sábado, 6 de julho de 2013

It Girl 2# - Uma garota entre nós

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It Girl 2: Uma garota entre nós
Cecily von Ziegesar
Jenny Humphrey, uma das mais polêmicas e populares personagens da série Gossip
Girl, deixou a Constance Billard para estudar na Waverly Academy, um colégio interno
freqüentado pela elite de Nova York. Mas é claro que ela chega para chamar a atenção.
Depois de passar vergonha na frente de todo o colégio e desrespeitar o comitê
disciplinar, Jenny se torna realmente popular. Mas a fama não é nada, ela está
totalmente apaixonada. O único problema é que ele é namorado de sua colega de
quarto. Pra completar, Tinsley Carmichel - que todos pensavam que tinha sido expulsa
- está de volta e quer recuperar seu posto de "A Garota".
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Com afeto irradiando de um olho e um brilho calculista do outro.
— Charles Dickens
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1
UMA WAVERLY OWL É SEMPRE EDUCADA, MESMO COM COMPLETOS
ESTRANHOS.
Tinsley Carmichael olhou o cintilante rio Hudson. O rugido do hidroavião laranja da
família elevando-se no céu azul anunciava sua volta a Waverly Academy, o internato
exclusivo de Nova York de que fora expulsa sem a menor cerimônia na última
primavera. O pop-pop dos saltos finíssimos nos degraus do Dumbarton Hall lembroulhe
flashes de câmeras, e Tinsley sentiu os olhos das colegas, observando das janelas do
alojamento no alto. Ela sacudiu o cabelo comprido e preto-arroxeado e virou a cabeça
para dar às fãs o melhor ângulo, prevendo suas perguntas ansiosas: Ai meu Deus, por
onde andou? Como foi que voltou? Você não foi expulsa? Foi para a reabilitação? É
verdade que você ameaçou incendiar Stansfield? E finalmente: Como é que Callie e
Brett não se lascaram e você sim?
Tinsley negaria tudo e ao mesmo tempo atiçaria as chamas da especulação. Gostava
especialmente de estimular a teoria de que assumira a culpa altruisticamente por Callie e
Brett depois que as três foram pegas com ecstasy na primavera, a primavera de seu
segundo ano. As duas melhores amigas ficariam um pouco mais do que chocadas ao vêla.
Ela não falou com nenhuma das duas por todo o longo verão e ainda não fazia idéia
de por que ela foi a única a ser expulsa por todo o “incidente”, a não ser que uma delas
a tenha dedurado. Mas agora que o verão acabou — um verão fenomenal, diga-se de
passagem — e ela foi readmitida, Tinsley sentia-se generosa e disposta a perdoar e
esquecer, desde que Callie e Brett pedissem as necessárias e profusas desculpas e
demonstrassem uma saudável dose de puxa-saquismo.
Com seus antigos prédios de tijolinhos cobertos de hera e campos de esporte verdes e
ondulantes, a Waverly Academy parecia uma versão barata da Brown ou de Princeton.
Enquanto batia os saltos pelo corredor em direção ao quarto 303 do alojamento
Dumbarton, Tinsley reconheceu o cheiro familiar do condicionador Bumble & Bumble
aroma de coco de Callie e sua colônia infantil Le Petit Prince misturada com o fedor de
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cigarros Parliament. Ela sorriu ao imaginar o que aconteceria em seguida: ela entraria
valsando em seu quarto triplo e se atiraria na antiga cama, como costumava fazer depois
de uma aula de cálculo comprida e chata no Hunter Hall com o Sr. Farnsworth. A
boquinha rosa de Callie se abriria e ela tentaria dizer alguma coisa legal, mas sufocaria
nas próprias palavras. Brett ficaria surpresa, pasma e totalmente muda. Depois as duas
meninas começariam a guinchar como leitõezinhos, atirando os braços magros no
pescoço de Tinsley.
Bom, pelo menos era assim que ela imaginava.
Ela colocou os óculos de aviador de plástico branco no alto da cabeça e ajeitou a bolsa
hobo de couro alvejado que Chiedo fizera para ela enquanto eles estavam num safári
nos arredores da Cidade do Cabo. A lembrança do verão na África do Sul lhe deu uma
dor no peito — as festas em CapeRave com Chiedo e os amigos dele, vendo o sol
nascer sobre a montanha da Mesa, e Não voltaria de onde eu fui, o documentário
sentimental sobre o povo da África do Sul que ela e o pai tinham feito durante o verão.
Ela tocou o colar de dente de tubarão (de novo Chiedo, o gracinha do Chiedo), jogou o
cabelo comprido, escuro e brilhante nos ombros e abriu a porta do quarto. Tan taaaan!
O silêncio que ela esperava era da variedade atordoada, e não do tipo onde-está-todomundo-
porra. Mas onde estava todo mundo, porra? Tinsley olhou a paisagem: a vista do
cintilante rio Hudson através das amplas janelas de caixilho, a gravura da praia de
Nantucket em azul e branco de Brett em sua cômoda, as garrafas vazias de Diet Coke no
chão ao lado da cama de Callie, o cinzeiro cheio de pontas de Parliament no peitoril da
janela. Mas nada de Callie e Brett.
Ela franziu o nariz, detectando um cheiro que não reconheceu — será possível que é
White Petals, uma cópia barata do Chanel que empestava a Greenmarket Square na
Cidade do Cabo? Ela farejou, seguindo o rastro do cheiro até uma cascata de cachos
castanhos embaraçados suspensa de sua antiga cama. Tem uma garota na minha cama.
A garota se virou, dormindo. Tinsley chutou a cama de carvalho antigo com o sapato de
salto.
— Quem é você? — perguntou ela.
— Eu sou a Jenny. — A menina se sentou abruptamente, os olhos disparando como
loucos pelo quarto enquanto balançavam seus peitos ridiculamente enormes. — E quem
é você?
Tinsley largou a bolsa ao pé da cama, o nariz ainda franzido de nojo. Definitivamente
White Petals.
— Cadê a Callie e a Brett?
— Elas... — começou a menina, esfregando os grandes olhos castanhos — ...estavam
aqui agora mesmo. Que horas são?
— Hora de você sair da minha cama — anunciou Tinsley com frieza.
Jenny sacudiu a cabeça, tentando se livrar da névoa de sono no cérebro. A menina alta e
estonteante parada diante dela vestia uma camiseta branca com estampa de folhas, sem
sutiã. Jenny encarou cheia de inveja os ombros bronzeados e o contorno de seus peitos
empinados e redondos. Ah, o que ela não daria para usar uma blusa dessas. A garota
tinha cabelos pretos e compridos e olhos impossivelmente azuis — quase violeta... Peraí
um minutinho, a cama dela?
— Você é a Tinsley! — guinchou ela com ênfase demais, quicando na cama antes de se
lembrar que estava usando a camiseta branca e superfina da Constance com que gostava
de dormir. Jenny esperava que os peitos enormes não parecessem ridículos demais
enquanto eles subiam e se acomodavam em seu lugar.
— Não me lembro de você. — Tinsley cruzou os braços como quem diz que era melhor
Jenny tirar os peitos da frente antes de machucar alguém com eles.
— Sou nova aqui. Fui transferida da Constance Billard. — Jenny apontou as letras
impressas na camiseta e se lembrou dos peitos novamente. — Em Nova York —
acrescentou ela com esperança, como se o fato de vir da cidade lhe emprestasse um ar
de credibilidade ou pelo menos uma sugestão remota de que era descolada.
— Sei onde fica isso — rebateu Tinsley enquanto os óculos desciam pela testa,
pousando com perfeição na ponte do narizinho arrebitado e bronzeado.
Jenny podia sentir o olhar intenso de Tinsley por trás dos óculos de sol. Estava
preocupada em conhecer Tinsley desde que o reitor Marymount anunciou sua volta a
Waverly na noite anterior. Mas agora que estava aqui, Tinsley intimidava ainda mais do
que Jenny imaginara. E ela não devia morar com essa garota?
— Importa-se? — perguntou Tinsley, abrindo a bolsa de couro bacana de aparência
surrada e pegando um cigarro de cravo-da-índia.
Jenny sacudiu a cabeça e ofereceu o Zippo Meninas Superpoderosas que comprara em
Chinatown e que costumava usar para acender a vela de maçã e canela que mantinha ao
lado da cama.
— Um fuminho é bom, né?
— Isso não é maconha. — Tinsley puxou os óculos para cima de novo. — E em que
ano está mesmo?
— Segundo. — Tinsley soprou a fumaça como a lagarta de Alice no país das
maravilhas e Jenny se lembrou que Sam, o cara que estava no trem quando ela veio de
Nova York, contou sobre Tinsley ir a festas em Bard, e se lembrou também dos boatos
que ela ouviu sobre Easy e Tinsley se agarrando pelas costas de Callie no ano anterior.
Jenny imaginou os meninos babando para os ombros macios e bronzeados e para os
olhos violeta e desvairados de Tinsley e as meninas odiando-a pelos mesmos motivos.
Jenny também a teria odiado se não parecesse ao mesmo tempo assustada e apaixonada
por ela.
— Então é a nova colega de quarto, hein? — Tinsley examinou Jenny como se ela fosse
um vestidinho dos anos 1950 da Legião da Boa Vontade que podia ao mesmo tempo ser
um achado incrível ou, num exame mais minucioso, só antiquado e desprezível.
— É. Callie e Brett são demais — respondeu quase num guincho, esperando que a nova
colega de quarto entendesse que elas agora faziam parte da mesma turma. Afinal, ela fez
amizade fácil com Callie e Brett. Bom, mais ou menos fácil. Callie meio que a subornou
para que o Comitê Disciplinar acreditasse que Easy Walsh foi flagrado em seu quarto na
segunda noite de escola em visita a ela e não a Callie, a namorada dele. No final, Easy
assumiu a culpa e parte de Jenny pensou que talvez, só talvez, isso tivesse alguma coisa
a ver com ela.
Ela tirou os pés de sob o áspero cobertor de lã azul-bebê e revirou a antiga escrivaninha
de carvalho. Pegou um frasco de soro antifrizz Pantene e espremeu uma pouquinho na
palma da mão. O frasco fez um barulhinho de peido e Jenny sufocou um gritinho de
desconforto. Depois ela se virou para o espelho enquanto alisava as mechas longas e
castanhas, grata por pelo menos não ter nenhuma remela matinal constrangedora em
volta das narinas.
— E aí... — Ela se virou, recém-alisada.
Mas só o que viu foi a porta se fechando. A porta bateu com raiva e Jenny não pôde
deixar de dar um pulo para trás. Peraí, não foi um peido de verdade!
Do lado de fora das janelas, as primeiras folhas começavam a assumir o tom laranja e
vermelho e o rio Hudson rolava, suave e cintilante sob o sol da manhã. Uma sensação
de medo tomou o estômago de Jenny. Foi só uma primeira impressão ruim, ou a famosa
Tinsley Carmichael era meio... bom... filha-da-puta?
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SageFrancis: Ela voltooooooooou...
CelineColista: Tá falando de quem?
SageFrancis: TC! Ela voltou do exílio na África ou sei lá onde. Soube que o pai dela
teve que prometer um novo centro de artes performáticas para a Waverly aceitá-la de
volta.
CelineColista: Não brincaaaaaa... Acha que já chutaram J do 303?
SageFrancis: Soube que TODAS vão ficar. Acha que ela vai entrar em choque com T?
CelineColista: Quem sabe, mas se acontecer, quero pipoca e um lugar na primeira fila!
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2
UMA WAVERLY OWL SABE QUE PERDOAR NÃO É O MESMO QUE
ESQUECER.
Callie Vernon arrastava os saltos finos das novas mules em preto-e-branco Louboutin
pelo gramado orvalhado na direção da capela, ainda meio tonta de sono. Já fazia três
dias desde a festa Sábado Negro, mas ela ainda não conseguia tirar da cabeça a imagem
de Jenny e Easy olhando-se nos olhos perto do espelho d'água na casa de campo de
Heath, em Woodstock. Foi mesmo verdade? Heath mandou a todos um e-mail de fofoca
depois da festa sugerindo isso, mas ela ainda não tinha certeza. Qualquer que fosse o
caso, o fato de que Callie tinha armado tudo—ela na verdade pediu a Easy e Jenny para
se paquerarem a fim de tornar mais realista a história de que Easy estava visitando
Jenny, e não ela, quando foi pego em seu quarto pela aberração da diretora do
alojamento Angelica Pardee—ameaçava reduzi-la a um borrão de maquiagem MAC. E,
como se não bastasse, ela realmente ficara tão bêbada que se agarrou com Heath Ferro
— que coisa mais bizarra! — e pediu ao ex-namorado Brandon para ficar com ela? E
ele realmente a rejeitou?
— É você,CV?
Callie já se sentia meio doida, mas, quando viu Tinsley na porta da capela, teve certeza
de que perdera o juízo. Ela parou e tombou a cabeça de lado, esperando que a aparição
celestial de olhos violeta flutuasse de volta ao ar. O aparecimento de sua antiga colega
de quarto no alto da escada de pedra era tão onírico quanto o reitor Marymount e a Sra.
Pardee medindo o quarto 303 para colocar uma quarta cama na noite anterior, as vozes
como o murmúrio ininteligível de anjos. O anúncio que eles fizeram de que Tinsley
tinha sido suspensa e não expulsa por aquela noite escandalosa no campo de jogo na
última primavera era incrível demais para ser verdade — e no entanto aqui estava ela.
Callie queria correr e pular nos braços de Tinsley. Queria explicar a Tinsley sobre Easy
e Jenny, sobre o Comitê Disciplinar e a distância entre ela e Brett, e que Brett estava
namorando escondido o Sr. Dalton, o novo e teoricamente pegável professor de história,
e que era meio bizarro imaginar Brett com ele. As coisas ficaram tão estranhas entre ela
e Brett que ela descobriu sobre o Sr. Dalton quando atendeu ao celular de Brett e falou
com a irmã dela. Callie fingiu não saber até Brett lhe contar sobre o caso na noite
anterior, mas na verdade foi ela quem revelou o segredo e fez com que toda a escola
falasse no assunto. Oops. Agora Tinsley, a única pessoa que Callie sabia que podia
superar o mais grave dos problemas com pouco mais do que uma piscadela rápida,
voltara. Mas uma auréola de névoa se acomodara em torno da cabeça de Callie e só o
que ela conseguiu foi olhar.
— Oiê!— disse Tinsley em voz alta, interrompendo seu devaneio.
A voz de Tinsley fez com que Callie galopasse para a escada da capela. Ela abraçou a
velha melhor amiga, cujo corpo magro parecia flácido sob a pressão, e sentiu a encarada
das colegas de escola.
— Senti tanto a sua falta — soltou Callie sem elegância alguma, mas ela sinceramente
não pôde evitar. Depois de tudo o que aconteceu, o fiasco do ecstasy na primavera, Easy
aparecendo para visitá-la em Barcelona no verão e ela lhe dizendo que o amava, o fato
de que ele não disse a mesma coisa e agora podia estar com a putinha-anã da colega de
quarto, era difícil ficar na frente de Tinsley e manter a compostura. Tudo nela era
tranqüilo e cool. E independentemente da confiança que Callie demonstrasse
normalmente, ela se sentia a prima feia e imbecil da colega quando as duas estavam
juntas. Enquanto ela era toda sardenta, a pele de Tinsley era macia como manteiga e
naturalmente bronzeada; enquanto o cabelo louro-arruivado de Callie era crespo e
intratável, o cabelo preto e liso de Tinsley caía em suas costas como um invólucro
pesado. Enquanto Callie se preocupava com a avaliação de seus suéteres de cashmere e
em possuir qualquer bolsa Sienna Miller que estivesse na Vogue britânica do mês,
Tinsley ficava incrível com o que quer que recolhesse do chão. E, agora, ela estava ali.
Um milhão de perguntas passaram pela cabeça de Callie: Onde é que você esteve? Por
que não me telefonou? Isso aí no seu pescoço é um dente de tubarão de verdade? Por
fim, ela sussurrou uma pergunta simples:
— O que aconteceu?
Tinsley olhou um grupo de segundanistas louras que esticavam as orelhas para ouvir do
passadiço de pedra. Pegou Callie pelo braço e foi para o lado leste da capela.
— Me conte, por favor. O que aconteceu? — Callie não conseguiu deixar de perguntar
novamente.
Tinsley apoiou o peso do corpo no prédio de pedra.
— Me diga você.
— Eu não sei — Callie abanava as mãos feito uma idiota.
— Você não armou pra cima de mim? — perguntou Tinsley.
Callie sacudiu a cabeça enfaticamente.
— Foi Brett?
Por uma fração de segundo, Callie pensou em culpar Brett por tudo. Isso correspondia
ao seu direito de manter o namorado professor em segredo. Mas as coisas estavam
melhorando entre as duas. Mais ou menos.
— Não foi a gente.
— Jura?
— Juro. — Como uma imbecil, ela ergueu a mão direita com as unhas de esmalte rosa e
lascado South of the Highway. Na esperança de tirar Jenny e Easy da cabeça, tinha
estragado as unhas enquanto participava de um jogo de Frisbee totalmente sem noção à
meia-noite com algumas das meninas mais mongas do Dumbarton na última noite.
Tinsley olhou para ela duvidando, e o lábio de Callie começou a tremer. Ela queria que
tudo fosse como antes, quando ela, Brett e Tinsley eram o tipo de trio em que cada uma
podia concluir os pensamentos da outra e rir antes mesmo que alguém dissesse algo. Do
tipo que confiava nas amigas, independentemente de qualquer coisa. Agora isso parecia
tão distante.
— Quando Marymount me perguntou sobre o ecstasy, imaginei que íamos dividir a
culpa igualmente — sugeriu por fim Tinsley, semicerrando os olhos para a amiga.
Callie parecia ter envelhecido cinco anos desde a primavera.—Então eu confessei.
Callie arfou, levando a mão à boca.
—Mas eu neguei tudo... Pensei que todas nós negaríamos.
Tinsley percebeu as unhas roídas da colega de quarto e o esmalte rosa-claro descascado
e lamentou por ela, embora a situação devesse ser a inversa.
— Marymount me expulsou na hora. Finito.
— Então por que deixaram você voltar? — perguntou Callie ao ver que as últimas
errantes entravam na capela para a reunião da manhã, os rabos-de-cavalo acabei-de-sairda-
cama balançando enquanto elas subiam correndo a escada.
— Eles descobriram que eu passei esse intervalo fazendo um documentário com meu
pai na África do Sul e mudaram minha expulsão para uma suspensão. — Tinsley passou
os dedos no cabelo preto e brilhante. Queria despejar todos os detalhes sobre seu verão
alucinante, mas ainda não era a hora. Callie precisava sentir a raiva que ela teve por ser
a única expulsa. Como foi injusto que elas não tivessem confessado também e o quanto
magoou que nenhuma delas sequer tivesse tentado entrar em contato com ela durante
todo o verão.
Depois, quando Callie se sentisse totalmente incapacitada de culpa, ela pediria
desculpas, mil desculpas, e se ofereceria para fazer qualquer coisa para compensar.
Qualquer coisa.
Um gemido estranho e agudo rompeu o silêncio.
— Nei-ei-ei-ei.
Elas viraram a cabeça e viram Heath Ferro relinchando feito um cavalo, um celular
BlackBerry na mão. Ele arrastava os pés pela terra como uma mula contrariada
enquanto os polegares apertavam os botões minúsculos. Callie cravou as unhas na
palma da mão, estremecendo ao pensar que a festa idiota de Heath tinha aproximado
mais Easy de Jenny.
— E aí, bonitão?—Tinsley acenou, brincalhona. — Sentiu minha falta?
Heath olhou e ficou paralisado.
— Caraca. Você voltou?—Ele sorriu diabolicamente, os olhos verdes cintilando, e
colocou o celular no bolso.
Callie revirou os olhos. Heath, como todos os outros meninos da Waverly e mais os do
hemisfério norte, sempre foi a fim de Tinsley, e Callie sabia disso.
— É, voltei — continuou Tinsley. — Por enquanto.
Heath apertou o bolso quando o celular começou a vibrar.
— Quem é? — perguntou Callie.
— Você não gostaria de saber? — respondeu Heath, pegando o celular enquanto um
sorriso demoníaco atravessava seu rosto. Ele se arrastou para a escada da capela, de
novo martelando o teclado. Uma música de órgão vagava pelas janelas da capela e
flutuava para o campo de futebol. O som abafado do canto forçado logo encheu o ar
pesado de tensão.
— Eu só quero... — A voz de Callie falhou ao ver Easy Walsh andando pelo passadiço,
os olhos fixos num par de corujas que voavam alto. Callie percebeu a mancha de tinta
amarela na bainha da Levi's desbotada e entendeu que ele devia estar acordado desde o
amanhecer, pintando em seu local secreto no bosque. Ele nunca disse a Callie
exatamente onde ficava, mas ela preferia pensar que era em um campo ensolarado com
flores silvestres no meio da floresta, onde ele a imaginava deitada nua na relva, com
dentes-de-leão trançados em seu comprido cabelo louro-arruivado, inocente mas
totalmente violável. Agora Callie tinha medo de que a cara de Jenny estivesse
sobreposta onde a dela estivera.
— E aí — gritou Tinsley, assustando Easy. Ele fingiu ter que olhar duas vezes quando a
viu, uma interpretação boba e exagerada que Callie já o vira fazer de vez em quando,
embora nunca se cansasse disso.
— Tiiii — disse Easy arrastando seu irresistível sotaque do Kentucky. Ele deu um beijo
rápido de somos-todos-bons-amigos no rosto das duas. Mas o que é isso? Ela não era
amiga de Easy. — Por onde andou?
A luz do sol escondia-se atrás das árvores no alto, lançando sombras na grama. Callie
percebeu um novo tom de paquera na voz de Tinsley enquanto ela falava. Talvez Easy e
Tinsley tenham mesmo ficado na última primavera, quando Ben, o zelador enxerido, viu
os dois sozinhos na linha intermediária do campo de futebol depois da ronda noturna.
Tinsley negara indiferente quando Callie perguntou, mas daquele seu jeito típico,
evasivo e pode-significar-qualquer-coisa. E Callie tinha certeza de que alguma coisa
acontecera entre Tinsley e Easy dois anos antes, no primeiro ano, quando Tinsley deu
uma festa de férias na casa dos pais no Alasca. Mas como o relacionamento de Callie
com Easy degenerou, ela não podia realmente acusar nenhum dos dois. Embora isso não
significasse que ia esquecer também.
— Bom, é legal ver você de volta. — Easy sorriu, as pálpebras caindo de um jeito
sensual. Callie sentiu as entranhas se revirarem ao ver seus cílios escuros e longos e as
mãos lindas e calosas. Ela se lembrava da aspereza ao acariciar seu rosto. — Este lugar
precisava desesperadamente de uma dose de você.
— É bom ver você também, Easy.—Tinsley moveu o pé bronzeado em um arco amplo
e lento pelo gramado molhado. Callie semicerrou os olhos verdes e subiu a escada de
pedra da capela. —Muito bom mesmo—ela ouviu Tinsley dizer a suas costas.
— Sr. Walsh, — Uma voz grave de barítono soou da porta da capela. Na frente de
Callie estava o Sr. Dalton, recém-barbeado, o cabelo cor de areia ainda molhado e
desarrumado do chuveiro. Callie percebeu o corpo de Easy enrijecer. O Sr. Dalton era
orientador do Comitê Disciplinar e impusera uma condicional a Easy por estar no quarto
delas naquela noite.
— Sr. Dalton — respondeu ele mecanicamente, subindo a escada, passando por ela e
pelo professor de história.
— Bom dia, senhoras. — O Sr. Dalton assentiu para elas depois que Easy se arrastou
para dentro. Ajeitou a gravata listrada de marrom e azul-marinho, e Callie percebeu uma
correntinha de prata em seu pulso. Eca, não era meio de mulherzinha? Depois ele
inclinou a cabeça para Tinsley e lhe ofereceu a mão. — Meu nome é Eric Dalton. Acho
que não nos conhecemos.
— Tinsley Carmichael. — Ela subiu no primeiro degrau e estendeu a mão. — É um
prazer.
— Sim. — O Sr. Dalton assentiu com entusiasmo. — É mesmo.
Callie ainda não conseguia acreditar que Brett estava transando com um professor. Eca!
Ela esperou que ele desaparecesse dentro da capela antes de se virar para Tinsley.
— Quem é esse?— perguntou Tinsley toda excitada, os olhos violeta parecendo ainda
maiores e mais escuros do que o normal. Ela empurrou o cabelo no ombro e começou a
trançá-lo, distraída.
— Pergunte a Brett — ridicularizou Callie.
— E cadê a Brett? Preciso falar com ela também.
Callie deu de ombros. Elas que resolvam seus problemas. Agora era a vez dela. Callie
pegou a mão bronzeada da amiga, preparando-se para se desculpar antes de entrarem.
Não era uma coisa em que Callie fosse particularmente competente, mas ela queria fazer
tudo certinho.
— Eu queria que a gente tivesse combinando as histórias antes, sabia? — começou ela
meio desajeitada, dando outro abraço em Tinsley. — Me senti péssima por você ter
levado toda a culpa. — Ela sentiu uma lágrima quente se formando no canto do olho e
ficou grata pela maquiagem à prova d'água que decidira usar, prevendo o que
aconteceria se visse Easy e Jenny juntos. Ela enterrou a cara no pescoço de Tinsley.
— Desculpas aceitas — respondeu Tinsley monotonamente, recuando. — Com essa, só
falta uma coisa.
— O quê? — Callie piscou para afastar a lágrima.
— Quem é a cretina em minha cama?
— Ah, é Jenny — respondeu Callie.
— Vai me ajudar a tirar as coisas dela, não vai?
Callie sorriu.
— Com todo o prazer.
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RyanReynolds: Já está na capela? Estou tentando chegar perto daquela garota, a Jenny.
Ela entrou de fininho pela porta dos fundos e que merda, a saia dela é CURTAAAA!
HeathFerro: Adivinha quem eu vi?
RyanReynolds: Jenny? Guarda um lugar pra mim, cara.
HeathFerro: Melhor ainda. A Tinsley GOSTOSONA Carmichael. E vou te contar, é
uma visão demaaaaais.
RyanReynolds: Tá de sacanagem? Pensei que era só um boato que ela estava voltando.
HeathFerro: Parece bem real para mim...
RyanReynolds: Me manda uma foto do seu celular.
HeathFerro: Não vai dar. Não tenho câmera nesse aparelho. E não mandaria, se
tivesse. Ela e Callie parecem muito ocupadas se beijando e se agarrando...
RyanReynolds: Você precisa mesmo comprar um celular com câmera.
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3
UMA WAVERLY OWL NUNCA PERDE A ELEGÂCIA, MESMO QUANDO
ESTÁ MUITO ABORRECIDA
Brett Messerschmidt estava junto à porta do quarto 303, as botas pontudas cor de
marfim espremendo os dedos dos pés. Podia ouvir a voz rouca e sensual de Tinsley do
outro lado da porta, reclamando com Callie que Brett estava tomando espaço demais no
armário. Brett releu o bilhete q a nova colega de quarto, Jenny, tinha escrito no quadro
de avisos da porta, todo o seu corpo tremendo com expectativa de ver Tinsley
novamente.
Boa terça feira! Jantar hoje depois do treino? – J
Jenny era tão...sincera. Como se ela se importasse mais em ser feliz do que em ser
descolada e com se não estivesse interessada em quem são seus pais ou se eles,
digamos, moravam em Nova Jersey ou em East Hampton. Ela era completamente
diferente de Tinsley. Brett não conseguia deixar de se preocupar que devia ser uma
questão de tempo até que Tinsley contasse a todos no campus sobre a família de Brett.
Ela contara que seus pais tinham uma fazenda orgânica nos Hamptons, mas a verdade
era que o pai ganhava a vida com peitos e barrigas enquanto a mãe reformara a mobília
da sala de estar em Rumson, em Nova Jersey, com uma chocante padronagem de
animais.
Embora não tinha sido culpa de Callie nem de Brett que Tinsley tivesse sido expulsa -
nenhuma das duas a dedurara, apesar de ambas terem passado o verão imaginando que a
outra tivesse feito isso - , Brett sabia que ela a culpava. Ela girou a cabeça como um
boxeador preparando-se para uma luta e empurrou a pesada porta de carvalho.
Tinsley estava de pé no meio do quarto, alta e magra feito uma modelo, num
minivestido de seda tomara-que-caia Ginger & Java turquesa e verde por baixo do
casaco marrom da Waverly. Brett não acreditava em maluquices supersticiosas como
aura, mas tinha certeza que Tinsley irradiava alguma coisa.
— Ora, ora — disse Tinsley friamente. — É bom te ver, B.
Brett alisou a saia de jeans Seven, sem ter certeza se devia avançar e dar um abraço em
Tinsley. Nunca lidou muito bem com gente que estava chateada com ela — em especial
quem podia muito bem entregar seu segredo mais sombrio e mais oculto só pra se
divertir.
— Está maravilhosa como sempre, T.
Callie deu um pigarro e colocou um livro didático grosso na bolsa de nylon preto Prada.
Seu cabelo estava preso no coque desordenado pós-treino de sempre e as roupas de
hóquei estavam emboladas perto do armário. Brett matara o treino, alegando estar com
cólica - a treinadora Smail ficava toda cheia de dedos quando se tratava de qualquer
coisa relacionada com menstruação - e ficou sentada em frente ao Stansfield Hall, na
esperança de esbarra ''por acaso'' em Eric Dalton saindo de sua sala. Não teve sorte.
Ele podia ser o professor e orientador do Comitê Disciplinar, mas também era
o...homem... mais incrível que Brett conhecera na vida. Na semana anterior, depois do
grande jogo do Sábado Negro, Brett tinha certeza que estava pronta pra perder sua
virgindade com Eric. Mas na hora se acorvadou e correu do iate de Eric, indo
diretamente para o ex-namorado, Jeremiah, aluno da vizinha St. Lucius Academy Cops.
— Vou deixar vocês duas se familiarizarem de novo — murmurou Callie antes de ir
para a porta. Brett na verdade queria que Callie não saísse. Mesmo que as coisas
estivessem tensas entre as duas, Brett tinha um pouco de medo de ficar sozinha com
Tinsley. E se elas já tivessem fofocado sobre quando Brett idiotamente pintara o cabelo
vermelho-bombeiro? E se Tinsley abrisse um buraco em sua alma com seus apavorantes
olhos violeta?
— Obrigado por me ajudar com minhas coisas, Cal. — Tinsley fez beicinho com os
lábios grossos e mandou uma beijoca exagerada antes que Callie delicadamente
fechasse a porta ao sair. Brett se perguntou se Callie ficaria por ali, ouvindo
disfarçadamente a conversa, como Brett fizera. Provavelmente sim.
As malas Louis Vuitton de Tinsley estavam em sua antiga cama, e uma caminha de
armação de metal, meio afundada no meio, estava empurrada no canto onde as meninas
normalmente mantinham a lixeira. O edredom e os lençóis de Jenny estavam embolados
no alto da cama. Um dos travesseiros estava no chão.
Tinsley olhou pra Brett, parada feito um poste do outro lado do quarto. Seu narizinho
arrebitado era tão vermelho quando o cabelo insanamente tingido, o que Tinsley
reconheceu como sinal de nervosismo. Ué, qual era o problema? Ela nem mesmo
mostrou um pouco de empolgação por ver a grande amiga de volta ao lugar a que
pertencia, em especial depois de ter salvado a bunda de Brett? Onde estava sua
gratidão? O respeito? A educação? Ela acabar de voltar de outro hemisfério, pelo amor
de Deus, e não do salão de jantar.
— Você está pálida — começou, por fim, Tinsley.
Brett foi até sua mesa e colocou o blazer tamanho P da Waverly na cadeira.
— Não estou me sentindo bem — respondeu ela com afetação.
Tinsley puxou o zíper de sua bolsa de couro de grife e pegou um punhado de chiffon e
seda. Semicerrou os olhos cuidadosamente maquiados para Brett enquanto ia até o
armário e afastava as coisas de Brett. Isso fez Tinsley pensar em todas as vezes em que
as três, com passes falsos dos pais, pegaram o trem para a cidade, para fazer compras na
Barneys e nas butiques do Soho. Tinsley até viu o tubinho Missoni que ela teve o
atrevimento de roubar da Saks. Foda-se, era o Tinsley queria gritar. Só peça desculpas e
puxe o meu saco um pouco, assim podemos ser amigas de novo! Mas Brett só ficou
parada ali, obstinadamente, passando o dedo no conjunto de argolinhas de ouro da
orelha esquerda. Com o que ela estava puta?
— Ainda está com Jeremiah? — Perguntou finalmente Tinsley
— Acabou — Brett deu um pigarro e instou a si mesma a não pensar em Eric Dalton.
Tinsley tinha uma espécie de percepção extra-sensorial quando se tratava de segredos e ,
assim que ela sentisse alguma coisa furtiva, fecharia o cerco até descobrir cada detalhe
picante.
— Ah, é? E então, quem é a próxima vítima? — Perguntou Tinsley incisivamente,
pensando no Sr. Dalton e em seus sensuais olhos cinza e abotoaduras com monograma
de platina, e no modo como Callie sugeriu que ela perguntasse a Brett sobre ele. Ela
conhecia as amigas e sabia o que isso queria dizer. Ele tinha de ser muito gostoso para
ganhar uma garota reprimida de Jersey como Brett.
— Ainda está para ser resolvido — Brett se virou para pegar seus livros. — Olha, eu
vou estudar no quarto da Benny, só passei pra pegar algumas coisas — mentiu ela.
Tinsley se eriçou. Desde quando Brett ligava mais para mergulhar nos livros com a cara
de cavalo de Benny Cunningham do receber a amiga sumida?
— Eu ia mesmo ver o que Brandon e Heath estão fazendo — respondeu Tinsley
casualmente. Ora, estas seriam algumas caras felizes por vê-la. ela pegou a enorme
bolsa Prada tangerina e foi para a porta. — De repente a gente se vê por aí.
Bateu a porta com força dispersando as meninas que estavam ouvindo, e esperou no
corredor até ouvir Brett murmurar : "Piranha"
Piranha?, refletiu ela, batendo os saltos pelo corredor. Bom, veremos o que o Sr. gatodemais-
para-ser-professor Dalton acha das piranhas.
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TinsleyCarmichael: Qual é a do cara novo muito gato?
BennyCunningham: O superalto de Seattle? Parece uma delícia, mas é calouro! Não é
uma injustiça?
TinsleyCarmichael: O cara não é calouro coisa nenhuma. Dalton ou coisa assim?
BennyCunningham: Vc fala do SENHOR Dalton? É professor de história e é do CD.
TinsleyCarmichael: Acho que é meu orientador.
Benny Cunningham: Cretina de sorte. Soube que ele e Brett andaram roçando pé na
última reunião do CD.
TinsleyCarmichael: Très interessante...
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OwlNet -------------- Caixa de Entrada de E-mail
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Para: JennyHumphrey@waverly.edu
De: RufusHumphrey@poetsonline.com
Data: Terça-feira, 9 de setembro, 15:14h
Assunto: Telefone novo
Oi, meu docinho jalapeño,
Recebi sua carta da semana passada. Ainda estou pasmo com o e-mail. Incrível!
Dan está se adaptando a Evergreen. Ele ainda não foi parar na enfermaria com
intoxicação alcoólica nem meningite espinhal nem saudade de casa, então acho que está
começando bem.
Você me pediu um Tripod, um Treon ou coisa parecida? Não sei o que é isso, então
perguntei a Vanessa — ela está morando no seu quarto... será que já te contei isso? — e
ela me levou a uma loja de celulares. Fiquei todo filosófico e mostrei meu bottom "Eu
Freio para Salamandras" e meus suspensórios de arco-íris, e a vendedora me deu um
bom desconto. E você achando que eu não tenho senso de moda. Olho vivo numa caixa
de sapatos com fita adesiva que vai chegar pelo correio!
Te amo um mundo,
Papai
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4
UMA WAVERLY OWL É UMA CORUJA MUITO, MUITO CONFIÁVEL.
Jenny corria de volta ao Dumbarton depois do treino de hóquei de campo, curtindo a
saudável dor nos músculos e a vista do campus verdejante, os antigos prédios de
tijolinhos, os alunos mauricinhos de bochechas rosadas. Todo O exercício compulsório
a estava fazendo se sentir como uma das meninas louras, magras e de rabo-de-cavalo
fazendo uma estrela acrobática no site da Waverly Academy, embora seu cabelo fosse
castanho e crespo e ela mal tivesse um metro e meio de altura. Depois de 15 anos em
Nova York, ela ficou chocada ao descobrir que tinha algum talento para o atletismo
além de acenar para um táxi; mas aqui estava ela, jogando hóquei de campo na equipe
principal do colégio interno.
Ela queria ligar para o irmão em Washington para se vangloriar assim que recebesse o
celular novo, mas sabia que Dan não ficaria nada impressionado. Provavelmente a
acusaria de ser um clichê ou qualquer coisa igualmente cruel. Jenny respirou o ar de
final de tarde, com seus toques de grama recém-aparada e lenha queimando ao longe.
Jurava que podia sentir o cheiro das folhas mudando de cor. Decidiu que mais tarde
mandaria um e-mail para Dan sobre as folhas e não falaria nos exercícios. Ele era poeta.
Os poetas gostam de folhas.
— Oi, gata — chamou uma voz arrastada, que parecia chapada. Jenny girou e viu Heath
Ferro deitado de costas em um dos bancos de pedra compridos que se espalhavam
habilidosamente pelo campus, cada um deles com uma placa trazendo o nome de um
ex-aluno da Waverly que tinha feito uma doação. — Por que não vem se sentar aqui? —
Ele bateu na coxa. — Para onde está correndo, aliás?
— Para longe de você!—gritou Jenny de brincadeira, sem parar. Ela o beijara dentro da
capela em sua primeira noite na Waverly, e depois ele contou a todo mundo que tinha
feito com ela muito mais do que isso. Ao que parecia, Heath realmente era rodado, tanto
que as meninas passaram a chamá-lo de Pônei porque, como lhe explicaram com certo
nojo, ele tinha visto mais bundas do que um pônei de feira do interior.
Ela ainda podia ficar irritada com isso, mas conseguiu reverter toda a situação durante o
maior jogo de hóquei do outono, chamado de Sábado Negro, quando a Waverly jogou
com sua rival, St. Lucius. Callie lhe dera uma letra inventada para cantar que era meio
indecente e meio constrangedora, mas Jenny entrou tanto na brincadeira que
acrescentou espontaneamente um verso próprio. Cantava agora para si mesma enquanto
corria pelo antigo passadiço de pedra que levava ao Dumbarton. Nessa escola tem um
Pônei, sujeitinho muito eca! Ele é sempre indecente e não se agüenta na cueca!" Com
essa, ela revidou a Heath e, mesmo que Heath fosse mesmo um indecente, ainda ainda
foi bom poder atrair a atenção dos bonitões da Waverly. Meu Deus, ela adorava esse
lugar!
Jenny correu para o quarto 303 com a adrenalina ainda alta e encontrou a colega de
quarto Brett sentada no peitoril da janela, olhando uma coruja empoleirada no bordo do
outro lado do gramado.
— Oi, Brett — ela a cumprimentou, ainda sem fôlego. Foi quando viu sua cama coberta
com as malas Louis Vuitton, que Jenny quase gritou. — Que troço é esse na minha
cama?
— Acho que a Tinsley andou rearrumando as coisas — sugeriu Brett em voz baixa. —
Pensei que você soubesse.
— Eu sabia que ela estava aqui, mas não sabia que ia tirar minhas coisas desse jeito! —
Seu encontro nesta manhã fora breve e assustadoramente desagradável. Agora Jenny
ficou furiosa ao ver que sua cama elegantemente arrumada fora desfeita e ocupada com
as caras malas de Tinsley, e seus cobertores amarfanhados e atirados em uma frágil
cama de armar. Ela pegou o travesseiro no chão e bateu a poeira dele enquanto tentava
se acalmar. — Isso não é justo.
Brett deu de ombros e fechou as pálpebras pintadas com Urban Decay Acid Rain por
um momento.
— Mas não dá para imaginar a Tinsley dormindo numa cama de armar...
Argh! Ela jamais conheceu alguém de olhos violeta, a não ser Elizabeth Taylor, que era
a estrela de cinema mais linda que se podia imaginar antes de ficar velha e meio gorda,
mas Jenny não ligava para a beleza de Tinsley — isso era simplesmente maldade. Mas
se deixava Tinsley feliz ter a cama antiga de volta, ela podia tê-la. Jenny só queria que
ela tivesse perguntado primeiro e que ela própria não tivesse que dormir numa cama de
armar que fedia ao porão mofado de onde deve ter vindo.
— Sentimos a sua falta no treino de hoje — disse Jenny, empoleirando-se na cama
frágil e idiota para tirar as meias de hóquei ensopadas. Depois ela se sentiu meio falsa
porque só percebera que Brett não estava no treino quando entrou no alojamento e a viu
sentada ali, ainda com o suéter de cashmere verde justo e botas marfim. Era terça-feira e
Jenny tivera uma aula de retratos antes, o que significava que passou a tarde sentada ao
lado de Easy, desenhando e dividindo olhares e bilhetes, e pelo resto da tarde foi
incapaz de pensar em qualquer coisa que não fosse ele. Só ficar ao lado dele fazia Jenny
sentir uma espécie de glória e se esquecer totalmente das coisas... Tipo o fato de que ele
ainda estava com Callie.
Jenny pegou o bolo de lençóis na cama de armar e começou a arrumá-lo no colchão
pequeno e frágil. Ele se ajustou como uma calçola frouxa de vovó.
O som de uma banda de calouros cantando a plenos pulmões "Drop It Like It's Hot"
vagou pela janela aberta. Brett ainda olhava distraída o Hudson. Jenny se aproximou e
se sentou na beira da cama desfeita de Brett. Nem Brett nem Callie fizeram a cama, mas
Jenny não estava à vontade o bastante para deixar os lençóis e cobertores na bagunça
que elas deixavam. Seria como permitir que elas vissem seu sutiã, e definitivamente era
cedo demais para isso. Ela ainda mudava de roupa no banheiro.
— Você está bem? — perguntou Jenny, sem querer incomodá-la, mas também sem
querer ser o tipo de colega de quarto que não pergunta a todo mundo se está bem,
quando alguma coisa claramente não estava bem. —A treinadora disse que você estava
doente.
Brett virou a cabeça para Jenny.
— É parecido.
Havia um motivo para ela se sentir nauseada: Eric. É claro que ele tecnicamente era um
professor, mas não era professor dela. Na semana anterior, quando ele a levou à casa
dele em Lindisfarne, a propriedade da família em Newport, Rhode Island, e eles ficaram
sentados na varanda da casa de hóspedes, não foi preciso mais do que um gole de um
bordeaux mais velho do que ela para que Brett soltasse a verdade sobre sua família. E
Eric Dalton — um legado de Waverly, herdeiro de uma verdadeira dinastia americana,
com sua linda e classuda casa em Newport e a linda e classuda família de sangue azul
da Nova Inglaterra — fez com que ela se sentisse intrigante e sexy apesar de sua criação
desprovida de classe.
Brett enfiou o cabelo cor de fogo atrás das orelhas. Jenny era tão doce, sentada ali na
beira de sua cama, como se tivesse medo de incomodá-la. Não admira que todo mundo
estivesse dizendo que Easy Walsh estava apaixonado por ela. Brett não sabia se era
verdade, mas via que podia ser mesmo.
Brett desceu para sua cama, sentando-se ao lado de Jenny, batendo os joelhos.
— Jura que não vai contar a ninguém? — Só conhecia Jenny havia uma semana, mas
Brett se sentira sem amigas este ano, com Tinsley fora e Callie agindo como uma
completa geladeira. E agora Tinsley e Callie pareciam ter voltado a ser grandes amigas
e provavelmente tramavam para arruinar sua vida. Além disso, Jenny já sabia de Eric
desde que vira Brett escapulir do quarto no meio da noite na semana anterior.
— Prometo. —Jenny cruzou os dedos na altura do coração.
— Que bom, porque você sabe como é quando gosta tanto de alguém, que não consegue
deixar de pensar nele e só o que quer fazer é falar sobre ele? — Brett mordeu o canto do
lábio. Devia haver pelo menos alguma verdade nos boatos sobre Jenny e Easy. Jenny
tinha que entender.
— Sei—disse Jenny baixinho.—Eu sei como é. —Jenny se lembrou de olhar as estrelas
com Easy na festa de Heath quando ele lhe disse que queria estar apaixonado como nas
propagandas de diamantes De Beers. Ele ficou sem graça ao falar isso, mas Jenny sabia
o que ele queria dizer. Ele disse que não tinha isso agora, o que significava que ele não
sentia isso por Callie, mas que queria sentir. Ela se perguntou se talvez ele quisesse
sentir com ela.
— Bom, sabe aquela... coisa... que rola com... — Brett olhou Jenny mais de perto. —
Sabe como é. —Jenny assentiu, então Brett continuou. — Mas o caso é que ele não está
retornando minhas mensagens, nem meus telefonemas.
— Quanto tempo faz desde que vocês se falaram?
Brett fingiu ter que pensar nisso, mas sabia exatamente quanto tempo fazia.
— Dois dias. Liguei para ele duas vezes. — Na verdade foram 11, mas ela não queria
que Jenny pensasse que era obsessiva.
Lá fora, as mesmas meninas que estavam cantando "Drop It Like It's Hot" começaram a
discutir sobre quais eram os meninos mais bonitos da Waverly. "Easy Walsh é tão
gato!", elas puderam ouvir, e a cara de Jenny imediatamente corou.
Brett sorriu. Parecia que Jenny definitivamente tinha um segredo só dela.
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CelineColista: B, não terminei meu artigo sobre Heródoto. Vc acha que Dalton vai me
dar mais prazo?
BrettMesserschmidt: Como é que vou saber? Não sou da sua turma.
CelineColista: Mas vcs são amigos, não são? Quem sabe vc pode dar uma palavrinha
por mim?
BrettMesserschmidt: Trabalho com ele no CD... E vc tb.
CelineColista: Mas vcs não têm, tipo assim, reuniões particulares?
BrettMesserschmidt: Só assuntos do CD.
CelineColista: Que droga. Quer dizer, para meu prazo.
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5
UM WAVERLY OWL NÃO SE ENVOLVE EM ATIVIDADES
ALUCINÓGENAS, SEJAM ORGÂNICAS OU NÃO.
—Como é a Tinsley? É gata igual a Jessica Alba em Sin City?— perguntou Ryan
Reynolds como quem suplica. — Com que roupa ela estava? Por que eu ainda não a vi?
Brandon Buchanan baixou a bolsa preta e lustrosa de squash no piso de madeira
surrado, mas ainda assim encerado, da sala de estar do Richards. Mesmo cheia de
adolescentes, a sala parecia uma velha cabana de caça inglesa, com seus frisos de
mogno, parede verde e estantes cheias de clássicos encadernados em couro de que
ninguém ouvira falar na vida. Isso fazia Brandon querer ter um dos cachimbos do pai.
Ele revirou os olhos para Julian McCafferty, o calouro alto de cabelos compridos de
Seattle que tinha acabado de chegar do treino de squash com ele. Brandon o derrotara, é
claro, mas foi uma vitória meio apertada demais para que ele se sentisse à vontade.
Normalmente, isso teria sido o bastante para fazer com que Brandon o evitasse, mas
Julian era surpreendentemente legal. As meninas iam gostar dele também, pensou
Brandon com um pouco de inveja, depois que ele cortasse aquele cabelo de homem das
cavernas.
— Quem é Tinsley? — perguntou Julian num cochicho brincalhão. Como sempre, a
sala estava apinhada de meninos avoados, exaustos dos treinos esportivos e se
reaclimatando à vida na escola depois de seus verões relaxantes nas casas de campo e de
praia das famílias. A ESPN lampejava na televisão de gabinete do canto, muda,
imaginou Brandon, para que todos pudessem fofocar sobre Tinsley. Eles eram piores do
que as mulheres.
