quarta-feira, 10 de julho de 2013

Para sempre

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Quando ele disse que era para sempre, ela acreditou, e nunca perdeu a fé
em seu amor.
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Para Sempre
Glaucia Santos
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Capítulo 1
Contarei uma história que à primeira vista parece com muitas das que já vimos e ouvimos falar. Aparentemente feita de encontros e desencontros, daquelas em que o destino insiste em manter os caminhos afastados. No início você achará tudo muito bonito e até rirá. Eu lhe garanto, no entanto, que chorará com alguns dos meus relatos.
Muitas vezes dizemos ―eu te amo‖ da boca para fora. Os jovens têm uma estranha tendência de estarem sempre amando.
O primeiro amor, porém, é sempre avassalador e deixa marcas profundas em muitos. Você acha que nunca amará novamente e que aquela desilusão parece o final de tudo. As marcas nos acompanham por toda vida e temos a certeza de que aquele amor será para sempre. Assim aconteceu comigo e é isso que pretendo te contar.
Primeiro você precisa saber como tudo começou. Só assim será capaz de entender que ―para sempre‖ tem um significado muito mais intenso para mim do que pode imaginar.
Quando Justin disse que era ―para sempre‖ havia verdade em suas palavras. Assim como o ―eu te amo‖ tocou o meu coração, eu
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também acreditei que seria assim. Mesmo depois de tudo o que nos aconteceu, as palavras dele continuavam ecoando em minha mente. Anos se passaram e as lembranças eram apenas remotos flashes em minha mente. Algumas vezes muito vívidas e outras apenas lembranças passageiras de um bom tempo. Às vezes acordava sonhando e sorria com as lembranças... Era tão real. Mas eu não acreditei que aquelas palavras, aparentemente meras palavras, ditas por crianças, não fossem verdadeiras. Ao pronunciá-las, ele as disse com verdade. E eu permaneci acreditando toda a minha vida. Foi a minha fé nesse amor que me manteve durante nossa separação de dez anos. Foi fé em um garoto que olhava para mim como se fosse a coisa mais preciosa do mundo... Sim! Fé! Essa palavra nos acompanhou e ativou a nossa esperança. Acredito que foi ela que deu uma mãozinha para o destino e fez os nossos caminhos se reencontrarem novamente. Ela nos manteve vivos por todos esses anos e nos tornou o que somos. Foi isso que ensinamos para os nossos filhos e netos... Nunca abandonar a
fé. Seja nas pessoas, nas promessas ou nos milagres de Deus.
Muitos anos se passaram desde o nosso último encontro. Foi com lágrimas nos olhos que ele me disse: ―Até algum dia‖. E mesmo naquele momento, sim... Mesmo assim eu acreditei.
Você pode achar que sou uma louca apaixonada. Veja bem, naquela época eu era só uma criança. Eu não tinha completado quatorze anos e só queria amar. Doía tanto dizer adeus. Acho que foi a coisa mais difícil que já fiz na minha vida. Mesmo assim eu acreditei quando Justin me disse com a voz chorosa: ―Eu te amo! Nosso amor será para sempre‖. Seus lábios quentes e úmidos
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tocaram a minha testa naquele beijo de despedida, enquanto as lágrimas molhavam o meu rosto. Ele não queria ir, mas não tinha alternativa. Seguir seus pais era o seu dever e foi isso que fez ao dizer adeus, deixando-me para trás com o coração partido. Ali eu entendi o real significado da palavra saudade.
Fiquei na beira da calçada, vendo-o entrar no carro e tocar o vidro com as duas mãos abertas. Sua face era de dor. Aquilo só fez meu coração doer ainda mais. Enquanto o carro se afastava, li em seus lábios as últimas palavras: ―Para sempre‖.
Agora, mesmo após uma vida inteira de amor — sessenta e nove anos — olho para ele deitado sobre a cama, e mesmo diante das circunstâncias que vivemos, ainda tenho as mesmas palavras em meus lábios... ―Eu te amo, meu querido. Nosso amor será para sempre‖.
Como disse o poeta: ―Que seja eterno enquanto dure!‖ O ―pra sempre‖ sempre acaba, mas continuaremos a viver o nosso amor enquanto houver vida.
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Capítulo 2
1985, Chilton – Carolina do Sul
Eu tinha apenas cinco anos quando chegamos à cidade de Chilton. Minhas lembranças daquela época são tão fracas, afinal, já se passaram mais de seis décadas desde então. Algumas coisas ainda habitam minha memória, principalmente aquelas que me levam de volta ao nosso primeiro encontro.
A memória mais antiga é a de estar sentada à porta da pequena casa para a qual havíamos mudado. Eu chorava! Sim, chorava. Pelo que minha mãe contou diversas vezes, anos depois, eu estava com fome. Ela havia me deixado só com o bêbado e inconsequente do meu pai, para ir conseguir um pouco de comida.
Não entrou em detalhes sobre o assunto, mas acho que não tínhamos nem dinheiro o suficiente para comprar o que comer.
O rosto de minha mãe mostrava uma grande tristeza. Eu consigo me lembrar disso como se fosse um sonho... Sua face de desolação. Ela era tão linda com seus cabelos loiros e imensos olhos azuis. No final de tudo, acabou escolhendo o homem errado e pagou muito caro por isso. Todavia não é sobre esse fato que quero lhe contar. Terei outras oportunidades para falar sobre a pobreza da minha família e a tristeza de minha mãe.
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O que quero que saiba agora é como minha vida começou a mudar... Como eu encontrei o meu anjo redentor.
Estava sentada à beira da porta de minha nova casa, em um dos degraus, isso eu consigo recordar, apesar dos anos. Sentia muito fome por causa do tempo de viagem até lá. Estava com frio e me sentia só. Vi do outro lado da rua um menino moreno, com os cabelos mais negros que já vi. Seu rosto era lindo. Sim! Era um menino muito bonito com olhos negros, uma boca grande e carnuda, nariz arredondado e maças do rosto redondas. Ele me olhava com certa apreensão. Ou seria curiosidade? Não sei afirmar agora. Fica difícil descrever a forma como Justin me olhou.
Instantes se passaram e ele começou a se aproximar. E com uma voz doce — para mim soou assim, ele me perguntou:
— Menina, porque chora? — Eu não soube bem o que dizer. Afinal eu nem o conhecia e me senti tímida diante dele.
— Não precisa ter medo de mim.
— Mamãe diz para ter medo de estranhos.
— Mas eu não sou um estranho. Sou Justin Stone. — estendeu a mãozinha arredondada.
Por um instante eu hesitei, mas depois de vê-lo tão solícito, acabei cedendo e dei a mão para ele.
— Eu me chamo Elizabeth Marbrook, mas mamãe me chama de Lizzy. — Disse-lhe, fitando o seu rosto.
— Bem agora que nos conhecemos, pode me dizer por que chora? Eu quero te ajudar. — Justin se sentou ao meu lado e com muita delicadeza tirou os cachos de cabelos loiros de meu rosto, molhado pelas lágrimas.
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— Uma menina tão bonita como você não devia chorar. Anjos não choram, sabia? E você parece com o anjo que tem no quadro na casa da tia Mary. — Lembro que naquele momento eu dei uma risada engraçada. Soou até melodiosa da forma como o fiz. Achei tão bonitinho a forma como ele falou que eu parecia um anjo, quando na verdade era ele quem ia ao meu socorro.
— Choro porque tenho fome. Mamãe foi comprar algo para comermos e papai está bêbado no sofá. Ainda bem que está dormindo. Mamãe diz que ele fica muito bonito quando está dormindo e não fazendo besteiras. — Dessa vez foi ele quem riu. Deu uma gargalhada tão gostosa que soou como música para os meus ouvidos. Apesar de ser uma das lembranças mais antigas de minha vida, ela continuou em minha memória durante anos. Sonhei com aquele primeiro encontro durante toda a minha vida. Podia ouvir claramente aquela gargalhada gostosa ecoando em meus ouvidos.
— Vamos para a minha casa. Minha mãe está fazendo uma comida gostosa para jantar. É minha convidada. — Justin passou as mãozinhas sobre o meu rosto e secou as minhas lágrimas de forma gentil.
Depois pegou a minha mão e me conduziu até o outro lado da rua. Caminhamos em silêncio, de mãos dadas, entramos em sua casa, ele me apresentou aos seus pais e disse que era a sua convidada para o jantar. Sua mãe, uma mulher de pele morena, longos cabelos escuros, um rosto redondo, lábios carnudos e olhos negros, parecia-se muito com ele. Uma mulher muito bonita e elegante. Sua voz era melódica, e seus gestos sutis a todo instante.
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Naquele momento, tive na senhora Vanessa Stone uma segunda mãe. Seu pai, sr. Jonathan Stone, também tinha a pele morena, os cabelos negros longos amarrados em um rabo de cavalo. Era um homem indescritivelmente bonito, alto e forte. Ali, vi a quem aquele anjinho que havia surgido em minha porta em um momento de precisão havia puxado: aos pais lindos e exóticos.
Sentei-me a mesa com a família, e apesar de a todo momento a sra. Stone parecer me avaliar, fazia-o com discrição.
Às vezes me sentia constrangida ao comer com tanta voracidade, mas estava há muito tempo sem uma boa refeição.
A família, mesmo sem saber nada sobre mim, parecia grata pela caridade que praticava. E Justin me olhava com aquele jeitinho meigo e cativante. Sorria em alguns momentos e em outros tentava agir como um homenzinho, imitando os gestos refinados do pai.
Depois do jantar foi servida uma deliciosa sobremesa, Justin e eu nos sentamos no chão da sala para comer e conversar.
Foi naquele momento que ouvimos os gritos estridentes e desesperados da minha mãe. Levantei-me em um pulo e corri para a porta, seguida por Justin e sua família.
— Mamãe! — Eu disse, acenando para ela enquanto saia da casa. — Estou aqui.
— Eu não disse que não deve falar com estranhos! — Ela me deu uma bronca. Estava vermelha naquele momento e parecia realmente apavorada. Pegou-me pelo braço e me puxou para si.
— Eu não sou estranho. — Justin disse com a voz melódica. — Eu sou o Justin. Chamei Lizzy para jantar conosco.
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Minha mãe olhou para ele parecendo atordoada e foi interpelada pelo sr. Stone.
— Desculpe-me senhora. — Ele começou em tom baixo.
— Nosso filho encontrou essa linda mocinha sozinha aqui fora. Ela parecia assustada e chorava. Assim, ele a trouxe para jantar conosco. Não devíamos deixar que ficasse sem avisá-la. Foi um erro imperdoável. — Ele estendeu a mão para ela. — Eu sou Jonathan Stone e essa é minha esposa Vanessa. Sou médico aqui na cidade e ela é a diretora da escola. Se a senhora...
— Marbrook! Eleanor Marbrook!
— Se a sra. Marbrook precisar de algo, pode contar conosco. Sei que essa cidade pode ser difícil no início. As pessoas aqui são estranhas e não muito acolhedoras, mas estamos à disposição. E sua filha é bem vinda em nossa casa. Justin sempre quis um irmão e acho que gostou de Lizzy.
— Obrigada, sr. Stone. — Minha mãe disse constrangida.
— Eu fiquei assustada quando não encontrei Lizzy em casa. Vocês foram muito gentis em acolhê-la. Meu marido está tão cansado que pegou no sono e não pode cuidar da nossa filha. Será ótimo tê-los como vizinhos. — Ela olhou para mim com um jeito ainda apreensivo e sorriu. — Lizzy, agradeça a hospitalidade dos Stones, querida.
— Obrigada! A comida estava saborosa, sra. Vanessa. — Caminhei até ela, que se agachou diante de mim. Dei um beijo gentil em seu rosto e recebi em troca um lindo e caloroso sorriso. Justin se pôs de imediato ao meu lado e de forma muito inocente beijou o meu rosto. Senti as minhas bochechas queimarem de tanta
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vergonha. Afastei-me dele, coloquei as mãos no rosto e depois de um instante o fitei novamente.
— Podemos brincar amanhã, Lizzy? Quero mostrar os meus brinquedos. — Eu assenti com a cabeça, dei a mão para a minha mãe e caminhamos para casa. No meio do caminho, olhei para trás e vi o sr. Stone abraçando sua esposa e Justin me olhando como se fosse uma criatura encantada.
O meu relato não é o mais perfeito — como disse antes, muitas décadas se passaram — e pelo que minha mãe me contou, eu ainda ia completar seis anos naquela época. Éramos crianças inocentes, que se encontravam pela primeira vez, vivendo uma estranha sintonia. Eu não acredito, exatamente, em alma gêmea, mas depois de pensar nos fatos que ocorreram em nossas vidas, passo dizer que existem pessoas predestinadas. Esse foi justamente o nosso caso. Nós nos encontramos de forma casual, nos tornamos amigos no primeiro momento e era como se já nos conhecêssemos. É uma pena que minhas lembranças não sejam tão fiéis. Queria parar o tempo no momento em que nos vimos pela primeira vez e guardar com exatidão o rosto mais lindo que já vi em minha vida... O meu eterno amor.
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Capítulo 3
Sentada na beira da cama, eu olho para o seu rosto enrugado. Os olhos negros já não são tão vívidos como outrora. Estão caídos e cansados. Apesar disso, seu jeito de me olhar ainda parece o mesmo, há adoração e amor. Sua respiração parece irregular e às vezes sinto-a falhar. Ele não reclama de nada. Apenas obedece às ordens e se comporta como um bom velhinho.
— Querida, leia para mim novamente. — Ele pede com a voz vacilante, quase um leve sussurro. Está muito debilitado e isso me aflige. Tento não demonstrar preocupação. Quero que seus últimos dias sejam tranquilos. Sei que ao demonstrar fragilidade ou aflição o deixarei agitado. Ajo como uma verdadeira atriz e sorrio.
— O seu médico disse que precisa descansar, amor. — Digo, passando as mãos sobre o seu rosto, sentindo a pele enrugada e frágil. Tento conter as lágrimas, mas é quase impossível. — Se você for um bom menino, lerei mais um pouco. Promete-me? Deixe que arrume o travesseiro em suas costas para ficar mais acomodado. E depois beba o remédio. Sei que odeia isso, mas é preciso, meu querido.
Ele toca a minha mão e lentamente a conduz até sua boca. Com um cálido beijo novamente toca a minha alma. Sinto o calor de
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seus lábios em meus dedos e o vejo fechar os olhos. Sei que está muito cansado, mas preciso forçá-lo a beber o seu remédio.
— Farei o que for preciso para vê-la feliz. — Ele sussurra em voz ainda mais fraca, fechando os olhos lentamente. Gentilmente ajeito o travesseiro em suas costas. Apesar de saber que ele precisa ficar deitado, deixo-o recostado na cabeceira da cama. Sei que ele odeia passar os dias deitado sobre a cama. Pego o copo com água sobre o aparador, o seu remédio e volto mais uma vez para o seu lado.
— Abra só um pouco a boca, meu bem. — Digo para ele, que abre a boca e os olhos ao mesmo tempo. Levo o remédio até seus lábios e introduzo a pílula e depois apoio lentamente o copo com água para ajudá-lo a beber.
A essa altura, tão debilitado, já não tem sequer forças para segurar o copo. Ele bebe um gole lentamente, olha-me com jeito preocupado. Sei que está mais aflito com o passar dos dias. Seu tempo é muito curto e está ciente disso. A sua dor não é apenas por saber que a morte é iminente. Mas por saber que o nosso para sempre está se findando.
— Leia, por favor, meu anjo. — Ele fecha os olhos e sorri.
Levanto-me da cama, caminho até a escrivaninha, pego o livro de couro e volto ao seu lado. Passo as mãos pelas folhas, procurando uma passagem agradável para relembrar.
Naquela tarde de junho a sra. Tompson, a empregada dos Stones, para atender aos nossos pedidos, pegou uma garrafa de Coca-cola e trocou por um lindo pintinho. O rapaz, filho dos Jacksons, passava todos dos dias com os filhotes de pintinhos para
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trocar por uma infinidade de objetos. Assim como minha família, os Jacksons eram os desafortunados da cidade e faziam o que podiam para sobreviver.
Justin e eu pedimos tanto, que após uma consulta à sra. Stone, ela acabou realizando a troca. Nós estávamos extasiados com aquela aquisição. Adorávamos brincar com os animais dos vizinhos, mas pelas alergias que Justin apresentava de tempos em tempos, os pais achavam melhor não ter animais de estimação. Se pudesse, com certeza teria gatos, cachorros, galinhas e papagaios naquela casa. Não digo por exagero, mas às vezes acho que ele deveria ter optado pela carreira de veterinário ao invés de músico.
O pintinho foi a nossa alegria e passamos o dia cuidando do seu conforto. A sra. Tompson nos arrumou um caixote de madeira, para fazer de casinha, também nos conseguiu milho para servir de alimento. Apesar do pobrezinho não querer comer o milho, tentávamos empurrar goela abaixo.
Acho que ele sentiu falta dos irmãozinhos e de sua pobre mãe galinha. Não parecia confortável.
Naquela noite eu não queria ir para casa. Sobretudo por ter de ficar em meu quarto, ouvindo o bêbado do meu pai brigar e bater em minha mãe mais uma vez; aquilo me fazia sofrer. Odiava ficar em casa. Odiava ver minha mãe passar por tudo aquilo. Ele não a merecia, aliás, não merecia nenhuma de nós duas. Olhava para mim com desprezo e não se cansava de dizer que eu era um estorvo em sua vida. Por isso preferia ficar na casa dos Stones com Justin, mas à noite precisava ir para casa dormir. Assim fui, mal esperando o momento de ir para lá novamente cuidar do nosso Floid. Esse foi o
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nome que demos para o pintinho. Até fiz um desenho e escrevi o seu nome para colar no caixote que lhe servia de casa naquela noite.
Na manhã seguinte, o sr. e a sra. Stone nos levaram para a escola após o café da manhã. Tivemos mais um dia daqueles, com a Srta. Emily ensinando matemática. Foi um dia comum. O mesmo de sempre, devo dizer, com aquelas crianças egoístas tirando sarro da minha cara. Adoravam implicar comigo por eu ser pobre, ter roupas muito simples, uma mãe que trabalhava como garçonete e que nas horas vagas vendia alguns produtos de beleza que comprava em outra cidade, e um pai bêbado que só fazia vergonha. Isso era o pior. Um pai que culpava minha mãe e a mim pelos seus infortúnios, que mal arrumava trabalho na cidade, pela má fama que possuía. Ele era uma espécie de quebra-galhos. Mas as pessoas já estavam tão acostumadas a ver as coisas erradas que fazia e a aturar os furos que sempre deixava, que depois de algum tempo não queriam mais contratá-lo. Apenas algumas famílias, as poucas caridosas da cidade, entre elas a dos Stones, ainda lhe davam serviços eventuais.
Não é que tivesse vergonha da condição de pobreza em que vivíamos. Muito pelo contrário, pode acreditar. Contudo, desde muito pequena, aprendi a me orgulhar da garra de minha mãe e a me envergonhar das coisas que meu pai fazia.
Na escola e fora dela, crianças afortunadas por terem boas famílias faziam questão de me humilhar, sempre me lembrando de quem eu era e de que só estava ali pela benevolência da sra. Stone. Com Justin era diferente, ele nunca se preocupou com as minhas condições. Pelo contrário. Sempre me defendeu com afinco dos
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meus acusadores. Desde muito pequeno sempre teve um bom coração... Meu querido Justin.
Depois da aula voltamos para a casa dos Stones muito rápido. Estávamos com pressa para cuidar do Floid. Sabíamos que a sra. Tompson cuidaria dele, mesmo assim precisávamos nos certificar que o bichinho estava bem. Chegamos pouco depois das treze horas, praticamente engolimos a comida e só trocamos de roupa porque a doce velhinha pegou Justin pela orelha e o levou para o quarto. Eu até ri achando graça. Ela também me obrigou a ir embora fazer o mesmo. Nem tive como contestar. Sabia que faria o mesmo comigo e era esperta para não ficar em seu caminho.
Quando voltei, Justin já estava no quintal com Floid. Ficamos brincando com ele algum tempo e depois, ao percebermos que estava cansado e que não queria aprender a voar, colocamos o pobre no caixote. Justin bem que queria continuar as lições. Encasquetou que ensinaria o pinto a voar e foi um custo convencê-lo que o pintinho estava cansado.
Nos dias que seguiram continuamos as lições e sabia que ele não se daria por satisfeito até ver Floid batendo as asas. Justin chegou a colocá-lo no topo da escada e a empurrá-lo para ver se o pobre alçava o seu primeiro voo, mas não funcionou.
O pinto saiu rolando pelos degraus e ele acabou chorando com a maldade cometida. Prometeu que nunca mais faria aquilo.
Numa bela tarde, quando achávamos que Floid estava cansado demais e dormia, fomos jogar dominó na sala. O jogo estava divertido e eu muito distraída pensando no trabalho que ainda tínhamos que terminar naquele dia. Deixei Justin alguns
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minutos, para ir ao banheiro me aliviar, e quando voltei passei na cozinha para beber água. Voltava para a sala quando pisei em algo peludo e macio. Olhei para os pés e lá estava Floid.
— Ahhhhhhhhhhhhhh!
Justin e a sra. Tompson correram para ver o que havia ocorrido e me encontraram diante do pobre pinto. Eu chorava muito. Nunca havia sentido tanto remorso em minha vida. Eu me achava uma verdadeira assassina por tirar a vida do pobre.
Justin tentou me consolar e após alguns segundos de espanto, pegou o pequeno corpo de Floid e foi para o quintal. Abriu uma torneira no jardim e começou a passar água no pinto.
— O que você está fazendo? — Perguntei, chorosa.
Ele me olhou com um jeito carinhoso. Seu olhar me dizia que não era minha culpa, apesar de ter pisado no pobre Floid.
— Acho que não está morto. Ainda sinto a batida do coração. — Ele respondeu e começou a fazer carícias no bichinho. — Tenha fé! Ele viverá. — Sorriu para mim e continuou a cuidar de Floid.
— Fé? Como faço isso? — Eu não conhecia o significado da fé ou da esperança. Tudo o que conhecia era a vida em uma família desestruturada. Minha mãe nunca falava de fé ou de Deus. Só dizia que tudo era como era. Que devia aceitar a minha condição.
— Fé é algo que você não pode ver ou tocar. — Ele levou uma das mãos ao meu peito e a pousou ali. — É algo que você sente aqui. Você acredita e tem esperança. Sem fé as pessoas não conseguem persistir, porque não acreditam que vai dar certo. Só tenha fé em seu coração e acredite.
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— E se não adiantar? — Eu gaguejei, ainda chorosa. Olhava para ele tentando entender o que ele queria dizer e tentando acreditar em suas palavras. — E se ele morrer? —Olhei para Floid em suas mãos. Sentia uma aflição tão grande e precisava ter algo em que acreditar. Precisava crer que Justin estava certo e que só era preciso ter fé. Mas sabia que me decepcionaria se a minha fé não surtisse resultado. Não queria me decepcionar com ele. Com aquele sentimento.
— Se ele morrer é porque está nos desígnios de Deus. Mas isso não significa que a fé não seja algo bom e que não traga resultado. Mamãe diz que Deus tem planos em nossas vidas. Que as coisas que queremos às vezes não são as que Ele quer para nós. Por isso temos que ter Fé e se for da vontade Dele tudo dará certo. Ele sabe de tudo, mas nós precisamos acreditar. Como acha que Ele atenderá aos nossos pedidos se pedirmos sem fé? Ahn? Entende o que estou dizendo, Lizzy? — Ele me olhou de forma intensa. Parecia um homem maduro, cheio de sabedoria, não um menino de dez anos.
— Não sei! — Respondi mordendo os lábios e tentando assimilar aquilo. Era bem estranho o ponto de vista, mas não absurdo. Fazia algum sentindo.
— Se você pede alguma coisa a sua mãe, pede acreditando que ela a atenderá. Não é verdade? Para que pedir algo se você não tem fé que ela irá atendê-la? Então seria melhor não pedir. Se sua mãe não atende ao que pediu é porque acredita que aquilo não será bom naquele momento. Ou que você não anda merecendo. Ela é sua mãe e sabe o que é melhor para você antes de você mesma saber. O mesmo acontece com Deus. Precisamos pedir a Ele com fé e
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acreditar. Se não for assim, para que pedir? A fé é como o vento, que você não pode tocar, segurar ou ver. Você apenas sente e vê os efeitos de sua passagem pelas folhas e a poeira que deixa pelo caminho. — Justin apontou para as folhas de das árvores se movendo. — Tá vendo? Você sabe que ele está lá, movendo as folhas. Mas você pode segurar? Apenas sinta a fé e acredite. — Ele levou a mão até o meu rosto e afagou a minha bochecha, depois olhou para Floid. — Agora vamos praticar a fé juntos. Vou te ensinar a orar.
Naquela tarde eu aprendi o significado da fé, mesmo com a morte de Floid, e compreendi que às coisas nem sempre são como queremos. E Justin me ensinou a orar, assim como os seus pais o tinham ensinado. Desde aquele dia, venho praticando minha fé. Eu sei que não posso ver ou segurar nas mãos. Mas eu a sinto em meu coração.
— Ainda está acordado, querido? — Pergunto para ele, que só assente com a cabeça. Olho para o livro e em meus pensamentos eu peço: Por favor! Por favor! Não o leve de mim...
— Existe um ciclo natural na vida de todos, meu anjo. — Ele sussurra para mim. — Estou chegando ao final dele. — Faz uma longa pausa. — Mas não deixe que sua fé seja abalada por isso, meu amor. Continue trabalhando sua fé. Você pode senti-la. — Ele conclui.
Fecho os olhos e me lembro de um acontecimento importante para nós.
— Ele ficará bom? — Eu perguntei chorando para a sra. Stone. Meu coração estava tão apertado e doía. Via-o ali tão debilitado e
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nem podia permanecer todo o tempo ao seu lado. Segurei a sua mão por um momento antes de sair do quarto. Ele me olhou aflito, mesmo assim sorriu.
— Eu estou bem, meu anjo. É só dengue e em alguns dias ficarei melhor. — Beijou a minha mão e fez um sinal com a cabeça para que saísse.
— Eu não quero deixar você sozinho, Justin. — Resmunguei e ele riu.
— Eu não quero ter que cuidar de você depois que sair dessa cama, mocinha. Por isso vá para casa e fique lá exercitando sua fé. Em poucos dias estarei bem e vamos andar de bicicleta.
— Tá bom! — Sai do quarto, ainda mal-humorada, e preocupada por ter que deixá-lo.
Hoje ainda me lembro bem da forma engraçada como ele falou. Mesmo criança, Justin tinha uma fé muito grande e acho que foi isso que me ajudou a ser perseverante e ter fé em Deus, no amor e nas pessoas. — Sim, meu amor! Praticarei sempre a minha fé. Enquanto houver vida, viveremos juntos. — Beijo a sua testa, faç o uma carícia em sua face e depois me levanto da cama. Preciso ficar sozinha para orar. Só me resta isso nessa altura dos acontecimentos.
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Capítulo 4
Justin me olha de forma impaciente. Sei que não está nada satisfeito por ficar dias e dias na cama. Sempre foi um homem ativo e a letargia nunca fez parte de sua vida. Tento fingir indiferença ao seu olhar, mas é impossível me manter daquela forma. Acabo me pronunciando da cadeira onde estou sentada. — O que passa? — Pergunto-lhe na tentativa de fazê-lo desabafar. Sei, no entanto, que ele não reclamará da sua condição. Nunca foi uma pessoa reclamona e a idade não lhe trouxe tal defeito.
— Quando pedi para vir para casa... — Ele começa com a voz fragilizada, quase um sussurro. — Não queria ficar deitado sobre a cama... — Faz uma pausa e respira com dificuldade. — Esse quarto, tenho que dizer, que por mais agradável que seja... E suas recordações sejam deveras excitantes... — Dá um sorriso tímido. — Não me deixa muito feliz. — Fecha os olhos e fica em silêncio por um tempo um pouco mais longo. — Gostaria de me sentar em uma cadeira na varanda.
Ele para por um momento. Às vezes é difícil para ele ter longas conversas devido à sua fragilidade.
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— Quero ver meus netos brincando, as pessoas passando na rua, cachorros e gatos andando pela vizinhança... — Faz outra pausa, que chega a ser agonizante.
Queria lhe dar mais forças, para ao menos conversar. Sei que não posso. Isso me deixa ainda mais infeliz.
— Sentir o cheiro da liberdade, sabe meu bem? — Ele faz uma carinha de coitado ao me olhar. Aquilo parte o meu coração. Sorrio para ele e me levanto tranquilamente. Caminho para a cama, pego a sua mão e a beijo de forma carinhosa.
— Meu querido, pedirei a James ou a Jimmy que o ajudem a levá-lo para a varanda. Estou negligenciando o seu bem-estar. Quero que seus dias sejam agradáveis. Espere-me só um pouco. — Faço uma carícia em sua cabeça e depois me levanto.
Minutos depois, após uma pequena discussão com meus adoráveis e intolerantes filhos, que não acreditam ser seguro para o pai sentar-se em um final de tarde na varanda de nossa casa, volto para o quarto e sorrio para ele. Sei que ao ver o meu rosto, interpreta aquilo como um ponto positivo. Justin me conhece bem demais para interpretar os sinais. Palavras entre nós, na maioria das vezes, nem são necessárias. Um olhar já diz tudo o que precisamos para nos entender.
Minutos depois, sentados na varanda de mãos dadas, apenas olhamos os nossos netos mais novos brincando com areia no quintal. Justin apenas sorri e assente com a cabeça. Sei que aquilo para ele vale mais do que mil palavras. Mais do que um deles se juntar a nós e conversar sobre qualquer coisa Ele simplesmente quer
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ver o resultado de sua vida dando fruto diante dos olhos. Uma nova geração que segue em rumo ao futuro.
Chego mais perto e lhe dou um selinho nos lábios. Uma lágrima silenciosa rola pelo seu rosto e ele sorri. Em um sussurro eu escuto mais uma vez as doces palavras que embalaram nossa história por todos aqueles anos: ―Eu te amo‖.
O silêncio é algo agradável e me traz doces recordações maravilhosas. Levanto-me da cadeira e vou até o quarto onde deixei o nosso livro de recordações. Volto para o seu lado e começo a folhear à procura da passagem correta. O ano... Quando foi mesmo o ano? Eu tinha doze anos e era 1992.
— Lizzy! Lizzy!
— Justin — Justin entrou correndo em minha casa.
Naquela tarde estava sozinha. Uma das poucas tardes em que apareceram serviços para o meu pai. Assim tirei o dia para arrumar o meu quarto. Ele estava uma bagunça e minha mãe andava reclamando há tempos daquilo. Justin tinha aula de piano naquele dia e só chegaria bem mais tarde em casa. Assim estava com muito tempo livre para fazer as minhas obrigações e pensar. Quando ouvi a sua voz me chamando, corri para a sala e o encontrei.
— O que foi, menino? Vai tirar o pai da forca? Por que esse alvoroço todo? — Perguntei observando uma expressão divertida em seu rosto.
Sabia que havia aprontado algo ou estava prestes a fazê-lo e contava com a minha cumplicidade em sua traquinagem.
— Está sozinha? Vi seu pai passando mais cedo. Ele não voltou? — Perguntou mordendo os lábios de forma engraçada.
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Seus olhos negros tinham um brilho muito intenso e sua expressão de traquinas não me deixava dúvidas.
— O que foi, Justin? O que está aprontando? Da última vez que fizemos besteiras minha mãe me colocou de castigo uma semana. Não quero aborrecer a minha mãe.
A traquinagem que me deixara de castigo acontecera quando Justin comprou uma bola de basquete com a sua mesada.
Começamos a brincar perto da casa da sra. Gilmore e por um descuido meu, quebramos uma das janelas. A mulher ficou uma fera e foi uma grande confusão. No final minha mãe, apesar dos apelos dos Stones, acabou pagando o prejuízo.
Aquilo me custou, além do pouco dinheiro que recebia semanalmente, uma semana trancada no quarto para pensar em meus erros. Como se a culpa fosse minha...
— O Michael, aquele do oitavo ano... Sabe? — Ele falou muito rápido. Estava nervoso. — Estava na aula de piano e começamos a conversar. Ele me falou sobre beijos... — Ficou vermelho naquele momento e abaixou a cabeça.
— Beijos? Como assim, beijos? — Perguntei sem entendero que ele queria dizer. Naquela época as crianças erammais inocentes. Não tínhamos as novelas depravadas que temoshoje, as bancas de jornal não deixavam mulheres nuas explícitas, as locadoras escondiam as fitas pornográficas. As pessoas tinham o maior pudor e se uma moça aparecia grávida na comunidade era um escândalo. Não era comum ver casais
se agarrando pelas esquinas quase... Bem, vamos pular essa parte. Isso não vem ao caso agora. O fato é que Justin estava
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interessado em beijos e eu não entendia o motivo até... — Ele perguntou se eu já tinha beijado e eu disse que não. Então ele me contou como é um beijo e até me ajudou treinar...
Fiquei horrorizada.
