendido — alegou
Jenny, sem se importar que sua voz estivesse virando um relincho.
— Eu realmente não estava fazendo nada!
Mas o Sr. Pardee deu de ombros.
— Vamos descobrir isso no CD.
— O quê? — disse Jenny.
— Comitê Disciplinar, sua puta — cuspiu Callie.
— Callie, chega! — exigiu o Sr. Pardee. — Jenny, sabe
quem é seu orientador?
— É, humm, o Sr. Dalton? — Pelo menos era o que dizia
a carta de boas-vindas à Waverly que fora mandada ao senhor
Jennifer Humphrey.
— Muito bem. Ele é novo. Tudo bem. Vou relatar à sala
do Sr. Dalton no Stansfield Hall às nove da manhã. Não tenho
certeza de que sala ele ocupa, mas vou ver o mapa no
primeiro andar. Ele vai avaliar sua situação antes que chegue
ao CD. — Ele mexeu no brinco. — Entendeu? Ótimo. Agora
tenho que encontrar o Easy...
Quando teve certeza de que ele foi embora, Callie fechou
a porta e soltou um suspiro enorme.
— Ai, meu Deus. Foi por pouco.
116
— Puta? — A voz de Jenny tremia.
— Desculpe por isso — suspirou Callie, sentando-se na
cama e encarando Jenny com os enormes olhos castanhos. —
Eu precisava ter certeza de que o Sr. Pardee acreditava que eu
estava irritada...
— Bom, ele acreditou em tudo mesmo.
Callie deu de ombros.
— Não é grande coisa.
Jenny esfregou a cara.
— Não é grande coisa? Vou ter que aparecer perante... um
comitê! O que está rolando aqui, afinal?
Callie se curvou e pegou um dos pacotes de camisinha.
— Você é nova, é mulher e eu soube que é inteligente.
Eles vão pegar leve com você. — Ela esfregou o pacote quadrado
entre os dedos. — Talvez você possa usar suas ligações
com os Raves.
— Do que você está falando? — Será que Callie estava
sendo sarcástica? Jenny nunca contou nada a Callie sobre os
Raves. E o que o Comitê Disciplinar ia fazer com ela? Coloca-
la para catar lixo no Hudson de snorkel? E se isso fosse para
seu histórico?
— Olha aqui — começou Callie. — A Brett é do comitê.
Ela vai tratar de livrar a sua cara. Se eu fosse pega com o Easy,
eles iam me expulsar. Eu já fui flagrada fazendo umas coisas
aqui.
— Ah, sim? — disse Jenny, curiosa.
— É, eu já tive, tipo assim, duas advertências. Na terceira,
você está fora.
— Ah. — Jenny se sentiu meio aliviada. Então essa era
117
sua primeira advertência. Não era assim tão ruim.
— Ia ser uma droga de verdade se eu fosse expulsa. — Callie
abriu o pacote de camisinha com a unha. — Meus pais me
mandariam para uma escola pública em Atlanta. A galera
contrabandeia armas e latas de Miller Lite pelos detectores de
metal de lá. E todo mundo só fala na NASCAR. Até as meninas!
— Ela olhou para Jenny. — Dá para me imaginar na
NASCAR?
Callie era linda demais para ir para uma escola pública.
Depois Jenny se conteve, lembrando-se de que não devia ficar
toda puxa-saco com uma garota mais velha, como a Velha
Jenny ficava com Serena van der Woodsen na Constance. Ela
fechou os olhos e se obrigou a parar. Nova Jenny, Nova Jenny,
Nova Jenny.
Callie tirou a camisinha amarela e inseriu o indicador na
abertura.
— Preciso atravessar esse ano sem ser pega.
Jenny suspirou, resignada. Ela adorava tudo na Waverly —
o ar silvestre, os prédios de tijolinhos no estilo Nova Inglaterra,
que os professores usassem blazer na aula e em geral tivessem
o título de doutorado, até o salmão wasabi suculento que
todo mundo evitou. Ela queria remar no rio, conhecer meninos
de outras escolas preparatórias e voltar a Manhattan triunfante,
porque ela agora era uma aluna de internato. Ela não
queria ferrar com tudo já de saída, e no entanto aqui estava ela
de novo, a mais falada garota do campus e já metida em encrenca
antes que as aulas sequer tivessem começado.
Callie girou a camisinha no dedo.
— Vai ficar tudo bem — garantiu ela a Jenny. — É sério.
118
Eles vão te mandar para o estudo restrito. Ou proibir as visitas.
Mas a Brett é do CD. — Ela sorriu com doçura como se
dissesse: Eu vou ser sua melhor amiga para todo o sempre se você me
ajudar a sair dessa.
— Não sei não. — Jenny cruzou as mãos no colo. Da
mesma forma que queria ser amiga de Callie, ela não queria
ter problemas. — Vou ter que pensar no assunto.
— Eu entendo totalmente! Leve o tempo que quiser!
Pense nisso! Mas você não vai ter problemas. Não é nada, realmente
não é grande coisa.
— É, mas... — Jenny mordeu o lábio. — Não sei...
Callie saiu da cama, disparou para o closet e abriu a porta.
— E olha aqui... Para sua reunião com o orientador amanhã,
você vai precisar ficar o mais profissional possível. Quer
alguma coisa minha emprestada? É sério. Qualquer coisa. —
Ela passou a mão pelo trilho de lindas roupas de grife perfeitamente
bem-passadas.
— É mesmo? — Jenny se levantou e olhou o closet de
Callie com ela. O peso da situação aos poucos começava a
ceder. Será que Callie teria lhe oferecido alguma coisa de seu
armário antes que o Sr. Pardee pegasse Easy no quarto? De
jeito nenhum. Jenny sentiu um afluxo estranho e arrojado de
poder, um jorro tão forte que meio que a assustou.
— É sério. O que eu puder fazer. Esse ano vai ser o melhor
de sua vida — disse Callie entusiasmada.
Jenny pegou um vestido preto e macio DKNY do cabide
de cetim branco e o segurou diante do corpo. O melhor ano
da vida dela? Ela podia mesmo ter um ano assim...
119
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
HeathFerro: E aí, eles transaram mesmo?? Deu pra vc ouvir
pela parede?
EmilyJenkins: Estava tão ALTO que tive que colocar minha
sound machine com ruído de trânsito para
bloquear o barulho!
HeathFerro: Eles estavam batendo na parede?
EmilyJenkins: Total. Não dormi nada.
HeathFerro: Legal.
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
SageFrancis: Vc sabia que umas calouras estão desenhando
pôneis nos quadros de aviso? Elas nem
conhecem H. Só acham que é legal fazer isso!
AlisonQuentin: H está ficando sem opções... Deve passar para
as calouras da próxima vez...

121
12
UMA BOA WAVERLY OWL OLHA
OS SUPERIORES NOS OLHOS.
Na manhã seguinte, Jenny estava perto dos armários,
olhando o quarto silencioso e banhado de sol.
Era apenas quinta-feira, o primeiro dia de aula, mas
o quarto já parecia usado há muito: livros e papel por toda parte,
roupas empilhadas pelo chão, maquiagem, vidros de xampu e
de esmalte espalhados em cima das mesas ao lado de monitores
de tela plana, pilhas de cadernos e livros didáticos, pacotes fechados
de marcadores luminosos e uma grande planta oscilando
no peitoril estreito da janela. Jenny tinha chegado há
quase dois dias, mas ainda não sentia que estava no quarto dela,
uma vez que mal teve um momento a sós nele. A cama de
Brett estava vazia — ela entrou de mansinho depois de toda a
comoção da noite passada e deve ter acordado cedo. Havia uma
marca no colchão onde seu corpo estivera. Callie ainda dor-
122
mia profundamente, enroscada em posição fetal.
Jenny passou a mão em uma pilha de cardigãs de cashmere
macios de Callie. Todas as roupas de Callie eram lindas, mas
nesta manhã Jenny se sentia estranha para pegar alguma emprestada.
Em vez disso, ela vestiu a própria saia cáqui brilhante
Banana-Republic-mas-que-parecia-Theory, a única blusa
Thomas Pink e sapatilhas de balé rosa-bebê Cynthia Rowley.
Ela pôs o blazer da Waverly e avaliou o visual. Definitivamente
Inocente.
Jenny foi para o corredor na ponta dos pés e fechou a porta
do quarto depois de sair. Ao lado do recado de Brett sobre
estudar no quarto de Benny, alguém tinha escrito SALVE A
TINSLEY! em grandes caracteres magenta no quadro de avisos
pendurado na porta. Também havia um desenho do que
parecia um pônei pequeno no canto inferior. Andando pelo
corredor, ela percebeu que alguns quadros de outras meninas
também tinham o desenho do pônei pequeno. O internato
estava se revelando uma pintura de Chagall — cheio de brincadeiras,
jogos mentais e mistérios.
Jenny seguiu pelos antigos caminhos de paralelepípedo que
serpenteavam pelo campus da Waverly em direção ao Stansfield
Hall, uma enorme estrutura de tijolos aparentes que abrigava
os escritórios da administração e algumas salas de aula. Poucos
alunos já estavam acordados, mas a turma de manutenção
cuidava do campo de futebol e dos jardins. O ar tinha cheiro
de grama recém-aparada.
Dentro do Stansfield Hall, havia intrincados frisos de gesso
representando videiras trepadeiras e flores nas paredes, vitrais
na escada e gravuras nos corrimões de madeira. Jenny
123
subiu a escada para o terceiro andar e foi até o final de um
corredor imponente com piso de mogno. Uma placa de bronze
na porta fechada da sala dizia ERIC DALTON. Lá dentro,
Jenny ouviu risos e deu um passo para trás.
— Já ouvi essa antes — ela ouviu uma voz de mulher dizer.
— Todo professor de inglês desde a quarta série me disse
que eu tenho o mesmo nome da mulher de O sol também se
levanta.
— Lady Brett Ashley — disse a voz de homem. — Ela
era uma encrenqueira.
— Bom, então é do nome — Jenny ouviu Brett responder
numa voz de quem estava paquerando.
— Mas, humm, olha, temos que conversar com aquela
aluna, então não vamos conseguir tratar de algumas coisas da
administração que eu queria discutir. Está livre para almoçar
hoje? Podemos lidar com isso depois.
— Acho que sim — respondeu Brett. — Eu te encontro
aqui?
Jenny bateu na porta. Ela ouviu um remexer de papéis e o
bater de copos.
— Entre — gritou o Sr. Dalton. Jenny entrou na sala, que
estava abarrotada e uma bagunça. Brett estava sentada na beira
de um sofá de couro marrom, as mãos cruzadas no colo,
parecendo empertigada e inocente demais.
O Sr. Dalton se sentou em sua cadeira à mesa e mexeu
nuns papéis.
— Jenny, não é? Sente-se, por favor. — Ele fez um sinal
para o sofá. Jenny se sentou o mais distante que pôde de Brett.
— Esta é a Brett — continuou ele. — Ela é do Comitê Disci-
124
plinar e está me ajudando com umas coisas da administração.
— É, ela é minha...
Brett se virou para o Sr. Dalton.
— A Jenny e eu já nos conhecemos. Nós duas moramos
no Dumbarton.
É, no mesmo quarto. Jenny se perguntou por que Brett não
disse que elas eram colegas de quarto.
Dalton sorriu.
— Ah, bom, então tudo bem. Brett está me ajudando aqui
com alguma questões do CD e, como membro do CD, está
ajudando a cuidar deste caso. — Ele deu um pigarro. — Então,
Jenny, eu sou seu orientador e também estou reunindo
informações gerais sobre o caso CD, então vamos matar dois
coelhos numa cajadada só. — Ele folheou mais alguns documentos
como se pudesse absorver o que estava escrito sem
sequer lê-los.
Jenny percebeu que Brett não estava usando o blazer da
Waverly, mas um lindo top de seda berinjela e uma saia de lã
preta na altura dos joelhos. Em seus pés havia sandálias Marc
Jacobs de tira. As pernas compridas e magras estavam cruzadas
sensualmente e voltadas para o Sr. Dalton.
O Sr. Dalton se empoleirou no canto da mesa com um
bloco tamanho ofício na mão.
— Tudo bem, então, o que aconteceu ontem à noite?
Soubemos que você estava no seu quarto com um rapaz chamado
Easy Walsh. O Sr. Pardee disse que vocês estavam deitados
na cama juntos. É isso?
— Bom, o caso é o seguinte — respondeu Jenny com
humildade. Ela ficou acordada a noite toda pesando qual seria
125
a melhor opção: confirmar a suspeita dos alunos da Waverly
de que ela era uma tremenda puta ou fazer inimizade com a
colega de quarto. — Eu não... Eu não acho que esteja pronta
para contar o que aconteceu ao senhor.
O Sr. Dalton ergueu uma sobrancelha.
— Oh?
— Quer dizer, eu tenho que fazer uma declaração bem
agora? Ou posso esperar até que, sabe como é, tenha uma
audiência de verdade? Porque não estou preparada para falar
agora.
— Bom, tecnicamente, você não precisa me contar nada
— admitiu o Sr. Dalton, a caneta postada acima do bloco. —
Mas, como seu orientador, gostaria de sentir que você pode falar
comigo.
— Eu não estou preparada. Eu...
— O que quer dizer com não estar preparada? — interrompeu
Brett, descruzando as pernas e olhando para Jenny.
Seu cabelo parecia ainda mais vermelho quando ela ficava com
raiva.
Jenny fechou a boca com força e deu de ombros. Estava
com medo de falar.
Brett examinou Jenny criticamente. A blusa listrada de rosa
e branco era apertada demais no peito e seu rosto estava todo
rosado, como se tivesse atravessado o campo correndo.
Brett tinha chegado tarde na noite anterior, depois do flagra
do Sr. Pardee, mas Eric a colocou a par quando ela chegou à
sala dele de manhã — não que Brett realmente acreditasse na
versão de Pardee. Era totalmente idiota da parte de Jenny não
dizer alguma coisa para tirar Easy e ela de problemas. Coitada
126
da Jenny. Ela era a escada perfeita para Callie. Meu Deus, a
Callie era uma cretina.
Jenny percebeu Brett examinando-a como se ela fosse um
espécime biológico em uma lâmina de vidro. Ela sentiu o rosto
arder. Eu sou a Nova Jenny, eu sou a Nova Jenny, eu sou a Nova
Jenny, repetiu ela para si mesma, enchendo-se de coragem.
— Bom. — O Sr. Dalton esfregou as mãos. — Acho que
se você não quer dizer nada agora, certamente não precisa. Mas
será que há outra pessoa no corpo docente com quem você se
sinta mais à vontade para falar?
Jenny deu de ombros novamente, impotente. Hoje era o
primeiro dia de aula. Ela ainda não tinha conhecido os professores.
— Então, tudo bem — continuou o Sr. Dalton. — Obrigada
por vir aqui, Jenny. Acho que vamos ter um julgamento
na semana que vem. Que tal na segunda?
— Sim, está ótimo — respondeu ela num tom neutro. —
Humm, obrigada. — Ela olhou para Brett ao sair da sala do
Sr. Dalton, esperando um sorriso de estímulo, mas Brett estava
examinando as pontas do cabelo vermelho-bombeiro,
parecendo totalmente entediada.
Jenny fechou a pesada porta de carvalho depois de sair,
perguntando-se se foi realmente uma idiotice dizer que não
estava preparada para declarar nada. O que era isso, Law &
Order: Colégio Interno?
De repente, ela estava cara a cara com Easy Walsh, parado
do lado de fora da sala do Sr. Dalton, esperando para entrar.
Assim que seus olhos se cruzaram, o coração dela começou a
disparar.
127
Ela ficou tão absorta com a possibilidade de ter problemas
e possivelmente ser considerada a maior puta da Waverly que
tinha empurrado para o fundo da mente a pequena sessão íntima
de afagos dos dois. Agora ela se lembrava da agradável
sensação de calor do corpo de Easy ao lado do dela.
— Oi. — ela engoliu em seco rapidamente.
— Hein? — Easy olhou para ela inexpressivamente, os
olhos azuis caídos e parecendo cansados. Ele vestia uma camiseta
amarela esfarrapada que dizia LEXINGTON ALLSTARS.
— Ah! — Ele arregalou os olhos.
— Humm, como vai? — insistiu Jenny timidamente.
— Eu... — ele oscilou para a esquerda, os olhos ainda arregalados.
Um forte cheiro de vodca saía dos poros dele. —
Eu... Você estava aí dentro?
— Estava. — Jenny ficou tonta só de respirar o mesmo ar
de Easy.
Ele ia começar a dizer alguma coisa, mas a porta se abriu e
o Sr. Dalton colocou a cabeça para fora.
— Sr. Walsh, é sua vez.
Sem se despedir, Easy cambaleou para dentro da sala. Jenny
se virou e desceu a escada, entrando na forte luz do sol. Em
um galho de árvore baixo bem no caminho estava um daqueles
corujões. Seria o mesmo que tinha tentado matá-la só há
dois dias? Ela semicerrou os olhos.
A coruja finalmente piscou lentamente para ela, como se
estivesse chapada, depois olhou para o outro lado.
Jenny passou por ela correndo a caminho da primeira aula.
Era o primeiro e possivelmente único momento de triunfo
do dia. Ela deu uma encarada na coruja e venceu.

129
13
EM ÉPOCAS DE AFLIÇÃO EMOCIONAL,
UMA WAVERLY OWL DEVE OUVIR
SUA CORUJA INTERIOR.
Fico feliz em ver você aqui — Dalton recebeu Easy.
O porre de Ketel One da noite anterior dei
xou Easy se sentindo como a gosma que ele tirou
dos pés de Credo antes de uma corrida. Ele se jogou numa
cadeira de escritório de couro preto e olhou sem expressão a
colega de quarto de Callie, Brett, que estava sentada na frente
dele com uma blusa roxa totalmente transparente. O novo
orientador parecia ter uns 18 anos, uma mudança bem-vinda
com relação a seu antigo orientador, o Sr. Kelley, que era tão
velho que mal conseguia se lembrar do próprio nome e tinha
finalmente se aposentado no último ano com uns cem anos
de idade.
— Oi, Easy — Brett o cumprimentou com um tom de

130
autoridade exagerado, tomando algumas notas em um bloco
amarelo. — Teve um bom verão?
— Arrã — resmungou Easy, encarando o teto. Brett podia
pensar que ela era a Srta. Eu-tenho-poder-sobre-vocêporque-
sou-perfeita, mas Easy não ia cair nessa. Antigamente,
ele e Brett eram próximos. Eles foram da mesma turma de
francês no primeiro ano em Waverly e, para a apresentação
final, em vez de ficar na frente da turma e ter uma conversa
oca, Brett teve a idéia de fazer um curta metragem mórbido e
godardiano em francês com uma antiga câmera Super-8. Easy
era parceiro dela na aula e portanto foi o astro existencialista
do filme. Ele tinha que dizer coisas estranhas em francês, como
“Mon omelette du jambon est mort”, e “Les yeux — os olhos —
doem.” Monsieur Crimm adorou e deu A para os dois.
— Er, Francis Walsh — Dalton dirigiu-se a ele, olhando
o arquivo com atenção. — O que tem a me dizer sobre a noite
passada?
— Com ela aqui? — Ele apontou o polegar para Brett. —
Pensei que essas coisas fossem confidenciais.
— Sou assistente dele — Brett se intrometeu rapidamente,
sentando-se mais ereta.
— Ela está me ajudando com os procedimentos do Comitê
Disciplinar — explicou Dalton. — Acho que isto a qualifica.
Easy olhou de um para o outro. Caraca. Dalton foi fisgado
— por Brett Messerschmidt!
— Diz aqui que você teve alguns problemas com o regulamento
nos últimos anos, Easy. — Dalton deu um pigarro.
— Castigo disciplinar três vezes. Duas suspensões. Você qua-
131
se foi expulso uma vez no ano passado por não aparecer na
aula depois das férias de primavera. Discussões incontáveis
com os professores. Atitude desagradável. — Ele fez uma pausa
e passou a uma nova página do arquivo. — Interrompeu aulas.
Notas abaixo do padrão. Quase nenhuma atividade
extracurricular. Pego com álcool quatro vezes. Matando o treino
esportivo. Sem espírito de equipe... — Ele virou para outra
página.
Brett deu um sorriso malicioso.
— Mas... — O Sr. Dalton manteve o indicador no arquivo
e ergueu as sobrancelhas. Ele mostrou o papel a Brett e ela
inclinou a cabeça de lado, cética. Easy revirou os olhos. Sem
dúvida era aquela porra de pontuação PSAT de novo. Então
ele gabaritou quase todas as três sessões, grande coisa. Era o
tipo que coisa que deixava os pais babando, embora Easy não
desse a mínima. Escapulir do alojamento para ver estrelas cadentes
no meio dos campos de treino às duas da manhã ou
andar descalço no riacho atrás do prédio de belas-artes ao
amanhecer, essas eram as coisas com que ele se importava,
coisas de que ele podia se lembrar quando estivesse velho e
trêmulo. E não um teste de aptidão escolar idiota. Infelizmente,
todas as regras imbecis se intrometiam na vida dele, quando
só o que Easy queria era momentos mais perfeitos na
Waverly, como aqueles.
— Você é um legado — prosseguiu Dalton, olhando para
as abotoaduras fechadas. — Mas isso não deve significar nada.
Quero dizer, eu também sou um legado da Waverly.
— É mesmo? — guinchou Brett. — Eu também!
— Meu pai foi aluno daqui e meu avô também. E o ir-
132
mão dele também. — Dalton se voltou para Brett. — Basicamente,
os homens da família Dalton foram a primeira turma
a se formar na Waverly Academy.
— Como se eu precisasse saber disso — murmurou Easy
sarcasticamente. Qual era a desse professor, tentando impressionar
a Brett?
Danton estreitou os olhos.
— Olha, eu nunca esperei ser tratado de forma diferente
dos outros. Na verdade, acho que os professores eram mais
duros comigo porque eu era um legado... Eles esperavam que
eu fosse um exemplo para os outros alunos.
— Tá. — Era essa a besteirada. Easy trincou os dentes. Ele
era um legado, o que devia ser uma coisa especial, mas ele sabia
como funcionava: se sua família tivesse dinheiro suficiente para
mandar os filhos (ou as gerações) sucessivamente à Waverly, a
direção puxaria seu saco pelo resto de seus dias. Não havia
nenhum padrão moral envolvido nisso, só o dinheiro. Heath
Ferro era um maldito legado, afinal, e olha a merda toda em
que ele se metia!
Danton se curvou para a frente.
— Zombe do que quiser, mas você não devia estar no
Dumbarton ontem à noite e você certamente não devia estar...
er... com aquela garota nova, a Jennifer Humphrey.
— Você estava com a Jenny? — Brett se curvou para a
frente, parecendo muito interessada.
— Foi isso o que a Jenny disse? — perguntou Easy.
— Ela não disse nada. — Brett franziu a testa. — Ela disse
que não estava preparada para fazer uma declaração.
— Ah. — Easy coçou o nariz. Ele não tinha certeza do
133
que fazer com a Jenny e do que tinha acontecido na noite
anterior. Depois de conversar com ela no refeitório, ele se
convenceu de que ela era só uma miragem. Ela não parecia
usar muita maquiagem, se usava, e era baixinha, enquanto
Callie era alta. Jenny tinha mãos e pés minúsculos, cílios longos
e portava uma bolsa que não trazia o G de Gucci colado
em toda parte. E ela perguntou a ele sobre arte. Callie nem
sonhava em perguntar a ele sobre arte. E a noite passada, bem
que pode ter sido uma miragem também, já que ele estava
bêbado. Ele estava prestes a transar com Callie e tinha se arrastado
seminu para a cama de Jenny, com o Pardee na cola
dele.
Agora Jenny — a lindinha Jenny — estava encrencada por
causa dele. Mas ele precisava ficar perto dela. Ela parecia tão
rosada e nova, meio como aquela tela de Boticcelli que ele viu
em Roma no ano passado. O nascimento de Vênus, com a mulher
sensual saindo da concha de ostra. Ele não queria que ela
ficasse encrencada. Mas ele não queria que Callie descobrisse
que ele tocara em Jenny. Easy colocou a cabeça entre as mãos
para evitar que o cérebro de ressaca saísse pelas orelhas.
— Olha só, eu não sei o que está acontecendo aqui, mas
como seu orientador, tenho que alertar a você: esse tipo de
infração, acima de sua miríade de outras infrações, pode levar
à expulsão.
Brett respirou fundo e sacudiu a cabeça, fingindo realmente
se importar.
Easy mal piscou.
— Tudo bem.
— Você ouviu o que eu disse? — perguntou Dalton. —
134
Você pode ser expulso.
— É. Eu ouvi.
— Se eu fosse você, passaria mais tempo pensando em por
que estou aqui — sugeriu Dalton com severidade — e menos
tempo se metendo em problemas.
Esse era o tipo de coisa idiota que um dos irmãos dele podia
dizer. Easy era o mais novo de quatro e os três irmãos também
foram alunos da Waverly. Sempre que Easy reclamava
disso com eles, eles diziam que ele só entenderia a importância
da Waverly quando saísse de lá. E essa era uma daquelas
besteiras que as pessoas diziam quando ficavam mais velhas e
descerebradas. Os irmãos dele já se formaram na faculdade e
se pós-graduaram em direito; dois estavam casados e o outro
era noivo. Eles eram adultos chatos e frouxos e não sabiam o
que era viver de verdade.
— Tá legal — respondeu Easy entredentes. — Você já me
orientou, então? — Sem esperar por uma resposta, ele se levantou
vigorosamente, abriu a porta e saiu.
Do lado de fora do Stansfield Hall, ele de repente se sentiu
tonto. Você pode ser expulso. Será que ele falou a sério? Se
Easy fosse expulso da Waverly, podia esquecer seu ano em
Paris. Ele seria obrigado a morar em casa, sozinho com os pais
irritadiços, onde teria aulas com um professor particular e seu
único contato com o mundo exterior seria com a mulher pavorosa
de cabelo louro e duro da correspondência que gostava
meio demais de Easy. Easy precisava se sentar. Talvez fosse a
vodca da noite anterior, mas ele sentiu um jato de náusea.
Vaia, vaia.
Easy olhou para as árvores. Um dos corujões o estava ob-
135
servando, os olhos redondos e amarelos. Easy fez um som de
pio para a coruja, como o que ele fazia quando precisava que
Credo se acalmasse, e pegou uma garrafa amassada de Sprite
na bolsa da escola. Ele tomou um gole do que restava da Ketel
One da noite anterior. Todo mundo estava indo para as primeiras
aulas do ano, mas Easy precisava pensar.
Ele vagou pelo caminho de pedra gasta em direção ao estábulo,
querendo que Callie estivesse ali para se deitar com
ele em uma baia úmida e fazer com que ele se esquecesse da
ameaça de Dalton. Eles se esticariam em uma velha manta para
cavalo e ficariam o dia todo ali, sem se importar em matar aula.
Mas imaginar Callie nua no estábulo abandonado não o estava
deixando excitado — ele não conseguia impedir que a Callie
de Fantasia reclamasse do feno no cabelo e de insetos imaginários
na manta.
Easy se fechou na baia quente e meio úmida, e fechou os
olhos com força. Mas quando revisitou sua fantasia, não era
Callie que estava esparramada na manta, olhando para ele.
Era Jenny.
136
OwlNet Caixa de Entrada de E-mail
Para: Alunos de Waverly
De: ReitorMarymount@waverly.edu
Data: Quinta-feira, 5 de setembro, 9:01h
Assunto: Dano de propriedade
Caros alunos,
Chegaram a minha atenção os pôneis desenhados que apareceram
em todo o campus — nas calçadas, em quadros de avisos e nas
paredes do box do vestiário feminino.
Por favor, entendam que danificar a propriedade da Waverly é uma
infração grave e não será tolerada. Alguns alunos também relataram
anonimamente perturbação emocional com eles. Por favor,
observem que o centro de saúde mental fica aberto 24 horas por
dia e que qualquer um visto danificando propriedade da escola
enfrentará conseqüências disciplinares.
Tenham um bom primeiro dia de aula,
Reitor Marymount
137
14
NENHUMA WAVERLY OWL ESCAPA
DO INTERROGATÓRIO — NEM A
FILHA DA GOVERNADORA.
Callie estava voando na aula de latim do primeiro tem
po quando a Sra. Tullington, a administradora da
escola, interrompeu a aula.
— Srta. Vernon — o Sr. Gaston, o professor, voltou-se
para ela. — Sua orientadora quer vê-la.
A sala da orientadora ficava a apenas um andar da sala de
latim. Callie esfregou as mãos de nervosismo. Ela e a Srta.
Emory não eram exatamente boas amigas. A Srta. Emory era
uma cretina meio sapata de meia-idade e cabelo curto de
Connecticut que foi aluna da Vassar com a mãe de Callie. A
duas mulheres foram rivais, sempre competindo pelas notas
mais altas e a admissão na sociedade Pi Beta Kapa. Elas também
brigaram pela mesma vaga na Faculdade de Direito de
138
Harvard — e a mãe de Callie venceu. Amargurada, a Srta.
Emory decidiu abandonar a faculdade de direito e fazer
mestrado em educação na Universidade de Nova York. Ela
deixou muito claro a Callie que o fato de não ter ido para
Harvard afetara todo o rumo de sua vida, e Callie desconfiava
de que ela colocava toda a culpa por isso na mãe dela. Era outra
brilhante combinação aluna-orientadora arranjada pela administração
da Waverly.
A sala da Srta. Emory era singular. Não tinha absolutamente
livro algum nem objetos pessoais em suas prateleiras, e a
única coisa presa no quadro de avisos era a lista de telefones
da Waverly, que relacionava todos os números e ramais de
outros membros do corpo docente da escola. Um laptop Sony
Vaio solitário estava na mesa de madeira escura e uma sacola
de compras com a palavras RHINECLIFF YARN BARN
pousava em uma mesa vazia atrás dela. Agulhas de tricô de
madeira e alguns fios de lã se projetavam do alto. A Srta. Emory
fazia tricô? Que coisa estranha.
Callie se sentou rapidamente na cadeira Aeron preta na
frente da mesa da Srta. Emory. Junto das espartanas blusa de
gola rulê preta e da calça preta prática, a saia rosa Diane von
Furstenberg e o relógio Chopard rosa com diamantes pareciam
ridículos.
— Queria me ver?
A Srta. Emory desviou os olhos da tela do computador.
Ela semicerrou um olho e contorceu a boca enorme em um
esgar. Parecia uma Popeye louca de saias. Por que Callie não
podia ter uma orientadora legal, como a Sra. Swan, que lhe
dava permissão para ir ao Metropolitan Opera três vezes por
139
ano, ou o Sr. Bungey, que dava festas de Natal regadas a uísque
escocês com os filhos e ouvia todos os seus problemas de
relacionamento? Mas não, Callie tinha que ficar com a Popeye
maluca, que provavelmente usava aquelas agulhas de tricô para
espetar a bunda das alunas quando elas se comportavam mal.
— O Sr. Pardee me disse que eu devia conversar com você
— anunciou monotonamente a Srta. Emory. — Ele disse que
seu namorado foi pego no seu quarto ontem à noite. Depois
do toque de recolher.
Callie respirou fundo para se preparar. Tinha anos de experiência
distorcendo a verdade para a mãe, mas isso sempre
a deixava nervosa.
— Bom, o caso é o seguinte — começou ela. — Meu
namorado foi lá, sim. Mas não foi me visitar. Ele estava visitando
minha colega de quarto, a Jenny.
— E como você sabe disso?
Callie franziu o cenho.
— Porque... Porque eu não estava lá.
A Srta. Emory a olhou com descrença.
— Hummmmmm. — Ela começou a digitar alguma coisa
no teclado. Callie percebeu que a Srta. Emory tinha unhas
muito grossas, roídas até o sabugo.
Que merda. Será que o hummmm da Srta. Emory significava
que Jenny a entregara? Callie não acreditava nisso: ela vira
o brilho nos olhos dela — Jenny estava ansiosa para se misturar.
Por que ela apareceria na festa do alojamento Richards,
basicamente sem ser convidada? Se ela não ligasse para a ordem
social da Waverly, ia ser amiga daquela parva da Yvonne.
Não, a Jenny queria mais do que isso, Callie tinha certeza.
140
— Olha. — Callie deu de ombros. — Eu não sei o que
aconteceu. Eu estava estudando. Foi logo antes do toque de
recolher, eu voltei e só Jenny estava lá. Easy tinha ido embora.
O Sr. Pardee estava falando com ela.
— Hummm. Então é assim. Você e Easy não estão mais
namorando?
Callie estremeceu. Com aquele horrível Eu te amo ainda
vagando por ali, sem resposta, cada segundo que se passava
sem que ele dissesse a mesma coisa a fazia se sentir ridiculamente
vulnerável. Se eles não transassem logo e começassem
a falar do quanto se amavam, Callie podia ter que pedir exames
no centro de saúde mental junto com todas as meninas
traumatizadas com os pôneis nos quadros de aviso.
— Não — mentiu Callie. — Nós não estamos juntos.
— Sei. — A Srta. Emory a encarou por sobre os óculos
pretos e quadrados. — Porque alguém viu você e o Sr. Walsh
no estábulo ontem mesmo.
— Nós... Estávamos terminando — Callie conseguiu gaguejar,
a voz seca. — Eu... Eu não quero falar nesse assunto,
se não tiver problema. — Droga de Ben! Droga de funcionários
que moram com os alunos no campus e sabem de cada detalhe
íntimo da vida deles!
— Humm — respondeu a Srta. Emory, parecendo não
acreditar em nada do que Callie dizia. — Bem, comporte-se.
Nós não nos esquecemos do ano passado.
— Tudo bem — guinchou Callie.
Depois a Srta. Emory começou a digitar furiosamente. Em
geral esta era a deixa para Callie sair. Ela queria loucamente
torcer o pescoço para ver o que ela estava digitando — prova-
141
velmente um plano de três pontos para arruinar a vida de
Callie.
Ela correu de volta à aula, ansiosa para retornar ao mundo
tranqüilizador das declinações em latim. Sentada em sua carteira,
ela esfregou as mãos. Se a Srta. Emory descobrisse que
ela mentira e que Easy foi até lá para vê-la, ela sem dúvida seria
expulsa, em especial depois do episódio com o Ecstasy do ano
passado. E aí a mãe dela a deserdaria e ela teria que se mudar
para a casa da tia Brenda, que fedia a peixe, no subúrbio mais
tedioso de Atlanta. Ela seria obrigada a ir a uma escola católica
com crianças pálidas e cheias de espinhas que achavam que
uma grande noite de balada era beber Smirnoff Ice no estacionamento
do Dairy Queen e trocar cartões da NASCAR. O
estômago de Callie se revirou.
Callie tinha dois desafios diante de si: primeiro, certificarse
de que Jenny não ia falar e, segundo, convencer a Srta.
Emory de que ela e Easy não eram mais nada. Sua vida na
Waverly dependia disso.
142
OwlNet Caixa de Entrada de E-mail
Para: JennyHumphrey@waverly.edu
De: KissKiss! Online
Data: Quinta-feira, 5 de setembro, 12:50h
Assunto: Surpresa!
Cara Jenny Humphrey,
Hoje é seu dia de sorte! Sua amiga Callie Vernon escolheu uma linda
cesta de presentes para você, cheia de maquiagem, no valor de 50
dólares. A cesta vem com uma bolsa Le SportSac gratuita! Por favor,
vá ao site para escolher a cor que preferir.
Kiss kiss,
A equipe de KissKiss
143
OwlNet Caixa de mensagem Instantânea
CallieVernon: Vem comigo na Pimpernels. Meio-dia.
EasyWalsh: Fazer compras? Não.
CallieVernon: É importante. Precisamos conversar.
EasyWalsh: Não dá pra ser no campus?
CallieVernon: Vc pode entrar na sala de provas comigo...
EasyWalsh: A gente já não está com problemas demais?