Todos riram da ignorância de Julian.
— Cara, é evidente que você é um calouro — disse Alan St. Girard, o primeiranista
cujos pais ensinavam filosofia nas mais caras faculdades de ciências humanas da Costa
Leste e, segundo diziam, tinham uma plantação de marijuana em New Hampshire. Ele
tinha cabelo castanho farto e uma eterna barba rala, que as meninas achavam
encantadora mas Brandon achava nojenta. Vai se barbear, cara. — Ela é a garota mais
gostosa do planeta.
— Não tem alguma coisa no manual sobre ela? — perguntou Teague Williams, o corpo
pós-treino de futebol pingando suor em uma das caras poltronas de couro. — Tipo
assim, "Waverly Ows machos, cuidado com essa garota. Ela vai sacanear e torturar
você, e assombrar seus sonhos com sua presença deliciosa por quatro anos inteiros na
Waverly e pelo resto de sua vida na terra."
— Estou louco para conhecê-la. —Julian largou no chão a bolsa de squash Nike
marrom e puxou o cabelo louro descolorido em um rabo-de-cavalo, usando o elástico
que mantinha no pulso para esses momentos. Brandon deu de ombros com desprazer. —
Como é que ela é?
Os meninos soltaram um suspiro coletivo e Brandon afundou em uma das antigas
poltronas. Tinsley era gostosa, mas esses caras eram ridículos. Ela não era nem de longe
tão bonita quanto Callie, que Brandon namorou por todo o primeiro ano antes do merda
do Easy Walsh roubá-la dele. Eles foram a uma festa na biblioteca e, quando ele saiu
para pegar uma bebida para Callie como o cavalheiro que era, Easy apareceu de fininho,
arrastou a garota para a sala de livros raros e passou nela uma cantada de caubói do sul.
E agora havia todo tipo de boatos de que ele estava trocando Callie por Jenny
Humphrey, a nova menina bonitinha que Brandon achava que podia mesmo fazê-lo
esquecer Callie. A merda do Walsh. Ele lançou um olhar colérico para o corpo fedido a
cavalo de Easy, esparramado no sofá xadrez.
— Não espere grande coisa, garoto—disse Ryan enquanto abria espaço no sofá para
Julian se sentar. —A Tinsley nem fala com calouros.
— Agora que ela voltou, tenho a sensação de que este ano será muito mais interessante
— disse Easy com a voz arrastada, sem desviar os olhos do desenho que tinha no colo.
Brandon reprimiu o impulso de revirar os olhos. Será que havia uma única menina no
campus em quem Easy não chegasse? Primeiro Callie, depois Jenny, agora Tinsley?
Havia boatos de que ele e Tinsley tinham ficado na casa dos pais dela no Alasca nas
férias de primavera do primeiro ano, mas Easy nunca confirmou a história e nem
Brandon se importou com ela.
— Caracaaaa! — Todos giraram a cabeça e viram Heath Ferro parado na soleira da
porta com um sorriso malicioso na cara bonita.—Estava falando agora mesmo com meu
primo que se formou aqui há uns cinco anos, e ele me contou uma coisa irada. Disse
que se a gente for até o outro lado da cratera, ela fica toda mole, e adivinha o que cresce
lá? — Heath olhou para todos com expectativa, como se alguma coisa do que disse
fizesse sentido. — Cogumelos, galera! — gritou ele. — Achei que a gente podia ir ao
bosque ter um barato natural, no estilo Alice no País das Maravilhas. Foi uma semana
muito longa—acrescentou ele, embora ainda fosse terça-feira. — E aí, quem vai nessa?
— Heath estalou os dedos com impaciência.
Ryan e Alan de imediato bateram os punhos com ele.
— Tô dentro.
Brandon gemeu e passou as mãos no cabelo recém-lavado e com gel.
— É terça-feira, porra. Tenho que ler cinco capítulos de Tess para amanhã.
— Ah, coitado do Brandon!—Heath falou no falsete que reservava para se divertir à
custa dos atributos femininos do colega de quarto. — Cinco capítulos, não!
— Vai se foder, Ferro. Não é todo mundo que tem um papai que compra as notas A.
— Se os calouros não estão proibidos, adoraria participar. —A voz grave de barítono de
Julian explodiu enquanto ele se levantava. Era tão injusto para um calouro ser tão alto e
másculo. Quando Brandon era calouro, mal passava de 1,60 e sua voz parecia a de uma
menina.
Easy largou o desenho no chão e descruzou as pernas.
— E por que não?
Brandon suspirou baixo. Embora quisesse passar o menor tempo possível perto do
repugnante do Walsh, não ia deixar Easy e um calouro novato fazerem com que ele
parecesse um frouxo.
— Tá legal. Vamos dar o fora daqui — cedeu. Ia só passar os olhos por Thomas Hardy
mesmo.
Easy e Alan atiravam o frisbee de um lado para outro, lembrando a Brandon dois golden
retrievers sujos, enquanto o grupo atravessava o campus até o trecho de bosque que
separava do rio os prédios de tijolinhos. Meninos e meninas arrumadinhos com
mochilas e suéteres de tricô entravam na biblioteca às pressas para algumas horas de
estudos antes do toque de recolher, e Brandon queria poder sentar com Callie de novo
na escada da biblioteca, como costumavam fazer, conversando, paquerando e
namorando quando ninguém estava vendo. Em vez disso, ele ia procurar cogumelos
com um bando de babacas, um dos quais na verdade lhe roubara a garota que ele amava
e agora devia estar a ponto de magoá-la.
Os mocassins de couro de bezerro Gucci de Brandon seguiam pelo caminho do bosque
até que Heath e Easy saíram do caminho de pedra e entraram na mata. Brandon tentou
não estragar seus sapatos enquanto andavam pelo mato alto e os galhos baixos. O
bosque se abria brevemente em uma pequena clareira cheia de pedras grandes que os
alunos usavam como local clandestino de festas havia décadas — a cratera. O céu
escurecia, mas ainda não estava frio.
— Ele disse para procurar a pedra maior perto da beira e depois andar para o bosque até
ficar encharcado. — Heath identificou a pedra maior e acenou para ela como se
estivesse sinalizando para um avião na pista.
Brandon fechou a carranca para os sapatos. O grupo de meninos esmagava os gravetos e
folhas sob os pés, e de repente a terra ficou esponjosa e molhada.
— Porra — murmurou Brandon.
— Olha! — Heath se agachou na base de uma árvore. — Cogumelos!
Todos começaram a colher, reunindo nas mãos os chapéus de cogumelo sujos. Brandon
teria esperado que eles parecessem um pouco mais exóticos. Estes pareciam tão
inocentes e, bom, culinários, como se pertencessem a uma espécie de frigideira
Szechuan que a cozinheira de sua família, Greta, podia sacar.
— Detesto decepcionar você, Ferro. — Ryan mexia em um dos chapéus e o cheirou
como se fosse um especialista em cogumelos, o que, dado os boatos sobre seus pais, era
bem possível. — Mas estes não são pra valer.
— Que merda, cara — murmurou Heath. — Bom, a gente vai dar uma relaxada aqui na
cratera ou vai voltar?
Votos decepcionados em favor de ficar foram murmurados e alguns minutos depois
Brandon sentiu a umidade fria do gramado ensopando seus jeans Dolce & Gabbana
enquanto o restante dos rapazes voltava ao tema da gostosa Tinsley. Brandon fechou os
olhos e deixou que o som dos grilos abafasse as vozes dos meninos. Não estava nada
interessado em pensar em Tinssley. Ele amava Callie. Ela o largou para ficar com Easy
há mais de um ano, então eles estavam separados havia mais tempo do que ficaram
juntos, mas nem assim Brandon conseguia tirá-la da cabeça. E ela não ajudava muito —
na semana anterior, ele esbarrou com ela depois de uma das festas de boas-vindas só de
meninas e ela lhe pediu, bêbada, para dormir com ela. Ele só queria abraçá-la e
conversar com ela até que o efeito do álcool passasse. Brandon teria ficado sentado com
Callie a noite toda, mas não ia tirar proveito dela quando ela estava tão emocionalmente
arrasada com o que quer que tenha acontecido
com o seboso do Walsh. O Easy Facinho.
— As estrelas estão aparecendo. As garotas adoram as estrelas — observou Heath. —
Sabe quem eu pegaria aqui?
— Tinsley — disseram alguns meninos em uníssono.
— Boa sorte nessa, Ferro — balbuciou Easy. Ele estava deitado na grama, olhando o
céu. Callie tinha colocado o nome dele em uma estrela desde que entrou num site brega
qualquer, mas agora olhando o céu, ele não conseguia imaginar que procuraria por sua
estrela com Callie. A única menina com quem queria olhar estrelas era Jenny. Se ao
menos ela estivesse ali agora.
— Acho que a gente deve voltar. — Brandon interrompeu os pensamentos de Easy e os
meninos se colocaram, desajeitados, de pé, ainda falando de Tinsley e como seria ficar
com ela. Easy já ficara com ela, antes de Callie, quando um bando deles foi para o
Alasca nas férias de primavera. Ficaram acordados a noite toda, nus na banheira,
praticamente só conversando e olhando as estrelas. Tinsley era linda, mas Easy tinha
certeza absoluta de que o que deixava os caras mais obcecados por ela era a mesma
coisa que o fizera feliz em pular fora. Ela era meio... má.
E então, enquanto eles voltavam pelo gramado bem-cuidado do campus principal, Easy
viu 'Tinsley andando na direção deles pela grama. Ele a observou se aproximar, num
minivestido turquesa sem alças e sapatilhas Mary Janes pretas de tecido, do tipo que se
compra em lojas de presentes chinesas bregas. E bem da Tinsley combinar um vestido
desses com sapatos de cinco dólares.
— Vocês todos não parecem suspeitos, saindo do bosque desse jeito? — observou ela
provocativamente. — O que estavam fazendo lá? — continuou Tinsley quando os
meninos estavam perto o bastante para sentir seu perfume doce e almiscarado.
— Reunião da sociedade secreta — respondeu Easy misteriosamente. Seus cachos
quase pretos caíam soltos no rosto, incrustados de folhas esmagadas. —Você não
entenderia.
Tinsley deu um tapinha na barriga dele com as costas da mão.
— Ah, é? O que vocês fazem? Fumam maconha e falam de mulheres? — Seus olhos
violeta cintilaram. Tinsley sempre conseguia farejar um segredo. — Posso ir da próxima
vez?
— Desculpe, senhora — Easy sorriu, falando para todos eles. — E só para cavalheiros.
— Mas que idiotice — disse Tinsley lentamente, os lábios formando um biquinho corde-
rosa. — Acho que vou ter que criar minha própria sociedade secreta, então. — Ela
mostrou a língua antes de se virar; era mestre em deixar sua platéia sem fôlego,
querendo mais.
6
UMA WAVERLY OWL DEVE OBEDECER AO TOQUE DE RECOLHER, MAS
ISSO NÃO QUER DIZER QUE NÃO POSSA FICAR ACORDADA A NOITE
TODA.
O Nokia prata de Brett vibrou com ruído na cômoda de madeira enquanto ela e Jenny
tiravam os olhos de suas antologias Norton e se olhavam. Os olhos verdes de gato de
Brett brilharam de triunfo ao pegar o telefone e ler o identificador de chamadas.
— Até que enfim! — gritou ela antes de respirar fundo e tentar eliminar toda a
excitação da voz. — Sim — atendeu ela friamente enquanto Jenny ria e trazia ao peito
os joelhos vestidos numa calça de pijama de flanela com estampa de cereja Nick&Nora.
— Pode me encontrar na minha casa em Rhinecliff? Preciso ver você. — A voz grave
de Eric de imediato atenuou qualquer preocupação que ela sentia, como se ele tivesse
afastado seu cabelo de lado e falado suavemente, respirando em sua orelha. Ela sentiu o
rosto arder e Jenny gesticulou para a porta e murmurou, "Quer que eu saia?"
Brett sacudiu a cabeça antes de se virar para a janela e olhar a noite que caía. Eram
21h50. Menos de uma hora para o toque de recolher.
— Como vou chegar lá? — respondeu Brett por fim, olhando a camiseta La Perla de
seda rosa-claro e a calça preferida de ioga preta supermacia C&C Califórnia que vestia
nos dias em que se sentia gorda ou deprimida.
— Vou mandar um carro. Esteja em frente ao portão daqui a vinte minutos, está bem?
Brett desligou rapidamente e, de imediato, começou a tirar a calça.
— Eu sabia que ele ia ligar — guinchou ela, pegando um jeans escuro James das
profundezas do armário. Ela manteve a camiseta, uma vez que estava com uma calcinha
igual e automaticamente sentia-se muito mais sexy quando vestia o conjunto completo.
Brett se olhou no espelho. Seu rosto estava sem maquiagem porque ela já havia feito o
ritual noturno de limpeza dos poros. Ela passou uma camada de brilho DuWop nos
lábios sem batom, desfrutando do modo como pinicava. Depois calçou um par de
sapatilhas de balé Marc Jacobs cor-de-rosa e vestiu um blazer de algodão aveludado
marrom da Anthropologie que parecia romântico. — Estou bem?
Jenny não sabia o que dizer.
— Er, você vai sair? Agora?
— Ninguém vai saber. Não diga a Callie nem a Tinsley onde estou, tá legal?
Brett estava linda — limpa, doce e delicada —, mas Jenny ainda não tinha certeza de
como devia se sentir com relação a ela e o Sr. Dalton. Sabia que Brett era mais vivida
do que ela, mas essa história era meio louca. E, no entanto, parada ali diante do espelho,
ajeitando o cabelo ruivo atrás das orelhas, Brett brilhava com certeza. Quem era Jenny
para ser a indesejada voz da razão quando Brett claramente estava mais feliz do que
ficou a semana toda?
— Claro, vou inventar alguma coisa — disse Jenny, levantando-se para espanar um
fiapo de linho do ombro de Brett. —Você está mesmo linda.
Brett girou pelo quarto numa nuvem de alegria romântica, mas um nó de nervosismo se
acomodava na boca de seu estômago quando ela entrou no carro preto que esperava por
ela do lado de fora dos portões da Waverly. O motorista não lhe disse nada e Brett de
repente se sentiu a amante de um banqueiro rico, sendo convocada quando a esposa
cretina estava fora, no spa.
Depois de passar pela sonolenta rua principal da cidadezinha de Rhinecliff, o carro
seguiu na direção do rio e andou por uma estrada muito arborizada. Luzes de casas
grandes e de bom gosto brilhavam através das árvores. Depois, justo quando parecia que
eles iam cair na correnteza lenta do Hudson, o veículo de repente pegou uma longa
entrada de carros. Os galhos balançavam de leve nos vidros e nas laterais do veículo.
Completamente privativo, observou Brett.
O motorista parou diante de uma moderna casa angulosa de madeira e vidro aninhada à
margem do rio. Eric abriu a porta da frente, usando jeans Diesel e uma camiseta azulmarinho
dos Red Sox. Vê-lo vestido com tanta informalidade soava tão íntimo. Ele
parecia exatamente o tipo de universitário bonito, mas um tanto desmazelado, com que
ela sempre sonhou encontrar em uma de suas muitas visitas a universidades da Ivy
League. O logo dos Red Sox a fez pensar com culpa em Jeremiah antes de rapidamente
expulsá-lo da cabeça.
— Desculpe por não ter ligado. Andei ocupado. — Eric se inclinou para dar um beijo
no rosto de Brett, demorando-se mais do que o necessário. — Senti sua falta, e seu
perfume é adorável.
Brett odiava desfalecer assim, mas quantos homens conhecia que podiam dizer
"adorável" de verdade? Certamente não Jeremiah. Ela de imediato perdoou Eric por
todos os telefonemas que ele não retornou. Ele era adulto, afinal de contas. Estava
ocupado.
Eric a conduziu pela entrada estreita que se abria para uma sala pouco iluminada com
teto de catedral. Uma vidraça dava para o que devia ser uma vista de tirar o fôlego do
rio, mas agora só se via a escuridão. A sala era esparsa e elegantemente mobiliada com
móveis retangulares e baixos que claramente foram desenhados para esta casa. Velas
bruxuleavam na mesa de centro e o som de saxofone enchia o ar.
— Esta é uma casa de Frank Lloyd Wright? — perguntou ela, uma vez que Frank Lloyd
Wright era o único arquiteto moderno que conhecia.
— Não — disse Eric, servindo vinho tinto em duas taças de cristal já colocadas na mesa
de centro. — Meu avô era um grande fã da obra de Wright, mas não de seu estilo de
vida. — Ele apontou para o sofá e Brett se sentou, imaginando o que dignificaria "seu
estilo de vida", mas tímida demais para perguntar. O sofá era surpreendentemente duro
e desconfortável. Ela tentou se apoiar em uma das almofadas aveludadas e se sentiu um
pouco melhor, embora estivesse preocupada que sua postura parecesse sugestiva
demais. Eric lhe passou uma taça e se sentou ao lado dela, perto o suficiente para que os
joelhos dos dois se roçassem. — Meu avô era meio durão.
— Parece que seu avô era um homem de... princípios — disse Brett, tentando parecer
sofisticada, mas desconfiando de que parecia uma anormal. Ela bebeu o vinho e se
sentiu meio deslocada.
— Ele achava que era — disse Eric com uma risadinha, baixando a taça na mesa. Ele
ergueu uma das sobrancelhas louras e perfeitas e olhou nos olhos dela. — Mas tinha um
fraco por mulheres bonitas.
— Ah, sim? — Brett podia sentir que corava. Segurou o joelho com as mãos. — Então
é de família?
Eric se inclinou para ela e ternamente afastou uma mecha do seu cabelo vermelho, com
o cuidado de não prendê-lo em nenhuma das argolinhas de ouro que ela sempre usava
na curva superior da orelha esquerda.
— Apenas ruivas estonteantes — ele sussurrou em seu ouvido.
Os dedos dele deslizaram para o ombro de Brett. Ela estava com sérios problemas para
se concentrar.
— Hummm... Eric? O que exatamente estamos fazendo aqui? — gaguejou ela, tentando
parecer o menos infantil e o mais despreocupada possível. — Quer dizer, sério. Você
pode se meter num monte de problemas. Nós dois...
Eric suspirou e tirou a mão do ombro dela, deixando-a cair nas costas do sofá. Seu
cabelo louro-areia parecia mais escuro à luz de velas e seu rosto ficou sério.
— Andei pensando muito nisso e, embora haja muitos motivos lógicos para não
acontecer, não quero que pare.
Brett não conseguiu evitar. Apertou seu joelho contra o dele. A visão dos dois joelhos
de jeans parecia tão normal e certa para ela. Afinal, ele era só um cara, bonito,
inteligente e totalmente irresistível. Ela passou a mão devagar pela perna dele e a deixou
ali, admirando a sensação de sua coxa musculosa sob as unhas lavanda. Reprimindo
uma risadinha, lembrou-se do nome do esmalte Hard Candy que tinha pegado na bolsa
de maquiagem de Callie: Jailbait. Chave de Cadeia.
— Eu só... — Eric deu de ombros e espanou um fio de cabelo invisível do rosto. — Só
acho que você é a garota mais incrível que conheci.
Ela se sentia bêbada, embora mal tivesse tocado no vinho. Aproximou o rosto do dele,
devagar, mantendo os olhos em seus lábios. Por fim encontrou os lábios dele e sentiu a
eletricidade percorrer seu corpo.
Depois de um beijo longo e demorado, ele desceu os lábios ao pescoço de Brett. Ela
teve de se lembrar da última vez em que estiveram juntos, no barco dele, quando
começaram a tirar as roupas um do outro. Lá estava ela, completamente nua na cama de
Eric, quando de repente percebeu que ainda não estava preparada para isso. Mas, desta
vez, Brett tinha certeza. Quem melhor para compartilhar sua primeira vez do que
alguém tão incrível... Que achava que ela era maravilhosa?
Mas enquanto Eric bafejava em seu pescoço e as mãos dele se aproximavam de seus
seios, ela não conseguiu deixar de sentir, mais uma vez, que ele era simplesmente bom
demais nisso. Ele sabia exatamente como tocar nela, o que, de certa forma, era
hipnoticamente excitante. Mas sempre que ela começava a pensar demais no assunto, o
que não conseguia evitar, podia imaginá-lo fazendo exatamente a mesma coisa com
uma garota qualquer no lugar dela, que ele chamava de maravilhosa e talvez até fizesse
a mesma piada com o fraco da família por ruivas, ou louras, ou sardentas, ou o que quer
que a garota tivesse. Quantas garotas — ou mulheres—estiveram neste mesmo sofá,
nesta mesma sala à luz de velas? A idéia a deixou constrangida de imediato e seu corpo
congelou.
Eric se afastou dela e a olhou com um jeito indagador.
— Eu... Eu acho que talvez não esteja pronta—gaguejou ela, sentindo-se a maior
criança do mundo. Ela olhou o próprio colo e se concentrou em reprimir as lágrimas que
ameaçavam sair.
— Está tudo bem, Brett.—Eric pôs as mãos em seu rosto. — Olhe para mim... Não se
preocupe com isso. Não tem pressa... Vamos devagar.
Brett olhou para ele.
— Desculpe por ser tão... — ela começou a dizer.
— Tão o quê? Linda e sexy? — ele riu e Brett sorriu timidamente. — Confie em mim,
não vou a lugar algum. Temos todo o tempo do mundo. — Ele estendeu os braços e
Brett desabou neles com alívio, desfrutando do modo como o corpo dele parecia
envolvê-la, todo vestido. Ela estaria pronta logo; sabia disso. Mas não agora.
Duas horas depois, Brett estava deitava seminua com Eric cochilando ao lado, debaixo
de lençóis de algodão egípcio que deveriam de ter uns mil fios. E embora fosse legal,
sensual e doce, Brett não conseguia deixar de pensar em como sua própria cama estaria
naquele momento. Quase podia ouvir Callie choramingando baixo enquanto dormia. Os
roncos másculos de Eric a lembrava os do pai. Ela só queria ter dormido e passado por
sua primeira vez com ele — não se sentiria tão criança e da próxima vez ficaria mais
fácil. Precisando fazer xixi, ela deslizou de sob o braço de Eric, com o cuidado de não
acordá-lo.
Pegou uma calça de pijama de seda Ralph Lauren na cômoda dele para vestir por cima
da calcinha. Enquanto amarrava a cintura, um feixe de luar iluminou o alto da cômoda.
Ao lado da carteira de couro preto italiano de Eric havia um saco plástico de maconha.
Brett o pegou e cheirou o interior para ter certeza. Eric, um maconheiro? Brett nunca
fumara maconha, mas ocorreu-lhe que podia ser exatamente o que precisava para
transar com Eric. Talvez da próxima vez.
— Aonde você vai? — Brett se virou e viu Eric sentando-se na cama, os olhos cinza
sensuais e sonolentos e o cabelo desordenado. — Não vai embora, vai?
— Banheiro — respondeu Brett, de repente perguntando-se como ia chegar em casa.
— Passe a noite aqui. — Eric bocejou de um jeito lindo. — Só quero que você durma
do meu lado.
Brette derreteu. Sem pensar em toques de recolher, nas colegas de quarto ou no que ia
vestir de manhã, ela concordou.
— Eu também.
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SageFrancis: Já acordou? Acabo de bater na porta de Pardee para dizer que nosso
banheiro entupiu de novo e ouvi o Sr. Pardee pirando total lá dentro.
BennyCunningham: Pegou alguma coisa?
SageFrancis: Na verdade não. Será que ela tem amante? O Sr. Dalton?
BennyCunningham: Duvido. Alguém viu Brett saindo de um carrão quando
amanheceu hoje.
SageFrancis: Não diga...
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Para: EasyWalsh@waverly.edu
De: CallieVernon@waverly.edu
Data: Quarta-feira, 11 de setembro, 09:01 h
Assunto: Estábulos
Oi, gato
Me encontra nos estábulos às cinco da tarde?
Bjs
C
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7
UMA WAVERLY OWL NÃO COBIÇA O NAMORADO DE UMA COLEGA DE
QUARTO — SÓ DEPOIS QUE ELES TERMINAM.
Jenny largou no chão a gigantesca bolsa de camurça roxa que tinha comprado em uma
feira ao ar livre em Praga naquele verão, deixando-a atrás da mesa de arte que chamava,
insegura, de sua. Ela se apaixonou pela bolsa e sua mãe, sem sequer tentar pechinchar,
rapidamente lhe deu as duzentas coroas checas que o vendedor queria por ela, como se
sua disposição de comprar uma bolsa para Jenny a tornasse uma mãe menos negligente
depois de basicamente abandonar Jenny e Dan quando eles eram crianças. Jenny
adorava a bolsa, apesar de ser um suborno, apesar de ser um tanto esculhambada e não
estar lá muito na moda. Depois de sua primeira semana na Waverly, Jenny se via menos
preocupada com o que os outros pensavam que era descolado. Algo no modo como
transformara o grito de torcida do Sábado Negro para proveito próprio, em vez de
desmaiar de vergonha, deu-lhe poder e ela de repente achava que podia fazer o mesmo
com tudo, caso se decidisse a isso. Quem ligava se sua bolsa era meio largada e tinha
cara de Bloco Oriental?
No dia anterior a Sra. Silver convidou Jenny, Easy e Alison Quentin para fazer um
curso avançado de retratos às quartas-feiras. A aula era principalmente de veteranos,
então Jenny se sentia especialmente orgulhosa. Também não doía o fato de que ia ter
outra aula com Easy.
Jenny foi até o armário de suprimentos dos alunos e pegou o bloco de desenho enorme e
novo na prateleira com a etiqueta HUMPHREY em sua caligrafia elegante. Não pôde
deixar de sorrir ao ver o nome de Easy na prateleira dele, em carvão sujo, as letras
escuras e manchadas já desbotando na etiqueta branca.
— Que bom que pôde se juntar a nós, Sr. Walsh — a Sra. Silver recebeu Easy enquanto
ele se arrastava para a sala e ela fechava a porta do armário.
— O prazer é todo meu.—Easy deslizou para a banqueta ao lado de Jenny, fitando-a
pelo canto dos olhos azuis brilhantes. Era uma glória estranha, uma sacanagem, como se
alguém balançasse uma fatia de pizza de queijo e pepperoni sob seu nariz e ela estivesse
de dieta. Qual era o problema dela? Não sabia se ele e Callie ainda estavam juntos mas,
de qualquer forma, Callie era sua colega de quarto. — Oi — sussurrou ele, mal
podendo ser ouvido.
— Oi — sussurrou Jenny também. O que ela estava fazendo? Tinha que se obrigar a
parar de paquerar Easy. Concentre-se em sua arte, em qualquer coisa!
— Acho que todos vocês dominaram as proporções básicas do rosto, trabalhando com
um espelho e seus próprios reflexos. —A Sra. Silver, a grisalha mamãe-noel-que-virouhippie,
sorriu gentilmente para a turma.—Agora, gostaria que trabalhassem na captura
da semelhança do rosto de outra pessoa. Estas duas filas, formem pares com quem
estiver ao lado... — Ela apontou a fila de Jenny e Easy. — E essas duas...
Jenny não ouvia mais. Easy já estava virando sua mesa de frente para ela. Era quase
como se todos no mundo tivessem se unido para tentar torturá-la.
— Quem vai primeiro?—perguntou ele, o lápis já rabiscando o papel.
— Eu vou primeiro — disse Jenny, que ainda não estava pronta para ter seu rosto
desenhado. Ela corava como uma idiota o tempo todo. Além disso, não queria que ele
começasse a comparar sua aparência com a de Callie, ela jamais seria páreo. Callie era o
tipo de garota que ficava totalmente atraente só de aparecer no treino de hóquei e passar
algumas horas suando. Callie era linda. Jenny olhou seu corpo nada-perfeito com o
peito desproporcionalmente grande e se perguntou novamente por que ele chegava a
pensar em deixar de fazer parte de um casal tão glamouroso para ficar com uma menina
mais de trinta centímetros mais baixa do que ele. Eles pareciam aberrações!
— Tá legal, mas nunca fui modelo antes, então posso não ser muito bom nisso. — Ele
parecia meio constrangido com a situação, batendo os dedos nervosamente na mesa de
desenho.
— Está tudo bem; não precisa posar, nem nada. —Jenny riu.—Pode falar ou desenhar,
se quiser, desde que não se mexa muito. E mantenha a cabeça erguida.
Easy olhou nos olhos dela e um sorriso lento se espalhou por seu rosto.
— Tudo bem, chefe.
Ela olhou o papel e começou o esboço preliminar do contorno de sua cabeça com um
toco de carvão de videira, mas seus olhos foram atraídos de imediato para o rosto dele.
Com apenas algumas olhadas no papel enquanto desenhava, Jenny analisou suas feições
mais de perto do que fizera antes, apreciando a pequena elevação no nariz, o modo
como os olhos azuis e grandes se viravam nos cantos, as orelhas levemente desiguais e
projetadas para fora. O papel se encheu rapidamente.
— Muito bom — disse a Sra. Silver de trás da mesa de Jenny. — Excelente... Turma,
estão vendo como Jenny mantém os olhos no rosto de Easy, sem se enterrar no papel?
Quero que se concentrem no que estão vendo, e o desenho simplesmente acontecerá.
Perfeito, pensou Jenny. Mais mensagens confusas — ela não consegue tirar os olhos de
Easy e ainda é elogiada por isso.
— Quase se atrasou hoje — observou Jenny, querendo dar um fim ao silêncio entre
eles, depois que a Sra. Silver passou ao par seguinte. Sentia uma coceira no nariz, mas
não queria coçar porque seus dedos estavam pretos de carvão.
— Saí com Credo. O clima estava tão bom que eu quis cavalgar o máximo possível. —
A cara de Easy sempre se iluminava quando ele falava da égua. Jenny foi criada com
muitas meninas cujas famílias tinham casas e estábulos em Westchester e Connecticut, e
que falavam de seus saltadores premiados como se estivessem apaixonadas por eles ou
coisa assim. Talvez seu pai anarquista tenha lhe incutido isso, mas ela sempre as achou
meio pretensiosas demais, com suas calças de montaria e botas de hipismo. Ou talvez
ela só tivesse inveja.
— Nunca montei num cavalo — admitiu ela, virando outra página do bloco e
começando um novo desenho. Ela trocou o carvão de videira por um lápis macio e
começou a trabalhar no formato dos olhos dele para ter uma desculpa para olhá-los.
A boca de Easy se abriu.
— Tá brincando?
Jenny deu de ombros.
— Sou de Nova York. Acho que dei uma volta num pônei uma vez, numa feira. Uma
mulher me conduziu num círculo. Não sei se isso conta. —Jenny tombou a cabeça de
lado e sorriu. — Pra falar a verdade, deve ter sido um burrico.
Easy riu.
— Há uma grande diferença. — Ele passou a mão no cabelo, deixando os cachos ainda
mais desordenados do que o de costume. Olhou timidamente para Jenny. — Bom, pode
vir comigo um dia desses. Se você quiser. —Ele deu de ombros, como se não tivesse
certeza se ela estaria interessada. — Credo é muito gentil com iniciantes.
Jenny se concentrou nos olhos desenhados a lápis em seu papel em vez de naqueles no
rosto de Easy. Por que ele estava fazendo isso com ela?
— Gostaria muito... — Ela respirou fundo e o olhou, baixando o tom de voz para que
ninguém pudesse ouvir. — Mas, hummm, o que é que tá rolando entre você e Callie?
Estão juntos ou não? Porque... —Ela parou.
Easy pareceu surpreso e aturdido.
— Não, Callie e eu não somos mais... — ele parou, sem saber o que eles eram. Easy
pegou o apagador amassado e começou a brincar com ele como se fosse massinha de
modelar, esticando-o até quebrar, depois rolando para unir os pedaços. — Acho que nós
dois sabemos que as coisas acabaram... Só não é oficial, pelo menos tecnicamente.
Jenny sentiu o peito se estreitar numa combinação de excitação com a possibilidade de
ficar com Easy e o medo de Callie descobrir.
— Só não acho que seja uma grande idéia passarmos muito tempo juntos antes que
vocês, bem, terminem oficialmente. —Jenny se surpreendeu por dizer isso. Ela até
continuou desenhando enquanto falava, capturando o modo como os olhos se
enrugaram quando ele tentou não sorrir. — Ela é minha colega de quarto e não quero
que as coisas fiquem esquisitas. — Mais esquisitas do que já estão, acrescentou ela em
silêncio.
— Olha, eu entendo totalmente.—Easy estendeu a mão por sobre as mesas e puxou a
ponta do bloco de desenho de Jenny para que ela olhasse para ele. — Não quero causar
problema algum para você.
Ela desenhou levemente os cachos soltos que emolduravam o rosto de Easy.
—Eu sei. —Jenny percebeu uma coisa presa no cabelo dele e, sem pensar duas vezes,
inclinou-se na mesa na direção de Easy com o cuidado de não tocar o papel com os
peitos e manchar os desenhos. Ele se inclinou um pouco para ela e Jenny teve certeza de
que estava corando ao pegar um pedaço de folha de uma das mechas grossas e escuras.
Ela a ergueu para que Easy a visse.
— Queria saber mesmo o que você estava fazendo—disse Easy, parecendo meio
decepcionado, como se pensasse que ela estava... O quê? Indo beijá-lo? Arrepios
cobriram os braços nus de Jenny, embora o prédio de artes sempre estivesse a uns mil
graus por causa dos fornos. — Fui ao bosque hoje de manhã — disse ele
misteriosamente.
— É mesmo? Como foi? — Ela adorava a idéia de que Easy era meio selvagem, como
um duende das matas ou coisas assim, só que não do tipo que usa calças apertadinhas de
gay. Jenny olhou para cima ao ouvir a porta se fechando. Ela meio que se esquecera de
onde estava. Alunos saíam, armados com seus desenhos, para passar spray fixador.
Quer dizer que a aula já estava quase acabando? Como isso aconteceu? Ela olhou a
mesa e viu que tinha desenhado um monte de esboços de Easy.
— Gosto de pintar ali. É tranqüilo. Tem um lugar ótimo.
— Easy bocejou e se espreguiçou, olhando a sala de artes enquanto os alunos
começavam a empurrar as mesas de desenho para seus lugares de origem, os pés de
metal guinchando no piso de madeira. — Pretendo voltar lá amanhã. Quem sabe você
não quer ir? — Os penetrantes olhos azuis de Easy encontraram os de Jenny e ela tentou
entender o que ele estava perguntando. Amanhã? Isso queria dizer que ele terminaria
com Callie... hoje? De repente parecia que tudo estava acontecendo rápido demais. Seria
rápido demais?
Até parece que ela se importava.
— Quero. Gostaria muito.
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Para: EasyWalsh@waverly.edu
De: CallieVernon@waverly.edu
Data: Quarta-feira, 11 de setembro, 15:55h
Assunto: Re: Estábulos
Recebeu meu último e-mail? Te vejo às cinco!
Beijos e talvez mais...
Bjs
C
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8
AS WAVERLY OWLS DEVEM LAVAR A ROUPA SUJA A PORTAS
FECHADAS.
Easy se espreguiçou na cama e ouviu os sons dos rapazes voltando do treino, as vozes
cheias de adrenalina ecoando pelo alojamento enquanto eles iam para os chuveiros,
preparando-se para o jantar. Alan, seu colega de quarto, saíra para jantar com os pais no
Petit Coq, provavelmente se embebedando de vinho tinto com eles. Easy aumentou o
volume do iPod e deixou que o som dos White Stripes enchesse seus ouvidos. Estava
dispensado da prática obrigatória de esportes graças a Credo, e teria saído para cavalgála
esta tarde se não estivesse evitando Callie. Ele não sabia o que exatamente tinha
mudado entre eles, mas há um ano ele não teria conseguido tirar as mãos dela. Teria
agarrado a oportunidade de passar um tempo agradável antes do jantar aconchegando-se
na privacidade dos estábulos; agora nem sequer podia encarar a possibilidade de
responder a seus e-mails ou mensagens. Qual era o problema? Por que ele estava sendo
tão baixo?
Porque ele conheceu Jenny. Easy sorriu para si mesmo ao pensar nela. Era inevitável
que contasse a Callie, mas será que não podia adiar mais um pouquinho?
O som de saltos altos tilintando pela escada de mármore do alojamento podia ser ouvido
acima do som da guitarra de Jack White.
— Droga — murmurou Easy. Estava na hora. Ele desligou a música.
A porta se abriu e ali estava Callie, em toda sua fúria, linda e um tanto desordenada,
como uma debutante desprezada.
— O que está fazendo aqui? Não recebeu minhas mensagens? — Sua pálpebra esquerda
tremeu um pouco, como sempre acontecia quando Easy a deixava bem irritada. Ele
tentou não sorrir. Ainda a amava. Sempre amaria. Em especial quando ela estava puta.
— Saí do treino de hóquei mais cedo para poder me encontrar com você, e você nem se
deu ao trabalho de aparecer?— O cabelo de Callie estava puxado para trás numa fivela
e ela claramente levara algum tempo arrumando-o para ele depois do treino. Ela parecia
meio limpa e elegante demais, com a saia de lã cinza e curta, calça de stretch preta e
botas de hipismo de couro preto de saltos gatinha. Pelo que Easy sabia, ela desistira de
cavalgar quando tinha sete anos, embora ele tenha tentado, e muitas vezes, fazê-la
montar em Credo. O cheiro de xampu lembrou Easy dos salões onde sua mãe e todas as
namoradas dele passavam tardes inteiras transformando o cabelo e o rosto numa coisa
totalmente irreconhecível.
— Desculpe, eu sinto muito—disse ele de um jeito pouco convincente. Ele se sentou,
percebendo como Callie ficava deslocada no desastre que era seu quarto. Cueca sambacanção
e jeans amarfanhados cobriam o chão, e uma casca de banana estava em cima de
sua cômoda de oito gavetas, no nível do rosto de Callie.
Ela viu, mas ignorou.
— É só o que pode dizer? Você sente muito?— Callie tirou a fivela do cabelo e sacudiu
a cabeça para que as mechas louro-arruivadas caíssem em ondas pesadas em seus
ombros, algo que em geral deixava Easy louco. Ela olhou em seus conhecidos olhos
azuis, tentando entender o que havia de diferente neles. Era o modo como ele olhava
para ela? — Peraí. Você sente muito por me dar um bolo ou... — O coração de Callie
começou a martelar com tanta força que parecia que ia sair do peito. Ao correr dos
estábulos até o alojamento dele, ela estava furiosa, pronta para dar um murro na cara de
Easy, mas pronta também para aceitar as explicações ou desculpas dele, desde que
fossem bem doces e com muitos beijos para amaciar tudo. Agora parecia que o
amaciante era a última coisa que passava pela cabeça dele.
— Não posso fazer mais isso, Callie — murmurou ele delicadamente para a parede.
— Não pode fazer o quê? Ficar comigo? — Ela sufocou um soluço de choro. Não ia
chorar. Isto não acabou. — Do que você está falando?— Se pelo menos pudesse
encontrar alguma coisa para dizer, ela sabia que podia se sair melhor dessa. Daqui a
alguns minutos eles se beijariam e estariam se agarrando.
— Você sabe que as coisas não andam boas com a gente — ele hesitou. Porra, no que é
que ele se meteu?
— Não é verdade. Somos ótimos juntos. — Ela atirou o cabelo no ombro e manteve o
tom leve. — É só que... É o começo do ano. As coisas estão estressantes. Vai melhorar,
eu prometo.
Easy sacudiu a cabeça devagar. Callie sabia que ele tentava não olhar para ela.
— Não está dando certo — disse ele em voz baixa, brincando com os botões do iPod.
— Não finja que não percebeu. Se estivesse tudo ótimo, você não teria ficado com o
merda do Heath Ferro no sábado.
— Nós não ficamos—protestou Callie, a mente disparando, já tentando decidir que
tática usar. O quanto ele realmente vira? Talvez ela devesse se fazer de desentendida.
Mas parte dela inchava de raiva. Sim, ela estava bêbada e participou do jogo da garrafa,
mas o motivo para ela tomar um porre, antes de tudo, foi que estava irritada com Easy,
então ele na verdade devia ser mais compreensivo. Era só um jogo.
Easy a fitou.
— Isso não é desculpa. — Ele passou a mão suja de tinta nos cachos despenteados.
— Olha, Easy, sei que as coisas têm estado difíceis desde, bom, desde a Espanha e tudo.
— Ela pensou na noite na Espanha em que lhe disse que o amava e ele praticamente
perguntou o que eles iam comer no jantar. — Mas podemos consertar isso. — Callie se
sentou ao lado dele na cama, colocou a mão em seu joelho e tentou parecer o mais
convincente que podia. Projetou o lábio inferior do jeito que sempre fazia com que seu
pai durão cedesse e lhe desse o que ela queria.
Easy soltou um suspiro pesado, como se estivesse prestes a dizer alguma coisa que ele
sabia que Callie não queria ouvir. Não diga isso, pensou Callie.
— O caso é o seguinte — começou ele. — Não quero consertar nada. — Ele olhou a
mão dela em seu joelho como se desejasse que ela se afastasse. Depois olhou direto para
ela, os olhos azuis frios e sérios.
Ela retirou a mão e se colocou de pé abruptamente.
— É por causa da Jenny, não é? — ela praticamente gritou.
— Na verdade, não — respondeu ele lentamente. — É por causa da gente.
Na verdade, não? Na verdade, não? Como assim, era mais ou menos isso?
— Não acredito que está terminando comigo para ficar com aquelazinha... aquela...
pústula!— Callie guinchou. — Como se atreve!
— Não é isso, Callie.—Easy mantinha a voz baixa e lenta em resposta à histeria
crescente de Callie. Ele sabia que ia ficar um horror. Callie tinha uma tendência a se
desestruturar como uma menina de cinco anos quando não queria encarar alguma coisa.
Callie semicerrou os olhos castanhos para ele.
— Então agora você está a fim dela?
— Pára com isso. — Easy apertou os punhos nas têmporas. Isto não fazia parte de sua
conversa de terminar-com-Callie. Quaisquer que fossem seus sentimentos por Jenny,
não tinham nada a ver com Callie. — Não se trata de ninguém, mas de você e eu.
Callie assentiu violentamente.
— Ah, é claro. Claro que não. Imagino que o desejo com que Jenny se atirou pra cima
de você não tenha nada a ver com isso. — Ela cerrou os punhos. — Aquela puta!
Easy se levantou. E ela vem me falar de puta.
— Como pode ficar rotulando as pessoas desse jeito? Será que você se lembra de como
eu e você ficamos juntos, ou bloqueou isso da sua cabeça?
Easy viu, pelo modo como o rosto de Callie paralisou, que não foi uma boa idéia
lembrar a Callie de que ela largou Brandon como um peso morto para ficar com ele. Ele
sempre se envergonhou do modo furtivo como ficaram juntos, pelas costas de Brandon
e na frente de toda a população da Waverly. Na época, ele e Callie tinham uma química
tão natural que tudo parecia bem e até meio romântico. Mas agora era só mais uma
coisa que o incomodava no relacionamento dos dois.
— Sem dúvida você se esforçou muito para tirar as mãos da minha saia naquela noite!
— gritou Callie.
Easy tentou baixar o tom de voz, percebendo, pela primeira vez, que a porta ainda
estava aberta.
— Eu sei. —Ele deu de ombros, querendo poder abraçar Callie e fazer com que tudo
ficasse bem. — Desculpe por ter ressuscitado esse assunto. Nós dois estávamos errados.
Vamos deixar os outros fora disso, tá legal? — Porra, era por isso que ele odiava
discussões. Tudo ficava embolado em sua cabeça e ele acabava vomitando coisas que
eram menos importantes e se esquecendo das que importavam. — Só não acho que
ainda damos certo. Nós mudamos. É só isso.
Agora todo o corpo de Callie tremia e por um momento Easy pensou que ela estava
prestes a cair em prantos, o que ele não ia agüentar. Tá legal, Callie manipulou ele e
Jenny. Mas ele não ia... não podia... magoá-la. Só queria fazer com que ela entendesse.
Mas talvez isso fosse pedir demais, uma vez que ele mesmo não entendia muito bem.
Mas em vez de explodir em lágrimas, Callie ajeitou o cabelo e virou o corpo para a
porta.
— Claro. Tudo bem. Tá legal. Entendi. — Sua voz agora era aguda e fingia alegria,
como o animador infantil de um cruzeiro ao qual os pais de Easy conseguiram arrastá-lo
uma vez. — Acabou. Não tem problema.
Callie olhou por sobre o ombro e abriu um sorriso murcho para Easy, o único cara que
amou de verdade. Prendendo a respiração enquanto disparava escada abaixo, saiu do
Richards antes de desabar em lágrimas no pátio gramado.
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RyanReynoIds: Soube dessa? Parece que o Walsh já era.
TeagueWilliams: A Callie está puta por ele avançar DEMAIS na garota nova dos
peitões.
RyanReynoIds: Ah, é? Não brinca.
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EmilyJenkins: Acabo de ver C andando pelo pátio com a maquiagem manchada na
cara. Tá rolando o quê?
AlisonQuentin: EZ terminou com ela.
EmilyJenkins: Num brinca...
AlisonQuentin: É. Pela Jenny.
EmilyJenkins: Ih, o quarto 303 tá esquisito!
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HeathFerro: Aí, gostosa, sabe da última?
TinsleyCarmichael: Já soube do seu apelido, Pônei.
HeathFerro: Não, engraçadinha. Easy acaba de dizer a Callie que acabou. Foi bem
ruim.
TinsleyCarmichael: Mas que porra. Ela tá legal?
HeathFerro: Vc sabe q Walsh não é nada especial. Soube q ele não é isso tudo mesmo,
mas talvez vc tenha a resposta para isso.
HeathFerro: Ei!
HeathFerro: Eiiiiiii!
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9
UMA WAVERLY OWL AJUDA A COLEGA DE QUARTO A ASSOAR O
NARIZ, APESAR DA SUJEIRA QUE ISSO FAZ.
Callie atravessou o pátio numa névoa, sabendo que parecia saída de um filme de terror
com a maquiagem escorrendo por toda parte, mas também estava distraída demais para
ligar para isso. Parecia que seu coração tinha sido atirado por uma janela do
ducentésimo andar e se espatifado na calçada, e sua aparência era bem adequada à
situação. Até sua perfeita saia de lã Façonnable agora parecia ridiculamente curta, e as
botas de hipismo de saltos gatinha Chloe, compradas na esperança de inspirar Easy em
alguma fantasia de instrutor de hipismo sexy, pareciam insuportavelmente piranhudas.
Callie podia sentir os olhos de todos em cima dela mas, ao contrário do que se acredita
comumente, ela não ficava à vontade sob os refletores. Uma das máximas que a mãe de
Callie repetia com freqüência era Jamais deixe que a vejam chorar. Callie ficou grata
por ser mandada a um internato no primeiro ano, três anos antes de a mãe ser eleita
governadora, pelo menos para escapar de ser lembrada diariamente da importância da
postura e da pronúncia corretas. Basicamente, os pais de Callie perderam toda sua
adolescência, mas ela provavelmente estava melhor assim, graças a isso. Agora ela
odiava ficar em casa, se é assim que se pode chamar a mansão neogrega de mais de
trinta cômodos inteiramente decorada com mobiliário da época da Guerra Civil com ar
de museu e um monte de coisas que pertenciam ao estado da Georgia, e não a eles.
Quando Callie abriu a porta do quarto 303, Tinsley estava sentada à mesa, o iBook
branco aberto e os dedos digitando furiosamente, uns óculos de leitura de plástico preto
comprados em Milão empoleirados em seu nariz perfeito.
— Qual é o problema? É o Easy?—perguntou ela. Estava descalça, vestindo calça de
smoking preta Parameter e uma camisetinha preta Juicy Couture, que mostrava uma
parte da barriga côncava, o cabelo preto puxado para trás numa trança frouxa. Parecia
uma menina que nem em um milhão de anos levaria um fora, uma coisa que Callie não
podia mais alegar.