— Ele te ajudou a beijar? Ó meu Deus! Você beijou o Michael? — Coloquei as mãos no rosto de tão chocada. Justin ficou pálido como um defunto. Eu me lembrei do sr. Burble em seu velório. Meu melhor amigo parecia realmente um defunto ao me olhar.
— Não! Não! Tá maluca! Ele... Ele... — Começou a gaguejar, muito nervoso, e eu não consegui me conter.Comecei a rir e chorar naquele momento. Imaginar Justin beijando na boca de Michael era um tanto... Bizarro para mim. — Ele me deu uma garrafa e me explicou. Disse que eu tinha que arrumar uma menina para treinar e é...
— Oh, não! Não pode estar falando sério! Você quer que eu ajude a beijar? Mas eu nem sei como é... E... E se alguém...
Imaginar aquilo caindo nos ouvidos da minha mãe me dava calafrios. Comecei a andar de um lado para o outro de forma impaciente e Justin me olhava encabulado.
— Você não quer um beijo meu? — Ele perguntou de forma tão bonitinha que chegou a apertar o meu coração. Fiquei sem graça e virei o rosto. Era impossível olhá-lo naquele momento.
— Você é meu melhor amigo. Sei lá... É tão estranho.— Respondi dando de ombros e me virei de costas. Senti um frio estranho subindo pela minha barriga e revirando o meu estômago. Era como se milhares de borboletas estivessem dando uma festinha. A sensação foi até gostosa, mas me sentia tão envergonhada diante
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dele. Senti o seu abraço por trás e os seus lábios tocarem o meu ombro nu. Usava apenas uma camiseta e isso facilitou o contato dos lábios com a minha pele. Foi uma sensação maravilhosa.
— Se você não quiser tudo bem, Lizzy... — Disse com a voz envergonhada e me virou lentamente para ele. — Posso encontrar outra menina...
— Tá maluco! Você é meu amigo! Se alguém vai beijar...
Depois da histeria e dos gritos, fiquei completamente envergonhada. Não tinha direito nenhum e não fazia sentido agir daquela forma. Mas perdi a cabeça e quando percebi já estava gritando. Pensar em Justin com outra menina me dava enjoo. Era tão estranho me sentir daquele jeito. Não consegui controlar os meus impulsos.
Ficamos calados por um tempo. Ambos constrangidos e depois, quando estava mais calma, voltei a falar.
— O que eu devo fazer? — Perguntei de cabeça baixa, sem olhar em seus olhos, não queria ter uma crise infantil e sair correndo naquele instante, apesar de ser criança dando ares de adulta. Só não queria que ele fosse procurar outra menina para treinar os beijos. Aquele pensamento já me causava certo desconforto. Se fosse para beijar a boca de alguém que fosse a minha. Como amiga tinha mais direitos do que qualquer outra garota naquela cidade.
— Bem, o primeiro passo é encostar os lábios e movimentar. — Ele disse baixinho, segurou o meu queixo com uma das mãos e ergueu a minha cabeça.
Os nossos olhos se encontraram e àquela altura do campeonato meu estômago já estava no segundo dia de festa. Com
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certeza as borboletas haviam convidado algumas amigas de outras comunidades para me deixar ainda mais tensa com aquele alvoroço todo.
— Você fecha os olhos e eu encosto os lábios. Ai é só deixar acontecer. Esse é o primeiro passo do beijo.
— Simples assim? — Perguntei, me perdendo naqueles olhos negros. Eles brilhavam tanto, mas tanto...
Foi a primeira vez que vi desejos nos olhos de Justin. Aprendi a reconhecer todas as outras vezes que chegou a mim. Mas aquele — sim, aquele — foi o momento de descoberta para nós dois. Ele me olhava como se quisesse me devorar.
— Eu tô sentindo uma coisa estranha. — Ele deixou escapar enquanto me olhava.
— Seu estômago está revirando? — Perguntei inocentemente, e percebi a minha respiração ficar irregular quando ele foi aproximando mais o rosto do meu.
— É... — Fechei os olhos e... Aconteceu!
Os nossos lábios se emolduraram perfeitamente e de forma muito gentil ele começou a mover os lábios deles no meu. A primeira sensação foi esquisita... Molhada. Comecei a ficar um pouco atordoada com a pele macia, quente e molhada mordiscando os meus lábios. Meu coração estava em estado de pura agitação. Ele batia, batia, batia em ritmo tão frenético que quase me roubou os sentidos. Meu corpo àquela altura estava muito trêmulo. E as borboletas... Meu Deus, que delícia de borboletas... Elas simplesmente chegaram ao êxtase. Se continuasse daquela forma, as minhas pobres borboletas começariam a dançar no compasso do
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meu coração e... E eu não aguentaria aquela deliciosa sensação de prazer e entraria em colapso nervoso.
Justin afastou o rosto do meu e de forma ofegante, com o corpo tão trêmulo quanto o meu, a mão fazia uma leve carícia em minha mão.
— Como foi? — Sussurrou.
— Foi molhado. — Não conseguia encontrar palavras para descrever aquele momento.
Não falaria das minhas preciosas e revoltas borboletas brincando em meu pobre estômago. Sem falar na britadeira em meu coração que o fazia bater fora do compasso. Esse gostinho precioso eu não daria, sem antes receber.
— Molhado? — Abri os olhos e o vi arquear as sobrancelhas com indignação. — Acho que precisamos treinar mais para tirar essa má impressão. Michael disse que seria bom e se você só achou molhado... Que vergonha passarei quando for beijar outra menina...
— Outra menina? Você está me usando para beijar outra menina depois. — Coloquei as mãos na cintura e perdi a compostura. — Justin, você é um péssimo amigo. E eu... Eu... — Apontei o dedo para ele. Estava possessa de raiva. Como ele ousava?
— Não há menina nenhuma, sua boba. Mas se você acha que meu beijo é só molhado... Eu fiquei treinando na garrafa para ouvir isso? Oras! Isso é ultrajante. — Disse em tom reprovador.
Em seus olhos havia desejo, mas também um misto de raiva. Depois, com o tempo, aprendi que ele ficava bravo e com desejo
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quando brigávamos. Mas ali... Ali tudo era novo para os dois. Foi apenas a primeira briga de apaixonados.
— Não foi só molhado... Foi bom... É que... — Como diria para ele das minhas preciosas borboletas? Na certa ficaria muito vaidoso do fato. Também, diga-se de passagem, dizer para o menino que você acaba de beijar que a experiência foi estupenda não é algo muito sensato.
— Você gostou e não quer dar o braço a torcer. Como é vaidosa... — Ele disse rindo e se aproximou. — Mas para tirarmos a prova, bem que poderíamos tentar novamente. O que acha? — Pegou a minha mão e segurou bem forte.
— Tá bom! Mas não vai ficar todo convencido. E se você contar para alguém... — Ele me calou colando os lábios de súbito sobre os meus. E começou a movê-los lentamente como antes. A festa das borboletas flutuantes recomeçou, só que agora era mais forte. Santos Céus! Como beijar poderia causar tantas sensações gostosas. Eu já sentia um torpor em meu corpo. Estava prestes a desmaiar quando ele interrompeu os beijos. Ainda sentia os lábios formigando de vontade. Seu gosto de framboesa, o cheiro da pele, o calor do corpo e o molhadinho...
— E agora? — Ele mordeu os lábios e ficou me olhando com aquele jeito estranho.
O brilho nos olhos dele era ainda mais intenso. O sorriso maroto só me dizia que ele queria beijar novamente. Assim como eu, apesar de não querer admitir. Mas não conseguiria mais viver sem as minhas amigas borboletinhas em meu estômago. Por mim, elas dariam festas por lá todos os dias.
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— Foi bom, mas acho... — Ouvimos o barulho de carro estacionando. Meu coração deu um salto naquele momento.
Meu rosto começou a queimar de vergonha. Sabia que era meu pai e que ele nos mataria se soubesse do ocorrido.
— Elizabeth! — Ele disse logo que pisou na entrada da casa. — Vá preparar algo para eu comer. — Virou-se para Justin com a expressão carrancuda — E você moleque. — Apontou para porta. — Vá para sua casa. Não o quero sozinho com a minha filha. Entendeu? — Justin assentiu com a cabeça e saiu assustado.
Fiquei olhando para o meu pai, mas ao ver a garrafa de bebida em sua mão, sabia o que era esperado. Corri para a cozinha. Tinha que preparar algo para ele rápido e me mandar daquela casa. Ficava apavorada quando tinha de ficar só com ele. A forma como me olhava dava medo. Precisava sair dali.
— Esse não foi o primeiro beijo realmente. — Ele diz ao ouvir o relato.
Eu sabia a que ele se referia.
— Você precisa deixar essa impaciência de lado e me deixar ler, meu querido. — Digo para ele, avançando algumas páginas à procura do relato a que ele se referia.
Depois daqueles dois beijos, Justin e eu não tivemos a oportunidade para outros. Sempre havia alguém conosco e já estávamos ficando impacientes para repetir a experiência. Falamos sobre o assunto algumas vezes e até encontramos um livro na biblioteca descrevendo o beijo. Aquilo só nos deixava mais ansiosos. Ali eu já tinha certeza que ele, tanto quanto eu, estava apaixonado. Ainda não havíamos conversado seriamente sobre os nossos
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sentimentos. Agíamos como amigos, porém com mais intensidade. Sempre procurávamos um motivo para nos tocarmos, e às vezes os olhares que trocávamos significavam mais do que palavras.
— Pronto! — Justin bateu a porta e a trancou. Estava ansioso para ficarmos a sós. A sra. Tompson havia saído para as compras e demoraria a chegar. Os pais dele estavam trabalhando e só voltariam à noite. Só tínhamos meia hora para tentar repetir a experiência. Se déssemos sorte, um pouco mais.
— Se ela chegar e encontrar essa porta fechada vai brigar conosco. — Eu o adverti temerosa.
Ele continuou a me olhar com aquele jeito travesso das últimas semanas. Pegou a minha mão e me conduziu para a cama. Sentamos e ficamos nos olhando.
— Melhor do que nos pegar beijando. Não acha? — Perguntou e beijou a minha mão. Só assenti e fiquei admirando a forma delicada como ele me tocava.
— Agora vamos tentar novamente? Agora vamos para a fase dois. — Disse como se fosse um plano militar. Das vezes que falamos e lemos sobre beijos, ele chamava de fase um e fase dois. Ali aquela nomenclatura não tinha muita graça. Eu estava envergonhada e mal conseguia encará-lo.
— Não vai desistir agora, vai? — Neguei com a cabeça e continuei muda. Justin aproximou o rosto do meu e senti o toque de seus lábios. A ansiedade, misturada com o desejo, fez as minhas amigas ressurgirem com toda força. Comecei a fazer a minha parte, movendo os meus lábios junto com os lábiosdele. Descrever as sensações do meu corpo é impossível... Curiosidade, emoção,
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prazer, desejo, amor... Sim! Ali eu me dei conta de que amava Justin e sabia que ele também me amava.
Enquanto movia os lábios, eu me perdia nas mais deliciosas sensações que uma menina de doze anos poderia supor viver. Se as outras meninas, nossas famílias e vizinhos soubessem... Seria um escândalo. Mas eu não conseguia raciocinar. Simplesmente não dava. Eu o amava e estava ali partilhando a coisa mais deliciosa do mundo. Os seus beijos apagavam qualquer coisa, inclusive o pudor.
Quando senti Justin inclinando o rosto, sabia o que vinha e estava ansiosa por aquilo. Os relatos dos beijos eram vívidos e nos davam muita curiosidade para saber se realmente tudo aquilo que diziam era verdadeiro. A invasão suave de sua língua em minha boca foi um choque. Meu corpo ficou paralisado. Não consegui me mover. Pensei que fosse sufocar e percebendo o meu estado, Justin a retirou e afastou o beijo. Apoiou a minha cabeça em seu ombro e fez um afago em meus cabelos.
— Podemos ir devagar. — Ele disse sussurrando em meu ouvido. — Você não está pronta para isso e acho que eu também não. — Ele me abraçou forte naquele momento. Era como se tivesse medo de me perder ou sei lá. Estava tão tenso quanto eu.
— Eu quero tentar, mas tenho medo. — Sussurrei em seu ouvido.
— Medo de quê? — Ele me perguntou e continuou as carícias para me acalmar. Beijou a minha cabeça e passou a mão em minhas costas.
— Somos crianças e eu não sei se o que estou sentindo é certo. Não sei se isso de beijar... Você sabe o que quero dizer? Eu quero
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ficar aqui com você, mas tenho medo. Ontem eu vi uma menina na escola beijando escondido na sala de ciências. Eu entrei lá para te procurar e estava escuro. Eles estavam fazendo coisas estranhas. Eu fiquei com medo... — Disse para ele. O casal que estava na sala escura fazia realmente coisas estranhas. Ela estava presa na parede, prendendo as pernas na cintura do rapaz. Eles gemiam e ele passava as mãos pelos seios dela. Quase tive uma síncope quando vi o que faziam e saí dali depressa. Aquela lembrança me apavorou naquele momento.
— Eu nunca vou te machucar e nem fazer nada que você não queira. — Ele se afastou, segurou o meu rosto com as duas mãos, olhou no fundo dos meus olhos e disse: — Eu amo você e um dia iremos nos casar.
Choque! As lágrimas inundaram os meus olhos e meu coração novamente acelerou. Não imaginava ouvir aquelas palavras. Tudo era novidade. Não sabia o que fazer e como agir. Só sentia medo que tudo fosse um sonho.
— Eu também amo você e também tenho medo disso tudo que está acontecendo. Nós lemos essas coisas escondidos. E agora estamos beijando... — Meu Deus! — Coloquei as mãos na cabeça. Estava realmente desesperada. — Minha mãe vai me matar! Ela vai me matar! O que faremos agora?
— Ei! Ei! Sua mãe não saberá que beijamos. — Ele me abraçou forte. — Ninguém precisa saber. OK? Vamos deixar a fase dois para depois. — Nos abraçamos e ficamos falando baixinho. O calor do seu corpo era reconfortante. Eu me sentia bem e amada em seus braços. Não havia lugar melhor para estar. Ali eu vivia a glória do
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meu primeiro amor, com muitas descobertas que me deixavam alarmada. Tudo novo, tudo emocionante, tudo muito intenso.
— Você não está aborrecido? — Perguntei sentindo as lágrimas rolando em meu rosto. Ele gentilmente foi beijando cada lágrima enquanto me acalmava.
— Eu já disse que amo você e se vamos nos casar, teremos muito tempo para beijos. Eu vou falar com o meu pai. Tenho que arrumar um emprego e encontrar uma casa, e... — Ele começou a falar muito rápido. Tagarelar, tagarelar, deixando-me completamente atordoada.
— Justin! — Gritei. — Não pode fazer isso! Só temos doze anos e se falar com seu pai ele saberá o que fizemos. Oh, Meu Deus! Morrerei de vergonha! Nunca mais poderei sair de casa! Minha mãe vai me matar e seus pais...
— Para, Lizzy! Ninguém matará ninguém e precisamos de um plano para casar. Não acha? — Ele se levantou impaciente, jogou os braços para o alto e começou a andar pelo quarto.
— Só temos doze anos e não vão nos deixar casar. — Disse, nervosa com a forma aflita como ele agia.
— Então temos que esperar e quando fizermos dezoito anos fugimos de casa. Pronto! — Na cabecinha dele tudo parecia muito simples. Era assim: Fugir, arrumar um emprego, comprar uma casa, casar e ser feliz. Sem problema, sem complicações, sem pais para encherem o saco.
— E não vamos mais beijar? — Perguntei ingenuamente mordendo os lábios. Esperar até os dezoito para sentir os lábios dele novamente seria agonizante. Eu me sentia aflita com os beijos, mas
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pensar em ficar sem eles também me fazia sentir estranha. Que confusão de sentimentos.
— E você quer me beijar? — Ele perguntou rindo, quando escutamos sra. Tompson chamando da cozinha.
— Ela chegou! Ela chegou! Levanta! Vamos descer antes que venha ver o que estamos fazendo. — Pegou a minha mão e corremos para a porta.
Quando termino, ouço sua voz sussurrando. Apesar de fraca, pela entonação percebo que achou graça do que li. Um filme deve ter passado em sua cabeça, assim como na minha. Aqueles foram bons tempos... Como tenho saudade de tudo.
— Como éramos ingênuos. — Justin diz.
— Nem tanto, meu caro. Você sabia muito bem o que queria. Estava doido para experimentar ―o beijo‖. — Respondo para ele e o vejo sorrir. É tão bom me lembrar dos momentos bons. Sempre gostei de escrever e antes de dormir escrevia tudo o que se passava em meu dia. Isso ajudou a reproduzir nossas memórias de forma organizada. Mais de seis décadas de relatos. Um grande tesouro, com certeza. Algumas páginas em branco, lacunas preciosas de acontecimentos de nossas vidas. Mas as lembranças permanecem fiéis.
— Eu não tinha maldade, meu anjo. Nem sabia o que se passava entre um homem e uma mulher direito. — Justin faz beicinho e me olha com expressão ingênua. Como se eu não o conhecesse. Ele sorri para mim. É tão bom ver o seu sorriso. Isso aquece o meu coração.
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— Eu tampouco. — Retribuo o sorriso. Ficamos nos olhando em silêncio. A troca de olhares diz que ainda continua sentindo o mesmo, assim como eu. De repente ele quebra o silêncio.
— Mas gostou dos selinhos. — Afirma.
— Muito! — Respondo.
— Naquele dia tive a certeza que te amava... — Ele faz uma pausa, olha-me daquele jeito apaixonado, sorriso traquinas no rosto. Eu me lembro dele com doze anos, dando o mesmo sorriso. Tão lindo e apaixonante como antes. — Sabia que te amaria o resto da vida e que você seria minha.
— Eu também, meu querido... ―Te amarei para sempre‖.
Apesar de tudo sou feliz. Muito feliz. Tenho a maior amor do mundo. Ele me deu uma família maravilhosa e anos de dedicação. Quando estamos com nossos filhos, netos, bisneta, genros e noras, tenho certeza que o nosso ―felizes para sempre‖ valeu a pena. Tive muito mais do que a maioria das pessoas. Se estamos passando por provações agora, mesmo com motivos para reclamar, eu agradeço. Deus me deu mais do que poderia ter pedido. Por isso eu digo, na alegria e na doença somos felizes, porque apesar de tudo temos um ao outro, muito mais do que a maioria das pessoas. Um lar estruturado, abençoado e feliz. Eu amo o meu marido e ele me ama. Isso é tudo o que importa. Continuarei dedicando minha vida a ele até o seu último suspiro.
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Capítulo 5
Justin e eu estamos sentados na varanda vendo os nossos netos mais novos brincarem. Ele ri ao ver Michael beijando o rostinho de Emmy e olha para mim com aquele jeito todo cativante.
Sei bem o que está pensando. Sorrio para ele e folheio as páginas do livro. Ele não diz nada. É estranho pensar em quantos anos se passaram desde aqueles acontecimentos. As lembranças ainda estão em minha mente. Vejo-as como em um filme, mas preciso ler o que rascunhei a respeito daqueles fatos.
Chilton era uma típica cidade provinciana em que todos se conhecem. Seus moradores, na maioria, nasceram lá, seus pais, avós, bisavós, tataravós e todas as gerações que fundaram a cidade. Tratavam os ―forasteiros‖ como se fossem invasores. Se a pessoa em questão não tinha dinheiro ou uma boa condição de vida, assim como eu, a coisa era ainda pior. O problema da cidade não era apenas uma mentalidade tacanha. Antes fosse isso. Além de superconservadores, seus moradores tinham uma séria tendência a se meterem a vida alheia. A sra. Taylor tinha o péssimo hábito de ficar na janela desde o nascer do sol até altas horas da noite. A fofoqueira da cidade, irmã da Sra. Gilmore, não menos fofoqueira.
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Quando algo acontecia, em segundos as senhoras Taylor e Gilmore colocavam a ―rede de informações‖ para funcionar e a ―notícia‖ se espalhava. Todos se achavam no direito de opinar sobre o fato. Talvez esse tenha sido um dos motivos que me levaram a aceitar a mudança. Não suportava tanta invasão de privacidade, falsidade e um falso moralismo que chegava a ser irritante. Isso não vem ao acaso agora. Quero falar sobre outra coisa. Exatamente, como as pessoas passaram a olhar atravessado para Justin e eu.
Além de sermos dois ―forasteiros‖, aos doze anos fomos pegos fazendo algo que a população achava escandaloso. Todos faziam. Isso era um fato. Sabia-se de alguns casos amorosos, que as pessoas fingiam não saber por se tratarem de pessoas influentes, mas ninguém fazia alarde. O contrário aconteceu conosco.
Naquela tarde a sra. Tompson foi levar um pedaço de bolo para a sra. Gilmore. E Justin e eu aproveitamos para praticar nosso ―beijo‖. Fazia apenas três dias desde a nossa última, e fracassada, tentativa. As oportunidades eram cada vez mais escassas, visto que a sra. Tompson, com seu faro para as nossas armações, não nos dava muita trégua. Era bem estranho pensar em como uma velha senhora poderia ter os instintos tão aguçados. Seja lá como fosse, ela sempre descobria quando estávamos prestes a aprontar, e arrumava um jeito para minar as nossas tentativas. As queixas da sra. Gilmore não ajudavam muito. A mulherzinha fofoqueira sempre arrumava uma forma de nos prejudicar. Tudo bem que nós éramos levados. No entanto, mesmo quando estávamos comportados, ela arrumava um motivo para fazer queixas. Assim a sra. Tompson ficava com seu alerta para confusão ligado. Aquela tarde, no entanto, ela saiu para
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levar o bolo, e dada a última fofoca na cidade, sabíamos que ia demorar até ouvir todos os ―fatos‖, com relatos dramáticos e enfeitados da sra. Gilmore.
Fomos para o quarto e na pressa não trancamos a porta. Sentamos no centro de pernas cruzadas e começamos o nosso treino com beijos. Nem preciso dizer que minhas amigas borboletinhas fizeram a festa. Estava mais disposta a seguir em frente e levar a fase dois até o final. Justin e eu conversamos muito sobre o assunto. Ambos estávamos ansiosos para saber como era o beijo de verdade. Aquele em que as pessoas faziam carícias com suas línguas. E com a sra. Tompson fofocando, longe, seria a oportunidade mais que perfeita para a nossa iniciação.
— Você está nervosa? — Justin perguntou com uma expressão apreensiva em seu rosto. Sabia que ele estava tão ansioso quanto eu por aquilo. Mas ali, prestes a fazer a coisa, era estranho falar no assunto. Queria começar logo aquele beijo e acabar com aquele nervosismo todo. Cheguei a sonhar com o dito beijo algumas vezes. Quando mais o tempo passava, mais nervosa e ansiosa eu ficava com a expectativa de finalizar a fase dois do nosso plano.
— Muito... — Sussurrei meneando com a cabeça. Não foi preciso dizer mais nada, ele foi aproximando devagar a cabeça e colou os lábios nos meus. Começamos com a fase dos movimentos lentos. Os lábios macios e com gostinho de bala de hortelã eram muito suave em seu toque. Já estávamos prestes a iniciar a fase dois, quando de repente a porta rangeu e houve um clique. Escutamos a porta abrir e de sobressalto interrompemos o beijo. Olhamos ao mesmo tempo, e para o nosso mais profundo desgosto, para não
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dizer medo, pavor ou desespero, era o sr. Stone que estava parado na porta de braços cruzados, mais branco do que uma folha de papel nos olhando. Foi a situação mais constrangedora que já vivi, até aquele momento.
Quis abrir um buraco no chão e me afundar. Oh, como eu quis. De todas as pessoas, ele era a última que deveria ver aquilo. Não sei, sinceramente, como não desmaiei. Cheguei a ficar tonta. Justin me olhou apavorado. Não sei se estava pior do que eu, mas pela forma como segurou a minha mão, percebi que estava prestes a ter um colapso nervoso. Estava gelado como um picolé e muito pálido. Sabia que estava muito encrencado e o pior é que ainda não havia acontecido.
Naquele momento, o tempo parecia ter parado. Não houve um só som no quarto. Ninguém queria ter a primeira palavra. E como o sr. Stone percebeu que não falaríamos nada, passado o susto, finalmente se pronunciou.
— Lizzy, querida, pode ir para sua casa? Tenho que conversar ―seriamente‖ com Justin. — Lançou um olhar gélido para Justin.
No mesmo instante dei um pulo e saí mais do que depressa. Estava me sentindo tão envergonhada e culpada por aquilo. Meu corpo inteiro tremia e só de pensar no que minha mãe faria comigo... Céus! Minha mãe! Ela me mataria.
Aquela foi a certeza que tive enquanto corria para casa. Eu me tranquei o meu quarto e passei o resto do dia encolhida em minha cama. Nem consegui comer nada. O meu pavor era tanto que não conseguia tirar os olhos da porta. Sabia que a qualquer momento ela abriria e minha mãe entraria furiosa com um cinturão de couro.
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Quando a porta se abriu, bem mais tarde, meu coração já batia a mil há horas e o pavor que sentia era tão grande que comecei a chorar. Não foi preciso minha mãe dizer nada. Eu tive a certeza que ela sabia quando me lançou um olhar de desaprovação e colocou as mãos nas cadeiras.
— Se está chorando desse jeito, é porque tem culpa no que aconteceu, Elizabeth Marbrook. Agora quer me contar tudo? — Vociferou.
— Eu... Eu... — Coloquei as mãos novamente no rosto.
Não tinha como encará-la. Era difícil descrever qual erao pior sentimento. Se a vergonha que sentia por ser pega em flagrante ou o medo de apanhar por fazer a coisa errada. Ela, no entanto, não me bateu e nem deu a bronca que esperava. Ao contrário disso, sentou-se na beira da cama, esperou que me acalmasse e depois de um tempo começou a falar.
— Querida, quer me contar exatamente o que aconteceu? Precisamos falar sobre isso e não sairei desse quarto até tudo estar em pratos limpos. Ou prefere que seu pai tome conhecimento disso? — Perguntou com a voz baixa e muito tranquila.
Não sabia se estava realmente brava ou se tentava não perder o resto da paciência comigo. Encolhi-me ainda mais sobre a cama, abracei o travesseiro e comecei baixinho, enquanto intercalava o choro com o gaguejar.
— Eu... Não... Ó, mãe! Foi só um beijo... Nós estávamos aprendendo... Ahhhh! — Não consegui completar e voltei ao meu choro compulsivo.
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Ela permaneceu calada até que me acalmasse. Sabia que não tinha como fugir daquela conversa. — Estávamos só aprendendo a beijar. E foi...
Fechei os olhos tentando relembrar as sensações prazerosas dos beijos. A minha bochecha começou a esquentar e sabia que estava corando de vergonha. Como iria admitir para minha mãe uma coisa daquela? Queria que a terra me engolisse, mas não foi isso que aconteceu.
— Foi? — Ela perguntou e vi de soslaio que arqueava uma das sobrancelhas. Quando minha mãe fazia aquilo não era bom sinal. Mas já estava afundada na vergonha, era melhor admitir logo a coisa toda. Não tinha para onde correr mesmo.
— Gostoso... Tinha borboletas. — Sussurrei morrendo de vergonha em falar nas minhas ―pobres borboletas‖.
— Que borboletas, Elizabeth? — Ela perguntou com a voz um pouco mais áspera, mas ainda controlada. Não ousei olhar o seu rosto. Era a última coisa que queria. Sabia que congelaria se o fizesse.
— Em minha barriga. Foi engraçado, sabe? E o beijo... Molhado, macio e gostoso. Só que não passamos para a segunda fase. Não deu tempo porque o sr. Stone chegou na hora. — Acabei por admitir.
— Que segunda fase? — Cruzou os braços na altura do peito e ficou analisando o meu rosto daquela forma que as mães fazem para saber se estamos mentindo.
Tentei desviar o olhar, mas ela segurou o meu queixo e levantou o rosto para que a encarasse. Eu neguei com a cabeça.
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Como diria para ela que Justin queria enfiar a língua em minha boca? Ah, não! Não mesmo! Nem amarrada!
— Que segunda fase Elizabeth? — O tom da voz aumentou. Sabia que estava por um fio para perder a cabeça e me estrangular. — O que você e Justin iriam fazer trancados naquele quarto? Anda, menina! — Ordenou de forma mais severa e sacudiu meu rosto.
— A língua... — Sussurrei e coloquei as mãos no rosto.
Estava muito encrencada. Só os céus poderiam me ajudar a partir daquele momento. Pelo menos assim eu pensava até a minha mãe começar o seu sermão.
— Santo Deus! Onde vocês ouviram falar disso? Com quem aprenderam isso? Quem anda ensinando essas coisas para vocês? São só crianças! O que eu faço com você, Elizabeth? Heim?
Ela estava muito brava e vermelha. Os seus cabelos loiros e muito encaracolados, assim como os meus, começavam a se alvoroçar a medida que passava as mãos na cabeça.
— Mãezinha, não foi nada demais. Nós vamos nos casar. Justin disse que vamos fugir e casar. Teremos nossa casa sem ninguém para tomar conta e nem dar ordens. Ficará tudo bem. Por favor, não se zangue comigo. — Tentei usar algo na minha defesa.
Em minha cabeça ela ficaria mais tranquila se soubesse dos planos para casamento. Meu plano, porém, saiu pela tangente.
— Não! Está tudo errado! Tudo! Santo céu, você só tem doze anos. — Levantou-se da cama e começou a andar de um lado para o outro.
Era muito estranho vê-la descontrolada daquele jeito. Eu sentia tanto medo, que não ousava mover um músculo. Mal
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conseguia respirar, para falar a verdade. Pouco depois, quando ela se acalmou, sentou-se novamente à beira da cama e começou a falar coisas bem sérias.
Até aquele momento, não sabia nada sobre a concepção dos bebês. Não sabia que as mulheres sangravam e que os homens eram pervertidos tarados quando sentiam desejo. Tentei imaginar Justin daquela forma, mas não rolou. A imagem dele me atacando na cama não se formava na minha cabeça. Por uma razão lógica, que não ousava a admitir, achei que minha mãe estava exagerando um pouco para me espantar. Não passava pela minha cabeça o sr. Stone atacando a sra. Stone. Como isso seria possível? Ele a tratava com tanto respeito. E a coisa de apertar os seios e...
Minha mãe parecia muito perturbada e sabia que a culpa era do bêbado do meu pai. Até fiquei com pena dela, mas eu já estava encrencada demais para admitir isso em sua frente. Então preferi me calar e aceitar a versão de que os homens são uns horrendos canibais, loucos para comer suas presas, enquanto ela enfeitava ainda mais as histórias sobre homens e mulheres.
Com meus doze anos, sem muita maldade para falar a verdade, cheguei à conclusão que minha pobre mãe precisava de um tratamento médico. Ela não podia ser muito normal, tirando pelas coisas absurdas que falava. Apesar de não acreditar muito, fiquei um pouco chocada ao saber que todos os meses teria aquele incômodo da menstruação e depois viria a coisa medonha de ficar grávida, caso eu não me comportasse como uma mocinha decente e evitasse os avanços de Justin... Aff! Aquela conversa foi bem
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cansativa, mas no final eu compreendi tudo. Pelo menos eu achava ter entendido. A última coisa, desconcertante, que ela disse foi:
— Mocinha mantenha essas pernas fechadas ou eu quebro você toda!
Que horror! Muito perturbada. Minha mãe sofria de sérios problemas. Tive certeza absoluta.
Aquela noite Justin bateu na porta da minha casa. Por sorte, sim, muita sorte, meu pai não estava em casa. Não queria nem imaginar o que ele faria se soubesse o ocorrido. Mas o ―meu Justin‖ foi muito corajoso. Teve a bravura de ir até a minha casa se desculpar com a minha mãe e pedir a minha mão em namoro. Foi tão bonitinho, que até mesmo a minha mãe, chocada devo dizer, achou graça na forma como ele se comportou. Parecia um homenzinho.
— Senhora Marbrook, eu vi me desculpar pela forma indelicada como tratei a sua filha. Papai diz que um homem de verdade não sai por aí agarrando as meninas. Que precisa ter respeito e primeiro consultar os pais da moça. Eu estou muito envergonhado pelo meu comportamento. E após refletir sobre a bronca que meu pai me deu, cheguei à conclusão que não fui um cavalheiro com sua filha. E papai disse que isso não se faz.
Justin aquela altura estava muito pálido, mas continuou firme falando com minha mãe. Parecia mesmo um adulto. Ou pelo menos pareceu ter decorado o discurso que o sr. Stone fez. Ele sempre foi muito bom para decorar as coisas.
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— Por isso estou aqui para pedir, humildemente, a mão da sua filha em namoro. Prometo que não fugirei com ela sem sua permissão.
Comecei com uma crise de riso. Era muito engraçada a forma como falava. Todo cerimonioso e ao mesmo tempo parecia morrer de medo do olhar assassino da minha mãe. Quando terminou, ela sentou no sofá e começou a rir. Ria tanto que podia jurar que faria xixi nas calças.