145
15
UMA WAVERLY OWL SEMPRE DEVE
PEGAR A ESTRADA DA MORAL.
Easy viu Callie apoiada na frente da loja, remexendo ner
vosa na bolsa Gucci de alça de bambu e segurando um
cigarro apagado. Era uma tarde quente e ela vestia uma
blusa fina colorida e saia igual. Os moradores de Rhinecliff
— principalmente artistas hippies de cabelo desgrenhado —
andavam pela rua de paralelepípedo, tomando sorvete de
morango de casquinha e parando para falar com Hank, o cara
que vendia camisetas de batik e incenso na calçada. Mas Easy
duvidava de que os hippies estivessem falando com Hank por
causa do incenso. Hank vendia maconha a muitos alunos da
Waverly, inclusive a Easy. Ele já acenava para ele.
— Bom, olha quem está aqui — disse Callie sarcasticamente.
Easy não respondeu. Eles estavam na frente da Pimpernel’s,
146
uma loja cheia de frescuras onde Callie fazia a concessão de
comprar roupas. Era a única loja em Rhinecliff que não vendia
blusas de batik — e quando vendia, eram de seda, com
lantejoulas e custavam trezentos dólares. Da última vez em
que esteve ali, Easy passou o tempo todo examinando uma
coisa que parecia uma meia de tricô rosa minúscula e custava
360 dólares, tentando entender o que poderia ser. Um aquecedor
de nariz? Uma bolsa para maconha? Uma camisinha
aconchegante? Callie finalmente informou a ele que se tratava
de uma botinha de cashmere para cachorro.
Mas era importante que ele conversasse com Callie, então
aqui estava ele.
— Nós temos um problema — anunciou ele categoricamente.
Callie examinou as unhas recém-pintadas.
— Nós, né?
Easy fez uma carranca.
— É claro que somos nós. E por que foi que eu vi a Jenny
Humphrey saindo da sala do Dalton? Foi pela noite passada?
Ela não tem nada a ver com isso.
— Bom, a Srta. Emory também falou comigo. E se quer
saber, sim, a Jenny estava lá por causa da noite passada. Eu é
que não posso assumir a culpa. A história do Ecstasy, lembra?
Meus pais iam me deserdar e me mandar para a escola
NASCAR!
— Do que é que você está falando? — quis saber Easy,
esfregando as laterais do rosto que ele não barbeou.
Callie sacudiu o cabelo louro da nuca.
— Olha, eu não quero ser expulsa. Então eu disse que você
147
estava lá com a Jenny e que a gente terminou.
— Como é que é? — perguntou Easy, aturdido. Callie deu
de ombros e abriu a porta da loja. Tocaram sinos para anunciar
sua chegada.
— Querida! Bem-vinda de volta! — guinchou uma mulher
muito alta e muito magra de cabelo louro lambido assim
que eles passaram pela porta.
— Oi, Tracey! — piou Callie. Elas se beijaram no rosto
em uma rotina bem ensaiada. Easy recuou, querendo sair.
Imediatamente. Fazer compras, mulheres gritando, botinhas
de cashmere para cachorro. Não era a praia dele. Por que ele
veio? Ele devia estar curtindo os últimos dias na Waverly.
— Tenho umas coisas para você do verão. — Tracey acenou,
conduzindo Callie e Easy para um pequeno nicho nos
fundos. Ela puxou uma arara de vestidos, saias e blusas. Ergueu
um vestido Donna Karan marfim. — Não é lindo?
Easy virou a cabeça de lado para ler a etiqueta de preço:
US$2.250.
— Ah, sim — Callie arfou. Ela não parecia nada preocupada
por ter metido a nova colega de quarto em problemas
ou que ela tivesse mentido para a administração. Nada disso.
Só estava preocupada se a loja tinha o vestido no tamanho dela.
— Você praticamente pode usar esse vestido no seu casamento!
— Tracey colocou o vestido no corpo de Callie.
— Se você fosse uma piranha — acrescentou Easy grosseiramente.
Ele se jogou no sofá lavanda, tirando uma almofada
rosa de renda e franjas de sob o traseiro.
Callie revirou os olhos.
— Homens — ela suspirou para Tracey. — Eles não sa-
148
bem de nada! — Depois ela se aproximou e afagou o braço de
Easy. — E aí, o Dalton foi mau com você?
— Ele disse que eu podia ser expulso.
— Ah, mas não vai. Você é um legado. Eles nunca expulsam
os legados. — Easy viu um lampejo de preocupação atravessar
o rosto dela enquanto ela pegava as roupas que Tracey
trouxera para experimentar.
— Não sei não — respondeu ele enquanto ela fechava a
porta rosa da sala de provas. — E se decidirem criar um precedente?
— Não vão — insistiu Callie determinada, atirando o sutiã
La Perla por cima da porta da sala de provas. Ele parecia
franzino e meio triste. — Você está totalmente seguro.
— Então você simplesmente vai deixar a Jenny levar a
culpa no seu lugar?
— E por que não? O Sr. Pardee pegou a Jenny, afinal. E
ela está preparada. A gente conversou sobre isso.
Easy suspirou.
— Sabe de uma coisa, Dalton me disse que ela não falou
uma palavra do que aconteceu. E se ela falar?
— Ela não vai — respondeu Callie, a voz estalando de
determinação forçada.
Easy se recostou. A vendedora, Tracey, encarava seus All
Star cano longo, que ele apoiou no divã de veludo lavanda da
loja. Que foi, ele não devia colocar os pés ali? Saco.
De repente, Callie enfiou a cabeça para fora da porta da
sala de provas.
— Amorzinho? Preciso de um favorzinho seu.
— O que é? — Se era para ajudar a desenroscar a calcinha
149
ou fechar alguma coisa, ele realmente não estava no humor
para isso.
Os olhos de Callie encontraram os dele.
— Bom... — Ela enrolou uma mecha de cabelo louro no
indicador. — Se a Jenny assumir a culpa por mim... e eu tenho
certeza de que ela vai... a gente precisa parecer... crível.
— Crível?
— Sabe como é. Como se alguma coisa realmente tivesse
acontecido entre vocês dois.
Easy mexeu o queixo sem acreditar, encarando Callie.
— Aí — Callie continuou —, isso pode parecer estranho,
mas eu estou me perguntando se você pode paquerar a garota
um pouco. Sabe como é, talvez se os dois agirem como se
gostassem. Só um pouco.
— Está me pedindo para dar mole pra outra garota? —
Easy riu, tirando os pés do divã de veludo. — Já se esqueceu
de que você é a pessoa mais ciumenta do mundo?
Callie fechou a porta novamente e atirou o vestido que
acabara de provar no alto da porta.
— Eu não sou ciumenta — retorquiu ela.
— O que quer que eu faça?
— Sei lá. Dá em cima dela. Seja legal com ela. Como
amigo.
Com a porta da sala de provas fechada, a visão que Callie
tinha de Easy ficou obscurecida. Mas se ela pudesse vê-lo, teria
ficado confusa com o sorriso aparentemente enorme na cara
dele e a cor que subia do pescoço para as bochechas.
Quando ela colocou a cabeça para fora da porta de novo,
ele tinha conseguido se recompor.
150
— Isso é assim tão ruim? Você não vai ser expulso da escola.
É idiotice. Mas você já foi visto pelo Sr. Pardee no alojamento,
então já está encrencado. Não ia doer tornar tudo um
pouquinho mais real, ia?
— Bom, eles estão certos! — Easy ergueu as mãos, impotente.
Ela deu pulinhos de frustração e Easy olhou para o peito
dela por um segundo.
— Amorzinho, por favor? Não seria horrível se eu fosse
expulsa?
— Mas e se eu for expulso?
Callie franziu a cara.
— Não vai — disse ela com firmeza. — Eu já disse que
não vai.
Easy hesitou. Seria possível que Callie o tivesse visto sentado
na cama de Jenny ontem à noite, tocando as costas dela,
e que tudo isso fosse só um teste? É melhor fingir que ele não
tem certeza da idéia — embora por dentro, é claro, todo o seu
corpo parecesse ter sido atingido por um raio. Seria realmente
possível que a namorada estivesse pedindo a ele para azarar
a garota que ele queria?
— Isso não parece muito moral — respondeu ele estoicamente,
tirando o sorriso bobalhão da cara.
— Moral? — Ela bateu a porta de novo. — Está se esquecendo
de como você me roubou de Brandon Buchanan no
ano passado? Bem na cara dele?
— E daí?
— Isso não foi lá muito moral, foi?
Easy deu de ombros.
151
— De qualquer forma — continuou Callie —, eu vou falar
nesse assunto com a Jenny também. Até parece que estou te
pedindo para transar com ela ou coisa assim. Você pode por
favor fazer isso por mim?
— Eu... — Easy gaguejou. Ela não o estava testando. Estava
falando a sério. Ele realmente era a porra do cara mais
sortudo do mundo.
Callie abriu a porta, usando o vestido Donna Karan branco.
Parecia a Barbie Piranha-do-Internato no dia do casamento.
— E aí, vai fazer? — perguntou ela. Ele assentiu devagar
e ela abriu um sorriso. — Obrigada, amorzinho. Vai ser uma
ajuda imensa.
Não, não, pensou Easy. Eu é que agradeço.
152
OwlNet Caixa de Entrada de E-mail
Para: RufusHumphrey@poetsonline.com
De: JennyHumphrey@waverly.edu
Data: Quinta-feira, 5 de setembro, 12:15h
Assunto: Saudade
Oi, pai
Acabo de sair de minha primeira aula de inglês. Meu professor leu
parte de “Hoel” em voz alta e me fez lembrar de quando a gente
comeu seus biscoitos de aveia de aparência horrível mas deliciosos
naquele cinema esquisito e vimos o documentário sobre o Allen
Ginsberg. Eu adorei aquele dia.
Os testes de hóquei aconteceram ontem e você não vai acreditar, mas
sou uma atleta nata. Você treinou escondido um time de hóquei de
poetas beats ou coisa assim? Porque eu não sei de onde tirei isso...
Ainda estou me adaptando a tudo por aqui — é diferente da cidade
e da Constance em muita coisa. O cheiro é melhor e não tem
baratas, mas tem um monte de REGRAS — ainda estou aprendendo
quais são... Só espero que eu aprenda com a mesma rapidez com
que aprendi hóquei.
Soube alguma coisa do Dan? Tenho que admitir que às vezes sinto
saudade dele.
Beijos e abraços!
Te amo,
Jenny
P.S.: Pode me mandar meu celular? Achei que eles eram proibidos,
mas por acaso todo mundo aqui tem. Está em cima da minha
escrivaninha, no meu quarto. E se por acaso ele se transformar
magicamente num Treo 650, bom, eu não vou mandar de volta...
Obrigada, pai. Te amo de novo.
153
16
UMA WAVERLY OWL INTELIGENTE PODE
LIDAR COM QUALQUER COISA.
E aí, me fala desse professor gato — piou a irmã de
Brett.Brett tinha se enfiado atrás do Stansfield
Hall para dar uma ligada rápida para a sede da Elle
antes de se juntar a Eric no almoço. — Você vai ter que almoçar
com ele?
— É um almoço de trabalho — disse Brett. — Ficamos sem
tempo hoje de manhã. Não quer dizer nada.
— Claro que quer! Qual é o nome dele, aliás?
— Eric Dalton.
— Como é? Você sumiu um segundo.
— Eric Dalton — continuou Brett em voz alta e depois
afastou o celular da orelha para ver a tela. A tela piscava CHAMADA
PERDIDA. Ela enfiou o Nokia de volta na bolsa.
Brett não conseguia deixar de ficar nervosa. Ela não con-

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seguira parar de pensar em Eric desde que eles se conheceram
no dia anterior. Ele era meio complicado e indiferente, o
que era um desafio. Brett também tinha a sensação de que ele
gostava dela, mas que sabia que não devia — outro desafio.
Brett adorava desafios.
Nesta manhã, na aula de cálculo, enquanto o Sr.
Farnsworth explicava o conceito de infinito, Brett os imaginou
escapulindo para Nova York, pegando a suíte presidencial
do Sherry-Netherland, pedindo champanhe Veuve Cliquot
e ovos Benedict do serviço de quarto e passando horas sem
fim de sexo suarento com as cortinas abertas para que pudessem
ver as carruagens puxadas a cavalo no parque.
Na única vez em que ela e Jeremiah foram à capital, Brett
queria tomar um martíni no Harry Cipriani, que ficava bem à
direita do Sherry-Netherland Hotel. Mas Jeremiah exigiu que
eles fossem ao Smith & Wollensky porque ele sabia que o jogo
dos Yankees-Sox ia ser exibido aos berros na TV de tela de
plasma deles. Seu estômago se revirou quando ela pensou na
vinda de Jeremiah esta tarde. Ela não estaria com a estrutura
psicológica certa para vê-lo.
Brett trincou os dentes enquanto subia a escada para a sala
de Eric. Só o que ela queria fazer era ficar sentada na cama de
Callie, tomando um shake sabor daiquiri de banana direto do
liquidificador, e contar a ela sobre cada sarda no rosto perfeito
de Eric. Mas desde que elas se mudaram, ela e Callie mal se
falavam. Ela tentou perguntar a Callie sobre a história de Jenny/
Easy quando parou no quarto depois das reuniões da manhã,
mas Callie rapidamente correu para o banho sem responder.
E daí que elas não fossem amigas agora? Ou talvez Callie es-
155
tivesse com medo de, se deixasse a guarda baixa, confessar o
que tinha feito a Tinsley? Era provável mesmo.
Brett bateu na porta da sala de Eric e sentiu cheiro de chá
de camomila lá dentro. Ele abriu a porta e lhe deu um sorriso
adorável.
— Oi — disse ele, recuando para ela passar.
Brett sorriu para ele, contendo-se para não se atirar no
pescoço sexy e bronzeado de Eric. Ele estava lindo, da gravata
elegantemente colocada às suas... meias. Sem sapatos, só meias
verdes que pareciam macias. Ela tremeu por dentro. Porque
afinal, bem abaixo daquela camada do que ela apostava que
era cashmere Brooks Brothers, estavam os pés dele. Ele estava
basicamente a um passo de ficar nu.
— Obrigada — respondeu ela, recuperando a compostura.
Depois ela percebeu uma bandeja enorme de queijo, caviar,
azeitonas, salmão defumado, bolachas e tea cakes balançando
na beira do aparador. Era exatamente o tipo de arranjo opulento
de comida gourmet que as clientes do pai dela mandavam
à casa deles numa cesta como agradecimento por suas
lipos perfeitas.
— Gosta de queijo? Manchego? Coach Triple Cream?
Até parece que ela ia conseguir comer.
— Claro. Tudo isso.
— Azeitona também? — Ele apontou. — Gosto de fazer
uns piqueniquezinhos.
Brett pegou recatadamente uma fatia minúscula de queijo
e a colocou entre os lábios grossos. O sal cobriu sua boca e
ela engoliu com um ruído.
— Peguei esse jeito de comer com a minha família. — Eric
156
coçou a lateral do pescoço magro e barbeado. — Minha família,
cara. Eles são loucos por queijo.
— É — concordou Brett, encantada com o clássico sotaque
da Nova Inglaterra. Ela não fazia a menor idéia de onde
ele era, mas tinha que ser de algum lugar da Costa Leste.
Boston, talvez, mas ele definitivamente não falava com sotaque
de cidade universitária. — O que os seus pais fazem? —
Finalmente ela conseguira falar.
Ele deu uma pausa.
— Er, bom, meu pai trabalha no editorial de uma revista.
Minha mãe... Ela tem seus pequenos projetos, eu acho. E os
seus?
Mas que coisa mais vaga.
— Meu pai é médico. — Brett deu de ombros. Ela não ia
contar a Dalton que tipo de médico era. — E minha mãe... É.
Ela também tem seus pequenos projetos. — Um destes projetos
era comprar suéteres de grife para os sete chihuahuas da
família.
— Mas então, minhas fontes me disseram que você foi à
Itália — disse Eric, espalhando brie em um wafer Breton e
sentando-se de novo na cadeira.
Brett olhou para ele.
— É. Como você soube disso?
Ele baixou a cabeça, meio tímido.
— Bom, quer dizer, eu vi no seu arquivo.
Ela sentiu a cor subindo pelo rosto. Dããã. É claro que ele
olhou arquivo dela. Foi assim que ele a reconheceu, antes de
tudo. Será que isso significava que ele sabia dos pais dela?
— Desculpe — acrescentou ele rapidamente. — Eu não
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quis dizer que...
— Não! — disse ela. — Meu Deus. Eu não ligo. Fui à
Europa para estudar. Passei algum tempo na América do Sul
também, com a família. — Ela não acrescentou que sua família
tinha comprado a maior e mais brega casa em Búzios, no
Brasil, e mandou todos os chihuahuas de primeira classe para
passar o verão com eles.
Ele olhou sério pra ela.
— Está sendo modesta. Você foi à França com os alunos
de francês avançado... principalmente da oitava série... quando
ainda estava na sétima... e foi a Creta com o programa de
distinção quando ainda era caloura.
Ela deu de ombros. Era estranho ter alguém repetindo suas
realizações para você. Mas também era meio legal. Provavelmente
Jeremiah não fazia idéia de onde ficava Creta.
— Você é inteligente. — ele sorriu. — Eu preciso de uma
mulher inteligente por perto para me ajudar a passar por esse
primeiro ano.
— Bom, esta sou eu — disse ela timidamente, achando
um pouco engraçado que ele a tenha chamado de mulher em
vez de garota. Ela observou enquanto ele depositava graciosamente
um caroço de azeitona na beira da bandeja de cerâmica
azul, que parecia italiana. Jeremiah teria cuspido o caroço na
mão.
— Então, vamos começar. — Ele abriu a pasta de papelmanilha
e revelou uma grande pilha de documentos. — Quero
te mostrar isto... Estes são alguns dos arquivos de caso. Têm
umas novecentas páginas. E é sério, guarde isso para você.
Lembre-se, tecnicamente você não devia estar fazendo esse
158
tipo de trabalho, uma vez que não era do CD no ano passado.
Tudo nestes arquivos é confidencial. Acha que pode lidar com
isso?
— Claro que sim — garantiu-lhe Brett. Ela riu um pouco.
— Eu sou boa com segredos.
— É mesmo? — Ele olhou para ela e abriu um sorriso
lentamente. Brett se sentiu derreter por dentro. Ele passou
uma pilha de papéis a ela, os dedos roçando no dorso da mão
de Brett. Brett quase engasgou com o Manchego. Ele não ia
se afastar muito rápido também. O tempo se desacelerou. Brett
contou: Um Mississippi, dois Mississippi...
Três segundos. As mãos dos dois ainda estavam se tocando.
Um formigamento percorreu as costas dela e sua mão
zumbiu, como se ela estivesse tocando uma cerca eletrificada.
— Era o que eu esperava de você — murmurou ele, finalmente
quebrando o silêncio.
Brett olhou para baixo, querendo que os lábios não se abrissem
num sorriso enorme.
159
17
OS WAVERLY OWLS DEVEM TER CUIDADO
COM QUEM OUVE SEUS SEGREDOS.
Brandon olhou Jenny de longe, vindo pelo morro de
gramado molhado de orvalho do Hunter Hall, o pré
dio da aula de inglês. Ela arrumara cuidadosamente
o cabelo cacheado em duas marias-chiquinhas e vestia uma
blusa rosa e branca, o blazer da Waverly e uma saia cáqui bonitinha.
Brandon quase podia imaginá-la como uma fazendeira
indo ordenhar uma vaca ou cantar no alto da colina.
Duas garotas louras de rabo-de-cavalo abraçaram os livros
no peito e sorriram para ele quando passaram.
— Oi, Brandon — piou Sage Francis, vestida numa saia
pregueada cinza ultracurta e sandálias prateadas. Brandon sorriu
distraído. — Vi você jantando ontem à noite com aquela
menina, a Jenny. Ela realmente dormiu com cara dos White
Stripes?
160
— O quê? — perguntou Brandon, coçando uma sobrancelha.
— Ouvi dizer que ela dormiu com o vocalista dos Raves,
Jack White, e com o Easy Walsh... Tudo na mesma semana!
— E não se esqueça de que ela montou no Pônei! — guinchou
a amiga de Sage, uma garota chamada Helena que era
famosa por estrelar as peças da escola e se agarrar com o diretor
dos alunos nas festas do elenco. Brandon estava meio cansado
do termo pônei. As meninas não paravam de falar nele e
agiam de uma forma totalmente ridícula. Pior ainda, o Heath
adorava que tivessem bolado um apelido sexual para ele. Na
noite passada, antes de ir para o jantar, Heath cutucara Brandon
na barriga tonificada de power ioga, vangloriando: “Quer apostar
que posso botar o pônei pra passear entre a primeira e a
segunda aulas?”
— Ela não disse que alguma coisa aconteceu entre ela e
Easy — responde Brandon tranquilamente, tentando parecer
calmo.
— Ela é pior do que a Tinsley! — Sage e Helena riram,
depois deram-se as mãos e se afastaram.
— Ela não... — começou Brandon. Mas elas já haviam ido
embora. Pessoalmente, Brandon se sentia nauseado com todos
os boatos sobre Jenny. Ele ouviu dizer que ela foi flagrada
num sexo ruidoso com Easy Walsh na noite passada, vestida
só com um sutiã de renda no terraço do alojamento, os boatos
estavam por toda a Waverly. Não que ele acreditasse que
Jenny tenha feito isso, ela era doce demais para uma coisa assim.
Em especial com um cachorro como o Easy Walsh.
Jenny vinha na direção dele, parecendo ainda mais ino-
161
cente e arregalada do que quando Brandon a conheceu. Ele
estendeu a mão e pegou o braço dela quando ela passou.
— Oi.
Jenny parou, completamente confusa.
— Ah! — exclamou ela. Agora que ela o olhava, ele podia
ver olheiras escuras sob os olhos dela. Ele queria poder passar
suavemente seu Open Eyes Magic Eye Balm da L’Occitane
na pele delicada de Jenny. — Oi.
— Você está bem?
— Humm, claro.
— Eu trouxe isso pra você. — Ele vasculhou a maleta de
camurça caramelo John Varvatos e encontrou um sanduíche
de peru e brie embrulhado em um guardanapo. — Eu não te
vi no almoço e achei que podia estar com fome.
— É, estava mandando um email pro meu pai. — Jenny
apertou os lábios, sem o olhar nos olhos. — É só que... Eu
meio que estou a ponto de explodir por causa da pressão —
admitiu ela, os lábios tremendo. — Eu não sei o que fazer.
— O que aconteceu?
— Deixa pra lá. — Jenny sacudiu a cabeça, o queixo tremendo.
— Eu estou bem. É só que tenho que pensar numas
coisas por um tempo, entendeu?
Brandon se perguntou o que ela quis dizer com isso. Será
que significava que ela afinal ficara com Easy? Ou que alguém
estava espalhando boatos maldosos e infundados a respeito
dela? Easy, provavelmente. Meu Deus, ele odiava o Easy.
— Não deixe que ele atinja você — disse Brandon, tentando
olhar nos olhos castanhos de Jenny.
— Quem?
162
— Você sabe quem. O Easy.
— Easy? Não é culpa do Easy. — Jenny chutou a grama
perfeitamente bem-cuidada.
— Não? Então é a história do Pônei? Porque, sabe de uma
coisa, praticamente todas as meninas da Waverly cometeram
o erro de ficar com o Heath. — Brandon sorriu um pouco.
— É sério. Elas vão encontrar outra pessoa de quem falar logo.
Jenny sacudiu a cabeça e olhou para ele através dos cílios
escuros e grossos.
— Eu nem sabia que ele era chamado de Pônei — confessou
ela, abatida. — Mas pelo menos agora eu sei o que aqueles
desenhos significam. De qualquer forma, não, não é só o
Heath. Isso foi só o começo.
— Então o que é?
— Eu me sinto... — Jenny engoliu em seco. Ela estava
meio sem-graça em admitir isso a alguém que ela mal conhecia,
mas ela sentia que podia confiar em Brandon. — Eu sinto
como se o Easy e eu tivéssemos uma ligação verdadeira. É
esquisito. Não posso explicar.
Brandon sentiu a garganta se fechar. Mas. Que. Porra.
— Então — disse ele por fim. — Você... Gosta dele?
— Bom, eu... — A voz dela falhou.
Brandon sacudiu a cabeça vigorosamente.
— Não pode gostar do Easy.
Jenny deu de ombros.
— Bom, é. Eu sei. Ele é namorado da minha colega de
quarto.
É, ele estava bem ciente disso, muito obrigado. Mas não,
você não deve gostar dele porque ele é a maior roubada. Afinal, Easy
163
tinha tirado Callie dele no ano passado e desde então nada mais
foi o mesmo. Num minuto, ela estava ao lado dele na festa da
biblioteca, pedindo Grey Goose e tônica. No outro, ela estava
subindo a escada da biblioteca, com a língua de Easy praticamente
descendo pela garganta dela em público.
Agora Jenny tinha uma espécie de ligação com ele? Ora,
francamente.
— Mas isso não importa. — Ela olhou os sapatos e fechou
os olhos com força. — Eu não devia ter dito nada.
— Não... — disse Brandon, inseguro. — Fico feliz que
tenha falado.
— Eu tenho que ir — disse ela, ainda chutando o chão.
— Espero que seu dia seja bom. — A voz dela tremeu novamente,
como se estivesse prestes a chorar.
Talvez pela segunda vez em sua vida, Brandon queria socar
alguma coisa. Por que Easy roubava todas as garotas legais?
E será que isso significava que alguma coisa tinha acontecido
mesmo entre os dois?
A aula seguinte de Brandon era de biologia celular e
molecular e ele estava dois minutos atrasado. Ele se sentou na
carteira e olhou de um jeito maligno para a menina de cabelo
louro comprido que estava sentada na frente dele. Ela usava
um anel de ametista cintilante na mão direita e cheirava vagamente
a cigarros e perfume Jean Patou Joy. Ela se virou e torceu
os cantos da boca bonita, num beicinho de batom Chanel,
em um meio-sorriso.
— Oi, Brandon — cricrilou Callie. — Conheceu alguma
garota legal no verão?
Brandon deu de ombros, desviando os olhos para janela
164
panorâmica da sala de aula e vendo um bando de gansos a caminho
do sul, grasnando de cabeça esticada. Ele não conheceu
garota legal alguma no verão, mas conheceu uma no
primeiro dia de volta à escola. Como podia evitar que a Waverly
estragasse a Jenny como tinha feito com Callie?
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OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
BennyCunningham: E aí elas não estão se falando mais.
CelineColista: Viu o SALVE A TINSLEY! no quadro
delas?
BennyCunningham: Acho que as duas queriam que ela fosse
embora — vc sabe que o Easy estava
amarradão na Tinsley.
CelineColista: Agora C está sendo legal com aquela
putinha da Jenny, embora ela
praticamente tenha transado com o
namorado dela. Só para irritar a B.
BennyCunningham: Meu Deus, essas cretinas são malucas!
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SageFrancis: Então o quadro de avisos de Angelica
Pardee levou um pônei! Você acha?
BennyCunningham: Ela é casada. E velha.
SageFrancis: Talvez ela tenha uma paixão secreta por
Heath...
BennyCunningham: Quer apostar como eu pergunto isso a
ela no check-in da noite?
SageFrancis: Aimeudeus, pergunta!