Callie explodiu em lágrimas de novo.
— Ele terminou comigo!— gemeu ela, ainda incrédula, mas já resignada. Levei um
fora. Levei um fora de Easy Walsh, repetia ela em sua cabeça, como se a repetição
pudesse tornar tudo mais compreensível.
Pela cara de Tinsley, Callie podia ver que ela já estava preparada para o desastre. É
claro que as pessoas já estavam fofocando. Easy provavelmente tinha um fã-clube
clandestino esperando para espalhar a novidade no segundo em que ele ficasse solteiro
de novo.
— Por quê? Por que ele faria isso?—Tinsley pegou a caixa de lenços de papel na mesade-
cabeceira e a levou para Callie. Com Brett tão envolvida na própria vida e seu caso
de amor com o Sr. Dalton, Tinsley era a única amiga de verdade que Callie tinha.
— Porque ele não gosta mais de mim. — Callie pegou um lenço e secou o rosto. — Não
sei. Porque ele me acha repulsiva?
— Você sabe que está sendo ridícula. — Tinsley apertou o ombro de Callie com a mão
bem-cuidada. —Ele não vai achar ninguém mais linda do que você, nem que passe os
próximos cinqüenta anos procurando. Nem imagino o que ele está pensando. Deve ter
enlouquecido. — Ela sacudiu a cabeça de descrença, como se Easy terminar com Callie
fosse tão incompreensível para ela quanto o último simuladão que todos tinham que
fazer. Isso fez com que Callie se sentisse um pouquinho melhor.
— Tem razão — concordou Callie, imitando o senso de indignação de Tinsley. — Que
babaca. — Parecia um pouco melhor ficar com raiva em vez de arrasada. Easy que se
foda. Foda-se a anã da Jenny. Foda-se a merda qualquer que há entre eles. Ela se sentou
na cama e tirou as botas pesadas. Elas deixavam suas pernas magrelas demais.
— A gente devia fazê-lo pagar por isso — disse Tinsley de um jeito diabólico. Seus
olhos violeta cintilaram como se ela mesma tivesse sido largada. Ela sempre foi boa em
planos, projetos e tramas, e a idéia de planejar a vingança da namorada magoada lhe deu
uma pontada de empolgação. Os pais dela foram louca e lindamente apaixonados por
mais de vinte anos, então Tinsley tinha uma noção do que devia ser o amor e não
gostava de ver as pessoas abusando dele.
— Tá legal — respondeu Callie, esperando que talvez Tinsley conhecesse uma espécie
de feitiço que pudessem lançar em Easy para deixá-lo sem atrativo algum para as
mulheres. Uma coisa que fizesse seu cabelo escuro e crespo começar a crescer por todo
o corpo até que ele ficasse um King Kong.
— De qualquer forma, você é boa demais para ele. Ele fede a cavalo.
Callie gemeu e seus olhos castanhos se encheram de lágrimas de novo. Ela adorava o
cheiro de Easy. Lembrava-lhe de quando era criança e costumava cavalgar.
Tinsley acendeu um cigarro e passou a ela.
— Você precisa tirá-lo da cabeça. Pense em outras coisas.
— Falar é fácil. — Ela puxou a fumaça para os pulmões. Tinsley se sentou, no estilo
indiano, ao lado de Callie na cama. Ela fazia ioga diariamente e era a pessoa mais
flexível que Callie conhecia. Sem nem mesmo perguntar, ela pegou a escova de cabelo
de Callie debaixo da cama e começou a escovar o cabelo comprido e arruivado da
amiga, algo que sempre fazia no ano passado. Tinsley foi gentil, segurando a cabeça de
Callie no lugar com uma das mãos enquanto penteava as mechas com a outra. Era um
gesto meigo, e Callie quase começou a chorar de novo. Meigo não era uma palavra que
a maioria das pessoas associava com Tinsley, mas ela podia ser incrivelmente terna
quando queria.
— Vi os caras saindo do bosque ontem, cheios de segredos com alguma coisa. —
Tinsley mudou de assunto, trabalhando em um nó na nuca de Callie.
Callie inclinou a cabeça para trás, adorando a sensação de alguém escovando seu
cabelo. Era tão tranqüilizador como fazer as unhas dos pés.
— Alguma coisa de homem? — perguntou ela sonhadoramente.
— É, quando eles batem no peito e fingem que são animais e não têm dever de casa de
cálculo para fazer. — Tinsley ainda estava meio amargurada por ter sido excluída de
tudo, e sair com os meninos era sempre divertido. Agora ela só teria que criar sua
própria diversão. — Vamos mostrar a eles. Vamos criar nosso próprio clube. Só que o
nosso vai ser mais inteligente e mais sexy. — Era possível ouvir a excitação em sua
voz, e era contagiante. — A gente podia ter uma sociedade secreta.
— Nenhum daqueles babacas ia entrar—disse Callie com firmeza. Seria divertido se
afastar de meninos imbecis por um tempo. —E também não seriam permitidos
namorados. Sabe como é, eu não fico sozinha há um tempão... Antes de Easy, foi o
Brandon. E antes do Brandon, foi...
— Ethan Lasser! — disse Tinsley com a voz anasalada, zombando do sotaque de Long
Island de Ethan. — Ele não pediu transferência para Deerfield quando você terminou
com ele, de tão arrasado que ficou?
Callie riu de novo e deu outro trago no cigarro. Tinha que admitir como era ótimo ter
Tinsley de volta. Mesmo que parecesse a porcaria de uma modelo, ela sabia como fazer
a gente rir.
— Bom, não sei se foi por isso que ele saiu. Mas eu arrasei mesmo com o cara.
— Sabe o que você é? Uma namoradora serial. Você só tem relacionamentos longos e
vai de um a outro sem parar para olhar em volta. — Tinsley atirou a escova na cama e
deu um tapinha afetuoso na cabeça de Callie antes de se deitar ao lado dela. — Precisa
dar um tempo. Ficar menos séria por um tempinho.
Para ela, era fácil falar. Tinsley ficava entediada com um cara depois de vinte minutos
seguidos na companhia dele. Ela não queria isso — Tinsley era só uma vítima de
pequenos surtos de paixão que terminavam com a mesma rapidez com que começavam.
Mas talvez Tinsley tivesse razão. Talvez fosse bom para Callie ter só umas ficadas em
vez de namorados de longo prazo.
— Namorado — disse Callie devagar, como se tentasse deduzir a raiz latina da palavra.
— Namorado. Que palavra esquisita, feia, totalmente sem graça!
— Está vendo? Os namorados são deprimentes. — Tinsley rolou de costas, o cabelo
preto como um halo escuro em volta da cabeça. — Você sempre se preocupa com onde
eles estão, com quem estão, o que estão fazendo, blablablá!
— Exatamente! — Callie riu, depois suspirou. Na verdade, neste exato momento só o
que ela queria saber era onde estava o babaca do Easy Walsh e, mais importante, com
quem ele estava. — Você está certa.
— Foi bom Brett já ter se livrado do Jeremiah.
Callie hesitou por um minuto, perguntando-se se estaria errada em mencionar Eric
Dalton. Ela se sentia mal por esconder algo de Tinsley no meio de toda essa
camaradagem de irmãs.
— Bom, Brett meio que está vendo alguém. Ela não te contou nada?
— Não. — Tinsley estava meio decepcionada por Brett não ter dito nada a ela, mas não
queria demonstrar isso. — Ainda não tivemos a oportunidade de colocar as coisas em
dia.
— Ela pegou um gloss Guerlain KissKiss do bolso e passou nos lábios. — Quem ela
está vendo?
Callie deixou Tinsley sofrer por um momento antes de responder com seu sotaque
arrastado da Georgia, lenta e teatralmente:
— Eric. Dalton.
— Quer dizer que é pra valer?— Tinsley pulou da cama. Então os boatos eram
verdade. Brett pegou um professor? Um professor total e deliciosamente gato. Tinsley
imaginou que ela seria a primeira a ficar com um professor, e não Brett. Mas, para ser
justa, Brett era meio do tipo que agradava a um professor. Com o cabelo vermelho
radical e um monte de brincos na orelha, Brett parecia mais vivida do que realmente era.
Uma compensação total por ser uma V-I-R-G-E-M completamente inocente. Brett
alegava ter perdido a virgindade na Suíça ou coisa assim, mas Tinsley viu na hora que
era mentira. — Eles estão dormindo juntos?
— Não. — Callie pensou um pouco em como estivera pronta para dormir com Easy,
como praticamente implorara a ele por isso e ele simplesmente não se interessara. Mas
Brett não voltara para casa na noite passada e não dera explicação alguma, então deve
ter estado com o Sr. Dalton. Callie tinha certeza de que ela teria dito alguma coisa se
eles tivessem transado. Como se podia guardar segredo sobre isso?— Não acho que
eles tenham feito ainda.
— Bom, parece que amanhã vou ter que dar uma olhada de perto no namorado dela. —
Tinsley se recostou no travesseiro, parecendo extremamente satisfeita consigo mesma.
— Ele é meu orientador.
— Sorte sua. — Callie sabia que alguma coisa estava fermentando na mente de Tinsley.
Era quase um alívio que Tinsley estivesse do lado dela. Pelo menos por enquanto.
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EmilyJenkins: B, está no seu quarto?
BrettMesserschmidt: Não. Escondida na biblioteca. Que é?
EmilyJenkins: Vc gosta da sua colega Jenny, né?
BrettMesserschmidt: Gosto, ela é legal.
EmilyJenkins: Então quer que ela fique viva?
BrettMesserschmidt: Do q vc está falando?
EmilyJenkins: Bom... EZ acaba de terminar com C e todo mundo ouviu o cara gritar
sobre J.
BrettMesserschmidt: Kd a Callie agora?
EmilyJenkins: Acho que voltou para Dumbarton.
BrettMesserschmidt: Eu devia contar a Jenny, né?
EmilyJenkins: Era aí que eu ia chegar...
BrettMesserschmidt: Merda.
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BrettMesserschmidt: Oi J, kd vc?
JennyHumphrey: Vendo meu mail no laboratório. Vc tá bem? Como foi ontem à
noite...?
BrettMesserschmidt: Bom. Olha... Easy terminou com a Callie.
JennyHumphrey: Humm...
BrettMesserschmidt: Todo mundo diz que foi por sua causa. Callie acha isso.
JennyHumphrey: Jóia.
BrettMesserschmidt: É. Então vc pode querer, bem, escapulir depois do toque de
recolher...
JennyHumphrey: Obrigada por me contar. Vai evitar o quarto tb?
BrettMesserschmidt: Pode apostar que sim.
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10
AS WAVERLY OWLS DEVEM ENCONTRAR UM INTERESSE EM COMUM
COM SEUS ORIENTADORES.
Na manhã de quinta-feira, Tinsley demorou-se a caminho do Stansfield Hall para sua
primeira reunião com o novo orientador, o famoso Sr. Dalton. Não tomou cuidado
especial algum para se vestir naquela manhã —era fácil parecer espontânea quando
metade de suas roupas era feita especificamente para você — e escolheu sem pensar
uma roupa bem casta. A blusa fina e branca de mangas soltas estilo anos 1950 e a saia
estreita Tocca chocolate com margaridas bordadas pareciam, à primeira vista, muito
adequadas. Até que você percebesse a fenda que revelava a maior parte da coxa
perfeitamente magra e como as linhas do sutiã vermelho Blumarine podiam distrair,
vistas através do chiffon delicado sempre que Tinsley se mexia de uma determinada
forma, o que podíamos ter certeza de que ela ia fazer. Até os escarpins de camurça roxa
Miu Miu implicavam sensualidade reprimida, o que Tinsley sabia que era muito mais
sedutor do que a sensualidade patente.
Seu pai era um homem de negócios que viajava pelo mundo, sempre envolvido em
dezenas de empreendimentos multinacionais, investindo em empresas que o levavam a
lugares como a Cidade do Cabo, Beijing e Oslo. A mãe de Tinsley era fotojornalista e
ex-modelo, meio portuguesa, meio dinamarquesa, uma combinação étnica que por acaso
era uma das mais agradáveis esteticamente e da qual Tinsley herdara os inacreditáveis
olhos violeta. Os pais a tratavam como adulta desde que ela começou a falar, então ela
sempre se sentia à vontade com gente mais velha — eles falavam rápido e agiam mais
rápido ainda, e era assim que ela gostava de se sentir viva, na maior velocidade possível.
Chiedo, seu intérprete e guia no verão, devia ter 25 anos, embora nunca ocorresse a
Tinsley perguntar a ele. Eric Dalton, se ele acabou de se formar na Brown, não podia ter
mais de 22. Isso não era nada.
Afinal, quando ela o conheceu na capela, ele praticamente babou. Tinsley podia ter se
sentido culpada se Brett realmente lhe dissesse o que estava havendo entre eles, mas se
Brett pensava que ela não sabia e não pretendia contar nada, Tinsley tinha todo o direito
de paquerar o Sr. Dalton o quanto quisesse. E pronto.
Ela ouviu uma música de Billie Holiday tocando por trás da porta fechada da sala. The
very thought of you and I forget to do... those ordinary things... Ela o imaginou diante
de seus CDs, tentando decidir qual seria a melhor trilha sonora para sua primeira
reunião oficial. Billie Holiday era uma decisão ousada — porque ela era tão jazz
clássico que não podia ser considerada inadequada de jeito algum, e no entanto sua voz
rouca e dramática era tão patentemente sexy que tinha que revelar alguma coisa sobre as
maquinações do Sr. Dalton. Ela ainda não o conhecia e já lia sua mente.
O Sr. Dalton abriu a porta e Tinsley se sobressaltou novamente com a beleza dele. Seu
cabelo estava molhado, o que de imediato conjurou imagens de Dalton saindo do
chuveiro e pegando uma toalha muito pequena. Ele tinha cheiro de loção pós-barba
Polo, e Tinsley se viu desejando tocar seu rosto macio e recém-barbeado.
— Tinsley Carmichael. É ótimo vê-la novamente. — A voz era grave e muito
profissional, mas este era claramente o ponto alto do dia de Dalton. Para onde ele iria
depois dali? Tentar ensinar calouros entediados a se importar com Tucídides e Heródoto
e todos aqueles historiadores tremendamente antigos? Uma reunião íntima com a aluna
linda era sem dúvida a maneira perfeita de começar o dia.
— Oi, Sr. Dalton. — Ela entrou na sala abarrotada, adorando tudo nele e adorando ele.
Ele gemeu uma angústia fingida.
— Eric, por favor.—Ele indicou a poltrona de couro diante de sua mesa e Tinsley se
sentou, alisando a saia e cruzando as pernas num gesto elegante e único. Eric fingiu não
perceber a fenda na saia e se sentou atrás da mesa. Remexeu numa pilha de pastas antes
de puxar uma e abri-la. — Sempre achei que os alunos deviam poder chamar os
professores pelo nome. Isso os deixa mais humanos. E faz com que eu me sinta menos
velho.
Tinsley não tinha dificuldades para pensar em Eric como humano — e um humano
saudável, homem de sangue muito vermelho. Talvez ela adquirisse um interesse maior
por história antiga se Eric fosse professor dela.
Ele sorriu para ela.
— E então, como vão as coisas desde que voltou para a Waverly?
Pergunta vaga, pensou ela. Que coisas? As aulas? Os meninos? Colegas de quarto
irritantes?
— Bem. É bom voltar. — Embora fosse empolgante viajar pelo mundo com os pais,
havia algo de tranqüilizador em estar de volta a Waverly, ao lugar em que ela sabia
como deixar os professores tontos, entregar artigos nota A sobre Nathaniel Hawthorne
em menos de uma hora e onde a comida não era tão exótica que beirava o incomível.
Ele se inclinou na direção dela.
— Como seu orientador, devo ficar de olho em você, garantir que coisas como o
incidente do ecstasy não aconteçam novamente. — Eric olhou severamente por um
momento e Tinsley sabia que ele estava se divertindo, fingindo intimidá-la.
Ela assentiu com humildade, tentando parecer arrependida.
— Não vai.
— Ótimo — disse Eric, parecendo satisfeito. — Faz parte de meu trabalho cuidar para
que você fique no caminho certo.
— No caminho certo?—perguntou Tinsley. —Achei que haveria mais de um.
— Para você, tenho certeza de que há — disse Eric com um sorriso, revelando um
branco de creme dental que lembrou Tinsley de quando tinha 11 anos e costumava
treinar beijos em uma foto de Ashton Kutcher de 20x25. — E as universidades? Alguma
idéia?
— Bom, estive dando uma olhada em Columbia agora mesmo — mentiu Tinsley,
odiando até pensar em universidade. Quando pressionada, ela dizia Columbia, mas na
verdade Columbia, Princeton, Amherst e Williams pareciam todas versões maiores da
Waverly, cheias de mimadinhos estafados exatamente iguais a ela.
— A Columbia é uma boa universidade. E depois da faculdade? —Eric alisou a gravata
no peito e olhou a pasta aberta em sua mesa. —Vejo que suas notas são sólidas em
todas as matérias... A-menos ou B-mais. Mas... Acho que não situo muito bem onde
estão seus interesses.—Ele desviou os olhos da pasta e encontrou o olhar de Tinsley por
um tempo mais longo do que o adequado. Um arrepio percorreu a espinha de Tinsley,
parecia que ele estava tentando vê-la por dentro. — Alem de tênis, desde que era
caloura...—Eric tirou os olhos da pasta para erguer a sobrancelha apreciativa para
Tinsley, como se dissesse que adoraria vê-la na quadra um dia desses. — Sua única
atividade extracurricular é na Cinephiles, a sociedade de cinema.
— Na verdade eu fundei a Cinephiles—respondeu Tinsley, meio na defensiva.
— Bom, isso é mesmo impressionante.
— Não é grande coisa. — Agora Tinsley foi modesta. — Mas há uma sala de projeção
de última geração no porão do Hopkins Hall que só é usada quando um professor decide
mostrar um filme à turma. — Tinsley sacudiu a cabeça. —Já desceu lá? — A sala de
cinema era um dos lugares mais sensuais do campus, com cadeiras de couro reclináveis
e caras, uma tela de quatro metros de largura, iluminação high tech e som surround. Só
havia vinte lugares, então era íntima, como o tipo de sala de projeção privativa que um
diretor de Hollywood pode ter em sua mansão de Beverly Hills.
— Não, não fui ainda.—Eric pareceu intrigado. — Nem sabia que a Waverly tinha uma
coisa assim... Certamente não me colocaram a par.
— Sem dúvida devia dar uma olhada. — Ela pensou em como seria excitante ficar
sentada no escuro com Eric, vendo na tela alguma coisa sexy e dramática, como Corpos
ardentes. Ou não ver nada. Do lado de fora do prédio, uns nerds de alguma banda
discutiam que músicas precisavam aperfeiçoar para o baile de ex-alunos. Manés.
— Sabe o que eu penso? — perguntou Eric, plantando os cotovelos na mesa. Ela podia
imaginar algumas coisas que ele devia estar pensando. Ela se mexeu graciosamente na
cadeira e reprimiu a vontade de brincar com o cabelo, um gesto que ela pensava que as
meninas usavam demais quando tentavam atrair a atenção dos homens, e, em vez disso,
se concentrou em sustentar o olhar dele, o que era mais difícil do que ela esperava. Os
olhos dele pareciam perfurá-la, —Acho que você é uma das raríssimas pessoas que têm
muito talento e dificuldade para decidir qual deles é o correto.
Isso era um enigma. O que significava, o correto?
— Não tenho certeza se entendi o que disse — falou ela friamente, puxando a saia por
sobre os joelhos.
— Nada de ruim—ele lhe garantiu rapidamente, abrindo seu sorriso íntimo.—É só que
você é inteligente e boa em tudo que faz. Só estou tentando descobrir o que estimula
você.
Tinsley de repente se encheu de coragem. Sem aviso algum, passou os dez minutos
seguintes falando em detalhes de sua experiência na Cidade do Cabo e Johannesburgo, e
a emoção de fazer um documentário em um país com um contraste tão chocante de
riqueza opulenta e pobreza desesperada enquanto o processo de definição de sua
identidade pós-apartheid ainda estava em andamento. A empolgação de ver uma nação
inteira tentando criar uma identidade a inspirou e lhe deu vontade de fazer mais
documentários, talvez até um sobre o país confuso dela mesma. Foi um verão muito
intenso. Ela podia sentir as bochechas brilharem enquanto falava, e se sentia à vontade e
animada. As palavras simplesmente tropeçavam para fora de sua boca.
Eric assentiu e fez algumas anotações no bloco. Ela percebeu que ele tinha sardas bem
leves nas maçãs do rosto.
Tinsley parou de falar de repente.
— Estou chateando você?
— Nem um pouco. — Tinsley podia imaginar os dois em um café na França, tomando
seu terceiro expresso e incapazes de terminar a conversa. — Leu o conto de Fitzgerald,
"O Pirata de Alto-mar"?
Tinsley sacudiu a cabeça, o cabelo preto balançando delicadamente em sua blusa.
— Você me lembra a personagem principal. — Seus olhos cinza cintilaram, como se
houvesse outra coisa que ele quisesse dizer. Tinsley esperou, mas ele não disse.
— Bom, espero que isso seja um elogio.—Ela riu, já planejando ir à biblioteca no
intervalo entre as aulas para ver o conto. Ser comparada a uma heroína de Fitzgerald
podia ser um insulto, mas Tinsley tinha a sensação de que, neste caso, não era. — Olha,
odeio ter que ir embora, mas preciso ir para a aula. — Ela se levantou, relutante.
— Sempre que precisar de alguma coisa. — Eric parecia estar se esforçando muito para
manter a expressão neutra. — Sabe onde me encontrar. — Ele se levantou e foi até a
porta, olhando o relógio Cartier no pulso. Ao lado havia uma correntinha de platina
gravada. Sem pensar, Tinsley estendeu a mão para tocá-la. Dalton pareceu meio
surpreso com seu movimento súbito, mas não a impediu.
— É linda — sussurrou ela, a ponta dos dedos acompanhando o desenho delicado da
corrente.—Meu pai tem uma exatamente igual, que foi roubada. É vitoriana? — Ela
olhou para ele e percebeu que seu rosto estava a uns 15 centímetros do dela. Tinsley
rapidamente virou a pulseira, passando o dedo no fecho e desfrutando a proximidade da
pele dele nos próprios dedos. Se ela se movesse um centímetro para a direita, tocaria seu
braço. Seu coração acelerou.
— Acho que também conhece antigüidades. — Eric lhe abriu um sorriso rápido e não
fez esforço algum para se afastar. — Sim, hummm, é vitoriana. Era de meu bisavô, na
verdade meu trisavô. Foi um presente da família real por... Não sei bem o motivo. —
Seu peito subiu e desceu sob a camisa perfeitamente passada e a gravata. Estava claro
que ele se sentia agoniado, mas Tinsley ainda não estava pronta para deixar que ele
escapasse. Ela viu o rosto dele corar. Arregalou os olhos violeta, sabendo que, do
ângulo dele, olhando de cima através das grossas pestanas escuras, eles eram
irresistíveis.
— Acha que posso pegar emprestada?—Este, pensou ela, era o teste definitivo. Se ele
lhe desse a pulseira, significava que estava pronto para esquecer Brett completamente e
aproveitar a oportunidade que tinha com ela. — Adoraria saber como é usá-la, só por
um tempo.
Eric piscou os olhos cinza. Sem falar nem se afastar do rosto de Tinsley, abriu o fecho
da pulseira com a mão esquerda e entregou a ela. Em vez de pegá-la, ela estendeu o
braço, com a palma para cima, para que o próprio Eric a colocasse.
— Mas tenha muito, muito cuidado com isso — ele lhe disse solenemente enquanto
mexia no fecho, os dedos roçando o braço de Tinsley. — Seu pulso é muito menor do
que o meu, então cuide bem dela. — Tinsley observou enquanto o olhar dele subia pelo
braço magro até o seu corpo.
— Vou proteger como se fosse minha vida — prometeu ela, os lábios incapazes de
reprimir um sorriso de vitória e paquera. — E vou devolver da próxima vez em que o
vir. Prometo. — Por impulso, ela ficou na ponta dos pés, pretendendo lhe dar um beijo
no rosto. Ele tinha cheiro de sabonete Ivory e creme dental Crest. Mas assim que os
lábios de Tinsley estavam prestes a tocar sua bochecha, Eric virou a cabeça e a boca
pousou a meio caminho de seus lábios.
Oops, pensou Tinsley, feliz. Ela manteve a boca ali por um momento antes de
finalmente se afastar. Eles se olharam.
Eric falou primeiro, como se sua voz tentasse esconder alguma emoção.
— Então espero vê-la logo. — Ele abriu a porta para ela, mantendo os olhos no rosto de
Tinsley o tempo todo. Havia outros alunos no corredor, apressando-se para a aula.
Tinsley se demorou do lado de fora da sala enquanto passava os dedos na pulseira.
— Não se preocupe, me verá logo.
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EasyWalsh: E aí, como é q tá?
JennyHumphrey: Com téééédio. Em um seminário de pesquisa na biblioteca. Já sei
como usar o sistema decimal Dewey!
EasyWalsh: Que saco... Já soube que é, humm, oficial com a Callie?
JennyHumphrey: Já... Vc tá bem?
EasyWalsh: Tô.
JennyHumphrey: Que bom.
EasyWalsh: Espero mesmo não parecer volúvel, mas quer me encontrar no bosque hoje
para o projeto de arte de que falamos ontem?
JennyHumphrey: OK.
EasyWalsh: Te digo como chegar lá no almoço.
JennyHumphrey: Tudo bem. Eu...
EasyWalsh: É... Acho que sei o que quer dizer.
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BrettMesserschmidt: Posso te ver mais tarde?
BrettMesserschmidt: Ando pensando em você...
[Eric Dalton desconectou-se na quinta-feira, 12 de setembro, 10:37h]
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11
UMA WAVERLY OWL NÃO POSA NUA NO PRIMEIRO ENCONTRO
Jenny mal conseguia se concentrar na aula de inglês na quarta-feira, embora esta
normalmente fosse uma de suas matérias preferidas. Ela adorava a disposição do
ambiente, como se fosse uma sala de reuniões — uma mesa oval gigantesca cercada de
15 cadeiras, repletas de alunos com suéteres de cashmere e a ultrabaixinha Srta. Rose,
que usava batom rosa-chiclete. Era um debate, o que significava que a Srta. Rose falaria
por dez minutos e depois abriria a conversa para os alunos. No começo Jenny ficou
chocada com a intimidade e a sofisticação de tudo aquilo. Ninguém levantava a mão
nem dava respostas erradas, exatamente como imaginava que seriam as aulas na
faculdade. Já estavam em um terço de Madame Bovary e Jenny estava completamente
enfeitiçada por Emma e sua luta para viver com um homem que não amava. Fazia com
que ela se perguntasse como seria jamais encontrar o amor ou ser obrigada a se
acomodar a uma coisa inferior só porque era o que as pessoas faziam. Como seria ficar
presa a um Charles Bovary quando ela sabia que havia um Easy Walsh lá fora?
— Jenny — disse a Srta. Rose enquanto os outros alunos pegavam seus objetos e saíam
da sala.—Está tudo bem? Você ficou estranhamente quieta hoje. — Seu cabelo estava
puxado num coque, deixando a aparência um pouco mais severa do que a de costume,
mas ela ainda estava bonita, como uma boneca chinesa vestida de calça solta de lã preta
Dolce & Gabbana. Sempre que alguém fazia alguma observação que escapasse da
questão, como talvez Emma Bovary fosse lésbica, ela dizia, "Tudo bem. Que apoio a
isso pode encontrar no texto?", em vez de dizer ao aluno para calar a boca. Jenny
achava que tinha aprendido mais com o modo como a Srta. Rose ensinava do que com
as tarefas da aula.
— Ah, sim, estou bem! —Jenny meteu o caderno em sua bolsa de camurça. Estava
lotada de suprimentos de arte para sua saída com Easy. A visão dos pastéis Rembrandt
novos e a caixa de lápis Prismacolor afiados e prontos a lembraram novamente de que
em vinte minutos ela ficaria sozinha com o recém-solteiro Easy. — Só estou meio...
distraída hoje.
A Srta. Rose assentiu com simpatia.
— Bom, gostei muito de seu trabalho comparando o imaginário do romance com o
estilo realista da pintura de Gustave Courbet. Achei fascinante que tenha feito estas
ligações. Meus parabéns! —Ela entregou o trabalho a Jenny, com um enorme A+ no
alto. Era a primeira nota que recebia na Waverly. Um bom sinal para o dia.
Ela ficou nervosa com o bilhete que Easy lhe passara no almoço. Sentiu um frio em seu
estômago. Jenny não tinha exatamente um histórico estelar de relacionamentos
amorosos. E não foram muitos — seu breve lance com o chapado e lindo Nate tinha
terminado quando ela percebeu que ele só a estava usando para voltar com a exnamorada.
Depois houve o relacionamento com Leo, que começou bem, mas ela
percebeu rapidamente que ele a entediava. Além desses, seu histórico amoroso incluía
ser molestada nas mãos do assustador Chuck Bass e apalpada por Heath Ferro no
primeiro dia na escola. Ela era tão inexperiente com relacionamentos que não
surpreendia que estivesse nervosa.
No salão de jantar na hora do almoço, Easy lhe abrira um sorriso e largara um pedaço de
papel dobrado em sua bandeja. Ela se obrigou a pegar um sanduíche de atum e preparar
uma salada no balcão. Depois se sentou a uma mesa vazia e afastada, grata por só haver
lugares marcados em jantares formais. Deu uma mordida no sanduíche e abriu o bilhete:
Como chegar ao campo de pintura Secreto. (Shhhhhh...) Atravesse o pátio principal na
direção do bosque. Pegue o caminho para a casa de barcos. A meio caminho para o
rio, tem um trecho de bétulas à direita. Entre ali (cuidado com os galhos baixos) e ande
uns vinte metros. Ele se abre em uma pequena clareira. Continue andando e chegará a
uma clareira maior. Eu estarei lá.
Agora, andando pelo campus com os óculos de aviador baratos comprados na feira da
Union Square, Jenny tentou se acalmar e curtir a linda tarde. Não estava acostumada
com a terra molhada, a grama aparada e as folhas murchas que a recebiam a cada vez
que ela saía de um prédio. Mesmo quando você está no meio do Central Park e pode
imaginar que não está em Nova York, nunca tem esse cheiro, e você ainda pode ouvir
buzinas de táxis na Central Park West. A medida que Jenny se aproximava do bosque,
os aromas agradáveis ficavam ainda mais fortes—pinheiro, misturado com o cheiro de
água fresca de um Hudson que não estava poluído. Sentia-se grata por não estar
pegando o ônibus da Constance Billard para casa agora, como teria feito há um ano,
vestida no uniforme medonho da escola.
Quando viu o trecho de bétulas, o frio na barriga recomeçou, mas ela se embrenhou
pelas árvores, com o cuidado de manter os galhos longe dos cachos de seu cabelo.
Sentia-se como se estivesse saindo da civilização e entrando em um mundo particular,
habitado somente por Easy. E agora por ela. Jenny atravessou a pequena clareira que
Easy mencionara, percebendo um isqueiro Zippo perto de um conjunto de pedras. Este
obviamente não era o lugar secreto a que ele se referira.
Ela continuou pelas árvores enquanto elas ficavam mais próximas, e desaparecia
qualquer vestígio de trilha. Sentiu-se um pouco preocupada em se perder — nunca fora
bandeirante — antes de experimentar uma lufada de aguarrás no ar que cheirava a pinho
e saber que Easy não podia estar longe. As árvores de repente deram lugar a uma
clareira relvada muito maior, mas ela no começo não o viu. Tinha de ser isso, pensou
ela, baixando a bolsa numa pedra e admirando a beleza do ambiente. A relva era do tipo
silvestre, que arranhava, e troncos altos de ásteres roxos e susanas-dos-olhos-negros
cresciam na beira do bosque. Ela se aproximou mais de uma pedra enorme exatamente
quando Easy se levantava de trás dela e o coração de Jenny perdeu o compasso, algo
que ela achava que as pessoas só falavam por falar. A visão de Easy, e sua Levi's e a
camiseta azul-bebê que dizia Food Not Bombs, emocionou a tanto que seu coração
realmente se esqueceu de bater.
O rosto de Easy se abriu num sorriso.
— Gosto de sua camiseta — disse-lhe Jenny timidamente, o cabelo crespo comprido
dando coceira no alto dos braços. — Meu pai tem um bottom com essa frase.
Easy olhou a camiseta, como que para se lembrar do que estava vestindo.
— Meu pai odeia essa camiseta. Ele me chama de hippie quando me vê com ela. — Ele
tinha armado o cavalete e estava dispondo os tubos de tinta, pincéis, frascos de óleo e
aguarrás e um pano manchado de tinta.
Jenny se aproximou dele e começou a pegar seus próprios suprimentos na bolsa,
colocando-os em uma das grandes pedras cobertas de musgo.
— Bom, o meu pai é meio hippie, então sei que ele aprovaria.
— Sorte sua. — Ele não disse mais nada e Jenny imaginou que ele não se dava muito
bem com o pai. Mas ela não queria pressionar. Em vez disso, ele sorriu para ela. — Que
bom que você me achou.
— É lindo — disse Jenny, com sinceridade. — Entendo por que você vem pintar aqui. É
tão sossegado.
— É, é ótimo. — Easy esticou os braços no alto, a camiseta se levantando um pouco de
modo que Jenny podia ver o alto da samba-canção Calvin Klein saindo de seus jeans. —
E aí, já viu a grade de artes?
— Grade? —Jenny não fazia idéia do que era uma grade de artes.
— É— disse Easy, brincalhão. — Sabe como é, aquelas coisas que os professores
entregam na primeira aula?
— Tá, gênio, sei o que é uma grade.—Ela mostrou a língua para ele. — Só não me
lembro de ter recebido a de artes.
— Bom, o projeto de meio de período envolve incorporar retratos à paisagem. Qualquer
meio que quisermos, qualquer modelo, qualquer local. —Ele olhou timidamente para
Jenny. —Eu sabia que cenário queria — ele indicou o campo em volta — e estava
pensando que você podia ser minha modelo.
Jenny teve que segurar o queixo para não cair. Easy queria pintá-la? Ali?
— Você não me disse que era por isso que queria que eu viesse! Pensei que nós dois
íamos... Humm, trabalhar.
— Ah, pode trabalhar também — disse ele com um sorriso. — Pode falar, ou desenhar,
desde que não se mexa muito — disse ele, repetindo as palavras dela na aula de artes.
— Não tive a chance de te desenhar na aula, lembra?
— Nem acredito que já está trabalhando no projeto de meio de período!
— Eu sei. — Os olhos azul-escuros de Easy procuraram os castanhos dela. —
Normalmente não sou de produzir muito, por quaisquer padrões. Mas as flores logo vão
brotar, então parecia a oportunidade perfeita. Eu sempre quis pintar alguém aqui... —
Ele parou depois dessa, parecendo nervoso de repente.
Eu sempre quis, pensou Jenny. O que significa, nunca fiz. Ele nunca pintou a Callie
aqui? Uau. Era como se ele estivesse esperando por ela. Jenny mal acreditava que isso
fosse possível.
— Não preciso ficar nua, né? — perguntou Jenny de repente, e de imediato se
arrependeu. Seu rosto corou. — E-eu não sei bem se estou pronta para toda a turma de
artes me ver nua — gaguejou Jenny. — Mesmo numa tela. — A turma de artes que se
danasse; Jenny simplesmente não conseguia imaginar o que Easy faria com os peitos
dela. Iam estourar a tela!
Easy franziu a testa numa decepção fingida.
— Pode ficar de roupa, não tem problema.
Jenny olhou em volta, desajeitada.
— Devo posar ou coisa assim? —Ela mexeu no colar, uma folha de magnólia em um
cordão de couro enrolado duas vezes no pescoço, ciente de repente de que a folha
parecia uma seta apontando diretamente para o colo amplo. Como se Easy precisasse de
alguma placa apontando para lá.
Ele se aproximou dela e segurou pensativo seu queixo.
— Estava pensando em Klimt misturado com Modigliani, se isso faz algum sentido. Na
relva, se não estiver molhada e se você não se importar. Em um lugar com florezinhas.
Sei que parece totalmente brega, mas acho que pode dar certo se eu não usar cor-de-rosa
demais.
Jenny pensou que era mais provável que ela fosse comparada com as mulheres
rechonchudas de Rubens do que com as figuras alongadas de Modigliani, mas Easy que
visse nela o que quisesse. Era tão legal ele conhecer arte. Nate tinha posado para uma
série de retratos que ela acabou destruindo, mas ele só olhava com aquele jeito de
chapado sempre que ela falava qualquer coisa sobre arte. Se não envolvesse um
cachimbo ou peitos, ele não se interessava.
Jenny olhou ao redor. Fazia um lindo dia ensolarado, a terra estava seca, o sol era
quente, as folhas farfalhavam. Easy a levou a uma área plana e ela se esparramou de
lado, o bloco de desenho de frente para ela. Easy lhe deu seu iPod e ela procurou as
músicas. Os dois tinham Nirvana e uma boa seleção de Bob Dylan, mas ele tinha mais
Lucinda Williams e Emmy Lou Harris, enquanto Jenny tinha Weezer e Lemonheads.
Ela escolheu um artista que não conhecia e pegou os pastéis. O sol caía sobre ela,
aquecendo seu rosto e sem dúvida fazendo suas sardas se espalharem, mas ela não se
importou. Fechou os olhos e deixou que o sol de final de verão entrasse pelas pálpebras,
perguntando-se se, anos depois, ela contaria aos filhos sobre este momento, no bosque
com Easy, como se isso fosse o começo de tudo. Como os pais deles se conheceram.
Ela sentiu a mão no ombro.
— Ei, dorminhoca. —Easy a sacudiu delicadamente. Seus olhos se abriram e o viram
ajoelhado ao lado dela. Ele tinha uma mancha de tinta amarela no nariz. Jenny riu,
esperando que o cochilo não tenha sido suficiente para dar mau hálito.
— Nem acredito que dormi. Não ronquei nem nada, né? — perguntou ela, sentando-se.
Ele estava de pé e estendeu a mão para levantá-la. Ela tentou memorizar a sensação de
seus dedos quentes envolvendo os dela. Mesmo de pé, Easy era muito maior do que ela.
Ele a fazia se sentir minúscula.
— Não. — Ele sorriu e a puxou para o cavalete. — Mas falou enquanto dormia.
Ela ofegou, sabendo que o irmão, Dan, em geral batia na porta do quarto dela à noite
porque ela balbuciava dormindo.
— Tá brincando! O que foi que eu disse?
Easy coçou a cabeça e fingiu constrangimento.
— Estava meio que murmurando, então não posso ter certeza... Mas parecia... "Easy
Walsh, você é meu herói."
Meu Deus, ele era tão lindinho.
— Muito engraçado. Mas em geral só falo de estrelas de cinema quando durmo.
— Por falar nisso, você disse alguma coisa sobre eu me parecer com Jake Gyllenhaal.
Jenny riu, percebendo que ainda estavam de mãos dadas. O ar tinha cheiro de aguarrás,
sabonete Ivory e flores. Ele sorriu para Jenny e ela olhou seus dentes ligeira e
adoravelmente tortos. O rosto dele estava tão perto do dela, se ela só... se inclinasse...
um pouquinho...
— Vamos ver a tela. — A voz dele era abertamente alta para abafar o ruído de seu
coração. Jenny teve um milhão de fantasias de beijar Easy, mas ele só terminou com
Callie no dia anterior. O mais maravilhoso era que ele parecia entender. — É só um
esboço básico, então não fique decepcionada nem nada disso.
Quando viu a tela, Jenny não reconheceu a si mesma. Era o close de uma garota,
estendida na relva ensolarada, cercada de flores silvestres, exatamente como deve ter
passado as últimas duas horas. Um bloco de desenho aberto na frente, os fones de
ouvido brancos de um iPod, a mesma camiseta branca, jeans e sapatos cor-de-rosa, a
cabeça pousada no braço, os cachos castanhos caindo em cascata. Porém o rosto—era a
parte mais acabada da pintura, mas não podia ser o dela. A pele de porcelana perfeita,
bochechas rosadas, boca meio aberta, olhos sonolentos cobertos de cílios grossos e
luxuriantes — era muito onírico e surreal, como se Easy soubesse que Jenny queria ser
assim. Será possível que ele realmente a visse desse jeito? Toda a tela, mesmo só semiacabada,
parecia capturar o que ela sentia, deitada ali, ouvindo a música de Easy,
curtindo seu espaço secreto e privativo com ele como se fosse o único lugar da terra.
Easy deve ter sentido o mesmo.
— Uau — disse ela por fim.
— Espere só até eu acabar — disse ele, meio sonhador. Eles guardaram os objetos
lentamente. Easy puxou os galhos para Jenny enquanto eles passavam pelo bosque.
Depois que saíram, andaram lado a lado pelo caminho de volta ao pátio, as pernas
roçando uma na outra confortavelmente enquanto Easy erguia as telas grandes pelos
caixilhos de madeira.
Foi quando eles viram Tinsley atravessando o pátio na frente deles, toda de preto,
portando uma minúscula bolsa de camurça vermelha Marni. Jenny de imediato se
afastou de Easy e sentiu como se tivesse sido flagrada, embora Tinsley não parecesse ter
notado a presença deles a caminho da casa de barcos.
— Está tudo bem — sussurrou Easy. — Ela não vai morder. Ela nem viu a gente.
Mas Jenny não tinha tanta certeza de nenhuma das duas coisas.
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Para: TinsleyCarmichael@waverly.edu; BrettMesserschmidt@waverly.edu
De: CallieVernon@waverly.edu
Data: Quinta-feira, 12 de setembro, 15:25h
Assunto: URGENTE
Oi, meninas
Está um lindo dia — lindo demaaaais para ir treinar. Idéia melhor: vamos passar a tarde
no bar do Waverly Inn tomando gim-tônica e sem falar de um certo cara cujo nome
começa com a maldita letra E e que F-E-D-E.
Levem a identidade falsa e pareçam sofisticadas. O barman é velho, então abram o
melhor sorriso pervertido e estaremos seguras.
E o que foi aquela escapulida no meio da noite? Conheço você muito bem, Brett Lenore
Messerschmidt, e sua máscara vai cair. A reunião forçada do trio de grandes amigas
começará às 4 da tarde. Vejo vcs lá...
Bjs
C
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OwlNet -------------- Caixa de Entrada de E-mail
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Para: JennyHumphrey@waverly.edu
De: EasyWalsh@waverly.edu
Data: Quinta-feira, 12 de setembro, 16:16h
Assunto: Domingo?
Oi,
Obrigado por me deixar te pintar hoje. Foi uma tarde genuína e seriamente excelente.
Quer conhecer Credo no domingo?
Espero que sim...
Easy
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12
UMA WAVERLY OWL SABE APARENTAR MATURIDADE ENQUANTO
FINGE. E VICE-VERSA.
O Waverly Inn ficava a uma curta caminhada do campus e Brett se arrependeu de estar
usando os escarpins pontudos de pele de cobra Kate Spade que pareciam sensuais e
sofisticados, mas apertavam seus pés. Com a nova saia apertada Marc by Marc Jacobs
de cetim preto e a blusa ultrafeminina de manga bufante rosa-concha Catherine
Malandrino, Brett se sentia surpreendentemente feliz por estar a caminho de uma
"reunião forçada do trio de grandes amigas", independentemente da merda que isso
significasse. Mentalmente, ela jurou ser mais legal com Tinsley. Afinal, Tinsley tinha
livrado sua pele ao assumir a culpa pelo incidente do ecstasy e passara o verão todo
pensando que fora expulsa —mesmo que provavelmente tenha saído com caras sulafricanos
o tempo todo — e ela foi totalmente deslocada por Jenny. Mas Brett não
ouviu falatório algum sobre ela ser uma tremenda mentirosa de Jersey, então talvez
devesse dar um tempo para Tinsley.
Ela entrou no saguão do Waverly Inn, passou pelo piano de cauda empoeirado e foi
direto para o bar. O hotel era o mais próximo do campus, onde os pais costumavam se
hospedar, e sua aparência de opulência esfarrapada parecia combinar com a escola. O
bar claramente já passara por sua era de ouro e caíra em um período de declínio lento e
decadente. Estava quase vazio, a não ser por Tinsley e Callie, já sentadas em uma
banqueta de madeira no canto com três bebidas diante delas.
— Seu drinque — Tinsley recebeu Brett, indicando o único drinque que não estava pela
metade.
Brett sentou-se ao lado de Callie, que parecia uma produtora de cinema ou dona de
galeria com sua concha de seda esmeralda e um cardigã tosquiado Theory com um
botão de madrepérola bem abaixo dos seios, o cabelo louro e ondulado afastado do rosto
por um par de grampos de ouro. Ela teria ficado muito bonita, mas seu rosto parecia
meio angustiado, como se não tivesse tirado suas necessárias dez horas de sono de
beleza.
— Vocês estão incríveis. — Brett pegou a taça e tomou um golinho. Forte, exatamente
como gostava, mas ainda a fazia estremecer ao engolir. Tinsley vestia uma camiseta
preta básica de manga curta e jeans mas, com os lábios vermelhos (batom Guerlain
KissKiss, como sempre), tinha o ar de uma estrela de cinema escapulindo para um
drinque rápido sob o radar dos paparazzi.
Brett se recostou na banqueta de madeira e olhou os desenhos a bico de pena do campus
da Waverly no estilo Currier & Ives.
— Faz muito tempo desde que estivemos aqui. Eu meio que senti falta disso.
— Não parece ter recebido uma faxina desde a última vez em que viemos. — Callie
farejou o ar embolorado.—Mas os mendigos não podem ser seletivos. — Ela tomou
outro grande gole de seu drinque e Brett percebeu que o copo já estava quase vazio.
Putz. Ela estava mesmo conduzindo muito mal o término com Easy.
— Como foi seu dia, Callie? — perguntou Brett sem jeito, e Callie enrijeceu, como se
soubesse que Brett lamentava por ela.
— Foi bom. Sabe como é, eu vou sobreviver. Mas eu... Não queria falar do Easy por
enquanto, está bem? — Callie olhou melancolicamente para as amigas e girou uma
mecha loura no dedo. —Vamos falar de outras coisas.
— Outros caras, quer dizer? — disse Tinsley, secando o drinque. — Comece sem mim.
Vou pedir outra rodada. — Ela deslizou da banqueta.
Brett ainda estava sorvendo o primeiro drinque e já se sentia meio avoada.
— Como está Mister D? — perguntou Callie de repente.
— Mister D? — repetiu Brett. — O que é isso, parece que ele é um DJ ruim ou um
pervertido que só gosta de mulheres de peitões.
— E não é assim? — Callie pôs os cotovelos na mesa e se inclinou para a frente.—Não
gosta só de mulheres de peitões?
— Ao que parece, não. — Brett empinou os peitos que mal cabiam no tamanho M. —
Ele parece achar que estes são ótimos.
— Como foi que ele soube deles? — Callie riu, depois chupou o canudo do coquetel,
fazendo os cubos de gelo girarem no copo vazio.
— Eu diria que eles são conhecidos. — Brett mexeu nos brincos de ouro. A primeira
metade de seu drinque subira direto para a cabeça e ela começava a se sentir mais
faladeira do que o normal. É assim que você se mete em encrenca, pensou ela. Por
algum motivo, ela se lembrou da noite do primeiro ano em que ela, Callie e Tinsley
compraram biscoitos de centeio, chocolates Hershey e marshmallows e foram para a
casa de campo. Atrás, havia uma gigantesca churrasqueira a carvão que às vezes era
usada em reuniões pré-jogos e piqueniques da Waveríy. De algum modo elas
conseguiram acender, e as três tostaram marshmallows, fizeram doces de chocolate
grudentos e beberam uma garrafa de vinho tinto. Tudo teve um gosto muito melhor
porque o resto do campus estava dormindo.