— Desculpe, senhora. Marbrook. Eu fiz certinho? Estou um pouco nervoso, sabe? Eu só tenho doze anos e nunca fiz isso antes. A senhora não vai continuar rindo, vai?
Olhou de forma desesperada para mim. De onde estava, ria também da coisa bizarra que acabava de acontecer. Justin ficou com os olhos estavam cheios de água. Estava a ponto de chorar. Abaixou a cabeça e deu as costas para ir embora quando minha mãe o chamou.
— Ei, moleque! Espere! — Ele ficou parado de costas. Parecia uma estátua e naquele momento o meu riso foi completamente embora. Senti um frio percorrer a minha espinha quando minha mãe se levantou e caminhou até ele. Segurou os ombros dele por trás e o virou para ela. Ajoelhou-se diante dele e o encarou.
— Eu permitirei que Lizzy e você namorem. Mas se você fizer minha filha sofrer ou abusar dela... Olha, eu... Eu... Arranco o seu couro fora! Entendeu? Prometa-me que irá se comportar! E nada de beijo de língua.
Justin arregalou os olhos e olhou para mim apavorado. De repente, do nada, olhou para baixo assustado. Quando eu olhei para
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ver o que ele fitava, vi o xixi escorrendo pelas suas pernas. O pobre havia se molhado todo de tanto medo da minha mãe. Olha que ela não falou como os homens são cruéis e atacam as mulheres quando estão possuídos de desejo. Se tivesse entrado naquele mérito, acho que o pobre se cagaria todo no meio da sala. Vi quando ele assentiu com a cabeça e envergonhado caminhou para porta.
— Justin! Justin! — Tentei correr atrás dele, mas minha mãe me segurou pelo braço.
— Fica! Se vocês andarem fazendo o que não devem... Se resolver abrir as pernas antes do tempo... Eu quebro você todinha. Entendeu?
Engoli em seco e assenti com a cabeça. Podia ser até ingênua, mas burra não. Você acha que depois daquilo eu ainda abriria a boca para falar algo? Quem estava prestes a se cagar toda ali era eu. Minha mãe tinha um olhar tenebroso e tratei de ir para o meu quarto antes que ela voltasse atrás e resolvesse cumprir a promessa por eu andar tendo aulas de beijos com Justin. Sabia que ela me quebraria ali mesmo. Então preferi não abusar mais da sua pouca paciência.
Viro algumas páginas, rindo com a lembrança, e volto a ler: ―Quando você pensa que as coisas estão ruins, que você é considerada uma pé rapada e má influência, a coisa toda explode. Acontece que a sra. Tompson, no dia seguinte ao ocorrido, contou para a sra. Gilmore, que tratou de espalhar a notícia pela cidade, fantasiando um pouco além da conta. E o que foi um simples beijo, acabou virando uma cena depravada de sexo entre duas crianças pervertidas sobre uma cama. Se você acha que eu exagero, é porque
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não viveu e nem conheceu os ―respeitáveis cidadãos de Chilton‖. Não faz ideia do que passei depois disso. A única coisa boa foi que Justin e eu éramos oficialmente namorados. Se todos já falavam sobre nós, porque não aproveitar para beijar um pouco e evoluir para a fase dois? Foi isso que fizemos, é claro... Só que escondido.‖
Começo a rir do nada e Justin me olha franzindo o cenho. Sei que está curioso para saber qual das passagens da nossa vida estou lendo em voz baixa. Olho para ele e balanço a cabeça. Ele faz uma cara de pidão e pede em um sussurro:
— Por favor.
Volto à leitura no início da página e quando termino ele ri baixinho. A cena dele urinando na sala da minha casa foi uma das mais cômicas que já vivemos nas seis décadas e ele sabe disso.
— Você foi um belo rapazinho pedindo a mão da namorada, meu bem. O que aconteceu depois foi mera fatalidade. Eu também morria de medo da minha mãe. — Disse para ele.
— Mas fui eu que passei a vergonha. — Ele retruca e percebo que ainda continua rindo baixinho.
É tão bom vê-lo assim diante de tantas provações. O seu sorriso é a coisa mais preciosa que tenho no momento. A que ficará comigo quando ele se for. Sei disso e procuro gravar em minha mente cada traço do seu rosto desgastado pelo tempo, com muitas rugas na pele flácida e frágil. Mesmo assim é a criatura mais bela que já vi na vida. Daria tudo para conservá--lo comigo, exatamente assim, eternamente.
— Eu daria todo o dinheiro desse mundo para reviver aquele momento. — Digo chorando.
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É impossível conter a emoção. Com o tempo, mesmo sendo durona, acabei ficando emotiva demais e qualquer coisa me leva as lágrimas. Tento evitar sempre que posso, mas agora é impossível. Sei que o nosso tempo está acabando. Mesmo assim continuo acreditando no milagre.
— Você poderá revivê-lo. — Ele diz e coloca uma das mãos na cabeça. — Aqui, meu anjo. Está tudo gravado. Basta buscar pelas recordações.
Não digo nada. Sei que no fundo isso é o que me mantém forte. Se não fossem as recordações de uma vida tão feliz, acho que já teria desmoronado. Ele sabe disso e mesmo doente sempre encontra forma de mostrar que somos mais fortes que as nossas adversidades. É incrível como sua fé continua tão vívida, mesmo no final, com o câncer consumindo tudo.
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Capítulo 6
Chilton, uma cidadezinha provinciana com pouco mais de dois mil habitantes, pelo menos era o que dizia a placa na entrada da cidade; perdida no mapa, ficava a quilômetros de Charleston. Seus moradores tinham o péssimo hábito de tomar conta da vida alheia, isso eu já disse. Por isso, qualquer escândalo, por menor que fosse, caia na boca do povo, a menos que você fosse alguém influente o bastante para abafar. Todos sabiam que a primeira dama da cidade tinha um caso com o professor bonitão de educação física. Ninguém , no entanto, ousava falar sobre o caso. Justin e eu não tivemos a mesma sorte. No momento que a sra. Gilmore começou a espalhar a fantasiosa história sobre nós, todos os olhos e ouvidos naquele local tinham apenas um foco.
Não havia um só local onde tivéssemos privacidade. Para completar, como era verão e as praias estavam cheias de turistas, não podíamos aproveitar para nadar e ver pessoas novas. Elas raramente paravam em Chilton, uma vez que o comércio era insignificante demais para suprir as demandas, assim paravam em pontos turísticos mais atraentes e com pessoas menos aborrecidas.
A cidade sequer possuía uma pousada ou hospedaria para abrigar alguns desavisados que lá passavam. Era muito triste viver
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em um local tão bonito e tão pouco aproveitado. Mas as praias eram admiráveis. Queria realmente ter aproveitado mais aquele lugar. Só hoje sei o quanto me faz falta não tê-lo feito quando podia.
Sra. Stone, sra. Tompson e minha mãe se tornaram vigilantes demais. Isso adiou algumas semanas o nosso beijo de verdade. As minhas borboletinhas já estavam ficando impacientes com aquela demora. Trocávamos olhares significativos, beijávamos no rosto a maioria das vezes e sempre estávamos de mãos dadas. Aquilo não era nem um pouco satisfatório para nenhum de nós dois. Sabíamos, no entanto, que era necessário esperar.
Um belo sábado, em um dia bonito e ensolarado, os Stones convidaram meus pais para passarem o dia na praia com eles. Tinham poucas oportunidades para curtirem a vida em família, com tantas responsabilidades que se apresentavam no dia a dia. Meu pai, para variar, estava carrancudo e não quis aceitar o convite. Para ele não havia nada de atraente em passar o dia inteiro na areia observando crianças brincando. Stwart Marbrook! Esse costumava ser o seu nome, antes da bebida jogá-lo na sarjeta. Era mais conhecido como ―Bebum‖ Marbrook e tinha prazer em nos humilhar. Ainda mais se tinha uma plateia como os Stones para assistir o seu deprimente show. Aquilo, além de me humilhar, deixava-me muito triste.
Quando ele fazia aquele tipo de coisa na frente dos Stones, eu me sentia ainda mais inferior diante deles. Justin sempre me consolava, é claro. No entanto, isso não apagava o fato de meu pai ser como era e de minha mãe ser uma pessoa infeliz. Sabe qual foi a conclusão disso? Minha mãe acabou se aborrecendo com o
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showzinho dele logo cedo e desistiu de ir conosco para a praia. Não sei até que ponto isso foi bom.
O fato é que sem a sra. Tompson e minha mãe como dois cães de guarda, além do povinho fofoqueiro que preferia ir à missa e fingir que estava rezando pela felicidade e bem estar da cidade, as coisas ficaram mais fáceis, até certo ponto, para nós.
Quando fomos para o carro eu estava super magoada. Na verdade, antes de ir para o carro, havia chorado ao ver meus pais discutindo tão feio. Acho até que foi por isso que minha mãe me permitiu ir. Não queria que eu a visse apanhando mais uma vez. Era uma constante e às vezes, quando ele estava muito embriagado, sobrava para mim e acabava levando uns tapas, apesar da minha mãe se meter entre nós. Justin logo percebeu a minha expressão de choro e segurou a minha mão firme. Cochichou baixinho em meu ouvido:
— Tudo ficará bem, meu anjo...
No som do carro estava tocando ― Tears In Heaven‖. O som da música só serviu para me fazer chorar com toda vontade.Já andava há dias me sentindo deprimida e infeliz. Tanta vigilância e recriminações, uma família totalmente desestruturada e a sensação de que não nasci para ser feliz. Olhava para as outras crianças com uma vida normal, até mesmo Justin, e desejava aquilo para mim. Nem mesmo a nossa relação era capaz de afastar a tristeza que sentia quando estava sozinha em meu quarto. Coloquei a cabeça no ombro de Justin, fechei os olhos e deixei a mágoa transbordar. Chorei...
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Minutos depois chegamos à praia e os pais de Justin perceberam que eu estava chorando. Não quiseram me constranger ainda mais. A cena que compartilharam antes de partimos já era o bastante para me matar de vergonha. Eles saíram e o sr. Jonathan apenas nos advertiu para batermos a porta do carro ao sairmos.
— Por que a minha vida tem que ser assim? — Perguntei chorando, e Justin afagou os meus cabelos, depois começou a brincar com os meus cachos.
— Você não precisa ficar tão mal pelas coisas erradas que o seu pai faz. A culpa não é sua e chorar não vai adiantar. —
Beijou a minha testa de forma carinhosa e me abraçou.
— Às vezes eu preferia não ter pai. Não suporto ver como ele maltrata minha mãe e quando despeja a fúria em mim. Ah, Justin! — Eu disse, me lamentando. Sabia que não era certo desejar a morte do meu pai. Mas estava tão infeliz com tudo, que o fiz inconscientemente. A vida seria mais fácil sem ele.
— Não diga isso! Um dia você pode se arrepender do seu desejo. — Ele afirmou.
Ele tinha razão. Fosse o que fosse, era meu pai e devia minha vida a ele, mesmo me culpando pelos seus infortúnios. Para Justin era fácil dizer, com a família que tinha. Eu o invejava bem lá no fundo e queria ter pais como os dele.
— Acho que não. — O meu choro só aumentou. — Essa vida é tão dolorosa. — Respondi amargurada, observando o seu olhar terno. Não era pena. Havia ali uma tristeza pelo meu sofrimento. Sei que se ele pudesse estaria em meu lugar. Disso tinha certeza.
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— Se ela fosse fácil não teria graça. Agora vamos parar de lamentações. Quem chegar por último na areia é mulher do padre. — Ele abriu a porta e saiu. Fui logo atrás e bati a porta como sr. Jonathan orientou. Corremos para a praia juntos.
A sensação de liberdade era deliciosa. Ali não havia ninguém para criticar. Os pais dele estavam bem longe descansando embaixo da sombra de uma árvore. Tínhamos todo o tempo para curtir aquela deliciosa diversão. Corremos, nadamos, subimos em uma árvore, tomamos sorvete e até fizemos um castelinho de areia. Aquilo foi o bastante para apagar todas as memórias tristes da minha vida. Nada mais importava. Estar com Justin em plena comunhão com a natureza era o máximo.
O dia estava simplesmente perfeito. Podia sentir o granulado da areia da praia nos dedos dos meus pés, o cheiro do mar, o gosto salgado em minha boca, a brisa gostosa que vinha e suavizava o calor da manhã ensolarada. Caminhávamos de mãos dadas, olhando para os turistas, ríamos das figuras engraçadas que passavam por lá. Algumas vezes Justin parecia louco e me pegava no colo. Gritei e ri quando ele começou a me girar no ar. Caímos juntos, levantamos, caímos e rolando na areia. Meus cabelos estavam completamente revoltos e sujos de areia, sal e alvoroçados pelo vento. Mesmo assim eu me sentia plena.
Rolar na areia e rir daquelas brincadeiras foi o paraíso. Lembranças que levaria por toda a vida. Tinha certeza de que Justin também. O nosso verão perfeito, sem ninguém para tomar conta ou criticar. Éramos apenas duas crianças, descobrindo outra forma de amar de um jeito inocente.
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Foi entre um abraço e outro, na beira da praia, com as ondas quebrando sobre nós que voltamos a trocar beijos inocentes. Eram apenas os lábios se tocando, mas as minhas doces borboletinhas começaram a se alvoroçar de forma incrível. Os lábios macios e quentes, tão ansiosos como os meus. Nem ligávamos para a praia cheia. Sentir o contato e o calor humano era mais urgente do que a necessidade de esconder dos outros o que fazíamos. Sabíamos que os pais dele estavam em algum lugar observando. Mas e daí? Aquele era o momento para aproveitar. Foi isso que fizemos.
Um rapaz passou vendendo sorvete e mais uma vez Justin foi comprar para nós. Ainda tinha algumas moedas no bolso da bermuda. Seu pai dera carta branca para gastar o dinheiro. Estava muito quente e nós dois precisamos baixar um pouco a temperatura.
Justin, ao brincar com o sorvete, sujou a ponta do meu nariz e depois em um gesto carinhoso o beijou para tirar o sorvete. Para me vingar da sua travessura, peguei o meu com toda a vontade e lambuzei toda a sua boca. Ele me olhou com um jeito travesso e sem o menor pudor me disse:
— Sua vez de me limpar.
Não preciso nem dizer que fiquei morrendo de vergonha. Sabia a que ele se referia, mas me fingi de inocente. Hesitei por alguns instantes antes, abaixei a cabeça e refleti sobre aquilo, não importava o gesto. Era o meu ―namorado‖. A palavra soou estranha naquele momento. Aí a ficha caiu. Acabei pondo a timidez de lado e levei os lábios até os dele. Ao invés de simplesmente tocá-lo com selinho, passei a língua em seu contorno para limpar o sorvete. Ele
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aproveitou a deixa, segurou os meus cabelos e invadiu a minha boca com sua língua.
E foi... Foi... Digamos que glorioso! As minhas borboletinhas estavam dançando de felicidade, no mesmo compasso do serpentear de sua língua. No início reagi de forma tímida. Pouco a pouco fui me soltando e correspondi o beijo com ardor.
Aquele foi o nosso primeiro e glorioso beijo. Sentia meu corpo leve, flutuando em um estado completamente encantado com o toque, o gosto do sorvete, o prazer dos movimentos, o alvoroço das minhas borboletas... Estava completamente fora de mim. Só existia Justin e o seu maravilhoso beijo. Nunca me esqueceria daquele momento. Ainda posso sentir essa sensação de êxtase me invadir agora.
Depois que interrompemos o beijo, Justin ficou me olhando de forma encantada. Seus olhos negros brilhavam tanto. O sorriso mais lindo surgiu naqueles lábios carnudos, deixando evidente a covinha no queixo. Segurou a minha mão e me puxou para a água. Caímos juntos, derrubados por uma onda, rolamos na areia nos braços um do outro enquanto trocávamos mais beijos... Ah que coisa deliciosa. Se antes daquele momento soubesse qual a sensação de beijar, já teria perdido a timidez há mais tempo. Seria impossível conter o ímpeto de me perder naquele delicioso manancial de sensações. Assim nós beijamos e beijamos. Não fizemos nada além de beijar toda aquela tarde. É claro que ao ir ao encontro dos pais dele para comer, disfarçamos um pouco. Sabíamos, no entanto, que eles provavelmente presenciaram a cena, e sentia vergonha.
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No final do dia voltamos para casa: triste realidade. Estavamais forte e não deixaria que as dificuldades que passava em casa me abalassem. Estava feliz demais para isso. Aquele era o melhor dia de toda a minha vida. Estava radiando felicidade, apesar dos cabelos desgrenhados e da pele vermelha como um camarão.
Isso sem falar no fato de até a minha alma arder naquele momento. Mesmo assim meu dia estava pleno. Os beijos de Justin foram capazes de apagar toda infelicidade que senti naquela manhã.
Fui para casa feliz e nada me abalaria naquele dia. Depois que jantei com a minha mãe, um silêncio deprimente para as duas, fui para a casa dos Stones. Ela não estava com paciência e muito menos humor para me aturar aquela noite. Pelo seu rosto marcado, estava claro que havia apanhado mais uma vez. Não queria presenciar aquilo. Era melhor me refugiar onde meu coração não doesse tanto.
Sr. Jonathan deu para Justin um pequeno telescópio. Ele sempre gostou de música e de admirar as estrelas. Às vezes brincávamos que ele seria um astronauta ou um famoso músico. Aquela era uma das suas paixões e por não ter conseguido comprar o piano que ele tanto queria, seu pai o consolou com o telescópio.
Assim forramos um lençol no quintal da casa e sentamos para admirar as estrelas. O nosso dia que havia sido tão maravilhoso, foi abrilhantado com a passagem de uma estrela cadente. Justin ficou maravilhado e fizemos nosso pedido para a estrela.
— Vamos, Lizzy! Faça o seu pedido! — Ele disse.
Olhei pelo telescópio, fechei os olhos e pedi: ―Que dure para sempre... Que esse amor dure para todo o sempre‖. Justin ficou um
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tempo a mais fazendo o seu pedido e depois me puxou para me deitar com ele no cobertor.
— O que você pediu? — Ele perguntou curioso.
— Se eu contar quebra o pedido. — Respondi beijando o seu rosto.
— Bobagem! Eu pedi para o nosso amor ser para sempre. Pedi uma casa grande de frente para praia, um monte de filhos, um cachorro, um periquito, um piano, um carro... Nossa vida.
— Meus olhos encheram de lágrimas naquele momento. Nosso pensamento estava em sintonia. Quando pedi que fosse ―para sempre‖, imaginei uma vida inteira juntos. Uma vida cheia de amor e felicidade.
— Você vai chorar? Não chora, Lizzy! Eu disse algo de errado? Você não quer ficar comigo pra sempre? — Ele me perguntou aflito, apertando-me contra o seu peito.
Chorei ainda mais emocionada com tudo aquilo.
— É tudo que mais quero na vida. Quero ficar com você ―para sempre‖. — Deitei minha cabeça no ombro dele, fiquei o mais aconchegada possível e chorei mais um pouco.
Não só de emoção, mas medo de algo sair errado e o nosso ―para sempre‖ nunca acontecer. Crianças, adolescentes e pré-adolescentes têm uma tendência muito fantasiosa. Sabia perfeitamente disso pelos livros da sra. Vanessa que havia lido. Muitas vezes criam um mundo cheio de imaginação. Depois acabam se machucando com as frustrações. No meu caso seria ainda pior. Só tinha mesmo Justin para me amar. Minha mãe estava sempre tão revoltada com a vida, que não me dava atenção e carinho. Meu pai...
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Não preciso falar dele. A ideia de perder Justin era por demais dolorosa. E se? E se? Se o para sempre não fosse como nos contos de fada? Se meu príncipe virasse sapo? Se ele encontrasse outra princesa? Se fosse embora? Se não me amasse mais? Aquele ―E se... E se...‖ Começou a me doer muito. Meu coração se apertou em uma aflição angustiante. Não queria que acabasse nunca. Nunca!
— Você tem uma tendência horrorosa para o drama, Lizzy. Nosso amor será ―para sempre‖. Eu prometo isso, meu anjo. — Disse brincando com os cachos dos meus cabelos.
Não respondi nada. Estragar aquela conexão entre nós era a última coisa que precisava naquele momento. Guardaria as minhas inquietações. Ficaria apenas a promessa que ele me fez... ―Nosso amor será para sempre‖.
Os lábios de Justin tocaram os meus quando eu menos esperava. Pouco a pouco as carícias que ele fazia foram me acalmando. A cada cálido movimento eu tinha certeza que quando ele dizia ―para sempre‖ era ―para sempre mesmo‖.
Ficamos ali abraçados por algum tempo. Quando levantamos, dobramos o lençol, ele pegou o telescópio com jeito e entramos em sua casa. Não era muito tarde, mas os pais dele tinham receio que ficássemos até altas horas no quintal. Depois do jantar normalmente ficávamos na sala vendo TV ou brincando com alguns de seus jogos. Aquilo não era bem o que tínhamos em mente, mas a possibilidade de nos deixarem a sós no quarto era nula. Desde o início do namoro isso não ocorria.
Fui para a sala enquanto Justin subiu até seu quarto para levar as coisas. A sala estava vazia naquele momento. Os pais estavam na
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cozinha conversando. Fiquei de pé diante da janela observando a minha casa. Estava um pouco escura. Só havia luz vinda da janela do quarto dos meus pais. Sabia que minha mãe estava sozinha remoendo as mágoas. Até queria estar ao seu lado, mas uma nova rejeição me doeria. Em momentos como aquele pensava em porque eles decidiram me ter. Não pedi para nascer e era tratada com indiferença pelos dois. Ambos me culpavam pela vida infeliz que levavam. Por conta do meu nascimento foram obrigados a casar e levavam aquela vida miserável... Eu era a culpada... Eu! Aquilo me magoava tanto.
Quando Justin voltou, ouvi a sua voz perturbada. Ele praticamente gritava desesperado.
— Lizzy! Ohhh! Pai! A Lizzy se machucou!
Aquilo me assustou. Não me sentia machucada. Nada em mim doía e não entendia o motivo daquele escândalo. O sr. Jonathan veio correndo com a esposa para sala. Os dois me olharam atônitos e depois olharam para o filho. Foi a coisa mais constrangedora. Por alguns segundos ninguém falou nada. Então a sra. Vanessa quebrou o silêncio e me chamou, antes tranquilizando o filho.
— Não foi nada, Justin. Ela apenas ficou mocinha. O seu pai conversará com você enquanto eu explico as coisas para ela.
Oh my God! Eu queria abrir um buraco na terra e me jogar. Minha mãe, no dia do fatídico caos causado pelo beijo, contou de forma muito terna que eu sangraria. Mas eu estava tranquila. Nem me lembrava mais das histórias assustadoras de como os homens atacam as mulheres e de como elas ficam grávidas. Eu resolvi deletar a coisa da minha mente. Imaginar Justin me atacando para
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fazer coisas horrendas me dava dor de cabeça. Só que naquele momento, estava eu, ali, com cara de tacho, olhando com expressão assustada e envergonhada para todos. Se eu estava vermelha como camarão antes, devia ter passado a categoria do vermelho paixão. Se vergonha matasse, estaria enterrada umas cem vezes e pisoteada por uma manada de bois. De tantos lugares e pessoas para presenciar o meu infortúnio, tinha que ser com Justin, seus pais e em sua casa. Ó, Azar!
Acompanhei a sra. Vanessa até o seu quarto, ela me deu uma toalha e foi até a lavanderia ver se tinha algo meu por lá. A minha sorte foi que a sra. Tompson quando via que eu estava com poucas roupas limpas, lavava as minhas junto com as da família. Assim eu sempre tinha roupas na casa dos Stones. Facilitava também quanto tomava banho por lá.
A sra. Vanessa voltou com um vestido e uma calcinha minha. Sentou-se na cama e depois começou a me explicar sobre o ciclo da menstruação, os efeitos que ele causava nas mulheres, o transtorno da TPM e de como tudo aquilo poderia ser perigoso, pois estava apta a gerar um bebê. Depois, da forma mais gentil que conseguiu, explicou que homens e mulheres tinham relações íntimas e que era perigoso não só por poder engravidar antes da hora, mas também por prejudicar o meu desenvolvimento. Explicou como o sexo podia ser bom e prazeroso quando feito com amor, mas também que podia passar doenças perigosas e por isso quando eu decidisse fazer com ―alguém‖, deveria usar camisinha para proteger não somente a mim como ao meu parceiro.
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Foi uma conversa bem aberta. Quando terminou, tomei banho e ela me explicou como usar o absorvente e como descartá-lo depois sem deixar sujeira. Fiquei muito grata por aquilo. Não teria coragem de pedir ajuda à minha mãe. Por mais difícil que seja para entender, tinha medo de outra tortura psicológica. Ainda mais no momento que iniciava um namoro com Justin.
Quando voltei para sala, Justin me olhava apreensivo. Sentou-se ao meu lado no sofá e me disse arqueando uma das sobrancelhas:
— Papai disse que temos tomar cuidado. Agora que é mocinha muita coisa perigosa pode acontecer. Beijos são perigosos. Fazem esquentar lugares que não deveriam. Estou muito nervoso! Não podemos ter um bebê. — Ele levantou e começou a andar de um lado para o outro.
— Não teremos um bebê, Justin... Não se... Não fizermos certas coisas. Sabe? — Perguntei para ver se ele entendia. Ele riu.
— Ah! Isso? Não vamos fazer sexo agora. Só quando formos adultos. — Deu de ombros. Como se falar em sexo fosse a coisa mais natural, ainda mais dizer que faríamos quando crescêssemos.
Senti minhas bochechas queimarem de vergonha.
— Justin! — Eu o recriminei. Imagina se os pais escutassem aquela conversa. Que coisa bizarra. Já estava morrendo de vergonha de toda a situação, ainda teria que encarar os pais ouvindo a coisa como se fosse natural. Oh, dia! O que mais me faltava acontecer? Pensei.
— O problema é que os beijos esquentam... Como vamos beijar sem esquentar? Hum...
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Ele fez um bico do tamanho do mundo. Achei graça e comecei a rir. A cara que fez foi bem engraçada. Parecia sofrer de um terrível dilema. A mesma cara que fazia quando estava nas provas de matemática.
— E se não beijarmos? — Perguntei. Se era perigoso, a única solução seria evitar. Não queria correr o risco de ter um bebê. Não queria me sentir como minha mãe e levar a mesma vida que ela. Não que Justin fosse ficar como meu pai. Aquela ideia era intolerável para mim.
— Ahnnnn? Tá doida! Agora que descobri como isso é bom! Nem morto. Temos que resolver o nosso problema. Como fazemos para não esquentar?
Sentou-se no sofá e apoiou a cabeça um dos braços. Parecia estar vivendo o maior drama da sua vida. Seja lá o que seu pai tenha lhe dito, estava realmente preocupado com ―a coisa do beijo‖. Eu estava cansada, envergonhada e com medo de ir para casa. Aquele dia fora repleto de emoções e só precisava dormir um pouco. A sra. Vanessa disse que ficaria dolorida, impaciente e aborrecida, mas era normal. As coisas começavam a fazer sentido e eu só queria ficar sozinha para pensar.
Tinha muito sobre o quê refletir naquela noite.
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Capítulo 7
Olho pela janela e vejo que já está escurecendo. Justin já dormiu há algum tempo, assim posso tentar aquietar o meu coração. Preciso de um momento para ajustar os meus pensamentos e tentar me conformar... Conformar. Essa palavra sempre fez parte de minha vida. Muitas vezes Justin me criticou por isso.
Só que nesse momento não tenho muito que fazer. Só posso me preparar e me conformar para o que estar por vir. Sei que ele morrerá breve e isso é o que mais me dói. Mas o que posso fazer? Gritar com Deus e ordenar que não o tire de mim? Já está doendo muito. Sinto muita saudade mesmo antes dele ir. E passar os dias revivendo o nosso passado só torna isso mais doloroso. Mesmo assim o faço. Se é para ver meu amor feliz, faço com gosto mesmo sentindo a dor me corroendo por dentro.
Ouço uma batida na porta e depois um leve rangido dela se abrindo. Viro-me e vejo James parado a me observar. Ele está triste. Nunca vi meu filho com uma expressão tão abatida. Acho que como médico deve ser ainda mais doloroso para ele. Ver o pai nesse estado tão debilitado e ter a certeza que o fim está chegando, sem fazer nada, é difícil.
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Ele se aproxima de mim, pega a minha mão e a beija com carinho. Meu filho amado, apesar de não ser legitimamente meu, é tão amado, ou até mais do que os outros. Não sinto diferente. Só o amo. Amo porque sei que ele é parte de Justin.
Cuidei dele desde bebezinho e o amei desde o primeiro momento que o tive nos braços. Ele sabe a verdade. Sabe que não sou sua progenitora. Mesmo assim me ama e me respeita, até mais do que os irmãos.
— Sua benção, mãe. — Diz, após beijar a minha mão.
— Deus te abençoe, meu filho. — Levo as nossas mãos até os meus lábios e beijo a sua. Ficamos nos olhando por algum tempo. É incrível como ele se parece com Justin quando era jovem. Os olhos penetrantes, o nariz arredondado, os lábios carnudos, as maçãs do rosto definidas, a covinha no queixo. Até a forma de olhar e alguns gestos são muito parecidos. De todos os nossos filhos, James foi o que mais características herdou do pai. Quando olho para ele, lembro-me de um tempo bom e também difícil, mas isso não vem ao caso agora. Não quero pensar em sua verdadeira mãe e no que nos ocorreu. Meu coração já dói demais para remoer o passado.
— Precisamos falar, mãe. Podemos ir para sala? — Ele diz com a voz rouca, mas em um tom bem baixo. — Não quero que ele acorde e nos ouça.
Eu concordo com a cabeça e de mãos dadas saímos do quarto. Sei o que ele irá me dizer. É inútil entrar novamente nessa discussão. Mesmo assim concordo em ir com ele. Não quero que Justin acorde e escute o que vamos falar. Ele ficaria angustiado com uma discórdia na família a essa altura do campeonato.
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Ao chegar à sala, sentamos no sofá, um de frente para o outro e James começa.
— Mãe, precisa permitir que levemos nosso pai para o hospital. Ele está debilitado e precisa continuar a quimioterapia. Sabe disso! A última cirurgia que fez não teve resultado e se continuar sem tratamento morrerá em dias. Já conversei com Jimmy, Alice e Amanda e elas concordam com isso. Como filhos, temos a obrigação de tentar tudo para salvá-lo.
Seus olhos estão cheios de lágrimas. Parte o meu coração ver meu filho sofrendo desse jeito. No entanto, não posso ir contra a última vontade de Justin. Ele sabe que morrerá e quer passar os últimos momentos em casa. Não irei contra isso. Não o levarei para um quarto frio de um hospital, onde será injetado com agulhas, monitorado por máquinas e sofrerá com a quimioterapia. O tumor foi parcialmente removido com a cirurgia, tentaram radioterapia e estava fazendo quimioterapia quando resolveu vir para casa. Assumimos as consequências desse ato. Isso me dói muito, mas não posso voltar atrás. Fiz-lhe uma promessa e pretendo cumpri-la até o seu último suspiro.
— Seu pai decidiu morrer em casa. Ele não quer mais tratamentos. Não quer passar o que lhe resta de vida sofrendo em um hospital. Prometi a ele e cumprirei. Sei que o seu dever como médico é tentar de tudo, James. Mas o meu dever com ele é tornar a vida mais agradável. Eu conheço o seu pai desde que me entendo por gente... São quase setenta anos. Sei bem o que é bom para ele e digo que não voltará ao hospital. Não adianta falar nada. Os seus argumentos são baseados no frio ponto de vista de um médico. O
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meu é no de uma esposa que conhece o marido uma vida inteira. Não posso concordar com isso. A sua última vontade será respeitada, meu filho. — Digo de forma dura para ele.
Vejo fúria em seus olhos. Sei bem quando James está a ponto de perder o controle. Mas em toda a vida, meu filho nunca me desrespeitou. Sempre foi cordial e obediente. Assim criamos nossos filhos.
— Isso é negligência, mamãe! — Ele disse de forma dura. — Ele morrerá se continuar aqui! — Levanta-se do sofá de forma brusca e coloca as mãos na cabeça.
Ele está a ponto de chorar. Sei que não posso ceder, mesmo diante do desespero dos meus filhos. Eles precisam aceitar a ordem natural das coisas. Se é chegada a hora de partir, temos que deixá-lo ir em paz.
— Negligente! Negligente! Como ousa? — Esmurro o seu peito com força e começo a chorar enquanto desabafo. São tantas coisas presas em meu peito me angustiando. Sei que meu filho não merece ser a minha válvula de escape. Mas nesse momento não tenho como me segurar. Estou tão magoada e arrasada com todos os fatos.
— Eu... Eu dediquei toda a minha vida por seu pai e por vocês. Amei mais a esse homem mais do que a mim mesma. Mantive nossa família unida nos momentos de dificuldade. Aliás, esse casamento começou abalado por um filho que nem era meu. Você sabia que tinha acabado de perder meu bebê quando você nasceu? Sabe quantos meses tive que aturar a sua mãe infernizando a nossa vida? Sabia que eu amei você desde o primeiro momento em que o tive
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em meus braços? Nunca fiz distinção ou o tratei com menos amor dos seus irmãos. Eu! Euuu! Dediquei toda a minha vida por essa família e agora me chama de negligente.