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18
UMA WAVERLY OWL NÃO DEVE SE PRENDER
AO PASSADO — ESPECIALMENTE SE FOI
CHEIO DE EX-NAMORADOS.
Callie se sentou na aula de biologia e sentiu olhos que
claramente não eram de boas-vindas. Não era o en
carar vago dos gatos mortos e emaciados que estavam
dispostos nas bandejas metálicas de dissecação no laboratório.
Brandon Buchanan não parava de encará-la.
Já havia se passado quase um ano desde que eles terminaram.
Ela foi a uma festa da revista de literatura da Waverly, a
Absinthe, na biblioteca, sem pretender terminar tudo. Mas a
festa foi classicamente romântica — eles reduziram as luzes
da biblioteca e cobriram as paredes com uma tela de gaze grossa.
Uma música antiga e melindrosa dos anos 1920 saía baixa
dos alto-falantes e todos foram instruídos a usar um traje de
gala criativo. Easy estivera lá. Ela conhecia Easy, é claro — o
168
círculo eclético da elite da Waverly era pequeno — mas não
muito bem. Ela sempre o achou sensual e misterioso, com um
jeito de artista sensível, e ela o pegou olhando-a algumas vezes
na capela. Quando Brandon saiu para pegar uma bebida
para os dois, ela fez contato visual, pensando que ia azarar
inocentemente Easy do outro lado da sala. Mas ele se aproximou
dela. E foi como naqueles documentários sobre o mundo
natural da PBS em que o leão ataca uma gazela. Aconteceu
tão rápido que ela nem sabia o que a atingira.
Ela teria alegado que Easy colocou alguma coisa em seu
copo, mas ela ainda nem tinha bebido nada. Só alguns segundos
depois, eles escapuliram para a sala de livros antigos da
Waverly como se precisassem desesperadamente encontrar
aqueles volumes empoeirados dos sonetos perdidos de John
Donne. Afundando em uma das poltronas de couro gasto, eles
se beijaram por horas, comunicando-se por telepatia enquanto
suas línguas se retorciam. No dia seguinte, Brandon soube
— todo o mundo soube — e Callie e Brandon terminaram na
hora do almoço.
— No final do semestre, vocês terão examinado os vários
sistemas corporais do gato e identificado cada órgão. — O
professor elegantemente desgastado de biologia, o Sr. Shea,
andou pela sala. — Em dezembro vocês terão uma prova oral
final, durante a qual deverão identificar corretamente todos
os órgãos.
Dos fundos da sala, Heath Ferro riu baixinho das palavras
prova oral. O Sr. Shea ligou o projetor no alto e começou a
apontar um diagrama de um gato. Callie olhou para Brandon
novamente. Os olhos dele continuavam fixos nela e ela virou
169
a cabeça rapidamente. Ela rabiscou Pare de me encarar, seu pervertido,
numa letra cursiva elaborada em uma folha de papel
em branco de seu bloco. Assim que terminou as letras, ela
rabiscou por cima com traços pretos e largos.
De repente o celular dela vibrou no bolso de trás. Ela o
pegou devagar e discretamente o colocou no colo para que
ficasse escondido pelo tampo da mesa. Era uma mensagem
de texto de Benny, que estava sentada a três filas de distância.
Já pensou no grito de torcida?
Não, respondeu Callie.
Todo ano, no Sábado Negro, as veteranas do time de hóquei
feminino davam um grito de torcida. Primeiro todo o
time dava um grito padrão e chato. Depois era tradição que as
meninas mais velhas escolhessem uma titular mais nova do
time para dar outro grito mais maluco e constrangedor, levando-
a a acreditar que todas as meninas iam acompanhá-la.
Compreensivelmente, a garota ficava totalmente mortificada
quando se via dando o grito sozinha. Às vezes ela parava de
falar com as outras jogadoras por semanas. Mas assim que a
temporada começava, ela invariavelmente acabava rindo da
história, feliz por ter uma ligação com as meninas mais velhas
e descoladas. Era um trote ritual que começou nos anos 1950
e, como co-capitã deste ano, Callie era responsável por ele.
O telefone vibrou novamente. Acho que devemos pegar sua
nova colega de quarto, era o texto de Benny.
Callie congelou, o coração pulando na garganta. De jeito
nenhum. Passar um trote em Jenny podia deixá-la puta da vida
e Callie tinha que manter Jenny feliz. Acho que não, escreveu
ela. Ela nem é titular!
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Benny mandou outra mensagem rapidamente. É sim, soltaram
a lista hoje. Já viu a garota jogar? Ela fica meio que em toda
parte, mas é boa.
Ela não, respondeu Callie rapidamente.
Callie viu enquanto Benny digitava furiosamente no minúsculo
Nokia. Mas você não está puta com ela por causa do EZ? A
gente pode deixar a garota totalmente sem-graça.
Callie se endireitou na cadeira. Toda a escola estava falando
de Jenny e Easy e cochichando sobre Callie enquanto passavam
por ela nos caminhos de pedra do campus. Ela não
contou a ninguém a verdade sobre Easy e Jenny — era arriscado
demais. Constranger Jenny era a última coisa de que
Callie precisava. Não sei, digitou ela em resposta.
Sage, Celine e eu achamos que é ela. O que a Brett acha?
Como se ela e Brett tivessem discutido o assunto. Ou
qualquer coisa, aliás. Ela suspirou e largou o telefone na bolsa
amarelo-clara da Coach, indicando que a conversa estava encerrada.
A sineta final tocou. Callie se levantou rapidamente e pegou
o bloco, esperando que seu cabelo não estivesse com cheiro
de formaldeído. Ela sentiu uma mão no ombro e se virou.
Era Brandon, vestido em calças verde-oliva Zegna elegantemente
passadas e mocassins Prada sem meias. Seu cabelo estava
cheio de reflexos dourados e ela se perguntou se ele tinha
usado um kit de luzes caseiro na noite anterior ou coisa assim.
— Oi — ela o cumprimentou.
— E aí, o que o diabo fez, o diabo leva, hein? — Os olhos
castanhos de Brandon estavam frios.
171
— Como? — perguntou ela cautelosamente.
— Como se sente em ver alguém roubar seu namorado
debaixo do seu nariz?
Callie o encarou por um momento e sorriu por dentro.
Boa, Easy! Ele já deve ter azarado a Jenny em público. Mesmo
antes que ela tivesse a chance de falar com Jenny sobre isso.
— E aí? — insistiu Brandon.
— É, é um horror — Callie engoliu em seco, tentando
parecer magoada.
— Você não acredita em mim. — Brandon deu de ombros.
— Mas eu sei de uma coisa que você não sabe — cantarolou
ele.
— E a gente é o quê, aluno do primário? — zombou ela,
de repente odiando a perfeição das sobrancelhas de Brandon.
— Preciso ir.
Passando em disparada por um grupo de calouras que pareciam
muito novinhas, Callie parou no segundo andar.
Os alunos passavam por ela enquanto ela se encostava na
parede de tijolinhos da escada. Será que Brandon ainda espera
voltar com ela? Sem chances. Era quase tão provável quanto
Easy realmente se apaixonar pela baixinha Jenny Humphrey.
Até parece que isso jamais pudesse acontecer.
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RyanReynolds: E aí, soube alguma coisa de onde vai ser a
festa do Sábado Negro? Ouvi dizer que a
Tinsley vai dar...
CelineColista: É mesmo? Eu soube que ela está tendo um
caso secreto com aquele cara do Entourage.
RyanReynolds: Meu Deus, espero que não. Eu morreria por
essa garota, ela é tão gostosa.
CelineColista: Você e todos os outros caras da escola.
RyanReynolds: Quer dizer do planeta.
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AO SER CORTEJADA COM PÉTALAS DE ROSAS,
UMA WAVERLY OWL DEVE NO
MÍNIMO AGRADECER.
Ei! — gritou Jeremiah, pulando do morro comprido
dos campos de treino da Waverly para o gra
mado. Brett pestanejou. Ele estava com uma camiseta
preta desbotada, calças de veludo bege amarrotadas e
Pumas verdes. Ele sorria tanto que Brett podia ver a fila torta
dos dentes de baixo. Jeremiah provavelmente estava delicioso
para todas as outras garotas do campus mas, para Brett, ele parecia
imaturo e sujo.
— Oi — gritou ela, notando o tremor inegável na voz.
Jeremiah disparou numa corrida, o cabelo ruivo e macio voando
atrás dele. Ele lhe deu um beijo e passou os braços fortes
em sua cintura.
— Gata — murmurou ele agressivamente. — Parece que

174
não vejo você há um milhão de anos. Sinto que estamos tão
longe um do outro.
Argh.
— Bom, isso é idiotice — Brett corou, pegando a mão
dele. — A gente se falou ontem.
— Você está bem? — Jeremiah a apertou. — Parece tão...
sei lá. Nervosa.
— Ah, não. — Brett tentou sorrir. — Só estou feliz.
Ah, é, ela estava feliz, mas não por Jeremiah. Com o almoço
perturbador e absolutamente mágico com o Sr. Dalton.
Antes de sair da sala dele, ele tocou no ombro dela e a convidou
para ir jantar um dia. Os lábios nervosos e retorcidos dele
quando fez o convite, os olhos brilhando quando ela disse sim.
Jantar, jantar, jantar com Eric! E eles iam sair esta noite!
— Vamos para o gazebo, né?
Brett voltou a prestar atenção nele.
— É — guinchou ela. O antigo gazebo branco ficava aninhado
em um grupo de salgueiros-chorões e se postava na
margem do Hudson. Era um local famoso da Waverly para os
namorados. Na verdade, era tão popular que na primavera
passada os alunos distribuíram uma ficha de reserva do gazebo
para que ninguém interrompesse a vida de outro casal. Tinha
um confortável balanço para dois. Havia um espaço aberto no
alto do gazebo, então à noite era possível ver as estrelas. —
Mas não podemos ficar muito tempo, porque tenho que me
preparar para o jantar.
— Tudo bem.
Eles andaram juntos pelo caminho de pedra, de mãos dadas,
pelos hectares de gramado e antigos prédios de tijolos
175
aparentes com ornamento branco reluzente de cada lado deles.
O céu estava ficando nublado e Brett não tinha certeza se
era a umidade ou seus nervos, mas ela definitivamente estava
suando um pouco. Jeremiah de repente parou e pegou as mãos
dela. Os alunos andavam pelo campus, seguindo para os alojamentos
para a hora de visita antes do jantar, todos olhando
Brett e o namorado gato de cabelo macio.
— Eu senti muito a sua falta. — Ele a beijou na testa. —
Queria que as escolas ficassem mais perto, sabia?
— Elas só ficam a 15 quilômetros de distância — disse
Brett rudemente, olhando frenética em volta. Eles estavam
parados bem no meio do gramado, em plena vista do Stansfield
Hall. Se Eric olhasse pela janela da sala dele, veria os dois. —
Não é assim tão longe.
— Bom, é bem longe para mim.
— Vamos para o gazebo. — Ela pegou o braço dele rapidamente.
— Podemos conversar lá.
— Tudo bem. — Jeremiah pôs o braço grande e aconchegante
em torno dela. — E aí, como está aqui? Tem algum professor
novo que seja anormal?
— Humm...
— Eu soube que vocês têm um cara novo. Um que é rico
de verdade?
— Não sei... — Brett meio que achava que todos os professores
ou eram ricos de verdade e não precisavam de empregos
remunerados ou eram realmente pobres e
desesperados.
— Eric Dalton. Já o conheceu?
O coração dela parou. Ela olhou Jeremiah na cara. Ele a
176
estava testando?
— Er...
— Você saberia se o tivesse visto. Ele é um Dalton.
— Como assim, um Dalton?
Jeremiah olhou para ela como se estivessem saindo vermes
pelo nariz de Brett.
— Isso é uma coisa só de Massachusetts? Sabe. Um
Dalton. O avô dele era Reginald Dalton. Tem... Tem, tipo
assim, um complexo gigantesco com o nome dele em Boston.
Aquele que sempre tem a árvore de Natal grande, sabe?
Na casa dos Messerschmidt em Rumson, havia uma foto
de Brett aos quatro anos, num vestido de veludo vermelho,
segurando um chihuahua de pelúcia, parada debaixo da árvore
de Natal de Dalton. Dãããã! Meu avô era do ramo de ferrovias.
Minha família tinha uma casa em Newport. As palavras de Eric
voltaram a ela. Ela nunca pensou que ele era um Dalton Dalton.
Brett vira especiais na TV sobre eles, de biografias históricas
na PBS a fofocas escandalosas do tipo eles-são-piores-doque-
os-Kennedy no E!. Ela soube que o avô dele, Reginald
Dalton, era herdeiro de uma fortuna em ferrovias. A família
possuía Lindisfarne, a maior mansão de Newport, e isso há uns
cem anos. O pai, Morris Dalton, era dono de uma editora
internacional que ganhava zilhões de dólares e só publicava
os livros e revistas de maior classe. E sim, ela sabia que havia
um filho, mas ele era tímido demais e não gostava dos refletores.
Brett achava que ele era feio, ou um desajustado social,
ou as duas coisas e que a secretária de RP da família queria
manter a privacidade dele. Mas que erro cometeu!
— Acho que ele foi apresentado na capela — murmurou
177
ela por fim a Jeremiah.
— Ah. Bom, até que enfim está chegando o Sábado Negro
— Jeremiah mudou de assunto rapidamente. — Vai ser
divertido, né? A gente nunca vai a uma festa juntos, tipo assim,
durante as aulas.
— É. — Brett tirou a mão dele, fingindo precisar coçar o
braço.
— Ei, agora fecha os olhos. — Eles se aproximavam do
gazebo. A mão cheia de calos de lacrosse de Jeremiah cobriu
metade do rosto de Callie. — Eu tenho uma surpresa.
Ele a conduziu por alguns passos ao longo do gramado,
respirando excitado. A cada passo, Brett tinha uma sensação
cada vez mais pesada de medo. O que ela realmente precisava
era que Jeremiah fosse embora para ela poder se sentar e pensar.
Eric era Eric Dalton? De verdade?
— Tá legal, pode abrir agora. — Jeremiah retirou a mão
do rosto dela. Brett arfou. No meio do gazebo de madeira
branca, havia um enorme buquê de tulipas negras cercado por
montes de pétalas de rosa cor de vinho. Ela nunca vira tantas
flores em um só lugar antes. Devia haver centenas delas ali.
— Eu gosto das pretas — disse ela num tom agudo. Como
é? Mais parecia que ela era obcecada por elas.
— Você disse uma vez quando passamos pela floricultura
em Manhattan. — Ele fez uma mesura, dando um pulo animado,
como um garotinho que acaba de levar o café-da-manhã
na cama para os pais.
— Eu... — começou Brett. Este era o tipo de coisa que
Callie sempre rezou em segredo para que Easy fizesse para ela,
e ele nunca fez.
178
— E aqui. — Jeremiah estendeu um envelope branco da
United Airlines. Brett o abriu e viu que era uma passagem de
ida e volta de primeira classe para San Francisco. Ela olhou
para ele de um jeito interrogativo.
— Meu pai está abrindo um restaurante na Newbury
Street em Boston, e ele vai viajar a Sonoma para provar vinhos.
Ele disse que eu podia te levar. Mas ele vai deixar a gente
totalmente a sós. Vai ser no Dia de Ação de Graças.
Brett abriu a boca, mas não saiu nada. Passear de carro pelos
vinhedos da Califórnia parecia ótimo, mas Jeremiah bebia
cerveja. Ela fechou os olhos e tentou imaginar os dois juntos
em uma vinícola. Você devia cuspir o vinho depois de provar,
mas Jeremiah era o tipo de cara que preferia engolir e ficar de
porre. Ele estava se esforçando muito. Meio demais. Além disso,
o Dia de Ação de Graças parecia tão longe. E se... E se ela
passasse o Dia de Ação de Graças com Eric?
Como é que é? Eles ainda nem se beijaram. Mas ela ainda
podia sonhar...
— Que ótimo. — Ela forçou um sorriso, olhando maravilhada
para as flores novamente.
Jeremiah a abraçou por trás e beijou seu pescoço com delicadeza.
— É meu jeito de dizer a você que eu senti saudades suas,
gata.
— Bom, definitivamente é... alguma coisa. Não sei o que
dizer.
— Que tal obrigada? — A voz de Jeremiah parecia meio
tensa de repente, como a de uma mãe repreendendo um filho.
179
Brett riu, nervosa.
— Tudo bem. Obrigada — respondeu ela, fazendo biquinho
para dar um beijo tenso no rosto dele.
Ele virou a cabeça e pegou o beijo dela na boca.
— Não há de quê, sem dúvida alguma.
180
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
SageFrancis: Então eu vi Brett e o namorado gato dela de St.
Lucius indo para o gazebo, mas ela parecia
infeliz. Benny me disse que ela acha que Brett
gosta de outro. Vc sabe de quem?
CallieVernon: Humm...
SageFrancis: Eu soube que ela está saindo escondido com um
cara entre as aulas.
CallieVernon: Um cara dessa escola? Quem?
SageFrancis: Sei lá, mas ele pode ser mais velho. Tipo
veterano. É o que a Benny acha.
CallieVernon: Sei.
SageFrancis: Vc não sabia? Vocês estão brigadas total?
CallieVernon: Mais ou menos. Acho que sim.
181
OwlNet Caixa de entrada de E-mail
Para: Todos os Novos Alunos
De: ReitorMarymount@waverly.edu
Data: Quinta-feira, 5 de setembro, 17:01h
Assunto: Bem-vindos!
Caros novos alunos,
Bem-vindos à Waverly! Espero que seu primeiro dia de aulas tenha
sido bom.
Estão convidados para um sorvete para todos os calouros e alunos
transferidos na sexta-feira à noite, depois do jantar. A festa do
sundae vai começar às 20:00h. É uma ótima oportunidade para
fazer novos amigos!
Lembrem-se, é um evento obrigatório.
Não se preocupem, vou levar os confeitos!
Reitor Marymount

183
20
UMA WAVERLY OWL DEVE RESISTIR À TENTAÇÃO —
EM ESPECIAL SE A TENTAÇÃO FOR O NAMORADO
DA COLEGA DE QUARTO.
Naquela noite, antes do jantar, começou a chover
muito. Jenny se enfiou embaixo do mohair azulclaro
que a avó tricotara para o pai dela quando ele
estava na faculdade, em Berkeley, e leu trechos de Madame
Bovary para a aula de inglês. O novo aluno ficara ao fundo, no canto,
atrás da porta, quase fora de vista, começava um capítulo. Lágrimas
melancólicas encheram os olhos de Jenny. Ela leu o
livro no ano passado na Constance Billard e sabia que não tratava
deste rapaz — tratava de Emma Bovary, que só queria ir
a festas e dormir com homens que não eram o marido dela —
mas ainda assim, ela simpatizou com esse novo aluno rústico
que estava sendo ridicularizado pelos meninos da escola preparatória.
Ela se perguntou se o aldeão um dia foi acusado
184
injustamente e teve que escolher entre a popularidade e ter
um X disciplinar grande e preto ao lado de seu nome.
Uma chave tilintou na porta e Callie entrou de repente,
carregando várias sacolas de compras. Jenny rapidamente enxugou
os olhos na lã áspera da manta, deixando-os ainda mais
vermelhos do que já estavam.
— Surpresa! — cantarolou Callie, puxando uma bolsa de
maquiagem de couro Louis Vuitton de uma das sacolas. —
Comprei um esmalte novo e um monte de maquiagem também.
Vai ficar um tempinho por aqui?
— Er, vou. — Jenny fez uma pausa, confusa. Será que
Callie estava falando com ela porque Brett não estava ali, ou
isso fazia parte da festinha de puxa-saquismo de Callie? Jenny
ganhara outro certificado de presente digital de Callie esta tarde:
cinqüenta dólares em iTunes. Estava começando a parecer
os 12 dias de Blackmail Christmas.
— Legal. — Callie desligou o CD player, Jenny estava
ouvindo uma música horrível de Yo La Tengo, e colocou
Modest House. — E aí, como foi seu primeiro dia de aula?
— Humm, foi bom — respondeu ela mecanicamente,
recostando-se na parede atrás da cama.
— Olha, eu só quero agradecer a você por me salvar da
escola NASCAR. — Callie riu, dando a Jenny um potinho de
Ben & Jerry’s Phish Food, o sorvete preferido dela. Como é
que ela sabia?
— Bom, quer dizer... — Jenny gaguejou. — Eu não disse
nada, de um jeito ou de outro.
— Eu sei — respondeu Callie alegremente. — E está tudo
bem. Você não precisa dizer nada ao Sr. Dalton. Quando fala-
185
ram que vai ser a audiência do CD, aliás?
— Na segunda.
Callie abriu o próprio pote de Phish Food e mergulhou
nele uma colher de plástico. Ela tombou a cabeça de lado e
analisou Jenny com cuidado.
— Sabe de uma coisa, seu cabelo fica lindo desse jeito —
disse ela por fim.
— Ficou maluca? — Jenny tocou a cabeça. Estava chovendo
e seu cabelo explodira em uma bola frisada. Ela o prendera
em um rabo-de-cavalo, mas mechas cacheadas se
projetavam para todo lado, dançando em volta de seu rosto.
— É, eu gosto mesmo dele. É meio... desconstruído —
disse ela. — E aí, a reunião com Dalton foi boa?
Jenny grunhiu.
— Acho que sim.
Callie tentava tirar uma colherada de sorvete do potinho,
mas estava gelado demais e a colher de plástico ficava se curvando.
— Então você acha que talvez vá me dar cobertura no CD?
— Talvez — disse Jenny. — Eu não...
— É claro que vai — interrompeu Callie. — E eu preciso
que você me faça outro favor. Bom, não é bem um favor. Vai
ser divertido.
Jenny a encarou. Outro favor? Será que Callie não devia
estar puxando o saco dela? Claro que ela não tinha exatamente
devolvido a cesta de beleza nem o certificado de iTunes, mas
espera aí!
Callie dava estocadas no sorvete com a colher fazendo, por
fim, um talho.
186
— Pode parecer meio estranho, mas eu estou me perguntando
se você pode azarar meu namorado um pouco.
Jenny se interrompeu e respirou fundo.
— Quer dizer... O Easy?
— É. É só que, para que isso dê certo, precisa parecer crível
que vocês dois se gostam, entendeu?
— Você quer que eu... Dê mole para ele? — repetiu Jenny.
— É. Tipo assim, sei lá. Vai jantar com ele. Talvez um
encontro entre as aulas. Nada muito grande. Só para que os
professores vejam vocês dois.
Jenny a encarou. Ela devia estar irritada — azarar Easy a
incriminaria mais, não é? Mas em vez disso, seu coração martelava
febril.
— Você não quer fazer isso, quer? — Os ombros de Callie
arriaram. — Então ele bebeu meio demais, mas ele é um doce,
você só precisa conhecer.
— Eu...
Houve uma batida na porta de repente.
— Oiêêêê! — gritou Benny Cunningham, entrando no
quarto. — Estou interrompendo?
— A gente só estava, humm, tomando um sorvete —
explicou Callie em voz baixa. — Eu te ofereceria um pouco,
mas ainda está gelado demais.
— Aqui está a garota que eu queria ver — exclamou
Benny, apontando para Jenny.
— Eu? — perguntou Jenny, apontando para si mesma.
— É. — Benny puxou as mangas do cashmere verde. —
Você vai jogar hóquei de campo como titular, não é?
— É, entrei no time hoje. — Jenny ainda não acreditava
187
que ia jogar hóquei pela Waverly. Era tão surreal.
— Ótimo! — guinchou Benny. — Estávamos pensando
se você queria fazer parte de nosso grito de torcida do Sábado
Negro. Em geral é para veteranas, mas escolhemos umas
meninas mais novas também. Você é do segundo ano, não é?
— Sou. — Jenny olhou para Callie. — Grito de torcida?
Callie vacilou. Quando Jenny lhe deu as costas, ela murmurou
para Benny, Eu disse que não quero.
Benny a ignorou.
— É. É bem divertido. A gente faz um novo todo ano e
atormenta o St. Lucius com ele. Mas é só um grupo pequeno
de meninas, entendeu?
— Jóia. — A cara de Jenny se iluminou. — Isso parece
bem divertido.
— Jóia? — perguntou Benny. — Você sinceramente disse
jóia, não disse? — Ela riu, mas Jenny sentiu que não foi nada
simpático.
— Humm, quer dizer, legal — Jenny se corrigiu,
constrangida. Jóia! Como a Velha Jenny pôde sair com essa?
— É? — Benny ergueu as sobrancelhas para Callie. Callie
fez uma carranca. — Demais!
— Você também vai dar o grito? — perguntou Jenny a
Callie.
— Na verdade, como Callie é capitã, é ela que escreve o
grito — explicou Benny.
— É mesmo? — perguntou Jenny, curiosa. Agora lhe
ocorria que estar no time de hóquei seria como pertencer a
uma irmandade. Jenny tinha toda uma nova família de irmãs.
Era meio bacana.
188
Callie engoliu em seco.
— Estou trabalhando nisso.
— Só termine antes do sábado — acrescentou Benny. —
Tá legal, tenho que ir na reunião da revista de literatura. Eu
só queria ter certeza de que a Jenny estava nessa. Tchauzinho!
— Ela bateu a porta.
Jenny se virou para Callie.
— Vocês fazem coisas bem divertidas por aqui.
— É — respondeu Callie baixinho. — Eu não levaria
muito a sério, sabe? É só um grito de torcida idiota.
Jenny deu de ombros e lambeu um pouco do sorvete gelado
demais na colher de plástico. Deixando de lado os boatos
da piranhagem, as titulares do time de hóquei queriam que
ela desse o grito de torcida com elas. Isso não era o máximo?
A porta se abriu novamente e Brett entrou, o gorro azul
de tweed Eugenia Kim ensopado e o cabelo ruivo curto colado
na cara. Assim que viu as duas, um olhar de irritação se instalou
no rosto perfeitamente cinzelado.
— Pensei que vocês estivessem estudando à noite.
— Não — respondeu Callie. — Estamos fazendo uma
festinha de sorvete e maquiagem.
— Ah. — Brett atirou o gorro no chão.
— Por que você está toda molhada? — perguntou Callie,
parecendo mais cretina do que o necessário.
Brett tirou a capa de chuva Burberry cáqui que chegava
até a coxa e a atirou no chão.
— O Jeremiah veio aqui. A gente ficou preso na chuva.
— Jeremiah? — Callie se endireitou, pensando na mensagem
instantânea que tinha recebido de Sage mais cedo. —
189
Vocês conversaram a sério?
Brett olhou para ela sem entender.
— A sério? A gente... Sei lá. A gente ficou.
Callie a encarou, um meio-sorriso na cara. Sem essa. Elas
eram grandes amigas. Se Brett gostava de outro cara, certamente
ia contar a Callie. Havia muitos veteranos gatos na escola
— Parker DuBois, por exemplo. Parker era meio francês,
tinha olhos azuis grandes e penetrantes e fazia fotografia, tendo
passado o verão tirando fotos de artistas novos e nervosinhos
para o suplemento de moda da edição de domingo do New
York Times. Callie podia ver Brett gostando de Parker. Ela esperou,
fitando com os olhos castanhos os olhos verdes de Brett.
Até que Brett baixou os olhos em silêncio.
— Quem é Jeremiah? — Jenny rompeu o silêncio.
— Acho que o Jeremiah é o namorado da Brett. — Callie
tentou pegar os olhos de Brett de novo, mas não conseguiu.
Ela suspirou. — Ele é lindo e atlético, é um doce e dá as melhores
festas do St. Lucius.
— Jóia — Jenny não conseguiu deixar de exclamar novamente,
tentando esconder sua surpresa. Pelo modo bajulador
como Brett agira na reunião da manhã na sala do Sr. Dalton,
Jenny achava que ela estava sozinha.
— Por que você não trouxe o Jeremiah ao quarto? —
perguntou Callie. — Ou vocês dois só ficaram pegando chuva
no meio dos campos de treino?
Jenny observou Callie falar com Brett. Ela estava fazendo
uma coisa que algumas pessoas faziam quando queriam parecer
legais, animada e interessadas, enquanto no fundo estavam
pensando coisas bem ruins, e não se pode chamar a
190
atenção delas porque elas se limitam a te chamar de paranóica.
Brett revirou os olhos.
— Não, a gente não fez nada lá. Por que alguém ia querer
ficar no campo? Que tosco. Você e Easy já transaram no
campo? Você e Brandon já transaram no campo? — Brett
marchou para o armário e pendurou o casaco.
— Caraca. Alguém está na TPM — zombou Callie,
examinando as unhas.
Jenny ainda pensava em como Brett tinha paquerado o Sr.
Dalton quando ouviu o nome de Brandon.
— Ela disse Brandon? — perguntou Jenny a Callie. —
Tipo assim, Brandon Buchanan?
— É. Eu fiquei com ele por quase um ano. Ele não te
contou isso?
— Não.
— Tá. Achei que tivesse contado a todo mundo. Uma vez,
no inverno passado, todo um bando de alunos foi a Park City
para fazer snowboard e Brandon conheceu um grupo de turistas
suíços e contou a eles todos os detalhes de nosso relacionamento
atormentado, embora a gente já tivesse terminado
àquela altura. E depois ele me pediu a noite toda para ir à sauna
com ele.
Jenny torceu o nariz. Isso não parecia nada típico de
Brandon.
Callie sacudiu a cabeça.
— Eu sei. O que é isso! Saunas são cheias de germes.
Ninguém vai a uma sauna, a não ser os gays velhos.
— Saunas são legais, Callie — Brett contradisse do closet.
191
— O Easy foi à sauna nessa viagem.
Callie corou e esticou o lábio inferior.
— De qualquer forma — sussurrou ela para Jenny. —
Onde estávamos mesmo? Ah. Easy. E aí, o que você acha?
— Bom, eu acho... — começou Jenny. Ela meio que queria
perguntar, Quer que eu dê mole mesmo para o Easy? Mas talvez
essa fosse uma pergunta da Velha Jenny. E ele tocara as
costas da Nova Jenny...
— Do que vocês estão falando? — quis saber Brett, saindo
do closet.
— Nada! — responderam Callie e Jenny em uníssono.
— Que legal — continuou Callie, virando-se para Jenny.
— Vai ser divertido. O Easy é um doce. E vai acabar tudo logo.
Jenny mordeu o lábio. Não tão cedo, esperava ela.