Brett sentiu um surto de calor humano com relação a Callie e estava prestes a dizer mais
alguma coisa sobre Eric quando Tinsley reapareceu com o barman vovô a reboque,
trazendo uma bandeja com três taças de champanhe e uma garrafa de Moët & Chandon.
— Para que isso? — guinchou Callie, deliciada. Ela adorava champanhe. Era a única
coisa que tornava os casamentos e bailes de debutantes suportáveis.
Depois que o barman saiu, Tinsley disse:
— Meu presente. Pensei que a gente podia brindar a nossa primeira saída só de meninas
e ao advento da sociedade secreta! —Callie sentiu os homens no bar olhando-as,
tentando ouvir o que diziam. Mas em vez de isso assustá-la, fez com que se sentisse
sexy e ousada. Agora ela podia desfrutar de alguma atenção masculina, mesmo de
alcoólatras de meia-idade que olhavam de banda. — Tintim! — Callie ergueu a taça e
bateu na de Brett. Engole essa, Easy, pensou ela ao tomar o primeiro gole. Depois ela
virou a taça para parar de falar nele em sua cabeça.
— E aí — disse Brett com uma voz risonha, a champanhe claramente fazendo o efeito
desejado. — O que uma sociedade secreta faz exatamente?
— Só acho que é uma boa idéia as meninas se reunirem, conversarem e fazerem coisas
que deixem a gente se sentindo sexy e má — propôs Tinsley.
— Como uma espécie de poder feminino? — perguntou Callie, cética. —Vamos ter que
queimar os sutiãs? Porque não preciso do meu mesmo. —Ela riu, indicando o peito
quase achatado.
— Eu entendi o que a Tinsley quis dizer — disse Brett, surpreendendo Callie. Apesar de
sua sugestão de que elas voltassem ao comportamento normal de grandes amigas, ela
pensava que a tensão entre as duas tinha vindo para ficar. — Brianna disse que sempre
que termina com um cara, ela tem um esquema de apoio tão forte das amigas que quase
não importa.
Brianna era a irmã mais velha e descolada de Brett, aquela que trabalhava na revista
Elle e com quem Callie sempre tentava se entender bem, só para o caso de sobrar uma
das incríveis roupas de grife do armário de moda da revista. Bem que podia acontecer.
— Que tal chamar de Café Society?—perguntou Callie. —Assim não parece um bando
de meninas sentadas em roda, bebendo, contando histórias sexuais, dando conselhos e
reclamando juntas, né? Mas uma Paris, nos anos 1920?
Tinsley e Brett sorriram meio bêbadas uma para a outra e Callie definitivamente deixou
que o gelo entre elas derretes se. Olha só como essa história de poder feminino é
ótima!, pensou ela, a cabeça começando a ficar meio agradável e só um pouco tonta.
— Gostei — disse Tinsley. —A gente pode se produzir... E vir aqui ou ter minifestas no
nosso quarto! Sem nenhum dos meninos por perto para nos incomodar. — Ela balançou
o cabelo e deu um sorriso contagiante.
— É engraçado como falar de sexo deixa a gente mais sexy, né? — disse Brett.
— Conta pra gente suas aventuras sexuais do verão, Tinsley. Você deve ter novidades
excitantes para revelar.—Callie se virou para Tinsley. Estava morrendo de vontade de
saber das conquistas de Tinsley desde o momento em que ela reapareceu do nada. —
Onde foi que conseguiu esse dente de tubarão?
— Ah, Chiedo—respondeu Tinsley sonhadoramente. — Era nosso guia na África do
Sul. — Ela se recostou na banqueta e fechou os olhos, parecendo muito teatral. —Vocês
não iam acreditar em como ele era sexy. Todo musculoso, e toda vez que me tocava ou
só olhava para mim, eu achava que ia explodir. Ele fez com que eu me sentisse tão...
dissoluta e livre. —Ela estremeceu, como se só a lembrança dele lhe desse calafrios. —
Ele foi o segundo. — Ela abriu um lindo olho violeta para avaliar a reação das duas.
— O segundo! — Callie ouviu-se arfando. Nem tinha conseguido transar com Easy
nesse verão e ele era namorado dela.
— Antes de conhecer Chiedo, tive um lancezinho com um universitário holandês na
Cidade do Cabo. Ele era meio parecido com o Derek Jeter, só que mais novo e com
sotaque. Mas não era nada se comparado a Chiedo.
Brett esfregou as mãos. Embora Tinsley não tivesse dito exatamente que tinha transado
com eles, Brett podia imaginar isso. Não conseguia deixar de se perguntar qual era o
problema dela, levando tanto tempo para perder a virgindade, quando Tinsley podia
fazer isso com dois caras mais velhos e insuportavelmente gatos em apenas um verão.
Se ela não conseguisse transar com Eric, com quem conseguiria?
— Easy e eu nunca transamos. Não é estranho? — perguntou Callie de repente.
— Não — disse Brett, ao mesmo tempo em que Tinsley dizia: "É". Isso foi hilário para
elas.
— E você, B? Se não está com o Jeremiah, com quem anda saindo? — Tinsley arqueou
uma das sobrancelhas escuras.
Brett sentiu o rosto pálido se encher de cor e pigarreou.
— Sabe como é, eu meio que estou dando um tempo dos meninos. Pode ser muita
distração.
— Como é, agora é só com meninas? — Tinsley se inclinou por sobre a mesa, os olhos
lampejando de intensidade. — Ou homens?
Brett a olhou nos olhos.
— É o que veremos. — Ela não tinha dúvidas de que se Tinsley descobrisse sobre ela e
Eric, encontraria uma ótima forma de largar a bomba na frente dos meninos, ou de todo
o alojamento, ou do reitor Marymount. Tinsley era famosa por causar sutilmente o
equivalente a um tsunami de fofoca. — De qualquer forma, pensei que as regras da Café
Society não permitissem namorados.
— Os namorados são diferentes dos homens — disse Tinsley com um bocejo,
arqueando as costas e se espreguiçando como um gato. — Os homens são incentivados
a entrar.
— Por que não comemos uma pizza? — interrompeu Callie.—Estou morrendo de
fome.—Alguma coisa em Callie, cuja magreza recente apontava para um problema
maior, dizendo que estava morrendo de fome imediatamente aplacou as duas meninas e
as colocou em movimento.
— Claro — disse Tinsley, terminando a taça de champanhe e colocando-a
delicadamente na mesa meio pegajosa. — Vamos nessa.
— Colonial? — disse Brett. — Ou Ritoli's? — Ela podia mesmo comer alguma coisa
para aliviar a bebida no estômago, e as pizzarias ficavam na cidade.
— O Ritoli's tem mais ambiance—sugeriu Tinsley, claramente referindo-se aos rapazes
italianos que trabalhavam lá. Era um restaurante de administração familiar localizado a
vida toda no centro de Rhinecliff e era o preferido da população feminina da Waverly.
Havia pelo menos três jovens trabalhando o tempo todo, todos morenos, musculosos e
lindos.
— Pergunta idiota — disse Brett, e as três riram e saíram do hotel, deixando na mesa
uma gorjeta generosa para o barman.
Brett só percebeu que estava com fome quando elas entraram no Ritoli's e uma lufada
quente de cheiro de massa as envolveu.
— Hummm—disse Tinsley, afagando a barriga. Depois cutucou Brett de lado ao ver o
lindo rapaz indo na direção delas com os cardápios.
— O que vocês vão querer? — perguntou Tinsley.
— Que tal ele? — cochichou Callie meio alto demais.
Hipócrita, pensou Brett.
— Querem dar uma olhada no cardápio ou já sabem o que pedir? — perguntou o rapaz,
abrindo-lhes um sorriso malicioso. Ele parecia ter uns 17 anos, com olhos escuros e pele
morena macia e os maiores cílios que Brett já vira. Ele a fez se esquecer de Eric Dalton
por alguns segundos.
— Três Cocas Diet—disse Tinsley, abrindo-lhe seu sorriso de um milhão de watts. —
Mas ainda não decidimos o que mais.
— Tudo bem. Voltarei daqui a pouco.
Estava quente lá dentro, e Brett abanou o rosto com o cardápio e se lembrou de que no
ano anterior, depois da primeira grande partida de lacrosse, ela e Jeremiah tinham
encontrado Easy e Callie, e Tinsley e Heath, ali na pizzaria. Tiveram que pedir outra
pizza porque os meninos devoraram a primeira rápido demais. Ela e Eric nunca
poderiam sair com os amigos dela desse jeito, pensou ela com certa tristeza.
Mas eles eram diferentes — não tinham que ficar comendo pizza enquanto os meninos
tentavam colocar uma pepperoni na bebida dos outros. Este seria seu primeiro caso de
amor verdadeiro, com muito mais em jogo. Tinsley e Callie conversavam sobre o boato
de que toda a família da pizzaria era extremamente bem-dotada e se elas podiam ou não
provar isso. O garçom voltou e Tinsley pediu uma pizza de massa grossa com queijo
extra e champignon na metade.
— Terra chamando Brett. — Tinsley agitou o braço magro diante do rosto de Brett. —
Alguém em casa?
Brett não respondeu. Seus olhos estavam fixos na pulseira de platina no braço direito de
Tínsley. Ela encarou. Era a de... Eric? Parecia exatamente igual àquela que percebera
nele quando eles foram a Newport. Aquela do trisavô dele. Como é que Tinsley podia
estar com ela?
— Pulseira legal—observou Brett, tentando manter a voz em tom alto embora soasse
como um soprano de pânico. — Onde conseguiu?
— Ah, minha tia maluca Elinore me deu da última vez em que a vi—respondeu Tinsley,
girando o pulso para admirar a pulseira. — Ela está ficando meio gagá e dá as merdas
dela sempre que aparece alguém na casa. Eu saí com esse colar de pérolas também.
Arrã. Qual era a probabilidade de duas pulseiras antigas de platina, incrivelmente raras e
valiosas, que eram exatamente iguais, aparecerem na minúscula cidade de Rhinecliff?
Muito pequena mesmo.
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Para: EricDalton@waverly.edu
De: TinsleyCarmichael@waverly.edu
Data: Quinta-feira, 12 de setembro, 21:43h
Assunto: Melindrosas e filósofos
Eric,
Foi um prazer conhecê-lo hoje de manhã. E, é claro, li o conto que sugeriu. Tenho um
vestido melindrosa fino e pecaminoso que é exatamente igual ao que usaria a heroina de
Fitzgerald... Pensei que um dia quisesse me ver nele.
Embora eu ame ter voltado à boa e velha Waverly, às vezes morro de vontade de sentir
a calçada da cidade batendo sob meus saltos de novo. Já sentiu o impulso de
desaparecer e se enfiar em um luxuoso quarto de hotel, vadiando na cama a tarde toda e
pedindo Dom 1958 para o serviço de quarto? Pensei que devanear pudesse ser outra
coisa que temos em comum...
T
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OwlNet-------------- Caixa de Mensagem Instantânea
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BrettMesserschmidt: Acabo de terminar uma garrafa de Moët e sabe de uma coisa?
Acho que a gente já pegou leve o bastante. Quando vou te ver?
EricDalton: Brett, andei pensando...
BrettMesserschmidt: Coisas boas, espero.
EricDalton: O caso é que não acho mais que seja uma boa idéia — não é inteligente.
Desculpe.
BrettMesserschmidt: Como é???
EricDalton: Podemos fazer isso pessoalmente?
EricDalton: Brett, ainda está aí?
BrettMesserschmidt: Tem outra?
EricDalton: Claro que não. Mas precisamos voltar a uma relação puramente de
professor e aluna, OK?
EricDalton: Oi?
EricDalton: Brett?
BrettMesserschmidt: Sim, senhor. Acho que entendo. Perfeitamente.
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13
UMA WAVERLY OWL INTELIGENTE SABE RECONHECER UMA INIMIGA
NA AMIGA.
— Eu não entendi direito, né? Como pode ser culpa minha? — Callie gritava ao celular,
já cansada de ter que ouvir mais uma reclamação de Nicholson Adams, o relaçõespúblicas
da mãe. Ao que parecia, uma foto tirada de Callie numa festa na piscina no
último verão aparecera na seção de fim de semana do Atlanta Journal-Constitution, com
a legenda maliciosa Mary Kate Olsen, Nicole Richie e a Filha da Governadora Vernon:
Loucas por Atenção? E daí que ela tenha emagrecido em Barcelona, lamentando o
desastre que era seu relacionamento com Easy? Isso era da conta de quem, afinal? Não
era da conta do Journal-Constitution e certamente não era da conta do puxa-saco do
Nicholson Adams.
Callie estava de pé no quarto vazio, de camiseta e short masculino de cós baixo Hanky
Panky, e o telefone tocou quando ela estava prestes a vestir o pijama. Enquanto
Nicholson continuava o sermão sobre como um distúrbio alimentar podia repercutir mal
na visão que os eleitores tinham dos valores familiares da mãe dela, Callie se olhou no
espelho. Virou-se para olhar o corpo fino de vários ângulos, mas em lugar algum via
alguma coisa parecida com os corpos esqueléticos de todas as revistas. Sem dúvida ela
não era anoréxica nem nada — acabara de devorar três fatias da pizza gordurosa do
Ritoli's e meia garrafa de champanhe.
— Minha mãe está preocupada que a filha dela tenha um distúrbio alimentar, ou que as
pessoas pensem que a filha dela tem um distúrbio alimentar? Se ela realmente estiver
preocupada comigo, diga a ela que da próxima vez pode ligar ela mesma.
Ela estava prestes a desligar quando ele disse:
— Procure comer alguma coisa de vez em quando, está bem?
— Coma isso! — gritou ela antes de desligar. Depois Brett passou pela porta, parecendo
ter testemunhado um acidente de carro. Tinha saído com o celular quando Nicholson
ligou.
Callie vestiu a calça do pijama de cetim vermelho.
— Que foi, lindinha? — Sua voz se suavizou de imediato e ela ficou surpresa ao ver
como a palavra "lindinha" saiu de sua boca sem esforço algum. Em sua existência pós-
Easy, ela devia estar transferindo seus afetos reprimidos para as amigas.
— Acabo de receber uma mensagem de Eric — soltou Brett, a voz cheia de descrença.
Seu rosto normalmente pálido era de uma lividez fantasmagórica. — Ele... Ele acha que
a gente não deve se ver mais.
— Como é? — Callie gelou. Que merda. Parecia coisa da Tinsley. Será que ela
realmente chegou no Sr. Dalton? Já? — Ela disse o porquê?
— Disse que não era "inteligente"—Brett sacudiu a cabeça de leve. —Mas havia dois
dias ele não ligava se era inteligente ou não, quando estávamos praticamente pelados na
cama dele.
— Mudou alguma coisa, para ele perceber os problemas em que estava se metendo? —
perguntou Callie, na dúvida. — Será que ele esbarrou em Marymount e amarelou?
— Talvez—Brett mordeu o lábio e parecia estar a ponto de chorar. — Mas não sei. Ele
não falou nada de Marymount.
Callie se perguntou se Brett desconfiava que isto tivesse alguma coisa a ver com a volta
de Tinsley, mas é claro que não ia dizer nada. Meu Deus, por que tudo era uma droga de
segredo este ano?
— Bom, foi só uma mensagem instantânea, né? O quanto ele pôde dizer?
Brett olhou Callie com a expressão vaga.
— Mas eu me senti... Tão próxima dele. Nós quase... Transamos. — Com essa, os
joelhos de Brett pareceram ceder e ela caiu teatralmente na cama. — E depois eu só
disse a ele que finalmente queria que fosse pra valer. E ele escreveu, dizendo que tinha
acabado. Isso me deixa tão... irritada e... feito uma idiota. Como se eu fosse uma
criancinha boba e ele tivesse perdido a paciência comigo.
— Então, ele que se foda. É um babaca mesmo — disse Callie com veemência. E claro
que ela queria desesperadamente animar Brett, mas também sentia uma pontada de
alívio por não ser a única abandonada no quarto 303 do Dumbarton.
— Quem é um babaca? — perguntou Tinsley, parada na porta aberta com o BlackBerry
se projetando do bolso canguru do moletom de mangas cortadas.
Ninguém respondeu de imediato e, justamente quando estava prestes a ficar esquisito,
Callie preencheu o silêncio, sem convencer:
— Nicholson, o relações-públicas da minha mãe. — Se Brett e Tinsley não resolvessem
seus problemas logo, ela ia cair fora. — Ele que se foda, me dizendo que estou magra
demais.
Tinsley sorriu com complacência. Ia continuar fingindo que acreditava que elas estavam
falando disso se Brett achava tão impossível falar quando ela estava no quarto. Tudo
bem. Tinsley estava cansada de dar espaço para as manias de Brett — ela que
continuasse com isso e fosse à merda.
— Você está tremendamente magra, Cal. Suas roupas parecem um saco. — O que era a
verdade.
Callie revirou os olhos e lançou um olhar de muito-obrigada -por-nada a Brett quando
Tinsley estava pendurando a toalha, mas Brett estava deitada na cama, ainda com os
mocassins. de borracha Kate Spade amarelo-táxi, uma única folha amarelada presa na
sola de um dos sapatos, encarando o teto, claramente em seu próprio mundo deprimido.
Callie se perguntou o que poderia distraí-la e de imediato pensou na Café Society.
— Cadê a quarta mosqueteira? — Tinsley apontou a caminha de Jenny.
Brett olhou, desinteressada.
— Está no Sage, no quarto da Emily. Elas têm prova de francês amanhã.
Tinsley revirou os olhos e ligou o aparelho de som Harmion Kardon preto que tinha
colocado no peitoril de uma das janelas. Os alto-falantes surround berraram Radiohead
e Tinsley diminuiu um pouco o volume, caindo de barriga ao lado de Callie. A sambacanção
de bolinhas rosa PJ Salvage mostrava as pernas longas e tonificadas.
— Temos um assunto importante para discutir, meninas. Precisamos bolar as diretrizes
da Café Society.
— Regras? — perguntou Brett, sentando-se para poder olhar o pulso de Tinsley
novamente, que agora estava nu. Muito conveniente. Ou era só paranóia dela? Brett foi
até a cômoda e pegou a roupa de dormir favorita na gaveta de cima, uma das velhas
camisas J. Crew de Jeremiah, macia como um lenço de papel e tão desbotada que mal se
viam suas listras azuis. Brett dormiu com ela por tanto tempo que teria sido estranho
devolver depois que terminaram.
— Mais como objetivos — disse Tinsley rolando de costas e cruzando os tornozelos.—
Nossas metas, se preferirem.
De repente Brett sentiu como se estivesse numa festinha de dormir com as melhores
amigas, quando estava na quarta série. Ela pegou o frasco de Crème de Corps de Kiehl e
se empoleirou na beira da cama de Tinsley. Suas pernas nuas estavam lisinhas na
expectativa de uma noite com Eric. Então ela tinha perdido tempo, mas ainda era bom
ter pernas recém-depiladas.
— Número um. Nada de namorados — disse Brett, forçando um sorriso para Callie e
Tinsley.
Tinsley assentiu para o entusiasmo súbito de Brett,
— Exatamente. É fundamental para nosso crescimento como jovens mulheres não
sermos estorvadas por namorados reclamões e egoístas que só estão tentando estragar
nosso estilo.
— Dois—piou Callie, o rosto brilhando de interesse. — Sempre deve haver álcool.
— Três. — Tinsley separou o cabelo no meio e alisou cada lado para parecer uma
hippie. —As integrantes da sociedade são estimuladas a ficar com meninos lindos,
aleatoriamente e pré-aprovados de um jeito nada-de-namoro, só para se divertirem.
— Como é? — De repente Brett se perguntou se o projeto era só outra maneira de
Tinsley reafirmar seu domínio sobre todos. — Pensei que era só para falar das ficadas.
— O que há de divertido nisso?—perguntou Tinsley. — Mas é claro que não estou
falando de sexo grupal, nem nada disso. Pelo menos, ainda não. — Ela abriu seu sorriso
cruel, aquele que fazia a gente se perguntar se ela falava sério ou se a vida era só um
enorme jogo para ela.
Talvez seja por isso que Tinsley nunca tenha se magoado, pensou Brett. Isso e uma cara
que daria vergonha a Helena de Tróia.
— E quem são esses meninos lindos?—perguntou Callie, passando protetor Dr.
Hauschka nos lábios e entregando-o a Brett.
— Qualquer um que a gente queira. — Tinsley abriu as mãos como quem indica que
esses meninos lindos estavam bem aqui diante delas, só esperando para ser escolhidos.
— Parker Dubois—sugeriu Callie.—Ele é sexy.—Callie gostava de pensar em si mesma
como uma boa casamenteira por ter reunido e desfeito tantos casais famosos na Waverly
com suas maquinações de bastidores. E embora ela tivesse certeza de que Parker e Brett
ficariam ótimos juntos, os dois eram artísticos e rabugentos, Parker era tão gato que
Callie não se importaria de abocanhá-lo também.
— E Charlie Soong? — propôs Brett. Charlie era um primeiranista de Taiwan que em
geral podia ser visto com um violão e supostamente era um astro pop em seu país, mas
ele não falava no assunto. As meninas procuraram o nome dele no Google uma vez no
ano anterior e descobriram que havia centenas de sites criados por fãs adolescentes
radicais de Taiwan, trocando fofocas, fotos, flagras e se perguntando como era a vida
dele na privacidade do internato que ele freqüentava nos Estados Unidos. Foi muito
surreal. — Ele tem aquelas pernas ótimas de jogador de futebol, apesar de cantar a
cappella.
— Ele é uma possibilidade — refletiu Tinsley, perguntando-se como seria beijar um
pop star taiwanês. Talvez eles fizessem diferente. Ela se levantou e andou até o antigo
espelho de carvalho para examinar as sobrancelhas, procurando por pêlos errantes. Um
dos objetivos de Tinsley para si mesma, e que ela jamais compartilharia com seu
orientador, era namorar alguém de cada país da terra. Ou pelo menos aqueles que ela
podia conseguir sem um pára-quedas ou um trenó de cães. E aquele cara bem alto que
ela viu saindo do bosque com Brandon e os outros meninos? Qualquer que fosse seu
nome, ele não seria calouro para sempre. Podia entrar na lista.
— Sabe quem tem que ser o primeiro? O cara da pizzaria — disse Callie ansiosa, ainda
pensando nos olhos castanhos e calorosos e no cabelo preto e curtinho dele. Ele sempre
tinha cheiro de pizza fresca, o que seria ainda melhor do que ter que comê-la. — Me
passa meu South of the Highway? — pediu Callie a Tinsley, que estava parada bem
perto da cômoda de Callie para pegar seu esmalte.
— Angelo—disse Tínsley, entregando o esmalte cor-de-rosa. — Sim. — As outras
meninas a encararam, perguntando-se como é que ela sabia o nome dele. — Eu
perguntei — disse ela simplesmente. —Achei que podia ser útil.
— Parece que vamos ter uma festa de pizza, então—disse Brett, sem querer dar a
impressão de que era imatura demais para esse tipo de coisa, embora tivesse suas
dúvidas. Não seria estranho ficar com alguém que você mal conhecia? Ela observou
Callie reaplicar o esmalte com habilidade nas unhas roídas da mão esquerda.
— Acho que é melhor decidirmos quem queremos convidar para a Café Society, além
da gente — observou Tinsley.
— Jenny, é claro — respondeu Brett, pegando o esmalte de Callie quando chegou a
hora de pintar os dedos da mão direita. Como matou o treino e depois o jantar, Brett não
via Jenny desde esta manhã, e de repente sentiu-se culpada por abandonar a nova amiga.
Em especial porque foi ela que basicamente disse a Jenny para evitar Callie e o quarto
por um tempo. Brett se perguntou se ela estava bem.
Tinsley revirou os olhos para Callie e franziu o nariz perfeito.
— Mas ela é do segundo ano.
— É, mas ela é legal — argumentou Brett, na defensiva. Havia alguma coisa em Jenny,
uma espécie de calor, que fazia com que Brett sentisse saudade quando ela estava
ausente.
— Ela é?—Tinsley fingiu examinar as pontas brancas das unhas bem-cuidadas.—Quer
dizer, ainda não conversei bem com ela, O que você acha, Cal?
— Acha que está rolando alguma coisa entre ela e Easy? — perguntou Callie, hesitante.
— Vamos saber, não vamos?—respondeu Brett com lógica, embora não parecesse
convincente. — Quer dizer, ela mora com a gente. De qualquer forma, seria cruel deixála
de fora da Café Society.
Callie deu de ombros. Era difícil saber se Jenny era uma ameaça séria.
— E Benny? Ela precisa entrar nessa também.
— E Celine, e Alison. E Emily? — disse Brett.
— Eca. Emily é tão acanhada. Ela pode ficar de fora. — Tinsley fez uma careta. —A
gente devia convidar a Sage Francis, embora ela possa ser uma cretina. Ela é meio
divertida.
— E Verena Arneval? — perguntou Callie. Verena era uma veterana de Buenos Aires
cuja mãe era produtora de uma novela argentina de sucesso. Tinha um sotaque sexy e
um corte de cabelo supercurto, e sempre andava produzida e de saltos, como uma estrela
de cinema de antigamente. — Ela é bacana — disse Callie.
As três olharam quando ouviram vozes no corredor.
— A gente se vê na aula—disse Jenny ao abrir a porta do quarto 303 do Dumbarton.
Quase pulou quando viu as três colegas encarando-a.
— Ah! Oi, gente... —Jenny olhou para Brett. — O que é que tá pegando? — Ela ficou
parada na soleira da porta por um momento, preocupada por ter invadido alguma coisa
particular. Colocou as mãos nos bolsos do cardigã de lã Citizens of Humanity. — Estou
interrompendo alguma coisa? Porque posso pegar minha escova de dente ou...
— Não, entra — disse Brett, dando um tapinha na cama ao lado dela. — Você sem
dúvida está nessa. — Brett lançou um olhar para Tinsley e as duas se encararam por um
momento longo e estranho. Jenny fingiu não perceber e afundou na cama de Brett.
— É—começou Tinsley depois de uma longa pausa. — Estamos criando nossa
sociedade secreta. E queremos estender o convite a você. — Ela abriu um sorriso
generoso para Jenny, e o coração de Jenny martelou. Tinsley queria incluí-la? Jenny
teve que reprimir o impulso de pular e abraçar a todas no quarto — ela estava dentro! É
claro que ela sabia que não seria a coisa mais elegante de se fazer, então conseguiu se
conter, embora não tenha resistido a esfregar as mãos de empolgação.
— Uma sociedade secreta? — perguntou ela, meio tonta. — Parece muito divertido.
— A idéia é essa. — Tinsley balançou o cabelo longo e preto nos ombros e se recostou
nos travesseiros de sua cama. Como Cleópatra, pensou Jenny.—Mas primeiro queremos
falar de uma coisa com você.
O estômago de Jenny desabou. É claro que não podia ser assim tão fácil. Ela devia saber
que haveria condições, como Tinsley querer que ela fosse a faxineira da sociedade ou
coisa assim.
Callie se levantou abruptamente e foi até a cômoda. Pegou a escova de pêlo de javali e
começou a escovar o cabelo, mas Jenny sabia que ela a estava observando pelo espelho.
— Todas nós sabemos como os boatos podem ser perigosos — continuou Tinsley. —
Que podem acabar magoando todos os envolvidos. E eu acho... e sei que vai concordar
comigo... que devemos esclarecer um determinado boato. — Tinsley parou para dar
efeito dramático e sorriu para Brett e Jenny. —Jenny, sei que Callie lhe pediu para
paquerar Easy para ela não ser acusada de recebê-lo aqui no quarto. E foi muito legal de
sua parte concordar e ajudar Callie a se livrar desse problema. — Tinsley olhou para
Callie. — Mas o caso é que agora acabou... Ninguém mais está encrencado. E no
entanto ainda estou meio que ouvindo coisas sobre você e Easy — Tinsley fez um
biquinho e olhou diretamente para Jenny. — Existe alguma coisa que devamos saber?
O queixo de Jenny quase caiu. Alguma coisa que elas devessem saber? Tipo assim, o
quanto Jenny queria beijar Easy? Passar as mãos nos cabelos dele? Que ela ia —Aiii! —
cavalgar com ele no domingo?
— Er, não... Quer dizer, o Easy é legal. Gosto dele. — E antes que pudesse se conter, as
palavras tropeçaram para fora de sua boca. — Quer dizer, como amigo. Sabe como é,
somos colegas do curso de artes. Mas é só isso.
Tinsley assentiu, mas não disse nada. Callie continuou a escovar o cabelo e observar
Jenny pelo espelho. Jenny não conseguia olhar para Brett, que sabia de sua paixão por
Easy, mas não estava dizendo nada.
Jenny sentiu que começava a entrar em pânico e não estava raciocinando muito bem.
Este momento, com as quatro no quarto do alojamento, preparando-se para dormir, era o
tipo de cenário com o qual ela sonhou — ela precisava entrar para a sociedade secreta.
Era sua chance de ser uma delas. Como poderia deixar que isso escapulisse entre os
dedos?
— Ah, gente — disse Jenny com sensatez —, Easy não pode estar interessado em mim.
Não depois de você, Callie. —Jenny quase sufocou com as palavras, era tão difícil
pronunciá-las. Mas não estava inventando, ela meio que acreditava no que dizia. —
Você parece uma estrela de cinema. Eu sou só... eu.
O nariz de Callie franziu ao olhar o próprio reflexo. Jenny podia imaginar o que ela
pensava, talvez até como o bobo do Easy ficaria com ela, a baixinha-eu-sou-só-eu Jenny
Humphrey. Jenny mordeu o lábio.
Callie girou abruptamente e abriu um sorriso malicioso para Tinsley.
— Ela tem razão. Easy é meio alto para ela. — As duas dividiram o mesmo olhar
convencido e Jenny de repente se sentiu cem vezes pior do que antes de abrir aquela
boca enorme.
— Que bom.—Tinsley bateu palmas. — Então, está resolvido. Bem-vinda à Café
Society, Jenny. Sei que ainda vamos ser grandes amigas.
Jenny mordeu o lábio com mais força ainda. Não tinha lá muita certeza disso.
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Para: CallieVernon@waverly.edu;
BrettMesserschmidt@waverly.edu;
SageFrancis@waverly.edu;
CelineColista@ waverly.edu;
BennyCunnIingham@waverly.edu;
AlisonQuentin@waverly.edu;
JennyHumphrey@waverly.edu;
VerenaArneval@waverly.edu
De: TinsleyCarmichael@waverly.edu
Data: Sexta-feira, 13 de setembro, 10:05h
Assunto: Café Society
Minhas mais amadas, adoradas e suntuosas amigas,
Todas estão oficialmente convidadas a um novo empreendimento denominado Café
Society, um clube secreto apenas para as Waverly Ows mais interessantes e charmosas.
Somos criaturas jovens e sexies. O mantra de nossa sociedade é: Produza-se.
Demonstre. Seja. Ostente.
A primeira reunião extra-oficial acontecerá amanhã, às 7 em ponto, no Ritoli's.
Observação: Exigem-se trajes apropriados. Namorados serão motivo de expulsão
imediata. Levem seus drinques preferidos e sua malícia.
Com amor, da pouco comportada,
T
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Para: RufusHumphrey@poetsonline.com
De: JennyHumphrey@waverly.edu
Data: Sexta-feira, 13 desetembro, 17:55h
Assunto: OBRIGADA!
Querido papai,
Vou sair para jantar agora, mas saca essa: estou mandando o mail de MEU TELEFONE
NOVO. Não é incrível??? Muiiito obrigada. Prometo escrever mais no fim de semana.
Te amo,
Jenny
P.S.: Diga a Vanessa que agradeci também!
P.P.S.: Sempre gostei daquele suspensório de arco-íris. É sério!
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EricDalton: Recebi seu e-mail. Idéia interessante, uma viagem de campo.
TinsleyCarmichae!: Achei que poderia gostar.
EricDalton: Sim, e muito...
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14
COM A PRODUÇÃO CERTA, ATÉ OS NERDS DE HISTÓRIA EM
QUADRINHOS PODEM SER CORUJAS SEXIES.
Tinsley entrou no salão de jantar dez minutos antes do horário oficial de encerramento,
plenamente ciente de que as pessoas esperavam que ela aparecesse. O salão de jantar
ficava em um prédio magnífico com teto cavernoso de catedral e vitrais em cores vivas,
mesas enormes e cadeiras de carvalho almofadadas e pesadas que muitas meninas mais
franzinas, com aquele ar de abandono, tinham dificuldade de puxar. A entrada ficava no
lado oposto da área do bufê e assim, depois que você entrava, ainda tinha que atravessar
a sala diante de centenas de olhos que o observavam para pegar sua bandeja e começar a
empilhar frango cordon bleu ou qualquer gororoba que estivesse sendo servida. Tinsley
não se incomodava com isso, enquanto a maioria das pessoas que entrava sozinha no
salão de jantar tinha plena consciência da jornada longa e tortuosa que precisava fazer
antes de se esconder atrás das enormes tigelas de cereais.
Ela deu uma olhada no ambiente, os olhos varrendo habilidosamente as mesas em busca
das amigas. Localizou Benny, Brett e os meninos em uma das mesas compridas de
sempre, perto da lareira. Assentiu para eles, com o cuidado de não olhar para Brett, e
continuou a caminhar para a fila da comida.
Pegou uma das bandejas de plástico bege e percebeu Heath Ferro esperando que lhe
servissem um fumegante prato de berinjela ao parmesão. A visão de sua bunda dura
com a calça Lacoste marrom de listras laterais douradas fez Tinsley sorrir. Ela se
aproximou por trás e disse numa voz rouca, diretamente em seu ouvido, antes que ele
pudesse se virar:
— Adivinha quem é... Senão, você tem pau pequeno.
Heath riu ao pegar o prato da funcionária que lhe servia e colocar em sua bandeja.
— Não vai me enganar com essa voz, Tinsley. Eu a ouço em meus sonhos. Se quiser
que eu baixe as calças, é só pedir.
Tinsley gemeu e Heath se virou, os olhos verdes com pontinhos dourados piscando
preguiçosamente ao focalizarem seus lábios cor de maçã. Tinsley bateu o quadril no
dele, depois deslizou a bandeja pelo trilho de metal até as vagens.
Vestido num avental branco e usando um boné da Notre Dame, Lon Baruzza estava
atrás do balcão de vidro diante da tigela enorme de vagem, segurando uma colher
imensa. Era um bolsista de Chicago e Tinsley sempre gostava de vê-lo, mesmo que o
coitado tivesse de colocar vagens nos pratos de crianças ricas e mimadinhas — ele era
mais bonito do que qualquer outro dos funcionários do salão de jantar.
— Estou vendo que hoje está encarregado da vagem — disse Tinsley. — É uma
promoção em relação ao creme de milho de ontem?
— Não — disse Lon que, embora estivesse namorando Ticia Rieken, claramente
gostava de servir um prato de comida a Tinsley. — Na verdade é um rebaixamento...
Me pegaram fumando no meu intervalo de ontem. Então, por ora, só os verdes para
mim.
— Que bom — disse Tinsley. — Só peguei milho ontem porque queria falar com você.
Prefiro vagem.—Enquanto ele lhe passava um prato por cima do balcão, ela abriu o
sorriso de ultrapaquera para ele e olhou para Heath, que tinha passado à sessão de
hambúrgueres, obviamente amuado por ela estar falando com Lon. Ela sorriu para si
mesma. Um dos maiores prazeres da vida era paquerar meninos na frente de outros
meninos. Fazia com que eles percebessem que tinham que lutar por ela.
Ela deslizou a bandeja para junto da de Heath enquanto ele lutava com uma pinça
complicada, tentando pegar um pão de gergelim, e fingia não perceber sua aproximação.
Por fim, ele desistiu e o pegou com a mão.
— Que feio—disse Tinsley.—Isso está aqui por um motivo, para que meninos como
você não coloquem as patas nojentas na comida dos outros. — Ela manuseou a pinça
com habilidade e colocou um pãozinho no prato.
— Ah, não percebi que você estava aí. Pensei que ainda estivesse azarando o Baruzza
— disse Heath numa surpresa fingida. Ela sabia que ele não se incomodava realmente
com isso — Heath era sua contraparte masculina, sempre sabendo quando abrir o
sorriso arrasador e quando dar uma piscadela brincalhona. Se alguém entendia a emoção
por trás das paqueras inofensivas, era Heath.
— Desculpe, querido. Nunca vou falar de novo com outro menino. Feliz assim?—
Tinsley apunhalou um hambúrguer vegetariano cozido demais com o garfo comprido e
o largou em seu prato. Desde que seu pai produziu um documentário sobre matadouros,
quando Tinsley tinha oito anos, ela não conseguia comer tipo algum de carne vermelha.
Dava-lhe arrepios. Infelizmente, não tinha a mesma facilidade para tomar a decisão de
não comprar couro.
— Só está irritada comigo porque não vamos deixar você entrar na nossa sociedade
secreta.—Heath piscou para ela por sobre o ombro enquanto ia para a máquina de
refrigerante, pegava um copo na pilha enorme e colocava Pepsi até a metade,
completando depois com Dr. Pepper. Tinsley o seguiu e encheu o copo com Pepsi Diet.
— Não exatamente. Só fui em frente e criei a minha. Só de meninas.
— O que vocês vão fazer... Dar festas de cosquinhas? De calcinha e sutiã? — Heath
lambeu os lábios com a idéia.
— Um pouco mais sofisticado do que isso. E um pouco mais picante.
— Ah, é?—disse Heath, gostando do que lhe parecia. — Talvez nossas sociedades
secretas possam ter uma reunião secreta juntas. Num lugar sexy e proibido.—Heath
parecia estar brincando quando começou com aquela idéia, mas depois um olhar
sonhador atravessou seu rosto, como se de repente ele estivesse imaginando uma
reunião clandestina em que Tinsley, Jenny e as outras meninas, de sutiã e calcinha,
faziam uma guerra de travesseiros de penas, o cabelo ficando todo embaraçado e
pegajoso. — Tipo em Boston. Vamos alugar uns quartos no Ritz-Bradley.
Tinsley colocou o copo na bandeja. Imaginou dois quartos enormes e cheios de estilo no
Ritz, a porta de comunicação entre eles aberta enquanto meninas de vestido melindrosa
e meninos de smoking iam e voltavam, passando taças de champanhe e dividindo
abraços chiques e elegantes.
— Pode ser a melhor idéia que teve na vida, Heath.
Heath continuou.
— Todos podemos usar fantasia, como os Superamigos.
— Nossa, agora você está viajando.
— É sério. Viu aquele episódio de OC em que Summer se veste de Mulher Maravilha?
Foi a coisa mais sexy do mundo. — Heath baixou a bandeja e olhou objetivamente para
Tinsley. — Você daria uma Mulher Maravilha ótima. Tem o corpo para isso. E o
cabelo. — Heath aproveitou a oportunidade para tocar as mechas longas e pretas de
Tinsley. Ela afastou a mão dele, embora pudesse imaginar a si mesma como uma
heroína de quadrinhos, com o cabelo em ondas pretas e luzes azuladas. E usando um
traje pequenininho, é claro. — E o Ritz será nossa Liga da Justiça.
Ela o encarou com a expressão vaga.
— Nossa Liga da Justiça?
— Sabe como é, a sede. Nossa base. Para nossas missões, entendeu?
— Agora está começando a me assustar. Podemos falar a sério por um momento?
Precisamos combinar isso.—Tinsley pegou um par de talheres nos tubos de plástico e
olhou para sua mesa de amigos, que agora terminavam a refeição. Callie acenou.
— Fechei com você — concordou Heath. — No fim de semana que vem, no Ritz.
Podemos reservar quartos vizinhos.
— Vamos a rigor. Não como super-heróis — acrescentou ela rapidamente, percebendo a
excitação de Heath. — Só produzidos. —Ela pensou maliciosamente na roupa que
pretendia usar em seu encontro com Dalton em Nova York: o vestido de chiffon coral
sensual, apertado no tronco, com a saia rodada coberta de delicadas contas prateadas.
— Confie em mim. Não há nada mais sexy do que a malha da Mulher Maravilha.
— Pode ser. Mas vamos com uma coisa um pouco mais sofisticada.
Heath sacudiu a cabeça.
— Não é possível.
— Devo dizer que nunca vi este seu lado, Heath.
— Que lado?
— O lado nerd.
Heath fingiu rosnar para ela.
— Não comece a sacanear os quadrinhos. Por favor. Tenho você em alta conta e não
quero que isso mude.
Tinsley sorriu. Era bom Heath não ter medo de que ela o achasse um imbecil. E era
cativante que ele ficasse tão excitado com a idéia da Mulher Maravilha com sua malha
colante. Talvez um dia ela comprasse um traje desses só para ele ter um ataque
cardíaco. Ela olhou em volta e percebeu que Benny, Callie, Alan e Teague estavam
vendo os dois, perguntando-se por que eles não vinham para a mesa.
— Vamos nos sentar. Vamos conversar sobre isso mais tarde, Batman.
— Pode rir — alertou ele. — Vai nessa, vou pegar um biscoito.
Tinsley foi sozinha para a mesa, percebendo Callie olhando triste para o outro lado do
salão de jantar.
Ela seguiu os olhos de Callie e viu o que ela olhava: Easy. Ele estava sentado a uma
mesa com Jenny, Alison Quentin e alguns outros alunos de artes. Todos davam
gargalhadas.
— Você esté bem, Cal? — perguntou Tinsley enquanto baixava a bandeja. —Jenny
garantiu que não há nada entre eles.
— Eu sei. — Uma bandeja cheia de comida estava na frente de Callie, intocada. — Mas
não tenho certeza. Você tem?
— É claro que não está rolando nada — respondeu Tinsley. Como poderia estar? Jenny
era baixinha e praticamente desfigurada, os peitos tão gigantescos. Tinsley olhou a mesa
de nerds de artes. Easy ouvia Jenny, arrebatado, sorrindo e piscando os cílios escuros,
todo satisfeito. Ooops. Ela conhecia esse olhar. Era o olhar de adoração total e completa
que ele lhe dera na noite em que os dois ficaram no Alasca, o mesmo olhar que ela viu,
com algum ciúme, ele lançar a Callie umas cem vezes. Certamente havia alguma coisa
rolando ali. Ou haveria logo. Tinsley tinha certeza disso.
— Eu só... — Callie interrompeu sua epifania. Pegou o garfo e baixou-o novamente. —
Eu só queria não ter que vê-lo todo dia, sabe? Sempre que acho que estou bem, eu o
vejo andando pelo pátio ou sentado a uma mesa rindo com Jenny. — Ela fez um gesto
para a mesa do outro lado do salão.
Tinsley de repente se lembrou de ter visto Easy e Jenny saindo do bosque juntos na
quarta-feira à tarde, parecendo cheios de conspiração. Que canalha. O que é que ele
estava fazendo, magoando Callie em troca dessa monga? Como ele se atreve?
Tinsley semicerrou os olhos, vendo o modo como Easy olhava para Jenny. Mesmo do
outro lado do salão, Tinsley sabia que os dois estavam em seu próprio mundo. Mas não
por muito tempo, se ela pudesse interferir de algum jeito.
— Você deve querer que ele desapareça ou coisa assim, né? — sugeriu Tinsley.
— É.—Callie pegou um pedaço de brócolis com o garfo e o examinou.
Bom, pensou Tinsley. Talvez eu possa dar um jeito nisso.
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BrettMesserchmidt: Parece que agora vc pode parar de evitar o quarto 303, J.
JennyHumphrey: Não vejo a hora.
BrettMesserchmidt: Então vc e EZ não estão...
JennyHumphrey: Não... Não aconteceu nada, mas sabe como é.
BrettMesserchmidt: Sei.
JennyHumphrey: Vc estava muito quieta ontem à noite.
BrettMesserchmidt: Acabou. Oficialmente.
JennyHumphrey: Eu sinto muito. Vc tá legal?
BrettMesserchmidt: Tô... Mas pode me perguntar depois, para ter certeza?
JennyHumphrey: Pode contar com isso.
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15
UMA WAVERLY OWL É SEMPRE CAUTELOSA.
Brandon adorava as manhãs de sábado na Waverly. As festas de sexta à noite nunca
eram tão loucas nem tão regadas a álcool como aquelas das noites de sábado, e os
alunos não andavam por ali parecendo totalmente destruídos como faziam nas manhãs
de domingo. As manhãs de sábado sempre pareciam mais saudáveis, com as meninas e
os meninos usando seus moletons marrons amarrados na cintura, indo assistir às
partidas de futebol ou aos jogos de hóquei. A galera da cidade pegava o trem para
passar o fim de semana em suas coberturas no Upper East Side e iam para a balada à
noite com seus lindos amigos de escolas particulares ou outras escolas preparatórias da
Nova Inglaterra. Brandon era de Connecticut — nascido e criado em Greenwich — e
embora os gramados lindamente bem-cuidados da Waverly não lhe fossem exatamente
uma paisagem estranha, a Waverly lhe parecia muito mais com um lar do que
Connecticut. Seu pai se casara de novo há três anos e a madrasta era um pesadelo de
mulher, uns dez anos mais velha do que Brandon, e agora os meios-irmãos gêmeos
engatinhavam pela casa, roendo e vomitando na mobília cara enquanto a mãe deles
babava por eles serem tão inteligentes. A madrasta, cujo nome ele jurou que não
passaria por seus lábios, parecia estar convencida de que ele era gay e lhe disse uma vez
que se um dia ele assumisse, o pai "provavelmente ainda o amaria". Pelo menos ele
nunca sentia saudade de casa.
O dia estava ensolarado, mas meio frio. Brandon atravessou o pátio, os mocassins
Bruno Magli pegando pedaços de grama ainda molhada do orvalho. Ele foi para o
Maxwell Hall, um prédio de H. H. Richardson que abrigava o centro estudantil, um
café, a sala de correspondência e algumas de estudo, e servia de nexo social do campus.
Devia-se ir à biblioteca quando se estava estudando para uma prova ou escrevendo um
trabalho cuja nota não podia ser menor do que C. As pessoas que iam ao Maxwell
estavam interessadas em um estilo de estudo mais social, o tipo preguiçoso que adora o
barulho das máquinas de cappuccino e as interrupções de membros atraentes do sexo
oposto. Talvez Callie estivesse lá, tomando o expresso duplo e lendo a última edição da
Vanity Fair em vez de estudar cálculo. Brandon pretendia desabar por algumas horas
em uma poltrona enorme em um dos nichos na sacada, tomar seu latte e começar
Democracia na América, de Tocqueville, um livro tão chato que se os Pais Fundadores
tivessem sido obrigados a ler, certamente teriam criado uma ditadura.
O espaço principal do Maxwell, com suas paredes de pedra maciça, arcos romanescos e
uma lareira enorme que jamais era acesa, parecia uma caverna e era aconchegante.
Estava lotado de gente e Brandon, depois de colocar os três sachês de Splenda na
bebida, seguiu para a escada rangente dos fundos até um dos nichos escuros no andar de
cima, onde se podia olhar a área de estar principal e ver todo mundo que entrava.
No começo Brandon ficou decepcionado ao ver um emaranhado de cachos escuros em
vez das mechas longas e louras de Callie, mas depois reconheceu que eram de Jenny.
— Oi — disse ele, satisfeito por ela de algum modo ter ido para o lugar do prédio que
ele mais gostava. Havia duas poltronas imensas viradas uma para a outra, com uma
mesinha de madeira entre elas. Brandon passou muitas horas sentado aqui com seu
iPod, desejando Callie. Havia alguma coisa tão íntima em ler ao lado de alguém, de vez
em quando tirando os olhos do livro para trocar olhares e talvez se beijar um pouco.