James me aperta forte contra o seu peito e chora comigo. Nunca havia falado com ele daquela maneira. Sei que me perdoará pelo descontrole. Contudo, magoar o meu filho me dói muito. Choro muito em seus braços, resmungando minhas mágoas.
— Eu cuidei do seu pai, amei, ajudei a realizar os seus sonhos. Acreditei nele quando tudo dizia o contrário. Ele era para ser um advogado frustrado, por não fazer o que gostava. Fui eu quem corri atrás de uma gravadora, que ajudei a lançar o primeiro CD, que produzi os seus DVDs e os show que vez.Eu abri mão da minha vida pela dele e pela de vocês. Agora eleme pede para deixá-lo morrer em casa. O que poderia fazer? Dizer não ao último desejo? Não posso! Ele quer passar os últimos dias felizes com a nossa família em nossa casa. Quer teros filhos e os netos perto nesses dias. Quer ir em paz, sabendo que fez o que podia pela felicidade de todos. Que educou bem os seus filhos e que isso reflete agora nos netos. Não posso mandá-lo de volta para o hospital. Simplesmente não posso. Está me doendo muito. Muito! Eu sei o que é perder Justin. Já perdi uma vez e agora será ―para sempre‖. Não posso suportar isso sem ajuda de vocês. Não posso... Não posso... Não posso... Já não tenho mais forças para lutar. Estou desesperada.
A dor, que já me maltratava, agora esmaga o meu coração. Os braços do meu filho, sim, meu filho, confortam o meu coração. Posso não ser sua mãe biológica, mas sou do coração. Sei que ele me
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amparará quando Justin se for. Não me deixará e muito menos me acusará de negligência. Sabe que faço isso pelo seu pai.
Foi em fevereiro de 1994 quando recebi a notícia que mudaria a minha vida. Estava muito feliz nos últimos meses. Justin e eu estávamos a namorando há quase dois anos. Ele faria quatorze em agosto e eu faria meus quatorze em novembro. O tempo de namoro foi um verdadeiro sonho. Aprendemos juntos o significado do desejo um pelo outro, o calor que os nossos beijos causavam. Adorávamos beijar. Os toques eram maravilhosos, mas fazíamos tudo com respeito. Não só pela vigilância de nossos pais e da sra. Tompson. A criação de Justin era primorosa e os mais o educavam dentro de um nível alto de moralidade. Ele aprendeu a respeitar as pessoas e fazer sempre a coisa certa. Assim, mesmo no auge da vontade de ir além, continuava respeitando os limites aceitáveis para a sociedade.
Eu, de minha parte, convivi tanto tempo com os Stones, que começava a levar o mesmo padrão de vida. Ir à igreja, pelo menos uma vez na semana, vestir-me adequadamente, respeitar o meu próximo sempre. Uma coisa que eles diziam constantemente para nós era ser impossível amar a Deus sem amar o próximo, já que Ele fez o homem à sua imagem e semelhança. Os valores de cidadania entravam ali. Sempre ser polido, gentil, amoroso e respeitar os outros. Pedir desculpas, mesmo quando se considera correto, para evitar uma briga. Se você convivesse com os pais de Justin, mesmo sem ir à uma igreja, seguiria quase de forma fiel o que diz a Bíblia. Nunca em minha vida vi uma família tão correta.
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Nosso namoro ia muito bem. Éramos amigos, cúmplices, companheiros e namorados. Um pacote completo e perfeito. Nos completávamos em todos os sentidos. Não houve um dia em todo aquele período em que não estivéssemos juntos. Justin tinha algumas obrigações, como as aulas de piano, que amava, treinos no time de basquete da escola, monitoria das crianças do primário. Mesmo assim, passávamos boa parte do tempo juntos. Foi justamente por isso que a notícia da partida me doeu tanto. Foi como um soco no coração. Cheguei a ficar sem ar e não consegui controlar as lágrimas. Ele me garantiu que seria ―para sempre‖. Garantiu que voltaria para mim e eu acreditei. A semana da sua partida foi terrível. Só conseguia chorar e me lamentar por tudo. Ele chegou a pedir aos pais para me levarem junto. Mas não adiantou nada. Eles não aceitaram.
Não sei o que foi pior, saber que Justin partiria ou ser rejeitada pelos Stones. Se eles concordassem, abandonaria meus pais e iria com eles. Não seria problema nenhum para eles me darem para os Stones. Seria um fardo a menos em suas miseráveis vidas. Isso não ocorreu. Nem os Stones me aceitaram e nem meus pais puderam se ver livres de mim. O pior: agora eles teriam que me aturar ainda mais. Passaria mais tempo em casa.
Eu os lembraria como a vida deles era miserável por conta de minha existência. Essa constatação me doía tanto...
No dia da partida não consegui sair da cama. Fiquei deitada, febril e com uma dor insuportável no peito. Não queria olhar para Justin e dizer adeus. Aquilo acabaria comigo. Olhar os seus olhos chorosos e guardar aquela imagem seria terrível.
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Não podia! Sabia que não devia! Preferi, assim, esconder-me em meu quarto. Seria o melhor a fazer. Só que ele veio até mim. Justin era teimoso demais para não vir. Nunca iria embora sem me dizer até logo. Eu sabia disso.
— Lizzy, Você precisa ser forte. Ficar aí sentindo pena de si própria não vai adiantar nada. Não quero ir embora sabendo que está tão mal. — Ele disse, sentado na beira da minha cama.
Eu me encolhi ainda mais e continuei no mesmo estado de lamentação interna. Meu coração sangrava. Achei que morreria com tanta dor. Minha vida não parecia ter mais sentido. Sem Justin a vida era como uma tela preta e branca de um filme de cinema mudo. Sem cor, sem som, sem graça...
— Eu não aguento, Justin... — Respondi chorando.
Não conseguia sequer olhar para ele direito. A sua imagem me deixava arrasada. O coração dilacerado, falta de ar, frio, dor de cabeça, uma angústia que se intensificava deixando um enorme vazio no peito. Queria mesmo morrer. Você pode dizer que eu estava sendo dramática, mas lembre-se: pré-adolescentes e adolescentes, muitas vezes até mesmo adultos, têm uma tendência dramática e acham que tudo é o fim do mundo. Quem nunca perdeu um namorado e achou que morreria? Quem nunca sofreu de abandono? De traição? Isso faz parte do ser humano. No momento que ocorre uma tragédia, parece que o mundo está chegando ao seu fim, que nunca mais amará ou confiará em alguém. Eu estava me sentindo abandonada, descartada e indesejada. Uma mágoa pelos Stones se apossou de mim. Eles me tratavam como filha e ali simplesmente me abandonavam. O meu mundo não tinha mais
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sentido. Nada mais poderia me fazer feliz. Tinha a certeza disso. Eu o abracei forte e chorei. Chorei, chorei e deixei a dor tomar conta.
— Eu te amo! Nosso amor será‖ para sempre‖. Nunca se esqueça disso, Lizzy. Eu irei te reencontrar. Não precisa ter medo. Nosso tempo de dor e solidão começa agora, mas eu prometo que no dia que estivermos juntos novamente eu te amarei tanto, mas tanto, que vai enjoar de mim. Tudo o que eu disse nesses anos é a mais pura verdade.
Justin começou a chorar também. Poucas vezes na vida eu o vi chorando daquela maneira. A sua dor era a mesma. Sabia que se pudesse ele não iria, mas não podia. Não era a sua decisão. Ele nem tinha feito quatorze anos. Era apenas um moleque aos olhos do pai e da sociedade.
Fomos para fora e ficamos ali à espera dos pais dele. Tudo já estava pronto para a partida. A maioria dos móveis que levariam já havia seguido no caminhão da transportadora. As malas já estavam no carro. Só faltava a última despedida.
O sr. e a sra. Stone saíram do carro e vieram até nós. Acenaram para a minha mãe, que observava tudo na porta de nossa casa. Ambos me abraçaram e a sra. Vanessa beijou a minha testa. Falaram algo para Justin e depois foram para o carro.
Doía tanto dizer adeus. Acho que foi a coisa mais difícilque já fiz na minha vida até aquele momento. Mesmo assim eu acreditei quando Justin me disse com a voz chorosa: ―Eu te amo! Nosso amor será para sempre‖. Seus lábios quentes e úmidos tocaram a minha testa naquele beijo de despedida, enquanto as lágrimas molhavam o meu rosto. Ele não queria ir, mas não tinha alternativa. Seguir seus
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pais era o seu dever e foi isso que fez ao dizer adeus e me deixar para trás com o coração partido. Ali eu entendi o real significado da palavra saudade.
Fiquei na beira da calçada, vendo-o entrar no carro e tocar o vidro com as duas mãos abertas. Sua face era de dor. Aquilo só fez meu coração doer ainda mais. Enquanto o carro se afastava, li em seus lábios as últimas palavras: ―para sempre‖.
Os sete meses passaram lentamente. Todos os dias eu fazia a mesma pergunta. Estava angustiada, morrendo de saudade e louca para receber uma única carta, que indicasse que Justin não havia se esquecido de mim... Sempre a mesma coisa... Sempre em vão. Aquilo estava me matando dia a dia, consumida pela solidão e sentimento de desprezo e abandono.
— Mamãe! Mamãe! Chegou alguma carta para mim? — Eu gritei da porta ao entrar em casa. Ela veio até a sala e vi que seu rosto novamente estava marcado. Segurou-me pelos ombros e me sacudiu de forma violenta. Estava descontando a raiva e a frustração sobre mim. Normal. Como sempre.
— Você é burra? Idiota? Será que não vê que ele não escreverá mais? Já se passaram sete meses e aquele garoto mimado deve ter encontrado algum outro ―bichinho‖ de estimação.
Aquilo foi como uma bofetada em meu rosto. Ela já havia dito barbaridades depois da partida dos Stones. Ali estava com muita raiva da surra levada e descontava em mim suas frustrações. Não era justo. Acho que ela também sabia. Mas eu era o ponto mais fraco da família.
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— Você não vê que os Stones perceberam que o namorico de vocês estava avançando demais e por isso foram embora? O respeitável sr. Jonathan Stone tinha muitos planos para o filhinho. O tratava como um principezinho e dizia que seria um grande advogado. Você acha mesmo que ele deixaria uma ―garota insignificante‖ estragar os seus planos? Acha mesmo? Se você engravidasse de Justin, o futuro dele estaria em risco, sua imbecil! Foi por isso que partiram.
As lágrimas queimaram em meus olhos. Não havia como conter. Como uma mãe poderia ser tão cruel a ponto de magoar-me daquele jeito? Ela me viu sofrendo durante sete meses e mesmo assim fazia isso.
Nos dois primeiros meses Justin me escreveu todas as semanas. Depois as cartas pararam e as que enviei voltaram.
O destinatário não foi encontrado, segundo o carteiro. Isso significava que os Stones haviam se mudado novamente. Mas Justin não se esqueceria de mim. Por que não me escrevia? Era a pergunta que me fazia todas as horas do meu dia. A saudade doía tanto que fiquei doente, emagreci e perdi todo o brilho dos olhos e a vivacidade em meu rosto. Era uma menina magrela, pálida e amarga. As pessoas da cidade passaram a me ignorar depois da partida dos Stones. Era como se não existisse para eles. O mais doloroso de tudo era o silêncio de Justin. Ele disse ―para sempre‖ e eu tinha fé nisso. Não podia ter esquecido tudo o que vivemos. Algo grave tinha acontecido e eu sentia aquilo. Pelo menos fingia para mim mesma, par manter a chama acesa. Minha fé, apesar da dor, continuaria inabalada.
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E foi assim que eu vivi. Dia após dia tentando alimentar a minha fé, com orações e pensamentos positivos. Eu sabia que se fosse da vontade de Deus, um dia Justin e eu nos reencontraríamos, mesmo que fosse no ―fim do mundo‖. Minha espera durou dez anos. Foram os piores da minha vida, mas eu sobrevivi.
New Haven, Cidade Universitária de Yale, 2004.
— I’m standing on a bridge... I’m waiting in the dark... I thought that you’d be here by now...There’s nothing but the rain… No footsteps on the ground... I’m listening but there’s no sound... Isn’t anyone trying to find me? Won’t somebody come to take me home? — Eu dirigia por New Haven, voltando para o alojamento no campus universitário de Yale. Mary Ann, minha companheira de quarto, fazia cara feia com a cantoria.
Aquele era um dos hits do momento e a letra me fazia lembrar de Justin. Mesmo após dez anos eu continuei com a minha fé. Sabia que um dia nossos caminhos se cruzariam. Pedia por isso todos os dias. Quando a letra dizia: ―há alguém tentando me encontrar? Alguém virá me levar para casa?‖, mexia terrivelmente com o meu coração. Fazia questionar a minha própria fé. Justin estaria realmente tentando me encontrar? Ele sentia tanta saudade quanto eu? Passei os últimos dez anos da minha vida vivendo como se fosse um fantasma. Trabalhei duro e estudei muito para conseguiruma bolsa de estudos na universidade, onde ele, um dia, pretendeu estudar. Seus pais se conheceram durante o curso em Yale e ir para lá era um de seus sonhos. Por isso, mesmo sendo uma das
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universidades mais caras e rigorosas do país, fiz o impossível para conseguir a bolsa de estudos. A melhor aluna, a mais aplicada e dedicada em todas as escolas por onde passei desde que fugimos de meu pai em Chilton. Meu currículo escolar era impecável e uma conhecida de minha mãe possuía parentes em Yale. Com um golpe de destino e alguns empurrõezinhos consegui entrar com bolsa. Não pagava os meus estudos, mas o custo de vida era muito alto. Manter-me no alojamento, a comida, gasolina para o carro, xerox e livros exigiam muito de mim. Ao contrário da maioria de alunos, ―filhinhos de papai‖, eu não tinha quem me manter. Mesmo assim permanecia confiante e cantava. Algo dentro de mim dizia que Justin estava vindo. A cada dia tinha mais certeza. Não perderia a fé. Nunca! Ele estava procurando por mim! Sabia disso.
— Olha, Lizzy, um acidente! — Mary Ann disse, e comecei a diminuir a velocidade.
Havia um carro capotado entre os arbustos, outros três parados ao lado do acostamento e uma ambulância. A aglomeração de alunos acompanhava o resgate. Não sei o motivo, mas senti uma estranha angústia. Após observar uns momentos, dei partida e continuamos o nosso caminho. Estava cansada demais naquela noite. Eram três da madrugada, já havia me matado naquele bar e precisava dormir. Por sorte na manhã seguinte não teria aula. Mesmo assim tinha várias coisas para fazer. Não podia me dar ao luxo de acompanhar o resgate de um filhinho de papai, que estava provavelmente bêbado.
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Cheguei ao alojamento exausta, joguei-me na cama e apaguei. Não consegui permanecer mais um minuto acordada. Dormi como uma pedra. Estava muito cansada.
— Acorda, dorminhoca! — Mary Ann deu-me uma travesseirada para que acordasse.
Queria matá-la por me chamar tão cedo. Inferno! Uma pessoa nem podia dormir direito. Acordei resmungando.
— É bom que tenha um motivo justificável para me acordar a essa hora! — Disse, de mau humor, e me sentei sobre a cama. — Sabe bem a hora que fui dormir.
Era grata a ela por tudo, tudo mesmo. Nem sei como seriam as coisas, caso não a tivesse comigo dividindo aquele alojamento. Mas minha paciência estava no limite. Meu corpo estava exausto depois de uma árdua jornada de trabalho. Assim como meu pai, um dia, virei uma espécie de faz tudo, matando-me de tanto trabalhar. As oportunidades para descanso eram poucas. Ela sabia disso e poderia ter o mínimo de consideração.
— Você se lembra daquele acidente de ontem? Pois bem, madre Tereza, o rapaz está muito mal e fará duas cirurgias hoje. Precisam de sangue universal. E sei que você é doadora universal. Como é boa, caridosa e tem pena de todos os desafortunados, achei que gostaria de fazer uma boa ação hoje. Não tem aula agora e poderia ir até lá doar o seu sangue, consolar a família e orar por ele. — Ela fez uma careta de deboche. Odiava quando me tratava daquela forma, mas foi a pessoa que me ajudou quando cheguei. Graças à sua família conseguimos um alojamento amplo, com dois quartos, uma sala e um pequeno banheiro. Sempre quebrava os
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meus galhos e apesar de não ser rica, sempre que precisava me ajudava com dinheiro. Era a minha amiga. A única desde a partida de Justin.
— OK! Vou tomar um banho e ir ao hospital. Tenho que levar as roupas na lavanderia, lavar o banheiro e fazer uma pesquisa para um trabalho. Ainda bem que hoje à noite estou de folga. — Levantei, estiquei os braços e pernas e me espreguicei. Estava morta, mas se uma coisa eu aprendi com os Stones foi ajudar o próximo. Como poderia amar a Deus e negar o meu sangue universal para um pobre acidentado?
— Bom dia! Eu vim doar sangue para o rapaz que se acidentou no Campus de Yale na madrugada. — Disse para a atendente do Yale-New Haven Hospital.
A moça sorriu e me deu um formulário para preencher.
— Pode sentar-se ali e preencher o formulário. Uma enfermeira já acompanhará para o teste de compatibilidade e coleta de sangue.
Assenti com a cabeça e caminhei para uma das cadeiras na sala de espera. Enquanto preenchia o formulário, vi que se dirigiu para uma senhora, que estava de costas para mim, e falava com uma enfermeira. Abaixei os olhos e continuei escrevendo. Não entendia o motivo de tanta burocracia se tinham tanta urgência. Comecei a ficar impaciente ao escrever. Escutei passos de andar de uma mulher com salto alto e vi uma sombra no chão. Levantei a cabeça e fui tomada pelo choque.
— Senhora Vanessa... — Perdi a fala, meus olhos encheram de lágrimas e uma dor aguda se formou em meu peito.
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Comecei a concluir que... Oh Deus! Justin! Justin era o rapaz acidentado. Por isso me senti estranha ao passar pelo acidente.
— Elizabeth! Oh, Elizabeth, é você mesma? — Ela estava chorando.
Naquele momento eu congelei. De todas as pessoas que pensei que pudesse encontrar naquele hospital, a última seria a sra. Vanessa Stone. Dez anos haviam se passado desde a última vez que nos vimos, mas ela continuava linda. Tinha uma postura impecável, o seu rosto não mudara nada. Apesar do cansaço e do choro pelo filho, pude perceber claramente como os anos foram favoráveis à sua beleza. Ali, via a mulher que foi praticamente uma mãe para mim. Parecia desolada de tanta aflição e o seu pesar tinha razão de ser. O filho estava entre a vida e a morte naquele momento.
— O nosso Justin... — Dessa vez foi ela quem perdeu a fala.
Nós nos abraçamos e choramos juntas. Pela primeira vez em muitos anos eu me senti em casa. Por mais estranho que possa parecer, os braços da sra. Vanessa me fizeram lembrar de um tempo bom, onde eu fazia parte da família. Era amada e cuidada por ela como uma filha. Como senti saudade. Queria que o tempo retrocedesse naquele momento.
Como o destino foi travesso. Se Justin era o rapaz acidentado, estivera perto de mim todo o tempo, enquanto eu me lastimava pela saudade. Foi preciso uma tragédia para colocá-lo novamente em meu caminho. Agora estava ali para consolar a sua mãe e dar o sangue que garantiria a sua vida. Mesmo assim eu estava feliz... Muito feliz! Ele viveria! Eu sabia disso. Deus não seria cruel de levá-lo de mim agora que encontrara. Trabalhei a minha fé por dez anos
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e agora ele estava agindo em meu favor. Tinha certeza e dava glórias aos céus por isso.
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Capítulo 8
O meu choro, primeiramente pela emoção do reencontro, passou a ser de desespero. Depois de tanto tempo sem notícias, o ―meu Justin‖ estava tão perto e ao mesmo tempo tão longe. Uma dor aguda se apossou do meu coração. Por alguns segundos cheguei a ficar sem ar. O medo se misturou com a dor e se não fosse a força daquela mulher, teria caído ao chão.
— Senhorita Elizabeth! — A enfermeira chamou e nos tirou do transe. Nos nós afastamos e nos olhamos por segundos.
— Venha comigo, por favor. O paciente já está em cirurgia e será necessário sangue. Temos outro doador, mas não é suficiente. Depois do teste de carga e da coleta, a senhorita pode terminar de preencher o formulário. — Disse tudo muito rápido e demorei a digerir a informação. Assenti com a cabeça, afastei-me da sra. Vanessa e segui a enfermeira.
O procedimento demorou um pouco e todos os minutos pareceram uma eternidade desesperadora. Não parava de pensar em Justin sendo operado e correndo risco de vida. As lágrimas caiam inconscientemente de minha face e intimamente orava a Deus pela sua recuperação. Ele há muito tempo ensinara-me a ter fé. Ali,
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em meio ao meu medo, treinava a minha fé. Era a única coisa que tinha a fazer. Pedir de todo o coração, acreditando no milagre.
Terminado o procedimento, voltei à sala de espera e encontrei a sra. Vanessa recostada em uma das cadeiras. Ela parecia exausta. Também não era por menos, provavelmente havia passado a madrugada ali à espera de notícias do filho. Se bem conhecia o sr. Jonathan, devia estar acompanhando a cirurgia, senão operando o filho. Caminhei até ela, sentei-me ao seu lado, peguei a sua mão e a beijei em um gesto inconsciente.
Eu amava aquela mulher como uma verdadeira mãe. Queria tanto diminuir o seu sofrimento. Nada se compara à dor de uma mãe, eu já sabia. Mais ainda uma tão presente como ela.
— Ele ficará bem. Acredite em um milagre. — Disse, para tentar acalmá-la.
— É tão difícil saber que meu filho está entre a vida e a morte. — Ela choramingou. O cansaço já era evidente nas suas expressões corporais. Ela encostou a cabeça em meu ombro e ali ficou olhando para um ponto fixo. Parecia em transe.
— Justin me ensinou a ter fé. Eu tenho muita fé, sra. Vanessa. — Disse com a voz firme.
Eu não vacilaria naquele momento. Para receber um milagre é preciso crer e eu sabia bem disso. Por mais duras que fossem as circunstâncias, permaneceria confiante no restabelecimento dele. Se me deixasse duvidar, acho que enlouqueceria.
— Deus não o trouxe para a minha vida novamente, para levá-lo assim tão rápido. Ele tem um plano para nós. Eu acredito nisso...
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Sempre acreditei. — Afirmei. Tentava ser corajosa, apesar do meu coração doer muito naquele momento.
— Ele também... — Ela sussurrou. — Ele sempre achou que vocês se encontrariam novamente. Te procurou por muito tempo e quando já não tinha mais para onde recorrer, entregou nas mãos de Deus... Meu filho sofreu. — Ela se lamentava e chorava pelo sofrimento do filho.
Eu me compadeci da mulher. Nunca a vira daquela forma. Queria fazer algo para amenizar a dor, mas não podia lidar direito nem com a minha própria dor.
— Mas o que aconteceu? Por que ele parou de me escrever? As minhas cartas voltaram depois de um tempo. Eu esperei, esperei, esperei... Até o dia em que fugimos.
Era difícil falar sobre aquilo. Relembrar o passado fazia com que me sentisse rejeitada. Primeiro eles foram embora sem cogitar a ideia de me levar. Depois simplesmente sumiram. Em que acreditar? Era tão doloroso pensar nos natais que passei chorando em minha cama. Nos aniversários que não comemorei e em tudo que abri mão por ter me tornado tão introspectiva. Uma criança que mal falava e não conseguia se relacionar com as pessoas. Depois que perdeu Justin, essa criança trancou-se em um mundinho só seu. Desde então seguiu sozinha e a única coisa que a mantinha viva era a fé em Deus e no amor de Justin.
— Dois meses depois que chegamos a Chicago, Justin ficou muito doente. Pensamos que era psicológico, sabe? Mas os exames nos mostraram uma realidade muito cruel. Meu filho estava com leucemia. — Ela começou a chorar novamente. Meu coração estava
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tão apertado que o relato chegava a sufocar. De todas as coisas que pensei, essa era a última que podia imaginar.
— Jonathan achou melhor ir para um hospital mais equipado e por isso nos mudamos para Washington. — Ela começou a soluçar enquanto contava. Era penoso ouvir o relato. — Eu quase perdi meu filho. Nossa vida se tornou um inferno. Esperamos na fila de doadores, mas ele ficava cada vez mais fraco. Oh, Lizzy! Todos os dias ele chamava por você. Era tão doloroso... Tão doloroso... Como meu bichinho sofreu... — Lágrimas corriam pelo meu rosto a cada relato. Tentava imaginar tudo em minha mente. A coisa só ficava pior.
— Se não quiser mais falar, tudo bem. — Tirei os cabelos de seu rosto molhado.
— Não! Eu quero falar. Eu preciso desabafar, filha. O dia que for mãe saberá o desespero que é ver seu filho morrendo. Eu fui ao extremo, mesmo sem o consentimento do meu marido. Li alguns artigos em que mães se sacrificaram e engravidaram para salvar os filhos. Então eu engravidei e do meu bebê veio a cura para Justin. Nossa vida ficou de cabeça para baixo. Eu tinha um filho no hospital e um bebê recém-nascido para cuidar. Foi tão difícil... Oh! Foi muito doloroso, mas valeu a apena. Justin está vivo e com saúde, e Jony é um menino lindo e esperto. Você precisa conhecê-lo, Lizzy. — Ela começou a rir e a chorar em uma crise histérica. Eu não sabia o que fazer. Continuei a ouvi-la, enquanto chorava com aquele relato.
— Meu Jony é muito precoce. Você vai ver, minha filha. Ele sabe de tudo, conversa sobre tudo, é muito bom, inteligente, amável e brincalhão. Você e Justin juntos não me deram um terço do
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trabalho que Jony me dá. Todos os dias recebo queixa na escola... O meu filhotinho é tão danado.
— Nossa! A senhora engravidou para salvar Justin? Isso é tão... Incrível. — Não conseguia medir o tamanho da coragem daquela mulher. Foi capaz do ato mais generoso do mundo. Foi às últimas consequências para salvar o seu filho. Só amor de mãe é capaz de algo tão belo e corajoso. Eu a abracei forte. — A senhora é uma heroína, sra. Vanessa. Obrigada por salvar o ―meu Justin‖.
Coloquei a sua cabeça em meu ombro e deixei que chorasse. Ela precisava desabafar toda a sua dor. Ficamos ali juntinhas, até que alguns jovens começaram a chegar para cumprimentá-la.
Eram amigos de curso de Justin. Entre eles pude ver que uma moça alta, de cabelos negros, com uma maquiagem gótica e toda vestida de preto se aproximava. Parecia impaciente. Não sabia quem era, mas tive um mau pressentimento naquele momento.
— Sra. Stone, como ele está? — Perguntou um dos rapazes. Ele tinha os cabelos cor de cobre, era alto, muito branco e um rosto muito bonito. Parecia um ator de Hollywood.
— Está sendo operado, Elton. — Ela respondeu para ele, que se aproximou, ajudou-a se levantar e a abraçou. — Ele ficará bem. Justin é muito forte. Não será um acidentezinho que o derrubará. — Disse.
Os outros permaneceram em silêncio e a moça gótica continuava a olhar com cara de poucos amigos. Senti um frio no estômago com seu olhar aniquilador.
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— Meninos, essa é a Lizzy. — Ela me apresentou e todos fizeram cara de espanto. A garota... O que dizer dela? Ficou pálida por uns segundos e depois suas feições eram de puro ódio.
— Ahn? Você é a Lizzy do Justin? — O outro rapaz loiro perguntou. Ele tinha uma cara emburrada e os olhos verdes muito misteriosos. Ficou me analisando, como se aquilo fosse uma piada.
— Ela é a Lizzy do Justin. Imaginem que ouviu sobre um acidente com um jovem e sobre os pedidos de doação de sangue. Minha Lizzy, como tem o coração do tamanho do mundo, veio fazer a caridade sem saber que o rapaz era Justin. — Sra. Vanessa falava como se eu fosse da família. Havia uma intimidade que todos notaram. A moça que estava ladeando os rapazes torceu o nariz e me analisou dos pés a cabeça. As outras três olharam para ela e depois para mim. Pareciam um pouco céticas sobre o assunto. Foi uma coisa um pouco constrangedora. Sentia-me como um animal prestes a ir ao abatedouro, sendo avaliada por seus carrascos.
— Prazer, Lizzy! — Um grandão veio logo me abraçando e me beijou no rosto. — Eu sou Edmond, esses são Elton, Jared, Brooke, Rose, Tereza ou Tessa, e Melissa. — Ele foi apontando um a um, quando a garota o interrompeu.
— Melissa! — Ela cruzou os braços na altura do peito e se postou diante de mim. — A namorada e futura esposa de Justin.
Aquilo foi como um soco no meu estômago. Uma estranha angústia se apossou de mim. Tentei abrir a boca para falar, mas não consegui. sra. Vanessa, percebendo o constrangimento, puxou-me pelo braço e se postou ao meu lado numa pose protetora. Olhou para ela de forma desafiadora. Houve um embate de olhares por
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alguns segundos. Que situação! Eu me sentia traída. Mesmo após dez anos e sabendo que Justin tinha sua vida, sentia-me traída e abandonada. Queria me enfiar em um buraco.
— Bem, as apresentações já foram feitas. Agora só nos resta aguardar. — Disse e foi me puxando para uma das cadeiras.
Percebi que ela queria me tirar da linha de frente de batalha. A moça estranha que estava a poucos metros não estava nem um pouco disposta a perder território. Eu, por minha vez, não sabia até que ponto Justin gostava dela e como era a relação deles. Pela declaração dela, estavam juntos há um tempo e tinham planos para o futuro. Aquilo me magoou tanto. Foi tão estranho e pela primeira vez tive minha fé em Justin abalada. Não sabia se minhas orações seriam ouvidas e se teríamos um futuro juntos.
Enquanto dirigia para sua casa no final do dia, a sra. Vanessa disse:
— Graças a Deus que a operação correu bem. Mais alguns dias Justin estará em casa. — Deixei o carro no hospital e a acompanhei para buscar algumas coisas para Justin e também para conhecer o famoso Jony. Ela não parava de falar de como o filho mais novo era especial e eu fiquei bem curiosa a respeito dele. Pela descrição, o menino era um verdadeiro peralta.
— Ele sairá dessa. A senhora vai ver! Queria tanto poder falar com ele logo. Estou tão ansiosa para isso. Depois de tantos anos me sinto tão estranha. — Disse para ela sem pensar.
Ela sabia muito bem como era a nossa relação antes e provavelmente estava imaginando o que ainda sentia por Justin.
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— Lizzy, deixa eu te dizer uma coisa. Justin demorou um pouco a ter uma vida normal depois da leucemia. Ainda pensando em você, só se tornou mais tímido. Levou muito tempo para ele gostar de uma garota e namorar alguém. Sei que você está nervosa com o encontro, mas não fique. Conheço o meu filho e tenho certeza que ele ainda sente algo. Sempre que pode ele fala de você. Quando vai à nossa casa, mexe nos álbuns de fotos e vê os filmes caseiros que fizemos. Hoje ele está com essa garota... Melissa! Garota insuportável e dissimulada.
Nunca tinha ouvido a sra. Vanessa falar mal de alguém. Aquele desabafo era algo realmente novo para mim. Fiquei em silêncio tentando assimilar a maior quantidade de informações. De uma coisa tinha certeza: Ela não gostava da candidata à nora e faria o possível para tirá-la do caminho. Estava contando com minha ajuda para isso.
— Ela é fingida e falsa. Justin certa vez deixou escapar que ela o perseguia. Ela o venceu pelo cansaço, isso sim. Meu filho não namoraria uma criatura tão fingida como essa. Seja lá como for, os dias de reinado estão contados. Assim que ele a vir... — Deu uma sonora gargalhada. — Essazinha não terá a menor chance.
Ela tagarelou nos minutos seguintes, falando mal da nora.
— Chegamos! — Estacionou o carro em frente a uma linda casa.
Abri a porta e sai. Fiquei parada olhando o novo lar dos Stones. Senti uma pontada de dor no coração. Se eles tivessem me levado junto, aquele também seria o meu lar. Fechei os olhos e forcei
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aquele pensamento a sair. Não queria esse tipo de pensamento negativo agora. Eles fizeram o que tinham que fazer e pronto!
Caminhamos a pé pelo jardim bonito jardim, até a entrada da casa branca, de dois andares, quando a porta se abriu e uma linda criança saiu e veio correndo para mim. Quando o vi, as lágrimas escorreram pelo meu rosto. Não consegui conter o choro. Era idêntico a Justin quando tinha oito anos.
— Você é a Lizzy do Justin?
Ele se jogou nos meus braços e se pendurou no meu pescoço. Quase cai no chão. Comecei a rir achando graça e a sra. Vanessa o repreendeu.
— Jonathan Júnior Stone! Quer largar o pescoço da Lizzy! — Ela ordenou, mas percebi que estava prestes a rir.