193
21
UMA WAVERLY OWL DEVE SER
FIEL A SUAS ORIGENS.
Alguns minutos mais tarde, depois que a chuva passou
e o céu de final de verão começou a assumir um tom
alaranjado, os alunos andaram em grupos pequenos
de seus alojamentos para o salão de jantar e Brett desceu o
caminho de pedra para a recepção da Waverly. Um vento gelado
de repente levantou a beira do cachecol de seda pura cinza
Hermès, o que fez Brett pensar no inverno. A maioria dos
garotos odiava o inverno na Waverly, porque você ficava preso
entre quatro paredes e não tinha nada para fazer a não ser
assistir a filmes velhos na biblioteca e ir para as aulas. Mas Brett
adorava. A diretora do alojamento acendia lareiras nas salas de
uso comum e os professores cancelavam as aulas no primeiro
dia de neve. Às quatro horas já estava escuro e ela e Callie tomavam
chocolate quente com menta enquanto fofocavam
194
sobre as mais recentes paixonites. Brett tinha certeza de que
não ia tomar chocolate com Callie neste inverno — elas mal
estavam se falando —, mas talvez ela tivesse outra pessoa com
quem dividir o chocolate. Nua.
Enquanto ela se desviava de alguns esquilos gordos que
brigavam por um Cheeto, o celular de Brett bipou com uma
mensagem de texto. Desculpe ter desligado antes, dizia. Te amo,
Maninha!
Brett rapidamente retornou a ligação para Bree e caiu na
caixa postal.
— Estou prestes a sair para jantar com um Dalton — sussurrou
ela deliciada ao telefone. — Fique com inveja. Muita
inveja. — Depois desligou.
Brett entrou na recepção, uma sensação de vertigem e acidez
inflamando a boca do estômago. O saguão estava vazio e
exemplares de The New Yorker, The Economist e National
Geographic estavam arrumados com elegância na enorme mesa
de centro de teca. Uma sinfonia de Vivaldi tocava no aparelho
de som. O piso de cerejeira antigo guinchava sob suas botas
Jimmy Choo pretas de salto 7 centímetros enquanto Brett se
aproximava da recepcionista cinqüentona, a Sra. Tullington.
— Preciso de um passe para a noite — disse Brett casualmente.
E, porque sempre se precisava de um motivo adequado:
— Vou acompanhar meu tio em um leilão de artefatos
russos antigos e ovos Fabergé em Hudson.
Brett sabia que uma mentira era mais convincente quando
você atirava um monte de detalhes ridículos.
A Sra. Tullington olhou para Brett por sobre os óculos de
aro de tartaruga. As rugas em volta da boca aumentaram de
195
desaprovação. Brett vestia uma saia Armani preta risca-de-giz
aberta na lateral. Os lábios pintados de Vincent Longo estavam
de um vermelho vivo, os braços pálidos estavam nus e o
decote em V da blusa de seda preta era tão baixo que quase era
possível ver a renda preta do sutiã Eres.
Por fim a Sra. Tullington assinou o passe.
— Divirta-se com os ovos — disse ela toda empertigada.
— E com seu tio. É bom saber que vocês, meninas, mantêm
contato com a família.
O caso era que se a Sra. T se incomodasse em olhar pela
janela do prédio, teria visto Brett entrar em um Jaguar 57 verde
— um carro que definitivamente não pertencia ao tio de
Brett, um misto de ator-desempregado-com-personal-trainer
quarentão que fazia malhar novas mamães flácidas na academia
Body Electric em Paramus. Eric estava de jeans azul-escuro
True Religion apertado e camisa branca. Brett cobriu os
joelhos com a saia, sentindo-se meio produzida demais.
— Você está linda. — Eric sorriu, pegando a alavanca de
câmbio de um jeito sexy.
— Ah. Obrigada.
Uma música de Sugir Rós tocava no CD player Bose. As
janelas estavam arriadas e uma brisa fria de final de verão entrava
no carro. À medida que eles desciam suavemente a colina
da frente da Waverly e passavam pelos campos de treino,
Brett sentiu um estremecimento súbito e desnorteante. Talvez
eles estivessem deixando a escola para sempre — e nunca
mais voltassem. Manés. Ela pensou em todos os outros sentados
para jantar agora no salão. Às quintas-feiras era massa com
molho de tomate aguado e um frango frito nojento.
196
Ela deu uma espiada no perfil de Eric — o nariz meio arrebitado
e o queixo perfeito, com uma barbinha, e depois
olhou a pulseira de correntinha de platina que ele usava no
pulso direito. Parecia uma coisa que uma garota teria dado a
ele.
— É de meu trisavô — explicou ele, percebendo que ela
olhava. Ele sacudiu a pulseira. — Gosta?
— Sim — respondeu ela sem fôlego. A pulseira era praticamente
um tesouro americano. — É linda.
Eles saíram do terreno da Waverly e entraram na cidade,
que era essencialmente uma rua principal com postes pequenos
de ferro batido, uma loja de arte, uma floricultura, uma
barbearia com o poste giratório e algumas casas no estilo Federal.
Brett imaginou que eles iam para o Le Petit Coq. Era o
lugar para onde a família dela sempre a arrastava durante o Fim
de Semana dos Pais porque era arrogante e francês e era o único
em quilômetros que servia foie gras. Mas o Jaguar passou direto,
sem sequer reduzir. Ele passou voando pelo shopping nos
arredores da cidade, e também pelo McDonald’s e pelo
cineplex.
— Acho que eu devia ter perguntado. — Eric se virou para
Brett. — Até que horas pode ficar fora?
— Meia-noite — disse Brett. Agora eram seis horas.
Eric sorriu.
— Isso nos dá seis horas.
Ele entrou em um estacionamento espaçoso, desceu por
uma ruela e depois contornou um prédio grande e achatado
de concreto. Era o aeroporto de Waverly, o lugar onde ela chegara
no pequeno avião dos pais alguns dias antes. Na pista,
197
havia um pequeno Piper Cub. Um homem de casaco verde e
boné dos Boston Red Sox estava parado ali, mascando um
charuto apagado na pista, ao lado do avião. Ele acenou e Eric
retribuiu o aceno.
— Aonde vamos? — quis saber Brett. Seu coração batia
veloz. Ela não sabia o que esperar, mas sabia o suficiente para
ficar excitada. Se esta saída envolvia um avião — ela não conseguia
imaginar aonde eles poderiam ir. Mas que merda, porra!
Eric desligou o motor do carro.
— Eu estava pensando que talvez a gente pudesse comer
alguma coisa melhor do que o galeto especial do Little Rooster.
— Indo para Lindisfarne? — gritou o cara de casaco de
aviador.
— É isso mesmo — gritou Eric em resposta.
É claro. Eles iam par a propriedade da família em Newport.
Brett mal conseguiu se conter. Parecia aquele filme meloso,
O diário da princesa. Só que ela era muito mais descolada do
que aquela magricela da Anna Hathaway, e ele era um Dalton!
Brett só havia visto Lindisfarne no especial do E! True
Hollywood, então, quando o Piper Club tocou a pista da propriedade,
uma sensação irreal de resplendor tomou conta dela.
A mansão de frente para o mar era um castelo de pedra coberto
de hera, com torreões, um fosso e tudo o mais. Ela até se
lembrava do especial do E! de que cisnes raros nadavam no
fosso que circundava a mansão em vez de crocodilos, embora
Brett não os visse agora. Talvez estivessem dormindo. E enquanto
ela saía do avião para o gramado macio e perfeitamen-
198
te bem-cuidado, até o ar salgado do mar parecia aristocrático.
Brett e Eric levaram dez minutos andando da pista de pouso
até a mansão. Foram recebidos pelo labrador amarelo gorducho
e amistoso do zelador, Mouse, antes que fosse chamado
por seu dono à distância, que acenou para Eric.
Primeiro Eric mostrou a propriedade a ela, levando-a para
a casa por uma das pesadas portas de carvalho escuro e entrando
na sala francesa, que era redonda, com uma rotunda alta e
detalhes brancos. Brett mal conseguia respirar. Tudo na vida
dela que podia acontecer depois deste momento — digamos,
ir para uma universidade da Ivy League, ou se mudar para um
loft em Tribeca, ou conhecer o presidente da França — era
pálido em comparação a ficar parada na imponente sala francesa
azul, admirando os Monets grandes e fora de foco nas
paredes.
Brett estava tão sobrepujada, que mal conseguia se concentrar
enquanto ele a levava de uma sala a outra. Depois ele
a guiou de volta ao lado de fora até a casa de hóspedes, um
chalé verde desbotado com um enorme deque nos fundos e
escada de madeira dando pra o mar. A maioria das casas de
hóspede consistia em um quarto e uma pequena sala de estar.
A casa de hóspedes de Lindisfarne era quase do tamanho da
casa não-tão-pequena dos pais de Brett. Lá dentro, Brett se
sentou em um sofá enorme de chintz, olhando as paredes brancas
cobertas de Warhol enquanto Eric mexia na cozinha. Se os
Dalton tinham empregados — e Brett tinha certeza de que
eram muitos — eles certamente sabiam quando deixar os
membros da família a sós.
Eric serviu L’Evangile Bordeaux 1980 como um especia-
199
lista em duas taças Riedel gigantes. Ele não pareceu se importar
que Brett fosse patentemente menor de idade.
— É onde eu fico, principalmente, quando estou aqui —
explicou ele, girando o vinho na taça enquanto eles saíam para
o deque de madeira que cercava a casa.
Só a alguns metros de distância, as ondas se quebravam
nas rochas. Brett tomou um longo gole de vinho. Que vidão.
— E então — começou Eric. — Brett Messerschmidt.
Quem é você?
Ele olhou para ela, mas não daquele jeito que os adultos
olham quando acham que você é uma adolescente boba que
pode amadurecer e ser alguém sério. Em vez disso, ele a olhava
intensamente, como se ela realmente importasse. Brett tomou
um gole de vinho, tentando desesperadamente pensar
em uma resposta brilhante e sucinta. Quem era Brett
Messerschmidt?
— Bom, eu gosto de Dorothy Parker — respondeu ela, e
depois quis esmurrar a si mesma por parecer tanto uma estudante
convencida, idiota e imatura.
— É mesmo? — perguntou ele, mordendo o lábio como
quem diz, Não era isso que eu queria saber. — O que mais? Me
conte alguma coisa de sua família.
— Minha família? — Ela engoliu em seco, as palavras
agarradas na garganta. Provavelmente era a pior pergunta que
Eric podia fazer. Ela sentiu o rosto ficar vermelho. — Eu não
gosto muito de falar deles.
— Por quê? — Ele tomou um gole de vinho. — Posso
me arriscar a adivinhar?
Ela deu de ombros.
200
— Como quiser. — Ela esperava ter parecido tranqüila,
embora estivesse enlouquecendo por dentro.
— Seus pais a tratam como uma princesa. Você é
mimadinha.
Brett tomou outro gole de vinho.
— Acho que sim — disse ela cautelosamente. — Você
não?
Eric sorriu.
— Acho que sim.
— Mas sim, a resposta à pergunta é sim, eu fui mimada
— começou Brett. A história falsa da família que morava em
uma fazenda orgânica em East Hampton e dava festas beneficentes
para aves ameaçadas de extinção parou na ponta da língua,
pronta, mas ela se conteve. Alguma coisa no modo como
Eric a olhava a fez sentir que talvez ela pudesse contar a verdade
a ele, por mais constrangedora que fosse. Ela estava tomada
de uma sensação de calma. — A casa dos meus pais...
Minha mãe baseou em Versalhes — começou ela devagar. —
Só que fica em... Bom, em Rumson, Nova Jersey.
— Eu conheço Rumson — interrompeu Eric. — Velejei
por lá algumas vezes. Parece um lugar legal para viver.
Brett o olhou com cuidado. Ele não parecia estar se divertindo
à custa dela. Ela tomou outro gole de vinho e depois
respirou fundo.
— Então você deve ter visto a casa dos meus pais — prosseguiu
ela. — É a maior da praia. Meus pais são meio como a
Família Soprano. Sabe como eles transpiram dinheiro, mas só
usam de formas muito estúpidas? Eles são assim. Só que não
são ilegais. E têm menos gosto, se é que isso é possível.
201
— Então a padronagem preferida da sua mãe é leopardo?
— espicaçou Eric.
— Ah, muito pior. Zebra. Em tudo. Na calça. Nas meias.
Banquetas de bar. É um horror. Minha irmã... ela é editora de
moda... por várias vezes ameaçou abandonar nossa família.
Eric riu.
— Minha mãe gosta de estampados escoceses. Parecem
uns espermatozoidezinhos.
— Eca! — guinchou Brett.
Ela se sentia tonta, embora tivesse tomado menos de uma
taça de vinho. Conversar sobre os pais com Eric não parecia
nada estranho. Ela se perguntou por que pensou, em todos
esses anos, que as coisas seriam melhores se ela tivesse uma
casa de campo em Cape Cod de tamanho normal e algumas
Toyotas em vez de dois Hummers dourados e iguais com interior
em couro, estampa de zebra e um M grande em ouro
(de Messerschmidt) incrustado nos apoios de cabeça. Abrirse
desse jeito era contagiante. Ela queria continuar.
— Minha mãe usa diamantes cor-de-rosa e só come trufas
Lindt e Zoloft, e tem sete chihuahuas pequenos com
coleiras de zebra iguais. Ela os leva a toda parte. E meu pai, ele
é cirurgião plástico. — Brett soltou tudo isso num jato. Ela
não conseguia acreditar nas coisas que estava contando a Eric.
— Sim. — Eric pousou o queixo na curva da mão. — Me
conta mais.
— Tudo bem — continuou ela, ansiosa. — Às vezes, no
jantar, meu pai leva umas clientes famosas e elas falam de coisas
bem revoltantes. Tipo como os peitos eram antes da cirurgia.
E o que acontece com toda a gordura que eles aspiram das
202
pessoas. — Ela se sentia libertada. Era como nadar nua.
Eric se curvou para a frente.
— E o que é que fazem com ela?
— Usam as células dela — sussurrou ela. — Sabe como
é, para pesquisa.
— De gordura? — sussurrou ele também, parecendo meio
aterrado.
Ela assentiu.
— Bom, humm, er, mas às vezes eles só jogam fora.
Ele recuou e olhou para ela cuidadosamente com um sorriso
de diversão na cara.
— Meu Deus, isso é um alívio.
— Alívio?
Ele mudou de posição na cadeira e olhou para a água. Um
veleiro branco pequeno e gracioso oscilava na frente da casa
de hóspedes, a uns 150 metros da margem.
— Todo o mundo está sempre tentando se vangloriar...
Até o pessoal da Waverly, que é muito mais privilegiado do
que a maioria. Quer dizer, ninguém é sincero sobre quem é
ou sobre sua família. Quem liga se seu pai ganhou o prêmio
Nobel ou se aspira gordura da bunda de umas mulheres de
Nova Jersey? O que isso tem a ver com você?
Ela o encarou.
— É — concordou ela. — É verdade.
Ele a encarou também.
— Você é diferente — concluiu ele.
Brett olhou nos olhos dele e tudo dentro dela parecia prestes
a explodir.
— Pode me dar licença? — Ela deu um pigarro. — Te-
203
nho que dar um telefonema.
— Claro. — Eric recuou a cadeira e, enquanto ela se levantava,
ele até tocou de leve o quadril esquerdo dela. Ela parou
por um segundo enquanto o cabelo caía nos olhos. A mão dele
ainda estava ali. Depois um relógio do vovô em alguma sala
distante soou e ele afastou a mão.
Ela saiu para o gramado molhado de orvalho, acendeu um
cigarro e subiu a escada de um gazebo de madeira cercado de
lírios. Ela respirou o aroma doce, desejando não perder a coragem.
Brett discou e, depois de um único toque, a voz de
Jeremiah apareceu na caixa postal. “Oi, não estou aqui. Deixe
seu recado, mané!” Bip
— É a Brett — disse ela com a voz rouca, fervilhando com
o som da gravação meio canalha dele. — acho que a gente não
deve se ver de novo. Então, humm, não vá à festa do Sábado
Negro depois do jogo. Não posso explicar agora, mas é o que
eu quero. Eu, humm, lamento muito. Tchau.
Brett voltou pelo gramado. Eric tinha saído da casa e estava
girando conhaque distraído em uma taça, o jeans escuro
enrolado até os joelhos. O céu amplo estava escuro e roxo, e
luzes pequenas cintilavam na água. Ela podia ouvir as ondas
batendo na praia e o rugido suave de uma buzina de farol distante.
— Está tudo bem? — perguntou ele, pegando o cigarro
dela para dar um trago.
Ela assentiu. Depois, sem dizer nada, ele apontou para a
luz verde que cintilava no meio do mar.
— É o meu barco. Eu não tenho aula às sextas-feiras, então
estava pensando em velejar até a Waverly.
204
— Eu gosto da luzinha verde — refletiu Brett. — me lembra
O grande Gatsby... Sabe como é, quando Gatsby olha no
píer de Daisy para ver se a luz está acesa?
— Claro — disse ele. — Talvez eu vá deixar a luz acesa
um dia quando aportar na escola.
Brett tentou não sorrir.
— Quem você acha que estará procurando por ela? —
perguntou ela. Mas, pela expressão dele, Brett suspeitava de
que ele queria dizer uma garota muito especial de Rumson,
Nova Jersey.
205
22
A AULA DE ARTE É O MELHOR LUGAR PARA OS
WAVERLY OWLS CONTAREM SEGREDOS.
A aula de retratos só acontecia duas vezes por semana,
às terças e quintas-feiras, e Jenny esperava ansiosamen
te pela primeira aula do ano letivo. A Waverly tinha
um programa de belas-artes estelar e uma galeria envidraçada
de frente para o rio com exposições públicas organizadas pelos
alunos. Em geral as peças dos alunos eram vendidas por
quantias surpreendentes. Normalmente, era preciso submeter
o trabalho a avaliação para ser aceito na aula de retratos,
mas como Jenny fora admitida na Waverly com base em seu
portfolio de arte, ela podia fazer o curso já no primeiro semestre.
Belas-artes era sua matéria preferida e ela estava louca
para sentir o cheiro de tinta e se perder no processo de criação.
E sim, ver Easy Walsh também seria muito empolgante.
206
Em especial agora que ela tinha permissão para dar mole pra
ele!
A aula acontecia em um prédio chamado Jameson House,
um chalé irregular no estilo rural com sarrafos azuis, uma
chaminé de pedra e um varal do lado de fora com bandeiras
americanas tingidas em um dos projetos de fabricação de tecidos
do ano anterior. Dentro, o piso inacabado estalava e todo
tipo de desenhos e estudos de cor semi-acabados estavam presos
na parede branca. As quatro salas enormes cheiravam a
aguarrás, fixador em spray, argila úmida e o antiquado forno a
lenha. Jenny ficou parada lá dentro, respirando aquele ar.
— Bem-vindos, bem-vindos — disse a Sra. Silver, a professora
de arte. Ela era robusta e calorosa, com braços brancos
e largos e cabelo grisalho empilhado no alto da cabeça num
coque enorme e emaranhado. Estava com um monte de pulseiras
no pulso esquerdo, um enorme macacão de listras amarelas
e verdes e uma camiseta de batik extragrande com as cores
do arco-íris que definitivamente foi ela própria quem fez.
A sala tinha o teto inclinado, mesas de arte oblíquas e uma
parede com janelas do tamanho de janelas de catedral inundando
tudo de luz. A mesa da Sra. Silver era uma bagunça de
pincéis, frascos de vidro velhos, vidrinhos de aromaterapia,
grossos livros de arte, cartões de ioga e um jarro de dois litros
de Mountain Dew. A Sra. Silver era ainda mais bagunceira do
que o pai de Jenny. Ela apostava que os dois realmente se dariam
muito bem.
— Ah, Easy! — chamou a Sra. Silver. — Estou tão feliz
em vê-lo! Teve um verão agradável?
Jenny se virou. Easy Walsh foi até a Sra. Silver e a beijou
207
com ternura no rosto. Hoje seu casaco da Waverly estava pendurado
no braço e ele vestia uma camiseta amarelo-mostarda
com a bainha esfarrapada e uma calça Levi’s cinza que se ajustava
com perfeição em seu traseiro musculoso. O cabelo ondulado
estava em toda parte e Jenny percebeu que uma
folhinha amarela de bordo estava presa atrás da orelha direita.
Easy olhou a sala de aula. Os olhos azuis-claros pararam
nela por um segundo. Jenny percebeu que a única mesa vazia
na sala ficava à direita da dela.
— Muito bem, gente — anunciou a Sra. Silver. — Vamos
direto ao que interessa, porque eu sei que vocês estão ansiosos.
Agora vou passar os papéis de desenho e os espelhos. Vamos
começar fazendo esboços de nossos auto-retratos.
Houve um gemido coletivo. Não havia nada pior do que
auto-retratos.
Easy lentamente andou até a mesa ao lado da de Jenny, os
olhos concentrados nela o tempo todo. Ele atirou a mochila
de couro caramelo debaixo da mesa e se sentou no banco de
metal adjacente. Depois, lentamente retirou os fones Bose do
pescoço e enrolou o fio no iPod branco fino. Ele se curvou e
escreveu na mesa de Jenny com um pedaço de carvão, Oi. A
letra dele era infantil e pontuda.
Olá, escreveu Jenny bem embaixo em uma caligrafia elegante.
A Sra. Silver passou carvão, marcadores Prismacolor, espelhos
e rolos de papel a cada aluno. Jenny olhou seu reflexo.
Os olhos desmentiam o mar de nervos dentro dela. Está tudo
bem, disse ela a si mesma. Callie disse para você paquerar. Mas
será que Callie tinha dito para ela ter palpitações cardíacas?
208
— E aí, o Dalton deu uma dura em você? — cochichou
Easy.
— Na verdade, não — cochichou Jenny em resposta. Ela
se perguntou se Callie tinha dito a ele que ela não tomou uma
decisão sobre assumir a culpa ou não.
— A Callie está criando problemas?
— Callie? Er, não... — Jenny pôs a ponta do marcador na
boca. — Ela tem sido legal.
— Bom, espero que ela não esteja te obrigando a fazer
muita merda. Às vezes ela faz isso.
Jenny se perguntou o que ele queria dizer com isso. Ela se
virou para a folha de papel em branco, ciente de que Easy
parecia estar olhando de lado para ela, pelo canto do olho. A
Velha Jenny podia impedi-la e dizer que embora Callie tenha
falado que ela podia paquerar, ela não devia fazer isso, e a Nova
Jenny riu e cutucou Easy com o marcador Prismacolor, deixando
uma grande marca vermelha no antebraço dele.
— Pra que isso? — cochichou ele, examinando a marca.
— Eu queria te fazer uma tatuagem. — Ela concluiu que
a marca era um nariz e acrescentou dois olhinhos e uma boca.
— É bonita — declarou ele. Depois, ele pegou o
Prismacolor azul e escreveu no braço dela, OI, JENNY, e desenhou
um personagem de quadrinhos de sobrancelhas franzidas
e dentes quebrados, completo, com uma tufo de cabelo
crespo no alto da cabeça.
— É meu retrato? — Jenny riu.
— Não... O seu é um retrato meu?
— Nããão. Mas um vez eu pintei meu namorado em seis
estilos diferentes, de Pollock a Chagall.
209
— Meu pai tem um Chagall no estúdio dele — disse Easy
a ela. — Acho que é tipo Eu e a aldeia. Eu costumava ficar olhando
essa tela horas seguidas quando era pequeno.
Jenny pestanejou, pega de guarda baixa. Eu e a aldeia era a
tela preferida dela.
— Você... Você tinha um gosto ótimo, para uma criança.
— E aí, ainda está com esse namorado? — murmurou
Easy, virando-se timidamente enquanto falava e olhando-se
atentamente no próprio espelho de mão. Ele traçou linhas
grossas de carvão na folha em branco diante dele. Era empolgante
vê-lo desenhar.
— Ah, não — respondeu Jenny rapidamente. Ela e Nate
só ficaram juntos por umas três semanas, e depois ele deu um
grande fora nela na festa de Ano-novo. Ele era mais velho e
provavelmente só a estava usando para voltar para a namorada
de verdade.
— Mas você devia gostar dele. Pintou o retrato dele seis
vezes.
Jenny sombreou uma área em volta do nariz do auto-retrato,
analisando a leve mentira na cabeça antes de dize-la em
voz alta.
— Bom, ele gostava mais de mim do que eu dele.
— Tenho certeza de que sim — disse Easy com delicadeza.
Jenny respirou fundo e deu outra olhada no adorável perfil
dele. Enquanto trocava de carvão, ela o viu olhar para ela
também. Então não era exatamente direito, mas ela não conseguia
se conter. Além disso, não foi Callie que pediu a ela
para fazer isso?
210
— E aí, Jenny, sabe de algum segredo bom?
A mão dela deslizou e fez uma grande linha preta atravessando
a bochecha do auto-retrato. Que tal Brett chegando às
3 da manhã depois de Jenny ter visto a garota sair do campus
com o Sr. Dalton mais cedo? Esse era um segredo dos grandes.
Também havia a queda gigantesca de Jenny por Easy —
outro segredo picante.
— Humm, na verdade, não — respondeu ela em voz
baixa.
— Eu tenho — ofereceu-se Easy.
Jenny sentiu o coração martelar na garganta.
— O que é?
Ele baixou os olhos, depois olhou para ela de novo.
— Vou escrever, mas você tem que ler mais tarde.
— Por que não pode falar?
— Porque é segredo. — Ele escreveu uma coisa em carvão
em um pedaço de papel, dobrou três vezes e passou a ela.
Jenny pegou o bilhete e enfiou no bolso. Depois alguma
coisa de repente ocorreu a ela. Callie lhe dissera sobre como
devia dar mole para Easy, mas talvez Callie tenha dito a Easy
para fazer a mesma coisa. Seja legal com a Jenny: saia com ela um
pouco, dê a impressão de que vocês se gostam. Jenny podia ver exatamente
o que estava acontecendo.
O coração dela afundou. Então era isso, e nada mais?
Assim que soou a sineta, ela correu para o primeiro reservado
do banheiro feminino da Jameson House e abriu o bilhete.
Em garranchos a carvão borrados, dizia:
Os corujas da Waverly conversam. Talvez elas vejam nós dois juntos
um dia.
211
Jenny rasgou o bilhete em pedacinhos cada vez menores e
o atirou na bolsa. Não havia como negar que ela estava seriamente
a fim de Easy Walsh. De tudo nele, do cabelo escuro e
embaraçado à boca singular e suntuosa, até o amor dele por
Chagal e suas mãos manchadas de tinta azul-marinho.
Ela por fim saiu do reservado e olhou-se no espelho da
pia. Não sabia o que estava procurando — talvez provas, tipo
um sinal físico, de que alguma coisa monumental estava acontecendo.
Porque Jenny tinha certeza absoluta de que Easy a estava
paquerando com sinceridade. Não porque Callie disse a ele
para faze-lo, mas porque ele queria isso. Ela não sabia bem
como sabia, mas ela sabia.
212
OwlNet Caixa de entrada de E-mail
Para: BrettMesserschmidt@waverly.edu
De: EricDalton@waverly.edu
Data: Sexta-feira, 6 de setembro, 15:33h
Assunto: En: Audiência do Comitê Disciplinar
Brett,
Estou te encaminhando este e-mail de Marymount, abaixo, uma
vez que está chegando o dia da audiência do CD. Achei que você
devia saber.
E obrigada por jantar comigo ontem à noite. Foi um grande... alívio.
A gente se vê,
ED
Mensagem encaminhada:
Para: EricDalton@waverly.edu
De: ReitorMarymont@waverly.edu
Data: Sexta-feira, 6 de setembro, 2:20h
Assunto: Audiência do Comitê Disciplinar
Prezado Eric,
Como deve saber, o primeiro caso do CD do ano, envolvendo Easy
Walsh e Jennifer Humphrey, está agendado para segunda-feira.
Gostaria de me certificar de que teremos um precedente de
tolerância zero neste caso.
213
Porém, o Sr. Walsh é um legado e os pais dele são doadores, o que
obviamente cria algumas complicações. É uma pena, porque eu
pessoalmente analisei a candidatura da Srta. Humphrey e acho que
ela é um ótimo acréscimo ao programa de belas-artes da Waverly,
mas alguém precisa ser responsabilizado por isso. Se ela for
considerada culpada, temo que teremos de expulsá-la.
Vamos cuidar para começar o ano com o pé direito.
Desde já agradeço,
Reitor Marymount