Jenny levantou a cara do livro, evidentemente imersa em pensamentos. Precisou de um
momento para focalizar Brandon mas, quando conseguiu, seu rosto se abriu num sorriso
doce. Suas bochechas eram de um rosa-claro, e o nariz pequeno e meio arrebitado era
pontilhado de sardas. Ela vestia uma blusa florida J. Crew que não era exatamente
apertada, mas conseguia envolver suas curvas, uma saia jeans curta e desbotada, legging
preta e sandálias de camurça cinza que pareciam sapatos de criança. As pernas estavam
cruzadas delicadamente nos tornozelos.
— Oi, Brandon! E aí?
Brandon ficou distraído por um momento pelo movimento dos peitos de Jenny quando
ela se sentou ereta, mas ele não queria ser um daqueles caras que só conseguiam olhar
para os peitos de uma garota, mesmo que fossem convidativos, então obrigou seus olhos
a voltarem para o rosto dela.
— Importa-se se eu me sentar aqui? — perguntou ele, indicando a outra poltrona.
— Claro que não. Estava ficando meio solitário aqui, só eu e Madame Bovary.
Brandon riu, percebendo que não tinha pensado em Callie nos últimos trinta segundos.
Está vendo, ele não era um obcecado. Ele se lembrou de que não queria falar com
ninguém semanas depois que Callie terminou com ele. Com sorte, ela não levaria tanto
tempo para superar Easy. Brandon afundou na poltrona ao lado de Jenny, colocando a
xícara na mesa entre eles.
— Como está Callie? — ele baixou a voz, de repente achou que era um absurdo falar
tão gravemente de um rompimento. Como se Callie estivesse em coma ou coisa assim.
Jenny balançou os ombros.
— Não a tenho visto muito. Tinsley e Brett têm ficado com ela praticamente o tempo
todo. —Jenny parou e mordeu o lábio. — Mas não acho que ela vá me escolher para
conversar sobre esse assunto — acrescentou ela, os olhos castanhos baixando de culpa.
— Quer dizer que há realmente alguma coisa rolando entre você e o Walsh? —
perguntou Brandon. Ele ficou feliz por ter Easy fora da vida de Callie, mas não queria
exatamente que ele estivesse na vida de Jenny. E isso o fez se sentir mal por Callie, uma
vez que ele sabia muito bem o quanto doía ver uma pessoa que você amava nos braços
de outro logo depois do rompimento.
Jenny encontrou os olhos dele de novo.
— Na verdade eu não sei — admitiu ela. — Quer dizer, nós somos amigos, mas...
Brandon se sentou direito na poltrona.
— Bom, espero que dê certo — interrompeu ele. As palavras saíram mais frias do que
ele pretendia. Ele queria que Jenny se desse bem com Easy; queria de verdade. Mas não
queria que Callie acabasse odiando Jenny, como ele odiava Easy. Em especial porque as
duas tinham que morar juntas.
— Não sei o que há nele — soltou Jenny em voz baixa.
Eu sei, pensou Brandon. Ele é alto e parece um modelo da Ralph Lauren. Monta
cavalos, é artista e "profundo". Ele tentou não revirar os olhos. Não é para amar?
— Sabe como é, só procure se lembrar de como isso vai magoar Callie por um tempo.
Quer dizer, este campus é pequeno. Vai ser difícil para ela se afastar dele.
Brandon de repente se lembrou de como ele entrou na sala de correspondência um dia
depois de Callie ter terminado com ele e viu Callie e Easy encostados numa parede de
caixas de correio se agarrando—Callie com o suéter de cashmere azul-claro Diane von
Furstenberg que Brandon dera a ela no aniversário de um ano. Ele sabia que ela não
faria isso por maldade; Callie nunca magoava as pessoas intencionalmente. Bom, não
ele, de qualquer forma. Mas só a idéia de que ela estava tão arrebatada por Easy que
nem pensou duas vezes de onde vinha o suéter e o que ele significava, fez Brandon
querer ir até lá e dar um murro no sorriso perfeitamente torto de Easy.
— É um quarto de alojamento pequeno — assinalou Jenny. — E já me sinto bem
estranha. Não é que exista alguma coisa entre nós. E só que pode caminhar desse jeito.
Brandon assentiu.
— Acha que tenho chances de voltar com Callie?— perguntou ele, meio timidamente.
Ele era tão lindo, pensou Jenny. Podia ter a maioria das garotas da Waverly, mas ainda
assim só queria Callie. Ocorreu a ela que se Callie entendesse como era fácil ficar
encantada com Easy Walsh e se esquecer completamente de um cara ótimo como
Brandon, ela podia perdoar Jenny por também ficar encantada com Easy. Jenny
suspirou. Ou talvez não.
— Acho que agora ela deve estar querendo algum espaço. —Jenny tomou um gole do
chá verde, agora frio. —Ela ainda não quer sair com ninguém. Além disso, estamos
naquela sociedade nova, e não é permitida a entrada de namorados.
Brandon gemeu.
— Você também está na sociedade da Tinsley?—Ele abriu o zíper da bolsa de couro,
tão maravilhosamente envelhecida que parecia ter vindo da Segunda Guerra Mundial, e
pegou um livrinho. Ele precisava pelo menos fingir ter algum trabalho a fazer.
— É—admitiu Jenny, ainda empolgada por ter recebidido o e-mail de Tinsley no dia
anterior. Talvez Tinsley finalmente estivesse disposta a perdoá-la por ser a garota nova
e esquisita que roubou sua cama. Tinsley era a rainha coroada da Waverly. Era
tranqüilamente a menina mais descolada e mais linda do campus, o tipo de pessoa que
não espera que coisas bacanas aconteçam, ela sai e faz com que aconteçam. Se Jenny
não podia ser a Tinsley, ser amiga dela era a segunda melhor coisa do mundo. Talvez
parte do glamour passasse para ela por osmose. — Parece divertido.
— Claro que é — disse Brandon com um sorriso. — Tinsley não se envolve em nada
que não seja divertido.
— Não parece um jeito ruim de ser, não necessariamente.
Brandon hesitou.
— É mais do que um jeito de ser para Tinsley Ela transformou a diversão numa forma
de arte. A qualquer custo.
Jenny se recostou na poltrona e tentou digerir as palavras de Brandon. Sabia que ele
tinha razão — afinal, Tinsley fora suspensa da Waverly por ter "se divertido"—e no
entanto não parece que ela tenha perdido nada de seu fascínio. Deve mesmo ter
aumentado. Tinsley fazia o que queria.
— Olha, se isso significa que ela vai ser legal comigo, vou aceitar. Por causa dela e de
Callie, eu passei todo o fim de semana com medo de ir para o meu quarto.
— Tenha cuidado — aconselhou Brandon, os olhos castanho-dourados de repente
sérios. Em geral Jenny achava que era injusto que estes cílios lindos pertencessem a um
homem, mas eles deixaram Brandon tão elegante. Lembrava a ela um astro de cinema
mudo com aquele queixo macio, os olhos expressivos e o cabelo estrategicamente
desarrumado. E ele era legal. Callie não sabia a sorte que tinha por ter um cara como
Brandon louco por ela.
— Vim de uma escola que era cheia de meninas como a Tinsley. —Jenny jamais se
esqueceria das Blair Waldorfs com que ela crescera meio temendo, meio invejando,
meninas que faziam você se sentir que não existia, até que por acaso precisassem de
alguma coisa de você. Elas achavam que você estaria disposta a largar tudo por elas, o
que, é claro, você faria mesmo. Mas as meninas verdadeiramente perigosas eram as
Serena van der Woodsens do mundo, porque elas eram tão perfeitamente lindas e legais,
que eram quase inumanas. Tinsley estava em algum lugar entre as duas: tinha todas as
perfeições físicas de Serena, e mais a mente que ficava sempre maquinando como a de
Blair, sempre querendo mais.—Posso lidar com ela. — Mas Jenny de repente ficou
totalmente insegura de si. Nunca seria uma Blair, uma Serena ou uma Tinsley, só uma
Jenny. Será que ela sempre ficaria na vontade?
— Bom, tem alguma coisa anormal na Tinsley... Ela faz com que você queira ser amigo
dela, mas você não pode confiar nela. Nunca.
Ele era tão veemente que Jenny se perguntou se acontecera alguma coisa entre eles.
— Tudo bem. Vou dormir de olho aberto.
Brandon riu.
— Não é má idéia.
16
UMA WAVERLY OWL JAMAIS ABANDONA SEUS COMPROMISSOS. A
NÃO SER QUE TENHA UM MOTIVO MUITO, MUITO BOM.
Prezado Sr. Dalton, receio não poder mais ajudá-lo em suas tarefas no escritório.
Continuarei, é claro, meu trabalho no Comitê Disciplinar como representante da
turma, uma vez que levo a sério meu compromisso nesta função. Obrigada por sua
compreensão.
Brett olhou o bilhete, escrito em sua caligrafia inclinada para trás em um dos cartões de
correspondência Crane verde-lima com monograma. Seria pessoal demais usar um
deles? Talvez ela só devesse mandar um e-mail. Mas não, parecia mais adequado
terminar seu malfadado caso escrevendo um bilhete em seu papel caro, com BLM
gravado no canto. Talvez, ela pensou absorta, isso o fizesse se perguntar qual era seu
nome do meio. Além disso, talvez a fizesse se sentir uma heroína de romance de Jane
Austen, uma mulher magoada tão elegante que conseguia escrever uma carta educada
ao homem que a traíra.
Não que ela estivesse com raiva. Só se sentia desanimada e confusa. Se Eric queria que
nada acontecesse entre os dois, devia ter freado as coisas nas muitas oportunidades que
teve de fazê-lo. Mas ele a estimulou, não foi? Brett odiava ficar tão na defensiva com
isso, perguntando-se se ela só imaginou que um dia houve alguma coisa entre eles.
Não, isso não era certo, respondeu Brett a si mesma enquanto atravessava o campus na
direção do Stansfield Hall, aberto mas em geral silencioso nos fins de semana. Ela
voltou a pensar no dia em que conheceu Eric Dalton, pensando no início que ele era um
aluno. Ela foi incapaz de se livrar da sensação de que, desde o comecinho, embora ele
tenha ficado meio intimidado pela atração que sentia por ela, ele não tentou escondê-la.
E não foi só uma paquera casual—ele a convidou para jantar fora, levou-a em seu avião
à casa dele em Newport e tinha bebidas esperando por ela no barco. Ele lhe dera vinho,
acendera velas para ela, mandara um carro para pegá-la e levá-la de volta ao campus,
convidara-a para passar a noite com ele, tirara as roupas dela... Esta não era uma atitude
de um homem que tinha medo de ser inadequado.
Ela subiu os três lances da escada de mármore até a sala dele, os saltos ecoando alto, e
parou quando ouviu lá dentro um arrastar e uma música suave. Em silêncio, colocou o
bilhete na frente da porta e voltou na ponta dos pés pelo longo corredor.
Uma hora depois o sol estava caindo no céu da tarde e Brett ainda vagava a esmo pelo
campus. Era uma linda tarde quente de outono e ela estava deprimida demais para ficar
entre quatro paredes e passar seu sábado na biblioteca sozinha, sem nem um cara
bonitinho para trocar mensagens.
Brett enxugou o nariz pateticamente nas costas da mão. Não falava com Jeremiah havia
uma semana, desde o Sábado Negro, quando ele a pegou saindo do veleiro de Dalton
nas docas. De repente ela sentiu uma pontada de anseio no estômago, lembrando-se
como era bom só sair com Jeremiah, fumar Parliaments e zombar, juntos, das famílias
dos dois. Brett se viu com saudade de seu sotaque de Boston que somente na última
semana ela achara tão irritante.
Sem pensar no que estava fazendo, os Jimmy Choos de Brett a levaram pelo caminho
que passava na extremidade norte do campus da Waverly, na direção do antigo
cemitério. Callie pensava que ela era mórbida por gostar de andar por ali, mas era um
lugar retirado, a lápide mais moderna datava do final dos anos 1800 e ela e Jeremiah
sempre o acharam tranqüilo e romântico por baixo do dossel do bosque, atrás da estrada
principal. Era uma boa caminhada, passando dos portões da Waverly. Ela se lembrava
de como ficou empolgada na noite em que o carro de Dalton veio buscá-la. Brett
sacudiu a cabeça, tentando se esquecer de como foi idiota e infantil, e se concentrou na
linda tarde quente.
Mas quando passou pelo enorme portão enferrujado, percebeu um conhecido corpo
atlético encostado no muro de pedra musgosa. Sua respiração ficou presa na garganta.
Jeremiah. Caramba. Será que ela o conjurou de algum jeito?
Jeremiah olhou ao ouvir alguém se aproximando e se surpreendeu ao ver Brett. Ela
ficou paralisada por um segundo, sem ter certeza se devia se aproximar dele, mas depois
um sorriso de boas-vindas se abriu nos lábios de Jeremiah.
— Ei — disse ele, olhando-a de cima a baixo, feliz.
Brett colocou no alto da cabeça os óculos de sol espelhados em dourado Oliver Peoples
e tentou não corar. Parou sem jeito a alguma distância de Jeremiah, sem saber se devia
lhe dar um abraço ou sei lá o quê.
— Ei — respondeu ela. — Achei que tinha jogo hoje.
— Não, foi ontem à noite. A gente arrasou. O treinador me colocou de quarterback. —
Jeremiah corou de modéstia e se içou no muro a suas costas. — É bom ver você de
novo.
— Você também — admitiu ela timidamente.
— Como é que está? — Seus grandes olhos azuis brilhavam e pareciam felizes.
Brett se viu meio distraída pelo familiar cheiro de recém-saído-do-banho de Jeremiah.
Chutou um montinho de grama e depois subiu no muro de pedra ao lado dele, os sapatos
pendurados a vários centímetros do chão.
— Já estive melhor. — Ela deu de ombros e o olhou através de uma cortina de cabelos
vermelhos, percebendo a testa franzida de preocupação dele. — Não vai querer saber.
— Como sabe, se não me dá a oportunidade? — Ele se apoiou nos cotovelos, o cabelo
castanho e solto caindo do rosto. — Sou um bom ouvinte. —Jeremiah era mesmo um
ouvinte incrível, paciente e sempre interessado no que quer que ela dissesse. Seria
totalmente estranho e egoísta falar com ele sobre todo o problema com Eric Dalton. Mas
Jeremiah era a pessoa mais gentil e mais franca que ela conhecia. Se ele não quisesse
saber, não teria perguntado.
Brett respirou fundo e olhou uma das lápides esfarelentas diante deles.
— Eu só... Bom, não ando no meu juízo perfeito ultimamente, sabia? — Ela o olhou
através dos cílios. — Eu meio que me envolvi numa coisa. Eu, er, não sei o quanto você
sabe... — Brett parou, sentindo-se culpada e com nojo de si mesma.
— Bom, acho que sei o básico. — Ele lhe abriu um sorriso de estímulo. — As
novidades viajam rápido. Dizem que você está caidinha pelo famoso e encantador Sr.
Dalton. — Jeremiah pigarreou. — Mais do que isso... você vai ter que me dizer.
— Bom, acho que é um resumo adequado. — Brett deu uma risadinha seca. — É meio
idiota... Nós só, bem, passamos algum tempo juntos, e acho que eu fiquei meio
convencida de que de gostava de mim. — Brett suspirou e puxou os pés para cima do
muro. — Até que recebi uma mensagem dele outro dia que meio que dizia: "Foi bom,
mas acabou." — Ela deu de ombros de novo. — E foi isso.
Jeremiah soltou o ar lentamente, como se estivesse prendendo a respiração durante todo
o tempo em que Brett falava.
— Bom, quer ouvir minha opinião profissional?
Brett riu. Estava surpresa de como se sentia bem em compartilhar o que aconteceu com
alguém. Ou talvez fosse só Jeremiah?
— Sim, por favor.
— Pelo que entendo, você não imaginou nada. É óbvio que Dalton gostou de você...
Por que não gostaria? Você é a Srta. Brett Lenore Messerschmidt... A ruiva mais
inteligente, mais gpstosa e mais talentosa a vir para a Waverly desde Rita Hayworth. É
claro que ele não resistiu. —Jeremiah sorriu e, embora seu tom fosse simpático, Brett
pensou ter detectado alguma amargura em sua voz. —Até que de repente... Talvez ele
tenha percebido que estava infringindo a lei e violando cada ética de professor
imaginável... Ele se lembrou, peraí um minutinho, você tem 16 anos. Ele é um adulto.
Devia saber muito bem que não dá.
De repente Brett se lembrou da época em que Jeremiah a levara ao Fenway Park para
ver um jogo dos Red Sox. Os pais dele tinham ingressos para lugares que ficavam
praticamente em cima do campo. Eles ficaram tão perto que Brett achou que podia
sentir o cheiro do suor dos jogadores — um nojo, mas também meio sexy. Ela estava
distraída olhando o center filder gato quando uma bola foi mandada voando para a
cabeça dela — ela nem percebeu, até que Jeremiah estendeu o braço e pegou a bola com
a mão nua um segundo antes que a atingisse no rosto. Todos em volta começaram a dar
os parabéns a Jeremiah pela bela pegada, mas ele os ignorou—só queria ter certeza de
que Brett estava bem.
E agora, depois de tudo, ele ainda era igualmente meigo.
— A Rita Hayworth veio para a Waverly?
— Não—disse Jeremiah. — Mas essa é a única parte que não é verdade.
Brett sentiu um sorriso bobo cruzar seu rosto e fingiu tirar uma pedrinha do sapato. Não
conseguia acreditar no quanto se sentia melhor depois de falar com Jeremiah só por dez
minutos.
— E aí, você, er, sabe como é... — começou Jeremiah numa voz baixa, parando no
final.
— Se transei com ele? Não! — Brett definitivamente detectou alívio na cara dele
quando disse isso. Meu Deus, e se tivesse transado? Em vez de se arrepender de não ter
dormido com Eric, Brett de repente sentiu um surto de alívio por todo o corpo. Que erro
horrível teria sido. Mesmo na tarde quente, ela tremia.
Uma hora depois, eles estavam deitados de costas no alto do muro, olhando os trechos
de céu azul entre as folhas amareladas, e ainda conversavam. Brett de repente se sentou
para olhar o relógio.
— Tenho que voltar para a reunião boboca da Café Society — disse ela pensativamente.
— Mas obrigada por me ouvir tagarelar, sabe como é, sobre tudo isso. Foi... legal.
Conversar com você de novo. Mesmo sobre isso.—Brett piscou os olhos de gata para
Jeremiah. Esperava que ele entendesse o quanto ela lamentava por magoá-lo, mas ela
não ia levantar esse assunto depois de passarem uma tarde tão boa.
— Ah, sobre a sociedade... andei conversando com o Teague Williams numa jogada na
semana anterior e ele falou de uma viagem a Boston... —Jeremiah bateu os calcanhares
no muro de pedra. — Estava pensando em ir, se não tiver problema para você.
Ela sorriu.
— Gostaria muito.
— Tá legal, ótimo. Agora... Tem certeza de que não quer que eu dê um bom soco nele?
—Jeremiah pulou do muro e deu um gancho de direita no ar. — Quer que eu leve uns
atacantes fortões até a casa do cara para dar um susto nele? — brincou.
— Obrigada. — Brett riu. — Mas está tudo bem. — Ela desceu do muro, pousando
diante de Jeremiah e cambaleando um pouco antes de ele estender a mão para equilibrála.
— Obrigada — sussurrou ela de novo e, antes que ele pudesse dizer mais alguma
coisa, ela passou os braços em volta dele e enterrou a cabeça em seu peito, dando-lhe
um abraço rápidido. O corpo de Jeremiah se enrijeceu de surpresa e ele afagou as costas
de Brett delicadamente antes de se afastar.
— Não se sinta mal porque as coisas não dão certo entre você e um babaca desses —
disse ele suavemente. — Isso só significa que você é boa demais para ele.
— Acho que você pode estar desperdiçando seu talento de líder de torcida — disse
Brett, percebendo que o tempo todo em que eles se abraçaram, ela prendera a
respiração. — A gente se vê logo, tá legal?
Jeremiah sorriu, mas ela não conseguiu captar o que ele estava pensando.
— Tudo bem. Divirta-se hoje à noite. —Ele se virou rapidamente e se afastou.
Enquanto voltava para o Dumbarton para se arrumar para a primeira reunião da
sociedade secreta, Brett esfregou os braços. Estava com arrepios e mais confusa agora
do que quando saiu nesta tarde. Mas de certo modo era uma confusão muito, mas muito
mais agradável.
OwlNet-------------- Caixa de Mensagem Instantânea
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AlanStGirard: Quer uma cerveja antes do jantar? Na cratera?
HeathFerro: Valeu.
AlanStGirard: O Buchanan vai?
HeathFerro: Não, está naqueles dias. Sabe como é, ouvindo Natalie Merchant o dia
todo, fazendo beicinho.
AlanStGirard: É melhor ele superar isso na viagem para Boston. Ele não vai perder,
vai?
HeathFerro: Tá brincando? E deixar Calíie sozinha nas garras de animais como nós?
Mas nem pensar!
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17
UMA WAVERLY OWL CORRETA NÃO TENTA PEGAR O CARA DA
PIZZARIA.
Jenny subiu a escada do Dumbarton, esperando pegar as colegas de quarto se arrumando
para a reunião da Café Society. Ela adorava a idéia das quatro se vestindo juntas. Talvez
Tinsley emprestasse um top a Jenny—bom, talvez não um top, por causa da
discrepância no tamanho dos seios — ou um cinto ou coisa assim, dizendo, "isso ficaria
ótimo em você". Jenny sempre quis ter uma irmã. Mas quando abriu, cheia de
expectativa, a porta do quarto 303 do Dumbarton, encontrou-o vazio, com apenas um
vestígio de J'adore de Dior de Tinsley ainda pairando no ar.
Jenny suspirou e começou a vasculhar o armário, hesitante, sem querer se produzir
demais ou de menos, uma vez que Tinsley deixou claro no e-mail, "exigem-se trajes
adequados". Ela pegou a calça mais elegante do cabide, a de algodão de seda azul-real
Philosophy di Alberta Ferretti que lhe custara cinco meses de mesada na Barneys
Warehouse Sale. Era o tipo decalça que conseguia parecer sexy e sofisticada, e esconder
todas as falhas de quem a vestia. Não admira que as pessoas ricas sempre fiquem tão
bonitas. Elas podem pagar por roupas bem-feitas assim. Jenny tentou vestir uma bata
baby doll Calvin Klein que comprara sem experimentar em uma liquidação na Saks,
mas de algum modo a fazia parecer grávida e piranhuda ao mesmo tempo. Ela a
amarfanhou e largou no canto. Alguns outros tops foram empilhados antes de ela
decidir por um de lantejoulas prateadas com arremates de renda e seu blazer azulmarinho
macio e ajustado Ben Sherman.
— Alguém aí está incrível! — gritou Brett ao irromper pela porta sem fôlego e se despir
de imediato. Brett olhou o armário por meio segundo antes de pegar um par de botas
Stuart Weitzman de cetim prata-escuro com um broche em cima. Jenny as tinha visto na
InStyle e ficou chocada quando Brett as estendeu para ela, dizendo: — Você calça 37,
não é? Estas devem ficar ótimas em você.
— Como sabe que eu calço 37?
Brett olhou timidamente.
— Bom, outro dia eu experimentei aquelas botas de camurça vinho que ficam debaixo
da sua cama. Eu calço 37,5 e precisava ver se cabiam.
Jenny riu, colocando os sapatos de Brett nos pés delicados.
— Pode pegar emprestado quando quiser. Se não for desconfortável demais para
você.—Ela se virou e viu Brett totalmente vestida, arrumada, o cabelo recém-escovado,
as botas nos pés, colocando um de seus minifrascos de Chanel nos pulsos.
— Nossa, como você é rápida — observou Jenny, totalmente pasma.
Quando elas entraram no Ritoli's, as outras meninas já estavam lá, sentadas em torno de
uma das grandes mesas redondas no canto. A julgar pelas roupas, Callie, Benny, Verena
e Tinsley dava a impressão de terem saído diretamente da passarela.
— Tomem seus lugares, senhoras — Tinsley as recebeu grandiosamente, bebendo um
golinho de uma coisa rosa, gelada e inidentificável em uma garrafa de Nalgene na mesa
— Ainda estamos esperando por Sage e... quem mais?
— Celine — respondeu Callie de pronto, claramente a segunda em comando.
— Aí estão elas.—Verena acenou os dedos cheios de anéis para Sage e Celine, que
tinham acabado de entrar. Brett se sentou ao lado dela e Jenny sentou-se na cadeira
vazia ao lado de Alison Quentin, a linda coreana de sua turma de artes.
— Oi, gente. —Jenny se sentia a garota nova outra vez, mas estava grata por ser
incluída numa reunião de meninas bonitas e populares. Ela pegou uma das garrafas de
plástico que ela e Brett tinham enchido de merlot barato e a colocou na mesa.
— O que você tem aí?—Alison arrotou.—Benny e eu estamos tomando vodca com
limão desde as três horas. — Ela assentiu tristonha para a garrafa de Gatorade quase
vazia.
— É um vinho bem ruim. Fique à vontade, se quiser matar — ofereceu Jenny enquanto
Celine Colista se aprumava em seu vestido de jérsei de seda vinho Vera Wang sem alça
e stillettos prata Manolo. O cabelo preto recebera uma escova há pouco tempo.
— Bem ruim—confirmou Benny.—Papai comprou um vestido novo para alguém. — O
pai de Celine era um grande diretor de cinema e tinha acabado e fazer um filme
estrelado por Kate Hudson e Mark Ruffalo, como Celine lembrava a todos com
freqüência.
— Não — disse Celine, girando um pouco para mostrar como a cor complementava
com perfeição sua pele morena. — Ele pegou do figurino. Kate usa no filme. — Ela
pousou as mãos na cintura fina. — E claro que tive que ajustar. —Jenny encontrou os
olhos de Brett e as duas sufocaram uma risadinha.
— Vocês todas vão a uma festa ou coisa assim? — Um cara muito lindo tinha aparecido
em sua mesa sem que ninguém percebesse, mas agora que ele estava ali a meio metro
delas, todas as meninas ficaram muito conscientes de sua presença. Jenny o vira antes,
quando parou para comer uma fatia de pizza depois de matar o almoço, mas ele estava
mais lindo do que naquele dia, usando camiseta preta básica e calça cáqui meio larga
Abercrombie & Fitch.
— Esta aqui é a festa, Angelo — disse Callie de um jeito recatado, os dedos
acompanhando a borda do cardápio de couro. Jenny ficou um tanto surpresa ao ouvir
como o tom de Callie era familiar. Ela o conhecia?
— Bom, então fico feliz por estar trabalhando hoje. — Angelo pegou um bloquinho de
papel do cós da calça.
— Nós também — disse Tinsley, piscando. Claramente Angelo ficou vidrado. Não
devia ser toda noite que aparecia um grupo de meninas meio bêbadas e muito
produzidas, ansiosas para paquerá-lo. Jenny tomou um gole de sua garrafa esportiva, na
esperança de que isso a ajudasse a se sentir um pouco menos deslocada,
— Sabem o que vão querer?
— Hummm—disse Sage Francis, atirando o cabelo platinado por sobre o ombro e
inclinando-se para Angelo.
— Quanta pizza acha que devemos comer? — perguntou Benny, definitivamente nada
disposta a ficar de fora. Ela bateu os cílios dos olhos enormes e castanho-escuros para
Angelo.
Angelo as fitou, fingindo avaliar a situação com o olho de um especialista em pizza. Até
Jenny se remexeu nervosa, esperando que ele a achasse bonita.
— Bom, meninas, vocês nunca comem o que devem. São todas magras demais. Eu diria
que podem pedir três grandes. —Todas elas sorriram. Quem não gosta de ser chamada
de magra? Elas debateram por um minuto, depois decidiram por uma de queijo e funghi,
uma de pesto e a terceira com pepperoni e azeitona.
— Ele é uma coisa — exclamou Sage assim que Angelo se afastou.
— Talvez eu diga alguma coisa em italiano a ele...— Benny mordeu os lábios, pintados
de rosa-claro com batom Foolish Virgin de Vincent Longo. A cor era meio fraca, mas
Trinsley sabia que era o preferido dela por causa do nome. Tinsley e Benny uma vez
tomaram um porre enquanto estudavam para a prova final de história européia e Benny
dissera a ela que se considerava uma virgem convertida, sem qualquer implicação
religiosa, porque tinha perdido a virgindade por acidente nas férias de Natal com um
veterano da Universidade da Pensilvânia que os pais aproximaram dela. Ela preferia não
contar essa, uma coisa que Tinsley achava totalmente engraçada.
Celine franziu o nariz.
— Isso não é meio racista? Só porque ele é italiano, não quer dizer que fale italiano. Ou
seja, só porque Alison é coreana, não significa que fale coreano, né?
— Eu falo coreano — admitiu Alison como quem se desculpa.
— Aposto que posso ficar com ele antes de qualquer uma de vocês — anunciou Callie
abruptamente. Jenny a encarou, perguntando-se de onde vinha essa súbita explosão de
imprudência. Hoje Callie parecia mais louca do que o normal, trocando o visual de
patricinha clássica por uma roupa que ela podia ter usado numa noitada com Lindsay
Lohan: um provocante minivestido roxo BCBG Max Azria com saia pregueada. O
vestido tinha uma gola baixa que deixaria imoral qualquer uma com os peitos de Jenny,
mas em vez disso só revelava a tábua ossuda de Callie. Meu Deus, ela precisava comer
alguma coisa, pensou Jenny, querendo ela mesma poder passar algum peso extra, isto é,
de seus peitos GG, para Callie.
— Cinqüenta pratas como posso te derrotar nessa—contra-atacou Benny alegremente.
Sage e Celine rapidamente quicaram.
— Angelo é um gato. — Tinsley se recostou na cadeira, sabendo que ficava linda com a
blusa de chiffon cru Elie Tahari inspirada num espartilho. Combinava com sua pele
bronzeada e o cabelo preto, que emoldurava o rosto em ondas longas e cheias. — Mas
prefiro um cara mais maduro.
— Talvez queira ficar com o pai dele — sugeriu Brett, tomando um longo gole da
garrafa de plástico. Elas trocaram um olhar carregado e Jenny se perguntou o que estava
rolando. Ela estremeceu um pouco, pensando em todas as coisas subentendidas que
devia estar perdendo, essas meninas se conheciam havia anos e ela acabara de chegar.
— Aí, já é meio velho demais—Tínsley sorriu com malícia. —Não poderia namorar
alguém com mais de uns 25 anos, mesmo que fosse muito bem-dotado.
— Toda a família tem fama de ser enorme feito cavalo — cochichou Alison a Jenny,
que quase cuspiu o vinho morno.
— Tenho certeza de que alguém pode descobrir, né? — Jenny riu ousadamente. Ela
precisava comer algo rápido, ou ia ter problemas. Sua cabeça já começava a girar.
— Tenho que fazer xixi — disse Callie sem eloqüência alguma. Ela se levantou e foi ao
banheiro no fundo do restaurante, cambaleando um pouco nos saltos.
Tinsley virou os olhos violeta para Jenny pela primeira vez naquela noite.
— Pode descobrir por si mesma. Ou está de olho em outro? — O tom de voz era
simpático e leve, e se fosse outra pessoa perguntando, e não Tinsley, Jenny imaginaria
que só estava sendo curiosa. Mas Tinsley tinha visto Jenny e Easy saindo do bosque,
agora Jenny tinha certeza disso, e parecia meio conveniente demais que ela esperasse
que Callie saísse para dar início ao assunto, como se esperasse investigar Jenny e
revelar alguma coisa.
— Isso não seria permitido, não é?—perguntou Jenny com inocência. — Pensei que os
namorados estivessem proibidos.
— Excelente—Tinsley a elogiou com um sorriso diabólico. —Você estava prestando
atenção. — Seu olhar atravessou a mesa antes de Jenny desviar o dela e tomar outro
gole do vinho.
— Só os namorados estão proibidos, né? — disse Celinc, nervosa. — Não, nada do tipo,
uma ficada com caras?
— Isso, minha querida, é estimulado—anunciou Tinsley suntuosamente, recostando-se
na cadeira de novo. Ela parecia uma pantera, magra, forte e meio entediada, como se
esperasse pelo momento perfeito para dar o bote.
Angelo apareceu com uma bandeja enorme com três pizzas fumegantes. Ele as serviu
habilidosamente nos pratos das meninas enquanto elas sorriam para ele, paquerando-o.
Enquanto segurava o prato para Angelo, Jenny o viu olhando seu colo. Quando ela
olhou para ver se mais alguém tinha percebido, encontrou o olhar malicioso de Tinsley.
De repente, toda sua fome desapareceu. Por algum motivo, Tinsley estava de olho nela.
E essa não era uma sensação agradável.
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RyanReynolds: Como foi a primeira reunião? Alguém dançou pelada na mesa?
BennyCunningham: A noite é uma criança... Acabamos de sair do Ritoli's.
RyanReynolds: Vc está de porre?
BennyCunningham: Digamos que o mundo todo está girando agora mesmo e estou
com vontade de nadar nua.
RyanReynolds: Poupe isso para Boston. Soube que o Ritz tem Jacuzzis em todos os
quartos.
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TinsleyCarmichael: Andei bebendo vinho e pensando em você...
EricDalton: Onde você está?
TinsleyCarmichael: Não é da sua conta.
EricDalton: Então quando posso ver você de novo?
TinsleyCarmichael: Em breve. Soube que essa ausência torna o coração mais terno.
EricDalton: Ou a ausência toma o coração mais torturado... Vamos a Nova York.
TinsleyCarmichael: Achei que você nunca me convidaria. Sempre quis ficar no 40
Banfield do Soho.
EricDalton: Isso pode ser arranjado. Na terça? Nós dois podemos alegar doença.
TinsleyCarmichael: Uma Waverly Owl não mata aula! Brincadeirinha. Gostei da idéia.
EricDalton: Ótimo.
TinsleyCarmichael: E por falar em matar... Vi Easy Walsh matando aula... Sei que ele
está sob condicional.
EricDalton: Parece que vou ter que dar uma palavrinha com ele. Esse garoto é fogo.
TinsleyCarmichael: Nem me diga.
EricDalton: Então, na terça? Estou ansioso por isso.
TinsleyCarmichael: É claro que está.
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18
UMA WAVERLY OWL NUNCA USA O EX-NAMORADO COMO ARMA.
As meninas andavam num grupo compacto pela noite fria, esbarrando umas nas outras
enquanto seus saltos delicados desciam pela calçada de pedra de Rhinecliff. Callie
estava prestes a reduzir um pouco o passo e esperar que Tinsley aparecesse por trás e
passasse o braço no dela, mas justamente neste momento sua minúscula bolsa de cetim
Jimmy Choo começou a vibrar. Por um segundo breve e maravilhoso ela pensou que
talvez fosse uma ligação de Easy, mas depois reconheceu o número de Brandon. Ele
devia estar ligando para saber como ela estava, se não estava bêbada demais e ela,
embora não quisesse exatamente ouvir isso, estava mesmo bêbada o bastante para ansiar
por uma voz masculina.
— O que é que tá pegando, Brandon? — Sua língua parecia meio pesada na boca.
— Nada.—Brandon tinha uma voz surpreendentemente grave ao telefone, o que o fazia
parecer mais velho e mais misterioso do que realmente era. — Só pensei que você podia
querer tomar um café ou coisa assim.
— Estamos voltando do jantar. Não sei se estou com humor para café.—Callie olhou
para Tinsley e percebeu que ela trocava mensagens instantâneas com alguém. Virando a
cabeça um pouco, Callie viu que Benny e Alison faziam o mesmo. Que porra é essa? De
repente a vida de todo mundo parecia muito mais interessante e cheia de amor do que a
dela. Numa onda de autopiedade, ela se perguntou se sair com Brandon podia dar uma
levantada em seu ego completamente arrasado. — Bom, talvez sim.
— Estou saindo do Berk — O Berkman-Meier era o centro de música, um complexo
enorme de prédios de laje de concreto no estilo anos 1970, que abrigava um grande
auditório em que se apresentavam vários grupos de música da Waverly, possuía salas de
aula de música e dezenas de pequenas salas à prova de som para a prática individual. A
mãe de Brandon fora primeiro violino da Filarmônica de Nova York e ele tocava para se
sentir próximo dela. Ela morrera quando Brandon tinha apenas quatro anos e esta foi a
primeira coisa que ela lhe ensinou a fazer, mesmo antes de ler. Era sexy que Brandon
fosse tão bom em alguma coisa sem esforço algum—mas Callie queria que ele fosse um
prodígio no baixo ou num instrumento um pouco mais de roqueiro. — Quer me
encontrar no portão da frente?
Brandon estava esperando por ela no portão quando o grupo de meninas se aproximou.
Tinsley o viu primeiro e lançou um olhar mordaz para Callie.
— Olha lá seu namorado esperando por você.
— Não posso evitar os admiradores que tenho. — Callie observou Jenny desviando os
olhos, pouco à vontade. Era irritante ter uma menina mais nova com pena dela, em
especial uma menina que tinha ficado tão amiga de Easy. Pelo menos Jenny garantiu a
elas que não estava acontecendo nada. Callie já se sentia bem humilhada por ter sido
largada, mas ser largada por causa de outra era dez vezes pior.
Brett piscou para Callie por sobre o ombro enquanto o resto das meninas continuava na
direção do campus, lançando olhares maliciosos a Brandon e rindo ao passarem.
— O que foi tudo isso? — perguntou Brandon. Ele vestia jeans bem passados da Paper
Denim & Cloth e um moletom do Brooklyn, embora ele fosse de Greenwich. Callie
ficou grata por ele não estar com o violino.
— Só estão sendo idiotas —respondeu Callie meio de mau humor, sentindo seu
alvoroço desaparecer. Depois ela percebeu que Brandon a fitava. Mesmo que se irritasse
com Brandon, Callie tinha que admitir que era bom ter alguém olhando para ela desse
jeito, como se não pudesse tirar os olhos dela.
— Eu só queria ver como você estava—disse ele inseguro, com um sorriso terno.
— Não me venha com essa solidariedade falsa. Sei que está adorando que Easy tenha
terminado comigo. — Callie, que ultimamente fumava feito uma chaminé, pegou o
maço quase vazio de Parliaments do bolso do casaco de jeans True Religion que
antigamente se ajustava perfeitamente, mas agora estava largo e irritante.
Brandon pareceu magoado.
— Não lamento que não esteja mais com ele... Ele não merece ficar com você. Mas
lamento que você esteja mal.
Callie suspirou e acendeu o cigarro. Brandon era tão legal. Talvez o problema fosse
este. Mesmo depois que ela terminou, ele era um doce com ela, deixando claro que
sempre estaria presente e que sempre a amaria. Mas embora isso parecesse muito nobre
da parte dele, não o tornava nem um pouco mais atraente, Ele só tornava tudo fácil
demais.
— Não sei. Eu devo estar recebendo o que mereço, né?
— Callie, o que você merece é ser tratada como a deusa que você é. — Brandon sacudiu
a cabeça. — Não fique tão melindrada porque Easy deixou você. — Ele segurou o rosto
fino e contraído de Callie e pareceu assustado por um momento, percebendo como ela
estava magra e triste. —Você é muito superior a ele, é loucura.
Callie suspirou de novo. Era fácil falar isso com alguém que tinha acabado de ter o
coração arrancado do peito e atirado no chão frio — ele não a merece, é boa demais
para ele, você pode fazer muito melhor. Bom, e daí que Easy não a merecesse? Isso não
a impedia de querê-lo.
Mas lá estava Brandon com sua camisa pólo com o emblema do cavalo de Ralph Lauren
no peito, as pontas dos sapatos Calvin Klein marrons remexendo nervosamente a grama.
Pelo menos Callie tinha o poder de deixar um cara nervoso em sua presença.
— Easy mal conseguiu olhar para mim quando terminou comigo... Era como se eu fosse
tão repulsiva que ele quisesse apagar cada centímetro de mim de sua memória. — Callie
olhou o chão e passou as mãos pelos braços pouco vestidos.
— Que coisa ridícula! Você é tão linda! — Brandon protestou imediatamente, como
Callie sabia que faria. Mesmo que toda a interação deles fosse inteiramente previsível,
Callie já se sentia melhor. Afinal, não era Tinsley nem Brett tentando animá-la. Brandon
era homem. O fato de ele a achar linda tinha um significado muito maior. — Quer dizer,
meu Deus. Às vezes me dói só olhar para você.
— Por quê?
Brandon suspirou.
— Porque eu não tenho você. — Ele a fitou, querendo que ela o contradissesse, mas
Callie ficou em silêncio por um momento, pensando no quanto queria que fosse Easy
parado ali no escuro, na noite fria, dizendo-lhe essas coisas.
Mas não era Easy. Era Brandon, um cara que Easy detestava, achando-o por demais
sentimental, conservador e claramente reprimido. Um cara que deixaria Easy irritado ao
saber que ela havia voltado para ele — e, na Waverly, as novidades viajam rápido.
Por impulso, Callie se aproximou de Brandon e pousou a mão magra em seu braço nu.
O braço tremeu um pouco quando ela o tocou.
— Está dizendo isso só para que eu me sinta melhor? — perguntou ela timidamente.
— Você sabe que eu falo sério — disse com delicadeza.
E assim ela se inclinou e colocou os lábios nos dele antes que ele pudesse dizer alguma
coisa que a fizesse mudar de idéia. A boca de Brandon era macia e familiar, e tinha
gosto de chiclete de canela, uma novidade. Quando Callie sentiu que ele começava a se
afastar, apertou seu corpo contra o dele, esperando que alguém passasse por ali.
— Obrigada—ela tentou murmurar sensualmente ao se afastar dele. — Por ser tão
meigo. Você salvou a minha noite. — Era uma coisa que uma personagem de cinema
teria dito.
Brandon tocou o cabelo dela, afagando-o gentilmente, como costumava fazer.
—Você salvou o meu ano.—Isso deixou Callie triste de repente, porque ela havia dito a
frase sem a sinceridade com que Brandon falara.
— Me leva de volta? — perguntou ela, querendo sair dali, querendo ver seu e-mail para
o caso de Easy ter escrito, e querendo se enroscar no pijama de seda Natori preferido
quando descobrisse que ele não escrevera, e chorar sozinha até dormir.
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EmilyJenkins: Aquelas piranhas não me convidaram para o clube delas, mas eu vi
Callie juntinha do seu colega de quarto.
HeathFerro: BRANDON??
EmilyJenkins: Em carne e osso.
HeathFerro: Vc acha que é para provocar ciúme em EZ?
EmilyJenkins: Dããã.
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HeathFerro: Aí, Callie tá beijando Brandon lá fora.
EasyWalsh: OK.
HeathFerro: Vc não liga? EJ acha que é para deixar vc com ciúme. Vc está?
EasyWalsh: Não.
HeathFerro: Cara, diz alguma coisa!
EasyWalsh: Vai se foder, Ferro.
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Para: Sociedade Secreta - Undisclosed Recipients
De: HeathFerro@waverly.edu
Data: Domingo, 15 de setembro, 11:43h
Assunto: Boston
Caros Superamigos,
É isso mesmo, vocês entenderam. Hora de olhar em seu intimo e encontrar seu próprio
super-herói: talvez seja a Mulher Maravilha, ou quem sabe, se você é como eu, seja o
Hugh Hefner.
Vocês têm menos de uma semana para se preparar. Detalhes a seguir.
Afetuosamente,
HF
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19
UMA WAVERLY OWL USA PROTEÇÃO ADEQUADA NA CABEÇA
QUANDO SE ENVOLVE EM ATIVIDADES FÍSICAS PERIGOSAS.
Jenny tinha procurado roupas de hipismo no Google, então sentia-se relativamente
preparada para aparecer nos estábulos na tarde de domingo para seu encontro de
cavalgada com Easy. Os sites diziam que era melhor usar jeans apertados nas pernas, se
você não tivesse calças de montaria, o que Jenny sem dúvida não tinha. Então ela vestiu
uma calça jeans Diesel apertada nas pernas que tinha desde a quinta série, quando ela
parou de crescer. Bom, de crescer para cima — seu peito obviamente continuou
aumentando. Seu cabelo comprido caía em duas tranças nas costas, o que ela esperava
lhe dar um ar de chique boêmia e não um ar de Heidi pirada.
Embora estivesse claro que Callie ainda estava abalada pelo rompimento com Easy,
Jenny não conseguia parar de pensar nele. Quando Emma Bovary se apaixonou por
Rodolphe, Jenny deu a ele a cara de Easy, e quando, no final, se apaixonou
incontrolavelmente por Leon, Jenny imaginou que ele era irresistível como Easy. Ela só
esperava não viver desasastre algum como a coitada e boba da Emma.
Quando chegou aos estábulos, viu Easy levando dois cavalos para a pastagem, um
preto, outro castanho-escuro. Ela o observou por um minuto, percebendo que inclinava
a cabeça para os cavalos enquanto afagava os dois no pescoço, falando com eles. Suas
mãos passaram pelas selas e pelos estribos.
— Qual deles é Credo?—perguntou Jenny quando Easy finalmente percebeu que ela se
aproximava.
Ele afagou a crina lisa do preto.
— Esta é a minha paixão. Não é linda?
Jenny andou devagar até Easy e a égua, sem querer assustá-la. Credo era enorme.
— Credo é fêmea? Ela é tão grande.
Easy riu.
— Nem tanto. Vou montar na égua do reitor Marymount, Diana, porque é muito maior
do que Credo. E eu disse a Credo para ser gentil com você.
— Que bom — disse Jenny, tocando hesitante o pescoço da égua, onde Easy a estivera
afagando. Seu pêlo era surpreendentemente macio e brilhante. Credo se mexeu um
pouco ao toque de Jenny e virou a cabeça para olhá-la. O movimento rápido assustou
Jenny, mas ela não vacilou e continuou acariciando o animal gigantesco enquanto
admirava seus enormes olhos castanhos e fluidos.
— Deixe que ela cheire sua mão — disse Easy por sobre os ombro. — Vai ajudá-la a
conhecer você mais rápido.
— Assim? —Jenny estendeu desajeitada a palma da mão diante do focinho de Credo.
Como qualquer outra pessoa, teria ficado apavorada de que a égua arrancasse sua mão
numa dentada, mas ela confiava em Easy. Credo bufou pelas narinas e passou o focinho
macio e molhado na mão de Jenny. Jenny riu. — Ela parece muito mais feliz do que os
coitados dos cavalos de Nova York que têm de passar o dia todo puxando carruagens
pelo Central Park para os turistas.
— Meu Deus, você é mesmo uma garota da cidade — disse Easy com afeto. Ele
estendeu o capacete de hipismo de veludo preto. — Toma — disse ele. — Veja se cabe.
— Vou ter que usar capacete? Isso quer dizer que há uma possibilidade de ela me
derrubar ou coisa assim? — Ela o segurou sem jeito, de repente assustada de novo,
imaginando seu corpo voando e caindo com um esmagar de ossos na terra dura e
compactada.
— Não, Credo gosta de você.
— Como sabe disso?
Easy coçou a cabeça.
— Bom, não tenho certeza.—Ele deu de ombros. —Mas Credo gosta das garotas que
são legais comigo. — Ele ergueu a sobrancelha para ela, levando-a a esquecer todo o
medo de Credo. — Então, é melhor você ser legal comigo.
Ah, tá, pensou ela. Como se houvesse algum risco de eu não ser legal.
Easy tirou o capacete das mãos de Jenny e o colocou delicadamente em sua cabeça,
depois pressionou a mão em cima dele e o girou de um lado para o outro, e de cima para
baixo, Jenny podia sentir o couro cabeludo se mexendo junto com o capacete.
— O que está fazendo?
— Estou vendo se cabe. — Ele tirou a mão da cabeça de Jenny e se ajoelhou para que
seus olhos ficassem no mesmo nível dos dela. Examinou como o capacete ficava nela, o
rosto a centímetros de distância, de modo que ela praticamente podia contar os cílios
dele se quisesse. Os olhos de Easy por fim encontraram os dela. —Você está linda —
disse ele suavemente.
— E por que você não está de capacete?