Pensei em como devia ser difícil para ela lidar com uma criança tão energética.
— Ah, mãe! Ela é muito mais gostosa do que nas fotos de menina. Muito linda! Olha se Justin não te quiser, eu te quero. Tá legal? — Eu me agachei e Jony beijou o meu rosto.
Tive que me forçar a não rir. Ele falou tão bonitinho e de forma tão natural que chegou a ser engraçado.
— Você é tão lindo, sabia? — Perguntei beijando o seu rosto e ele gargalhou. Ao olhar para ele, um filme se passava em minha mente. Como podia ser tão idêntico ao irmão? Pensei.
— Sou uma versão melhorada do meu irmão e do meu paizão. Não acha? Ó, Olha só como sou lindo! Mamãe me chama de seu filhotinho. É mole? Isso soa muito afeminado, mas eu nem ligo.
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Nem a sra. Vanessa conseguiu se conter dessa vez. Ali eu entendi tudo o que ela falou sobre o filho. Ele era extremamente inteligente, falante e espontâneo. Se irritar com uma criança como ele era praticamente impossível. Se bem que eu desconfiei que ele fosse a única criatura no mundo, tirando a tal Melissa é claro, que podia tirar a sra. Vanessa do sério.
— Vamos, Lizzy! Quero te contar tudo sobre o meu irmão, mostrar fotos, vídeos e alguns segredos. Ele acha que não sei, mas nada acontece nessa casa sem que eu saiba.
Pegou-me pela mão e me levou para dentro da casa. Pensei que me mostraria toda a casa. Mas ao contrário disso, ele me levou direto para o quarto de Justin e começou a me mostrar os álbuns de fotos e falar da vida do irmão. Já estava ficando tonta com toda aquela empolgação. Jony falou de cada ano, cada travessura, as namoradas e as poucas confusões que o irmão arrumou. A mãe ouvia tudo enquanto arrumava algumas roupas antigas em uma mala. Como Justin morava com os amigos em um apartamento em New Haven, ali só havia roupas antigas, mas que serviriam para ficar no hospital por alguns dias e depois para voltar para casa. Eu observei os detalhes no quarto com curiosidade e vi em cada detalhe tudo o que perdi da vida dele. Justin continuava a amar música e havia aprendido a tocar violão e guitarra. Havia um pequeno piano no canto do quarto. Ele passou a colecionar carros em miniatura e continuava adorando as estrelas, pude perceber pela decoração do quarto e o seu novo telescópio.
Em uma das paredes havia um quadro enorme com fotos dos antigos colegas pregadas. Vi que conservou muitas fotos minhas, do
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tempo de criança, e do início do nosso namoro. Na cabeceira da cama havia quatro porta-retratos. Em uma das fotos eu estava sozinha e tinha quase quatorze anos. Foi um pouco antes de sua partida de Chilton. Em outra estávamos juntos na praia e tínhamos cerca de dez anos. No terceiro porta-retrato eu era muito criança e deveria ter uns sete anos.
O que me chamou a atenção foi uma em que eu aparecia bem mais velha. Nunca tirei aquela foto. Fiquei pensando em como aquilo era possível e Jony me explicou que o irmão usou a foto em um programa usado para envelhecer as pessoas. Ele aproximou a idade dos dezoito anos para saber a aparência que eu teria. Segundo a narrativa dramática do menino, o irmão olhava para ela todos os dias e em cada moça loira que via, procurava os meus traços. Meus olhos encheram de lágrimas naquele momento.
— Será que os médicos nos deixarão vê-lo hoje? — Ele disse, enquanto a sra. Vanessa continuava procurando algo para o filho.
— Xiiii! Papai é muito certinho, Lizzy. Se o conheço bem, ele as deixará pelo menos mais três dias esperando. Olha o que estou te dizendo. — Jony opinou.
— Você fala demais, menino. — A mãe o advertiu. — Ele me deixou vê-lo e me garantiu que quando não houver mais o risco ele a deixará entrar, filha. Fica calma! — Ela pediu.
Para ela era fácil dizer. Não estava há dez anos sem vê-lo. Se soubesse como meu coração estava desesperado não me pediria calma. Aff!
— Estou ficando angustiada com essa espera. Cada minuto que passa parece um tormento. — Respondi.
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Se ansiedade matasse, estaria morta e enterrada. Depois de tantos anos de espera, cada segundo parecia crucial para mim. Não sabia como seria o nosso reencontro e como ele reagiria. Estava consumida por aquela urgência, como se minha vida dependesse daquele encontro.
— Vocês terão a vida inteira pela frente. — Ela disse com confiança enquanto dobrava algumas peças de roupa.
Isso se ele ainda me quisesse. Será que tinha alguma chance? Ele tinha a tal Melissa. Será que sentiria algo por mim? Comecei a me questionar sobre tudo e a coisa só piorava. Só ficaria bem quando o visse e falasse tudo o que precisava. Tinha que ao menos ter certeza dos seus sentimentos. Se ele não me quisesse... O coração doeu ao pensar naquilo. A Sra. Vanessa conhecia bem o filho, mas as pessoas mudam e a forma como pensam e agem se transforma com a maturidade. Éramos apenas crianças quando nos conhecemos e isso fazia grande diferença. Eu não tinha garantia nenhuma. Apenas um coração palpitando e o medo de uma rejeição.
— E se ele não te quiser, eu continuo te querendo. Só terá que me esperar mais uns anos, meu bem. A forma é a mesma. A diferença é que sou uma versão zero quilômetro mais arrojada.
Jony fez uma cara de homenzinho e eu não consegui evitar gargalhar, mesmo com a tensão me consumindo. Há muito tempo não ria tanto na vida. Aquele menino era realmente uma graça. Depois de cinco dias, como previu Jony, o sr. Jonathan deixou que o filho recebesse visitas. Nem os apelos da sra. Vanessa funcionaram com ele nesse sentido. Ela foi a única a entrar no quarto naquele
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tempo. Agora, estava ali sozinha diante da porta que me separava da minha felicidade.
Eu estava do lado de fora do quarto. Meu corpo inteiro tremia de nervoso e medo. Não sabia o que ele acharia de mim após dez anos. As minhas amigas borboletas voltaram com toda força e começavam uma grande festa no apê do meu estômago. As minhas mãos suavam frio e eu não parava de pressioná-las. Os sentimentos fluíam como uma intensidade que não conseguia controlar. O meu grande medo era de desabar quando o visse novamente. Não sabia como eram os sentimentos dele por mim. Tinha medo de me decepcionar e ao mesmo tempo vontade de acabar de vez com aquela angústia.
Era mais do que eu poderia suportar. Minutos intermináveis se passaram até que a porta se abriu e Jony veio me chamar. Perdi o fôlego naquele momento e quase caí. Ele segurou a minha mão de um jeito protetor. Parecia realmente um homenzinho.
— Tudo dará certo. Quando ele soube que você estava aqui, quase teve um colapso nervoso. Acho que mais uma dessas o meu irmão bate as botas de vez e você terá que se contentar comigo. — Jony conseguiu me tranquilizar, com seu habitual humor, e entrei no quarto.
O tempo parou no momento em que eu o olhei. Vi toda a minha vida passar diante dos meus olhos. Lembrei-me de todos os anos que passei sozinha à sua espera, os aniversários não comemorados, os Natais de solidão, as novas cidades e pessoas que conheci... Tudo ali diante de mim. A dor foi tão forte que não me aguentei. Coloquei as duas mãos sobre a boca e comecei a chorar
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muito. Ele me olhava e pouco a pouco também começou a chorar. Jony me ajudou a caminhar até a cama. Sentei-me diante dele e ficamos nos olhando em silêncio. O mundo parou naquele momento.
Percebi que Jony e os pais saiam de fininho, enquanto nos analisávamos sem a menor pressa. Justin me olhava de um jeito que parecia despir minha alma. Já havia visto aquele olhar muitas vezes. Em todas elas estávamos nos braços um do outro, apenas curtindo o tempo juntos. Mas ali... Ali havia um novo conhecimento. Éramos muito íntimos e ao mesmo tempo não sabíamos mais nada um do outro, além do fato do amor ainda existir. Meu coração batia freneticamente com aquele reconhecimento em seus olhos. Era mais do que poderia esperar. Valeu a penar ter fé e manter os sentimentos vívidos dentro de mim só por aquele único instante.
Justin pegou a minha mão e fez carícias. Meu corpo inteiro se arrepiou e meu coração só faltou explodir. Comecei a chorar e ele me abraçou forte. O seu corpo era forte e musculoso. Não era mais aquele menino franzino que me deu o primeiro beijo. Era um homem lindo, maravilhoso, atraente e... Oh Goshhhhh! Delicioso! Sabia, desde o momento em que nossos olhares se cruzaram, que me perderia em seus braços. E se ele me rejeitasse... Seria o fim. Não conseguiria suportar viver sem ele novamente. O medo e a ansiedade fizeram a dor voltar com tudo. Chorei em seus braços todos aqueles anos. Todos os aniversários não comemorados, todos os Natais, dias dos namorados, feriados de ação de graça que perdemos durante dez anos.
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Quanto mais Justin me abraçava, mais doía a lembrança da perda e o medo dele me abandonar novamente. Mesmo agora, com meus vinte e quatro anos, senti-me como aquela menina de cinco anos, que sentia fome, sentada na soleira da porta, que foi acolhida por um doce menino. Só que dessa vez ele não era mais um menino e eu, muito menos, uma menina. Éramos homem e mulher e já me sentia queimando por dentro. Precisava dele mais do que o próprio ar que respirava.
Depois de momentos abraçados, Justin se afastou e colou a sua testa na minha. Nossos olhos estavam agora frente a frente, fitando-se com grande intensidade. Eu me perdi completamente naqueles olhos negros. Não havia mais passado e futuro. Só havia o presente... Comecei a arfar e meus seios subiam e desciam naquele descompasso da minha respiração.
Justin baixou o olhar e parou ali. Mais uma vez a chama do desejo estava presente. Eu me lembrei da primeira vez que nos beijamos de língua. O desejo estampado no rosto era muito forte. Ele queimava cada célula do meu corpo. Parecia um predador faminto e eu sabia onde aquilo poderia terminar. Não éramos mais crianças e queríamos a mesma coisa. Queríamos sentir a chama que foi impedida de crescer quando éramos pré-adolescentes descobrindo o amor.
— Lizzy... — Ele conseguiu falar após um longo tempo.
Sua voz rouca e penetrante invadiu os meus ouvidos como música. Fechei os olhos e deixei o som tocar a minha alma. Como quis conhecer o tom da sua voz e agora estava ali... A minha doce melodia.
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— Oh, Lizzy, como eu te procurei. Eu tentei de todas as formas te achar. Doeu tanto não tê-la perto de mim. Fiquei tão mal... Eu quase morri e todos os dias eu pedia a Deus por mais uma chance... Oh, minha Elizabeth! — Justin suspirou fundo e depois fechou os olhos.
Eu sabia exatamente o que ele estava sentindo. Eu me senti daquela forma por dez anos e ainda era difícil, mesmo com ele tão perto.
— Justin... — A voz mal saia de minha boca. Era impossível falar naquele momento. Colei a minha bochecha na dele, fechei os olhos e deixei fluir a eletricidade de nossos corpos. As borboletinhas em meu estômago começavam a dançar em ritmo de música eletrônica.
Tudo acontecia de forma frenética. Posso te garantir uma coisa: se amor matasse, eu estaria morta naquele momento. Porque meu corpo inteiro recebia descargas elétricas. Pequenos choques vinham dos dedos dos meus pés até o meu pescoço. Quando ele passou as mãos pela minha nuca, meu corpo inteiro se arrepiou e soltei um leve gemido. Nossas respirações estavam descompassadas e estávamos a ponto de nos beijar quando escutamos uma discussão na porta. Nos afastamos naquele momento e a porta se abriu. Praguejei mentalmente pela interrupção.
— Justin, meu amor!
A garota gótica usava um vestido negro, com um enorme decote e uma fenda lateral. A sua bota preta era de salto fino e ia até o joelho. No momento em que ela nos viu, sua expressão de ódio poderia matar uma pessoa. Um novo sentimento estranho se
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apossou de mim. Quis estrangular aquela ―coisinha estranha‖ por nos interromper. Ela caminhou até a cama, enquanto o sr. Jonathan e a sra. Vanessa vinham atrás e pediam que ela saísse.
— Melissa, por favor! Justin não pode se alterar. — A sra. Vanessa tentou argumentar.
Eu sabia que ela estava por um fio para perder a paciência. Nunca vira aquela expressão no rosto dela. Nem mesmo quando quebramos um vaso de porcelana, que fora presente de sua avó e estava na família há gerações. Sempre calma e comedida, agora parecia uma leoa furiosa, tentando disfarçar a raiva contra a garota.
— Se ela pode estar aqui... — Ela apontou para mim. — Eu também posso. Tenho mais direito como namorada do que uma coleguinha de infância. — A garota bateu o pé como criança birrenta e continuou a me encarar com olhar mortal.
Percebi que a briga seria boa e nenhuma de nós estava disposta a perder território. Não sabia a dimensão do relacionamento deles, mas meu coração me dizia para mandar aquilo para o inferno e lutar pelo que ―era meu‖.
— Melissa, eu tenho muito que conversar com Lizzy e gostaria que saísse. Depois conversaremos. Temos assuntos a discutir. — Justin disse de forma seca para ela.
Nem parecia haver nada entre eles. O olhar não foi carinhoso ou de medo, como deveria. Ele simplesmente olhava como se ignorasse totalmente a sua raiva. Qualquer outro namorado, marido, amante, ou seja lá o que fosse, ficaria com medo se fosse pego em uma situação como aquela. Ele, no entanto, parecia
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tranquilo e havia desprezo na resposta. Aquilo me fez sentir mais segurança em mim e meus sentimentos.
— Eu não vou! — Ela bateu o pé tão forte no chão que o salto da bota fez um ruído horrível.
Todos fizeram cara feia, mas Melissa não se abalou. Olhava para todos com ar de arrogância, como se tivesse um rei na barriga.
— Não saio daqui! Você é ―MEU‖ namorado e me deve respeito. Se essa fulaninha quer falar algo, que seja na minha frente. — Fez bico e continuou irredutível.
Justin fez uma careta e percebi que estava ficando impaciente. Poucas vezes, quando criança, eu o vi fazer aquele tipo de expressão. Sempre foi muito obediente, calmo, comedido e tentava não aborrecer as pessoas. Acho que só a nossa professora de matemática tinha esse poder sobre ele. Ela, no entanto, nem se abalou. Foi Jony quem fez a pose da moça quebrar com seu habitual jeito espontâneo de se expressar.
— Quer que eu chute a bunda dessa ―noiva do Chucky‖? — Ele perguntou com cara de deboche.
Os pais, Justin e eu nos seguramos para não rir. Jony continuou sério, como se não fosse uma piada. A forma como Jony falou foi engraçada. Estar perto de uma criança como ele, que falava o que vinha à mente, e ainda é super inteligente, às vezes desconserta as pessoas. Aprendi desde o primeiro encontro que qualquer coisa estranha poderia sair de sua boca. Já não me chocava mais com suas peripécias.
— Você me chamou de quê, moleque? — Ela perguntou irritada, tentando controlar o tom de voz para não gritar.
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Estava vermelha de raiva e fuzilou Jony com o olhar. Acho que se pudesse apertaria o pescoço dele. Parecia uma daquelas vilãs bizarras de novelas mexicanas quando eram contrariadas. Uma verdadeira caricatura bizarra. Até me senti ofendida por Justin ficar com uma criatura tão estranha.
— Noiva do Chucky? Ou Barbie monstro? Hummm! — Ele colocou o dedo indicador no queixo e fez cara de pensativo. Foi muito engraçado, engraçado mesmo. — Filha da Mortícia? — Eu mordi os lábios para não gargalhar.
Justin baixou a cabeça e tentou disfarçar o riso. A mãe virou de costas. Pude perceber que estava rindo. O sr. Jonathan fez uma força tremenda para não cair na gargalhada. Melissa ficou branca como um papel. Se pudesse fuzilava o garoto. Apertou os dedos da mão e estava pronta para dar um soco, mas não foi burra de agredir o menino, apesar da raiva e humilhação.
— Eu vou! Mas eu volto. Não pense que isso ficará assim. — Saiu do quarto batendo os pés de forma irritante no assoalho. Quando a porta se fechou todos caíram na gargalhada. Eu chorei de tanto rir e demorou um tempo até conseguir me recuperar.
Toda vez que olhava para Jony, eu me lembrava da expressão de Melissa. Já amava aquele moleque e ele conseguir tirar a garota do sério fez com que ganhasse mais pontos comigo.
— Eu já disse para você não colocar apelidos nos outros, Jony. — A sra. Vanessa disse. — Mas dessa vez foi muito bem feito. Agora vamos deixar os dois conversarem em paz. — Ela segurou o marido por um braço e Jony pelo outro, olhou para mim com cumplicidade.
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O menino olhou para trás e piscou para mim. Tive que me segurar para não rir novamente.
— Você me deve uma, Lizzy. — Jony disse antes de fechar a porta.
— Ele é um menino muito especial. — Comentei, ainda olhando para a porta. Tentava me acalmar, depois daquele furacão. Tocar naquele assunto com Justin seria muito difícil, mas necessário em algum momento.
— É mesmo. Eu o amo muito. Você sabe a história do nascimento dele? — Justin perguntou e consegui olhar para ele.
Não parecia bravo ou desconsertado com a situação. Apenas me olhava com encanto e feições tranquilas em sua face. Abaixei o rosto, respirei fundo e após me recompor, pude responder.
— Sua mãe me contou e eu o amo ainda mais por isso. — Respondi. No momento que o fitei novamente, nossos olhos se encontraram, e a festa rave no meu estômago recomeçou. Como era bom sentir aquela sensação novamente. Ver o sorriso dele, sentir o cheiro, o calor, os braços fortes me abraçando compensavam tudo. O amor que sentia era tão grande que nada me importava. Estava feliz pelo simples fato de tê-lo ali diante de mim. Se morresse no momento seguinte, certamente morreria feliz.
— Não quero falar de Jony e de mim. Quero saber de você. Eu te procurei por tanto tempo. Varri a internet atrás de você e nada de te encontrar. O que aconteceu? Por que não há registro de Elizabeth Marbrook? — Perguntou franzindo o cenho e como costumava fazer quando criança, pegou uma mecha do meu cabeço e ficou brincando com o cacho.
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— Um ano depois que vocês se foram, minha mãe e eu fugimos de Chilton. Eu já estava mocinha e começava a ter algumas formas. Uma noite o meu pai entrou no meu quarto e tentou abusar de mim. Ele me ameaçou, mesmo assim gritei por minha mãe. Ela veio ao meu socorro e os dois brigaram. Ela bateu na cabeça dele com algo e nos trancamos no quarto dela. Depois disso, minha mãe não me deixava só em casa. Passamos uma semana planejando a fuga, ela pediu demissão e pediu segredo. Fez o mesmo na escola e ninguém soube que estávamos de partida. Fomos embora na calada da noite e com medo dele nos seguir, adotamos o nome de solteira da minha mãe. Elizabeth Bynes.
— Santo Deus! — Justin exclamou apavorado. — Como ele pôde? — Perguntou. — Filho da...
Pude ouvir Justin xingando baixinho. Ele nunca foi de falar palavrões ou palavras de baixo calão, mas naquele momento, tentando não me horrorizar, xingou meu pai.
— Você conhecia meu pai. Não é nenhum bicho de sete cabeças concluir que ele perdeu a cabeça. Minha mãe e eu passamos quase dois anos nos mudando de cidade em cidade. Tínhamos medo de ele nos encontrar. Depois chegamos a Springfield. O primo dela, Gregory, mora lá e nos deu acolhida. A partir daí começamos uma vida normal, mas eu passei a assinar Bynes. Só quando entrei em Yale que tive que assinar o meu nome verdadeiro.
— Isso tudo é incrível. Você está em Yale? O que você cursa? Onde mora? O que faz? OH MY GOD! — Ele começou a falar muito rápido.
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Eu sabia como era, porque também eu tinha curiosidade em saber tudo sobre ele. A fome de conhecimento era grande e saber que estava tão perto só fazia aumentá-la.
— Ei! Ei! Espera aí! Já falamos muito e não pode se cansar. O que importa é que agora você está perto de mim. Podemos nos ver sempre. Falaremos sobre as coisas com calma, depois. — Respondi, pois vi como estava se exasperando.
Parecia muito animado com a conversa, mas sabia que ele precisava ficar calmo e não podia ter emoções fortes. Pelo menos foi o que o pai, exagerado, disse quando permitiu as visitações.
— Eu não estou cansado, Lizzy. Estou frustrado por saber que esteve perto tanto tempo. — Ele resmungou e fez um bico lindo.
Os lábios carnudos estavam cada vez mais atraentes e as covinhas no queixo acrescentavam um charme adicional. O homem era uma verdadeira perdição. Eu começava a ficar sem ar só de olhar para ele com mais atenção. Lindo! Maravilhoso! Perfeito! Tudo nele era chamativo. Tive vontade de me perder naqueles lábios. Quanta saudade eu sentia dos beijos... Oh, os beijos! Passei a língua nos meus lábios ao me lembrar deles... Quanta saudade.
— Lizzy, você se lembra do que eu te disse quando fui embora? — Eu assenti com a cabeça. — Para mim continua o mesmo. Quando eu disse ―para sempre‖, queria dizer para toda a vida. Agora eu estou muito enrolado e não quero te prometer nada. Só peço um tempo para arrumar a minha vida. Assim poderemos começar do zero. Quero fazer as coisas certas para nós dois. Você entende o que quero dizer? — Ele perguntou.
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Eu sabia que ele se referia ao rolo com Melissa. Como não saberia, depois do escândalo que ela fez e como fez questão de deixar claro que lhe pertencia. Aquilo me doía, verdadeiramente doía, pensar nos dois juntos se... Aff!
— Você fala de Melissa. — Respondi, tentando parecer indiferente. Minha voz, no entanto, deixava a mágoa transparecer ao falar dela. Apesar de terem se passado dez anos, eu me sentia traída por ele. Absurdo pensar assim, mas a ideia dele beijando e acariciando outra pessoa era simplesmente horrível para mim.
— Sim! Será complicado romper esse namoro e você já viu o tamanho do problema que terei. Não quero que se machuque com isso. Prometo que darei um jeito nas coisas. É só ter um pouco de paciência. Você pode fazer isso por mim? — Ele perguntou de forma temerosa.
Em seu olhar havia medo. Se ele se sentia assim, era por conhecer a criatura com quem havia se envolvido. Ela daria muito trabalho. Não abriria mão dele sem uma boa luta e certamente eu sairia magoada com aquilo. Já previa o que aconteceria conosco.
— Eu sempre amei você, Justin. — Respondi com lágrimas nos olhos.
Eu me senti mais aliviada ao dizer. Só que ele precisava saber que para mim também continuava igual. Queria as coisas claras, por mais que me sentisse constrangida ao falar dos meus sentimentos.
— Eu tive tanto medo de você ter me esquecido quando nos encontrássemos. De não me amar mais e ter outra pessoa em sua vida.
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— Ah, Lizzy! — Ele colou a testa na minha novamente e fechou os olhos.
Senti sua respiração forte em minha face e os lábios quase tocando os meus. Foi nesse momento que a porta se abriu e uma enfermeira entrou. Praguejei internamente com aquilo. Era a segunda vez que estávamos prestes a nos beijar e éramos interrompidos por alguém. Só pode ser praga da “bruxa de Blair‖, pensei naquele momento.
— A hora da visita acabou. — Anunciou.
Senti a frustração vir com tudo. Queria tanto aquele beijo. Quanto tempo esperei para sentir o toque dos lábios e agora simplesmente éramos interrompidos sucessivamente.
Justin assentiu com a cabeça, também frustrado, inclinou um pouco e seus lábios tocaram a minha bochecha e foram descendo até os lábios. Escutamos um pigarrear e ele afastou. Por alguns segundos nos olhamos, ele levou as minhas mãos até os lábios e beijou. Depois que a soltei, levantei-me e beijei a sua testa. Caminhei até a porta, antes de sair olhei para trás e o vi fazendo um bico com os lábios. Acenei e depois sai. Meu coração já doía só de pensar em partir e deixá-lo ali. Queria ficar com ele o resto do dia.
— E ai? Rolou beijo? — Jony quase me derrubou quando saí do quarto.
Ô bichinho fofoqueiro. Estava à espreita para saber o que havia acontecido. Poderia jurar que estava ouvindo atrás da porta.
— Está muito curioso, moleque. — Respondi rindo.
Não queria entrar em detalhes com ele, apesar da insistência. Seria constrangedor falar para uma criança sobre tudo que estava
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sentindo. A aflição, desespero, ansiedade, medo, amor, desejo, dor, excitação... Tudo o que fazia meu coração parecer estar em uma montanha russa, subindo e descendo a toda instante com aquela avalanche de sentimentos conflitantes.
— Quero detalhes, Lizzy. Eu espantei aquela ―noiva do Chucky‖ e agora quero detalhes. — Ele me encarou com aquele olhar travesso e sorriso maroto.
Mais uma vez tive que me conter para não rir. Se desse confiança para Jony, estaria perdida para sempre. A criança sabia como encantar e envolver. Um verdadeiro manipulador.
— Não teve beijo. — Respondi simplesmente para evitar mais perguntas, ao menos tentar.
— Mentirosa! — Ele retrucou impaciente. — Não acredito que deixou a chance passar. Pode contar tudinho, Lizzy!
— Não teve mesmo. — Afirmei e tentei parecer indiferente.
Mas o menino, perspicaz como sempre, começou a tagarelar indignado.
— Meu irmão é muito mané! Agora você vê, se fosse comigo não passaria em branco. Já te disse que sou uma versão melhorada? Não quer me esperar alguns anos? — Gargalhamos juntos e caminhamos pelo corredor para encontrar seus pais.
Uma verdadeira figura. Seria um jovem encantador quando crescesse. Com a personalidade totalmente diferente dos membros da sua família. Será que o tempo mudaria o seu jeito espontâneo de ser? Pensei naquele momento.
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Capítulo 9
— Sente-se bem, mamãe? — James me pergunta depois da minha crise de choro.
Não quero despejar sobre ele a minha frustração. Mas aquela conversa me deixa tensa demais. Algumas lembranças não são agradáveis e toda a nostalgia que estou vivendo com Justin nos últimos tempos só serve para me deixar mais emotiva. Não quero de forma alguma descontar em meu filho. Sei que apenas a conversa em um momento delicado por sua preocupação com o pai.
— Sei que a senhora está abalada com a situação e tenta se mostrar forte, mas não adianta chorar agora. Temos que ser práticos e agir, mãe. Se fazer de vítima das circunstâncias e chorar não nos ajudará. Acha que não estou arrasado com tudo isso? Eu amo tanto meu pai. Ele é o meu herói e o meu melhor amigo e não quero perdê-lo. Com tratamento ainda teremos uns cinco anos, dez quem sabe...
— Está me dizendo que estou me fazendo de vítima das minhas circunstâncias? Você não sabe a dor que sinto todos os dias. Sei que vou perdê-lo, eu sei. Acha que seria egoísta para tentar mantê-lo vivo mais cinco ou quem sabe dez anos, a custo do sofrimento? O meu amor vai além disso, James. Seu pai sempre foi
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um homem ativo e mantê-lo sedado naquela cama vai matá-lo é de tristeza. Já passamos por tantas dificuldades e mesmo com o coração sangrando pela minha dor, não posso pensar em mim. Ele quer viver os últimos dias de vida em paz e é isso que farei por ele. Seu pai merece isso de nós. Nunca mais — Levanto o dedo trêmulo para ele. — Nunca mais ouse dizer que estou me fazendo de vítima. Só eu sei a dor que estou sentindo e tudo o que suporto todos os dias.
Choro copiosamente com o coração apertado. Pensar em não acordar com Justin todos os dias, em não vê-lo me olharde forma tão carinhosa, quase reverente, sorrir para mim daquele jeitinho que só ele sabe fazer me corta o coração.
Fecho os olhos e é num flash que as lembranças invadem a minha mente. Foram dias tão difíceis, mesmo assim os mais felizes da minha vida. Lembro-me de quando Justin ficou duas semanas no hospital se recuperando de uma cirurgia no baço e na perna. Sempre que conseguia eu o visitava, mas ficar a sós com ele era cada vez mais difícil. Sua namorada Melissa simplesmente não dava trégua e não nos deixava ter uma conversa privada por mais que cinco minutos.
Aquilo me fazia ficar cada vez mais ressentida. Tinha grande necessidade de lhe contar tudo o que aconteceu em minha vida. Sobretudo, precisava saber sobre ele, seus novos gostos, seus amigos, os cursos que havia feito, as músicas que curtia, os livros que havia lido, lugares que havia visitado... Simplesmente tudo! Mas com a ―noiva do Chucky‖ sempre por perto era impossível.
Além disso, tinha muitas obrigações a cumprir. Para me manter em uma universidade como Yale, pegava todo tipo de
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serviço. Trabalhava duas vezes por semana à noite em um bar para cobrir os dias de uma amiga que fazia um curso, fazia arrumações nos dormitórios de alguns estudantes, era babá nos fins de semana, fazia alguns serviços para a reitoria. Em resumo, era uma espécie de faz-tudo para sobreviver. Até encanamento eu já havia consertado para conseguir algum dinheiro.
Minha vida não era nada fácil, e com a chegada de Justin complicou um pouquinho, pois acabei deixando de pegar alguns serviços e ganhar algum dinheiro.
No dia que ele saiu do hospital, para o meu mais completo desespero, tive duas provas, uma de sociologia e outra de francês. Não tinha como faltar e por esse motivo não pude ir buscá-lo no hospital conforme prometido. Quando contei, no dia anterior pelo telefone, ele me pareceu sinceramente decepcionado e isso deixou o meu ego um pouco satisfeito. Mais depois... Bem depois foi outra história.
Depois de duas provas e aula sobre a situação socioeconômica da Europa, saí apressada para a casa dos Stones e dirigi como uma louca pelas estradas de New Haven até chegar lá. Estava ansiosa demais e achei que seria a oportunidade para matar a saudade de Justin e falar sobre tudo.Mal podia esperar para lhe dar um abraço bem gostoso e sentir o seu cheiro másculo. Meu corpo já reagia à toda aquela excitação, parecia que havia um vulcão prestes a entrar em erupção. Foi bem estranho sentir tudo aquilo de uma só vez. As minhas maravilhosas borboletinhas ressurgiram e fizeram a festa. Senti-me tão bem com aquela sensação, após dez longos anos.
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Logo que estacionei, percebi que as coisas não seriam bem como pensava. Havia vários carros esportivos de luxo estacionados perto da casa. Todas as luzes acesas e o barulho gostoso das risadas eram audíveis de onde eu estava. Podia identificar claramente o som gostoso da risada de Justin...Como senti falta daquele som.
Fechei os olhos e me lembrei de nós dois correndo pelo quintal de sua casa. Ele me perseguia e eu fugia, nós riamos juntos com toda a inocência de duas crianças. O som dos pássaros a nossa volta, a brisa gostosa tocando os nossos cabelos, uma doce melodia tocava em um rádio em sua casa, o cheirinho de bolo saindo do forno, o sorriso mais lindo do mundo... Como quis retornar aos áureos tempos de minha infância, ter o meu melhor amigo e meu amor. Sorri ao me lembrar da cena e estava ali diante da casa ouvindo o som alto da sua gargalhada.
Caminhei timidamente até a porta, esperei alguns segundos para tomar coragem e entrar. Finalmente toquei a campainha e esperei. Fui recebida com um caloroso abraço e um delicioso beijo de Jony, que piscou para mim e me olhou como se fosse a mulher mais encantadora do mundo. Ele, mesmo pequeno, era adorável. Sempre teve um grande fascínio que despertava algo mágico nas pessoas. Sempre foi assim. Até mesmo Justin chegou a sentir ciúmes, ele me contou depois.
— Demorou tanto. — Ele começou com um risinho gostoso. — Pensei que não viria e me castigaria com a terrível visão da ―noiva do Chucky‖ a noite toda. Graças a Deus está aqui. Ao menos isso faz meus olhinhos inocentes brilharem de felicidade. — Gargalhou e pisquei para ele.
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Oh, criança adorável! Um sorriso de Jony seria capaz de derreter até a pessoa mais mal humorada, com exceção de Melissa, que era alvo das brincadeiras dele.
— Tem muita gente aí? — Perguntei me sentindo estranha. Sempre fui muito bicho do mato e não me dava muito bem em festividade, e com pessoas. Já sentia o pânico me consumir, mas por ele qualquer sacrifício seria válido. Mesmo que fosse pouco tempo, já mataria a saudade que arrebatava meu coração.
Jony pegou a minha mão e me encorajou. Que garotinho mais danado ele era. Assim nós entramos e vi os olhos de Justin me fitarem com ansiedade. Fez um sinal com a cabeça para mim e mesmo diante de todos que observavam, caminhei até a poltrona onde estava e o abracei forte. Ele me apertou tão forte, que quase me deixou sem ar. Escutei um pigarrear e virando o rosto, vi a expressão desgostosa da monstrenga. Acho que se ela pudesse, teria me fuzilado ali mesmo.