215
23
EM MATÉRIA DE ESPORTES, UMA WAVERLY OWL
SEMPRE DEVE JOGAR EM EQUIPE.
Sexta-feira à tarde, Brett estava sentada no vestiário an
tes do primeiro dia de treino de hóquei, puxando o anel
étoile Tiffany de prata que Jeremiah dera a ela no verão.
A coisa estava presa em seu dedo, mas ela queria que saísse.
Assim que ela afundou nas macias poltronas de couro preto
da limusine da família de Eric — ele mandou levar o carro à
Waverly, uma vez que ia voltar de barco — ela sentiu falta de
Eric. Eles nem se beijaram, mas ela sentia que ainda podia
sentir o cheiro dele nela. Aquele delicioso Acqua di Parma. E
este café au lait de manhã teve gosto de L’Evangile Bordeaux.
— Oi — chamou uma voz timidamente.
Brett se virou e viu Jenny sentada ao lado dela no banco
comprido e verde, puxando as meias sobre as caneleiras. Seu
cabelo castanho e rebelde estava puxado para trás num rabo-
216
de-cavalo e ela usava uma bermuda cinza Champion e uma
camiseta curta lavanda com um logo da Les Best em laranja,
que era uma etiqueta moderninha de patricinha-que-pirou do
Meatpacking District de Manhattan. Brett se sentiu mal por
Jenny quando recebeu o email de Eric, mas isso era o que se
conseguia por se meter na cama com Callie... e Easy.
— Oi — respondeu Brett.
Jenny se retorceu, juntando as pernas, como se quisesse
fazer xixi.
— E aí, eu acho que tem uma coisa que você precisa saber.
Brett encarou Jenny. Será que ela ia confessar o que aconteceu
à noite com Easy? Ou talvez Callie tivesse confessado
alguma coisa sobre a expulsão de Tinsley? O que quer que
fosse, Brett definitivamente queria saber.
— O que é?
— Eu... Eu te vi chegando. No meio da noite. E sei onde
você estava.
Brett a encarou, sentindo os lábios franzirem como sempre
acontecia quando ela ficava com medo.
— Como é? — A voz dela mal era audível.
— Está tudo bem — disse Jenny rapidamente. A cara de
Brett foi ficando cada vez mais branca, deixando seus olhos
enormes e escuros. Jenny tinha pensado se faria sentido ou
não dizer tudo a Brett. O caso era que Jenny não era tão boa
para guardar segredos. Ela não era uma pessoa que contaria ao
mundo todo, mas sempre tinha que contar a pelo menos uma
pessoa. Tornava mais leve o fardo de carregar o segredo. Então
por que não contar o segredo de Brett à própria Brett?
217
— Você não sabe de nada — murmurou Brett, virandose
para olhar o campo recém-limpo.
— Olha, por favor, não se preocupe, por favor — pediu
Jenny, a voz se tornando um guincho. — Seu segredo está
seguro comigo. Sinceramente. De repente eu nem devia dizer
nada.
Do meio do campo, a treinadora Smail soprou o apito.
— Meninas! Reúnam-se aqui!
Brett encarou Jenny. Será que ela estava falando sério, ou
era uma espécie de tramóia? Jenny seria de confiança? No ano
passado, Brett, Callie e Tinsley costumavam se sentar no quarto
à noite e conversar sobre cada detalhe de seu dia, quer fosse
comum ou espetacular. Elas eram o tipo de grandes amigas
que são quase irmãs, porque se adoravam tanto que até quando
estavam chateadas uma com a outra sabiam que ainda seriam
madrinhas de casamento de uma delas um dia. Mas o fiasco
Tinsley/Ecstasy deixara Brett muito mais desconfiada. Se Callie
podia trair Tinsley desse jeito — não que Brett soubesse exatamente
o que acontecera, mas ainda assim — quem poderia
saber o que ela faria com Brett?
— É melhor você não contar a ninguém — alertou Brett,
ignorando a expressão irritante de inocente de Jenny. Ela não
podia ser assim tão inocente, em especial se era da capital.
— Olha, no que me diz respeito, nós nunca tivemos essa
conversa — insistiu Jenny com lealdade. — Mas... Eu só queria
ter certeza... Você está bem? Porque você parece, tipo assim,
meio distraída.
Brett pegou o bastão de hóquei e se levantou. Ninguém
nunca perguntou a ela se ela estava bem, nem os pais dela, e
218
ela não tinha certeza de como responder.
— Humm, não sei. Posso responder a você depois?
Jenny sorriu ansiosa.
— Claro. A gente se vê! — Ela pegou seu bastão e foi para
o meio do campo, onde o time estava esperando.
— Ei! — gritou Brett. Jenny se virou e Brett percebeu
aquele brilho estranho e familiar em Jenny de novo — como
se ela estivesse incorporando a Tinsley, como se elas tivessem
a mesma coisa especial vazando pelos poros.
Jenny se virou e viu Brett correndo na direção dela.
— Olha, sabe o que aconteceu entre você e, humm, Easy?
— disse Brett em voz baixa. — Eu não devia te contar, mas
Marymount quer fazer de você um exemplo, tipo assim, criar
um precedente este ano. Então... Eu vou tentar ao máximo
evitar que você seja expulsa, mas, bom, não sei o que vai acontecer.
— Oh. — Os ombros de Jenny arriaram. Expulsa? —
Humm, obrigada.
Celine Colista, que tinha a pele cor de azeitona, cabelo
preto liso e lábios cheios cobertos de batom MAC Rabid, correu
para elas, levantando grama atrás de si com as travas dos
tênis.
— Jenny, a Callie já te deu o grito da torcida?
Jenny sacudiu a cabeça.
— Grito da torcida? — perguntou Brett.
— É. A Jenny vai participar do nosso grito de torcida —
explicou Celine bem devagar.
Brett assentiu inquieta. Então Celine se virou para Jenny
de novo.
219
— Vem. Vamos falar com a Callie.
Callie estava sentada no banco de metal comprido na lateral
do campo, passando fita adesiva no bastão de hóquei. Ela
olhou para cima a tempo de ver Celine e Jenny se aproximando.
Que merda. Benny e Celine não iam desistir da história do
grito.
— Callie — piou Celine. — Já escreveu a letra?
— Estou trabalhando nisso.
— Bom, você tem que se apressar! — gemeu Celine. —
Tudo bem, tá legal, a gente pode terminar na festa hoje à noite.
— Celine piscou para Callie e depois trotou para o meio
do campo.
Jenny se virou para Callie.
— Festa?
— É — respondeu Callie, olhando o bastão de hóquei.
— É um negócio pré-Sábado Negro. Só para meninas. Você
precisa ir. Todas fantasiadas!
— De quê?
— Bom, é segredo até o último minuto. Mas vai ser hoje
à noite, provavelmente na sala de estar do segundo andar do
Dumbarton.
— Hoje à noite? — Jenny parecia de crista caída. — Tenho
que ir a um negócio de sorvete social dos novos alunos.
— Deixa isso pra lá. Pode se livrar dessa.
— Não, o e-mail dizia que era obrigatório. — Jenny deu
de ombros. — Eu devia ir. Mas estou muito animada com o
Sábado Negro. Vai ter uma festa secreta também, né? E esse
grito de torcida parece legal.
— Bom, o grito não é grande coisa. Você não precisa fa-
220
zer, se não quiser.
— Não, eu quero! — Jenny mal conseguia evitar o tremor
na voz. Todas as meninas estavam falando com ela e ela
se sentia mais incluída do que nunca na vida, mas ela também
estava a ponto de ser expulsa.
Callie ficou tentada a confessar que o grito era uma piada
nada engraçada, mas alguns anos antes, quando Tasha
Templeton, então capitã do time, contou à garota nova, Kelly
Bryers, que ela estava a ponto de levar um trote, todo o time
caiu em cima de Tasha. Fizeram buracos em seu sutiã, bem
no lugar dos mamilos. E ninguém falou com ela por meses.
O namorado dela terminou tudo e ela perdeu todo o seu poder.
Callie não ousaria fazer isso.
De repente, Callie olhou para os braços magrelos de Jenny
e percebeu as letras aparecendo por baixo da manga direita.
Parecia que Jenny tinha esfregado o próprio braço por algum
tempo para tirar a tinta do marcador, mas Callie ainda podia
reconhecer a familiar letra infantil e desordenada e aquela
carinha idiota de dentes tortos que Easy sempre desenhava.
De imediato, um nó se formou em seu estômago e ela sentiu
o cabelo da nuca eriçar. O que foi que Easy estava fazendo, escrevendo
no braço dessa piranha? Mas depois ela se conteve. Fica fria.
Você pediu a ele para fazer isso.
— E como está o Easy? — perguntou ela, engolindo a
preocupação.
— Ah — guinchou Jenny.
— Vocês estão se dando bem?
— Er, estamos.
— Que bom. — Com alguma sorte, os professores pensa-
221
riam o mesmo. Mas por que Easy estava escrevendo coisas no
braço de Jenny? Isso não era realmente necessário. Em especial
aquele personagem de dentes quebrados dele. Era um
personagem para ela: ele o fez no dia em que eles escapuliram
para o Brooklyn e passaram o dia todo em Williamsburg, comprando
roupas moderninhas e arte de vanguarda. Eles foram
ao Schiller’s Liquor Bar no Lower East Side depois, e ele desenhou
a carinha idiota no verso do cardápio. Depois eles se
meteram no banheiro minúsculo e se beijaram, irritando todos
os turistas franceses impacientes.
Só o que Callie queria era uma paqueradinha, e, como
sempre, Easy tinha extrapolado. Mas que seja. Se isso significava
que Jenny assumiria a culpa por ela no CD, então Jenny
podia ter a carinha de dentes quebrados.
— Vamos. — Ela apertou o braço de Jenny, tentando ao
máximo não parecer ciumenta. — A Smail está olhando feio
pra gente.
222
OwlNet Caixa de entrada de E-mail
Para: EasyWalsh@waverly.edu
De: CallieVernon@waverly.edu
Data: Sexta-feira, 6 de setembro, 16:15h
Assunto: Saudade!
Oi, amorzinho,
Estou com saudade! Me encontre na escada da biblioteca às 5 da
tarde, hoje, por favor. Urgente!
Bjs
C
P.S.: Como está a Jenny?
223
OwlNet Caixa de Entrada de E-mail
Para: JenniferHumphrey@waverly.edu
De: CustomerCare@rhinecliffwoods.com
Data: Sexta-feira, 6 de setembro, 16:23h
Assunto: Tratamento de spa
Cara Jenny Humphrey,
Callie Vernon lhe mandou um certificado de presente para um
tratamento de spa relaxante em nossas instalações. Você receberá
uma massagem de shiatsu e uma massagem facial oxigenada. Por
favor, telefone ou mande um e-mail para marcar seu horário.
Atenciosamente,
Bethany Bristol
Gerente da Rhinecliff Woods Spa

225
24
OS WAVERLY OWLS DEVEM USAR A SALA
DE LIVROS RAROS SÓ PARA ESTUDOS.
Não estou enxergando nada — murmurou Easy
enquanto Callie o levava vendado pela escada
de mármore da biblioteca.
— A intenção é essa mesmo. Quero te fazer uma surpresa.
Ela empurrou a pesada porta de carvalho imaculada. Além
dela, havia paredes e mais paredes de livros, caixas de vidro
com pergaminhos, poltronas de couro e um vitral minúsculo
no padrão de Mondrian. Tão romântico. Ela tirou as mãos dos
olhos dele.
— A biblioteca? — Ele olhou em volta, confuso.
— Não é só a biblioteca. — Ela dobrou a máscara de cetim
vermelho que tinha trazido do vôo de primeira classe da
Iberia. — Não se lembra? É a sala de livros raros! Foi aqui que
a gente... — ela se interrompeu, empurrando uma mecha de

226
cabelo louro para trás dos ombros. O que dizer? Onde eles
consumaram seu amor? Eles não consumaram nada. Eles se
agarraram. Ela passou as mãos pelo lado de fora das calças dele.
Ela traiu Branson, seu namorado na época.
— É, entendi — respondeu Easy, andando pela sala, passando
a mão em uma fila de livros raros e empoeirados. Havia
primeiras edições de romances de Steinbeck, Faulkner e
Hemingway em uma grande caixa de vidro, graças a um certo
J. L. Walsh e um R. Dalton. Havia quatro grandes Rothkos na
parede, todos estudos em quadrados pretos e vermelhos de
tamanhos diferentes.
Callie se sentou em uma das poltronas de couro. Sentiu o
frio atrás das pernas e de imediato teve arrepios.
— Talvez a gente possa repetir aquela noite — disse ela
delicadamente, puxando a camiseta cinza-clara de Easy. —
Olha, por que não fica mais à vontade?
Callie se levantou e gentilmente empurrou Easy para uma
poltrona de couro marrom. Ela se sentou no colo dele e começou
a beijar seu pescoço. Easy passou a mão por baixo da
camiseta branca fina como papel e os dedos no sutiã branco la
Renta.
Isto era perfeito. O cheiro de mofo dos livros antigos, o
brilho sensual do abajur de aço Tiffany no canto, a quietude
de tudo. Callie sentiu como se estivesse sendo desobediente
na sala de leitura do pai, ou como se fosse uma baronesa frustrada
dos anos 1700 que queria um pouco de ação antes que
todos fossem tomar chá. Parecia uma cena saída de um romance
de D. H. Lawrence. Mulheres apaixonadas, talvez.
Depois ela percebeu que os olhos de Easy estavam aber-
227
tos. Bem abertos.
— Que foi? — perguntou ela, recuando.
— Acho que é a primeira edição de V — murmurou ele,
curvando-se para a frente para ver melhor. — Eu não tinha
percebido isso aqui antes...
Callie soltou um guincho de frustração e puxou os joelhos
até o queixo, atingindo Easy na mandíbula ao fazer isso.
— Que foi? — Easy rebateu.
— Deixa pra lá — disse ela em voz baixa, percebendo que
a mágoa estava transparecendo na voz mais do que ela pretendia.
Ela tentou não deixar que o sentimento deste momento
perfeito com Easy fosse estragado em sua consciência. Tarde
demais. Ela tentou estabilizar a voz para não ficasse tão trêmula.
— Eu percebi que você andou azarando a Jenny...
Easy recuou um pouco.
— Percebeu? Como assim?
— Bom, você escreveu no braço dela.
Ele lambeu os lábios.
— Ah.
— E aí? Está tudo bem?
— Acho que sim.
— Algum professor viu vocês, sabe como é, paquerando?
— Humm, só a Sra. Silver, eu acho... — Easy se levantou
e coçou o queixo.
Não era assim tão bom. Não importava se a Sra. Silver os
vira — ela não era amiga da Srta. Emory.
— Talvez vocês dois possam paquerar perto da sala de
ensaio da orquestra. — A Srta. Emory regia a orquestra da
Waverly, os Fermatas, aos domingos, terças e quintas.
228
Seguiu-se um longo silêncio. Callie podia ouvir os galhos
das árvores roçando as janelas.
Por fim, Easy falou.
— Você só se importa se vai se meter em problemas ou
não, não é?
— Não! — gritou ela. — É claro que não. Eu só...
Ele ergueu a mão.
— Isso não está certo. Não foi culpa da Jenny. Não acho
que a gente deva arrastar a garota para isso e não acho que ela
deva levar a culpa por você.
— O que você está dizendo? — quis saber Callie. — Você
não liga se eu for expulsa? — Ela sentiu as lágrimas saindo de
seus olhos e rapidamente colocou o dedo na boca. Mordeu
com força, quase tirando sangue.
— Não, claro que eu ligo, mas...
Callie sacudiu a cabeça. Ela podia sentir a pulsação no
pescoço.
— Não. É óbvio que você não liga. Se ligasse, ia fazer de
tudo para me manter aqui.
— Bom, por que eu ia querer manter você aqui se só o
que você quer é me manipular? — respondeu Easy num tom
alto, a voz ecoando pela biblioteca silenciosa.
A boca de Callie se abriu.
— Como é?
— Você me ouviu — sussurrou ele feroz.
— Retire o que disse.
Easy suspirou.
— Callie... — Ele se interrompeu, olhando para ela como
se não fizesse idéia do que fazer com ela.
229
Ela não tinha certeza do que a possuíra para dizer o que
disse em seguida, mas ela disse assim mesmo:
— Sabe de uma coisa, o Brandon faria isso por mim.
— Brandon? — perguntou Easy. — Brandon... Buchanan?
— zombou ele.
Callie aproveitou.
— É, o Brandon! Pelo menos o Brandon...
— Pelo menos o quê?
Prestava atenção em mim, pensou Callie. Pelo menos eu sabia
onde estava pisando. Ela engoliu em seco e se virou para a janela.
Do lado de fora, duas corujas se aninhavam em um galho
de árvore. Pareciam estar se beijando.
Easy andou pela sala.
— E aí, quer terminar comigo para ficar com o Brandon
de novo?
Callie arfou.
— Eu não disse isso! Você quer terminar? — O coração
dela começou a martelar pra valer. Então era isso? De repente
ela se sentiu tonta e enjoada, como se estivesse prestes a cair
de um penhasco infindável e lutasse para se agarrar a sua encosta
rochosa.
— Só pare de me manipular — disse Easy com severidade.
— Se você acha que o Brandon... que, aliás, é muito gay...
faria isso por você, talvez devesse ficar com ele, afinal de contas.
— Pelo menos ele me amava! — insistiu ela. — Pelo
menos o Brandon queria transar!
As palavras dela ficaram suspensas no ar por um momento.
Os lábios de Easy se separaram, como se estivesse prestes
230
a dizer alguma coisa. Mas depois houve uma batida na porta
de carvalho. Os dois congelaram.
— Olá? — chamou uma voz baixa. Era o Sr. Haim, o bibliotecário
irritadiço de voz anasalada. — Algum problema aí?
Callie olhou para Easy, mostrando os dentes antes de responder
com doçura:
— Só estamos estudando!
— Têm que falar baixo — sussurrou o Sr. Haim. Ele abriu
a porta e enfiou a cabeça de cabelo de Bombril pela fresta. —
Não toleramos barulho nesta sala.
— Tanto faz — gritou Easy, erguendo o dedo médio e
endireitando a camiseta. — Vou sair daqui. — Ele passou pelo
Sr. Haim sem sequer olhar para Callie para se despedir.
— Este é um lugar de pesquisa tranqüila — recitou o Sr.
Haim, apertando a gravata da Waverly quase ao ponto da asfixia.
— Não toleramos gritos.
— Eu já pedi desculpas! — gritou Callie.
— Você ainda está gritando.
Ela revirou os olhos. O que diabos tinha acontecido? Ela
desceu a escada de mármore que levava ao saguão principal
da biblioteca. Por uma janela alta e estreita, viu as mesmas
corujas aninhadas, desta vez em um galho mais baixo. Ela
parou e bateu na janela, levando as corujas a bater as penas e
voar para árvores separadas.
— Vão pro motel! — gritou ela.
231
OwlNet Caixa de Entrada de E-mail
Para: Undisclosed recipient
De: CelineColista@waverly.edu
Data: Sexta-feira, 6 de setembro, 21:02h
Assunto: CONFIDENCIAL
Festa pré-Sábado Negro do Dumbarton:
BEM-VINDAS A AGRABAH, Cidade de Mistério e Encanto.
SÓ PARA MULHERES!
DEZ MINUTOS!
ANDEM LOGO!