— Porque não estou preocupado comigo—disse ele com doçura, embora Jenny ainda
não achasse justo. Ela imaginara o próprio cabelo voando ao vento, mas quem sabe da
próxima vez? — Está pronta para montar?
— Já? — gritou ela, apavorada.
— Quer ficar parada aqui conversando o dia todo?
Jenny olhou para ele.
— Mais ou menos.
— Vamos. É divertido e você vai ficar bem. Credo sabe o que está fazendo, e ela não
vai arrancar num galope nem nada disso. —Easy lhe deu mais algumas instruções
básicas e estímulos, mas ela sabia que ele era um professor do tipo aprender-fazendo,
então Jenny se obrigou a respirar fundo algumas vezes e montar. Ele juntou as mãos
para lhe dar impulso e ela girou a perna por cima do dorso de Credo, desajeitada, quase
chutando Easy na cabeça com a bota. Ela balançou na sela de couro lisa, colocando-se
em posição. — Está confortável?—perguntou Easy, ajeitando os estribos e colocando as
rédeas nas mãos dela.
— Parece que estou montada num elefante — disse ela com um riso meio tonto. Estar
em cima de um cavalo a fazia se sentir tão... alta!
Easy subiu no cavalo de Marymount.
— Pronta para começar a andar agora?
Respira fundo, respira fundo.
— Sim — guinchou Jenny.
— Então aperte Credo um pouco com o calcanhar. É só deixar seus quadris seguirem os
movimentos dela. Tudo vai se encaixar. — Easy partiu com Diana e Jenny apertou as
pernas delicadamente nas laterais de Credo. Ela começou a respirar rapidamente quando
Credo começou a se mexer.
— Estou trotando? — perguntou ela ansiosamente.
— Ainda não. — Easy riu. — Tem certeza de que já está pronta para isso?
Seus olhos se encontraram acima da grama e ele espicaçou a égua que montava a um
trote, afastando-se de Jenny rapidamente.
— Vem! — gritou ele, olhando por sobre o ombro, os cachos soprando na brisa leve.
— Vou ser hiperlegal com Easy se você for legal comigo— sussurrou ela para Credo
antes de apertar as pernas e sentir a égua se lançar para a frente debaixo dela.—Nossa—
ela arfou.
Uma hora depois eles estavam de volta aos estábulos, as pernas de Jenny doendo do
esforço. Ela não acreditava em como foi divertido, cavalgando a enorme e meiga Credo
pelos campos, mesmo que Jenny não conseguisse ir mais rápido do que um trote, por
mais que Easy a estimulasse. O céu estava nublado quando eles partiram, mas escureceu
rapidamente, e começaram a cair grossas gotas de chuva das nuvens cinzentas e
ameaçadoras. Eles entraram montados no estábulo, que estava limpo e escuro e tinha o
cheiro de Easy, só que muito mais concentrado.
Easy desceu da égua e a levou para uma baia antes de voltar para Jenny.
— Gostou?—perguntou ele, embora soubesse a resposta pelo sorriso arrebatado e sem
fôlego no rosto de Jenny.
— Agora sei que é demais. —Ela soltou a bota do estribo e desmontou com um pouco
mais de graça do que montara. — Foi tão divertido. — Suas pernas tremiam um pouco
da tensão e, ao tirar o capacete, ela percebeu que o cabelo estava suado e devia estar
colado na cabeça, mas Jenny não se importou.
— Faz você se dar conta de que está viva, né? — observou Easy enquanto tirava a sela
de Credo e a pendurava em um gancho enorme de metal. Ele levou Credo para a baia,
um cercado enorme e cheio de feno.
— E me faz me dar conta de outras coisas também— respondeu ela obliquamente,
sentindo-se ousada. Ela sentiu o sangue correr pelas veias, a adrenalina em seu pico
máximo. Em cima de Credo, Jenny sentia que podia disparar pelo mundo e agora, sobre
as próprias pernas de novo, achava que podia fazer o que quisesse. E o que ela queria
era beijar Easy.
— Tipo o quê?—Ele arqueou as sobrancelhas, fitando-a. Jenny não respondeu. Estava
chegando mais perto, bem devagar. Queria capturar cada momento que levasse a isso.
Ela sentiu o cheiro do estábulo. O barulho da respiração de Credo. O começo da chuva
batendo no telhado de metal. O esmagar da palha sob as botas. O modo como suas
pernas tremiam. A maneira como Easy a tocava no queixo e o erguia. E o jeito de ele
levar os lábios aos dela e a beijar, e nesse momento ela parou de pensar em qualquer
outra coisa além da sensação de beijar o cara que ela nunca pensou que um dia beijaria.
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Para: RufusHumphrey@poetsonline.com
De: JennyHumphrey@waverly.edu
Data: Domingo, 15 de setembro, 1S:58h
Assunto: Vida no campo
Pai,
Não vai acreditar nisso, mas fui cavalgar hoje. É isso mesmo, eu montei num cavalo —
uma criatura enorme de dez toneladas com dentes realmente grandes. E não tive nem
um pouco de medo! Bom, fiquei com um pouco de medo, mas tinha um especialista me
ajudando o tempo todo. Um especialista muito lindo. Mas não vou dizer mais nada
sobre isso agora... Não quero que dê azar.
Estou me divertindo aqui — tirei meu primeiro A+, fiz uma assistência no último jogo
de hóquei e conheci um monte de gente legal. É meio estranho não ter uniforme para
usar na aula todo dia. (Parece um pouco mais difícil me arrumar de manhã!) Ainda me
sinto meio como a garota nova, tentando entender todas as regras tácitas. Mas estou
conseguindo pegar o jeito.
Como está o apartamento sem mim e sem Dan? Vanessa fica bastante tempo aí para lhe
fazer companhia? Diga a ela que se quiser pintar o quarto de laranja e encher meu
armário com toda a Barneys CO-OP, tudo bem.
Estou morrendo de saudade de você. Diga a Dan para mandar um e-mail de vez em
quando à irmã mais nova — quem sabe, talvez ela até esteja com saudade dele!
Sua filha preferida,
Jenny
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Para: EasyWalsh@waverly.edu
De: EricDalton@waverly.edu
Data: Segunda-feira, 16 de setembro, 9:45h
Assunto: Reunião
Prezado Sr. Walsh,
Peço desculpas pelo aviso de última hora, mas confio que receberá este e-mail a tempo.
Peço-lhe que, por gentileza, passe em minha sala hoje antes do almoço.
Atenciosamente,
EFD
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20
UM WAVERLY OWL SABE QUE O ORIENTADOR TEM SEUS MELHORES
INTERESSES EM MENTE. CERTO?
Era de se pensar que Easy estava duas horas atrasado em vezes de cinco minutos, a
julgar pelo olhar de Dalton quando abriu a porta.
— Desculpe pelo atraso—disse Easy, perguntando-se por que ele sempre parecia estar
se desculpando com esse cara.
— Sente-se. — Dalton assentiu para uma poltrona de couro reluzente enquanto se
acomodava atrás de sua mesa, parecendo um aluno de curso de teatro que tinha acabado
de aprender a fazer cara de durão.
Três horas antes, Easy estava sentado à mesa de reuniões em seu seminário de história
européia, bocejando incontrolavelmente e tomando goles enormes do latte triplo,
tentando não pensar em Jenny. Ele estava ligado demais para dormir na noite anterior e
ficou acordado jogando GameCube até as 3h, então mal conseguiu tirar a bunda da
cama quando o despertador tocou às sete. Ficou impressionado com a rapidez com que
Jenny se acostumou a montar Credo. Easy teve medo de que ela ficasse apavorada
demais para fazer algo além de apenas afagá-la, mas ela subiu direto na égua e, embora
parecesse completamente apavorada, conseguiu trotar por quase 45 minutos. Meu Deus,
ela era demais.
Por baixo da mesa, Easy verificou seu e-mail no celular, esperando um bilhete de Jenny,
dizendo-lhe quando eles iam se encontrar de novo. Mas, em vez disso, só tinha uma
mensagem de Eric Dalton convidando-o a ir à sala dele antes do almoço. Do que se
tratava?
Ele achava que Dalton só queria verificar, uma vez que ele ainda estava sob condicional
por ter sido pego no quarto de Callie depois do toque de recolher. Agora parecia fazer
tanto tempo. Nem se lembrava de que ele e Callie quase transaram naquela noite; só se
lembrava da primeira vez em que tocou em Jenny, quando ele se sentou meio de porre
na cama dela, Jenny tinha um cheiro tão bom — de sono, laranja e pasta de dente — que
ele quis dormir ao lado dela.
Easy encarou Dalton. Sempre soube que o cara era evasivo. Easy tinha visto o modo
como Dalton interagia com as meninas. Como se não acreditasse na própria sorte,
cercado de tantas meninas bonitas que o bajulavam, esquecendo-se completamente de
que eram vetadas a ele. E Easy ouviu os boatos sobre ele e Brett.
— Easy?—Dalton juntou as mãos e falou devagar, como se estivesse falando com
alguém meio retardado. — Você entende o que significa condicional?
Easy fingiu não ouvir o tom paternalista de Dalton, perguntando-se se isso era uma
espécie de teste. Talvez Dalton só precisasse se sentir durão de vez em quando.
— Significa não cometer mais nenhum erro ou ser expulso.
— Obrigado. — Dalton se recostou, os cotovelos nos
braços da poltrona e os dedos nas têmporas. — Preciso lhe dizer que recebi várias
denúncias de você ter quebrado sua condicional.
— Quebrado? — perguntou Easy, sem acreditar, — Como? Nem tenho feito nada.
Quem te disse isso?
— Recebemos várias denúncias — repetiu Dalton, sem se deixar perturbar — de que
você andou matando aula.
— Ah, é? De quem? — Easy pensou no dia em que
encontrou Jenny no bosque para o projeto de pintura. Naquele dia, o último tempo de
Jenny estava vago e ele ficou tão ansioso para se encontrar com ela que matou a aula de
história da arte avançada. Mas era uma aula enorme, dada no auditório do Berkman-
Meier, no escuro, e o professor Johnson agia como se os alunos pensassem que era um
privilégio estar em sua aula e nunca se incomodava em fazer a chamada. Se o professor
não o dedurou, então quem foi?
— Anônimo. — Dalton claramente bancava o durão porque sabia que não tinha nada
nas mãos. Easy começou a relaxar um pouco. — E você não pode ser expulso com base
num boato... A verdade é essa. Mas, graças a isto, você terá mais duas semanas de
suspensão, recluso, e se for pego fazendo mais alguma coisa errada, bom, não vou poder
ajudar você.
Você é o último cara a quem eu atiraria uma corda, Easy queria dizer. Mas em vez
disso gemeu, percebendo que a viagem a Boston estava planejada para o fim de semana
seguinte. O Ritz, Jenny com alguma fantasia sexy — tudo parecia tão bom.
— Não estou entendendo... Isso não faz sentido algum. Não fiz nada. Não pode me dar
uma folga?
— Regras são regras. Você sabia o que significava condicional. Devia ter sido mais
inteligente.
— Regras são mesmo regras—repetiu Easy pensativamente. — É engraçado, partindo
de você. — Easy falou sem pestanejar, observando a cara de Dalton, procurando por sua
reação. Então ele assumiu um cargo em um pequeno colégio interno particular e na
primeira semana tentou pegar uma, ou mais, das alunas? No Kentucky, você seria
arrancado da sala e espancado até aprender a ser um cavalheiro. E aqui estava ele,
tentando ser todo disciplinar e hipócrita.
A sala caiu num silêncio completo por longos e estranhos segundos enquanto Easy se
perguntava o que Dalton diria. Por fim Dalton pigarreou.
— Não sei o que está tentando insinuar, mas no seu lugar eu deixaria de me preocupar
com os outros e tentaria continuar focado em não ser expulso.
— Por que está sendo tão rigoroso? — Dalton claramente tinha uma necessidade
estranha de se sentir poderoso e humilhar alguns estudantes submissos.
— Por que está sendo tão burro? A Waverly é a melhor coisa que aconteceu com você,
então é melhor cair em si e parar de estragar o seu futuro. — Era o tipo de coisa que um
dos irmãos de Easy diria a ele, só que os três eram mais velhos do que Dalton e, mesmo
que tratassem Easy como um garoto pirado, eles não eram nem de longe tão
condescendentes quanto Dalton. Qual era a desse cara, aliás?
— Obrigado pela orientação, orientador. — Easy sacudiu a cabeça e se levantou. —
Tenho que almoçar... Não quero que apareça nenhuma denúncia que perdi isso também.
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Para: CallieVernon@waverly.edu;
BrettMesserschmidt@waverly.edu;
SageFrancis@waverly.edu;
CelineColista@waverly.edu;
BennyCunningham@waverly.edu;
AlisonQuentin@waverly.edu;
JennyHumphrey@waverly.edu;
VerenaArneval@waverly.edu
De: TinsleyCarmichael@waverly.edu
Data: Segunda-feira, 16 de setembro, 17:43h
Assunto: La iniciação
Minhas amadas da Café Society,
Soirée de Iniciação com Pizza HOJE À NOITE. É essencial para todas as que queiram
ficar nas boas graças da sociedade que compareçam ao tête-à-tête de fim de semana em
Boston. Quarto 303 do Dumbarton, às 20h. Apareçam.
O Sr. Pardee, vulgo Señor Convencido, comprou ingressos para a filarmônica desta
noite. (Ele também mandou flores à Sra. Pardee — parece que está tentando amaciar
alguma coisa!) O feliz casal só chegará em casa bem depois da meia-noite. Obrigada,
Sage, por sua bisbilhotice diligente!
Vamos pedir a pizza de nosso restaurante preferido, o Ritoli's, é claro.
Advertência: O traje obrigatório é curto, apertado, que provoque um ataque cardíaco.
Decadentemente,
T
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21
QUANDO EM ROMA, UMA WAVERLY OWL INTELIGENTE PENSA DUAS
VEZES ANTES DE
AGIR COMO OS ROMANOS.
— O que você acha que os meninos fazem no clube deles? — Callie colocou um pouco
de vodca em sua caneca da Waverly cheia de limonada Country Time e mexeu com
uma colher de plástico. Estava de pé junto à janela onde fora montado o bar
improvisado e olhava o pátio escuro, ainda meio vestida com a saia preta apertada e
espartilho de renda branca. Sem qualquer maquiagem, ela parecia uma criada francesa
pervertida.
— Quem sabe?—Brett bateu o cigarro de cravo na xícara de chá Limoges de borda
dourada que atualmente usava como cinzeiro. Ela errou e a cinza se esfarelou no chão.
Jenny vasculhava distraída as gavetas, de vez em quando tomando um gole da caneca da
Waverly decorada com silhuetas de coruja marrons e douradas e cheia de limonada
batizadada. O quarto 303 do Dumbarton estava, pela primeira vez, limpo como no dia
em que todas chegaram. As meninas guardaram as roupas e os livros, limparam as
mesas e empurraram as camas para as paredes. Arrumaram os travesseiros, passaram
aspirador de pó e dispuseram lanternas chinesas vermelhas pelo teto, compradas naquela
manhã na loja de artes em Rhinecliff. O iPod de Tinsley tocava sua lista de músicas préfesta.
"All I want to do is have some fun...", grasnava Sheryl Crow libidinosamente.
— Não sei se tenho alguma coisa que provoque um ataque cardíaco. —Jenny se virou
para as outras meninas. Era assim que o internato devia ser: ficar com as colegas de
quarto, beber limonada batizada em canecas de plástico e pedir pizza, conversando
sobre os meninos e talvez dançando um pouco. Ela tentou ignorar o buraco que se
formava em seu estômago, tornando-se cada vez maior a cada vez que ela pensava que
mentira para Callie e Tinsley a respeito de Easy.—O que devo vestir?
— Ah, o que é isso — zombou Callie. — Só o que você precisa fazer é mostrar um
pouco do seu colo.
— É, francamente. —Brett se sentou. Já estava vestida com um top preto C&C fininho
com alça no ombro direito, deixando o ombro esquerdo nu, bem dramático. — Eu posso
ter o melhor sutiã push-up do mundo, mas não há grande coisa para levantar.
— Tá brincando comigo? — guinchou Jenny. — Não ia querer isto aqui. — Ela
apontou o próprio peito. — Sempre que visto alguma coisa tenho que me perguntar se
não me deixa muito parecida com uma atriz pornô. Sabe o que eu daria para poder
vestir esse top? Ou não ter que usar sutiã, se não tivesse vontade? — Brett e Callie
riram. — Eu ia balançar por todo lado, como um... monte de balões de água.
Callie franziu o nariz e colocou um par de pingentes de jade nas orelhas.
— Ai. Isso é medonho.
— Nem me fale. —Jenny decidiu por uma camiseta preta dos Raves sem mangas, com
cortes estrategicamente planejados para mostrar a pele só nos lugares certos. Com a saia
jeans curta Juicy Couture, ela se sentia muito punk rock.
— Já estão quase prontas?—Tinsley irrompeu pelo quarto vestida num tubinho
turquesa, do tipo que Jenny sempre viu nos catálogos da Victoria's Secret — do tipo
revelador e ultracolante que só podia ser usado por supermodelos e meninas com sorte
suficiente para ter curvas exatamente nos lugares certos e nem um grama de gordura nos
lugares errados. Sem dúvida Tinsley era uma dessas pessoas. Suas pálpebras estavam
cobertas de sombra dourada, brincos de argola grandes como maçãs pendiam dos
lóbulos das orelhas e ela vestia sandálias sem salto Giuseppe Zanotti enfeitada com
pedras preciosas. Caraca. Será que ela era humana? Jenny olhou a si mesma e viu Brett
e Callie, todas de preto, depois olhou novamente o vestido azul de Tinsley.
— Bonito vestido, Tinsley — ela se ouviu dizer. Ela não falava muito com Tinsley
desde que, bom, desde que a conhecera, mas foda-se. A limonada batizada estava
subindo para a cabeça e ela se sentia meio corajosa. E daí que Tinsley fosse a rainha da
Waverly? Ela beijou Easy Walsh!
— Ah, obrigada. — Tinsley lhe abriu um sorriso de propaganda, mal olhando para ela
enquanto ia até o abajur e atirava um lenço roxo sobre a lâmpada, banhando o quarto de
violeta.
— Toc-toc. — Benny Cunningham empurrou a porta, com Sage Francis ao lado. —
Estamos atrasadas? —Ela trazia duas garrafas de bordeaux em uma das mãos e um sacarolhas
em formato de coelho na outra. — Cortesia de papai Cunningham.... Ele acaba de
mandar estas aqui no pacote de volta às aulas.
— Meu pai só me manda recortes de jornal—piou Jenny, por um segundo esquecendose
do telefone novo.
Benny sorriu com pena para Jenny.
— Que droga. — O cabelo moreno de Benny estava traçado atrás e ela vestia o que
parecia um cachecol enrolado no peito, revelando a barriga magra e o minúsculo
piercing de ônix no umbigo. — Onde devo abrir essa?
— Quando colocou isso? — perguntou Tinsley, apontando a jóia na barriga, que Jenny
pensou que parecia um carrapato que se aninhara na barriga de Benny.
— Ah, neste verão...
— Para impressionar um cara — disse Sage, passando os braços bronzeados nos
ombros de Benny. O cabelo platinado fazia contraste com as mechas escuras de Benny.
— Não deu certo. — Ela deu um beijo no rosto de Benny, deixando uma mancha
violeta.
— Cretina. — Benny enxotou Sage. — Onde fica o bar?
— Bem aqui. — Callie andou até o peitoril da janela que fora designado como área de
bebidas e ajudou Benny a abrir a garrafa de vinho e servi-lo em copos de plástico que
Brett roubara do banheiro da biblioteca. — Estes são para o vinho — brincou Callie,
pegando um dos copos cheios e atirando o líquido garganta abaixo.
— Pega leve, garota. — Benny bebericou do próprio copo de plástico. — Ou vai acabar
enrascada no banheiro esta noite.
Logo as outras meninas chegaram, usando as exigidas roupas curtas e apertadas e
trazendo embalagens de seis latas de Diet Coke e uma garrafa de Bacardi Limão.
Tinsley mudou a lista de músicas para "festa", e começou a tocar Black Eyed Peas.
Jenny, Celine e Brett chutaram os sapatos para o canto e começaram a dançar. Jenny
costumava invejar as meninas que dançavam como se estivessem treinando para o clipe
de alguém, mas depois percebeu que também podia fazer isso. De repente
houve uma batida na porta. As meninas ficaram paralisadas, mas
Tinsley, destemida, abaixou um pouco o volume e foi até a porta antes que elas
pudessem esconder a garrafa de rum.
A porta se abriu a uma visão bem-vinda: Angelo com uma Levi's desbotada e casaco de
moletom com capuz azul-marinho, segurando quatro caixas de pizzas com um cheiro
delicioso. Oba!
— Sua safada! —gritou Callie, pensando que tinham sido flagradas. — Nem sabia que
já tinha pedido!
— Obrigada, Angelo, por trazer tudo isso até aqui para a gente. É muita gentileza sua.
Pode colocar na mesa, por favor? — Tinsley indicou uma das malas que fora coberta de
tapeçaria e, quando Angelo foi nessa direção, ela fechou a porta causalmente. Jenny
respirou fundo. Tinha a sensação de que, na cabeça de Tinsley, a festa só estava
começando.
— Posso lhe servir um copo de vinho? Uma Cuba Libre? — Celine se inclinou para
Angelo e afagou sugestivamente o gargalo da garrafa de vinho. Ela estava mesmo
tentando ganhar a aposta?
— É, hummm, não sei se vou poder ficar.—Os olhos do Angelo vagaram pelo quarto e
ele mexia os pés, nervoso. — Nunca estive num quarto de alojamento feminino. É
muito bacana.
— Você precisa ficar para um ou dois drinques. — Callie passou uma caneca da
Waverly sobressalente, cheia de rum e Coca, para a mão dele.—Ou vai ferir nossos
sentimentos. — Ele a fitou, petrificado, e pegou a caneca. Ela deu um sorriso triunfante
para Celine, que lhe mostrou a língua. Jenny esperava que talvez Callie se apaixonasse
loucamente por Angelo. Assim ela não se importaria com quem Easy estivesse.
— Todas as noites de segunda são assim por aqui? — Angelo se sentou no chão ao lado
de outra mala coberta com tapeçaria. Ele ainda parecia pouco à vontade, como se
realmente quisesse chamar os amigos e grudar neles para se proteger do bando de
adolescentes furiosas.
— Às vezes pedimos comida chinesa. — Tinsley se sentou ao lado de Angelo,
segurando um prato de papel com uma fatia gordurosa de pizza de champignon. Ela se
recostou na cama, ele arrastou os olhos dela para a sua bebida, concentrando-se. Tomou
um gole enorme, enxugando os lábios grossos com as costas da mão.
— E às vezes fazemos uns joguinhos. — Callie se sentou do outro lado de Angelo,
inclinando-se para ele. — Quer jogar?
Coitadinho, Ele devia estar pensando: Que meninas esquisitas! Jenny se lembrou da
cena de Monty Python e o Santo Graal (um dos filmes preferidos do irmão, embora ele
fosse esnobe demais para admitir isso na frente dos outros), quando Sir Galahad
descobre o castelo cheio de freiras lindas e solitárias, elas o colocam para dentro e
praticamente o devoram antes que ele seja resgatado — para consternação dele — por
Lancelot. Angelo parecia saber que estava prestes a ser devorado e parecia
adequadamente assustado e excitado. Ele passou a mão no cabelo preto.
— Er, que tipo de jogo?
Benny se ajoelhou na frente dele, segurando a garrafa de vinho vazia.
— Bom, temos uma garrafa...
— Como vai funcionar com tantas meninas? — Alison cutucou Benny, sentada de
pernas cruzadas com sua calça de cetim vermelho. O resto das meninas formou uma
roda no carpete. — Posso estar bêbada, mas não vou me agarrar com você, Benny.
Benny sorriu para ela.
— E por que não? Você se agarra com todo mundo.
— Que tal isso? — disse Tinsley, como se acabasse de ter uma idéia brilhante, mas
Jenny desconfiou de que ela planejou tudo desde o começo. —Vamos girar a garrafa e,
em quem ela parar, beijará Angelo.
Merda, pensou Jenny, tentando olhar nos olhos de Brett. Ela não queria beijar Angelo.
Será que havia um jeito de escapar daqui antes que as coisas ficassem muito doidas?
Talvez ela possa fingir que precisa ir ao banheiro e passar o resto da noite lá. Mas talvez
não chegue a tanto... Ela realmente não queria ser uma estraga-prazeres, não quando
estava começando a sentir que finalmente pertencia a este grupo.
— Acho que preciso de outro drinque. —Angelo passou a mão nos olhos e riu para si
mesmo. Callie se levantou e lhe serviu mais um, desta vez usando um pouco mais de
rum, e tomou mais vinho. Andou com cuidado de volta à roda, como se já pudesse
sentir a sala começando a girar.
— Faça as honras e gire a garrafa primeiro, Angelo. — Tinsley colocou a garrafa no
meio do pequeno tapete persa que a mãe de Callie mandara para a escola como um
presente para aquecer um quarto de alojamento.
Ele girou. A garrafa gorda rodou e rodou no tapete antes de parar meio torta, apontando
diretamente para Benny. Ela soltou um guincho de prazer e engatinhou pela roda,
parando para se sentar de frente para Angelo, que olhava seu pescoço longo e o cabelo
puxado num rabo-de-cavalo calculadamente malfeito.
— Essa é de graça. — Benny se inclinou e colocou a boca nos lábios grossos de
Angelo. Ele pareceu chocado com o movimento repentino, mas depois se rendeu
rapidamente e todas as meninas viram os lábios dos dois se mexerem.
Talvez Benny não seja a puritana que todo mundo achava que era, pensou Jenny, meio
surpresa. Benny finalmente se afastou e voltou a seu lugar na roda, os lábios molhados e
retorcidos num sorriso enorme.
— Minha vez — ordenou Callie, com ciúme que Benny tivesse beijado Angelo
primeiro. Ela virou a boca da garrafa para si mesma, depois agarrou Angelo e o beijou
apaixonadamente e com força, como se pensasse que eles estavam numa novela de TV.
Brett cutucou Jenny enquanto o beijo se prolongava, sem parar. Angelo estava prestes a
estender a mão e tocar o cabelo de Callie quando Tinsley pigarreou com autoridade.
— Desculpe.—Callie se afastou, mantendo os olhos grudados em Angelo, que parecia
querer que o jogo acabasse para ele poder beijar exclusivamente Callie. Em seguida
Brett girou a garrafa de qualquer jeito e o coração de Jenny desabou quando a viu parar
entre ela e Verena, mas claramente mais perto de Jenny.
— Foi por pouco!—exclamou Verena, decepcionada. — Vai nessa, Jenny, é você.
— É, mas está no meio. — Embora Angelo fosse bonito, a idéia de se agarrar com
alguém que não fosse Easy dava náuseas em Jenny. Não havia como ela fazer o que
Callie fizera, agora que tinha beijado Easy. Parecia simplesmente vulgar beijar outro
cara.
— Qual é o problema, Jenny? Não quer jogar? — Tinsley sorriu. — Verena terá a vez
dela, não se preocupe.
Jenny podia sentir que todos a observavam. E de repente a luz arroxeada no quarto ficou
meio apavorante. Os olhos de Callie pareciam penetrá-la. Merda. Merda. Merda. Callie
ia saber que alguma coisa estava rolando se ela se recusasse a participar do jogo.
Com o coração na garganta, Jenny engatinhou até Ângelo, os joelhos nus ardendo no
tapete. Parou na frente dele. Ele ainda estava meio confuso, mas estava claro que
decidira continuar com aquilo. Rapidamente, ela colocou os lábios no rosto dele e
recuou.
— Não nos insulte. Um beijo de verdade, por favor. — Tinsley se inclinou para a frente,
o cabelo caindo no rosto como uma cortina, os olhos violeta como feixes de laser. —
Até parece que tem outro, né?
Como sempre, a voz de Tinsley era leve e aparentemente despreocupada, mas Jenny
sabia o bastante para perceber que era um teste — se ela não fizesse direito, podia muito
bem se despedir de seus sonhos de pertencer ao mundo íntimo da elite da Waverly. E
isso era tudo o que ela queria, não era? Ser uma das meninas lindas e populares, amigas
de gente como Tinsley Carmichael. Isso era inestimável — será que ela não podia dar
um minúsculo beijinho na boca por isso?
Sem dizer nada, Jenny de repente se virou para Angelo de novo e, antes que pudesse se
reprimir, beijou-o em cheio na boca. Ela pretendia manter os lábios ali por um tempo,
mas Angelo claramente tinha entrado no jogo e ela sentiu a língua dele abrir seus lábios
e entrar em sua boca. Ela se obrigou a contar até três antes de se afastar e se retirar para
seu lugar na roda, mal conseguindo resistir ao impulso de pegar a tamanho família de
Scope na cômoda de Brett para fazer um gargarejo.
Jenny olhou para Tinsley, na esperança de ver algum sinal de aceitação nos olhos dela,
mas eles não estavam diferentes de trinta segundos antes.
— Não se esqueça de girar — disse Tinsley friamente, encostando-se na cama com os
braços cruzados, parecendo uma rainha que acabara de ver uma apresentação medíocre
de uma de suas serviçais e agora estava pronta para a seguinte. Ela cutucou a garrafa
para Jenny com o pé.
De repente, com uma sensação horrível de depressão, como se o elevador em que estava
tivesse caído vinte andares, Jenny percebeu que conquistar a aprovação de Tinsley não
ia ser tão simples como se agarrar com o cara da pizzaria.
Jenny girou a garrafa às cegas e, à medida que o jogo continuava, teve que morder a
bochecha por dentro para não explodir em lágrimas como a bebezona que era. O que foi
que ela fez? Estava com nojo de si mesma — como pôde deixar que Tinsley a forçasse a
isso? E como pôde fazer isso com Easy? Ela estava louca para escovar os dentes e se
livrar do gosto horrível de outro cara.
— Quem topa um strip poker?—Callie se levantou, cambaleando, o salto do Kate Spade
de cetim abrindo um buraco numa fatia meio devorada de pizza que estava no chão. —
Porra. — Ela tirou o pé do sapato, deixando-o onde estava.
— Vai ficar e jogar com a gente, Angelo? — Sage se sentou ao lado dele e passou o
braço em seus ombros, amargurada por não ter tido a chance de beijá-lo, mas disposta a
trocar a oportunidade para vê-lo se despir.
— Acho que posso ficar um pouco mais.
— Ei. — Brett cutucou Jenny, parecendo preocupada. — Quer sair daqui? Podemos ver
TV na sala ou coisa assim.
Jenny segurou o braço de Brett, agradecida, sentindo-se bêbada e deprimida e
precisando desesperadamente de uma pausa para respirar.
— Meu Deus, por favor. Vamos. — Brett se levantou e puxou Jenny de pé.
— Aonde vocês vão?—perguntou Callie, vasculhando a gaveta da mesa em busca de
um baralho que guardava ali.
Brett alongou as costas e bocejou.
— Vamos para a sala ver um filme. Estou muito bêbada. Se beber mais, vou ficar
enjoada. Não sou muito de jogar cartas mesmo. — Ela pegou um prato descartável e
colocou algumas fatias de pizza antes de fugir pela porta com Jenny, que parecia estar a
ponto de chorar. — A gente se vê.
Callie fechou a gaveta e semicerrou os olhos. Brett não parecia bêbada, embora Jenny
certamente sim. O que elas estavam pensando, deixando a reunião da Café Society antes
que alguma coisa realmente boa acontecesse?
— Brett anda tão chata. — Tinsley embaralhou as cartas como uma profissional,
passando-as para Celine, que as distribuiu, rindo o tempo todo e cutucando Angelo, que
parecia bem bêbado. Sage tirou a fivela de tartaruga do cabelo de Celine e a colocou na
cabeça de Angelo. Todas explodiram numa gargalhada de porre.
— Ela tem sido uma cretina o ano todo — disse Callie, amargurada por Brett ter
rejeitado sua companhia de novo. — E ela está chateada porque o Sr. Dalton perdeu o
interesse. Callie pegou a caneca pela metade de alguém e a secou. Sabia que estava
ficando embriagada, mas isso a distraía de se lamentar por si mesma. Por que Brett e
Jenny se deram tão bem sei sem ela? O que deixava as duas tão íntimas? Ela não teria
se importado de ficar enroscada num dos sofás do primeiro andar com a manta de
cashmere e um saco de Cheetos para ver um filme de Lindsay Lohan com as duas, se
elas pensassem em convidá-la.
— Quanto a isso... — Tinsley se inclinou confidencialmente. — Talvez eu saiba o
motivo para uma mudança repentina nos afetos dele.
— Você? — Callie tentou não parecer apavorada. Ela olhou em volta. Benny e Alison
estavam se servindo de mais bebida e não prestavam atenção, e Verena, Celine e Sage
estavam completamente envolvidas com Angelo.
Tinsley assentiu reluzente.
— É... Tivemos uma reunião muito... promissora na semana passada. E ele vai me levar
a Nova York amanhã para uma escapadela romântica. — Ela sorriu, orgulhosa.
Callie precisou virar o rosto. Como Tinsley podia fazer isso? E o Sr. Dalton? Com
quantas alunas ele ia tentar dormir? Coitada da Brett. É claro que Tinsley era a culpada.
Callie estremeceu, perguntando-se se devia descer e falar com Brett no mesmo instante.
Mas esta, sem dúvida, estava ocupada
demais com sua nova melhor amiga, Jenny.
Em vez disso, ela se serviu de outra bebida. É verdade que Tinsley era horrível, mas
pelo menos era franca. Callie não conseguiu deixar de sentir que Brett e Jenny eram
igualmente más... Só que mais dissimuladas. Mas talvez o vinho fosse responsável por
isso. Talvez.
OwlNet-------------- Caixa de Entrada de E-mail
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Para: Alunos de Eric Dalton
De: EricDalton@waverly.edu
Data: Terça-feira, 17 de setembro, 8;55h
Assunto: Sem aulas hoje
Caros alunos,
Devido a circunstâncias inesperadas, não poderei dar aula hoje. Por favor, continuem
com as tarefas programadas na grade. Obrigado — vejo vocês amanhã,
Atenciosamente,
EFD
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OwlNet-------------- Caixa de Entrada de E-mail
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Para: CallieVernon@waverly.edu
De: BrandonBuchanan@waverly.edu
Data: Terça-feira, 17 de setembro, 9h17
Assunto: Vc tá doente?
Oi, Callie,
Estou na aula de latim, mas você não está aqui. Só queria saber se quer que te leve uma
sopa ou um croissant de amêndoa... Ou um
Gatorade?
Com amor,
Brandon
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22
PARA EVITAR UMA RESSACA, UMA WAVERLY OWL DEVE SE
HIDRATAR.
Callie acordou com uma dor de cabeça descomunal e sua boca tinha gosto de serragem.
Ela espiou de baixo da manta de cashmere e foi recebida pela luz do sol, quente e
ofuscante. Que horas eram? Precisava fazer xixi, mas qualquer movimento fazia sua
cabeça latejar e ela não tinha certeza se queria sair da cova aconchegante para enfrentar
o dia. Seu estômago revirava — o quanto ela bebeu? Tinha uma vaga lembrança de
roubar os copos de plástico com vinho e as canecas da Waverly cheias de rum e Coca
dos outros. O cheiro de rum vindo de uma das canecas no chão revirou seu estômago
vazio. Ela se lembrou de passar algumas horas no banheiro, vomitando tudo o que havia
no estômago, o que na verdade era só álcool, uma vez que ela não comeu da pizza. Não
era de surpreender que sua boca estivesse tão seca. Ela precisava beber água, ou iria
morrer. Que horas eram mesmo? Hoje era terça-feira, né? Callie tinha certeza de que
estava perdendo alguma aula, mas sua cabeça doía só de tentar pensar em qual delas.
Ela chutou a manta, revelando um quarto vazio e banhado de sol. Caixas de pizza ainda
se espalhavam pelo chão. Pegou o celular e o ligou. Em seguida, de camisola, levantouse
para pegar uma garrafa de Evian e dois comprimidos de analgésico. Tinsley.
Lágrimas lhe vieram aos olhos. Tinsley nunca ficava bêbada como todo mundo e
sempre conseguia se lembrar da água. Ocorreu-lhe uma imagem da noite passada —
Tinsley segurando seu cabelo louro enquanto ela se ajoelhava perto da privada. Suando,
Callie cambaleou, xingando e chorando, e Tinsley se sentara com ela no banheiro,
fazendo-a beber água e segurando seu cabelo enquanto ela vomitava. Tinsley a ouvira
lamentar por Easy durante horas, tranqüilizando-a, dizendo que tudo ia ficar bem e que
ele ia ter o que merecia.
Ela adorava essa garota, mesmo que ela tenha roubado o Sr. Dalton de Brett. Isso era
uma loucura completa. Mas não era da conta dela, não mesmo. Brett e Tinsley que
resolvessem isso; não tinha nada a ver com ela. Callie abriu a garrafa de água e tomou o
Tylenol antes de desabar no travesseiro com o celular na mão. Eram 10h29 da manhã.
Ela puxou a coberta sobre a cabeça, escondendo-se da luz irritante do sol. Tinha sete
novas mensagens. Pelo menos uma delas podia ser de Easy, né? Seu polegar clicou por
elas. Cinco de Brandon. Duas de Angelo — quando foi que ela dera o número a ele?
Provavelmente quando colocou a língua na garganta dele. Qual era o problema dela?
Talvez porque ela só quisesse uma pessoa e ele não estivesse interessado. Callie discou
o número dele de qualquer forma, sentindo-se segura sob as cobertas. Quem sabe ele só
precisasse de um tempo sozinho? Será que ele estava com saudade dela? Mas o telefone
dele nem tocou, caiu direto na caixa postal: "Aqui é Easy. Deixe seu recado." A única
coisa que podia ser pior do que deixar um recado de ressaca na secretária de um exnamorado
era deixar um recado bêbada, e ela ficou grata por Tinsley ter tirado seu
telefone na noite anterior; caso contrário, ela provavelmente teria tentado isso também.
Ela fechou o celular antes do sinal e apertou o rosto no travesseiro. Talvez pudesse
dormir o dia todo. Ou o ano todo.
23
UMA WAVERLY OWL NÃO FAZ ALARDE.
Jenny andou pelo campus na manhã de terça-feira, tão cheia de culpa que não conseguia
ficar parada. Fora incapaz de dormir na noite anterior, mesmo depois de Brett tê-la
tirado do quarto, e as duas rirem assistindo a O virgem de 40 anos na sala. Mas Jenny
ainda estava atormentada porque ela, feito uma idiota, deixara Tinsley convencê-la a
beijar Angelo. Ela ficava doente só de pensar nisso. O que foi que ela fez?
Parte dela queria se esconder o dia todo embaixo do cobertor azul-bebê áspero, mas ela
achava que ia sufocar respirando o mesmo ar que Callie e Tinsley. Agora ela estava no
pátio, mas ainda sentia a mesma bolha sufocante em torno da cabeça. Se não saísse dali,
ia pirar seriamente. Ela pegou o novo telefone e discou para a única pessoa que
conhecia que podia fazer com que se sentisse melhor.
— Muffulupugus! — O barítono grave de Rufus trovejou alto no celular novo. A voz
dele a fez sorrir, embora ela precisasse segurar o telefone longe da orelha. — Como,
diabos, você está?
— Estou... Estou bem, pai. —Jenny puxou um cacho comprido do cabelo.—Eu meio
que esperava que você ligasse para a administração da Waverly e conseguisse que eles
me dessem um dia de saúde mental.
— Um o quê? Dia de saúde mental? Você está bem? — Que ótimo, deixá-lo
preocupado com a possibilidade de você ser expulsa de outra escola.
— Eu só precisava de uma tarde em Nova York, mas não vou comprar nada, só ir a
alguns museus. Você podia me encontrar. Vamos comer bolinho frito naquele
restaurante mexicano da Amsterdam.
— Não vai dar, meu amor. Vou ajudar Vanessa em um filme hoje à tarde... Tem um
esquilo enorme de gordo no Bryant Park Queremos capturar o que ele come em um
período de 24 horas, só que estamos trapaceando um pouco. Mas então, está tudo bem
com você aí? — Rufus parecia preocupado. — Pensei que estivesse gostando... As notas
A, o hóquei de campo, as cavalgadas?
— Estou indo muito bem, eu juro. —Jenny cruzou os dedos enquanto mentia. — Só
estou com saudade da cidade... É meio sufocante.... ficar aqui com todo esse ar puro.
Acho que posso estar consumindo oxigênio demais ou coisa assim.
Ele soltou um suspiro pesado, mas Jenny sabia que ele não ia resistir.
— Está bem. Vou ligar para a administração e dizer a eles que preciso que venha passar
o dia em casa.
Jenny guinchou e agradeceu profusamente ao pai. No segundo em que desligou, ela
chamou um táxi para pegá-la no portão da frente e praticamente voou de volta ao
alojamento para pegar a carteira. De repente a Waverly não parecia tão sufocante, agora
que ela sabia que podia passar o dia fora. É, ela ferrou tudo, mas com alguma sorte Easy
não descobriria, e na verdade foi mesmo só um beijinho. Além disso, ela e Easy nem
estavam namorando... Não oficialmente. Ela estava louca para pegar o próximo trem,
sair desse mundo incestuoso e chegar à cidade grande e maravilhosa.
— Jenny! — Ela girou e viu Easy correndo pelo gramado na direção dela, sua pele
formigou. As pernas longas dele a alcançaram com muita facilidade. Ele estava lindo
com uma calça de veludo cotelê marrom-escuro (ela nunca o vira sem uma Levi's) e
uma camiseta branca básica. — Está correndo para onde?
— Ah, hummm, vou passar o dia em Nova York... Sabe como é, preciso respirar um ar
poluído. —Jenny sentia-se irrequieta, convencida de que Easy podia ver através dela.
Ela bateu a bota vermelha na grama.
— É, ar puro demais não pode ser bom para uma garota da cidade. — Um cacho escuro
caiu na frente de seus olhos e ele o soprou. —A Waverly pode parecer uma bolha
gigante e às vezes a gente se esquece de que nada por aqui é realmente de vida ou
morte.
— Exatamente. —Jenny sorriu. —Ei, você quer... vir comigo? — perguntou ela
impulsivamente. Embora estivesse fantasiando sobre andar pelos longos corredores do
Met sozinha, de repente a imagem parecia bem mais completa com Easy lá também. E,
talvez, se ela pudesse ficar sozinha com ele no mundo real, as coisas que aconteceram
na bolha da Waverly na noite anterior não importassem tanto. —A gente pode almoçar,
talvez ir a alguns museus.
— É? — Easy olhou o rosto de Jenny com ansiedade, depois franziu a cara numa
expressão de desagrado. — Bem, eu estou sob condicional dupla do Dalton. E como não
sei que espiões ele tem, não sei se posso me arriscar a irritar ainda mais o cara.
Jenny ficou boquiaberta.
— Eu me esqueci totalmente disso. Ah, bom, a última coisa que eu quero é que você
seja expulso daqui...
— Só que... — Easy interrompeu Jenny e sorriu para ela. — Dalton mandou um e-mail
hoje de manhã dizendo que estava doente. Então imagino que ele não esteja por aqui...
Vamos.
Os olhos castanhos de Jenny se arregalaram.
— Mas...
Ele pegou a mão dela e a sensação de seus dedos quentes e ásperos em sua pele a
silenciou.
O trem para a cidade estava apinhado, mas Jenny e Easy encontraram dois lugares
juntos, brincaram de jogo-da-velha no bloco de desenho e ouviram o iPod de Easy com
um fone cada um até que pararam na estação Grand Central. Eles pegaram um táxi para
o Met mas, antes de entrar, Easy comprou para eles um cachorro-quente de uma
carrocinha e eles se sentaram na escada do museu ao sol de início de outono. Ela fez
isso tantas vezes, na esperança de que uma das meninas descoladas como Blair e Serena
percebessem sua presença, ou que alguém famoso se sentasse ao lado dela e de repente
ela aparecesse na US Weekly como a companheira misteriosa de um ator famoso.
Jenny se encostou nos degraus de pedra e suspirou. Durante anos, só o que ela queria
era ser uma daquelas meninas de que as pessoas falavam. Quando Sócrates disse que
uma vida "não examinada" não era digna de ser vivida, Jenny concordou
completamente — e daí que ele estivesse falando de um exame pessoal de sua vida e
não de um exame da Page Six? Significava o mesmo para ela. Ela sabia que era fútil,
mas não conseguia evitar. Toda a literatura era repleta de mulheres arrasadoramente
lindas e sedutoras cuja imagem ficava gravada na mente de todos no ambiente, fazendoos
sorrir ou gemer de angústia quando pensavam nela, o que inevitavelmente fariam. A
maluquinha Daisy Buchanan de O grande Gatsby. Lily Bart de A casa da felicidade.
Laura de Petrarca, Beatriz de Dante. Ela não queria, necessariamente, que alguém
escrevesse um livro sobre ela — mas queria ser o tipo de pessoa que podia inspirar
alguém a fazer isso. Era tão errado assim?
Mas agora, sentada ali com Easy, de repente Jenny não se importava se era o tipo de
garota de que Jay Gatsby se lembraria anos depois, ou Heath Ferro, ou Tinsley vacalouca-
e-medonha Carmichael. Ou se ela um dia ia aparecer na Page Six de novo. Só o
que importava era Easy sentado ao lado dela em um de seus lugares preferidos, com
uma manchinha de ketchup no rosto.
— A Waverly definitivamente é pequena. Em especial quando você começa como fez...
Com estardalhaço. — Ele deu outra dentada no cachorro-quente.—Mas as pessoas
teriam conhecido você de qualquer forma.
Jenny limpou o ketchup com o polegar.
— Por que diz isso? — Ela pensou nervosamente em seus peitos: não eram muitas as
meninas de estirpe e que usavam suéter de tricô de cashmere e saia Theory de tweed que
tinham os peitos G que ela exibia. É claro que ela não queria um soneto escrito para
eles.
Easy engoliu.
— Porque... Sei lá, parece idiotice... Mas você tem uma centelha.
— Eu?—Ela olhou para os degraus de cimento, sentindo-se meio tímida mas totalmente
lisonjeada.
Easy se limitou a sorrir e pediu um "giro especial Jenny Humphrey" pelo museu. Eles
terminaram andando pelas galerias várias vezes, procurando pelas coisas de que Jenny
mais gostava — uma tela de Cézanne com dezenas de maçãs espalhadas em uma mesa,
um retrato em rosa de Klimt de uma menina linda que Jenny sempre quis ser, o
tranqüilo Vermeer de uma jovem segurando um jarro de água, o nebuloso George
Inness de uma garota sozinha andando por um pomar, os manuscritos islâmicos com
aquela caligrafia linda. Easy parou diante de cada um deles, absorvendo em silêncio e
depois a beijando.
Ela sabia que nunca mais veria essas obras de arte da mesma maneira. Agora elas eram
mais do que suas telas preferidas. Agora faziam parte do dia mais perfeito de sua vida.
24
UMA WAVERLY OWL SABE GUARDAR UM SEGREDO, MESMO UM BEM
PICANTE.
— Eu queria não ter que voltar — Tinsley fez beicinho. Ela baixou o martíni de lichia
no tampo de vidro do balcão e deslizou a pulseira antiga na mão. — Mas obrigada por
me emprestar isso.
— O prazer foi meu. — Eric sorriu para Tinsley e ela sustentou o olhar. Eles chegaram
uma hora antes e se acomodaram no elegante bar do hotel enquanto a recepção mandava
a bagagem para o quarto. Já estavam no terceiro martíni, embora ainda não tivessem
dado o primeiro beijo. —Agora. Isto é um...