Os outros observavam com interesse. O tal do Edgard dava risadinhas sarcásticas e fazia algumas insinuações. Foi um tanto constrangedor. Além disso, as garotas me observavam como se fosse uma aberração. Enquanto todas estavam bem vestidas com roupas de grife, sapatos que me custariam um ano de muito trabalho e maquiagem pesada, eu estava ali com uma calça jeans velha e surrada, um all star preto desgastado, jaqueta jeans e uma camiseta branca. Senti-me envergonhada, para não dizer humilhada, diante dos olhares de reprovação.
Soube ali que aquele não era o meu mundo. Nunca me enquadraria naquilo. Aquele era o mundo dele, os amigos dele, a
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vida dele e eu não me enquadrava. Meu peito ficou tão apertado com aquela constatação.
Afastei-me encabulada e fiquei ouvindo as conversas de longe, totalmente fora do assunto. A minha presença, tirando os olhares de Justin, era praticamente ignorada ali. A sra. Vanessa ia e vinha com bandejas de salgados e doces, e vendo como estava deslocada me chamou para ajudar na cozinha.
Olhei para Justin sentindo meu peito doer. Fui atingida por um vazio naquele momento. Tive uma convicção estranha de que nunca me encaixaria na vida dele e que não estávamos destinados a viver juntos para sempre. Lembrei-me da minha mãe dizendo que eu era apenas um ―bichinho de estimação‖. Como aquilo doeu...
— Ei, garota! — Virei e vi a ―monstrenga‖ me encarando com desdenho.
— Traga água para mim! — Ela ordenou como se eu fosse uma empregada.
Não disse nada, apenas dei as costas e continuei andando para a cozinha. Lá eu poderia encontrar um pouco de alívio e sofrer em paz. A Sra. Vanessa sabia que não estava bem e não fez perguntas. Assim que entrei foi logo saindo com outra bandeja e eu me sentei em um banco em frente à bancada. Olhei para aquela linda e sofisticada cozinha, que provavelmente fora decorada por um dos melhores decoradores de ambientes. Ali estava à prova que aquele não era o meu lugar.
Definitivamente não era. Aquelas pessoas não tinham nada a ver comigo. Enquanto elas falavam de viagens, lugares exóticos e faziam planos para as férias, eu pensava em como me manter nos
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próximos meses. Mesmo que os Stones gostassem de mim, eu não me sentia como se fosse da família. Era uma realidade totalmente diferente da que eu estava acostumada.
Abri bem os olhos e forcei as minhas pestanas para cima. Tentava controlar o choro que começava a brotar. Estava me sentindo tão pequena, humilhada e principalmente, vazia. Estar tão perto de Justin e ao mesmo tempo tão longe me fazia sentir um buraco no peito.
A sra. Vanessa voltou e pediu que levasse cervejas para a sala. Mesmo não querendo voltar, não deixaria de ajudá-la e não demonstraria má vontade. Peguei a bandeja, coloquei várias latinhas e fui para lá, mais uma vez sendo atingida brutalmente com o golpe da realidade. A ―noiva do Chucky‖ estava pendurada no pescoço de Justin, e assim que me viu não perdeu tempo e deu um beijo arrebatador na frente de todos.
As amigas deram gritinhos e os amigos fizeram algumas gozações. Vi Jony resmungando algo como: ―Até babaquice tem limites...‖ A sra. Vanessa olhou para mim de jeito maternal e ao mesmo tempo de pena. Engoli o meu orgulho, continuei andando em direção ao grupo, coloquei as bebidas sobre uma mesinha e mais uma vez ouvi uma ordem da sebosa:
— Da próxima vez que vier, não se esqueça da minha água. — Disse a ―bruxa de Blair‖ com tom arrogante.
Quis espancá-la, não só pela ousadia, mas por se apossar do que ―era meu‖. Nunca senti tanto ódio de alguém como senti dela.
— Como quiser! — Respondi de cabeça erguida e voltei para a cozinha. Chegando lá, a sra. Vanessa me abraçou por alguns
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segundos, mas não falou nada e saiu. Fiquei ali apertando as mãos com tanta raiva e soquei a bancada. Ouvi um barulho atrás de mim e quando me virei, ele estava lá, apesar das muletas e da perna engessada.
— Lizzy, não se aborreça com a. — Ele nem terminou de falar e a outra entrou como um cão de caça na cozinha. Olhando com aquele mesmo jeito de superioridade, como se eu fosse uma barata que pudesse esmagar.
— O que faz aqui? Não ia ao banheiro? — Colocou as mãos sobre a cintura, virou-se para mim e me encarou com um olhar mortal. — E você, cadê a minha água?
Que desaforada. Tive vontade de voar no pescoço dela e arrancar cada fio dos seus cabelos. Isso sem falar nos piercings estranhos que usava no nariz e nas orelhas... Criatura mais bizarra. Fiquei imaginando o que Justin viu naquele urubu de saias. Só podia ser macumba das boas. Não eram bizarras as coisas que ela usava, nunca fui contra os góticos. Mas o jeito dela falar, olhar, gesticular... Tudo nela soava estranho.
— Ela não é empregada, Melissa! — Justin disse bravo para ela. — Se quer água, pegue você mesma. Lizzy é da família e você podia ser mais educada com ela. — Ele olhou para mim com jeito suplicante e envergonhado.
Ficou morrendo de vergonha da cena da garota e não queria mais incidentes ali na casa dos pais. Ficaria algumas semanas, até tirar o gesso e voltar à vida normal, e não seria nada bom uma briga por ciúmes na casa de uma família tão tradicional e pacífica.
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— Da família? Só se for da família buscapé. — Ela disse, se dirigindo à geladeira de inox, abriu a e pegou uma garrafa com água.
Depois foi até o armário, pegou um copo, colocou água e bebeu tranquilamente enquanto me olhava daquele jeito tão ―meigo‖. Assim que terminou, Justin olhou para mim com ar melancólico e depois a pegou pelo braço e com dificuldade foi saindo da cozinha. Dessa vez não pude conter o choro. Meus olhos se inundaram e a dor rompeu o último fio de esperança que tinha. Fiquei tão magoada com a atitude de Justin. Como ele podia ficar tão calmo ao me ver sendo humilhada em sua casa? Como ainda acompanhava aquele filhote de cruz credo? Como? Onde estava aquele valente garotinho que me protegia de tudo e todos? Saí dali tão arrasada, mas ao chegar à porta senti uma mãozinha tocar o meu braço.
— Não vá embora. — Jony pediu com olhar suplicante.
Agachei e lhe dei um beijo no rosto. No meu coração aquela era a última vez que estaria com os Stones. Não havia espaço para mim naquele lugar. Pertencíamos a mundos diferentes e tinha que me conformar com isso. Os meus planos de Cinderela foram por ralo abaixo e nem precisei de uma madrasta má. A vida se encarregou de colocar barreiras, invisíveis, entre nós. Era impossível transpô-las e simplesmente tentar me enquadrar. Precisava aceitar de vez que aquela não era a minha família, nunca foi e principalmente, nunca seria.
— Manda um beijo para sua mãe e diga que eu a amo como se fosse minha.
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Beijei a sua testa, dei as costas e sai. Não olhei para trás. Sabia que se olhasse desmoronaria ali mesmo. Continuei ouvindo os sons de gargalhadas e brincadeiras. Pela primeira vez a gargalhada de Justin me fez sentir muito mal. Chorando copiosamente eu caminhei até meu carro, entrei e parti dali com o coração sangrando. Em minha mente, vinha a imagem da ―coisinha‖ beijando Justin e depois dela me humilhando na cozinha.
Saio dos meus devaneios, voltando a minha realidade. E me lembro do que James jogou em minha cara, assim como Justin fez um dia. Agora é meu filho quem me acusa. Justin também achava que estava me fazendo de vítima, ao invés de reagir as adversidades. Comparo as situações, ocorridas em tempo tão distintos, e percebo quão irônico isso todo parece... ―Pobre Lizzy! Sempre uma vítima‖. É isso que todos pensam de mim. ―Se fazer de vítima das circunstâncias e chorar não nos ajudará.‖ Foi o que James me disse.
Olho para James e continuo a chorar copiosamente. Em nenhum momento o tratei diferente por ser filho de quem era. Mas a forma como ele falou lembrou-me do ventre que o gerou. Mais uma vez fui tomada por dor, e mesmo sem desejar, pelo ressentimento. Ele não era filho daquela bruxa. Ela o gerou, mas era o filho do meu coração. Como podia falar com aquele ar tão arrogante e presunçoso, como se fosse o dono da verdade?
Eu estou tão confusa, que as lembranças do passado se misturam com as da discussão com meu filho, causando uma mágoa muito grande em meu coração. Não consigo olhar para ele, não
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nesse momento em que ele me acusa; lembro-me das circunstâncias em que foi gerado, das brigas com Justin e Melissa.
Em certos momentos acho que irei enlouquecer. Já me sinto mentalmente abalada pela situação. Eu estava um lixo. Literalmente um lixo de pessoa nas duas semanas que seguiram. Procurei trabalhar o máximo que podia nas horas livres, quando não fazia isso, ocupava minha mente com coisas úteis. Pensar nas despesas me ajudava muito naqueles momentos. O telefone, eu já não atendia. Simplesmente o desliguei depois do incidente na cada dos Stones e procurei ignorar as ligações. Estava sofrendo muito mais do que nos dez anos de separação, pois ao menos nele ainda existia esperança. Agora nem isso me restava mais. Não havia me restado nada além da dignidade e da dor que massacrava o meu peito todos os dias. Sabia que Justin me procuraria mais cedo ou mais tarde, mas quando isso acontecesse estaria forte o suficiente para me afastar dele. Pelo menos era isso que eu pensava.
Foi em uma manhã de sexta feira, um dia claro e com poucas nuvens. Aquele dia eu tinha apenas uma aula por volta das dez horas e outras duas à tarde. Como não tinha nenhuma oportunidade de trabalho para aquela hora da manhã, decidi tomar o café no refeitório e depois sair para caminhar um pouco.
Coloquei a mochila com caderno e as xerox encadernadas nas costas e sai. Chegando ao refeitório, levei um grande susto.
Ele estava lá e aquilo não era nada natural. Respirei fundo e depois fiz o possível para controlar a minha respiração. Não deixaria que a sua presença me abalasse. O trataria com indiferença
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e depois sairia dali como se nada houvesse acontecido. Assim, ao menos, eu planejava. Não preciso nem dizer que deu tudo errado.
— Por que você sumiu? — Justin vinha caminhando de forma desengonçada com as muletas.
Ele me olhava de forma penetrante. Parecia varrer a minha alma por completo. Cheguei a perder o ar com a lascívia que vi em seus lindos olhos negros.
— Está fugindo de mim? — Questionou, mas eu não respondi. Respira! Foco, Elizabeth! Ele é só um homem bonito... A quem está querendo enganar?
— Bom dia para você também, Justin! — Respondi com ar debochado e ele me olhou de forma inquisitiva, arqueando uma das sobrancelhas. Não esperava que estivesse na defensiva daquela maneira. Ele sabia que eu estava magoada e fugindo dele. Sabia bem o motivo. Não precisava dar explicações. Para que se dar ao trabalho de me interrogar?
— Então? — Perguntou carrancudo.
Ele parecia estar no limite da paciência. Eu conhecia aquela expressão ansiosa e sabia que ele esperava que eu acabasse com sua agonia, mas eu não faria isso. Continuei com expressão indiferente, apesar do meu coração querer me denunciar.
— Eu tenho muito que fazer, Justin. Não tenho a boa vida como uns e outros. — Eu alfinetei e a expressão dele se tornou sinistra. Estava mais dura. Pude vê-lo trincando o maxilar antes de responder a afronta.
— O que quer dizer com ―uns e outros‖? Você acha que eu tenho boa vida? Vamos, Lizzy, deixe de rodeios e fale logo. — Ele
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continuou a me encarar sem sequer piscar. Desviei o olhar para não me perder nele. Não podia entregar os pontos. Quanto mais distante ficasse dele, menos sofreria com as diferenças entre nós.
— Olha só Justin, não me leve a mal, mas tenho que tomar café e resolver coisas importantes na minha vida. Se não te liguei ou procurei, foi por falta de tempo. Além disso, não quero ser um problema para sua ―namoradinha‖.
Pronto, entreguei os pontos! Ô língua grande a minha. Comecei a respirar pesado, apesar de tentar controlar, mas ele me conhecia e sabia que estava abalada. Não adiantava tentar negar ou fingir.
— Eu não sou importante para você ou ficou intimidada com Melissa? Vamos! Abra logo o jogo! — Disse, exasperado, abrindo os braços e as muletas caíram ao chão fazendo um estardalhaço.
As pessoas à volta nos olharam, de forma curiosa, e um rapaz que passava se abaixou, pegou as muletas dele e as entregou. Ele as pegou e cumprimentou o rapaz meneando a cabeça e depois voltou a me fitar de forma zangada. Era a nossa primeira briga na vida, e foi muito difícil encarar a situação.
— Não fazemos parte do mesmo mundo. Você tem um estilo de vida completamente diferente do meu. Eu não me enquadro na sua vida, com seus amigos, com sua casa e provavelmente no belo apartamento que divide com aqueles caras. Então é melhor cada um ir para o seu lado. Fica com a ―noiva do Chucky‖ e segue a sua vida. Me esquece! Entendeu? — Disse de forma decidida e consegui não deixar a dor me dominar, muito menos as lágrimas caírem. Não permitiria que me visse chorando, arrasada, por ele. Havia chorado durante dez anos e era hora de dar um basta nas lágrimas.
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— Você tem uma péssima tendência a se fazer de vitima das circunstâncias. Sempre teve e isso não mudou nada. É uma covarde que se esconde atrás dessa pose de menina pobre e coitadinha. Quando vai se tornar uma mulher de verdade e lutar pelo que quer? Quando vai parar de olhar os outros de baixo, envergonhada e sempre se encolhendo como se não fosse nada? Será que mesmo com os anos sua visão de mundo continua tacanha? Será que ainda continua sob os grilhões colocados pelos moradores de Chilton? Fala sério, Elizabeth.
Essas palavras foram um golpe duro em meu peito. Senti-me tão humilhada pela forma que ele falou tudo aquilo, que meu corpo foi consumido por ira. Tudo esquentou e quando percebi estava com a mão batendo em seu rosto. Fiquei cega de raiva. Nunca em minha vida achei que um momento como aquele fosse possível, mas foi. Eu acertei o rosto de Justin em cheio e ele ficou me olhando incrédulo.
— Nunca mais dirija a palavra a mim! Entendeu! Você não sabe nada da minha vida! Não sabe nada de quem sou e como eu sou. Se estou aqui, é porque sou uma vencedora. Eu trabalho muito para conseguir sobreviver. Você não faz ideia do que é dormir sem ter o que comer, de não ter dinheiro para lavar as roupas e de não poder se dar ao luxo de comprar um doce de vez em quando. Você é mais um filhinho de papai de merda, que vive à custa de mesada e fica desfilando com carro de luxo, esbanjando o dinheiro dos seus pais. Então não abra a sua boca para falar o que não sabe. Não fale mais comigo e não olhe para mim. Se me encontrar, peço que finja que nem me conhece. Entendeu? Pode continuar com o rei na
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barriga e faça bom proveito daquela ―monstrenga‖ que diz ser a sua namorada.
Sai dali correndo, chorando copiosamente, sentindo-me humilhada e destroçada como nunca antes em minha vida. Justin me atingiu de uma forma que considerava impossível. Ele não era o garoto amável e doce de outrora. Aquilo me machucava muito. Havia criado uma imagem dele e agora via que não condizia com a realidade.
Correndo, chorando e soluçando eu passei derrubando as pessoas pelo caminho e fui para o lugar onde costumava me refugiar. Atravessei o campus como uma flecha, cheguei à beira do lago, cai no gramado e me encolhi na posição fetal. Ali eu chorei todo o ressentimento, dor, saudade, medo, humilhação e abandono de dez anos. Meu mundo ficou sem cor, meu coração ficou vazio, a melodia que tocava não era mais suave, o futuro não tinha perspectiva.
Não sabia mais qual o sentido de continuar ali, naquela universidade que escolhi por ser a que ele queria ir, era melhor ir embora para um local onde as pessoas fossem menos arrogantes. Onde a humilhação não custasse o resto que ainda me sobrava de coração.
Meu humor estava péssimo. Fazia dois dias da briga com Justin e eu me sentia amarga. Olhava feio para tudo e todos, não sorri um momento naquele período, quase não comi e dormir era um luxo que mal podia me dar. As coisas iam de mal a pior e já havia emagrecido três quilos desde o acidente de Justin.
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Eram três horas da madrugada e eu estava simplesmente morta de cansaço. O bar onde trabalhava duas vezes por semana para ajudar uma amiga, lotou naquela noite e não consegui sentar um momento sequer. Sai cambaleante e caminhei até o meu carro, que era uma lata velha, montada com peças de vários carros. Quando cheguei à porta, vi uma sombra se aproximando atrás de mim e me alarmei. Tive medo de ser atacada ou assaltada. Com a maré de azar que estava, nada mais me faltava acontecer. Quando me virei, deparei-me com Justin tentando se aproximar, com as muletas, lentamente.
Respirei fundo, fechei os olhos e tentei controlar a dor que novamente me arrebatou.
— Lizzy! — Ele disse assim que ficou frente a frente.
O turbilhão em meu coração retornou com a mera presença dele. Era difícil encará-lo após aquela briga.
— O que você faz aqui essa hora, Justin? — Perguntei cruzando os braços no peito.
Estava cansada e irritada demais para discutir com ele. Queria ir para o alojamento, dormir e nunca mais acordar na vida miserável que tinha.
— Precisava te ver e pedir desculpas. Fui duro com você e te magoei. Nunca quis te machucar daquele jeito. Pode ter certeza que doeu tanto em mim quanto em você. — Ele segurou um cacho dos meus cabelos e começou a brincar como fazia quando éramos crianças. O olhar dele estava terno e cheio de arrependimento. Aquilo foi o suficiente para me derreter. Suspirei e fiquei
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observando até que abriu um enorme sorriso para mim. — O tapa foi merecido...
— Justin, já passa das três, estou cansada e amanhã tenho aula. Obrigada pelo pedido de desculpas e boa noite. — Quando ia me virar, ele me segurou pelo cotovelo.
Meu corpo inteiro recebeu descargas elétricas e as ―infelizes borboletinhas‖ acordaram imediatamente e começaram o seu voo. Só me faltava essa. Pensei.
— E vai me deixar aqui, abandonado? — Ele perguntou com tom de ingenuidade.
Aff! Como ele conseguia me fazer perder o controle. As minhas emoções estavam completamente foram do controle. A proximidade, o toque, o cheiro e o abraço por trás me desarmaram completamente. Quando sussurrou ao meu ouvido, quase desmaiei.
— Menina má... — Ele disse, com tom malicioso.
— Liga para seus amigos ou seu pai. — Tentei dizer com a respiração falhando e o infeliz percebeu que estava ganhando a batalha. Como quis ser mais forte naquele momento.
— Não posso. Todos estão dormindo a essa hora e só resta um gesto caridoso seu. Pode me levar em casa, senhorita? — Sussurrou mais uma vez e deu um risinho sem vergonha.
Era uma armadilha. Ele sabia bem o que estava fazendo e inconscientemente eu queria cair nela.
— Olha, Justin, você está acabando com o que me resta de paciência essa noite. Vou te levar em casa, na minha adorável lata velha, e espero que se comporte no caminho. Não fale comigo e não
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me olhe. OK? — Ele deu aquela gargalhada gostosa e soube de imediato que estava perdida... Completamente perdida.
Entramos no carro e dirigi até a sua casa. Com a estrada vazia, levei uns vinte minutos para chegar. Se ele estivesse morando no campus seria mais fácil, mas a casa ficava um pouco distante e eu me ferraria dirigindo de volta. Estava tão cansada que tive medo de dormir ao volante, mas ele começou a fazer brincadeiras com os caracóis dos meus cabelos e despertou os meus sentidos. Foi difícil dirigir com toda aquela tensão, ou melhor dizendo, tesão, exalando entre nós.
Chegamos à casa os Stones e pensei que me livraria dele, mas o infeliz tirou outra carta da manga e não me deixou alternativa.
— Mamãe ficaria muito zangada comigo se algo te acontecesse. Sabe como é a sra. Vanessa zangada, não sabe Lizzy? Então, se preza a minha vida, ficará conosco essa noite. Eu passei no alojamento e sua adorável amiga me deu algumas coisas suas. Olha como sou prático!
Eu fiz beicinho, mas não tive como recusar. Assenti com a cabeça, ajudei-o a sair do carro e depois entramos. Sabia que aquele homem seria a minha perdição e esperava, pelos céus, que não tivesse que dividir o mesmo quarto. Seria uma tortura dormir tão próxima e não poder tocar. A essa altura do campeonato, as borboletinhas estavam dançando música árabe. Olha, as infelizes fizeram uma baita festa. Agora imagina a situação? Como a pessoa pode sobreviver a tal tentação?
Justin e eu entramos na casa, fomos para o segundo andar e para o meu desespero, ele me levou até o quarto dele.
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— Você dorme aqui! — Ordenou. — Eu ficarei com Jony. Tenho que tomar conta daquele moleque, sabe? Do jeito que é, se te encontra aqui vai querer tirar casquinhas. Olha como sou bonzinho!
Desabei sobre a cama e joguei um travesseiro nele irritada. Ele ainda ousava fazer gozação àquela hora da madrugada, comigo irritada e cansada. Estava pedindo para morrer mesmo.
— Você é um santo, Justin. Não sei como não descobri isso antes. — Disse ironicamente.
Ele veio até mim, tentou se curvar da maneira que pode, por causa da perna e da muleta, e deu um beijo na minha bochecha.
O beijo foi tão perto da boca que pensei que aquele seria o momento. Percebi que estava apenas me testando. O filho da mãe estava jogando direitinho comigo, tinha que admitir isso.
— Quem brinca com fogo se queima. — Nem sei de onde tirei coragem para falar aquilo. Só podia ser sono, cansaço ou algum tipo de possessão. Senti minhas bochechas queimarem de vergonha com minha ousadia.
— Se você soubesse como gosto de ser queimado... — Falou com a voz rouca e penetrante.
Ele passou a língua nos lábios e as ―borboletas‖ começaram a dançar em ritmo de carnaval. Sabia que as infelizes não me deixariam dormir aquela noite. Quando Justin se foi, deitei na cama sentindo exaustão no corpo, abracei o travesseiro e comecei a cheirar. Aquele cheiro amadeirado penetrou todos os poros do meu corpo, ativou os meus sentidos, um calor descomunal se apossou de mim e comecei a tirar a jaqueta.
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Fechei os olhos e me lembrei das lições de beijos... Os beijos... Foi com eles que acabei sonhando toda aquela noite. Como desejava os beijos de Justin. Eles seriam a minha liberdade e ao mesmo tempo a minha prisão. Tinha a consciência daquilo.
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Capítulo 10
A cama estava quente, muito mais que o normal, devo dizer. Algo macio movia-se em minhas costas, braços fortes me envolviam e podia sentir uma respiração pesada próxima a minha cabeça. A primeira coisa que pensei foi: será que estou sonhando? Mas aquilo não era sonho. Eu estava acordada, muito acordada por sinal, e meus sentidos estavam em alerta.
Forcei as minhas pestanas a se abrirem, pisquei duas vezes e depois lentamente fui abrindo os olhos. Fiz uma rápida inspeção no local e aí eu soube... Estava no quarto de Justin. A noite passada era realidade e não sonho. E se o que meu corpo sentia naquele momento não era uma mera ilusão, talvez um desejo insciente de que ele estivesse ali, algo estava muito errado.
Tentei me mexer e os braços fortes me apertaram ainda mais. Segurei-o de forma decidida e comecei a livrar o meu corpo de seu abraço. Ele resmungou algo e continuou forçando o seu braço contra o meu corpo. Comecei a sentir pânico. Pode até aparecer idiotice da minha parte, mas estar na cama de Justin não me deixou nada confortável, ainda mais sabendo que seus pais e seu irmão estavam na casa.
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— Justin... Justin... — Sussurrei e continue e lutar contra o peso de seus braços. Ele estava mesmo dormindo comigo, me abraçando, em seu quarto, com os pais bem perto... God! Que vergonha! Quis gritar.
— Hummm! O que foi, Lizzy? — Ele me perguntou com a maior cara de pau.
Tive vontade de socá-lo por tamanha desfaçatez. Como ele ousava? Agia como se tudo aquilo fosse natural. Como se seus pais não fossem ter um treco. Como se eu houvesse dado permissão para dormir comigo... Não que fosse ruim...
— O que foi? — Vociferei. — Você está na cama, comigo, me apertando! — Respondi brava e ele tirou os braços de cima de meu corpo.
Virei-me rapidamente e ficamos frente a frente. Tive que prender o fôlego para não suspirar diante daquela visão.
Os seus olhos praticamente fechados, a face tão angelical e ao mesmo tempo assustadoramente sensual. Quis beijar os lábios, devo confessar, mas não o fiz. Ali, tão perto, pude sentir o seu aroma. Quase me embriaguei com aquele cheiro amadeirado. Por alguns instantes não consegui falar mais nada. Apenas contemplei a visão que tinha diante de mim...Simplesmente perfeito. E pensei em como seria acordar ao seu lado todos os dias. Depois de algum tempo de meditação, finalmente consegui falar.
Percebi, entre os meus devaneios, que minhas pernas estavam entrelaçadas à dele e senti o gesso frio em minha pele. E o pior, despida! Eu já não vestia as minhas roupas. Será que estava tão mal
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que não percebi quando tirou minhas roupas? O que mais haveria acontecido naquela noite?
— Eu... Eu... — Gaguejei. — Não estou usando as minhas roupas. — Disse indignada. — O que você fez? O que faz aqui? Não ia para o quarto de Jony?
Estava a ponto de esbofeteá-lo pela ousadia e por ter armado uma armadilha para mim. Tudo premeditado. E se bobeasse Jony teria o ajudado. Inferno!
— Ah, isso? — Ele disse com a cara mais deslavada do mundo. Naquele momento abriu os olhos e me encarou. — Você estava cansada demais e apagou. Eu resolvi tirar os seus tênis e as meias. Aí fiquei com pena e resolvi deixá-la mais à vontade. Não é melhor assim? Além de mais deliciosa, está mais acomodada. Não fui um gênio? — Perguntou de forma inocente e riu.
Como se houvesse me feito um favor. Mas que cara de pau.
— Você é um espertalhão, Justin. Aproveitou-se que eu estava cansada. E por que cargas d’águas dormiu aqui? Não podia fazer isso! Você me disse que dormiria com Jony. Seu aproveitador! — Eu o acusei e bati em seus braços.
Ele me puxou para si, deu-me um abraço de urso, que quase me sufocou, e depois beijou minha cabeça. Começou a gargalhar como se aquilo fosse uma brincadeira. Eu estava realmente brava com ele, e ele se divertia as minhas custas. É mole? Dá para acreditar?
— Eu adoro quando você fica bravinha. Fica tão linda... — Afastou um pouco dos meus cabelos e ficou encarando o meu rosto,
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apenas alguns centímetros. Virei os olhos naquele momento. Não podia encará-lo... Não mesmo! Seria a minha perdição.
— Eu fiquei te admirando dormir. Só que o cansaço me pegou e não consegui ir para o outro quarto. Quanto a ficar aqui agarradinho com você, foi a melhor noite da minha vida. Agora vamos dormir mais um pouco. Ainda é muito cedo.
Ele me colocou deitada sobre os seus braços e ficou afagando os meus cabelos. Parecia mesmo decidido a me fazer dormir mais, mas eu tinha aulas e outros compromissos. Não podia me dar ao luxo de ficar na cama com ele, por mais tentador que fosse. Ainda mais sabendo que a qualquer momento alguém entraria naquele quarto.
— Ao contrário de você, eu não posso me dar ao luxo de ficar na cama. Você não está frequentando as aulas, mas eu estou. — Respondi e tentei me levantar.
Ele me prendeu novamente em seus braços. Que irritante!
— Eu não sou nenhum vagabundo, Lizzy. Se não estou estudando, é porque ainda estou convalescente. Tenho que ficar mais um mês com esse gesso e ainda estou me recuperando da cirurgia. Lembra? — Resmungou incomodando com minha opinião sobre sua vida. — Não sou um vagabundo, filhinho de papai de merda, boa vida como você pensa. OK? Vamos deixar as coisas as claras entre nós. Isso está ficando irritante. Você acha que só você trabalha e...
Ele ia começar, mas parou antes de me magoar mais. Sabia bem que falaria da minha tendência a me fazer de vítima. Tinha certeza disso.
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— Para quem está se recuperando da cirurgia, você nem deveria ficar zanzando por aí de madrugada. Mas eu tenho que realmente ir embora. — Tentei me levantar e ele me prendeu mais uma vez.
— Eu conversei com sua amiga ontem. Ela é bem legal e me contou coisas interessantes sobre você. Sei que tem fazer vários serviços para conseguir se manter. Mas não pode relaxar um pouco e passar o dia comigo? Somente um dia que te peço. — Pediu com jeitinho de menino carente e me segurei para não rir. Parecia até Jony falando.
— Acho que seus pais te mimaram muito. Você acha que eu posso ficar um dia na cama de gracinha com você? Fala sério! — Respondi.
— Eu também trabalho e estudo. Tenho um emprego de meio período em um escritório de advocacia. Pago as minhas despesas do apartamento e as minhas farras. Meu pai só paga a mensalidade da universidade. Você julga muito mal as pessoas, sem saber nada sobre elas. — Ele parecia magoado. Pela primeira vez o seu tom não era de brincadeira. Algo parecia estranho no jeito de falar. — Isso magoa, sabia?
— Desculpa se isso te ofendeu, tá? Mas eu tenho a minha vida, você a sua e não temos muita compatibilidade se não percebeu ainda.
Ele virou rápido o meu corpo e me obrigou a encará-lo. Não queria! Sabia que meus olhos entregariam tudo o que sentia. Tentei virar o rosto, mas ele segurou o meu queixo e me obrigou a olhar bem dentro dos seus olhos negros. Aquele olhar foi a minha
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perdição. Todas as barreiras cederam naquele momento. Não tinha como resistir a tanto amor. Perdida. Estava perdida.
— Nós fazemos a compatibilidade. Você sente o mesmo que sinto por você. Não finja! Diga o que sente, Lizzy! — Ele ordenou. — Não tenho vergonha em dizer que te amo, mas você parece sempre fugir do assunto. Diga que não é verdade! Encare os seus medos! Você não é essa coisinha frágil que tenta mostrar. Então pare com isso!
— Você sabe que te amo, Justin... Mas... — Ele colou a testa na minha ficou encarando cada gesto.
Não consegui terminar e quando estava prestes a ceder ao beijo que me daria, a porta se abriu. Sempre a porta. Sempre.
— Ahá! Peguei os dois no flagra. — A vozinha de Jony invadiu o ambiente, quebrando completamente o clima. — Mamãe vai adorar saber que você está tentando corromper a pureza da Lizzy. Eu não queria ser o portador de notícias tão desagradáveis, mas as circunstâncias... — Justin o cortou naquele exato momento.
— O que faz acordado a essa hora, moleque? — Justin perguntou olhando para ele.
Eu escondi a minha cabeça em seu peito. Não queria ver mais nada. Era horrível aquela situação e me envergonhava. Estava quase nua, nos braços de Justin e estávamos prestes a nos beijar. Jony presenciar aquilo acabou comigo.
— Como eu acordei e não o vi no quarto, presumi que veio tirar uma casquinha da Lizzy. Como eu sou a favor da moral e dos bons costumes — Disse com ar de deboche — assim como papai nos ensinou, vim resguardar a honra dela. Você sabe que se fosse alguns
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séculos atrás seria obrigado a casar, não sabe? Mas eu vou aliviar a sua barra se...
Fiquei de boca aberta com o discurso de Jony... Que monstrinho!
— Quanto, Jony? — Justin perguntou impaciente.
— Pelo que me tomas, maninho? Você acha que eu levaria vantagem nisso? — Justin gargalhou e eu tive que rir com o modo inocente com que Jony falou.
— Você ainda me leva a falência, sabia? Não se faça de santo na frente da Lizzy. Ela já deve ter percebido como você é espertinho. Agora nos poupe de mais conversa e me diga quando quer? — Justin inquiriu.
— Bem, já que você está insistindo muito... Você está ouvindo, né Lizzy? — Olhou para mim e fez carinha de anjo — Eu não pedi nada, mas...
— Ai meu paizinho! Quanto? — Justin vociferou. Estava rígido demais. Percebi que ele realmente estava bravo com o irmão.
— Ao contrário do que você pensa, eu não sou mercenário. Você ficará me devendo um favor e pretendo cobrar. Sabe disso, não? Tô saindo e se a mamãe perguntar, você dormiu comigo como um santo... Fui!