233
25
UMA WAVERLY OWL NUNCA DEVE ATENDER
AO CELULAR DA COLEGA DE QUARTO
QUANDO ESTIVER BÊBADA.
Callie estava com o novo vestido verde Prada de fran
ja que ela comprou na Pimpernel, um lenço de ca
beça multicor e Manolos prata de salto 10. O cabelo
louro-arruivado e comprido estava preso em um coque sexy
de inspiração asiática e ela passou delineador em volta dos
olhos. Ela sabia que as outras meninas iam ficar com inveja,
mas a intenção era essa mesma. Às vezes era mais divertido se
fantasiar quando não havia homem nenhum por perto.
A festa pré-Sábado Negro era uma tradição para as meninas
do Dumbarton. Era incrivelmente legal, porque havia uma
lista de convidados seletos e sempre havia um tema louco.
Benny Cunningham e Celine Colista saíram mais cedo do
treino de hóquei para converter a sala de estar do segundo
234
andar em uma terra das Mil e uma Noites. Elas fecharam a
cortinas da vidraça gigantesca para que toda a sala ficasse escura
e misteriosa. Depois acrescentaram pisca-pisca, velas,
almofadas, incenso, vodca Grey Goose, minibaseados, fotos
de elefantes e deuses com muitos braços na parede, e cuidadosamente
colocaram exemplares do Kama Sutra, que todo o
mundo sabia que era um manual do sexo antigo da Índia, e
uma música Bhangra estranha que Benny recebeu por FedEx
da Amazon.com na noite anterior. Toda a sala estava montada
para uma orgia louca, a não ser pelo fato de que não haveria
homens.
Callie chegou cedo e estava bebendo com rapidez e constância,
tentando tirar da cabeça todo o pesadelo Easy-na-salade-
livros-raros. Ela se serviu de mais bebida e foi para o
banquinho da janela no canto e de repente esbarrou em Brett,
que tinha acabado de chegar.
— Oh! — Elas se olharam intensamente. Brett ainda estava
com a roupa que usara na aula, uma calça marrom Katayone
Adeli que era um tédio e blusa Calvin Klein branca. Acordaaaa!
Era totalmente contra as regras vestir esse tipo de coisa na festa
pré-Sábado Negro! — E aí, como está o Jeremiah? — perguntou
Callie.
— Jeremiah? — Brett olhou para ela sem expressão.
— Seu namorado?
— Ah, sim.
— Que foi, ele não é mais seu namorado?
— Não, ele... — Brett estava se retorcendo de verdade.
Callie se perguntou se Sage estava errada, talvez, em vez de
Brett gostar de um veterano, ela e Jeremiah já tenham feito
235
um sexo mais ou menos. Ou talvez um sexo dos bons. Terra
chamando Brett: não revelar qualquer tipo de sexo a sua dita
melhor amiga não era legal.
E então Brett semicerrou os olhos sutilmente para Callie.
— E como está o Easy?
— Está bem.
Elas se sentaram desajeitadas no banco, desviando os olhos
uma da outra, bebendo de suas canecas da Waverly cheias de
bebida alcoólica. No ano passado, Callie, Brett e Tinsley se
sentaram na festa pré-Sábado Negro nesta mesma sala, conversando
de seus namorados e se revezando para encher as
canecas. Que diferença fazia um ano.
Callie atirou o cabelo por trás do ombro, olhando a amiga.
Seria possível que Brett só estivesse esperando que ela falasse
no assunto Tinsley para que Brett pudesse se desculpar
por conseguir a expulsão da amiga? Uma coisa em que Brett
não era boa era bancar a vulnerável.
— Aposto que a Tinsley teria curtido essa festa.
Brett vacilou, depois murmurou.
— É, ela teria sim.
— É péssimo que ela não esteja aqui — continuou Callie
em voz baixa. Tá legal, agora chegamos a algum lugar.
Brett se endireitou.
— É, é péssimo que ela não esteja aqui, não é?
Peraí, como é que é? Não era isso que Callie esperava que
Brett dissesse. Cadê o Desculpe, deixe-me contar o que realmente
aconteceu ou pelo menos um Vamos esquecer tudo o que aconteceu e
tomar um porre no nosso quarto e botar a vida em dia? Em vez disso,
as duas meninas se encaravam como dois cães se farejan-
236
do, tentando deduzir se queriam latir ou não. De repente, uma
música tecno hindu berrou do sistema de som. O resto das
convidadas tinha chegado e a sala estava apinhada de meninas
vestidas de forma estranha e fedendo a Poison de Dior.
— Conga! — gritou Benny. Ela vestia um turbante de
toalha laranja na cabeça e um cachecol Pucci caleidoscópico
em volta da cintura. Sage pegou sua cintura e riu, uma grande
bandeira da Waverly em volta do corpo, como um sari. Elas
passaram por Callie e Brett e riram.
— Vamos, senhoras! — gritou Celine. — Chega dessas
caras de irritadinhas!
Brett, que normalmente teria dançado O lago dos cisnes
usando uma pele de bicho hidrófobo se isso significasse a vida
da festa, levantou-se, espanou o colo e deu de ombros.
— Tô fora. — Depois ela se virou e saiu marchando da
sala.
Callie pegou um fio de franja verde no dedo médio e a
observou sair. Alguma coisa buzinou ao lado dela. Era o Nokia
pequeno de Brett. O identificador de chamadas dizia Brianna
Messerschmidt. Callie olhou para cima e ia atender ao telefonema,
mas se conteve. No ano passado, ela sempre atendia
aos telefonemas de Brett quando ela estava fora. Será que as
coisas estavam tão diferentes este ano que ela não poderia atender?
Ela abriu o telefone de repente.
— Oi, é a Callie!
— Onde você está? — gritou Bree numa voz sexy e rouca
de fumante. — No mercado árabe? Parece incrível!
Callie afundou na cadeira.
— Não. É só uma festa no alojamento.
237
— Eu tenho que dar um pulo na sua escola um dia desses.
— Seria demais. — Callie queria que Bree passasse um
pouco de seu entusiasmo à chata da irmã mais nova. — Quer
que eu procure a Brett?
— Não, diz a ela para me ligar. Vou visitar nossos pais em
Jersey neste fim de semana.
Jersey? De Nova Jersey? Ela sempre pensou que Brett fosse
de East Hampton...
— Olha só, Callie. Sabe aquele professor com quem minha
irmã está saindo? Tipo para ir jantar e essas coisas?
— Er... — Callie praticamente sufocou com um enorme
gole de ponche. Como é que é?
— Eric Dalton. Ela te contou dele, não contou?
— Hum, claro que sim. — Todo o corpo de Callie começou
a suar. Ela só tinha tomado algumas colheradas de iogurte
de baunilha Stonyfield esta manhã. Uma caneca de
ponche de vodca, e ela estava bêbada. Sua cabeça girava: Brett
estava guardando mais do que alguns segredos dela, tudo bem.
Bree respirou fundo do outro lado da linha.
— Então, olha só. Quando eu era aluna da Columbia, uma
amiga minha era meio que namorada do Eric Dalton. E ela
me contou que ele é bem sério. Sabe do que estou falando?
— Claro — respondeu Callie automaticamente. Talvez
Brett não estivesse avoada porque tinha dormido com
Jeremiah. Talvez ela estivesse avoada porque tinha dormido
com Eric Dalton. Callie vasculhou a bolsa em busca de cigarros.
Como Brett ousou não contar a ela essa novidade! Oi-êêê,
elas agora não eram estranhas completas?
— Mas que engraçado — continuou Bree, fungando de
238
rir. — Talvez eles se casem na St. Patrick! Minha irmã vai ser
uma Dalton!
Esquecendo-se da tonteira, Callie tomou outro gole da
bebida.
— Não acha que ela é nova demais para ele?
— Ah, claro que sim. Eu preferia que ele ficasse a 15
metros de distância dela o tempo todo, mas a Brett tem boa
cabeça. Mas dê o recado a ela, tá legal? E diga a ela para me
ligar. Tchau.
— Humm, tá bom, tchau.
Callie encarou o visor minúsculo do celular por um longo
tempo, os lábios apertados. Por fim, ela olhou para cima. A
fila de conga ainda estava serpenteando pela sala.
Foda-se. Com o ponche de vodca ardendo na barriga, ela
soltou um uivo, pegou Alison Quentin, que estava com um
vestido Alexander McQueen e folhinhas de oliveira no cabelo,
e seguiu a fila de meninas lindas e bêbadas que dançavam
para o corredor.
239
26
UM WAVERLY OWL SEMPRE DEVE
RESISTIR AOS AVANÇOS DA
EX-NAMORADA BÊBADA.
Brandon estava atravessando o gramado do Dumbarton
em direção ao alojamento Richards quando viu uma
garota num vestido verde cheio de pontas fumando
um cigarro e chutando o ar feito uma fã de rock.
— Ei, gatinho! — gritou ela. — Vem dançar comigo.
Brandon se aproximou e semicerrou os olhos na luz. Era
Callie. Ela estava de porre?
— Oi — gritou ele.
Assim que ele chegou mais perto, ela se curvou para ele e
enterprou a cara no pescoço dele.
Ela cheirava a ponche de frutas, cigarros e aquele xampu
de camomila fresco que sempre usava. Brandon sentiu um
tremor percorrer o corpo. Sentir o cheiro do cabelo de Callie
240
conjurava lembranças do ano passado. Eles se despiram debaixo
de uma manta na sala de estar numa madrugada e desenharam
mensagens sexuais na barriga um do outro. Ela olhou
para ele com aqueles olhos enormes e aguados.
— Brandon. Oiiiii.
Foi aí que ele sentiu uma lufada do bafo de Callie.
— Caraca. — Ela definitivamente estava de porre. — Você
bebeu toda uma garrafa sozinha?
Callie se endireitou e sorriu.
— Eu estou legal — piou ela. — Quer um dos meus cigarros?
— Não, obrigado.
Callie deu de ombros e recolocou o cigarro na boca.
— Então olha só — balbuciou ela, passando as unhas compridas
e feitas pelo braço despido dele. — Por que você foi tão
mau comigo depois da aula de biologia ontem?
Na luz da varanda, Brandon podia ver pequenos arrepios
na pele lisa das pernas de Callie.
— Sobre Easy e Jenny? Eu estava dizendo a verdade.
— Não estava não — disse ela, tocando alegrinha o nariz
dele. — Ninguém está roubando ninguém de mim. Eu estou
por trás da história toda.
Brandon franziu o cenho.
— Não, Callie. A Jenny gosta dele. Eles se gostam.
Callie riu.
— Isso porque eu disse aos dois para se gostarem.
— Hein?
— Eu disse a eles para se gostarem. — Ela cobriu a boca e
riu. — Êpa. Era para ser segredo.
241
Brandon sacudiu a cabeça.
— Mas a Jenny gosta mesmo dele. E ele gosta dela.
— Isso é o que eles querem que você acredite! — gritou
Callie e depois cobriu a boca. — Entendeu? — Ela balbuciou
mais baixo e explodiu numa gargalhada bobalhona. — Eles
estão fingindo para que eu não tenha problemas por que o Easy
foi no meu quarto!
Brandon recuou e pensou por um momento. Ontem, na
quadra, Jenny parecia autêntica demais para estar fingindo. —
E os dois estão juntos nisso?
— É.
— A Jenny também?
— Claro. A Jenny é legal. — Callie bateu a cinza do cigarro,
mas estava bêbada demais e ela caiu direto no dedão do
pé, sujando-o de preto.
Brandon sacudiu a cabeça. Ele olhou para Callie, que,
embora de porre, parecia ter chorado escondida no banheiro
das meninas por horas. Ele queria aninhá-la e embalá-la até
que ela dormisse.
— Quer dizer, você daria em cima de outra garota se eu te
pedisse, não daria? — perguntou ela, arrastando as palavras.
— Er... não? — Brandon enfiou as mãos nos bolsos.
Ela olhou para baixo, frustrada.
— Não?
Brandon baixou os olhos.
— Se eu estivesse com você, não ia olhar para outra garota.
— Ah, Brandon — ela suspirou. — Você é tão piegas.
Que engraçado. Ele achava que as meninas gostavam de
242
romance.
Ela estalou os dedos, iluminando-se.
— Ei! O que você acha de Brett dormir com o Sr. Dalton?
— Como é? Eu não sabia disso.
Callie atirou as mãos na boca e depois lentamente as retirou.
— Talvez eu não devesse ter dito isso... — Ela mordeu o
lábio. — Êpa.
— É, tipo assim, uma novidade pública? — Brandon ainda
não conhecera o Sr. Dalton, a não ser na capela no primeiro
dia, mas parecia altamente desprezível um professor pegar
uma aluna, que dirá dormir com uma.
— Não sei. — Ela olhou para a grama. — Sei lá, mas a
Brett não fala mais comigo, então... — Ela se interrompeu.
Brandon não tinha certeza, mas parecia que ela estava prestes
a irromper em lágrimas.
— Ei... — Ele estendeu a mão para ela. — Você está bem?
De repente, Callie atirou o cigarro na grama, agarrou
Brandon e lhe deu um beijo enorme e molhado na boca. No
início ele resistiu, mas depois de sentir o gosto do brilho labial
menta DuWop, ele não conseguiu deixar de se derreter para
ela. O beijo era tão bom. Quente, macio e doce, como há um
ano. Ele pensou nos jogos de futebol enrolados debaixo de
cobertores, o trem Metro-North balançando para a capital,
onde ela dormiu no colo dele, e nos pés se cruzando no jantar
formal.
Mas depois ele a empurrou. Ele queria isso — sonhou tantas
vezes em beijar Callie novamente — mas agora era um erro.
Totalmente errado.
243
— Qual é o problema? — guinchou Callie numa voz de
bêbada, cambaleando para trás.
— Você está totalmente de porre. — Brandon sacudiu a
cabeça. — A gente não devia fazer isso... agora.
— Vou te contar um segredo — cochichou ela, curvando-
se para ele. — Easy e eu brigamos feio. Acho que a gente
pode ter acabaaaaaado.
Ele ficou mudo por um longo tempo. Novamente, ele
esperou uma eternidade para ouvir estas palavras. Mas não,
agora não. Não desse jeito. Brandon sabia que era piegas, mas
isso porque ele era romântico. E transar com a garota que ele
amava enquanto ela estava doidona e no rebote era de uma
burrice completa.
— Isso é... Deixa pra lá. — Ele se afastou dela.
— Ah, sem essa — gritou Callie. — Não quer transar comigo?
— Você está bêbada. Devia dormir para se recuperar.
E foi assim, ele limpou a boca e se afastou.
244
OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
BennyCunningham: Oi. Já mandou as palavras do grito?
CallieVernon: Ainda não.
BennyCunningham: Bom, faz logo!
CallieVernon: Vou fazer. Ei, qual é o grito das outras?
BennyCunningham: Sei lá. Que tal “Seja Agressiva”?
CallieVernon: Tá.
BennyCunningham: Não se esqueça de mandar o grito a ela,
a não ser que vc queria um sutiã com
buraco nos mamilos!
245
OwlNet Caixa de Entrada de E-mail
Para: JenniferHumphrey@waverly.edu
De: CallieVernon@waverly.edu
Data: Sábado, 7 de setembro, 10:05h
Assunto: Grito de torcida
Oi, Jenny,
Perdeu uma festa ótima ontem. Como foi o negócio dos alunos
novos?
Mas aí, a Benny me pediu para te mandar as palavras do grito.
Envolve um pouco de dança — sensual! E você canta com a música
de “Sounds Off”. Estou anexando um arquivo do Word da letra e
vou mostrar os movimentos a você no quarto, tá?
C
P.S.: Recebeu a cesta de beleza KissKiss! que chegou hoje?
Aproveita!
P.S.2: Tem alguma idéia do que vai dizer no CD? Me conta!

247
27
AS WAVERLY OWLS SABEM COMO —
E QUANDO — SER AGRESSIVAS.
Todo o mundo estava no vasto e verde campo de hó
quei, que era cercado por um bosque denso. O sol
estava diretamente acima deles e o céu era de um azul
impecável, com um toque de frio no ar. Pais, alunos e ex-alunos
enchiam as arquibancadas. As meninas do St. Lucius desfilavam
de seu lado do campo. Estavam vestidas com suéteres
e saias roxos e brancos e com caneleiras roxas. O mascote do
St. Lucius, um ganso-do-canadá branco e preto gigantesco,
seguia atrás delas, batendo as asas de uma forma ameaçadora
para a coruja de óculos da Waverly.
Brett tirou umas folhas de grama da sola de um de seus
tênis Nike com travas e bufou para a aparência idiota da coruja.
Ela não conseguia deixar de pensar na citação de Dorohty
Parker: “Os homens raras vezes tomam liberdades com mu-
248
lheres que usam óculos.” Uma coruja de óculos parecia a
mascote mais nerd do mundo.
Jenny estava sentada ao lado dela, enrolando e desenrolando
tensa a fita adesiva no bastão de hóquei.
— E aí, como foi a festa ontem à noite? — perguntou
Jenny. — Eu soube que vocês ficaram até bem tarde...
— Essa foi a Callie, e não eu — corrigiu-a Brett. — Eu
tentei entrar sem que você percebesse. Mas você não perdeu
grande coisa. Eu é que perdi meu celular. Você o viu?
— Não. — Jenny deu de ombros.
Brett trincou os dentes. Não ter o celular — ela o perdia
sempre — significava que ela não fazia idéia se Jeremiah ou Eric
tinham telefonado. Ela se perguntou se Jeremiah estava aqui
no meio da multidão. Ela olhou o grupo de pessoas do outro
lado do campo, mas não viu um cara alto e bonito com cabelo
ruivo e macio em lugar algum. Ela se perguntou como ele teria
recebido o recado dela na outra noite.
— Ai, estou tão animada com o grito. — Jenny sorriu. —
Parece que vai ser bem divertido.
Brett se virou para ela de repente.
— Você sabe que é tudo armação, não sabe? — A Callie
que se foda.
— Armação? — Os olhos de Jenny se arregalaram.
— É, isso é... — começou Brett, mas justamente aí Callie
apareceu atrás delas e colocou a cabeça no ombro de Jenny.
Brett desviou os olhos.
— Oi, garota — disse Callie com doçura a Jenny. — Você
está uma gracinha hoje. É meu gloss Stila que está usando?
— Er, não. É meu. É MAC.
249
— É tão lindo. — Brett percebeu que Callie estava meio
estranha, provavelmente por ter exagerado no ponche na noite
anterior. Era legal que ela nem desse um oi a ela. Estava ocupada
demais puxando o saco da Jenny.
Benny se aproximou do grupo.
— Prontas para o grito?
— É — concordou Callie. Ela olhou nervosa para Jenny.
Jenny olhou nervosa para Brett. Brett deu de ombros. Elas que
se virassem com essa merda.
— Então vamos! — gritou Benny.
Todas as meninas do banco se levantaram e ficaram pulando.
Elas pediram a Devin Raunsch, um veterano cujo pai
era um famoso produtor de discos, para tocar bateria e fazer o
papel de DJ. Callie assentiu para ele. A agulha estalou em um
antigo disco do Funkadelic. Ele arranhou algumas vezes e
depois o batidão saiu pelo alto-falante. As meninas começaram
a bater os pés.
— Seja. Agressiva. SE-JA a-gres-si-va...
Brett, que estava atrás da turma, dublava as palavras. Isso
era tão imbecil. Ela olhou para Jenny, que se atirou na sua parte
do grito.
— A galera do St. Lucius acha que detona, mas ninguém
quer uma garota que é sem-sal e bobalhona!
Jenny ouviu sua voz relinchar sozinha e de imediato cobriu
a boca. Infelizmente, ela também estava na parte da dança
onde tinha que empinar o peito. Ela olhou e percebeu que
ninguém mais lançou os peitos para a frente.
As colegas de time bufaram de rir. Jenny congelou, os
peitos ainda empinados. Então era essa a armação. Rá, rá. Não
250
foi nada engraçado.
As coisas começaram a se mover em câmera lenta: as meninas
rindo, o idiota do Heath Ferro batendo na coxa na fila
da frente, toda a escola encarando seus peitos gigantescos.
Depois ela percebeu uma coisa. Ela sabia que ou podia se sentir
uma merda total e agir como a Velha Jenny, que, mortificada,
voltaria a se sentar no banco e nunca mais falaria com
ninguém. Ou ela podia tentar transformar a situação em alguma
coisa interessante. Afinal, este podia ser seu último fim
de semana na Waverly. Então, antes que conseguisse se conter,
Jenny foi para a frente do time e começou a berrar a letra
do grito que Callie tinha passado a ela por e-mail em tom de
voz ainda mais alto.
— A galera do St. Lucius acha que detona, mas ninguém
quer uma garota que é sem-sal e bobalhona! — começou
Jenny, empinando os peitões novamente. — As garotas da
Waverly pegam todos os gatos! Vamos nessa, todo o mundo
vai batendo os sapatos! — Ela fez um movimento de assovio
com os lábios.
— Nós tiramos sobrancelha e as suas são peludas; nossa
bunda é bonita e a sua é cabeluda! — Depois ela bateu com
força em sua adorável bundinha redonda. As outras meninas
escancararam a boca. — Nossa mascote é uma coruja e o seu
um ganso é! Todo mundo aplaude a gente e vocês são as manés!
— Novamente empinando os peitos. — Então sai dessa,
St. Lucius, ou vai se arrepender. A coruja vai botar todo mundo
pra correr! — Depois Jenny, como fora instruída, correu
loucamente pelo campo e deu três saltos mortais, o melhor
que pôde, mostrando a todos o que quer que ainda não tives-
251
sem visto de seu short azul-bebê.
Seguiu-se um silêncio aturdido. Embora as palavras fossem
totalmente ridículas, cada garoto solteiro da Waverly e da
St. Lucius — para não falar dos pais e professores homens —
estava olhando para ela.
Depois, do outro lado do campo, Lance Van Brachel, um
dos astros do futebol americano da Waverly, começou a aplaudir.
— Éééé! — gritou ele. — Aí! É isso aí!
Outro garoto aplaudiu devagar. Alguém assoviou. Depois
todo o outro lado do campo irrompeu num aplauso. Todos
começaram a pirar.
Brett encarou Jenny, que estava parada com os braços esticados,
olhando tonta para a multidão, um sorriso enorme na
cara. Jenny tinha revertido a manipulação de Callie em favor
dela, uma coisa que nem Tinsley conseguira fazer. Jenny parecia
não ter medo algum de que as pessoas a colocassem na
berlinda, e seu corpo pequeno e curvilíneo ficava ótimo dançando.
E tinha uma boa voz quando gritava, rouca e meio sexy.
Jenny olhou para os fãs do outro lado do campo. Caraca,
isso era divertido! Então ela teve um lampejo de inspiração.
— Essa escola tem um Pônei, sujeitinho muito eca! Ele é
sempre indecente e não se agüenta na cueca! — gritou ela a
plenos pulmões. — Ele pensa que tem muito volume lá embaixo,
mas é tão pequenininho que se eu procurar não acho!
As arquibancadas da Waverly enlouqueceram. Um bando
de garotos cobriu a boca e gritou um “Oh!” coletivo na direção
de Heath. Todos estavam rindo. Jenny olhou para Heath
na fila da frente — a cara dele estava vermelha de raiva. Te
252
peguei.
— Vamos lá, de novo! — Jenny partiu novamente para o
grito, mal dando pela presença das outras meninas. Todas eram
expectadoras. Se não quisessem gritar com ela, ela não ligava.
Ela se sentia livre e doida.
Brett estava confusa. De repente, ela sorriu e correu para
se juntar a Jenny.
— A galera do St. Lucius acha que detona, mas ninguém
quer uma garota que é sem-sal e bobalhona! — gritaram as
duas juntas. Jenny sorriu e bateu o traseiro no quadril de Brett.
No final do grito, ela até levantou a blusa. Os meninos do outro
lado do campo ficaram loucos.
Depois Celine também se juntou a elas. E em seguida
Alison, depois Benny. Depois o resto das meninas. E por fim,
porque parecia estranho que fosse a única jogadora de hóquei
a não participar do grito da torcida, Callie começou a gritar
também.
253
28
UMA WAVERLY OWL DEVE SABER
QUE DIVERTIDAÇA É UMA PALAVRA
QUE NÃO EXISTE.
Estimuladas pelo grito, as Waverly Owls derrotaram as
St. Lucius Geese por 6 a 3. Assim que tocou o apito
final, Brett correu para o quarto no alojamento. Ali,
na cama, estava seu celular. Será que ela o deixara na cama esse
tempo todo? Havia três chamadas não atendidas — todas da
irmã — e uma mensagem de texto: Estou no porto. Venha se quiser.
— ED.
Ela rapidamente vestiu a calça vai-ficando-melhor-como-
passar-da-noite, a Joseph que mais a valorizava, e o top de
seda Diane von Furstenberg mais fino e sem mangas e fechou
o zíper das botas pretas mais pontudas. Ela foi correndo para
a beira da água.
Eric estava parado no pequeno convés do veleiro branco
254
vestido em calças cáqui e uma camisa pólo verde de manga
comprida. Ele segurava um binóculo nos olhos e olhava para
alguma coisa nas árvores. Uma vara de pesca estava apoiada
na amurada do barco. Quando a ouviu atrás dele, ele se virou,
o binóculo ainda nos olhos. Brett cobriu o peito por instinto,
como se o binóculo fosse uma lente de raio X.
— Não teve jogo de futebol para você? — perguntou ele,
baixando o binóculo.
— Não.
— O jogo de futebol americano não é a melhor parte do
dia?
É, só que o ex-namorado dela por acaso era quarterback
do outro time. Brett não tinha muita certeza se Jeremiah recebera
o recado de preciso-terminar que ela deixara na caixa
postal, mas ela meio que não se importava.
— Eu não gosto mesmo de futebol americano — respondeu
ela timidamente. — Posso subir a bordo?
Ele riu.
— Claro que sim.
— E aí. — Ela passou as mãos na amurada cromada do
barco. — Essa coisa tem nome?
— Ainda não. É novinha em folha — respondeu Eric, os
olhos cinzentos e penetrantes nela. — Eu estava pensando em
alguma coisa de Hemingway.
Brett se revirou por dentro. Tipo talvez alguma coisa de O
sol também se levanta?, ela queria saber.
— Em que posição do hóquei você joga?
— Meio-campo — respondeu ela, como se isso não tivesse
importância, embora ela jogasse hóquei desde que ti-
255
nha sete anos e tenha marcado dois dos seis gols de hoje.
Ele riu, depois pegou a vara de pesca.
— Por que isso é engraçado?
— Não é. É só que eu não consigo imaginar você num
uniforme de hóquei.
— Já tentou? Imaginar, quero dizer. — Brett sorriu toda
vaidosa. Ela estava sendo ousada, até para os padrões dela.
— Talvez. — Os olhos de Eric não saíam dela. — É uma
saia bem curta. Vocês encurtam, não é?
— Claro que não! — mentiu Brett. — Sempre foram
curtas!
Ela se sentou em uma das cadeiras de capitão e olhou a
água cintilante. O pináculo da capela da Waverly se projetava
ao longo do bosque verde-azulado e elegante, e as corujas
voavam por cima, como se atraídas magneticamente pelo barco.
Até a água tinha um cheiro sensual.
— Então, eu queria te agradecer pela outra noite — arriscou-
se ela por fim. — O avião. O jantar. Ver a casa da sua família.
Foi bem divertido.
Dalton retirou o binóculo do pescoço.
— Fico feliz com isso.
Um grito surgiu do estádio de futebol na distância e a banda
começou a tocar. Brett olhou naquela direção, perguntandose
quem tinha marcado pontos. Jeremiah provavelmente estava
em campo neste segundo.
Brett olhou para Eric. Mordendo o lábio, ela se levantou e
deu um passinho na direção dele.
— Então, é, foi divertido, mas...
— Mas o quê? — Eric fez uma pausa.
256
Brett pensou ter detectado alguma coisa estranha na voz
dele. Ela se sentia como se estivesse parada na beira de um
penhasco que dava para o mar turquesa do Caribe. Era ou se
virar e seguir direto para o bangalô para tomar um Red Stripe
duplo na rede ou mergulhar do penhasco. Ela tomou uma
golfada de ar.
— Você acha que havia alguma coisa que talvez pudesse
ser divertidaça? — perguntou Brett, tombando a cabeça de lado.
— Divertidaça é uma palavra que não existe. — Eric sorriu
com malícia. A água batia na lateral do barco.
— É, eu sei — sussurrou ela, baixando os olhos, sentindo-
se nova e burra. Volte para o bangalô! Agora! Lutando para se
decidir, ela bateu as pestanas e empinou o peito. Ela não fazia
idéia de onde tirara esses movimentos. Jenny, quem sabe? Ela
ouviu Eric respirar.
Foda-se. Ela ia mergulhar. Ela foi direto para onde ele estava,
ainda pescando. Ele era alguns centímetros mais alto do
que ela. O cabelo alourado dele caía desordenado sobre os
olhos e ele tinha um pequeno arranhão ao lado do nariz. Ele
apoiou a vara de pesca na amurada de novo.
— Talvez isto possa ser... divertidaço? — Depois ela jogou
o corpo no dele e o beijou. Ahhh, isso.
A boca de Eric era maravilhosa. Brett tentou se conter, mas
parte dela queria devorá-lo, como se ele fosse caviar Beluga.
Ela continuou beijando-o, delicadamente no começo, querendo
que os lábios dele se separassem, até que finalmente as mãos
fortes de Eric cingiram sua cintura e os lábios se misturaram
com os dela. Ele a puxou para mais perto. A boca de Brett se
abriu. Brett se preocupou com a possibilidade de estar com
257
gosto do suor do jogo, mas ela não se importava. Nem ligava
que eles estivessem em plena luz do dia, no campus da Waverly,
no Sábado Negro, e toda a escola estivesse a menos de um
quilômetro de distância.
Ela parou de beijá-lo e deu um passo para trás, sorrindo
timidamente.
Eric lambeu os lábios. Parecia que estava tentando esconder
um sorriso.
— Humm, então. Isso é, er, definitivamente... — Ele
pegou a mão dela e seus olhos encontraram os de Brett. Ele
mordiscou o lábio inferior. — Então eu acho... Acho que devia
voltar para minha sala por um tempo.
— Ótimo. Vamos — respondeu Brett sorrindo. — Agora.
Dalton enrijeceu na amurada.
— Quero dizer, acho que eu devia voltar para minha sala
e eu acho que você deve voltar para seu jogo de futebol americano
— sussurrou ele, a mão afagando a orelha dela.
Brett se afastou dele e olhou freneticamente na direção do
estádio. Eric saiu do barco. Ele estendeu a mão para ela e a
ajudou a desembarcar.
— Se eu for a sua sala, você não vai se arrepender. — Ela
nunca disse nada parecido com isso a ninguém em toda a vida.
— Eu sei disso. — Eric suspirou. — Acredite em mim.
Eu sei muito bem disso. Mas, humm... — Ele olhou para os
Docksiders azul-marinhos. — Eu acho... Acho que devo ir.
Mas obrigado.
E com essa, ele ergueu o polegar, tocou o queixo de Brett
e se virou, deixando Brett com suas lindas botas pretas e pontudas
parada em um convés de um barco idiota, sozinha.