— Segredo — interrompeu Tinsley. Depois dos e-mails de paquera, ela achou que eles
arrancariam as roupas e transariam na limusine de Eric assim que ele a pegasse. Em vez
disso, ele pediu a ela para contar histórias de sua família e lhe falou do pai que pegava
no pé dele. Até aquele momento, o dia juntos fora extraordinariamente nada sexy. Mas
ela estava pronta para mudar tudo isso.
— Quem não gosta de um bom segredo?
Eric se inclinou para ela.
— Bom... Sei que eu gosto.
Pronto. Assim estava um pouco melhor.
— Deve ter alguns dos bons — sugeriu Tinsley. Por algum motivo, ela queria ouvi-lo
contar que gostava de Brett, mas que tinha mudado de idéia no minuto em que pusera os
olhos nela. Queria ouvir o quanto ela era mais inteligente, mais sexy e mais descolada.
— Eu? Não. —Ele se recostou, tomando outro gole da taça. O barman trocou a música
para um jazz ardente, como se estivesse lendo a mente dele. — Mas tenho certeza de
que você tem.
— Hummmm... — Ela fingiu pensar. Se ele não ia soltar nada, ela podia dar uma
ajudazinha.—Bom, tenho uma amiga, a Brett...
Eric pigarreou. Uma modelo de 1,80 metro de altura que Tinsley reconheceu do desfile
de moda do ano anterior da Bluemarine entrou no bar, mas Eric não tirava os olhos dela.
— Tinsley, eu...
— Então não é bem o meu segredo — continuou ela, tirando os olhos da modelo. —
Mas ela contou a todo mundo da Waverly que a família dela salva papagaios-do-mar ou
coisa assim em Terra Nova, embora o pai dela na verdade seja especialista em
lipoaspiração em Nova Jersey Dá pra acreditar?
— Ela me falou sobre isso uma vez. — Eric olhou nervoso o salão pouco iluminado. —
Então acho que não é um grande segredo.
Peraí, como é? Este era o maior segredo da vida de Brett e ela contou a Eric? A Eric
Dalton? Tinsley de repente foi tomada por uma sensação de pânico de que talvez
houvesse mais no lance dele com Brett do que ela pensava. Talvez ele não achasse que
ela era mais sexy e mais bonita do que Brett.
— Não tinha percebido que vocês eram tão próximos — murmurou ela friamente.
— Não fique assim — ralhou ele e ela gostou, surpreendendo-se com isso. De repente
se sentia como a estudante perversa que era. Ele estendeu a mão, colocando-a em
concha no queixo de Tinsley, e encontrou o olhar dela. — Sei que as pessoas devem
dizer isso a você o tempo todo, mas você tem os olhos mais lindos do mundo.
E, com essa, ele se inclinou para beijá-la. Enquanto seus lábios se encontravam, ela não
pôde deixar de pensar que sim, as pessoas diziam isso a ela o tempo todo. Ela esperou a
vida toda por alguém que dissesse que o sinalzinho escondido atrás da orelha era a coisa
mais sexy que tinha visto, mas até agora ninguém sequer falou nele. Mas à medida que
Eric passava a mão pelo pescoço dela e os dedos na abertura de seu vestido azulmarinho
delicado, ela jogou o cabelo preto e volumoso para trás. Podia muito bem dar a
ele a oportunidade de vê-lo, não é?
— Vamos ver nosso quarto? — sussurrou ele.
— Vamos.
25
UMA BOA WAVERLY OWL NÃO TRAMA NADA... EMBORA UMA
PERVERSA POSSA TRAMAR.
No início da noite, Jenny e Easy estavam aninhados a uma mesa aconchegante no
Balthazar, uma brasserie elegante e movimentada no Soho, e o garçom nem piscou
quando eles pediram uma garrafa de pinot noir. Jenny se encostou na banqueta de couro
vermelho, desfrutando o modo como Easy ficava ao lado dela no salão de teto alto,
escuro e revestido de carvalho. As mesas ficavam próximas e estavam cheias de hipsters
elegantes curtindo aperitivos e se aquecendo para uma noite na cidade. Um espelho
gigantesco de brasserie parisiense pendia no alto. Eles pediram um prato de bife com
fritas. Jenny bebericou da taça de vinho.
— Vou dar um pulinho lá fora para ver minhas mensagens. Vou ver se Dalton não ligou
para me controlar ou coisa assim. — Ele revirou os olhos. — Volto logo. Não coma as
batatas sem mim, está bem?
— Não vou prometer nada. —Jenny tocou o cabelo, certificando-se de que os grampos
não caíram, ou se ele já se transformara num emaranhado crespo. — Eu sonho com
essas batatas.
—Vou correndo. — Ele lhe deu um beijo rápido na boca.
Ela era tão beijável! Era legal sair do campus pelo menos uma vez e ficar sozinho com
Jenny sem ter que se preocupar que Callie os visse. Ele andou pelo espaço pequeno
entre as mesas apinhadas, pensando em como seria bom se ele e Jenny pudessem ir a
uma brasserie parisiense de verdade. Seu coração martelava ao começar a pensar nela
no sótão do apartamento dos seus pais em Paris, deitados na pequena cama francesa,
totalmente nus.
Enquanto ele saía na movimentada rua do Soho, uma multidão de compradores de fim
de tarde descia a rua portando sacolas de papel pardo da Bloomingdale's e bolsas de
compras pretas da Barneys Co-op. Ele precisou de um minuto para reconhecer a garota
parada diante dele, vestida num cardigã de cashmere de cintura baixa que parecia da
Boêmia por cima de um vestido de chiffon azul-marinho que estava prestes a se abrir.
Easy imaginou que a cara dele devia revelar o mesmo choque que estava na de Tinsley
quando ela se virou e o viu. O que é que ela estava fazendo aqui? Mas Tinsley
rapidamente recuperou a compostura e tirou o cigarro dos lábios vermelhos e reluzentes.
— Pensei que estivesse sob condicional.
Easy a encarou e subitamente se lembrou de ver Tinsley quando ele e Jenny saíam do
bosque juntos. Então ela os vira mesmo.
— Vai me dedurar de novo?
Tinsley estreitou os olhos cuidadosamente maquiados. Deu outro trago no cigarro e
pensou por um momento, decidida a escolher as palavras com cuidado.
— Sei que está aqui com Jenny. Estou vendo a garota lá dentro. Mas sabe de uma coisa?
— A cara de Tinsley rapidamente assumiu uma expressão presunçosa e Easy cerrou o
punho no bolso. —Jenny ficou com outro ontem à noite. Que tal isso para uma
namoradinha doce?
Peraí, como é? Por um minuto, o estômago de Easy desabou, mas depois ele percebeu
de onde esta informação vinha —da ardilosa Tinsley, amargurada por não ser aquela de
que todos falavam no momento.
— Vai se foder. Não acredito em nada do que tem a dizer. —Ele abriu a porta para
voltar para dentro. —Você tem problemas de verdade, sabia?
— Não sou a única. — Tinsley sorriu docemente para ele, um sorriso que fez os dedos
dos pés dele se enroscarem.
Voltando para Jenny, Easy se obrigou a se acalmar. Só queria curtir o resto do dia e se
esquecer daquela cretina invejosa do lado de fora. É claro que ela ia dizer alguma coisa
assim sobre Jenny. Ela era doce, gentil e sincera — três qualidades que ninguém jamais
atribuiria a Tinsley.
— Senta, rápido. —Jenny pegou a mão de Easy e o puxou para a banqueta. — Olha! —
Easy virou a cabeça e olhou pela vidraça, esperando ver os olhos de Tinsley fitando-os.
Em vez disso, teve um vislumbre de Tinsley andando pela Spring Street no braço de
alguém. Dalton. —Acha que eles nos viram?—perguntou Jenny, claramente preocupada
com a condicional de Easy.
Easy assentiu, ainda olhando pela vidraça.
—Eles podem ter visto a gente, mas eu tenho uma idéia. —Uma idéia que, sem dúvida,
usaria para baixar a bola de Dalton.
26
UMA WAVERLY OWL DEVE DENUNCIAR QUALQUER
COMPORTAMENTO INADEQUADO DO CORPO DOCENTE.
Easy sempre esperava pela aula de literatura francesa avançada nas manhãs de quartafeira,
mas hoje ele esperava porque era uma das aulas que ele fazia com Brett
Messerschmidt e ele precisava da ajuda dela. Precisava dedurar Dalton antes que Dalton
o expulsasse. Aí entrava Brett. Ela era representante de turma. Se ela acusasse Dalton de
alguma coisa, todo mundo ouviria.
Madame Claubert estava de pé na frente da sala, o cabelo grisalho comprido preso em
uma fivela na nuca. Ela era uma daquelas mulheres mais velhas cuja beleza só parecia
aumentar e se intensificar com a idade. As maçãs do rosto eram perfeitamente
delineadas, o pescoço longo de cisne, o corpo rijo de uma bailarina. As mulheres
francesas eram tão sensuais.
— Monsieur Walsh, entrez. — Ela estava do lado de dentro da porta, esperando para
fechá-la.
— Bien sür, madame. — Easy entrou e deslizou para a carteira vazia na frente de Brett.
Ela lhe deu seu típico meio sorriso de sobrancelha erguida. A pele de Brett tinha mais
cor agora do que na maior parte da última semana.
— Obrigada por se juntar a nós. Agora podemos começar. — Ela ergueu uma pilha de
papéis e os passou a cada fila.
— Por favor, formem pares e respondam às dez perguntas neste examen petit. — Ela
bateu palmas. — Dix minutes.
Easy girou na cadeira.
— Mademoiselle Messerchmidt. Pode me dar a honra?
— Mais oui. — Brett vestia um suéter verde militar que deixava seus olhos mais verdes
e uma saia cáqui que ia até o meio da coxa. Ela estava simplesmente linda e com uma
aparência jovem e inocente. Easy entendia por que Dalton se sentira atraído por ela, mas
como ele podia ser tão baixo a ponto de concretizar esse desejo?
— Olha... — disse Easy quando eles já tinham respondido a metade das questões. Ele a
olhou de lado, tentando ser sutil. Não queria constrangê-la nem nada disso. — Soube de
uma coisa... Aconteceu mesmo alguma coisa entre você e o Sr. Dalton?
Brett ficou de queixo caído, revelando uma obturação de platina em um dos molares
inferiores que Easy nunca percebera. Ela se içou rapidamente e lhe lançou um olhar
fulminante que parecia mais defensivo do que de raiva.
— Vai pro inferno.
— Não, não, eu não estou tentando meter você em problemas nem nada disso — disse
Easy rapidamente, os dedos girando a caneta tinteiro. —Você sabe que eu não faria isso.
Brett olhou desconfiada. O que ele quer, então? Ele parecia tão ansioso. Easy
normalmente não era de fofocar. Ela mordeu o lábio e fingiu olhar a lista de perguntas
enquanto Madame Claubert saía da sala.
— Então por que está perguntando?
— Você não vai gostar de ouvir isso, mas eu encontrei a Tinsley no Soho ontem. — Ele
parou. — E ela estava com o Sr. Dalton.
Brett deixou que as palavras entrassem em sua cabeça lentamente. Ficou enjoada ao
assimilar o significado. Ela sabia. Sabia que Tinsley estava usando a pulseira de platina
de Eric naquela noite. Como Tinsley pôde fazer isso? Por quê? E Eric
— ela significava tão pouco para ele que, no segundo em que Tinsley apareceu, Eric a
largou feito as botas Prada do ano passado? Ela não era tão idiota.
— Mas que... babaca. — Brett não conseguia pensar em nada mais forte para dizer.
Imaginar os dois na cama na cobertura do Soho Grand encheu Brett de raiva. E se ela
realmente tivesse perdido a virgindade com Eric? De repente, toda a confusão que sentia
rapidamente se transformou em pura fúria. Ele mentira para ela. Ele não achava que o
que faziam era antiético; só queria transar com Tinsley. — Ele devia ser preso.
— Mas não há como provar que eles estão juntos. Só porque eles estavam em Nova
York juntos não quer dizer... — ele suspirou.
— Quer dizer sim para alguém que conhece Tinsley. — Brett mexeu nervosa nos
brinquinhos de ouro na orelha. Aqueles que Eric tinha beijado com tanta doçura. Tudo
fazia parte de uma interpretação dele, pensou ela colérica.
Easy afundou em sua cadeira.
— E eu não queria que tivesse que revelar seus problemas. Acho que você já sofreu o
bastante.
A idéia de ter que contar à administração, em detalhes, o que aconteceu entre ela e Eric
— o Sr. Dalton, que seja — deixou Brett totalmente nauseada. Ela sacudiu a cabeça.
— É, acho que não posso fazer isso.
Easy deu de ombros.
— Então temos que pegar o cara em outra coisa.
Madame Claubert abriu a porta da sala.
— Vite! Vite! — gritou ela jovialmente. — Deux minutes! Brett atirou o cabelo e
folheou seu exemplar de Le rouge et le noir.
— Peraí um minutinho... — Ela largou o livro na mesa e apertou o braço de Easy. —
Quando fui na casa dele, tinha um saco de maconha na cômoda. Quem sabe a gente
pode usar isso?
— Mas você não pode contar a Marymount onde o viu. — Easy tamborilou os dedos na
mesa de madeira. —A não ser...
— A não ser... — continuou Brett, seguindo a linha de raciocínio de Easy. — Eu digo
que fui à casa dele para pegar uns arquivos do CD e ele propôs fumar comigo... Posso
dizer exatamente onde está na casa dele, e...
Easy assentiu, terminando a frase dela.
— E o que Dalton vai dizer? Que ele não lhe ofereceu, que você só viu no quarto dele
quando por acaso passou a noite lá?
Os lábios de Brett formaram um sorriso leviano.
— Ele não se arriscaria a negar e me fazer contar a verdade. Dá para imaginar, um
Dalton sendo acusado de estupro?
Easy teve vontade de abraçá-la.
— Ele vai ser obrigado a se demitir.
Pela primeira vez desde que começou toda a saga Eric Dalton, ela sentia que tinha o
controle da situação.
— Exatamente.
Depois da aula de francês, Easy deu um afago de boa sorte nas costas de Brett. Ela
sorriu corajosamente para ele e foi direto para a sala de Marymount no Stansfield Hall.
O secretário de Marymount, o Sr. Tomkins, um careca que só usava gravatas florais,
estava sentado atrás de uma mesa de carvalho quando Brett entrou.
— Oi, Brett, querida. — Os adultos sempre gostavam de Brett, e o Sr. Tomkins a
tratava como se ela iluminasse seu dia. — O que posso fazer por você?
Brett endireitou os ombros e disse com a voz mais prática que tinha:
— Gostaria de falar com o reitor Marymount, por favor, A mão do Sr. Tomkins hesitou
sobre o interfone enquanto ele se preparava para chamar o reitor.
— Devo dizer a ele do que se trata?
— É confidencial. — Brett sorriu como quem se desculpa. Mas não por muito tempo.
27
UMA WAVERLY OWL SOLÍCITA NUNCA DEIXA DE SER GENTIL COM OS
MENOS AFORTUNADOS.
Depois que o Signor Giraldi finalmente liberou a turma de italiano avançado de sua
torturante aula de história do soneto petrarquiano, Tinsley atravessou o pátio, os saltos
de suas botas de camurça com tiras em T Moschino furando as folhas de início de
outono que se espalhavam ao acaso. Só voltara de seu encontro com Dalton algumas
horas antes e ainda podia sentir os lábios dele em seu pescoço. Mesmo que não tenha
conseguido chocá-lo com o segredo de Brett ser de Jersey, bom, ela certamente fizera
sua parte por Callie. Seria só questão de horas para Easy ser chamado na sala do reitor
Marymount e encontrar Eric sentado ali, com uma denúncia de que Easy esteve em
Nova York no dia anterior. Callie nunca mais teria que ver Easy de novo e a
vomitantemente doce Jenny teria exatamente o que merecia. Tinsley teve que morder o
interior da bochecha para não sorrir do surto inebriante de poder que sentia. Tinsley
Carmichael estava de volta.
Ela sentiu um par de olhos conhecidos e se virou, vendo um rapaz de cabelo louro
desgrenhado, esparramado preguiçosamente na escada da capela. Um sorriso lento se
espalhou pela cara de Heath Ferro quando ele percebeu que tinha chamado a atenção
dela. Tinsley de imediato mudou de direção e andou para a capela, gostando do olhar de
Heath para seu vestido Cynthia Streffe de decote em V e padronagem Renaissance. A
seda italiana tremulava em sua pele e os olhos de Heath seguiam o balanço de seus
quadris enquanto ela andava até ele e colocava o pé direito no primeiro degrau.
— O que é que tá rolando, Ferro?
— Só estou curtindo a paisagem. — Heath esticou os braços no ar. Vestia uma camiseta
cuidadosamente desbotada com a palavra SUPER-HOMEM.
Tinsley sacudiu uma unha cor-de-rosa perfeita, coberta de esmalte Oh, Behave, no rosto
dele.
— Gostei da camiseta.
— Senta aqui—propôs Heath, batendo no próprio colo.
— Valeu a tentativa. — Tinsley se empoleirou delicadamente no degrau acima de
Heath, os joelhos nus junto ao rosto dele. Ele os olhou por um momento antes de se
arrastar para dar espaço para ela.
— Tem planos para o fim de semana? — perguntou ela.
— Ah, este fim de semana... Mas é claro! — Heath estalou os lábios e esfregou as
mãos. — Tomei a liberdade de reservar duas suítes presidenciais no Ritz de Boston,
com porta de comunicação. E vista para o jardim da jacuzzi king-size.
— Hummmm. Parece uma delícia. Vou colocar meu biquíni na mala.
— Ou não. — Heath deu de ombros. — Aí é com você.
Tinsley sorriu para ele.
— Bem que gostaria disso, não é?
— Precisa perguntar?—Heath bocejou e fechou os olhos, obviamente imaginando
Tinsley nua numa banheira borbulhante e vaporosa de água quente, o cabelo preto e
longo num coque no alto da cabeça.
Tinsley deu um tapa nele com as costas da mão.
— Pode pensar em outra coisa que não seja me ver nua por cinco minutos? —
perguntou ela, satisfeita, como sempre, com a adulação de Heath.
— Só com muita dificuldade.
Tinsley se inclinou para ele e baixou o tom de voz.
— Quem você acha que vai ficar neste fim de semana?
— Além de você e eu?
Tinsley revirou os olhos.
— Chega.
Heath passou os dedos pelo SUPER-HOMEM no peito.
— A resposta óbvia é Easy e a Srta. Peitões. — Ele estava um pouco amargurado
porque só conseguiu beijar Jenny bêbado, e mal se lembrava disso. Ele não se
importaria de colocar as mãos naquele corpo gostoso de Jenny. — Se eles já não
fizeram isso, quer dizer.
— Bom, tenho uma novidade picante sobre ela.—Tinsley sorriu.—Sabia que ela ficou
com alguém que definitivamente não era Easy na segunda à noite? — Essa garota a
aborrecia. Todo mundo achava que ela era tão legal, com seu sorrisinho doce e seu
rostinho corado, mas pular no namorado de Callie no segundo em que eles terminaram?
E isso era legal? Ela não via Callie desde que voltara, mas sabia que, quando a visse,
precisava contar à amiga sobre ter esbarrado em Easy e Jenny em Nova York.
— Ah, é? — Heath esfregou as mãos como quem conspira. — Que interessante.
— Quem mais? — perguntou Tinsley, satisfeita por ter semeado um boato que
certamente ia dar num escândalo completo.
— Não sei... Ryan Reynolds quer chegar em Brett... Ele acha que tem chances.
— Só se for no inferno — zombou Tinsley. — Ela não está tão desesperada.
— E por falar em desespero... — Heath assentiu para o pátio. Brandon Buchanan
andava para eles com calças Theory de lã risca-de-giz e uma camisa pólo cinza Zegna
por baixo do blazer marrom da escola.
— Vocês parecem suspeitos. — Ele parou diante dos dois. — Discutindo segredos de
Estado?
— Chegou perto. Falando desse fim de semana.—Heath pegou um maço de cigarros em
um dos bolsos laterais da calça cargo Allen B.
Brandon virou-se para Tinsley.
— E por falar nisso, como está Callie?
Tinsley o olhou desconfiada.
— Está bem. — Quando é que ele ia superar isso? — Na verdade está ótima.
Brandon equilibrou a bota Salvatore Ferragamo cinza no primeiro degrau. Ele devia ser,
era, o único cara na Waverly que engraxava os sapatos regularmente. Sujeito esquisito.
Brandon era ultrametrossexual, com seu guarda-roupa perfeito e cheio de estilo e a
completa invisibilidade de seus poros, algo que não era natural num homem. Não
surpreende que Callie o tenha trocado por Easy Walsh, um ultra-sexual, se é que Tinsley
já tinha visto um na vida. E Heath era o quê? Só sexual?
— Não a tenho visto. — Brandon se curvou e esfregou uma mancha de terra no sapato.
— É, bom. — Tinsley deu de ombros. — Ela anda ocupada.
— Ela não tem ido ao salão de jantar ultimamente. Ela está sem comer de novo? — Que
bonitinho Brandon se preocupar com o bem-estar de Callie. Embora ela realmente
estivesse magra demais.
Mas antes que ela pudesse responder, Heath deu uma gargalhada. Pegou o braço de
Tinsley numa angústia fingida e gemeu:
— Você tem que me contar! Ela está tomando as multi-vitaminas? Ela tem feito o dever
de casa de biologia? — Heath desabou de rir. —Você parece a porra da mãe dela!
Brandon olhou para ele com raiva.
— Vai se foder, Heath. E aí, quantos quartos pegou no Ritz? — perguntou ele
despreocupadamente, mudando de assunto.
— Duas suítes presidenciais.
— Acha que vai ter espaço para todo mundo? — Brandon franziu a testa. — Não vão
umas dez ou doze pessoas? Onde é que todo mundo vai dormir?
Heath se colocou de pé num salto e rebolou os quadris, como se tentasse dançar a hula
em volta deles.
— Onde é que todo mundo vai dormir? — repetiu ele em falsete, fazendo Tinsley rir. —
Cara, se eu puder evitar, ninguém vai ter muito sono.
Brandon revirou os olhos.
— Talvez eu pegue um quarto particular. Para mim e Callie.
— Por quê? Para poder ver Diário de uma paixão? Como se fosse a primeira vez? —
Heath deu uma gargalhada de novo. — Jerry Maguire? Cara, é uma porra de uma festa.
Tinsley riu. Heath tinha que ser o próximo na lista de ficadas da Café Society. Talvez
Callie o achasse vulgar, mas ele era dez mil vezes mais divertido do que Brandon. Seria
uma boa diversão e ele era ligadão. Tinsley se desligou enquanto Brandon e Heath
continuavam a brigar feito meninas. Os calouros que atravessavam a quadra olharam
pasmos enquanto ela esticava as pernas e bocejava. Era tão bom ter voltado. Mas uma
determinada menina a encarava com tanta intensidade... Ah, que droga. Era aquela
praticamente albina da Yvonne, a da turma de italiano de Tinsley que sempre tentou se
juntar a ela quando tinham que trabalhar em dupla. Felizmente, Tinsley conseguia evitar
as pessoas com habilidade, e ela se xingou por não fingir que não tinha visto Yvonne
porque ela estava vindo na direção deles.
Yvonne foi até eles, numa blusa branca abotoada e calça azul-marinho da J. Crew cheia
de sapinhos verdes — o tipo de calça que devia ser usada com ironia, coisa que Yvonne
não tinha.
— Oi, Tinsley — guinchou Yvonne, incapaz de olhar diretamente para ela. Tinsley
sentiu os olhos de Yvonne em sua testa. Tinsley lhe abriu um sorriso curto e superficial
que a estimulasse a continuar andando.
Mas Yvonne não entendeu ou estava decidida demais a falar.
— Todo mundo está falando da sua, hummm, viagem a Boston. Eu fiquei me
perguntando, quem é que vai? O alojamento todo? Mais alguém pode ir?
Tinsley sentiu Brandon e Heath olhando para ela e sabia que Heath estava reprimindo o
riso. Fala sério, o que essa garota pensava? Que Tinsley diria, animada: "Ah, sim, venha
com a gente e trate de levar todos os seus amigos do clube de matemática e da banda de
jazz"? Tinsley tentou tirar o olhar de você-ficou-maluca do rosto e fez a voz mais gentil
que podia, só porque essa coitadinha era tão sem-noção que não seria bom humilhá-la.
— Só a sociedade secreta. Desculpe.
Quem sabe na próxima encarnação?
OwlNet-------------- Caixa de Entrada de E-mail
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Para: Alunos da Waverly
De: ReitorMarymount@waverly.edu
Data: Quarta-feira, 18 de setembro, 15:01h
Assunto: Demissão de Eric Dalton
No dia de hoje, Eric Dalton se demitiu de seu cargo na Waverly.
Seus cursos de história das civilizações antigas e latim para iniciantes serão ministrados
por outros membros competentes do departamento até que possamos encontrar um
substituto adequado. Os alunos devem comparecer à aula amanhã, como sempre.
Os alunos que tinham Eric Dalton como orientador poderão ser reencaminhados. Os
respectivos diretores dos alojamentos entrarão em contato em breve.
Obrigado por sua cooperação,
Reitor Marymount
________________________________________________
OwlNet-------------- Caixa de Mensagem Instantânea
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AlisonQuentin: Caramba, dá para acreditar que Dalton se demitiu? Só de ouvir o cara
recitar Caio Catulo eu ficava ligada...
AlanStGirard: Se o latim te excita tanto, venha a meu quarto que vamos ver Calígula.
AlisonQuentin: Vc é tãããão vulgar... Isso é pornô!
AlanStGirard: Não é pornô. É histórico.
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OwlNet-------------- Caixa de Mensagem Instantânea
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HeathFerro: Soube que Dalton foi flagrado fumando ópio na sala de livros raros,
pelado, com a turma de latim para iniciantes.
EasyWalsh: Nem sonhando.
HeathFerro: Parece meio quente. Por falar em quente, soube que sua garota estava
envolvida.
EasyWalsh: Cala a boca, cara.
HeathFerro: É sério. É sééééériooooo...
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OwlNet -------------- Caixa de Mensagem Instantânea
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RyanReynolds: Então o seu namorado foi embora... Quem sabe não podemos sair um
dia desses?
BrettMesserschmidt: Hein, o quê? Acho que está querendo falar com a Tinsley...
RyanReynolds: Quem sabe as duas não estejam interessadas?
BrettMesserschmidt: Não escreva para mim novamente.
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28
UMA WAVERLY OWL SENSATA ENTENDE QUE SÓ PORQUE MORA COM
UMA PESSOA, NÃO QUER DIZER QUE A CONHEÇA.
Naquele final de tarde, todo o campus ainda zumbia com a notícia da demissão de Eric
Dalton. No segundo em que o e-mail do reitor Marymount apareceu nas caixas de
entrada dos alunos, todos tinham uma opinião para o motivo de o professor ter sido
demitido, embora Callie tivesse certeza absoluta de saber o porquê: claramente, Brctt
descobrira sobre Tinsley e o Sr. Dalton.
Callie abriu a porta do salão de jantar e foi recebida pelo cheiro nauseante de feijão
frito. Noite de comida mexicana. Que ótimo. Ela pôs a mão na barriga, como que para
se tranqüilizar de que ainda estava achatada, e brincou com a gola do cashmere roxoclaro
com capuz Ya-Ya. Mesmo que Tinsley de repente fosse sua única amiga, ela não
podia deixar de ficar satisfeita por Brett. Com sorte, nem ela nem Tinsley sufocariam a
outra enquanto dormisse—era só do que ela precisava.
— Dá pra acreditar? — Callie girou e viu Tinsley parecendo incomumente perturbada.
Mexia nervosa nos botões de pérolas na gola da blusa de cetim de seda de visual
vitoriano. Sua pele estava quase completamente coberta, então, como é que todos os
meninos ainda olhavam para ela? Callie teve vontade de arrancar os cabelos de inveja.
— Mais ou menos.—Callie ajeitou a pulseira de pingente. — Nem vem que você sabia
que a Brett um dia ia revidar.
Tinsley olhou para Callie meio murcha, depois sorriu.
— Então foi mesmo a Brett?
— Deve ser, né? —As duas meninas foram para a fila da comida. — Por que outro
motivo ele pediria demissão? — Callie deu uma risadínha. — A não ser que ele tivesse
medo de que Tinsley Carmichael fosse mulher demais para ele.
— Ele sem dúvida não teve queixa alguma em Nova York. — Tinsley riu.
— Já falou com ele?
Tinsley pegou a bandeja. Nunca admitiria isso, mas parte de sua excitação com Dalton
vinha do fato de que ela o estava roubando de Brett. Uma vez que isso acabou, passou
também a ânsia de ficar com ele. Ela nem pensou em mandar um e-mail a ele para saber
o que estava acontecendo — de certo modo, nem ligava. Já estava na hora de ela fazer o
próximo movimento.
— Não.
— E vai fazer isso? — Callie bateu as unhas roídas na bandeja de plástico enquanto elas
esperavam na fila do taco. — Tacos. Que horror.
Tinsley franziu o nariz.
— Parece noite de salada. — Ela andou para o balcão de saladas. Callie a seguiu.
Tinsley ainda não respondera a sua pergunta. Parecia distraída.
— Tem outra coisa que você precisa saber. — Tinsley não conseguia imaginar uma
hora pior para dar a Callie a má notícia: no salão de jantar, diante de toda a população
da Waverly. Mas queria que ela soubesse antes de voltarem ao alojamento esta noite,
para que ela estivesse preparada. Ela juntou os lábios.
— O que é? — Callie pegou um prato branco, ainda quente do lava-louças, do outro
lado do balcão de saladas e começou a se servir de salada verde recém-lavada.
Tinsley baixou a bandeja.
— Eu sinto muito que eu esteja contando a você, mas não quero que descubra por outra
pessoa. — Ela respirou fundo e Callie a olhou alarmada, os olhos se encontrando
através da proteção de plástico. — Jenny e Easy estão totalmente juntos.
Callie parou com a colher a meio caminho do prato.
— Como é?—A temperatura de seu corpo caiu uns vinte graus de imediato. As mãos
ficaram úmidas. Ela largou a colher de madeira na tigela de verdura. — Isso não é
verdade.
Tinsley rapidamente pegou a bandeja e correu para o lado de Callie no balcão. Ela
parecia estar a ponto de desmaiar.
— Desculpe. Mas é isso mesmo. Eu vi os dois em Nova York juntos.
— Mas isso não quer dizer nada... — A voz de Callie falhou. O olhar de pena de
Tinsley só podia significar uma coisa, era mesmo verdade. Easy gostava de Jenny?
Daquela nanica? Com aqueles peítões que pareciam deformados? De verdade? Jenny
garantira a ela, lhe prometera, que não estava rolando nada! Aquela mentirosa!—
Como Jenny pôde fazer isso? Nós moramos juntas. Eu falo com ela todo dia, porra!
Como é que ela não me contou?
Tinsley pegou o braço de Callie.
— Provavelmente ela não queria chatear você.
— Aquela vaca. — Callie estremeceu e olhou para baixo, vendo-se segurando o garfo
na posição de ataque. Se Jenny quisesse viver, naquela noite teria que dormir em outro
lugar.
29
UMA WAVERLY OWL NUNCA ENTRA SEM ALIADOS NUMA BATALHA.
— Espera! —Jenny viu Brett saindo da biblioteca naquela noite, o cabelo ruivo e liso
balançando enquanto ela descia a escada. Havia uma animação clara naquele andar. Os
sapatos Prada de salto alto praticamente pulavam pela calçada. Ela girou o corpo, viu
Jenny e sorriu.
— Oi. — Brett tirou uma mecha de cabelo dos olhos.
— E bom ver você sorrindo. —Jenny passou a alça da pesada bolsa de camurça pelo
corpo; era pesada demais para carregar de um lado, mas ela odiava quando a alça ficava
entre seus seios, chamando mais atenção ainda para eles do que o normal. É claro que
uma mochila teria sido ainda pior.
Brett riu.
— Sei que não devia ficar tão feliz, mas não consigo evitar. É simplesmente... justiça
poética, sabe como é. Mesmo que Tínsley vá me matar. — Agora a idéia de dividir um
quarto com Tinsley a deixava fisicamente doente. Era difícil acreditar que no ano
passado elas faziam as unhas uma da outra e fofocavam sobre as mais recentes
paixonites. — Não a vejo desde que saiu a novidade.
Elas riram enquanto voltavam ao alojamento. Lá dentro, a porta para o quarto 303 do
Dumbarton estava aberta e "ABC" dos Jackson Five berrava do iPod de Callie.
— Que ótimo — cochichou Brett enquanto ela e Jenny se aproximavam. — Elas estão
fazendo uma festinha-disco.
— Oi, Cal—Brett cumprimentou Callie ao passar pela porta.
— Oi. — Callie assentiu, vestindo o pijama. Uns fios de seu cabelo louro-arruivado
estavam eriçados de estática. Ela se jogou na cama desfeita.
— Parece que está de ótimo humor — disse Brett, colocando com cuidado a bolsa Prada
antiga no chão.
Callie não respondeu. Passou o elástico de cabelo que mantinha no pulso, fez um rabode-
cavalo e mexeu nos botões do iPod. A música mudou para uma canção melancólica
do Belle & Sebastian.
— Eu adoro essa música — disse Jenny. Callie a fitou, os olhos castanhos focalizados e
frios, e desligou o aparelho. De repente o silêncio no quarto foi ensurdecedor. Putz.
— Mas olha só quem está aí — disse uma nova voz, e as três viraram a cabeça e viram
Tinsley, com o roupão de banho de algodão egípcio, brincando com a tampa de uma
garrafa de Evian. — Callie e eu queríamos conversar uma coisa com vocês duas. Só
queríamos dizer que as duas não podem mais pertencer à Café Society.
A cara vermelha de Jenny ficou ainda mais vermelha. Ela olhou para Brett. Por que
Tinsley estava fazendo isso? Parecia uma declaração de guerra aberta.
As sobrancelhas de Brett se uniram de forma ameaçadora.
— Ah, é?—Ela pegou o bastão de hóquei Brine como se estivesse se preparando para
arrebentar a cabeça de Tinsley. — Por causa de Eric?
Tinsley encostou a cabeça na soleira da porta.
— Eric? — perguntou ela despreocupadamente. Tinsley fingiu pensar.—Na verdade
sim, estou meio irritada com você por conseguir a demissão dele quando estávamos
começando a ter intimidade.
— Como pode dizer isso com essa cara-de-pau? — perguntou Brett. — Quem você
pensa que é?
— No seu lugar, eu não faria essa pergunta. — Tinsley andou pelo quarto e largou a
garrafa de água na mesa-de-cabeceira antes de se virar para Brett. — Eu sei quem eu
sou. Você sabe?
Jenny, que acompanhava apavorada o diálogo rápido, sentiu-se completamente perdida.
O que Tinsley estava insinuando? O que quer que tenha sido, chocou Brett e fez com
que se calasse de imediato.
Brett deu as costas a Tinsley. De repente veio à sua mente uma citação de Dorothy
Parker: "A mulher fala 18 línguas e não consegue dizer 'não' em nenhuma delas."
Quando se virou, seu rosto estava mais composto e os lábios não tremiam:
— Sei que não sou uma vagabunda.—Ela retribuiu o sorriso sórdido de Tinsley. —Já é
alguma coisa.
— Então devia pensar em com quem você anda—Callie falou pela primeira vez desde a
chegada de Tinsley. Estava encarando Jenny e de repente sua fúria fez muito mais
sentido. Tinsley deve tê-la visto com Easy em Nova York no dia anterior.
Por um segundo, Jenny pensou que talvez pudesse melhorar a situação se prometesse
não ver mais Easy. Talvez as coisas voltassem ao que eram na primeira noite na
pizzaria. Ela queria desesperadamente ter aquela sensação de novo — a sensação de
pertencer a um grupo, de tomar porre com as meninas descoladas, de conseguir que
gostassem dela. Mas o segundo passou. A quem ela estava enganando? Em toda sua
vida, jamais quis tanto ficar com um cara como queria ficar com Easy Ela não o trocaria
nem por todas as Tinsley Carmichael e Callie Vernon do mundo.
Brett estava prestes a vir em defesa de Jenny quando esta surpreendeu a si mesma se
defendendo sozinha.
— Sei por que está com raiva de mim — disse ela suavemente. — E sinto muito. Eu
não queria que acontecesse, mas devia ter sido sincera com você desde o início.
Callie não tinha a capacidade de Tinsley de controlar a raiva com elegância. Em vez
disso, sua pele normalmente perfeita ficou vermelha e manchada e sua pálpebra
esquerda começou a tremer. Ela parecia desequilibrada.
— Você é uma mentirosa — rosnou ela.
— Não percebem que estão sendo hipócritas? — Brett repreendeu Callie. —Está puta
com Jenny por ficar com Easy depois que vocês terminaram, enquanto ela — Brett
gesticulou para Tinsley com a ponta curva do bastão — começou a dar em cima de Eric
enquanto eu ainda estava com ele?— Ela olhou para Tinsley. — Isso é tão... nojento.
— Meu bem — Tinsley olhou para Brett com pena —, você nunca ficou com ele.
— Vai se foder! — Brett girou para Callie. — E vai se foder você também. Podem ficar
com sua Café Society idiota e egoísta e seus joguinhos imbecis de merda.—Brett
sacudiu a cabeça. O cabelo vermelho estava desgrenhado, mas suntuoso. — Tenho coisa
melhor para fazer. — Depois dessa, ela saiu do quarto, deixando o silêncio em seu
rastro.
Jenny olhou para Callie. Tinsley era uma tremenda piranha, mas ela ainda parecia ter
uma dívida com Callie. Afinal, Jenny mentiu para ela.
— Me desculpe — disse ela. — Quem sabe um dia você poderá me perdoar?
O olho de Callie tremeu. Mas nem pensar mesmo.
30
UMA WAVERLY OWL INTELIGENTE SABE QUE UM BEIJO NUNCA É
APENAS UM BEIJO.
Felizmente era sexta-feira. Jenny procurara por Easy durante toda a quinta, mas não
conseguira encontrá-lo. Queria falar com ele sobre Callie e sobre sua expulsão da Café
Society, mas dada a irritação em que Callie estava, ela não queria ficar andando pelo
campus, perguntando se alguém o tinha visto. Easy devia estar com Credo, curtindo o
maravilhoso céu azul antes de ficar frio e sombrio. Mas era mesmo meio estranho que
ele tivesse sumido. Eles se divertiram tanto em Nova York e eles flertaram durante toda
a aula da tarde de quarta-feira. Easy não estava com saudade dela?
Agora era sexta, o que significava aula de artes de novo. Ela passou pela porta e viu
Easy pegando seus pastéis e um bloco grosso de papel na estante de suprimentos. Ela
apareceu por trás dele e passou a mão em seus ombros.
— Oi.
Easy ergueu a cabeça. Seus enormes olhos azuis pareciam estressados, mas felizes por
vê-la.
— Ah... Oi. — Ele abriu um sorriso distraído.
— Está tudo bem com você? —Jenny olhou em volta procurando pela Sra. Silver, que
andava pela sala, dando uma olhada nos alunos.
— Eu estou bem. — Easy olhou para ela. — E aí?
— Posso falar com você um segundo? —Jenny sorriu para Alison, que agora pegava o
bloco de desenho na prateleira ao lado da de Jenny. Ela ergueu uma das sobrancelhas
finas para Easy e assentiu, o cabelo escuro num rabo-de-cavalo. Jenny sentiu uma
pontada de arrependimento por ter sido expulsa sem a menor cerimônia da Café Society.
Mas isso não significava que sua vida social na Waverly acabara, não é?
— Aqui? — Easy parecia em dúvida.
Jenny pegou seu braço, sentindo outro arrepio de excitação ao tocar nele.
— Não, vamos na sala do forno.
Easy ergueu as sobrancelhas.
— Isso parece meio descarado. —Jenny riu.
Ela o puxou para a salinha no canto da estante de suprimentos. Era escura com uma
única janela que dava para o Hudson. Dois fornos grandes e três pequenos tomavam a
maior parte do espaço, e a sala tinha cheiro de argila e terra. Prateleiras de cerâmica em
graus variados de acabamento revestiam as duas paredes. Era um lugar romântico e
lembrou a Jenny da cena sexy em Ghost, quando Patrick Swayze e Demi Moore ficam
loucos com a argila na roda de cerâmica. Hummm. Jenny parou perto de Easy e olhou
para ele com desejo.
Easy sorriu para ela.
— Era disso que você queria falar?
Isso trouxe Jenny de volta à realidade.
— Humm, não. Só queria dizer que fui expulsa da Café Society. — As palavras
pareciam tão bobas. — Acho que não vou a Boston.
Easy não pareceu muito surpreso.
— É?
— É. —Jenny olhou as sapatilhas de balé em xadrez preto -e-branco, — Então—disse
ela, nervosa —, você ainda vai?
Easy soltou a respiração e Jenny olhou para ele alarmada. Pela primeira vez, começou a
pensar que talvez houvesse alguma coisa seriamente errada. As palmas de suas mãos
começaram a suar. Mas ele não se divertiu em Nova York?
— Ainda não tenho certeza — admitiu ele.
— Eu... Eu fiz alguma coisa? Para você ficar chateado comigo? —Jenny mordeu o lábio
de nervosismo.
— Não sei. — Ele se virou por um minuto e brincou com um vaso de cerâmica na
prateleira de cima. Estava sendo um babaca; sabia disso. Mas sua mente se atinha
àquela coisa horrível que Tinsley lhe dissera na cidade, que Jenny ficara com outro
sujeito, e a mensagem instantânea de Heath. Ele precisava descobrir se era verdade e
esperava que Jenny o perdoasse se ele estivesse errado. Mas ele precisava saber.—Há
alguma possibilidade de você ter ficado com outro cara? Na segunda à noite?
A boca de Jenny se abriu. Podia sentir o rosto ficando carmim quando se lembrou do
beijo idiota no cara da pizzaria.
— Ah, meu Deus... Foi mesmo aquela idiotice que aconteceu. —Ela olhou os sapatos de
novo.—Foi um rito de iniciação para a sociedade da Tinsley. Nós meio que beijamos
aquele...
— Peraí um minutinho. —Easy agitou as mãos.—Como é que vocês "meio que
beijaram" alguém? — Os olhos dele estavam em brasa. — Ou você beija alguém, ou
não beija.
— Easy, me desculpe. Eu sinto muito. — Os enormes olhos castanhos de Jenny, aqueles
nos quais ele confiava, se encheram de lágrimas, mas Easy estava irritado demais para
se comover. —Eu o beijei, mas não queria. Foi só uma... Uma bobeira. Tipo um jogo...
Eu tinha que fazer. E eu... Eu não sabia se estávamos exatamente juntos...
— Como assim? Sua boca encontrou a do cara por acaso? —Ele sacudiu a cabeça,
descrente. — Não acredito nisso. — Easy pegou uma tigela feia e torta e cravou os
dedos nela. Teve vontade de atirá-la na parede e vê-la se espatifar em mil pedaços. Ele
pegou a maçaneta da porta.
— Aonde você vai? — gemeu Jenny. As mãos dela remexiam no fio solto da bainha do
suéter rosa-claro.
Ela estava tão doce e tão perturbada que Easy quase mudou de idéia. Seu coração estava
tão cheio de sentimento que ele podia cometer um erro imenso, terminando com uma
coisa que parecia grande, e isso antes até de ter a oportunidade de realmente começar.
Mas ele imaginou a boca de um babaca qualquer espremida na dela e Jenny retribuindo
o beijo. Ele abriu a porta.
— Tenho que ir para a aula. Estou sob condicional, lembra?
Jenny assentiu, infeliz.
— Mas, por favor, você precisa entender. Não podemos conversar sobre...
— Acho que a gente não deve conversar por algum tempo. —Ele olhou para ela por
sobre o ombro, hesitou mais uma vez, depois saiu.
OwlNet-------------- Caixa de Entrada de E-mail
________________________________________________
Para: CallieVernon@waverly.edu;
SageFrancis@waverly.edu;
BennyCunningham@waverly.edu;
AlisonQuentin@waverly.edu; VerenaArneval@waverly.edu
De: TinsleyCarmichael@waverly.edu
Data: Sexta-feira, 20 de setembro, 20:09h
Assunto: Relax no Ritz
Meus amores,
A noite de amanhã começa com coquetéis às 18h em ponto, na suíte 605, no Ritz de
Boston. Para ficarmos à vontade em nosso ambiente elegante, o traje exigido é glam
glam glam.
Não se esqueçam da escova de dente e de pijamas sexies, se pretendem vestir alguma
coisa.
Nossa próxima vítima? É verdade que ele é muito presepeiro, mas não há ninguém na
terra mais preparado para se divertir do que o Sr. Heath Ferro. Espero que todas nós
fiquemos com ele pelo menos uma vez a noite toda. Vamos fazer com que ele mereça a
fama de "pônei".
Conspiratoriamente,
T
________________________________________________
OwlNet-------------- Caixa de Mensagem Instantânea
________________________________________________
CallieVernon: Ai meu deus, Heath? Tá brincando? Ele é tão rodado que chega a feder a
sujo.
TinsleyCarmichael: Tsc, tsc. Você sabe que ele é o cara mais sexy que resta no
campus... A não ser que ache que Easy esteja interessado em ser o próximo projeto da
sociedade...?
CallieVernon: Não começa não.
________________________________________________
OwlNet-------------- Caixa de Mensagem Instantânea
________________________________________________
HeathFerro: Que trem vc vai pegar para Boostoon?
EasyWalsh: Vou de carona com Jeremiah, do Lucius. 2 lugares.
HeathFerro: Olha só que foda: as meninas vão dar para mim hoje à noite.
EasyWalsh: Meus parabéns.
HeathFerro: Tá com muita inveja?
EasyWalsh: Cara, dá pra vc ser mais mulherzinha do que isso?
HeathFerro: Dá. Mas depois vou ter que trepar comigo mesmo.
EasyWalsh: Posso imaginar.
________________________________________________
31
UMA BOA WAVERLY OWL SABE SE DIVERTIR.
Às 18h a suíte presidencial 605 era o centro da festa. As meninas transformaram em bar
a mesa de jantar de mogno polido, com garrafas de vinho pedidas pelo serviço de quarto
e várias garrafas de vodca e água tônica. Bandejas enormes de queijos estrangeiros,
torradas e outros hors d'oeuvres sofisticados mas inidentificáveis enchiam a mesa. O
iPod e o Bose SoundDock de Tinsley estavam empoleirados em uma mesa de canto ao
lado da televisão de gabinete, e a TV estava ligada no Turner Classic Movies, mas
muda. Humphrey Bogart e Lauren Bacall brincavam em silêncio na tela em preto-ebranco.
Callie, com um vestido de chiffon vermelho de cintura império ABS e uma saia
pregueada, recém-comprados em uma daquelas butiques minúsculas de sobreloja e
preços exagerados na Newbury Street, desabara infeliz numa poltrona de camurça cor
de milho. A suíte em si era estonteante — o tipo de quarto de hotel que teria
impressionado até a mãe enjoada de Callie — mas Callie não conseguia desfrutar dela.
Sentia falta de Brett, que devia estar fumando cigarros com a traidora da Jenny agora
mesmo e rindo de como escaparam de vir a essa festa idiota em Boston. Grrr. Pensar em
Jenny — e em Jenny com Easy, o Easy dela — a fez estender a mão para a taça de
chardonnay.
— Está quase na hora! — anunciou Sage Francis com uma voz alegrinha, tocada de
vinho. Se ela já estava meio bêbada, ia desmaiar no chão quando as coisas realmente
esquentassem, pensou Callie amargamente. Sage se aproximou ansiosa da porta de
comunicação para o quarto 606, que Tinsley insistira que ficaria fechada até as 18h.
Uma batida grave e alta veio do outro lado da porta. Sage pulou para trás e as meninas
riram.
— Vai em frente — concordou Tinsley. — Está na hora. — Todas as meninas estavam
de vestido, exceto Tinsley, que colocara uma calça de cetim preto Theory bem justinha.