Saiu e fechou a porta. Não acreditei no que vi.
— Ele é terrível! — Eu disse para Justin e ele riu.
— Ele é! Mamãe não sabe a quem puxou. De qualquer forma estou ferrado. Dever qualquer coisa para Jony é pior do que vender a alma. Ele sabe cobrar, como e quando como ninguém. Nunca deva nada a ele. Estará perdida se o fizer.
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Ele me abraçou novamente e nos enroscamos um no outro. Foi tão gostoso ficar assim agarradinha com Justin. Todo o meu corpo estava explodindo com sensações que nunca havia sentido antes. As minhas amigas borboletas acordaram e começaram a dança. Senti um desejo que não conhecia. Não era apenas vontade de ver, sentir e conversar. Era o meu corpo desperto para sensações que não entendia bem. Eu queria mais do que as mãos fortes de Justin me acariciando. O cheiro, a pele quente e a voz rouca faziam todos os meus sentidos desejarem mais... Muito mais...
— Quando você volta para o apartamento? — Quis saber. Afinal não era nada normal um homem vivendo com os pais. Normalmente quando os jovens saem de casa para a universidade, saem debaixo da barra da saia da mãe e vão viver suas próprias vidas. Esse não era o pensamento da sra. Vanessa, que obrigou o filho a passar os dias de recuperação em casa. Mas Justin não parecia muito feliz em perder a sua liberdade.
— Vou no domingo. Mamãe está chorosa e diz que não confia em mim sobrevivendo sozinho desse jeito. Acha que um apartamento com um monte de homens não fará bem para a minha recuperação. Mas quero minha liberdade. Por mais que ame a minha mãe, viver sozinho é bem melhor. — Respondeu.
— E como é viver com aquele monte de caras? — Perguntei curiosa.
— É bom, mas às vezes é ruim. O apartamento é grande, cada um tem o seu próprio quarto e sua privacidade para fazer coisas mais íntimas. Só que você viver com estranhos é esquisito.
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Cada um tem uma mania diferente, o temperamento às vezes é algo que prejudica a convivência. Nós nos conhecemos no primeiro período e quando decidimos sair dos alojamentos, para dividir um apartamento, sabíamos bem no que nos metíamos. Tipo o Edgard, é explosivo e difícil de lidar. O Jared é completamente estranho e na dele. Às vezes os dois se estranham e aí temos que tentar apartar. Também tem a questão da arrumação e limpeza. Sabe que homens não são chegados a isso. Elton e eu somos muito organizados, Edgard é bagunceiro. Jared é completamente neurótico. Temos uma faxineira, mas nem todo mundo fica feliz e sempre temos reclamações. Outra coisa que complica é a divisão da comida. Quase sempre sai briga porque um come algo que é do outro. Fora isso, dividir apartamento é bom. — Ele riu.
— Fora isso? Muito animador. — Respondi rindo. — E tem briga?
— Às vezes tem pancadaria e feia, mas depois fica tudo bem. Mais alguma coisa que queira saber? — Eu sabia a que ele se referia, mas tinha medo das respostas. Apenas me calei.
Não queria entrar no assunto Melissa. Não naquele momento.
— Melissa não é alguém importante e não temos nada definitivo. — Ele tinha adivinhado os meus pensamentos. — Tentei terminar três vezes nos últimos dias, mas ela é escorregadia. Juro que tentei, Lizzy. — Disse com sinceridade.
— E como se meteu com uma criatura tão estranha? Não são as roupas e os acessórios góticos... Ela é... Bizarra? — Quis saber. Não era fácil para eu compreender como Justin caiu nas garras
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daquela ―monstrenga‖. Era muito complicado pensar nele com ela, para ser sincera.
— Melissa faz o mesmo curso que eu. Nós nos conhecemos há quatro anos e acabei me acostumando. No início fugi como diabo foge da cruz, mas ela é muito persistente e persuasiva, venceu-me pelo cansaço. Eu fiquei muito tempo sozinho. Desde que havia terminado o colegial não namorava ninguém. Estava carente e procurando alguém para preencher minha solidão. Ela estava sempre lá. Entende? É amiga das namoradas dos meus amigos e por isso quando todos marcavam para sair, éramos os únicos sem par e por isso ela virava minha acompanhante e... Conversa vai, conversa vem, foi parar na minha cama e não saiu mais.
Um nó se formou em minha garganta com aquela afirmação. Sentia-me péssima com ele admitindo que transava com ela, apesar de saber que era normal entre casais.
— Ela é irritante, metida e superficial. Como você consegue?
— Já te disse que ela não é sempre assim. Quando não está irritada ou ciumenta é uma pessoa legal. E essas roupas e coisas que usa são para irritar os pais. Melissa é a ovelha negra na família. Teve um problema muito sério no passado com o pai e faz tudo para irritá-lo. Quando nos conhecemos, ela não era assim. Andava até arrumadinha, mas foi obrigada a trabalhar na empresa da família e como não teve muita alternativa, resolveu chocar todo mundo e ficou desse jeito. Já conversei com ela sobre esse comportamento anormal e não adiantou. Tentei terminar e ela até tentou se matar. Acredita? Isso foi há uns oito meses, quando ela ficou ainda mais estranha. Agora faz o possível para não terminar o namoro. Não sei
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o que fazer para me livrar. Minha mãe não a suporta e ela não faz nada para melhorar. E com você aqui, não consigo nem pensar em tocá-la. Sinto repulsa pelo toque dela. Você acredita em mim?
Ele olhou no fundo dos meus olhos. Vi que estava sendo muito sincero. Tinha que acreditar naquilo. Se não o fizesse, partiria o meu coração novamente.
— Acredito, mas não posso viver esse tipo de situação. Vocês dois estão juntos e eu no meio disso. Só haverá qualquer coisa entre nós, quando você terminar com ela. Você me entende? — Eu precisava que as coisas ficassem claras entre nós.
— Se fosse diferente, não seria você. Eu peço alguns dias para colocar um fim nisso. Domingo volto para o apartamento e quero te levar lá. Quero que conheça o meu quarto, meus gostos e poder ter um pouco de intimidade com você sem me preocupar com a porta. Prometo que resolverei o problema com a Melissa o mais rápido possível. Por favor, confie em mim, meu anjo. Eu te amo e quero ficar com você. Nada mudou em relação aos meus sentimentos e sei que com você acontece o mesmo. Depois de dez anos temos uma nova chance e vamos aproveitar. Só confie em mim! — Implorou.
— Eu confio. — Respondi e colei os meus lábios nos deles. Então a porta se abriu e Jony entrou correndo.
— Sujou! Mamãe acordou e está vindo para cá. Acho melhor se levantar e fingir que apenas veio dar bom dia. Não quero estar na sua pele, se ela descobre que pretende abusar da inocência da Lizzy. Acho que te obrigaria a casar... Se bem que... Não seria má ideia ter uma cunhada gostosa para variar, sabe? Aquele ―projeto‖ que
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carrega com você não é uma mulher, é uma experiência científica mal sucedida.
Tive que gargalhar com o comentário. E percebi Justin se levantando rapidamente. OMG! Estava sem camisa e só usava uma bermuda. Quase morri ao ver aquele tanquinho cheio de gominhos bem definidos. Fui desperta do meu estado de transe por Jony.
— Fecha a boca, Lizzy! Depois você tira casquinha dele. Agora finge que acabou de acordar... Um, dois, três.
— Bom dia, crianças! — sra. Vanessa disse ao entrar. Rapidamente me enrolei no lençol e tentei disfarçar a minha vergonha. Minhas bochechas começaram a arder e sabia que me entregaria.
— Mãe, deixa de ser chata! A Lizzy acabou de acordar. Vamos para cozinha e depois você conversa com ela. — Jony a pegou pelo braço e tentou falar de forma mais normal possível.
Ela deu uma olhada para Justin e para mim, e para Jony que estava com jeito conspirador e sorriu maliciosamente. Conhecia bem os filhos e a mim também.
— Isso é jeito de vir ao quarto de uma moça? — Perguntou olhando para Justin.
— Só vim acordá-la, mãe. Já estou saindo. — Justin foi mancando até a porta e acompanhou os dois.
Salva pelo gongo. Não consigo nem imaginar se ela nos pegasse na cama. Queria me enfiar dentro de um buraco e sumir.
— Lizzy, querida, fique na cama o quanto quiser. Depois mando Jony trazer o café para você aqui em cima. — Virou-se para Justin. — E você vá se vestir. — Disse em tom severo para ele.
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Antes de sair, Justin olhou para trás e apenas riu. Fiquei super constrangida com a situação e grata por Jony nos livrar de mais constrangimentos. Abracei o travesseiro e fiquei sentindo o cheiro gostoso de Justin. Apesar de saber que tinha de ir para a aula, não conseguia pensar em sair dali. Poderia passar o dia inteiro deitada naquela cama me lembrando da nossa conversa e da forma como ele me fazia sentir. Seria ainda melhor se pudesse ficar abraçada com ele, ouvindo-o contar sobre a sua vida. Era tudo o que mais queria naquele momento.
Dois dias depois uma nuvem negra se formou sobre minha cabeça e logo uma tempestade desabou. Eu sabia que Melissa não concordaria com o fim do relacionamento e que lutaria por Justin. Só não pensei que ela fosse vir para cima de mim, obrigando-me a uma luta corporal.
Naquele dia, eu estava saindo da aula com muita pressa. Havia prometido à sra. Emerson que cuidaria dos pestinhas à tarde.
Uma das coisas que não apreciava muito era o serviço de babá, que fazia eventualmente para algumas famílias. Crianças sempre davam muito trabalho e era uma responsabilidade enorme, mas me garantia um lucro que não podia dispensar. Ela me ligou em cima da hora pedindo ajuda e precisava correr para chegar antes que saísse para o seu compromisso.
Quando saí da aula de economia, alguém que eu não imaginava estava à minha espera. Sua cara não era das melhores. Acho que se pudesse me mataria ali mesmo, se não fossem as inúmeras testemunhas. Eu a encarei com toda a coragem que consegui e deixei que falasse o que queria.
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— Você acha que ganhou? Acha que desistirei de Justin por causa de uma coisinha insignificante como você? Eu batalhei muito por ele e não o deixarei em paz nunca. Se sabe o que é bom para a sua vida, saia do meu caminho. Vou passar por cima de você com um trator sem o menor dó. Está me entendendo, garota?
Ela falava quase gritando, enquanto apontava o dedo para a minha cara. As pessoas à volta pararam para ver a confusão. Fiquei morrendo de vergonha, mas não deixaria que aquela ―coisa estranha‖ me humilhasse. Não novamente.
— Acho que se você veio aqui tão desesperada, a ponto de fazer um escândalo, é porque já perdeu. Não desperdiçaria o seu tempo se não fosse assim. Justin me ama e eu também o amo. É simples assim. E se você quiser tentar me derrubar, acho melhor estar preparada. Não vou abaixar a cabeça para uma louca como você. Não tenho que te dizer nada. O que há para ser dito, é para ele e não a mim. Agora se me der licença, eu tenho coisas a fazer.
Ela estava vermelha de raiva, com os olhos esbugalhados e a respiração pesada. Pegou o meu braço e me impediu de sair. Meu sangue ferveu.
— Você acha que é simplesmente dar as costas e ir? Você é uma vagabunda, oportunista, que acha que vai se dar bem com alguém como Justin. Não vai não! Eu não deixarei! — ela aumentou o tom de voz, chamando ainda mais a atenção.
O número de pessoas presenciando a discussão só aumentou. Que vergonha!
— Larga o meu braço! — Puxei com força. — Você pode achar o que quiser, mas não tem nada a fazer.
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Ela me dá um tapa forte no rosto. Não esperava por aquilo, mas o ódio que tomou posse de mim foi tão grande, que revidei logo em seguida. Senti minhas mãos ardendo ao esbofetear a cara da monstrenga. E a confusão começou.
— Ahhh! Você me bateu!
— Você é louca! Nunca mais encoste em mim! Isso é um aviso. — Dei as costas e saí dali, morrendo de vergonha de todas as pessoas que se reuniram para ver a briga. Nunca havia brigado com ninguém e me senti humilhada com a situação.
— Eu vou matar você! — Ela pegou meus cabelos por trás e puxou com força.
Senti uma dor enorme, mas o instinto de sobrevivência foi mais forte e sem perceber eu me girei, conseguindo me desvencilhar dela. Quando dei por mim, estávamos rolando no chão, aos tapas e gritos. Fomos separadas por alguns rapazes e depois um grupo me levou para beber água. Não conseguia parar de chorar de raiva, vergonha e medo daquela louca. Se havia chegado àquele ponto, era capaz de qualquer coisa. Ainda transtornada, sai do campus e fui cumprir com as minhas obrigações.
Ao chegar lá, contei o que havia acontecido e me desculpei pelo atraso. Decidi não contar nada para Justin. Sabia que ele ficaria aborrecido e se enfrentaria com a monstrenga. Não queria mais complicações do que já tínhamos naquele momento. Mas o medo de algo dar errado era muito real dentro de mim.
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Capítulo 11
Aquele foi um dia terrível e minha cabeça estava explodindo. Precisava urgentemente de um banho, uma cama quentinha e um tempo para refletir sobre os últimos acontecimentos. Não podia simplesmente me deixar abater por uma louca, que se achava dona do mundo, e sair de cena sem ser percebida. Eu lutaria por ele e por nosso amor com afinco. Não me importava o que aquilo iria me custar, mesmo que fosse a minha paz. Tendo Justin ao meu lado, o resto se ajustaria aos poucos e certamente seriamos muito felizes juntos. Tinha a certeza disso naquele momento.
Quando cheguei ao alojamento, abri a porta e levei um susto ao entrar. Eis que ali em minha frente, todo à vontade jogado no sofá, estava Justin, com uma expressão preocupada enquanto ouvia música. Olhei para ele e por um momento, um simplesmente momento, quase hesitei. Será que colocá-lo diante de uma guerra de nervos seria bom para ele? Foi isso que veio em minha mente, mas quando ele se levantou, meio sem jeito por causa do gesso, e veio até mim, abraçou-me com muita delicadeza, tudo aquilo se desvaneceu de minha mente. Só havia ele e mais nada.
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— Elton me contou o que aconteceu. Como você está? — Ele sussurrou em meu ouvido, enquanto fazia carícias deliciosas em meus cabelos e minhas costas. Praticamente me derreti em seus braços e comecei a chorar como uma tola. Mas todas as emoções estavam tão fortes aquele dia. Tudo estava acontecendo rápido demais e meus hormônios não ajudavam muito. Estava no período de TPM e com vontade de espancar a mostrenga pela vergonha que havia me feito passar.
— Foi... horrível... — Consegui dizer entre as lágrimas e já soluçava.
Ele me apertou forte em seus braços e apoiou a minha cabeça em seu ombro. O calor do seu corpo e seus braços fortes me deram uma sensação maravilhosa de segurança. Ali era o lugar mais seguro do mundo para mim. Sabia que ele me protegeria de qualquer vendaval que viesse a nos abater.
— Eu não deixarei nada de mau te acontecer. Estarei sempre ao seu lado. Pode acreditar!
Ele começou a distribuir cálidos beijos em meu pescoço e fiquei completamente mole. Se não fossem os braços fortes, certamente teria desabado como uma jaca no chão.
— Tentei falar com aquela doida, mas não consegui. Mas prometo resolver isso. Ela não vai colocar as mãos mais em nenhum fio dos seus cabelos, eu prometo.
Os lábios dele foram subindo e chegaram ao meu queixo. Nem preciso dizer que as borboletas, devo dizer que estavam muito assustadas com o ataque sofrido aquele dia, rapidinho se
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esqueceram de todo o aborrecimento e começaram uma nova festa. Dessa vez senti como se alguém houvesse ligado um liquidificador.
Justin começou a chupar o meu queixo, de forma muito sensual, eu fechei os meus olhos e deixei rolar. Para quê continuar sendo tão certinha e racional? Aquela vaca não merecia nem um pouco da minha consideração. Só assenti com a cabeça e quando seus lábios tocaram os meus, instintivamente agarrei os seus cabelos, puxei para mais perto. A festa literalmente começou.
Justin começou com um beijo lento, doce e com muita calma. Mas depois inclinou a cabeça e pediu passagem para sua língua. Entreabri os meus lábios e dei passagem para ela. Senti o seu toque molhado, movimentos circulares em minha boca causando sensações completamente maravilhosas. As borboletas agora aprendiam outro ritmo. Acho que alguma dança tribal, pelos estranhos movimentos que sentia na beira do estômago. Meu corpo queimava de paixão, sentindo aquela sensação gostosa de descargas elétricas percorrendo todo ele.
Meu desejo fazia as minhas mãos percorrerem seu torso, tentando mapear cada pedacinho de seus braços fortes, o peito estufado, o pescoço grosso e a barriga durinha e cheia de pequenos gominhos que só faziam aumentar o meu desejo, e ansiar por percorrer cada parte com minha língua.
O beijo foi se intensificando e não sei como, mas quando percebi estava deitada no sofá, com Justin sobre mim, massageando os meus seios enquanto me beijava com anseio desesperado de me possuir. Era o desejo de dez anos explodindo em um único beijo. Senti a umidade se formando em meu ventre e um novo desejo me
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pedindo mais. Queria senti-lo em mim, queria que me possuísse de todas as formas e que aquele momento nunca acabasse. Estava irremediavelmente perdida naquele momento. Não foi preciso, e nem havia como, raciocinar para saber que seria capaz de morrer para ter mais momentos como aquele. Sentia a verdadeira felicidade irradiando de cada poro do meu corpo, fazendo valer todo aborrecimento causado por aquela monstrenga. E eu estava disposta a mostrar a ela a força que existia em meu interior. Não desistiria em momento algum. Ele era meu, eu era dele... Simples assim.
Quando interrompemos o beijo, estávamos completamente ofegantes. Eu estava jogada sobre o sofá, como uma boneca de pano. Justin estava de olhos fechados e quando abriu, vi que ardia o mesmo desejo nele. Um leve e sorrateiro sorriso escapou de seus lábios. Por segundos não disse nada, depois ouvi as palavras que me faziam sentir mais viva:
— Eu te amo.
Ele fechou os olhos e começou a me beijar novamente, com mais desespero do que na vez anterior. Sem perceber começamos a tirar as roupas e em poucos segundos, estava apenas de sutiã e calcinha. Ele só conseguiu tirar a camisa por causa do gesso e num momento meio sem jeito, acabou caindo no chão e gemeu de dor. Depois começarmos a rir juntos, enquanto eu o ajudava a se levantar. Foi só nesse intervalo, que consegui pensar racionalmente no que estava acontecendo e nas consequências dos nossos atos.
— Justin, eu preciso dizer uma coisa. — Disse, enquanto o ajudava a se sentar no sofá.
— Qualquer coisa, meu amor. — Ele disse de forma gentil.
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— Eu ainda sou virgem e estou com medo... — Vi que a expressão em seu rosto mudou naquele momento e ele ficou branco como fantasma. Abriu a boca para tentar dizer algo, mas não conseguiu. De repente me senti estranha e tola. Não tinha que ter estragado aquele momento, mas tudo estava acontecendo tão rápido e poderia me machucar se não houvesse muito cautela. No momento do beijo, não pensei em nada. Só queria senti-lo e me realizar, mas a consciência recaiu sobre mim e achei justo dividir aquela preocupação com ele.
— Eu... Eu... — Ele gaguejou. — Não fazia ideia. Quer dizer... — Continuou gaguejando e atropelando as palavras. — Você é tão gata e imaginei que... Você sabe... Agora estou nervoso. — Confessou com uma expressão indecifrável.
Não sabia se estava surpreso, com medo ou querendo fugir. Fiquei ainda mais insegura naquele momento.
— Eu não fiquei com mais ninguém desde que você foi embora de Chilton. Estou com um pouco de medo. Todos dizem que a primeira vez pode ser horrível e queria dividir isso com você. — Tentei me explicar e depois abaixei a cabeça envergonhada.
Queria enfiar minha cabeça dentro de uma privada. Ele me abraçou, beijou minha testa e depois me olhou no fundo dos olhos. Ficamos calados por alguns segundos, então se pronunciou.
— Eu não fui tão fiel assim, sabe. Queria ter esperado por você, mas os hormônios masculinos são mais exagerados. Só que agora estou um pouco nervoso e receoso também. Nunca fiquei com uma virgem, nem na primeira vez, e não sei como me controlar e ser
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tão delicado o quanto você merece. Acho que tenho que me preparar para isso. Não quero te machucar.
Quase ri naquele momento. Ele parecia preocupado, o cenho franzido, uma expressão de dor, e tinha a impressão que ele temia me quebrar.
— Do jeito que fala, parece que você é um monstro. — Eu disse. — Não vai me machucar.
— Você não entende... Para nós, homens, é mais complicado. Quando estou transando com uma mulher, fico meio que possuído e perco o controle. Agora com você, terei que ir devagar e não sei se vou conseguir. — Ele mordeu os lábios e ficou me olhando com aquele mesmo jeito.
— Então podemos esperar você se preparar psicologicamente, mas não muito tempo. Ok? Quero sentir você por inteiro, Justin. Estou morrendo por isso agora e... Ai que vergonha! — Abaixei a cabeça e coloquei as duas mãos no rosto.
Ele lentamente tirou as minhas mãos e me encarou.
— O que você está sentindo é normal, Lizzy. Não tem que se envergonhar por sentir tesão e querer transar. Eu fico muito envaidecido com isso, mas acho que temos que parar um pouco agora. Lembra quando meu pai dizia que os beijos faziam esquentar? Agora você sabe como é. — Pegou a minha mão e levou até sua calça.
Senti a ―enorme‖ protuberância e no mesmo instante as minhas bochechas começaram a arder. Sabia que estava vermelha de vergonha. Ele pelo contrário, parecia muito bem com aquilo.
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— Está sentindo como eu estou por você. Minhas calças vão estourar a qualquer momento. Preciso ir embora antes que perca a cabeça. Acho melhor irmos devagar por enquanto... Quero fazer algo muito especial para a nossa primeira vez. Vai valer a pena esperar. — Deu uma risadinha debochada. — A propósito, adoro quando você fica assim coradinha de vergonha. Eu sempre me lembrava disso quando pensava em você.
— Eu estou um pouco tranquila por você entender, mas continuo ansiosa. Esperarei, suplicante, a sua surpresa. — E ri para ele. — E quanto à monstrenga? — Perguntei.
— Eu disse a verdade, que ela já sabia, e terminei tudo. Ela chorou, gritou, esperneou e até me bateu. Agora acabou! Seremos somente amigos. Isso se ela te deixar em paz e parar de infernizar as nossas vidas. Não estou muito convicto que isso vai acontecer logo, mas temos que pagar para ver. E se ela tocar em você novamente, vai sentir o peso da minha mão.
— Você não pode perder a cabeça com ela, Justin. — Argumentei.
— Ela pode fazer o que quiser comigo, mas com você não. Se ela te machucar de alguma forma, viro bicho e mordo. — Respondeu e me abraçou. — Agora acho que precisarei de uma ajuda para chegar em casa. Você me leva? — Pediu carinhosamente enquanto beijava as minhas mãos.
— Sua mãe vai querer que eu fique por lá. Você sabe disso, não? Por isso está me convidando. Acho melhor chamar um taxi, Justin. Se for obrigada a passar a noite inteira nos seus braços novamente, acho que eu vou te atacar e a sua surpresa vai para o
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espaço. — Nem sei como tive coragem para dizer aquilo. Minha língua parecia ter vontade própria e quando vi, já tinha falado.
— Tô começando a ficar com medo de você, Elizabeth Marbrook. — Respondeu rindo.
— É para ficar mesmo. Ainda mais depois de ter que vê-lo com aquela... Afff, que raiva! — Resmunguei e ele me abraçou. Caímos juntos deitados no sofá e ficamos rindo um pouco.
Depois chamamos um taxi e Justin foi embora. Fiquei ali, com o corpo ardendo de paixão, chupando dedo a noite toda, enquanto relembrava cada momento que passamos juntos.
Horas mais tarde, quando já me sinto mais serena, estou em meu quarto pensando sobre toda aquela discussão com James. Nós nos magoamos muito e ele abriu feridas, que há muito pareciam cicatrizadas. Apesar disso, sei que não fez por mal, apenas queria o melhor para o pai. A morte, iminente, de Justin estava deixando todos os membros de nossa família com os ânimos aflorados. São até compreensíveis reações exasperadas, mesmo assim ainda me sinto abalada.
A única coisa que me acalma, nesse turbilhão, é sentir que meu marido está paz. Olho para a cama e vejo que Justin está dormindo tranquilamente. Pela sua expressão risonha, sei que está sonhando. Sento-me ao seu lado, pego a sua mão e a beijo. Silenciosamente faço uma breve oração: Por favor, por favor, Por favor, meu Deus! Se for para acabar com a sua dor, peço que o leve de uma vez. Não o deixe sofrer... Não o deixe sofrer tanto... Eu queria mais algum tempo com ele, mas só se isso for bom para os dois.
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Justin abre os olhos lentamente, bate as pálpebras, olha para mim e sussurra:
— Você é minha vida, Lizzy. — Após uma longa pausa — Eu sempre estarei com você, mesmo depois de partir. Ele fecha os olhos, volta a dormir e alguns segundos depois ele sorri novamente. É tão bom vê-lo assim com uma expressão de completo contentamento. Nem parece que seu corpo sofre com o efeito dos remédios e tratamentos. Ele padece calado e tenta me passar tranquilidade nesse momento difícil. Meus olhos estão cheios de lágrimas e meu coração apertado. Hoje estou esgotada demais e a conversa com James só serviu para me trazer recordações de um tempo bem turbulento de nossas vidas. Preciso dormir e reunir forças para o que está por vir.
Tenho me preparado desde o dia que descobrimos a sua doença, mesmo assim me sinto tão despreparada para o futuro. Fecho os olhos e tento dormir, mas as lembranças continuam a me perseguir. Mesmo quando me esforço para não pensar no passado, tudo parece muito vívido. Parece que foi ontem que tudo aquilo aconteceu. Mesmo após tantos anos, consigo me lembrar bem de cada detalhe como se fosse hoje.
A semana passou rápido e o domingo logo chegou. Justin já estava com as poucas roupas que os amigos haviam separado em uma mala, e pronto para partir. A sra. Vanessa estava chorosa e a toda hora se lamentava. Os olhinhos ficavam cheios de lágrimas e nem as gracinhas de Jony foram capaz de tirar aquela expressão de dor. Se fosse pela vontade dela, os filhos jamais sairiam do seu lado e todos morariam juntos em uma enorme casa. Justin sabia disso,
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tentava ser carinhoso com a mãe e lhe mostrar como a amava, mas nada era suficiente. No final do dia, finalmente partimos e até mesmo Justin, que tentava se passar por durão, acabou chorando com a mãe. Eu nem preciso dizer que quase derramei um rio de lágrimas. No entanto compreendia a necessidade dele de ter sua própria vida, sua casa e tomar as suas decisões.
E foi justamente naquela noite, no caminho do apartamento, que ele me falou o que havia decidido.
— Lizzy, eu tomei algumas decisões que vão mudar completamente as nossas vidas. Você se lembra quando me perguntou o que havia acontecido com meus sonhos? Eu simplesmente disse que haviam mudado, mas estava mentindo. — Ele disse enquanto eu dirigia a minha lata velha.
Havíamos conversado, durante a semana, sobre suas perspectivas e sonhos. Um dia ele quisera ser um músico e estudou piano durante anos. Mas agora aceitava a vontade do pai e estava prestes a se tornar advogado. Aquilo o afligia e eu entendia bem a situação. Não queria magoar o pai e aceitava tudo o que dizia.
— Como assim? Não entendo. — Disse para ele.
— Eu sempre gostei de música, estudei piano durante anos e depois violão. Até fiz aulas de canto e antes de vir para Yale tinha uma banda. Eu achava que teria muito sucesso e queria viver da música. Meu pai me convenceu que esse caminho não me levaria a nada e que eu tinha que fazer direito, virar um advogado famoso e bem sucedido. Foi por isso que matei os meus sonhos e estou aqui hoje. Faltam apenas 4 períodos para eu terminar a faculdade, mas eu vou trancar a matrícula. Quero voltar a tocar piano e me dedicar à
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música. Ainda não é tarde para entrar em um conservatório de música e vou me dedicar a isso. — Disse decidido.
— Eu apoio qualquer decisão que tomar, Justin. Acho que te fará um grande bem fazer algo que gosta. Eu me lembro que você adorava as aulas de piano quando menino. Sei que será um choque para os seus pais, mas é a sua vida e estou com você para tudo. — Respondi com sinceridade e pensei comigo mesma: fazer algo sem paixão é pior do que não fazer nada. Ele se tornaria um advogado frustrado e carregaria o fardo pelo resto da vida. Seria muito triste, nós dois sabíamos disso.
— Você não está entendendo, Lizzy! É a nossa vida! É por isso que estou tendo essa conversa com você. Eu terei que mudar completamente os planos e se não der certo, você também passará privações.
Ele parecia angustiado com aquela decisão e minha palavra seria um corrimão para se apoiar. Ele confiava em meu discernimento.
— Justin, eu estou acostumada com a vida dura. Sei que por um tempo ficaremos na maior dureza e se não der certo você procurará outros caminhos. Só quero que seja feliz e não vejo você nem um pouco entusiasmado com a ideia de ser advogado. Se você tem que arriscar e decidir algo, que seja agora que somos jovens. Fale com seu pai e recomece. — Disse de forma firme.
Eu apoiaria qualquer decisão que tomasse. Sempre estaria ao seu lado, independente das circunstâncias adversas.
— Eu vou me dedicar à música por um ano. Depois tentarei uma vaga no conservatório em Viena. Se eu não conseguir, reabro a
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matrícula e volto a fazer direito. Sei que será um choque para o meu pai, mas eu quero isso. Assim como a quero ao meu lado. — Passou a mão em minha perna e fez carícias enquanto falava e eu dirigia.
— Eu o apoiarei sempre. Se você precisar ir para Viena ou tiver que ficar sem trabalhar por algum tempo, eu seguro as pontas. Vai dar certo, Justin. Você nasceu fadado para isso. Será um ótimo músico!
Se não estivesse dirigindo, bateria palmas para ele naquele momento. Pela primeira vez eu o via fazer algo que realmente desejava. Estava feliz com a sua postura. E ele parecia entusiasmado com o plano.
— Eu começarei a procurar um novo lugar para morar. Quero que venha morar comigo. Não posso te pedir em casamento agora, pois não tenho muito a oferecer. Mas não quero vê-la se matando de tanto trabalhar para se manter em Yale. Acho que juntos será melhor para os dois. Teremos mais forças para enfrentar as dificuldades. — Aquilo me assustou um pouco. Queria ficar sempre com ele, agora viver junto e depender do dinheiro dos pais era outra história.
— Justin eu não quero viver à custa dos seus pais. — Disse meio sem jeito. Aquele assunto era constrangedor e ele se aborrecia quando eu mencionava que ele ainda dependia dos pais.
— E não viverá! Eu vou conseguir um emprego e nas horas vagas estudarei música. Vai dar tudo certo, Lizzy. Juntos caminharemos melhor, você verá.
— Então tá! Estou dentro. — Respondi rindo. — E eu serei sua agente. — Brinquei com ele. — Cuidarei da sua agenda, dos
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contratos, dos show e das fãs... Principalmente das fãs. — Completei entusiasmada.
— Cuidará da minha agenda, dos contratos e das fãs? — Ele gargalhou. — Se está se oferecendo ao cargo de agente, está contratada.
— Principalmente das fãs assanhadas. Eu sou ciumenta, heim, sr. Stone. — Fiz beicinho e ele me deu um selinho.
— Eu gosto disso. — Rimos juntos. Enquanto dirigia, fizemos vários planos e brincamos com as possibilidades. O futuro era incerto, mas eu estava preparada para me atirar nele de cabeça. Justin estando comigo, teria forças para fazer qualquer coisa.
Chegamos ao apartamento e seus amigos esperavam com uma festa surpresa. E para o meu espanto, a mostrenga também estava lá, usando um vestido vermelho super sensual e com cara de gente. Nem parecia aquela ―coisa‖ estranha que conhecera dias antes. Senti-me um pouco desconfortável, mas Justin segurou firme a minha mão e entendi o recado. Estávamos juntos para tudo e não me deixaria abater, nem perderia a cabeça com as provocações da bruxa.
Bebemos, conversamos e rimos um pouco com os seus amigos. Quando ele percebia que eu estava deslocada na conversa, mudava de assunto e tentava me recolocar nela. Eu me senti segura e protegida, mesmo com as garotas me olhando como se fosse uma aberração. Afinal elas estavam bem vestidas e elegantes, e eu por outro lado, usava calça jeans, camiseta e meu velho tênis. Apesar disso, não me importei com a questão e continuei ao lado de Justin até ele decidir ir para o quarto e abandonar a festa. Era o que eu
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mais queria e não demorou muito a ocorrer para o desgosto da monstrenga que a toda hora se insinuava para ele.