259
29
AS WAVERLY OWLS JAMAIS REJEITAM UM
JOGO DE “EU NUNCA” — MESMO QUE ISSO
SIGNIFIQUE BEIJAR HEATH FERRO.
Brandon estava de pé, um gim-tônica na mão, conver
sando com Benny Cunningham na festa Sábado Ne
gro, que acontecia, surpresaaaaa!, na casa de campo
de Heath Ferro, em Woodstock, a cerca de uma hora da
Waverly. Ele viu Jenny descer de um Hummer com um grupo
de meninas do hóquei. Todas estavam vestidas com um
suéter desleixado de chashmere e gola em V cor-de-abóbora,
mas o suéter de Jenny revelava sua linda pele de porcelana e
expunha parte dos ombros nus e ele podia perceber uma alça
de sutiã larga e de cor creme.
Depois do jogo de futebol americano, Heath distribuiu
passes para passar a noite fora do campus à elite da Waverly e
conduziu todos a uma frota de limusines Hummer que ele
260
pegara emprestada da empresa de I-banking de Wall Street do
pai. Brandon ficou olhando à distância enquanto Heath se
aproximou de Jenny, que era flanqueada por uma turma de
admiradores, deu-lhe um beijo educado no rosto e entregou
um passe a ela. Até ele teve que dar os parabéns a ela pelo grito
de torcida.
A festa acontecia no enorme gramado dos fundos da casa.
Estava quente e silencioso ali fora, e Heath conseguira que o
jardineiro instalasse uma tenda branca enorme e fileiras de
pisca-piscas de Natal. Ele também pegou seis esculturas gigantes
da crescente coleção dos pais de compras aleatórias em
galerias para decorar a tenda cara. As esculturas eram lírios
enormes em flor. Suas pétalas lustrosas lembravam a todos,
não tão inconscientemente, de sexo. Como se alguém precisasse
de algum lembrete. Depois de ver o peito de Jenny, era
a única coisa em que todo mundo pensava.
Jenny viu Brandon e correu para ele.
— Oi! Aonde você foi depois do jogo? — exclamou ela
animada.
— Acho que vim para cá um pouco mais cedo — respondeu
ele, depois desviou os olhos rápido. Ele ainda se sentia
perturbado com a história Callie-Easy-Jenny.
— Qual é o problema? — perguntou ela.
— Nenhum.
— Jenny, aquele grito foi totalmente divertido. — Benny
apertou a mão de Jenny. Os brincos de pérolas Mikimoto de
Benny eram tão grandes que os lóbulos das orelhas estavam
caídos.
— Obrigada! — gritou Jenny.
261
— Brandon, você viu?
— Vi. — Teria sido difícil não ver. Foi meio vulgar, mas
meio sensual ao mesmo tempo. E o cérebro dele parecia que
ia explodir, vendo Jenny e Callie empinando os peitos e batendo
a bunda ao mesmo tempo. E é claro que ele adorou ver
Heath tremer de constrangimento quando Jenny falou de seu
pinto pequeno.
Jenny o olhou atentamente.
— É sério, você está bem?
— Er — murmurou Brandon.
— O que foi? — perguntou ela novamente. Benny tinha
se afastado para falar com outra pessoa. — Pode me contar.
Ele apertou os lábios. Ele não sabia o que estava sentindo.
Será que estava confuso a respeito de Callie? Irritado com
Jenny por estar a fim de Easy? Chateado por voltar à escola, e
ponto final? De repente uma voz alarmantemente aguda se
destacou na multidão.
— Jenny! — Brandon e Jenny viraram a cabeça. Celine
estava sentada do outro lado, em um sofá de couro branco.
Brett, toda de preto, estava sentada no braço do sofá. Callie
estava de pé do outro lado, fumando em uma piteira prateada.
O coração de Brandon começou a martelar. — Jenny, vem
cá! — gritou Celine.
Jenny olhou de novo para Brandon.
— Tem certeza de que está tudo bem? — perguntou ela.
— Jen-ny! — berrou Celine novamente.
Jenny olhou para ele de um jeito indagador por mais um
momento e Brandon percebeu que ele estava sendo meio
babaca. Então Callie estava ferrando com as emoções dele. E
262
Jenny não gostava dele. E daí? Ela ainda era doce e carinhosa.
E neste exato momento, ela parecia tão feliz.
— É sério — ordenou ele. — Vai.
Ao se virar para ir até o sofá das meninas, uma veterana
alta e convencida chamada Chandler pegou o braço de Jenny.
— Grito legal.
— Obrigada!
Outra loura parada ao lado de Chandler, que vestia um top
fino e prateado e calça listrada de rosa e cinza, semicerrou os
olhos para Jenny.
— Você já foi modelo? Você me parece familiar.
— Acho que ela parece a Tinsley — acrescentou Chandler.
— Na verdade, fiz um anúncio da Les Best. Mas foi só
uma vez — disse Jenny, reluzente.
— Então, é isso! — gritou a menina. — Eu adoro aquele
anúncio. Você está tão linda nele, toda doida na praia. Quem
foi seu cabeleireiro?
— Jenny! — gritou Celine do sofá novamente.
— Tenho que ir — explicou Jenny a Chandler e à outra
garota. — Foi um prazer conhecer vocês — Enquanto ia para
o sofá novamente, algo lhe ocorreu de repente. Ela não se sentiu
compelida a inventar uma história maluca sobre um desfile
de moda seminua ou uma noite pervertida com os Raves.
Nada disso. Jenny, não a Velha Jenny, nem a Nova jenny, mas
esta Jenny, era boa o bastante para essas meninas do jeito que
ela era. Eu adoro a Waverly!, pensou ela, com um estremecimento
momentâneo de prazer. Meu Deus, ela simplesmente
não podia ser expulsa. Agora não!
Ela se juntou às outras no sofá. Celine de imediato passou
263
a ela um martíni de Grey Gosse com Red Bull.
— Então não está chateada com a gente? — perguntou
Celine. — Com o grito de torcida?
— É. — Callie sacudiu a cabeça. — Eu queria contar a
você...
— Não se preocupem — Jenny as tranqüilizou. Embora
tivesse sido meio cruel, ela agora se sentia parte de alguma
coisa, uma tradição verdadeira e exclusiva da Waverly. Isso não
era incrível?
— Mas aquele grito foi demais — comentou Celine. Ela
estava fumando um Dunhill Ultra Light e mordendo seu colar
de contas ao mesmo tempo.
Jenny se aproximou de Brett, que estava sentada na ponta
do sofá e parecia estar ali há 96 horas.
— Você sumiu depois do jogo. Está tudo bem?
— Sei lá — respondeu Brett mecanicamente.
— É o... — começou Jenny.
Brett pôs o dedo nos lábios mas assentiu infeliz.
— O que aconteceu?
Brett sacudiu a cabeça.
— Não posso falar sobre isso — cochichou ela entre goles
de bebida.
— Tudo bem.
Callie pegou o braço de Brett.
— Eu vi o Jeremiah quando eu estava chegando. Ele está
procurando por você.
Os olhos de Brett se arregalaram de medo.
— Você disse a ele que eu estava aqui?
— Er, disse. Por quê, existia algum motivo para eu não
264
dizer? — perguntou ela, obviamente fingindo distração.
— Merda — murmurou Brett.
— Qual é o problema? Até parece que você está saindo
com outro, né?
Brett sacudiu a cabeça febrilmente.
— Você não devia ter contado a ele que eu estou aqui.
— Bom, desculpa! Como é que eu ia saber? — perguntou
Callie. — Você não me conta mais nada mesmo.
— Você só... não devia.
As outras meninas olhavam de Callie para Brett, como se
assistissem a uma partida final de Wimbledon. Jenny se perguntou
se Callie sabia de Brett e o Sr. Dalton. Callie apagou o
cigarro com o salto do mule de crocodilo azul.
— Então, por que não quer ver o Jeremiah, afinal?
— Eu só... não quero. E pronto.
— Ele não é legal o bastante para você? Nós não somos
legais o bastante para você? — perguntou Callie, rolando a
língua na bochecha.
— O que é isso — retorquiu Brett. — Eu não disse...
— Você está querendo namorar um cara mais velho?
Jenny congelou.
Brett franziu o cenho.
— O que isso quer dizer?
Callie tombou a cabeça de lado.
— Você achou seu celular?
— Achei. — Brett acendeu um cigarro. — E daí?
— Daí que... nada. Eu o achei. Só queria ter certeza de
que você o encontrou.
— Você viu minhas mensagens? — A voz de Brett ficou
265
aguda.
— Não! — Callie parecia magoada. — Eu não faria isso!
— Uma ova que não faria. Deixa pra lá. Tenho que ir
embora dessa merda.
— Do que ela está falando? — perguntou Celine enquanto
Brett disparava para fora.
Callie encarou fulminando a figura de Brett que se afastava
e não respondeu.
— Parece que ela está tendo problemas com os homens...
Ela nem quer ver o Jeremiah! — acrescentou Celine. — E ele
é tão gato!
— Ah, não é com o Jeremiah que ela está tendo problemas
— cochichou Callie. — É com, sabe quem... o Sr. Dalton.
A boca de Jenny se escancarou. Ai. Meu Deus. Que amiga
era a Callie.
— Dalton? — repetiu Celine. As meninas a olharam num
silêncio aturdido.
— Total. Eles realmente estão... — Callie começou a cochichar,
mas foi interrompida por Heath Ferro. Estava com
um capacete viking falso, à la Flava Falv, e tinha tirado a camisa
para revelar uma tatuagem celta temporária no peito.
— Oi, meninas. — Ele passou os braços em Jenny e Callie.
Acho que ele gosta de mim de novo, pensou Jenny pervertidamente.
Não que ela se importasse. — Estou cheio de idéias. —
Ele apontou para os chifres.
Celine riu.
— Eca!
— É claro que está, Pônei — disse Benny, que tinha aparecido
atrás deles.
266
— É verdade. Então, querem jogar “Eu Nunca?” — Heath
pegou uma garrafa de Cuervo de uma mesa próxima.
— Claro que sim — concordou Callie rapidamente, desviando
os olhos de Brett, que parou na porta da tenda, todo o
corpo tremendo.
— Tudo bem, mas regras novas: se vocês nunca transaram
vão ter que tomar um gole e beijar alguém — anunciou Heath,
afagando um dos chifres do capacete.
— Você é inacreditável. — Benny riu.
— Tá bom. — Callie suspirou. — Mas nada de língua.
Jenny, Heath, Sage, Teague Williams e Benny se organizaram
no gramado molhado do lado de fora da tenda. O ar
estava frio e úmido, mas Jenny sentia um calor vindo da barriga.
O martíni de Red Bull fez com que se sentisse meio estranha.
— Quem quer ser o primeiro? — perguntou Heath, dando
um gole longo na Heineken.
— Eu vou. — Jenny levantou a mão. Ela serviu a bebida
em pequenos copos de plástico. — Tudo bem. Então.
Humm... Eu nunca transei num campo.
Callie, Celine e Benny deram de ombros. Jenny, Heath e
Teague tomaram um gole.
— Vamo lá, Jenny — chamou Heath, arrastando-se pela
roda na direção dela. — Vamos ver se você se lembra como se
faz.
Eca, eca, eca. Jenny deu um selinho de bêbada na boca de
Heath e depois lhe deu um beijo brincalhão na barriga.
— Jóia! — guinchou ela. E em vez de rir dela, todo o
mundo gritou e tomou outro gole, só para se divertir.
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30
NEM TODAS AS WAVERLY OWLS
PRECISAM DE ÓCULOS.
Easy puxou o baseado com força e o passou a Alan St.
Girard. Eles estavam sentados em um pequeno nicho
que os separava do resto da tenda com aquelas cortinas
de contas que uma vovó podia ter na casa de jogos.
— Esta festa está um saco — Easy conseguiu grunhir enquanto
tentava prender a fumaça da maconha nos pulmões.
— Mas não são sempre assim? — respondeu Alan.
Eles conversaram por alguns minutos sobre que festa tinha
sido a melhor e concluíram que foi a que Tinsley Carmichael
dera na enorme cabana de madeira dos pais dela no
Alasca um ano e meio antes. Aconteceu nas férias de primavera
e a maioria dos meninos tinha ido com os pais para Park
City ou Monte Carlo, então nem todos foram ao Alasca. A
casa ficava na beira de um lago de gelo, perto de uma monta-
268
nha roxa gigantesca. Todos beberam tanto vinho tinto que ficaram
completamente desinibidos. Isso foi antes de Easy e
Callie ficarem juntos, e ele convenceu Tinsley a ficar nua com
ele e se sentar na hidro externa da casa, onde eles conversaram
a noite toda. Foi o tipo de festa onde tudo é sereno e perfeito
— ninguém ficou chateado com ninguém e todo mundo
tomou um porre divertido sem desmaiar nem vomitar no piso
de teca.
A cortina de contas se abria e Brett entrou de repente.
Estava toda de preto e parecia áspera e amuada, como aquela
bruxa velha e má da maçã em Branca de Neve.
— O que é que tá pegando? — perguntou Easy enquanto
ela se jogava ao lado dele.
— Posso me esconder aqui com vocês? — Ela pegou o
baseado, que tinha queimado até uma guimba pequena e
nodosa, deu um longo trago e soprou a fumaça pelo nariz.
— Claro.
— Vocês, homens, não têm sentido nenhum — disse ela
por fim depois de uma longa pausa, passando as mãos no cabelo
insanamente ruivo.
— Quem, eu e Alan?
— Não. — Brett se virou para Easy, e Easy se lembrou do
motivo para ele gostar tanto dela. Brett tinha queixo largo,
olhos grandes, um rosto bonito, meio como o de Mandy
Moore. — Quer dizer... Por que é que quando vocês querem
uma coisa, e quando conseguem, quando nós damos a vocês,
vocês estragam tudo?
Alan deu um tapa e se recostou, passando a mão no cabelo
castanho muito curto.
269
— Isso é meio profundo demais para mim, cara.
Brett pegou os cigarros e acendeu um.
— Deixa pra lá — disse ela num tom de zombaria, levantando-
se novamente. Ela semicerrou os olhos para Easy. —
Você ainda está com a Callie?
— Sei lá.
Ela deu uma risadinha.
— Foi o que eu pensei. Vou dar o fora daqui. Boa festa
para vocês, meninos.
— Ela é tão estranha — murmurou Alan. — Sabe o que
eu soube? Ouvi dizer que ela está trepando com um dos professores.
Aquele cara novo.
— A Brett? — perguntou Easy, procurando por ela. —
Não.
— Não sei não, cara. Olha só pra ela. Ela está um lixo.
Easy grunhiu e rolou uma das cortinas de contas bege entre
os dedos. Seu cérebro de chapado tentou processar o que tinha
acontecido com Callie. Eles estavam juntos ou não?
Ele se levantou e separou as contas com a mão, sentindose
totalmente confuso. Ele esperava que o amor fosse uma
coisa estupenda, talvez meio dolorosa. Como o jeito dolorido
e gasto como ficavam suas costas e pernas depois de cavalgar
em Credo o dia todo. Ou a sensação de quando ele estava em
Paris, parado no Sena, vendo as pessoas passarem, e de repente
percebeu que ele estava exatamente ali naquele momento e
não preso em algum lugar do passado ou do futuro. Mas ele
não tinha certeza se sentia a mesma coisa com Callie. Onde
estava ela, aliás?
E foi aí que ele a viu.
270
Heath Ferro beijava Callie em todo o rosto. Ela baixou
tanto a calça jeans dele que ela caía abaixo dos quadris. Ele podia
ver um pedaço do traseiro dele. Como sempre, Heath estava
no comando.
Easy voltou para o esconderijo. Bom, aí estava a resposta
dele.
271
31
UMA WAVERLY OWL SABE QUE ÀS
VEZES É UMA BOA IDÉIA FICAR
SENTADA NAS SOMBRAS.
Parece que estou toda solta e sacudida. — Jenny
agitou os braços em volta do corpo. Ela foi para o
gramado surpreendentemente silencioso atrás da
tenda. Havia um pequeno jardim japonês de rochas, um banco
de pedra com musgo e um espelho d’água ladeado por ladrilhos
cor de jade. Um peixe dourado gigante nadava devagar
no espelho d’água redondo. Depois de algumas rodadas de “Eu
Nunca”, Brandon lhe deu um tapinha no ombro e perguntou
se ela queria tomar um pouco de ar.
— Você estava ficando meio verde lá dentro — disse ele.
— Eu estou bem. Mas obrigada por me tirar de lá. Estava
ficando meio esquisito. — Ela não ficou realmente entusiasmada
por ver um pedaço da bunda de Heath Ferro, que tentava

272
aparecer ao máximo.
— Tudo bem.
— Por que é que não jogou com a gente? Você tem alguma
coisa contra jogos de beijar?
— Eu... — Ele hesitou. — É complicado.
Jenny virou a cabeça.
— Tá legal — respondeu ela. Ela estava feliz que Brandon
se sentisse bem só de ficar sentado com ela em silêncio, sem
explicar nada. Os amigos ficavam juntos sem dizer nada, afinal,
e embora ela estivesse se divertindo muito na festa, alguma
coisa nela parecia vazia, agora que estava bêbada. Com
quantas pessoas dali ela realmente se sentia ligada? Brandon
era um amigo de verdade e eles podiam ser sinceros um com
o outro. Ela pousou a cabeça no ombro dele e olhou para o
reflexo dos dois no espelho d’água.
— Você nunca me contou que ficou com a Callie no ano
passado. — Ela olhou para ele.
Ele olhou para baixo.
— É.
— É por isso que você odeia tanto o Easy?
Ele assentiu.
— Bom. Isso faz sentido.
— Mas é tão confuso — começou Brandon devagar. —
Eu ainda gosto de verdade dela. Tentei não gostar, mas... Não
consigo.
— Eu entendo perfeitamente — disse ela, pensando em
Easy.
Outro reflexo apareceu no laguinho. Era de um cara de
cabelo desgrenhado e irresistivelmente bonito que, apesar de
273
estar em uma festa, ainda tinha manchas de tinta no pescoço.
Jenny prendeu a respiração. Era como se ela tivesse conjurado
Easy só de pensar nele.
Ou talvez ela só estivesse meio de porre.
— Oi. — Ele a cumprimentou com delicadeza.
Jenny piscou. Ele vestia uma camiseta preta desbotada
NASHVILLE MUSIC FESTIVAL e jeans sujos e manchados
de tinta. O cabelo basto, brilhante e quase preto, que precisava
com urgência de um corte, enroscava no pescoço dele.
Brandon fechou a cara de frustração, depois apertou a mão
dela.
— Eu preciso ir — anunciou. Ele se curvou e cochichou
no ouvido dela. — Boa sorte.
Brandon passou roçando por Easy sem cumprimentá-lo,
depois lentamente se afastou. Easy se sentou ao lado de Jenny.
— O que vocês estavam fazendo aqui fora? Tem todo tipo
de merda doida acontecendo neste lugar.
— É, eu participei de uma merda doida, mas decidi sair e
olhar o espelho d’água.
— Uma beleza — murmurou Easy.
— É, não é?
— Eu quis dizer você, e não o lago — sussurrou ele.
As palavras de Jenny ficaram presas na garganta. Ela também
estava muito, muito bêbada. Mas de repente ela também
se sentiu muito, muito sóbria. Easy acendeu um cigarro e o
fumou em silêncio, deixando uma faixa fina de fumaça cinza
vagar pelo jardim e formar um halo sobre as árvores de
origami.
— Eu vi seu grito no jogo de hoje. — Easy quebrou o si-
274
lêncio. — Foi... Qualquer coisa de impressionante.
— Ah — ela conseguiu dizer, olhando para baixo,
constrangida. Quanto mais bêbada Jenny ficava mais ela se
perguntava se realmente pertencia a este lugar. Então ela transformou
o grito de torcida hoje, mas e se ela não conseguisse
manter esse tipo de raciocínio rápido o tempo todo? Ela tentava
não pensar nisso, mas pensamentos horríveis sobre a audiência
do Comitê Disciplinar ficavam se esgueirando para
dentro de sua mente. É claro que ela foi popular esta noite,
mas que importância tinha isso se ela fosse expulsa da Waverly
na segunda-feira? Ela podia dedurar Callie, mas todo o mundo
definitivamente a odiaria se ela conseguisse a expulsão de
Callie. Não havia jeito de sair ganhando nessa.
— Onde você aprendeu aquilo?
— Na verdade... É esquisito demais pra explicar.
— Sei — respondeu Easy. — Mas aí, sabe quando te falei
das corujas naquele bilhete?
— Sei. — Jenny olhava para o perfil dele pelo canto do
olho. A noite estava ficando mais fria e ela podia ver o orvalho
se formando na grama ao redor deles. Ela se perguntou que
horas seriam.
— Você acha que foi totalmente idiota?
Jenny cruzou as pernas.
— O quê? Não. Por quê?
— Porque... Eu te disse que eu achava que elas conversavam.
— Não. Na verdade, eu achei um doce.
— Achou? — Ele sorriu timidamente para o chão.
— É. — Ela sorriu também, agora olhando para ele.
275
Easy se aproximou aos poucos de Jenny.
— Por quê?
Jenny pensou no motivo. Porque você é um gato? Porque você
é lindo? Porque eu não consigo deixar de pensar em como você é perfeito
para mim?
Jenny se aprumou.
— Easy? Você está me dando mole porque a Callie te
pediu para fazer isso?
Ele deu um trago no cigarro.
— Eu ia te perguntar a mesma coisa.
— Ah — disse ela, confusa. Ela encarou o próprio reflexo
na água. — Bom, está?
— Não — respondeu ele por fim. Jenny percebeu que a
mão dele estava tremendo. — E você?
— Não — respondeu Jenny rapidamente. — É claro que
não estou.
— O que você vai fazer no CD? — perguntou ele depois
de alguns segundos, apagando o cigarro numa pedra. — Vai
dizer que foi culpa da Callie?
— Eu ainda não decidi. — Jenny sentiu o rosto se enrugar.
Ela não queria estragar a vida de Callie, mas também não
queria ser expulsa da Waverly. E se ela saísse do CD e nunca
mais visse Easy?
— Olha — Easy suspirou. — Eu não acho que nada disso
é certo, e eu não acho que você deva se meter em problemas.
E além disso, eu nem estou mais com a Callie.
Jenny prendeu a respiração.
— É estranho que ela esteja manipulando a gente, né?
Ela assentiu imperceptivelmente.
276
— E mais do que isso... As coisas não estão certas — sussurrou
ele, como se estivesse falando consigo mesmo.
— Como assim? — perguntou Jenny, desejando que ele
olhasse nos olhos dela e depois, talvez... para sua boca.
— Bom... — Easy se recostou na grama e olhou o céu.
Jenny se lembrava de como ele apontou as Sete Irmãs no teto
e se perguntou onde estava a constelação esta noite. — Sabe
aqueles comerciais de diamante De Beers que mostram o amor
como... como uma coisa cintilante e louca?
— Sei — disse Jenny, deitando-se de costas também.
— Bom, eu quero isso — explicou Easy, falando para a
frente. — Eu não tenho isso agora, mas quero. Não de um
jeito idiota, mas quero tudo isso.
Jenny tremeu por dentro. Ela entendia completamente o
que ele queria dizer. E enquanto eles olhavam o céu, as estrelas
no alto piscaram, cintilantes. Como se fossem diamantes.
277
OwlNet Caixa de Entrada de E-mail
Para: “galera da festa” (27 membros na lista)
De: HeathFerro@waverly.edu
Data: Domingo, 8 de setembro, 11:40h
Assunto: Demais, demais, demais
Pessoal. A festa Sábado Negro foi superquente. Alguns números
interessantes:
6: Número de meninas com quem fiquei ontem à noite. (Esse é o
número de que eu me lembro, é claro.)
11: Garrafas de Cuervo que secaram. Caraca!
1: Cara estranhamente elegante parado na margem do jogo “Eu
Nunca”, olhando ansioso para uma certa deusa loura de Atlanta.
2: Pares de sapatos femininos perdidos. Um par de Manolos, um
par de Tod’s. Quem é que ficou tão mal que foi para casa descalça?
2: Pessoas sentadas no meu laguinho de peixes, olhando-se nos
olhos amorosamente. Mas e não vou contar quem são. Só meu peixe
dourado, Stanley, sabe disso.
Até mais, galera,
Heath
P.S.: Mal posso esperar pela próxima farra.
P.S.2: Só faltam três semanas. Tratem de descansar!

279
32
PRATICAR UM ESPORTE É UMA FORMA
SAUDÁVEL DE AS WAVERLY OWLS LIDAREM
COM SUA AGRESSIVIDADE.
As equipes esportivas da Waverly eram tão cruéis que
obrigavam todo o mundo a ir ao treino de esportes
no Domingo Mais Negro (assim chamado por motivos
óbvios). Todos chegaram ao campo com bafo de martíni,
olheiras nos olhos ainda manchados nas pálpebras superiores
e a língua rosa, cortesia de duas doses de Pepto Bismol para
acalmar o estômago revoltado.
Callie estava sentada no banco de hóquei com a cabeça
entre as pernas. Estava com um chupão no pescoço e tinha
certeza de que não era de Easy. Ela tentou cobri-lo com o bastão
Joey New York, mas a grande mancha roxa ainda estava lá.
Na verdade, ela não dava a mínima para isso, queria se enroscar
de novo no cobertor de cashmere e chupar o dedo. Ela olhou
280
Jenny e Brett sentadas na grama, alongando-se, como se não
tivessem tomado uma gota de álcool na noite anterior. Desde
quando elas eram tão boas amigas?
A Sra. Smail soprou o apito e chamou as meninas para o
início da partida. De todas as coisas a fazer em um treino pósfesta
Sábado Negro, elas iam realmente jogar? Por que todo o
mundo não dava só umas voltas e ia para a cama?
— Callie Vernon, Brett Messerschmidt, vocês no meiocampo
— instruiu a Sra. Smail.
Um arfar coletivo surgiu do banco. Todas viraram a cabeça
de um lado para o outro, do rabo-de-cavalo louro de Callie
para o cabelo ruivo de Brett. Callie se levantou do banco, sentindo-
se inchada e nauseada. Ela viu Brett correr para o meio
do campo. A frustração cresceu dentro dela novamente. Como
Brett ousou não contar a ela sobre o Sr. Dalton?
Assim que a Sra. Smail largou a pequena bola prateada,
Brett bateu nela, girando o bastão com tanta estupidez que
atingiu a caneleira de Callie.
Callie recuou de dor e raiva. Ela disparou atrás de Brett,
que agora estava alguns passos à frente dela, conduzindo a bola.
O gramado estava molhado debaixo de seus pés e as travas
pretas e brancas do tênis Nike afundavam no chão. A saia de
Brett se levantou tanto que era possível ver o fundo do short
marrons STX e a bunda magrela. Callie a alcançou e desceu o
bastão entre Brett e a bola. Depois as mãos de Brett giraram e
ela bateu na bola com o lado redondo do bastão de hóquei,
mandando-a para longe de Callie, para uma jogadora de meiocampo
do time de Brett.
— Falta! — gritou Callie, parando no campo. — Sra.
281
Smail! Foi falta!
— Eu não vi — respondeu a Sra. Smail. — Continuem
jogando. — Ela gesticulou para as outras meninas, que tinham
pego a bola e a conduziam para um dos gols.
— Meu Deus! — Callie atirou o bastão no chão, de desgosto.
— Ela bateu na bola com o lado errado do bastão!
— Tanto faz — disse a Sra. Smail. — É só um treino e eu
não vi isso.
Callie se virou para Brett, os olhos estreitados.
— Não ensinam hóquei em Nova Jersey, né?
Callie observou enquanto a pele leitosa de Brett ficava mais
branca.
— Vai pro inferno — murmurou Brett por fim.
— Aaaah, o grande retorno da monitora da turma, Brett
Messerschmidt. Pensei que você tinha ótimas habilidades de
debate! Pensei que podia se safar de tudo só no papo!
— Meninas — alertou a Sra. Smail —, joguem, Brett, seu
time acaba de marcar um gol.
Brett contornou a Sra. Smail para encarar Callie.
— Que foi, Callie? Que coisa enorme é essa que você tem
contra mim? Eu é que devia estar com raiva de você... E não o
contrário!
— Ah, é? E por quê?
— Porque você é uma cretina manipuladora, é por isso!
— gritou Brett.
As outras jogadoras arfaram. A Sra. Smail tentou se meter
entre elas, mas Callie lançou-lhe um olhar que dizia Fique fora
disso. A Sra. Smail se virou e começou a andar rapidamente
para a sede.
282
Callie se virou para Brett.
— Retire o que disse. Eu não sou manipuladora.
Brett deu uma gargalhada.
— Não? Então o que é toda essa história de Jenny e Easy?
Como é que não é manipulação? — Ela olhou para Jenny, que
estava parada perfeitamente imóvel, o bastão suspenso, vendo-
as de sua posição no meio-campo.
Callie olhou para Jenny também. Ótimo. Que ótimo. Um
comentário assim ajudaria muito a Jenny a livrar a cara dela
no CD. Ela olhou para Brett.
— Você não sabe de nada.
— Eu não preciso saber de nada — rebateu Brett. — Eu
conheço você e sei como age. Pelo que você fez com a Tinsley.
— Tinsley?! — A boca de Callie se escancarou.
— É isso mesmo. — A voz de Brett estava rouca. Ela se
aproximou da ex-amiga, tão perto que as duas quase se tocaram
pelo nariz. — Por que não abre o jogo? Você armou para a
Tinsley levar toda a culpa. Você fez isso para não ficar encrencada.
Ah, isso já era alguma coisa.
— Eu armei? Quem disse que não foi você que armou?
— gritou Callie.
As lágrimas corriam de seus olhos.
— Eu nem falei com a Tinsley antes de ela ir embora! Eu
fui chamada no CD, saí, e ela já tinha saído!
— Ah, tá. Essa é uma boa...
— Por que eu ia armar pra cima da Tinsley? Nós éramos
amigas!
Brett recuou um passo e olhou para Callie, confusa. As
duas se olharam por longos segundos antes dos ombros de
283
Brett relaxarem um pouco.
— Está falando sério, não está?
Callie assentiu feroz.
— E você acha que eu meti a Tinsley em problemas?
— Bom, eu não fui, então deve ter sido você — explicou
Callie, mas Brett podia ouvir a bravura dela enfraquecendo.
— Eu nem tive a chance de falar com a Tinsley também.
Ela foi embora antes que eu conseguisse.
Callie olhou para baixo.
— É mesmo?
— É.
As outras jogadoras soltaram a respiração.
— Eu não entendo — conjecturou Brett. — A Tinsley
simplesmente... Assumiu a culpa por nós, sozinha?
— Acho que sim. Mas por que ela fez isso?
— Sei lá.
Callie começou a rir.
— Isso está mesmo uma merda.
Brett começou lentamente a rir também.
— Meu Deus, eu pensei total que tinha sido você.
— E eu pensei que tinha sido você!
— E eu pensei que você estava pedindo transferência de
quarto só para não ter que falar comigo sobre a Tinsley!
Atrás delas, a Sra. Smail corria com o Sr. Steinberg, o treinador
de futebol masculino. Quando viu Callie e Brett rindo
e depois se abraçando, ela parou, confusa.
— Eu juro que elas estavam a ponto de se matar.
— Mulheres — suspirou o Sr. Steinberg meio desanimado,
sacudindo a cabeça.