O paletó de smoking era justo e de decote baixo, e não havia espaço para mais nada por
baixo dele. Ela parecia a Angelina Jolie na noite do Oscar em que vestiu um terno. —
Não se esqueçam de quem é o próximo na nossa lista, senhoritas.
— Aposto que ele será o primeiro a passar pela porta. — Celine Colista ajeitou as flores
frescas em um dos seis vasos espalhados pelo quarto e olhou ressentida a roupa de
Tinsley. Ela parecia chata e convencional com o vestido preto de noite.
— Mulheres, mulheres em toda parte! — Heath Ferro explodiu ao entrar no quarto,
vestido num paletó de smoking de seda vermelha e parecendo o Hugh Hefner. — É
assim que gosto de ver. — Ele continuou a ronda pelo quarto, dando a todas uma
beijoca no rosto e a oportunidade de sentir seu paletó de seda.
— Eu te disse. — Celine cutucou Benny Cunningham na cintura.
— Não fique tão afável — brincou Tinsley enquanto Heath se inclinava para Callie e
lhe dava um beijo molhado no rosto.
— Nem tão espalhafatoso. — Callie quase pulou ao som da voz conhecida e arrastada.
Easy entrara no quarto, usando a camiseta dos Hives e as calças cinza Ben Sherman que
só vestia quando tinha que se produzir. O coração de Callie começou a bater mais
rápido. Desde que expulsaram Jenny e Brett da Café Society, Callie imaginara que Easy
ficaria com Jenny naquele fim de semana. Ela fingiu estar com raiva dele, mas, meu
Deus, só o que queria era que ele a beijasse novamente, como costumava fazer.
Heath passou o braço nos ombros magros de Easy e plantou um beijo molhado no rosto
dele.
— Não fique com inveja, cara. Tem muito amor para todo mundo. — Heath pegou o
chapéu de feltro de Easy e o colocou na cabeça de Tinsley.
Então por que era que Easy estava aqui e não se aconchegando com Jenny em um dos
quartos vazios do alojamento? Será que já havia um problema no paraíso? De repente
Callie ficou muito mais interessada na festa. Ela decidiu encher a taça novamente.
— Estou surpresa de ver você aqui. — Callie baixou a taça na mesa de mogno enquanto
Easy se servia de vodca com tônica.
— Por que isso? — Easy colocou uma fatia de limão no drinque e bebeu um longo gole.
— Você sabe. — Callie parou sugestivamente e esperou até que ele se virasse para ela.
— Pensei que estivesse sob condicional.
— Ah. — Easy coçou atrás da orelha esquerda, algo que ele sempre fazia quando não
queria falar de algum assunto. Callie teve que se obrigar a se acalmar. Só porque ele
parecia distraído, não queria dizer necessariamente que as coisas tenham acabado com
Jenny.—Tanto faz. Agora que Dalton não está mais lá, não tenho que ficar tão atento.
Mas ainda assim... Se ele gostasse tanto de Jenny, estaria com ela agora e não a
trezentos quilômetros de distância, em um quarto de hotel cheio de meninas bêbadas e
lindamente vestidas, não é?
Callie se aproximou um pouco mais dele.
— Engraçado como isso aconteceu, né? Quer dizer, o
Dalton de repente pede demissão. — Callie jogou o cabelo por sobre o ombro, tentando
fazer com que Easy tivesse uma boa visão de seu pescoço, que costumava ser uma das
partes dela de que ele mais gostava.
Easy sorriu para Callie e parecia que ela acabara de engolir um chocolate quente
batizado com Kahlúa, pelo modo como seu corpo esquentou de dentro para fora.
— Eu não sei de nada. — Ele ergueu as sobrancelhas misteriosamente.
— Só estou feliz por ter vindo. — Callie colocou a mão no braço nu de Easy e sentiu o
formigamento surgir na ponta dos dedos.
Easy olhou a mão dela.
— O que está fazendo?
— O quê? — Callie retirou a mão e Easy foi para a sacada, onde Jeremiah e Benny
estavam fumando.
Callie sentiu a mão em sua cintura.
— Você está uma deusa. — Ela girou o corpo, o cabelo voando nos olhos de Brandon.
Ele não pareceu se importar. Com a calça listrada de lã italiana Theory e a camisa preta
Hugo Boss, ele estava exatamente como sempre: sofisticado, atraente e completamente
chato. — Como Afrodite. A deusa do amor.
— Er, obrigada. — Callie viu alguém mudar a música para alguma coisa dançante.
Serviu-se de outra taça de vinho.
— Quando quiser um intervalo nisso aqui, podemos voltar para o quarto que reservei.
Para nós.
— Brandon. — Callie passou as mãos no rosto, arriscando-se a borrar a maquiagem.
Mas, meu Deus, qual era a do Brandon? Ele realmente achava que ela ia sair da festa
para voltar ao quarto vazio dele e namorar? Desde que ela o beijou na semana anterior,
ele estava agindo como se os dois tivessem voltado. Ela olhou em volta, procurando por
Easy. — Estamos numa festa. Aja de acordo com isso.
— Pode me culpar por querer ficar sozinho com você? Você está tão linda. Eu só
quero... Ficar perto de você. — Tá legal, isso era meigo. Callie se sentiu um pouquinho
melhor, mas não o suficiente para sair com ele.
— Não posso culpá-lo por tentar. — Callie afagou o rosto dele. — Mas pare com isso.
— Vocês parecem casados há um tempão. — Alan St. Girard apareceu e colocou um
braço em volta de cada um deles. Alan fez um biquinho para Callie. — Sobrou algum
amor para mim?
— Meu bem... — começou Brandon.
Meu bem?
— Eu não sou seu bem, Brandon Buchanan. — Ela agitou a taça de vinho para ele.—Eu
não sou o bem de ninguém, tá legal?—Ela o fitou, furiosa de repente porque o único
cara que a amava era o chato previsível do Brandon. Ela ia mostrar a ele. Ela era
qualquer coisa, menos chata.
32
UMA WAVERLY OWL NÃO DEIXA A AMIGA BÊBADA PARA TRÁS — EM
ESPECIAL COM SEU CELULAR.
— Não fica tudo tranqüilo sem a Tinsley e a Callie por aqui? Posso sentir minha
pressão sangüínea baixando agora mesmo.—Brett esticou as pernas compridas no braço
do sofá da sala de estar do Dumbarton. Como todas as meninas passavam a noite fora na
reunião da Café Society, todo o alojamento parecia mais silencioso. Ela vestia uma
camiseta verde-lima de manga curta com calça preta de boca larga. No colo, havia uma
tigela de plástico cheia de pipoca de microondas amanteigada, recém-preparada e meio
queimada.
Jenny abriu uma das janelas e agitou as mãos para afastar parte da fumaça de pipoca
queimada.
— Sei o que quer dizer. — Ela respirou o ar frio da noite, deixando que beliscasse seus
pulmões. —As duas... Elas meio que me fazem esquecer de como gosto daqui.
— É. Ontem à noite mesmo, andando pelo pátio, olhando tudo e vendo todas aquelas
estrelas... Quer dizer, o céu não é igual ao de Nova Jersey. — Brett pegou a garrafa de
Stoli na bolsa de couro vermelho Sigerson Morrison. Já estava pela metade. Colocou
um pouco mais na caneca de suco. — Precisa de refil?
— Obrigada. —Jenny lhe passou a caneca. Brett era de Nova Jersey? Jenny tinha a
impressão de que ela era de East Hampton, Nova Scotia ou coisa assim.—Eu amo muito
isso aqui. Faz com que eu me sinta tão... sei lá... saudável. — Parecia uma coisa boba,
mas era verdade. A Waverly, com seus campos de atletismo bem-cuidados, bibliotecas
sofisticadas e ateliês de arte, sua população de alunos de sangue azul com o ar
aristocrático perfeito e suéteres de cashmere, parecia estranhamente uma espécie de
paraíso na terra. E embora Jenny às vezes se sentisse meio estranha, algo lhe dizia que
ela pertencia a este lugar.
Brett sorriu.
— É, deve ser toda a birita, a maconha e o sexo rolando que te dá essa impressão. —
Ela tirou um fio de cabelo vermelho dos olhos e o examinou em busca de pontas soltas.
— Mas sei o que quer dizer. Também adoro este lugar. — Seus olhos se anuviaram um
pouco. — Imagine como seria perfeito se Tinsley não tivesse voltado.
Jenny nem queria pensar nesse assunto. Sim, seria o céu se Tinsley simplesmente
evaporasse no ar, se ela fugisse como um desses executivos internacionais e ricos que
conhecesse nos salões do Ritz-Bradley.
— Parece que ela quer pegar a gente.
— Deve ser porque quer mesmo. — Brett se sentou e colocou a tigela de pipoca na
mesa.—Mas sabe de uma coisa, ela que se foda. Fodam-se todas as outras meninas. O
que elas estão fazendo agora? Tomando um porre. Heath deve estar correndo por lá
pelado, tentando apalpar todo mundo.
Jenny se encolheu com a imagem desagradável. De repente ela ficou totalmente aliviada
por não ter ido a Boston, com Tinsley, Callie e as outras meninas. Estava feliz por ficar
aqui, comendo pipoca com Brett e fofocando. Se ao menos Easy não estivesse em
Boston. Se ao menos Easy não estivesse furioso com ela.
— Estou com saudade de Easy.
Brett abriu a lata de Diet Coke.
— Eu sei, também estou com saudade de Jeremiah. — Desde aquele dia no cemitério,
ela andou pensando muito nele. Ela se perguntou se ele estava com alguém do St.
Lucius. Ele não falou de outras garotas, mas era difícil acreditar que ele podia ficar
sozinho por muito tempo. Ele era o astro do time de futebol americano e era sensual
daquele jeito meio bobo e natural dele, que encantava todos os membros do sexo
oposto. Ocorreu-lhe uma imagem dele com a samba-canção Gap e ela quase pôde sentir
sua mão percorrendo os músculos esculpidos da barriga dele. Hummm. — De repente
eu não devia ter terminado com ele.
— É mesmo? —Jenny gostava da idéia de Brett ter um namorado que não fosse
professor, e Jeremiah era um gato. — Ele parece mesmo um doce quando você fala
dele.
Brett gemeu e pegou um punhado de pipoca.
— Ele é mesmo um doce. Não sei o que eu estava pensando... Toda a história de Eric foi
uma merda. — Brett colocou uma única pipoca na boca e mastigou pensativamente. —
Acho que fez com que eu me sentisse especial ter uma pessoa como Eric interessado por
alguém como eu. Ele praticamente é, tipo assim, um Rockefeller...
— O que quer dizer com alguém como você? É claro que ele ficou interessado em você.
— Para Jenny, era difícil imaginar alguém tão linda, tão inteligente e divertida como
Brett tendo problemas de auto-estima. Isso estava reservado para pessoas como a
própria Jenny!
Brett suspirou e tomou um longo gole da caneca antes de tombar a cabeça no sofá.
— É, bom, se você conhecesse toda a minha história, não pensaria assim.
Jenny arregalou os olhos.
— Do que está falando? Você não assassinou ninguém, né?
— Não, não é nada disso. É só que eu, bem, tenho uma família totalmente
constrangedora.—Brett tirou de novo uma mecha de cabelo dos olhos e a fitou, como se
não quisesse olhar para Jenny. — Não posso evitar... Eu simplesmente tenho vergonha
disso. Mas de algum jeito consegui falar com Eric sobre esse assunto e ele me fez sentir
como se não fosse grande coisa. Ele quase pareceu gostar ainda mais de mim por causa
disso.
— Bom, então talvez eu devesse te contar sobre meu pai, porque isso teria feito você se
sentir melhor. —Jenny afundou no sofá ao lado de Brett e colocou os pés na mesa de
centro baixa com tampo de vidro. Não era a idéia mais inteligente para um alojamento:
Jenny podia imaginar a si mesma subindo ali depois de mais alguns drinques.—Uma
vez ele apareceu numa cerimônia de premiação na minha escola usando uma camiseta
com o blazer porque todas as camisas sociais dele estavam amassadas. Você pode achar
que não é tão ruim. Talvez até meio moderno, né? Bom, ele também estava de gravata.
Com a camiseta de Impeach Nkon dele.—Jenny tombou a cabeça, mas teve que rir da
lembrança.—Os outros pais me procuraram depois e me perguntaram se meu pai era um
sem-teto. É sério. Durma com essa.
Brett quase bufou de rir.
— Desculpe.—Ela teve que respirar fundo algumas vezes para manter a compostura. —
Tudo bem, bom, na minha formatura da oitava série, meu pai distribuiu cartões de
apresentação com cupons 10% de desconto para qualquer injeção de colágeno ou
plástica de nariz... Para minhas amigas. E minha mãe? Ela estava com umas botas de
zebra feitas especialmente para ela no Brasil, e todo mundo podia ver a calcinha dela.
— Brett podia imaginar o estardalhaço que essas botas provocariam na Waverly, onde
todas as mães vestiam Ralph Lauren, Chanel e Marni.
— Mas os pais não foram feitos para serem totalmente constrangedores? Se não, não
seriam pais—disse Jenny, com lógica.
— Acho que sim... Só que é estranho, ser esse tipo de garota novo-rica de Jersey, aqui,
no meio de tantas debutantes com dinheiro de família, como Tinsley, Callie e Benny,
né?
De repente, depois de pronunciar as palavras, Brett se sentiu uns dez mil quilos mais
leve. Foi como se sentiu depois de contar a Eric: aliviada. Então, talvez não fosse Eric
que a fizesse se sentir assim—quem sabe era ela mesma? Brett colocou as pernas no
colo de Jenny, a mente voltando a Jeremiah.
— Sabe de uma coisa, quando eu falei com o Jeremiah, ele não estava nem um pouco
chateado comigo. Só lamentou por eu ter me magoado.
— Por que não liga para ele? — sugeriu Jenny. — De repente vai te fazer bem ouvir a
voz dele. — Alguma coisa na vodca a deixava sentimental, como quando Jenny estava
de TPM e, só de pensar em Edward mãos de tesoura, seus olhos se enchiam de
lágrimas. Mas com a vodca, seus sentimentos nem sempre eram tristes, só fortes. Como
agora, pensando em Easy, ela quase podia materializar o cheiro dele.
— Não. Ele está ocupado na festa, Não quero incomodá-lo. — Brett serviu o que
restava do suco na caneca. — E, além disso, eu terminei com ele. Não posso voltar
correndo para ele no segundo em que mudo de idéia. — Seus lábios formaram um
biquinho delicado.
— Não temos outra garrafa de suco no quarto? Acho que eu vi uma — perguntou Jenny
distraída, uma idéia formando-se lentamente em seu cérebro tocado de vodca.
— Tudo bem, preguiçosa. Eu vou pegar. — Brett girou as pernas meio torta para o chão
e se colocou de pé. — Preciso de algo doce mesmo.
Assim que Brett saiu da sala, Jenny pegou o Nokia prata da amiga e procurou o número
de Jeremiah. Seu coração martelava nas orelhas e ela sabia que Brett ficaria furiosa, mas
que tipo de amiga ela seria se não estivesse disposta a correr o risco de irritá-la para o
bem dela?
A caixa postal de Jeremiah atendeu depois de dois toques e Jenny quase se esqueceu do
que ia dizer.
— Oi, er, Jeremiah. Aqui é a, humm, Jenny, amiga da Brett. Desculpe por te ligar...
Espero não estar incomodando. Mas eu só queria que você soubesse que a Brett anda
pensando em você, bem, o tempo todo, e ela sabe que cometeu um erro enorme e quer te
pedir para perdoá-la, mas tem muito medo disso. Quer dizer, ela é totalmente
apaixonada por você, e eu sei disso total porque... —Jenny respirou bem fundo. Isso
estava fazendo algum sentido? — ...porque eu também estou apaixonada por um cara. E
assim sei como é, e ela está tão mal... E as pessoas que estão apaixonadas não deviam
deixar que os mal-entendidos as atrapalhassem.
Brett voltou para a sala e encontrou Jenny usando seu celular.
— O que está fazendo? — guinchou ela, largando a garrafa plástica de suco, estendendo
a mão para o telefone. — Ficou maluca?
Jenny se afastou de Brett e tentou terminar a ligação apressadamente.
— Então, só estou dizendo que você não devia deixar que coisas insignificantes
impedissem você de ser feliz. É verdade. Então, hummm, vou ter que ir porque a Brett
vai me matar. Mas foi bom falar com você. — Ela desligou o telefone e o atirou para
Brett, que estava ali de pé com uma expressão apavorada.
— Não acredito que fez isso!
— Você vai me matar? Brett pensou no assunto.
— E com quem eu ia conversar? — Um sorriso lento e tímido se espalhou por seu lindo
rosto. — Eu só não acredito que você fez isso!
Jenny sorriu, orgulhosa por ter tomado a iniciativa. Se Brett estava tão perturbada por
causa de Jeremiah, significava que ela pertencia a ele, né? E se ela sentia a mesma coisa
por Easy, significava que eles pertenciam um ao outro também. Não é? Ela soprou um
beijo para Brett.
— Talvez um dia você possa me retribuir o favor.
33
UMA WAVERLY OWL ESPERTA SABE (RE) COMEÇAR UMA FESTA.
Depois que rolaram alguns baseados na sacada, a festa ficou mais letárgica. Corpos
sonolentos e satisfeitos se curvavam em vários estados de repouso pela mobília cara.
— Por que todo mundo tem que agir feito um zumbi depois que fuma? — perguntou
Tinsley a Easy, que estava recurvado em um canto do sofá, zapeando desanimado pelos
canais a cabo. Ela bateu a ponta de cetim da sapatilha Kate Spade na canela de Easy.
Pôde sentir as tiras de borracha na panturrilha se afrouxando aos poucos. — Oiê!
— Por que não faz alguma coisa para animar a festa pra gente, Tin?—Heath apareceu
por trás de Tinsley e passou os braços nela. O bafo de uísque chegou a seu nariz.
— Isso parece um desafio. — Tinsley tirou os braços de Heath e andou pela sala. Se
havia alguém que adorava um desafio, era ela.
Primeiro, desligar a televisão. Tinsley apertou o botão e South Park desapareceu.
Depois aumentou o volume do sistema de som e uma música nova do Black Eyed Peas
inundou o quarto. Ela semicerrou os olhos ao perceber que todos a olhavam — era isto
que esperava. Num movimento suave, ela subiu na mesa alta de mogno, encostada na
parede da sala. Atrás dela, pendia um espelho grande com moldura dourada e todos
olharam enquanto Tinsley e seu reflexo começaram a rebolar com a batida pulsante e
pesada. Ela passou os dedos na gola do paletó, a mão se aproximando lentamente do
botão de cima. Seu polegar soltou o primeiro botão.
Tinsley sorriu. De repente era uma festa de novo.
— Tira! — Ryan Reynolds gritou de porre, pulando da poltrona que dividia com Celine
enquanto tentava passar as mãos pela saia de Betsey Johnson. Celine o encarou. Ele
nem percebeu.
Tinsley sorriu diabolicamente e atirou o cabelo comprido e preto. Com uma lentidão
angustiante, brincou com o segundo botão, torturando seu público cativo pelo tempo
que pôde antes de tirar o botão da casa. Seus olhos violeta fitaram Heath do outro lado
da sala e ele tirou a cabeça do colo de Sage Francis, onde ela massageava seu couro
cabeludo. Ele bateu palmas e uivou ao ver Tinsley baixar o paletó de repente e revelar
um ombro nu.
Callie se serviu de outra taça de vinho no bar, irritada com as artimanhas de Tinsley.
Mas será possível que ela sempre tinha que ser o centro de tudo? Ela tomou um longo
gole e procurou por Easy — não conseguia evitar; fez isso a noite toda, observando-o
pelo canto do olho, contando com quantas meninas ele conversava. Era ridículo e ela
sabia disso.
Mas ver os olhos dele acompanhando os movimentos do corpo de Tinsley foi o
bastante.
— Me ajuda a subir — pediu Callie enquanto tirava os Jimmy Choos com tiras em T e
pegava a mão de Tinsley. — Ufa.
— Vocês estão me matando! —Alan foi de joelhos até a mesa e se curvou várias vezes
para as duas meninas, como se elas estivessem num altar sagrado.
— Oi, garota. — Tinsley colocou o cabelo de Callie atrás da orelha e cochichou: —
Manda ver. — Tinsley recuou e casualmente deslizou o paletó dos ombros, revelando
um sutiã La Perla preto e fino, com renda estrategicamente situada para que não fosse
completamente transparente. Ela virou a cabeça para trás e soltou um riso alto e gutural
que parecia dizer que ela estava perfeitamente à vontade dançando obscenamente no
alto de um móvel no Ritz com o sutiã de fora.
Calhe queria—não, precisava — ser igualmente desprendida. E também parecia uma
boa idéia deslizar primeiro uma alça fina dos ombros, depois a outra, e começar a tirar o
vestido vermelho. Ela olhou para Easy, mas ele não estava mais no sofá. Na verdade,
ele nem estava na sala. O que é que ela precisa fazer para chamar a atenção dele, droga!
— O que está fazendo?—Um rosto se destacou do grupo. Brandon. Ele estendeu a mão
e puxou Callie para baixo. Ela dançou para trás, fora do alcance dele.
— Estou dançando, Brandon. — Ela pôs o braço na cintura de Tinsley e as duas
rebolaram juntas. Quem sabe se Easy ia voltar?
Heath, usando o chapéu de Easy e um roupão branco e felpudo do Ritz-Bradley,
apareceu atrás de Brandon e tentou afastá-lo dali.
— Cara, está estragando uma coisa linda. Brandon o enxotou.
— Você está bêbada, Callie. Por favor... Vamos para o nosso quarto.
— Brandon! — guinchou Callie, girando tão rápido que quase caiu da mesa. — É o seu
quarto, e não o nosso quarto. Por que não vai ver um filme pornô gay no pay-per-view
ou coisa assim? — Ela o encarou antes de se virar para Tinsley, ainda dançando com
um sorriso malicioso no rosto. — Pelo menos o Heath é divertido — cochichou ela a
Tinsley, alto o bastante para que Brandon ouvisse.
— Tá legal. Quer bancar a idiota, problema seu.—Brandon afastou Heath e saiu da sala.
Ao que parecia, ia sobrar champanhe e morangos com chocolate para ele.
34
UM WAVERLY OWL SENSATO ENTENDE QUE UM RECADO DE BÊBADA
COSTUMA SER O MAIS SINCERO.
— Walsh. —Jeremiah pegou o braço de Easy enquanto ele estendia a mão para a
garrafa quase vazia de Jack Daniels. — É melhor pegar leve. Você está acabado.
Easy cambaleara para o bar improvisado assim que as meninas pularam na mesa. É
claro que, como todos os outros, ele gostava de um bom show, mas desde que percebera
que Tinsley tentara conseguir a expulsão dele da Waverly, tudo nela parecia tão
calculado. Tá legal, ela era linda, exótica e excitante, mas também era uma cretina
daquelas. E Easy não tinha tempo para isso. Além de tudo, a ansiedade de Callie para
tentar acompanhar Tinsley o deixou meio nauseado. Por que ela ligava para o que os
outros pensavam dela? Essa era uma das coisas em Callie que sempre o deixava louco.
— Obrigado, cara, mas estou bem. — A garrafa tilintou no copo e o resto do líquido se
esparramou nos cubos de gelo que derretiam.
— Tenho uma coisa que vai fazer você se sentir melhor. —Jeremiah estava com um
sorriso estranho, como se tivesse acabado de descobrir Keira Knightley nua em um dos
muitos armários da suíte.
— Não estou a fim de fumar, cara.—Easy tinha se arrastado para Boston, embora não
estivesse com humor para festas. Só o que ele queria fazer esta noite era levar umas
mantas para a clareira no bosque e se enroscar com Jenny, vendo as estrelas. Mas ele era
orgulhoso demais para não ir a Boston depois do que Jenny fez.
— Não é erva. —Jeremiah pegou o Motorola preto no bolso do jeans Diesel. —Acabo
de receber um recado sexy na caixa postal sobre Brett ser apaixonada por mim.
— Isso é demais, cara. — Easy atirou o copo de rum para trás. — Que bom pra você.
— Não, é bom pra você também. —Jeremiah deu um tapinha nas costas de Easy. — É
daquela garota, Jenny. E ela disse outra coisa interessante. Você precisa ouvir.—Ele
pressionou algumas teclas no telefone e passou-o a Easy.
Easy o segurou junto à orelha e deixou que a voz calorosa e meio bêbada de Jenny o
dominasse como a melhor droga do mundo. "Porque também estou apaixonada por um
cara", ele a ouviu dizer, e de repente sua raiva desapareceu. Só o que ele queria era
abraçá-la enquanto ela dizia isso.
— Demais, né? —Jeremiah cutucou as costelas de Easy. Easy encarou numa névoa o
papel de parede de brocado.
O que ele estava fazendo aqui, no Ritz idiota de Boston? Ele não estava interessado em
ver Heath Ferro pelado com as meninas. A única menina que ele queria ver nua estava
na Waverly.
— Você está bem para dirigir? Jeremiah sorriu.
— As mentes evoluídas têm idéias evoluídas.—Ele deu um tapinha no bolso do blazer
de veludo e suas chaves tilintaram. — Não bebi hoje. Está pronto para dar o fora daqui?
— Já fui.
35
UMA WAVERLY OWL DEVE PELO MENOS DAR A IMPRESSÃO DE QUE
TENTA SEGUIR AS REGRAS.
Callie acordou sobressaltada. Caíra no sono meio bêbada e teve um daqueles sonhos
intensos que eram tão nítidos, tão exatos que pareciam totalmente reais. Ela estava
deitada sob o cobertor de cashmere duplo com Easy, os dois de roupas íntimas, e a
ponta dos dedos dele subiam e desciam por sua barriga nua, provocando arrepios em sua
coluna. Ele tinha o cheiro exato que sempre teve, de cavalo, feno e cigarro, e quando ele
a beijou, Callie podia jurar que os lábios dele na verdade estavam nela naquele exato
momento. Só que não era Easy que a beijava. Era Heath Ferro. — Acorda, bela
adormecida.
Callie o empurrou e limpou a boca com as costas da mão. As lágrimas quase encheram
seus olhos quando ela percebeu que Easy não estava ali e que eles não estavam na cama.
Seu corpo seminu se esparramava no sofá aveludado do hotel. A mesa de centro diante
dela estava cheia de taças de vinho vazias e guardanapos amassados. Uma sambacanção
Ralph Lauren cinza estava amarfanhada na mesa. Alguém no sofá fazia uma
trança em seu cabelo. Ela olhou. Era Tinsley.
— Não desmaie de novo. — Callie olhou a sala. Ninguém mais estava acordado ou,
pelo menos, se mexia. Benny Cunningham estava deitada de cara para baixo no tapete
persa, a saia puxada para cima, revelando a calcinha vermelha Calvin Klein. Ela ia ficar
mortificada se estivesse consciente. Por um momento, Callie pensou em tirar uma foto
com o celular, mas não tinha idéia de onde o deixara. E, além disso, Heath agora estava
com a língua na orelha dela.
— Me larga, Heath.—Callie tentou se levantar, mas suas pernas não obedeciam direito e
ela afundou no chão.
— Já se esqueceu da regra? — perguntou Heath numa voz arrastada. — É hora de serlegal-
com-o-Heath.
— É isso mesmo. —Tinsley subiu no colo de Heath. — Ele é o único que ficou
consciente a festa toda. Temos que recompensá-lo.
— Ah, sim, sim. — Heath suspirou. — Recompensem-me. Por favor.
Callie pegou uma das taças, que ainda tinha uns dois centímetros de vinho e bebeu-o
rapidamente. O que sua mãe pensaria se a visse agora, bebendo da taça de vinho
provavelmente babada de alguém, prestes a se agarrar com o cara mais galinha da
Waverly numa suíte arrasada no Ritz de Boston? Ela ia ter um ataque cardíaco. Isso
quase tornou tudo mais suportável.
Tinsley riu e saiu devagar do colo de Heath. Sacudiu o cabelo preto e olhou impaciente
para ele.
— Vamos para a sacada — sugeriu Heath, com um sorriso malicioso e bêbado. — O sol
vai nascer logo. Dá para ver nascendo sobre o porto de Boston. — A caminho da porta
deslizante de vidro, ele pegou a manta de veludo que cobria os corpos de Ryan e Alison
no chão. Os dois roncavam. — Vamos precisar disso.
— Não vamos precisar disso — disse Tinsley enquanto deslizava o roupão dos ombros
e cambaleava para a porta só de calcinha e sutiã. Ela o largou em Ryan e Alison, que
ainda dormiam. — Na verdade, acho que a sacada é uma área proibida para roupas,
então, se quiser vir, é melhor se arrumar. — Ela sorriu incisivamente para Callie.
Callie rapidamente tomou mais vinho. Ia se deixar anular por Tinsley? Desta vez, não. E
desde quando ela ligava? Easy não estava em lugar algum e não estivera ali nas últimas
horas, pelo pouco que Callie podia se lembrar. Ela se sentiu completamente perdida,
como se tudo em todo o mundo estivesse de cabeça para baixo, e quem ligava se ela ia
cometer mais um erro enorme? Era quase tranqüilizador saber que estava participando
ativamente da destruição da própria vida em vez de deixar as coisas acontecerem.
— Encontro vocês lá. — Ela tirou o vestido vermelho pela cabeça e foi para a sacada,
para não deixar que Tinsley vencesse. Pelo menos, desta vez não.
36
ÀS VEZES UMA WAVERLY OWL DEVE ACORDAR PARA SONHAR.
Jenny abriu os olhos ao ouvir vozes. Estava tendo um pesadelo, um daqueles medonhos,
em que você anda todo o caminho até a sala de aula até que percebe que está
completamente nua. No sonho, todo mundo da turma — o curso avançado de história
americana do Sr. Wilde — aproximava-se de Jenny e a cutucava, tentando lhe dar beijos
babados. Só Easy, sentado sozinho a uma mesa no canto, não prestava atenção nela.
Desenhava um retrato de uma linda garota — quando Jenny semicerrou os olhos para
ver melhor, percebeu que era Tinsley.
Mas agora ela estava acordada. E sem dúvida alguma havia vozes. Ela piscou algumas
vezes, tentando fazer com que os olhos se adaptassem ao escuro, e pôde distinguir uma
figura assomando na cama de Brett. Uma explosão de risadinhas encheu o quarto escuro
e Jenny, ainda grogue de sono e vodca, lembrou-se da última vez em que foi acordada
no meio da noite por um garoto que subia na cama da colega de quarto. Todo seu corpo
se lembrava de Easy sentado em sua cama, afagando suas costas. Seu estômago ficou
nauseado de desejo.
O que está rolando aqui?
— Jeremiah! — ela ouviu Brett sussurrar feliz. — Quando foi que vocês voltaram?
Vocês? O coração de Jenny começou a bater mais rápido ao tentar entender o que
acontecia. Isso queria dizer...
— Oi. — Alguém estava agachado ao lado da cabeça de Jenny. Era Easy.
— Como foi que você... —Jenny se levantou na cama, sentindo-se meio malvestida com
a camiseta preta Calvin Klein e o short masculino de mesma cor. — O que aconteceu no
Ritz?
Easy passou o corpo magro para a cama de Jenny. Isso estava mesmo acontecendo? Ela
estava tendo uma segunda chance? Ele pegou o cabelo dela e o colocou atrás da orelha.
— O Ritz não é isso tudo.
Se Jenny fosse um gato, teria ronronado.
— Ah.
Ele pigarreou.
— A verdade é que percebi que não era lá que eu queria estar.
Jenny engoliu em seco. O bafo dela estava bom? Ela fedia?
Easy sorriu.
— Vem, vamos sair daqui. Quero mostrar uma coisa a você.
Jenny lançou fora o cobertor e pulou da cama, sentindo os olhos de Easy em seu corpo.
Em vez de ficar nervosa, ela só se sentiu... aquecida.
— Lembra do que aconteceu da última vez em que você veio a este quarto?
— Como eu poderia esquecer?
Depois de vestir a primeira calça que encontrou —o jeans stretch Miss Sixty—e o
suéter canela da Anthropologie, Jenny deixou que Easy pegasse sua mão e a levasse
para a porta. Ela não perguntou aonde eles iriam — não importava. Brett e Jeremiah,
aninhados sob o edredom grosso de Brett, estavam em seu próprio mundo.
— Está com frio?—perguntou Easy quando os dois estavam sentados na ribanceira,
com vista para o lento Hudson. O céu clareava num cinza fumarento e Easy queria ver o
sol nascer. Ele pôs o braço nos ombros dela.
— Não. — Ela encostou a cabeça no pescoço de Easy, respirando seu cheiro.
Uma das mãos dele a apertou e a outra tirou um cigarro da boca. Ele o acendera há
alguns minutos, os dedos tremendo um pouco. Como se ele estivesse nervoso, pensou
Jenny maravilhada.
Ela olhou para ele.
— Sobre aquele negócio... Easy sacudiu a cabeça.
— Eu exagerei. — Ele deu um trago no cigarro e se deitou de costas na grama, olhado
as estrelas que sumiam no céu. — Você só estava se divertindo com suas amigas. Está
tudo bem.
— Não. —Jenny sacudiu a cabeça. Ela pegou uma bola de fio que se formava no suéter.
— Quer dizer, é. Mas... Eu ficaria totalmente arrasada se soubesse que você, sabe como
é, estava beijando alguém.—Ela suspirou e sentiu que queria ser completamente franca
com Easy, mesmo que isso significasse parecer brega e infantil. — Eu só... Queria fazer
parte daquilo, e fui levada a fazer o que todas as meninas descoladas estavam fazendo,
— Elas não devem nada a você. É sério.
Os passarinhos começavam a cantar e parecia que o mundo todo acordava, embora o sol
ainda não tivesse aparecido no horizonte. Ela olhou para Easy e respirou fundo.
— Nunca me senti assim antes.
Easy apagou o cigarro na grama úmida ao lado e puxou Jenny para cima dele. Seus
olhos azuis pareciam quase pretos na escuridão, Ele assentiu devagar e engoliu em seco,
com ruído, como se tivesse alguma coisa presa na garganta.
— Eu sei.
Eu sei. Era só o que ele precisava dizer. Jenny estava tão tonta que achou que podia
desmaiar e assim, antes que tivesse essa chance, beijou Easy como sonhou que o beijava
em todas as outras noites.
37
UMA WAVERLY OWL ORGULHOSA NÃO É PRESSIONADA A FAZER O
QUE ACHA REPULSIVO.
Heath juntara as duas espreguiçadeiras almofadadas na sacada para formar uma espécie
de cama suntuosa ao ar livre. As ruas abaixo deles estavam vazias e pareciam solitárias,
apenas alguns carros e táxis esparsos rugiam, os faróis ainda acesos no ar cinzento de
início de manhã. Fazia frio e Callie se sentia exausta, mas ela não queria voltar para
dentro e dormir. Em vez disso, enroscou-se sob a manta de veludo a lado de Heath, com
Tinsley aninhando-se do outro lado dele.
Callie bocejou e olhou as outras sacadas dos dois lados — ninguém parecia pensar que
o início de uma manhã de setembro era particularmente romântico. Não podia culpá-los.
Heath terminou seu cigarro e enfiou as mãos sob a manta.
— Confortáveis, senhoras?
Tinsley, que puxara a manta até o queixo, bateu em uma das mãos de Heath que tinha
ido longe demais.
— Não — ela o repreendeu severamente. — Só pode ir aonde eu disser.—Ela pegou a
mão dele por baixo da manta. — Aqui, por exemplo.
— Ai, meu Deus. — Os olhos de Heath quase rolaram da cabeça. — Eu adoro essa
regra.
Com ciúme, Callie pegou a outra mão de Heath.
— Ou aqui—anunciou ela, apertando a palma suada de Heath em sua clavícula.
— Vocês estão me torturando—gemeu Heath, ainda com um sorriso de êxtase. Ao que
parecia, esta ia ser a melhor noite da vida dele, pensou Callie. Graças a Deus Callie
pensara em chutar a câmera digital para baixo do sofá; não ia querer foto alguma disto
vindo à tona nos jornais de Atlanta.
— Que tal isso? — Os olhos de Tinsley faiscaram de malícia enquanto ela movia a mão
de Heath para outro lugar.
Callie estava prestes a fazer o mesmo quando sentiu a mão de Heath tentando deslizar
sozinha por seu corpo. Ah, não! Sentir os dedos dele se sacudindo era como um trote
telefônico nojento — por que é que ela estava competindo com Tinsley por Heath
Ferro? Por que ela se deixava ser apalpada por ele? Ela nem gostava dele!
— Me larga, pervertido! — Callie afastou as mãos errantes de Heath e saiu de sob a
manta no ar frio da noite, sentindo-se triunfante de imediato. Estava cansada de tentar
impressionar Tinsley. Era exaustivo.
Por ura minuto, Callie se esqueceu de que estava quase nua. De pé ali, ela sentiu o porre
passar devagar enquanto olhava o centro de Boston. Sentia-se quase uma rainha, uma
deusa, como Brandon costumava lhe dizer. Ela entraria, tomaria um banho para se livrar
de todos os vestígios das mãos de Heath, vestiria uma camisa limpa de pijama e cairia
num sono profundo e relaxante.
Seus pensamentos foram interrompidos por uma explosão de som enquanto a porta da
sacada vizinha se abria e o ar de repente se enchia das vozes conhecidas do Good
Morning America. Antes que Callie pudesse se cobrir, o reitor Marymount saiu, com
um roupão branco exatamente igual ao que Heath usara antes.
Seus olhos se fixaram em Callie, paralisando-a ali até que um par de braços vagamente
familiares envolveram a cintura do reitor Marymount. Angelica Pardee saiu, usando um
roupão igual do Ritz.
— Callie! — arfou ela, horrorizada.
— Ah, que merda!— gritou Callie, depois levou a mão à boca. Heath e Tinsley
pularam da espreguiçadeira enrolados na manta e se viraram, vendo qual era o
problema. Callie disparou para debaixo da manta. O reitor Marymount tinha visto sua
calcinha.
Mas esse não parecia ser seu maior problema no momento.
— Isso é meio estranho — admitiu o reitor Marymount secamente, incapaz de esconder
a irritação.
— Eu que o diga — balbuciou Heath.
— Tire esse sorrisinho da cara, meu jovem.— Heath imediatamente parou de sorrir.
Marymount se virou e sussurrou para Pardee, que desapareceu dentro do quarto. —
Agora, não sei o que estão fazendo em Boston quando deviam estar na cama na
Waverly. E não quero saber.
— Reitor Marymount, eu posso explicar. — A voz de Tinsley era inocente e
convincente, mas até ela sabia que, agachada aqui na sacada do Ritz, quase nua debaixo
de uma manta superlotada, ela teria pouca ou nenhuma credibilidade.
Marymount a interrompeu.
— Tenho certeza de que pode. Mas não estou interessado. — Estranhamente, ele
parecia bem mais régio e intimidador no roupão do que de terno. Mesmo com o cabelo
grisalho pós-sexo todo embaraçado. Ai! — Vocês vão voltar para a escola. Agora. —
Ele olhou o pulso e percebeu que não estava de relógio. — E ninguém dirá uma só
palavra... Sobre qualquer coisa disso. —Ele encarou um por um, ameaçando-os só com
um olhar. Foi uma interpretação impressionante, pensou Callie, considerando que ele
tinha acabado de ser flagrado se agarrando com a mulher de outro.
Mas é melhor ser humilde, se desculpar e voltar para a Waverly já.
— Sim, senhor. — Tinsley tombou a cabeça.—Pedimos desculpas, senhor. Vamos
pegar o próximo trem. — Ela não podia se arriscar a ser expulsa de novo.
Marymount quase gritou.
— Andando! Se não estiverem de volta às 9h da manhã, vou ter que ligar para os seus
pais.
Todos os três cambalearam para a porta com tal pressa que Heath nem viu Callie atirar
as calças dele da sacada.
38
UMA WAVERLY OWL SABE QUE ÀS VEZES OS CASTIGOS MAIS SUTIS
PODEM SER OS MAIS SEVEROS.
Vários minutos antes das 9h, um Mercedez-Benz prata parou diante dos portões da
Waverly. As portas traseiras se abriram e os três, muito desarrumados, tropeçaram para
fora — a longa noite de bebedeira e libertinagem óbvia para todos. Os rostos de Callie e
Tinsley estavam manchados da maquiagem da noite anterior.
— Corre!—ordenou Tinsley depois de jogar algumas notas altas para o motorista e
bater a porta. Ela chamou um carro
de aluguel no segundo em que eles entraram no quarto do hotel e deixou um bilhete para
os outros, dizendo que iam dar uma
volta pela cidade e os veriam na escola. Callie só conseguia pensar no fato de que o
reitor Marymount a vira praticamente nua. Que coisa bizarra. Ainda bem que ele não
estava pelado!
Heath disparou, cruzando o campus com a bolsa de couro preto John Varvatos batendo
nos quadris.
Callie revirou os olhos enquanto ela e Tinsley corriam pela grama molhada.
— Mané.
— Pelo menos as coisas ficam interessantes com ele. — Tinsley parou por um momento
para tirar as sandálias de cetim BCBG Max Azria. Precisava comprar sapatos mais
práticos. —Vamos, Cal, acelera. Faltam dois minutos para as 9h.
Callie tinha parado e estava com as mãos na barriga. Ficara nauseada em todo o
caminho para casa e agora, com a correria, não conseguia mais segurar. Ela se curvou
em um dos canteiros de flores e vomitou.
— Merda.—Tinsley mediu a distância que ainda tinham que cobrir até alojamento; não
havia como conseguir, se tivessem que esperar que Callie terminasse de vomitar. Porra.
Callie enxugou a boca na manga do suéter preto Juicy Couture. É claro que ia terminar
assim — ela sozinha, de cara para o próprio vômito no gramado da Waverly, na frente
de todo o campus. Ela queria morrer.
— Vai na frente.
Mas Tinsley não se mexeu. Em vez disso, abriu a bolsa de nylon Prada e vasculhou até
tirar uma garrafa de água pela metade.
— Toma. — Ela a passou a Callie. — Beba.
Os olhos de Callie se encheram de lágrimas. Tudo bem, então talvez Tinsley não fosse
uma cretina completa.
Dez minutos depois, quando entraram na ponta dos pés no Dumbarton, elas pensaram
que estavam livres. Até que passaram pela porta da sala de estar e viram o reitor
Marymount, encostado na lareira, esperando.
— Estão atrasadas. — Ele suspirou, ainda claramente irritado. Ele passou a mão nos
cabelos grisalhos.
— Só cinco minutos! — reclamou Callie, depois cobriu a boca por medo que o vômito
fosse projetado nele.
Tinsley falou num tom suplicante.
— Que é isso, você tem que nos castigar?
— Infelizmente, sim. — Marymount endireitou a gravata marrom e azul-marinho — o
que ele estava fazendo, usando gravata numa manhã de domingo, e como é que ele
chegou ao campus tão rápido? — Esta instituição tem regras que devem ser obedecidas.
Porém — ele as olhou incisivamente — devido a circunstâncias atenuantes, seu castigo
será consideravelmente mais leve do que deveria. A partir de agora, as duas não terão
mais permissão para morar juntas. Temos que fazer alguns arranjos, e há um quarto
vago no primeiro andar. Callie e Jenny Humphrey continuarão no quarto 303, ao passo
que Tinsley e Brett Messerchmidt se mudarão para o quarto 121 do Dumbarton.
A boca de Tinsley se escancarou.
— O senhor deve estar brincando. —Ela e Brett, sozinhas? Mas isso é que vai ser
esquisito. Talvez elas possam discutir as técnicas de beijo de Eric, deitadas na cama à
noite. Ela quase bufou, era tão absurdo. E Callie e Jenny? Elas podiam comparar
observações sobre Easy enquanto pintavam as unhas uma da outra. Não. A
administração não poderia ter planejado um castigo mais perfeito para nenhuma delas.
Marymount olhou as duas de forma penetrante.
— O quarto está vago agora. Vocês não vão precisar de muito tempo para se acomodar.
— Ele foi para a porta. — E quanto mais cedo começarem, melhor.
— Mas que porra! — murmurou Callie irada no segundo em que a porta se fechou às
costas dele. Ela roeu a unha de frustração. — Como é que ele espera que eu more com
aquela puta? Ela deve dormir com Easy toda noite.
— Meio como você nunca fez? — Tinsley soprou um beijo para Callie. Ela a encarou,
mas Tinsley não se importou. A vida seria tão chata se não acontecessem coisas assim
de vez em quando, para dar uma sacudida. — Vem, vamos contar a novidade.
39
UMA WAVERLY OWL DEVE SER OTIMISTA — MAS NÃO IDIOTA.
Vinte minutos depois, o celular de Jenny vibrou com uma chamada, acordando-a num
salto. Ela dormira no peito de Easy enquanto os dois se aninhavam na ribanceira,
enrolados em várias mantas de cavalo grossas e ásperas. Eles ficaram ocupados demais
se beijando para prestar atenção ao nascer do sol e cochilaram ao onírico amanhecer
amarelo e arroxeado. Jenny não ligou. Tinha a sensação de que ainda veria o sol nascer
muitas vezes com Easy.
— Alô?—sussurrou Jenny, sem querer acordar Easy, que respirava suavemente.
— Você não vai acreditar nisso! — Brett praticamente guinchava. Jenny escapuliu da
manta e deu alguns passos para longe de Easy, o tênis retrô Campers vinho
escorregando um pouco na grama molhada. — Callie e Tinsley foram flagradas em
Boston. E adivinha qual vai ser o castigo delas? — Brett parou por um segundo, sem
dar a Jenny a oportunidade de sequer conjecturar. — Eles separaram as duas.
— Como assim, separaram as duas? — perguntou Jenny, sem entender.—Como podem
fazer isso quando todas nós...
— Eles obrigaram Tinsley a ir para um quarto diferente comigo!— Brett estava lívida.
— E você vai ficar com Callie.
Jenny de repente ficou totalmente desperta.
— E eles podem fazer isso? Mas não é justo!—Exatamente quando tudo começava a se
ajeitar, a Waverly tinha que separá-la de Brett porque Tinsley e Callie foram flagradas?
E ela ficar sozinha com Callie Vernon, que a odiava tanto que provavelmente meteria
um prego no coração dela enquanto ela dormisse sem pensar duas vezes? — Não é
possível.
— Bom, está acontecendo—anunciou Brett amargamente. —Tinsley acabou de encher
uma das malas Louis Vuitton com os sapatos e arrastou pela escada. Tenho que começar
a me mudar também. Aliás, onde é que você está?
Jenny sorriu pela primeira vez desde que Brett ligou. Ela olhou por sobre o ombro e viu
Easy sentado, esticando os braços compridos no alto, o cabelo espigado em mil direções
diferentes. Uma bochecha estava cheia de marcas, de onde ele dormira na manta de lã.
Jenny podia sentir o orvalho ensopando seus tênis e o calor do sol da manhã no rosto.
— Estou exatamente onde queria estar agora.
— Que bom. — Ela podia ouvir Brett sorrindo ao telefone. — Mas vem me salvar logo.
— Algum problema? — A voz calorosa e sonolenta de Easy murmurou enquanto Jenny
desligava o telefone. Ela sentiu o coração bater mais rápido e engatinhou sob as mantas
de cavalo para mais um beijo demorado. Quer dizer que o reitor Marymount se meteu
na distribuição das alunas nos quartos. Até que ponto isso pode ser ruim?
OwlNet -------------- Caixa de Mensagem Instantânea
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TinsleyCarmichael: Ainda não acredito. Kd vc?
CallieVernon: Esperando Jenny sair do esconderijo.
TinsleyCarmichael: Mas isso vai ser divertido!
Callie Vernon: Vc é doida.
TinsleyCarmichael: É claro que sou.
CallieVernon: É bom ter vc de volta, T.
TinsleyCarmichael: E eu só estou começando...
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