285
33
UMA WAVERLY OWL DEVE TER O CUIDADO
DE NÃO SER FLAGRADA.
A Sra. Smail passou os dedos no cabelo curto louro-mel.
— Sabe de uma coisa, por que vocês todas não vão
para o banho? — sugeriu ela depois de um momento.
Até que enfim.
Brett sentia-se como se tivesse corrido uma maratona, e
era assim que sempre se sentia depois de uma briga violenta
com alguém. Ela andou lentamente de volta às arquibancadas
com Callie e nenhuma das duas falava. Mas era um silêncio
agradável, e não um silêncio tenso. Ela atirou as caneleiras na
bolsa de náilon cinza Hervé Chapelier e percebeu o celular
vibrando. Era uma mensagem de texto: Venha até o meu barco
quando puder. Precisamos conversar. — Eric
Ela pôs a cabeça entre as mãos. Aquele único beijo demorado.
Os lábios macios dele. O modo como ele finalmente
286
colocou os braços em volta dela, puxando-a para mais perto.
O cheiro dele, como menta, cigarro e sabonete de lavanda francesa.
O modo como ele sorriu um pouco quando eles pararam.
Ela se sentiu tão rejeitada depois do beijo dos dois ontem,
mas quem sabe se ele mudou de idéia? Ela sabia que era perigoso,
mas viver não era assumir riscos? Ela esperava que Eric
sentisse a mesma coisa.
Ele estava esparramado em uma moderna espreguiçadeira
branca no convés do barco, um saco de pretzels de mostarda
com mel ao lado, quando ela chegou. Ele se levantou e
espanou os farelos da calça.
— Oi.
— Oi — respondeu ela, parada na beira da água. Ela tinha
se vestido rapidamente com uma camiseta C&C California
preta e jeans Blue Cult de cós baixo, esperando parecer
informal e modesta, mas agora a roupa parecia totalmente
errada. A blusa dela era tão curta e as calças tão baixas que a
maior parte de sua barriga acenava para ele. Era déclassé demais
para Eric. Ela tentou cobri-la com a mão. Não ajudou em nada
que ele estivesse absolutamente lindo, o cabelo castanhoalourado
em cachos na beira da camisa pólo branca.
— Oi. — Ele sorriu para ela.
— Oi de novo — disse Brett em voz baixa.
Eles ficaram em silêncio, olhando-se à distância. Brett se
sentia uma idiota — obviamente ele não sentia a mesma coisa.
O estômago de Brett se espremeu dentro dela, irritado por
ele tê-la feito vir aqui para dizer a ela o que ela já sabia: que
eles não podiam se ver mais, blá, blá, blá. Tá legal, grande coisa.
Ela queria que isso acabasse rapidamente. E não queria vê-lo
287
nunca mais. Ela podia se demitir do CD. Quem se importava
se isso fosse importante para sua candidatura à universidade?
Havia outras maneiras de entrar para a Brown.
— Mas então eu estava pensando no seguinte. — Ele interrompeu
os pensamentos dela. — Você tem mais um ano
aqui. E você tem 17 anos. Eu tenho 23. Isso dá seis anos.
— Arrã — respondeu Brett, torcendo um cabo que estava
em um dos mastros do convés.
— Seis anos. Bom, quando estivermos os dois na casa dos
vinte anos... você terá, digamos, 22 e eu, 28. E quando eu tiver
cinqüenta, você terá 44.
Brett bufou.
— Do que você está falando?
— Eu... — começou Eric.
— Sem querer ofender — respondeu Brett rapidamente,
endireitando-se. — Mas eu não vou, tipo assim, esperar por
você até que eu tenha 44 anos. Eu espero estar com um cara
mais novo nessa época.
Eric a encarou atentamente.
— Eu não acho que possa esperar até que você tenha 44.
— Ah — respondeu ela, girando o cabo no dedo com tanta
força que começou a cortar sua circulação.
Ele a encarou, depois suspirou.
— Quer entrar na minha cabine?
Brett parou. Ela não era otimista, mas desconfiava de que
este seria o maior e mais importante momento de sua vida.
Parada ali, com uma camiseta vulgar e o jeans mais vulgar ainda,
em um domingo qualquer depois do treino de hóquei,
meio de ressaca, com 17 anos, um cravo minúsculo no canto
288
da bochecha direita que foi coberto com MAC, o dever de casa
de biologia avançada por fazer... Sua vida era um tédio. Mas
se ela quisesse que acontecesse, os momentos seguintes podiam
mudar sua vida para sempre.
— É, eu acho que posso fazer isso. — Ela sorriu para si
mesma e pôs a mão na amurada do convés para subir a bordo.
289
34
ÀS VEZES UMA WAVERLY OWL
DEVE ASSUMIR RISCOS.
Ao contornar a esquina do Dumbarton, Callie viu Easy
bloqueando a porta da frente. Seu primeiro instinto
foi se virar na outra direção e voltar ao campo de treino.
Mas Easy a viu.
— Espera. — Ele desceu a escada de concreto. — Volta
aqui.
Callie se virou relutantemente. Ela teve flashes de imagens
borradas da festa da noite anterior: uma confusão de garrafas
de tequila, a tatuagem celta horrorosa de Heath, Easy
espiando através da cortina de contas, o e-mail infantil de
Heath no dia seguinte. Até o começo do ano, todo o mundo
se divertia em ver como Heath pegava todas as meninas; e é
claro que ela estava bêbada, com raiva de Brett e com uma raiva
ainda maior de Easy, mas por que ela precisava deixar que
290
Heath a pegasse também?
— Oi — respondeu ela num murmúrio.
— E aí. Se divertiu ontem à noite? — perguntou ele, as
sobrancelhas erguidas.
— Desculpe. — Ela bateu as mãos na saia xadrez marrom
e azul do hóquei. — Sobre o... Você sabe. Aquela coisa. Foi
idiotice. Um jogo de bêbados.
— Definitivamente me pegou de guarda baixa. — Easy
passou o pé em um seixo do passadiço. Ver Easy desajeitado
daquele jeito fez Callie derreter.
— Foi uma festa esquisita. — Ela olhou para baixo.
Easy não respondeu.
— Não foi como no ano passado — prosseguiu Callie.
— Eles só estavam se divertindo.
Ela se sentou no degrau da escada e reuniu os joelhos,
combatendo o impulso dominador de fechar os olhos com
força.
— Eu só quero que as coisas com a gente sejam também
como no ano passado. A gente se divertiu tanto.
— É — disse Easy delicadamente.
— O que aconteceu com a gente?
— Não sei.
— Talvez a gente possa recuperar tudo. — Callie levantou
a cabeça, esperançosa. — Talvez, se a gente só, sei lá. A
gente pode ir a algum lugar longe do campus e conversar. Um
lugar onde não tenha ninguém. Qualquer lugar que você queira.
Eu até cavalgo com você — acrescentou ela impulsivamente.
Easy sempre tentou conseguir que ela andasse a cavalo com
ele e ela jamais quis.
291
— Você faria isso?
— Se não me expulsarem daqui, sim. — Ela se remexeu
no degrau. — Eu ainda não sei o que a Jenny vai fazer. Quer
dizer, não acho que ela queria me dedurar, mas ela não quer
ter problemas.
Easy encarou os próprios tênis.
— Eu não acho que a Jenny deva ter problemas.
— É, você já disse isso. — Callie ouviu a tensão na própria
voz.
— Acho que você devia assumir a culpa. Jenny não tem
nada a ver com isso.
— Se eu assumir a culpa, vou ser expulsa. Você quer isso?
Easy sacudiu a cabeça.
— Não. Eu... Sei lá. Se pelo menos existisse um jeito de
nenhuma das duas ter problemas...
— Não entendi. — Callie o encarou. — Por que você se
importa tanto se ela vai ter problemas ou não? Vocês nem se
conheciam até que eu... — De repente, foi como se uma lâmpada
tivesse se acendido em sua cabeça. O que Brandon tinha
dito a ela depois da festa pré-Sábado Negro. As palavras no
braço de Jenny. O email de fofoca de Heath (duas pessoas se
olhando nos olhos amorosamente). Os dois estavam receptivos
demais à paquera quando Callie pediu isso a eles.
Easy gostava de Jenny. Não porque Callie disse a ele para
gostar dela. Mas porque ele realmente gostava.
Callie enfiou o polegar na boca e se virou para que ele não
visse sua expressão.
Easy a observou enquanto ela se virava, perguntando-se o
que ela estava pensando. Como ele podia salvar Jenny e Callie?
292
A única coisa em que podia pensar era colocar em risco seu
próprio lugar na Waverly. Será que ele seria homem o bastante
para isso?
Callie se virou novamente.
— Acho que o que tiver que ser, será.
— Quem sabe? Eles ainda podem me expulsar.
Ela ficou em silêncio por um segundo.
— Eu só queria voltar no tempo.
Easy pôs a mão sobre a de Callie.
— Eu sei — respondeu ele, pensando. Isto... o que quer
que fosse... com Jenny... parecia grande demais para ele entender.
E talvez assustador demais. Olhando para Callie, sentada
no degrau com sua saia de hóquei e chinelos depois do
treino, o cabelo puxado para trás num rabo-de-cavalo embaraçado
e sem um pingo de maquiagem, ela parecia uma criança.
Não uma adulta do mundo, cheia de emoções. Ela era doce e
segura, e era algo que ele entendia. Ele odiava pensar em deixála,
quer isto significasse deixá-la pela Jenny ou deixar a Waverly
completamente. — Talvez eu possa fazer com que isso aconteça
— disse ele, apertando a mão dela com os dedos.
293
35
AS WAVERLY OWLS DEVEM SE ESFORÇAR
PARA QUE OS NAMORADOS NÃO AS
PEGUEM COM OUTRO CARA.
Uma hora depois, Brett descia a prancha do barco,
maravilhada, a mente girando do que tinha acaba
do de fazer.
Eric Dalton tirara suas roupas e a beijara em toda parte.
Depois ele tirou as próprias roupas lentamente, como se estivesse
num clube de strip-tease. Brett nunca vira um cara tirar
as roupas à luz do dia. Ele ficou olhando para ela o tempo todo.
Eles se afagaram e depois se agarraram e, justamente quando
as coisas estavam acontecendo, ela de repente disse a ele que
precisava de ar fresco. Estar com Eric era mais do que esperava.
Mais do que sua fantasia dele tinha sido. Parecia esmagador.
E não necessariamente era bom de todo. Ela precisava
pensar.
294
E então, quem ela viu parado na ponta das docas?
Que porra!
— Lá está ela — murmurou Jeremiah para si mesmo. —
Eu achei que você não gostava de velejar.
Ele estava com olheiras enormes. Vestia jeans e uma camiseta
branca que dizia CBGB OMFUG, aquele clube punk
no East Village, em Manhattan, e levava uma bolsa gigantesca
de viagem L. L. Bean com as iniciais bordadas de um lado.
Brett sentiu uma pontada de culpa — alguma coisa em
Jeremiah, duro e frio, andando com uma bolsa que sem dúvida
a mãe dele tinha mandado monogramar para ele, parecia
realmente vulnerável e doce.
— Ah. Oi.
— Oi? — Jeremiah sacudiu a cabeça. — É só o que pode
dizer. Oi?
— Bom — Brett tentou passar por ele, mas ele a deteve
com o braço. A mão pegou o bíceps dela com força. Por uma
fração de segundo ela teve um pouco de medo e olhou para o
barco procurando por ajuda. Depois ela entendeu, este era
Jeremiah. Ela se livrou do aperto dele. — Não toque em mim
desse jeito! Não recebeu meu recado?
— O quê, então você termina com alguém por caixa postal?
— gritou ele. — Mas que classe a sua. Eu pensei que você
fosse melhor do que isso.
Brett não queria ter essa discussão bem na frente do barco
— Eric, que se despiu lentamente. Eric, que a tocara como
um perito e de forma madura, e não do modo desajeitado e
arrebatado como agiam os meninos da idade dela. Eric, que
não ficou irritado quando Brett se cobriu com os lençóis Ralph
295
Lauren e disse que eles deviam parar. Ela começou a descer o
caminho de volta para o campus.
— Tá legal. — Ela se virou. — Estou terminando com
você pessoalmente, então. Está satisfeito?
— Você não acha que pode me dar pelo menos uma porra
de um motivo?
— Claro — disse Brett. — Você realmente achou que era
sério? Taí. Te dei um.
Jeremiah parou. Os olhos dele estavam inchados e vermelhos.
Parecia que ele nem tinha dormido ainda.
— É. Eu pensei que era sério. Por que mais eu ia te convidar
a ir a Califórnia comigo?
— Bom... — Ela olhou para o chão.
— Mas é óbvio que tem outro — arriscou ele. — Me disseram
para te procurar aqui. Tem um homem no barco, não
é? Você estava com um homem lá, no barco dele, na cabine
dele? Vamos lá, Brett. Isso é meio vulgar, você não acha?
Brett se aprumou e semicerrou os olhos. Como se ele
pudesse falar de baixa classe, usando esse sotaque idiota! Depois
a ficha caiu.
— Peraí, quem disse a você que eu estava aqui?
Jeremiah deu de ombros.
— Por que isso importa? — Ele tirou um maço de Camel
Lights da mochila. — A questão é que alguém me contou e
você deixou tudo muito claro. Então, foda-se. Quem perde é
você.
Ele se virou e pulou para o gramado, um cigarro apagado
pendurado na boca.
— Peraí — gritou Brett com a voz rouca. Uma onda de
296
nervosismo percorreu seu corpo. — Quem te contou que eu
estava...
Mas ele estava longe demais para ouvir e ela não queria
gritar. Ela se virou e olhou para as docas. O barco de Eric oscilava
placidamente na água, como se não tivesse acabado de
testemunhar o momento mais transformador da existência de
Brett. Com mais alguns passos, ela podia voltar para lá e subir
na cama ao lado de Eric. Eles podiam tomar vinho e conversar
sobre as coisas e ele a faria se sentir melhor com tudo isso.
Depois ela podia transar com ele, pela primeira vez na vida.
Mas ela não devia. E não sabia bem por quê.
297
36
UMA WAVERLY OWL É SEMPRE SINCERA.
Na segunda-feira de manhã, Jenny estava sentada à
grande mesa redonda de carvalho na sala do reitor
Marymount, faltando só alguns minutos para a reunião
do comitê disciplinar. A sala tinha cheiro de uma combinação
de livros velhos e tinta nova. Easy sentava-se a algumas
cadeiras de distância; Brett, Ryan, Celine e os outros membros
do CD, bem como o Sr. Pardee, o Sr. Dalton e o reitor
Marymount, estavam em fila do outro lado da mesa, as mãos
cruzadas e os olhos fixos em Jenny. Como era só para membros
do CD, Callie não teve permissão para assistir à audiência.
Jenny imaginou Callie fumando nervosa todo um maço
de cigarros dentro do Dumbarton agora, na expectativa do
veredito.
Na parede de frente para Jenny havia pinturas emolduradas
em prata criadas pelas turmas de formatura da Waverly, de
298
1985 até o presente. Eram impressões das mãos, em cores vivas
diferentes, cada uma delas com o nome do aluno na base.
Até as mãos dos alunos da Waverly pareciam ricas. Ela se perguntou
como as dela ficariam junto com as dos outros ali.
Depois ela se perguntou se ela ia ficar na Waverly por tempo
suficiente para colocar as impressões da mão em uma tela de
turma.
Mas isso é que era deixar tudo para a última hora. Ela ainda
não tinha decidido o que ia dizer ao CD, e agora chegara o
momento. Marymount, parecendo especialmente suburbano
com um suéter azul-marinho por baixo do blazer marrom da
Waverly e os óculos redondos de aro dourado, lambeu o dedo
para virar a página de seu bloco.
— Muito bem, Sr. Pardee, as anotações aqui dizem que o
Sr. Walsh foi pego no quarto da Srta. Humphrey. Eles estavam
conversando e o Sr. Walsh estava praticamente nu. Isto é
correto?
— É verdade — confirmou o Sr. Pardee. — Eu os flagrei
e parecia que tinha acontecido alguma atividade sexual. — Ele
olhou para a mesa, a cor subindo por seu pescoço. Jenny
mordeu o interior da bochecha.
Marymount se voltou para Jenny.
— Srta. Humphrey?
Era agora. Hora de ou entregar Callie, ou se entregar e estragar
a nova vida. Ela respirou fundo, embora não fizesse idéia
do que estava prestes a dizer.
— Foi tudo minha culpa.
Todos na sala se viraram para Easy. Ele deu um pigarro.
— Perdão? — perguntou Marymount.
299
— Foi tudo minha culpa — repetiu ele. — Olha, eu estava
procurando pela Callie. Eu ia dormir, de cueca, e saí do meu
quarto desse jeito. Eu andei até o quarto dela, mas Callie não
estava lá. Então eu comecei a conversar com a Jenny, mas ela
não me convidou a entrar. Foi aí que Pardee nos pegou. Pode
parecer que Jenny e eu estávamos juntos, mas não é verdade.
Ela realmente não tem nada a ver com isso.
Jenny escancarou a boca.
— Eu me sentei na cama dela — continuou ele. — Ela
não me convidou. Eu simplesmente fui em frente e sentei.
Marymount passou a mão no cabelo fino cor de areia.
— Você percebe as repercussões disso? Como é inadequado?
— É. — Easy tombou a cabeça.
Jenny mordeu o lábio e se sentou sobre as mãos. A parte
de alunos do comitê a encarava com uma expressão vazia, o
rosto totalmente sem emoção. Mais provavelmente porque
ainda estavam de ressaca da noite de sábado. Embora ela tentasse
ao máximo não transparecer emoção alguma, por dentro
sentia-se uma máquina de pinball com defeito. Ela estava
livre, mas agora Easy estava bem encrencado. E se ele fosse
expulso? Será que todos a culpariam? Mais importante, será
que Jenny corria o risco de perder o primeiro cara na vida que
ela... amava?
Marymount se endireitou e passou os nós dos dedos na
mesa.
— Srta. Humphrey? Foi isso que aconteceu?
Jenny assentiu devagar. Era verdade, afinal. Mais ou menos.
300
— Bom, mesmo assim, esta não é a melhor maneira de
começar o ano, em especial com seu grito de torcida no jogo
de hóquei. Quero que vá à minha sala na semana que vem. —
Marymount franziu o cenho. — Acho que temos que pensar
em alguma coisa para mantê-la longe de problemas.
Jenny assentiu.
— Tudo bem.
Marymount virou-se para Easy.
— Só para que fique claro, Sr. Welsh, está assumindo toda
a culpa por isso?
Easy respirou fundo. Ele sonhava com esse momento, o
exato segundo em que o expulsariam da Waverly. Em algum
lugar em seu íntimo, ele sempre soube que era inevitável. Ele
imaginou o que ia dizer, o que estaria vestindo. Imaginou loucamente
que estaria com o uniforme vermelho dos Power
Rangers que tinha quando criança e portaria um dos rifles
descarregados do pai, só para deixar todo o mundo meio nervoso.
Ele estaria com os óculos Terminator Dolce & Gabbana
enormes na testa. E ia dizer a todos os funcionários da Waverly
precisamente o que ele pensava deles e depois ia subir em
Credo e cavalgar ao pôr-do-sol.
Mas as coisas nunca acontecem como a gente imagina.
Agora ele suava profusamente na camisa branca Brooks
Brothers e no blazer marrom da Waverly. Ele pensou em todas
as coisas de que ia sentir falta se o expulsassem. As corujas.
O modo como o sol se punha laranja e roxo sobre o
Hudson. O vitral preferida da capela. A torta de cereja do refeitório
e a alegre funcionária Mabel de lá, que era de uma
cidadezinha perto de Lexington. Callie. Jenny. Ele ia sentir
301
saudade de tudo o que viu em Jenny.
— E então? — insistiu Marymount.
— Sim. — Ele assentiu. — Eu assumo.
— Bem, então — continuou Marymount numa voz suave
e decepcionada. — Comitê, consideramos o Sr. Walsh culpado?
Todos a favor?
Brett, o Sr. Dalton, o Sr. Pardee e Benny ergueram as mãos.
Os membros do primeiro e do segundo anos no comitê deram
de ombros como quem se desculpa, mas também levantaram
a mão. Por fim, Alan relutantemente ergueu a mão, e o
mesmo fizeram as duas meninas do terceiro ano.
Uma pausa pavorosa encheu o ar enquanto Marymount
verificava a mão de cada membro do comitê. Easy olhava para
o chão.
Por fim Marymount suspirou.
— Muito bem. É isto que vamos fazer. Sr. Walsh, esta é
sua última advertência. Vamos colocá-lo de castigo. De novo.
Duas semanas. Você não pode ir ao estábulo a não ser que haja
uma emergência com seu cavalo. Nada de privilégios na cidade,
e nada de visitas. Você irá à capela, às aulas e às refeições,
mas só.
Ele continuou falando, mas ninguém o ouvia. Alan, Benny
e as duas meninas do terceiro ano soltaram um suspiro coletivo
de gratidão. Brett recuou na cadeira e cruzou os braços,
tentando não sorrir.
— Peraí — sussurrou Jenny para ninguém em particular.
— O que está acontecendo?
— Isto significa que o velho cretino me deixou ficar —
murmurou Easy. Mas, na voz dele, ela pôde sentir como ele
302
estava feliz. E pelo olhar significativo que ele lhe deu, Jenny
pensou que talvez, só talvez, tivesse alguma coisa a ver com
ela.
303
37
MUITAS WAVERLY OWLS PODEM SER INCRÍVEIS...
MAS SÓ UMA PODE SER DEMAIS.
Brett vasculhou a bolsa de hóquei de náilon cinza Hervé
e pegou uma garrafa de 150ml de rum Gosling.
— Precisamos comemorar — anunciou ela teatralmente.
As três meninas estavam sentadas exaustas no chão do
quarto 303 do alojamento Dumbarton, Jenny e Brett de
estresse do CD, e Callie de estresse de não estar no CD.
Jenny viu enquanto Brett servia lentamente cada um dos
copos altos Crate & Barrel. Ela meio que se sentia como se
estivesse na festa Sábado Negro — quente, pegajosa e incluída.
Era esta a vida que ela sonhara ter na Waverly, e agora era
real. Seus sonhos se tornando realidade.
Pelo menos, ela sentia isso com Brett. Callie ainda estava
meio fria. É claro que assim que Jenny voltou ao quarto e
contou a novidade a Callie, ela rapidamente correu e deu um
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enorme abraço em Jenny, dizendo como estava eternamente
grata porque ela não a dedurou. Mas ainda havia um assunto
inacabado entre elas.
— Ao novo ano na Waverly — brindou Brett.
Elas bateram os copos.
— E — interferiu Callie — a nós, por deixarmos toda a
história da Tinsley para trás.
— É verdade — concordou Brett.
— Eu nem sei o que é que perturbou tanto vocês — arriscou-
se Jenny.
— É uma longa história.
— Rolaram uns boatos — explicou Callie. — As pessoas
ficaram falando do motivo para a Tinsley ser expulsa. Alguns
diziam que foi por minha causa, outros diziam que foi por
causa da Brett. Nenhuma de nós sabia no que acreditar.
— E por falar em boatos — começou Brett. Jenny percebeu
que os olhos de Brett estavam rosados e as unhas, normalmente
com esmalte e tratadas à perfeição, estavam roídas
até o sabugo. — Humm, uma de vocês ouviu falar alguma coisa
sobre Eric Dalton e eu?
— Não — respondeu Callie meio rápido demais. Jenny
olhou para ela meio confusa.
Brett revirou os olhos.
— Quer dizer, eu sei que as duas sabiam. De qualquer
forma, eu estou tendo... Um lance com o Sr. Dalton.
— Você dormiu com ele? — perguntou Callie.
— Não. Mas quase dormi.
Elas ficaram em silêncio por um momento.
— Mas, humm, o Jeremiah me pegou saindo do barco
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dele ontem — continuou Brett sem se alterar, colocando o
cabelo atrás da orelha. Jenny percebeu um enorme chupão no
pescoço dela. — E fico me perguntando como ele soube que
eu estava lá.
Jenny juntou os lábios e percebeu que Callie estava fazendo
a mesma coisa. Ela não disse uma palavra a ninguém, mas
Callie certamente falou. Mas... Como foi que Callie descobriu?
Será que a Brett pensava que Jenny tinha contado?
— Eu não tenho a menor idéia — repetiu Callie, sem
olhar diretamente para Brett.
— Tudo bem — murmurou Brett.
— Você está bem? – perguntou Jenny. — Com o Sr.
Dalton e tudo isso?
Brett deu de ombros. Ela não tinha certeza do que dizer.
Queria poder ser mais adulta e contar a verdade a elas, que
enquanto ela via Eric se despindo, ela realmente sentiu falta
dos meninos de sua idade, com o apalpar nervoso, atrapalhando-
se com as roupas, como se não acreditassem na sorte que
tinham de ficar com uma garota como a Brett. A óbvia experiência
de Eric a perturbava. Ela queria poder voltar até ele e
dizer com confiança, Oi, garotão, me pega agora. Mas não conseguia.
Não estava pronta. É claro que ela queria dizer a Callie
e a Jenny tudo isso, mas já havia dito a Callie que tinha perdido
a virgindade há anos com aquele suíço em Gstaad. O que
ela ia pensar se Brett admitisse a verdade agora?
As meninas tomaram seus drinques em silêncio, esperando
que Brett respondesse. Jenny se recostou. Ela se sentia com
sorte. Não era namorada de Easy, mas sabia que se alguma coisa
acabasse acontecendo entre os dois, não seria nada errado. Seria
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exatamente o certo. Agora, se ao menos Callie voltasse para
Brandon...
— Ei — Callie rompeu o silêncio. — Tive uma idéia. —
Ela se levantou e saiu do quarto. Rapidamente, voltou trazendo
um livro grosso de capa de couro vermelha. Dizia
WAVERLY OWLS, 2000. — A sala de estar tem destes livros
datando até os anos 1950.
— Um livro do ano? — perguntou Brett. — Nós ainda
não estamos nele.
— Não, mas o Sr. Dalton está. — Callie sorriu maliciosamente.
— Ai meu Deus, abre aí — exclamou Jenny.
Elas abriram o livro dos veteranos, na letra D, de Dalton.
Lá estava ele, num smoking de formatura, com o mesmo sorriso
de estou-aprontando-uma-mas-você-não-vai-descobrir.
Ele parecia cinco anos mais novo mas ainda era um gato. Elas
olharam em silêncio.
— Achei que talvez a gente fosse descobrir que ele era um
baita mongo obcecado por PlayStation e que tinha um monte
de espinhas — admitiu Callie solenemente. — Achei que isso
podia ajudar. — Ela deu de ombros. — Não parece ser este o
caso de jeito algum.
— Ah, francamente — contra-atacou Jenny. — Só o que
temos que fazer é descobrir o livro dos calouros. Garanto que
ele vai parecer um anormal total. Quer dizer, todo o mundo
parece mongo quando é calouro.
— Até você? — perguntou Callie jovialmente.
— Ah, não. Eu nunca fui monga. Precisa ver minhas fotos
da quinta série. Eu tinha aqueles suéteres Old Navy. Era
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totalmente gata.
— Eca. — Callie riu.
— É. Quando você conhecer meu pai, ele vai te mostrar
as fotos, sem dúvida alguma.
Brett bateu o travesseiro nela.
— Você é tão estranha.
Jenny começou a rir e bateu o travesseiro em Brett também.
Uma pena voou do travesseiro e caiu no lábio com brilho
MAC de Callie, fazendo Jenny rir ainda mais. Talvez fosse
o rum, mas ela se sentia pirada.
De repente, houve uma batida na porta. As meninas congelaram.
— O rum — sussurrou Callie. — Debaixo da cama.
Elas lutaram para esconder os copos e, na pressa, não esconderam
o livro do ano de 2000. Callie abriu a porta e viu
Marymount, Angelica Pardee e o Sr. Pardee, todos apertados
na soleira da porta.
Ai meu Deus, pensou Jenny. Eles mudaram de idéia. Vamos
todas ser expulsas. Merda, merda, merda.
— Este quarto sem dúvida é grande o suficiente para quatro
— refletiu Angelica, olhando em volta.
— Só precisamos de mais uma cama — acrescentou o Sr.
Pardee. — Já tem uma mesa vaga.
Callie, Jenny e Brett se olharam. Quatro?
— Humm, podemos ajudá-los? — perguntou Brett. Ela
tentou manter a boca fechada ao máximo enquanto falava, para
que os professores não sentissem o cheiro de rum no bafo.
— Meninas — anunciou Marymount. — Tenho uma
novidade interessante que acho que vai deixar vocês felizes.
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— O que é? — Callie estava perplexa. — Vai colocar outra
menina aqui com a gente?
— Não é uma menina qualquer. — O Sr. Pardee sorriu.
— A sua velha amiga Tinsley.
Todas as três colegas de quarto caíram em silêncio. Callie
e Brett se encararam, os olhos arregalados. Os olhos de Jenny
dispararam de uma para a outra. Tinsley?
— Peraí — guinchou Callie. — Do que está falando?
— Você ouviu — ribombou Marymount. — O corpo
docente decidiu reintegrar a Tinsley.
— E ela está voltando... pra cá?
— É isso mesmo.
— Caraca — foi só o que Brett conseguiu dizer. As outras
meninas assentiram.
— Jóia — acrescentou Jenny.
Jóia simplesmente dizia tudo.
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OwlNet Caixa de Mensagem Instantânea
CallieVernon: Você está aqui no quarto, mas não
quero que a Jenny ouça o que quero
dizer.
BrettMesserschmidt: Tá, manda.
CallieVernon: Não sei se tem espaço nesse campus
para Tinsley e Jenny.
BrettMesserschmidt: Como assim?
CallieVernon: Eu sei que você entendeu o que eu
disse.
BrettMesserschmidt: Tá, tudo bem, elas duas têm... alguma
coisa. Mas quem sabe ficam amigas?
CallieVernon: Ou arranquem os olhos uma da outra.
BrettMesserschmidt: Vai ser um ano interessante...
CallieVernon: Eu que o diga.
BrettMesserschmidt: Como vc acha que a Tinsley voltou?
CallieVernon: Talvez ela tenha feito um strip para
Marymount... Soube que ele gosta
disso.
BrettMesserschmidt: Mente poluída.
CallieVernon: Mas é por isso que vc me adora!
BrettMesserschmidt: Adoro mesmo. Mas só por enquanto...

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