— Amanhã marcarei um encontro com meu pai para informar sobre os meus planos. Vou pedir o velho piano e acomodá-lo em algum lugar aqui no apartamento. Depois vou começar a procurar emprego. — Disse ao entramos no quarto.
— Com esse gesso? Você primeiro precisa passar pela avaliação de um médico e depois resolver como vai encontrar um novo emprego. O que acha que seu pai vai dizer? — Perguntei sabendo a lição de moral que Justin levaria.
O sr. Stone, sempre tão certinho, passaria um sermão daqueles em Justin, nós dois sabíamos perfeitamente disso. Ele, no entanto, parecia decidido e sem medo de encarar a conversa.
— Vai tentar me convencer que estou errado e que devo agir racionalmente. Que a música não é futuro para mim, que não investiu anos na minha educação para eu acabar como um músico medíocre e blablablá... — Começou a falar com o mesmo jeito infantil de Jony e tive que rir com a cara que fez.
— Você está preparado para esse confronto? — Perguntei preocupada.
Sabia que seria barra pesada um confronto com o pai. Ele ficaria magoado e o sr. Stone não desistiria assim tão fácil dos planos que traçara para o filho.
— Toda a minha vida eu fui um bom filho. Sempre fiz o que eles me disseram que era bom e nunca sai da linha. Agora quero viver a minha vida, Lizzy. Ele terá que entender que não sou como ele. Nunca tive vocação para ser médico e serei um péssimo
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advogado. É a minha vida! O meu futuro! Você me entende? — Ele perguntou exasperado, enquanto jogava a mochila sobre a cama.
— Eu entendo e o apoio... Sempre! Agora vem e me beija. — Caminhei até ele, abracei-o pela cintura e encarei o seu rosto.
— Você está brincando com fogo. Sabe a fome que tenho de você e me provoca desse jeito. — Disse de forma faceira e sorriso maroto.
E eu queria mais era ser queimada, para dizer a verdade.
— Eu quero que você me queime, Justin. Será que não percebeu isso? — Perguntei de forma decidida, enquanto mordia os lábios e tentava fazer cara de sexy.
— Ó Meu Pai Eterno! Eu preciso de controle para não fazer besteira e te machucar, amor. — Ele colou a testa na minha e nossos olhos se encontraram.
Novamente vi o desejo ardente fluindo através daqueles olhos negros. Era um vulcão prestes a entrar em erupção. Senti a umidade se formando na minha feminilidade e as descargas elétricas em meu corpo.
— Não pensa muito. Só me beija, Justin. Eu preciso dos seus beijos, das carícias e do seu amor. Estava incomodada e ciumenta lá na sala. Toda vez que olhava para aquela ―coisa‖ e me lembrava o que ela provou, o ciúme ardia dentro de mim. Estou desejosa de você... — Nossos lábios se encontraram com sofreguidão.
Ele queria me devorar inteira, eu sabia disso pela forma desesperada como os lábios se moviam sobre os meus. Sua língua invadiu a minha boca e vasculhou cada canto dela. Suas mãos seguraram as minhas nádegas e as puxaram ao encontro do seu
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sexo. Senti o volume em suas calças e os movimentos salientes do seu corpo. Caímos na cama juntos e o gesso bateu em meu joelho. Foi uma dor insuportável e gemi angustiada. Ele interrompeu o beijo e foi massagear o local.
— Eu sinto muito amor. — Ele disse, passando a mão no meu joelho.
— Acho que teremos que esperar você tirar esse gesso, né? — Perguntei fazendo beicinho e ele assentiu com a cabeça.
— Eu já estou quase arrancando por conta própria. — Ele resmungou impaciente, enquanto massageava meu joelho.
— Não pode! Precisa fazer um raios-X para ver o estado da lesão. — Respondi, sabendo que era louco o suficiente para arrancar o gesso antes do tempo. Estava contrariado com aquilo.
— Infelizmente! — Continuou irritado com aquela situação.
— Sabe que você fica lindo assim todo enfezadinho? Me dá mais vontade. — Disse, toda sem vergonha para ele.
— Sabe o quanto eu te quero agora? Vou explodir se tiver que esperar mais um ou dois meses. — Respondeu mal humorado.
— Vem cá! — Puxei-o pela camisa e ele se deitou ao meu lado. — Será uma prova de fogo para nós, mas vamos conseguir. Será mais gostoso depois de tanta espera. — Tentei animá-lo.
— Podemos ficar só abraçadinhos até eu me acalmar. Com você passando as mãos em mim, tenho vontade de fazer umas coisinhas deliciosas com você. Só não sei se conseguirei parar. — Disse todo malicioso, enquanto me fitava.
Era visível o tesão em sua face. Estava realmente subindo pelas paredes naquele momento.
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— Hum, estou até curiosa. — Ri alto. — Ficaremos só nas brincadeirinhas. Melhor do que nada, amor. — Beijei o seu pescoço, enquanto ele soltava um gemido gostoso.
— Amanhã podemos tentar fazer sexo por telefone. Aí não corre o risco de você me atacar. O que acha? — Perguntei tentando animá-lo.
— Será bom! Posso te ensinar a fazer... — Ele suspirou frustrado.
— O que foi? — Inquiri.
— Não posso pensar nisso agora. Preciso tirar esses ―pensamentos impuros‖ da minha mente. Estou começando a perder o controle — Seu rosto era pura tensão sexual e frustração naquele momento.
— Então podemos só ficar abraçados e ouvir música? — Perguntei. — Sem brincadeirinhas, prometo.
Nos olhamos por um momento, ele beijou minha testa e olhou para o teto. Estava realmente frustrado por ter que esperar. Aquele gesso era uma barreira chata para nós. Se eu tivesse experiência, poderíamos até aproveitar muito. Mas uma virgem precisava de uma boa iniciação e definitivamente com o gesso não era boa ideia.
— Não nos resta muita coisa a fazer. É melhor ficar aqui deitadinho perto de você, sentindo o seu calor, do que ficar longe e sentir a sua falta. Sua presença para mim é tudo. — Ele ajeitou a minha cabeça sobre o seu ombro e começou a afagar os meus cabeços.
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— Assim eu vou dormir. — Resmunguei. Não queria dormir. Queria aproveitar cada momento ao seu lado, depois de esperar tanto tempo.
— Dormindo você me provoca menos... Se é que é possível estar perto de você sem me sentir provocado. — Retrucou.
— Eu me sinto lisonjeada com esse elogio.
— Você pode! Não precisa fazer nada para me provocar. É só pensar em você e meus instintos afloram. Então dorme um pouco, enquanto eu tento dominar esse desejo que sinto por você... Se é que algum dia vou deixar de te desejar. — Sua voz era baixa, quase que um sussurro e eu, que já estava muito cansada, fechei os olhos e me permitir ouvir aquela deliciosa melodia.
— Assim eu espero. — Fechei os olhos e fiquei rindo enquanto Justin passava as mãos pelos meus cabelos. Aos poucos o sono veio chegando e adormeci.
Definitivamente não consigo dormir. Já me remexi na cama, de um lado para o outro, tentando o possível não pensar no passado e, muito menos, nas brigas com James, mas hoje está impossível me desvencilhar das lembranças. Até que aquele foi um momento até gostoso, apesar de que aquelas recordações me levam à outras, as quais não gostaria. Queria apenas poder dormir. Nada de lembranças ou sonhos. Apenas descansar a minha mente e tentar me fortalecer. Preciso me preparar para o que vem pela frente.
Chego bem perto de Justin e aconchego a minha cabeça no travesseiro ao seu lado. Rio com as lembranças daquelas palavras, que ele repetiu muitas vezes, mesmo quando estava grávida de quase nove meses. Ele sempre me dizia que bastava pensar em mim
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para se sentir desejoso. A minha presença em si já era uma provocação a sua masculinidade.
— A recíproca sempre foi verdadeira, amor. Eu também sempre o desejei tanto. — Beijo a sua bochecha e fico observando a sua expressão tranquila enquanto dorme. Vez ou outra ele sorri e sussurra algo. — Eu me lembrarei de cada momento quando você se for... Sempre!
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Capítulo 12
Acordo com o balbuciar pesaroso de Justin. Mais uma vez ele está sonhando. Essas poucas palavras, sussurradas, tem relação com um tempo não muito bom para nós. Foi um tempo de decisões, mas de muitas mágoas. Foi um tempo de crescimento, autoconhecimento, mas também de rompimento. Foi quando ele começou a crescer...
— Perdão... — A voz baixa sussurrava. — É minha... Escolha, pai... Perdão... Eu o decepcionei... Perdão...
Levanto da cama, dou a volta e me sento ao seu lado. Uma lágrima solitária corre de seus olhos, pegando caminhos sinuosos, pela face enrugada de sua pele. Meu coração se aperta. Não gosto de vê-lo chorar. Eu o fiz derramar o pesar duas vezes de forma tão natural. A primeira, creio que a razão do sonho, quando ele rompeu com o pai. A segunda, quando perdemos o nosso bebê.
Passo a mão pelo seu rosto de forma gentil, seco lentamente as lágrimas e oro para que o sonho passe logo. Instintivamente, fecho os meus olhos e me lembro... As lembranças vêm de forma tão nítida, como se fosse hoje.
— Alô, Lizzy! — Ele disse assim que atendi o celular. A sua voz estava trêmula e embargada.
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Algo dentro de mim dizia que não estava bem. Meu coração logo se apertou angustiado.
— Justin, o que aconteceu? Você estava chorando? — Perguntei nervosa.
— Sei que tem uma aula agora à tarde e hoje à noite tem que ir para o bar trabalhar, mas pode vir para cá? Preciso muito desabafar... Estou tão mal. — Ele respondeu.
Como eu poderia lhe negar isso? Nunca o deixaria sofrer sozinho por qualquer coisa que fosse. As aulas eram importantes sim, e trabalhar era o meu meio de sobrevivência, sabia disso. Agora, deixar Justin passar por um momento tão difícil sem apoio? Imediatamente liguei para o dono do bar e disse que não poderia ir aquela noite. Inventei que estava me sentindo mal e ele me dispensou de forma mal humorada. Desconfiava que logo encontraria outra pessoa. Eu já havia faltado várias vezes nos últimos dois meses.
Dirigi o mais rápido possível e não demorei muito. Era horário de aula e a maioria dos estudantes estava em suas classes. O estacionamento estava cheio de carros e a via principal da cidade universitária de Yale estava vazia. Cheguei logo ao apartamento que dividia com os amigos.
Assim que toquei a campainha ele abriu a porta. Seu rosto estava horrível, os olhos inchados e vermelhos, e o corpo tremia. Ele me puxou para dentro, bateu a porta e me abraçou. Em meus braços chorou de forma inconsolável. Parecia uma criança. Algo havia se rompido dentro dele, eu sabia. Meu coração doía tanto com o seu sofrimento.
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Só pude confortá-lo com o meu calor. Por algum tempo não falei nada, apenas o levei para o seu quarto, nos deitamos na cama e o coloquei em meu colo. Deixei que chorasse até que a dor finalmente fosse branda o suficiente para ele falar sem chorar.
— Agora pode me dizer o que te deixou assim, amor — Pedi carinhosamente enquanto afagava os seus cabelos negros.
Ele ficou calado por um tempo, o silêncio era esmagador, e depois finalmente conseguiu falar.
— Meu pai e eu rompemos. Ele disse que não tem mais filho. — Disse com a voz ainda embargada pelo choro. — Não consegue aceitar que eu mudei e quero viver minha própria vida. Tenho os meus sonhos. Achei que estavam mortos, mas não estão. Ele queria que fosse médico, mas por motivos óbvios eu nunca tive vocação para a coisa. Então me idealizou como advogado bem sucedido. O que ele não consegue entender é que eu não gosto disso. Não gosto de estudar leis. Não me vejo como um velho enfadonho estudando processos e defendendo criminosos. Muitos advogados são obrigados a passar por cima da moral e da ética para atenderem seus clientes. Nenhum deles sai por aí dizendo que só atende quem é realmente inocente. Eu não quero esse tipo de vida, Lizzy. — Seu desabafo era cheio de passionalidade. — Quero uma vida apaixonada e com emoção. Pode parecer irracional, mas eu não me vejo daqui a dez anos em um tribunal defendendo uma causa. Acho que nunca me vi. Sempre fui um ótimo filho e fiz tudo o que meus pais esperavam de mim, mas agora é hora de fazer as minhas próprias escolhas.
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Passei a mão pelos seus cabelos e com as duas segurei o seu rosto. Ele me fitou como uma criança carente. Apesar da sua decisão, estava afetado pela briga com o pai.
— Sua mãe estava lá? O que ela disse? Como tudo ficou depois que seu pai não aceitou a sua decisão? — Perguntei enquanto encarava seu rosto.
O que me preocupava era a Sra. Vanessa, que sempre foi muito ligada ao filho e sofreria com o rompimento.
— Ela chorava o tempo todo. Pedia para eu repensar e tentou colocar juízo na cabeça do meu pai. Eu fui bem claro, Lizzy. Vou estudar piano por alguns meses e tentar uma vaga no conservatório de Viena. Também preciso de um emprego urgentemente. Não posso mais viver da caridade deles. Outro passo é conseguir um apartamento para nós dois. Já estou providenciando tudo. Ontem à noite fiquei um bom tempo na internet procurando algo para que possa fazer em casa. Sou ótimo tradutor, conheço bem o francês e o alemão. Nem precisaria sair de casa para traduzir artigos e ainda teria tempo para praticar no piano.
— Mas e o piano? Eles deixaram você trazer? — Aquele era um obstáculo. Se os pais de Justin não permitissem levar o piano, ele não teria como praticar. Seria quase impossível comprar um novo, mesmo que de segunda mão. Não acreditava que eles fossem mesquinhos e vingativos, mas no momento da raiva as pessoas fazem coisas que se arrependem depois.
— Depois que meu pai saiu de casa, minha mãe disse que poderia levar o piano. Também que vai continuar a me ajudar financeiramente. Isso não me agrada muito, mas agora não tenho
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outra escolha. Ficarei um bom tempo com esse gesso e não tenho condições de trabalhar para pagar o aluguel daqui. É bem caro, sabe? Sei que meus amigos não me jogarão na rua, só que não quero abusar. Tenho que encontrar um lugar mais barato para morar logo. — Ele alinhou o corpo ao meu lado na cama, colocou a minha cabeça em seu ombro e ficou fazendo carícias.
— E se você se mudasse daqui, mas para um local mais barato? Não precisamos ir morar juntos agora. Você só precisa de um local que não custe tanto. Quando estivemos bem de grana ,alugamos um apartamento para nós. Tem tanta gente que deixa anúncio de vagas em apartamentos. O que acha? — Perguntei.
O meu primeiro pensamento foi dele A junto. Até achei cedo em um primeiro momento. Ali, no entanto, estava apenas sendo prática. Ele precisava de um lugar mais barato e me levar junto só dificultaria mais as coisas. Era melhor tentar dar um passo de cada vez, antes de nos aventurarmos em algo maior.
— Sei que você está certa nesse ponto, Lizzy. Mas não suporto vê-la vivendo naquele alojamento apertado, trabalhando como uma condenada para conseguir se manter. Eu queria poder te oferecer mais agora, mas não posso. Isso está acabando comigo.
Encarei o seu rosto e fui bem firme. Não queria que me visse como uma coitada. Tinha sim, as minhas dificuldades, mas entrar na vida dele, ainda mais quando tinha mais problemas do que eu, apenas para sair do sufoco não era o que queria.
— Olha bem, Justin. Eu amo você, quero viver com você e dividir tudo. Não porque a minha vida é uma merda, mas porque te amo e quero estar sempre junto. Acho que agora não é uma boa hora
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para isso. Você precisa de um lugar amplo para o seu piano e barato para ter como pagar. Precisa arrumar um trabalho que possa fazer em casa. Não acha muito? Não quero ser um peso morto nas suas costas. Tenho me virado bem sozinha nos últimos anos e mais algum tempo não vai me matar. Agora vamos dar um passo de cada vez. OK? Primeiro vamos ver os anúncios e achar algo para você fazer. Disse que é bom em alemão e francês, então podemos encontrar algum emprego como tradutor. As revistas, editoras e jornais sempre precisam de gente com o seu perfil. Vamos entrar no site das editoras e enviar o seu currículo. Você tem um, não tem? — Perguntei em tom de brincadeira, sabendo que tinha um excelente currículo.
— Eu tenho um, mas para estagiário de direito. Acho que tenho que editá-lo. — Ele respondeu um pouco desanimado com toda a situação.
— Então o que estamos esperando? Vamos para o seu computador. — Eu disse em tom autoritário e fomos para o computador refazer o currículo.
Percebi que estava totalmente errado e começamos praticamente do zero. Passamos o resto do dia enviando para empresas, jornais, revistas, editoras e depois começamos a buscar em sites de vagas na internet. No final do dia estava exausta e com dor de cabeça. Aquilo, no entanto, valeu a pena. Na manhã seguinte, enquanto estava na aula, recebi um torpedo de Justin avisando que havia recebido uma resposta. Era tudo que ele precisava para se animar naquele momento. Assim que terminou a aula, liguei para ele e soube que já estava a caminho da entrevista. Parecia nervoso
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com aquilo, mesmo assim estava confiante. Ele só precisava de um emprego que pudesse realizar de casa. A coisa era difícil, mas não completamente impossível.
Assim que saiu da entrevista me ligou todo animado. As suas chances eram grandes e ele estava muito esperançoso. Eu não podia ir naquela noite comemorar, tinha que comparecer ao meu trabalho noturno pelo menos naquele dia. Afinal só trabalhava no bar à noite duas vezes na semana e faltar as duas seria complicado para explicar depois. Não consegui mais falar com Justin naquela noite e muito menos na manhã seguinte.
Ficamos praticamente três dias trocando mensagens e quando finalmente chegou a noite de sexta, dispensei o convite de babá para aquele dia e corri para o apartamento.
Ao chegar ao apartamento, fiquei bastante aborrecida, para não dizer chocada. Para variar as namoradas dos amigos estavam lá e com elas a ―monstrenga‖, ainda com o seu visual quase normal. O que mais me chateou não foi encontrá-la, mas o fato de ver os dois conversando sobre algo quando cheguei.
Cumprimentei a todos, de cara amarrada, e fui para o quarto logo em seguida. Justin, percebendo a saia justa, foi atrás de mim. Nem preciso dizer que acabamos brigando e o que deveria ser uma noite de comemoração, acabou em estresse.
Não consegui engolir a desculpa de que ela estava conversando com ele sobre emprego e fui embora aborrecida. O que mais me chocou, foi saber que ele só foi contratado porque o pai dela interferiu no processo seletivo a pedido dela, intercedendo junto ao dono da editora. Ao que parece, Justin contou o caso para
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Elton, que contou para Tessa, que deu com a língua nos dentes para Melissa. Fiquei espumando de raiva e saí batendo a porta. Não queria olhar para ele e muito menos para ela naquela noite.
Chorei e não atendi nenhum dos telefonemas que ele me deu. Não conseguia nem pensar em chegar perto de tanta raiva que sentia. De certa forma aquilo foi uma traição. Mesmo que a escolha para entrevista não tivesse nada a ver com a ―bruxa de Blair‖, a contratação tinha. Era óbvio que ela o estava comprando. Não podia aceitar aquilo.
A semana passou e eu decidi simplesmente ignorá-lo. Sabia que aquilo poderia ser um tiro no pé e que ao invés de fazê-lo refletir, eu o estaria jogando nos braços da outra. No entanto não podia aceitar. Simplesmente não dava. O sábado chegou, acordei bem cedo para fazer as minhas atividades. O alojamento estava uma bagunça, precisava ir à lavanderia, fazer compras e depois cuidar de mim. Por volta das três da tarde já tinha feito quase tudo, resolvi tomar um banho e fazer as unhas dos pés. Há muito tempo não parava para cuidar delas e estavam um horror. Por sorte, minha companheira de alojamento e amiga, Mary Ann, saiu cedo para passar o dia com o namorado. Certamente me mataria se visse o estado que elas estavam.
Por volta das quatro horas já estava pintando as coitadinhas quando ouvi a porta se abrir. Vi quando Justin entrou mancando com as muletas e ficou me olhando por alguns segundos.
Senti-me um lixo, ali jogada no velho sofá, com as pernas estendidas sobre uma cadeira, enquanto tentava passar o esmalte rosa de forma decente sobre as unhas. Ele me olhou e riu. Acho que
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nunca tinha visto uma cena tão bizarra em toda a vida. Entretanto, de alguma forma estranha, sorriu de forma genuína e pareceu gostar do que via. Não falei nada, apenas continuei o meu trabalho e fingi não me importar com a sua presença.
— Sabe que é a primeira vez que vejo você se cuidar? — Ele perguntou enquanto se dirigia com um pouco de dificuldade até o sofá. — Quando eu tiver muito dinheiro, pagarei o melhor centro de estética para você. Não precisará passar por isso. — Sentou-se ao meu lado e começou a afagar os meus cabelos. — Vai continuar me ignorando? Terei que ser mais persuasivo para você me dar atenção?
Os afagos que ele fazia me deixaram arrepiada e minhas mãos tremeram com o seu toque. Não era possível disfarçar as reações que meu corpo demonstrava em sua presença. Simplesmente assim! Impossível.
— Eu não tenho muito tempo para me cuidar. Você sabe disso melhor do que ninguém. E como hoje não fui solicitada, estou fazendo isso por mim. Quanto a você...
Hesitei por alguns segundos. Minha voz ficou trêmula e ele sorriu. Bastou somente aquilo para as minhas defesas desmoronarem. Porém, era uma questão de honra não deixá-lo perceber que ele havia vencido. Eu perderia completamente a moral se ele soubesse que bastava um sorriso, palavras doces e toques gentis para me dobrar. Tinha que fazer melhor do que aquilo para me convencer.
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— Não quero papo! Você se vendeu para aquela vaca e eu não quero conversa. OK? Então vai embora e me deixe em paz de uma vez.
Justin não se deu por convencido. Tomou o pincel da minha mão e o vidro de esmalte. Enquanto eu olhava brava, ou ao menos tentava, ele puxou a minha perna e colocou em seu colo. Sem se dar por vencido ou demonstrar o menor arrependimento, ele começou a pintar as minhas unhas enquanto falava calmamente.
— Eu não te traí e não me vendi. Foi apenas simples coincidência. Entende? Eu fui chamado para a entrevista e comentei com Elton. Não pensei que ele pudesse expor isso paraa Tessa. O fato é que mesmo os homens têm a língua grande. E quando dei por mim, estava contratado e com a Melissa me contando a intervenção do seu pai. O que poderia fazer? Dizer que não ia mais? Estou precisando de grana desesperadamente. Você sabe disso, não sabe? Eu tenho o meu orgulho e não ficarei devendo favores ao meu pai.
A voz dele parecia estrangulada de dor naquele momento. Tive pena ao ver a expressão, antes suave de seu rosto, transformar-se em uma máscara de dor de um momento para o outro.
— Disso depende o nosso futuro. Você nem ao menos me perguntou como foi a entrevista. Não se deu ao trabalho de me perguntar e saiu toda nervosinha. Se somos companheiros e queremos construir algo mais, temos que confiar um no outro. Você é uma gata maravilhosa e eu poderia morrer de ciúmes, mas eu confio em você. Já você eu não posso dizer o mesmo... — A voz simplesmente parou.
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Ele continuou a pintar as minhas unhas, até bem por sinal, mas não falou nada. O silêncio era estrangulador. Não sabia o que era pior naquele momento. Não tinha como refutar os seus argumentos. De fato eu não confiei e não ouvi. Só julguei com o que achava justo. Estava inflamada demais pelo ciúme para uma conversa franca e racional. Acho que foi por isso que não insistiu e deixou o tempo passar para a minha cabeça esfriar um pouco.
— Justin, eu... — Não consegui falar. Estava envergonhada da minha infantilidade.
— Não precisa dizer nada. Só vamos passar uma borracha no assunto. Quero contar como andam as coisas e saber o que fez sem mim esses dias. — Disse com a voz magoada.
— Você está magoado...
Ele me cortou.
— Eu estava inseguro na entrevista, mas no fim correu tudo bem. Fui franco com o entrevistador. Eles gostaram do meu perfil, mas me pediram alguns testes. Fiz duas redações, uma tradução de alemão para o inglês e outra para o francês. Respondi alguns questionários e fiz uma dinâmica de grupo no final do dia. Nada muito assustador. Conhecer leis foi um facilitador para mim, pois os textos que recebi eram bem didáticos. O primeiro projeto que vou trabalhar é a tradução de um estudo empírico de um cientista alemão. Eles pretendem publicar o livro em cinco meses. Terei dois meses para traduzir tudo e poderei trabalhar em casa. Com isso terei tempo para me dedicar às aulas de música.
— Nossa! Isso tudo? — Não fazia ideia de como fora conseguir aquele emprego. Ali eu vi que mesmo com a influência do pai de
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Melissa,se ele não fosse um cara inteligente, antenado e que soubesse outros idiomas não teria conseguido o emprego. Fui realmente injusta em julgar sem conhecer os fatos. Fiquei arrependida.
— Pois é... E você achando... — Ele parou naquele momento. Mesmo com a vontade de me jogar tudo na cara, ele não queria o conflito. Não estava disposto a discutir. — Eu estou com saudade. — Disse pegando o outro pé. — Quero sair para fazer algo hoje, mas...
— Mas?
— Minha mãe ligou e pediu para passarmos lá. Eu disse que não estou de boa para encontrar meu pai agora. Ela disse que ele foi à Chicago para fazer uma cirurgia e volta amanhã à noite, ou mais provavelmente na segunda feira.
Sua voz era triste, muito triste, mesmo tentando disfarçar. Em nenhum momento me olhou nos olhos, ficou concentrado nas minhas unhas enquanto falava. Ele não queria que tivesse a total noção da sua dor, mas eu sabia. Sabia bem o que era aquilo. Sempre fui um estorvo para a minha mãe e meu pai... Não tinha mais pai desde a tentativa de estupro. Acho que nunca tive na verdade. Aquilo às vezes me doía.
— Podemos ir lá hoje à noite. Fazer um programa de família, comer pipoca com Jony enquanto assistimos a um filme. Ele dever sentir sua falta... Nossa falta.
— Ela disse que ele está rebelde. Brigou na escola e agora deu para responder ao meu pai. Ele encarou o pai e disse umas
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verdades... — Ele deu uma risada sardônica. — Eu nem imagino o que a língua daquele moleque soltou... Queria ver a cara do velho...
— Você, apesar de ser certinho demais, é referência para o seu irmão. De alguma forma ele sente que precisa te alcançar para agradar os pais. Às vezes ele tenta ser igual e outras ele tenta ser o seu oposto para chocar. Mas tudo isso dentro da moralidade e do respeito. Se ele perder essa referência pode ir pelo mau caminho. Você sabe disso? — Alisei os seus cabelos e fiquei esperando a resposta.
Por alguns instantes ele não disse nada e depois confessou.
— Uma vez, antes de eu vir para a Universidade, ele me disse que era apenas a minha cura. O único sentido da vida dele era de eu viver. Eu sempre seria o filho bonzinho, amado, certinho, educado, inteligente e preferido. Ele preferia ―se fazer passar‖ pela ovelha negra, já que só nasceu para eu viver. – Ele olhou para mim. — Eu fiquei chocado com aquela declaração. Mas no fundo sei que ele tenta sempre chocar meus pais para mostrar que existe. É como se dissesse ―Ei, gente estou aqui! Eu existo também!‖ Minha mãe tenta não fazer diferença, porém lá no fundo eu sei que há. É por isso que ela está sofrendo tanto. — Uma lágrima solitária rolou em seu rosto. — Eu quero ser um exemplo para o meu irmão, mas não posso ser tudo o que meus pais esperam. Eu sou um ser que tem suas próprias opiniões, que quer viver a sua vida sem ser sufocado pelos pais. Uma vez você me chamou de mimado e é isso que eu sou. Depois que fiquei curado fui extremamente mimando e sufocado. Minha mãe mal podia se dividir entre mim e um recém-nascido. De certa forma acabou deixando Jony de lado. Meu pai... Ele não o queria
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para começar. E sempre o critica por não ser exatamente como eu. Por isso ele se esforça tanto para chamar a atenção e chocar.
Nunca tinha parado para analisar, mas pensando daquele ângulo, Justin tinha razão e Jony só queria atenção dos pais.
— Vamos sair com sua mãe e Jony. Acho que se eles forem convidados para um cinema, comer pipoca e cachorro quente não sentirão tanto essa ruptura na sua casa. Posso ligar para ela? — Perguntei e ele franziu o cenho.
— Pode! — Respondeu e continuou a pintar as minhas unhas. No final acho que até se divertiu com aquilo.
Naquele final de semana, sem o sr. Stone por perto, a Sra. Vanessa parecia outra pessoa. Saímos os quatro juntos no sábado à noite, assistimos a um filme, fomos para o boliche e bem mais tarde paramos para comer uma pizza. Nunca a tinha visto tão solta e descontraída. Os meninos também pareciam mais leves, Jony fez as suas brincadeiras de sempre e quando nos despedimos, ele me agradeceu, sussurrando em meu ouvido.
— Obrigada pelo que fez hoje. Não aguentava mais ver minha mãe chorar. Quando meu pai vai perceber que cada um é um ser único? Eu estudei isso em ciência e acho o máximo. Por mais parecidos que sejam as pessoas, até os gêmeos, não existe ninguém igual. Isso é o barato da coisa. Se Justin quer ser um músico e não um advogado, que seja. Quem vai se ―fu...‖ se der errado é ele. Faz parte da vida pagar pelas consequências dos atos.
O menino falou como se fosse um adulto, cheio de experiência de vida, e fiquei surpreendida.
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— Você tem mesmo oito anos? — Perguntei rindo, tentando entender aquela criança tão especial.
— Ando lendo os livros de filosofia da mamãe. Achei Freud um pouco chato, sabe? Não gosto dessa coisa de analisar as pessoas. Não seria um bom psiquiatra. Mas adoro os filósofos gregos e a parte mais legal é da democracia. Acho que serei político quando crescer. — Disse todo orgulhoso de si.
— Você leu Freud? O que está lendo agora? — Perguntei assustada. Era difícil acreditar naquilo. Se fosse verdade, o menino era um verdadeiro gênio.
— Eu terminei um estudo sobre Aristóteles e agora estou lendo Platão. Mas acho que isso é muito para a sua cabecinha loira, gatinha. Precisa comer muito angu para me acompanhar. Acho que seria melhor advogado que o meu irmão... — Ele hesitou por um momento e pareceu triste. — Sabe, meu pai não fez nenhum plano para mim. Não sei se isso é bom ou ruim. O lado positivo é que não tenho que me preocupar com a marcação, como Justin. O outro lado é que ele não se importa... Eu posso me ―fu...‖ — Ficou sem graça pelo palavreado. — Ferrar que ele nem liga. Tudo bem... — Disse triste, beijou a minha bochecha e depois se voltou para a mãe que conversava com Justin.
— Por que não foi para uma escola de crianças dotadas? — Perguntei enquanto nos aproximávamos do carro dela.
— E que graça teria não ser mais inteligente do que os outros? Eu aprendo rápido, minhas notas são impecáveis e meus amigos não são nerds. Posso fazer um monte de besteiras lá. Em uma escola de gênio eu não seria eu. Entende? Parei para pensar em sua lógica e
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percebi que ele só queria parecer especial. Ser mais inteligente do que os outros, até mesmo os professores, dava esse status. Por outro lado percebi a negligência dos pais. Se meu filho fosse superdotado, como Jony parecia ser, querendo ou não ele iria para a melhor escola.
Eu estava certa. Os Stones sufocavam Justin e de certa forma negligenciavam Jony. Aquilo era muito triste. Muito triste mesmo. E por trás daquele garotinho traquinas, havia uma criança que só ansiava por carinho e atenção.
Durante o percurso para o alojamento Justin não disse nada. Alguma coisa na conversa com a mãe o deixou introspectivo. Para quebrar o clima, coloquei uma música e fiquei cantarolando enquanto dirigia. Passei uma das mãos sobre a perna sem gesso e fiquei bolinando. Ele logo voltou a atenção para mim e deu aquele sorriso safado. Estava com más intenções, eu sabia bem. Passou a mão na minha nuca e começou a me atiçar.
— Justin, se fizer isso sofreremos um acidente e vai ficar sem a outra perna. Aí demorará mais para... — Minhas bochechas arderam, sabia que estava corada de vergonha naquele momento. — Você sabe... Eu já te quero tanto... Algo dentro de mim grita por você e não terei como esperar a sua surpresa.
— Eu também não estou aguentando, Lizzy. Mas pelo bem de nossas vidas vou parar... Por enquanto. — Deu uma gargalhada
Depois que estacionei o carro, saímos, ele enlaçou uma das mãos em minha cintura, para se apoiar e tirou calmamente uma das muletas do carro. Assim fomos para o meu alojamento. Ele se apoiando em mim, enquanto sussurrava gracinhas em meu ouvido.
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Todo o meu controle estava por um fio. Sentia desespero para senti-lo todo em mim. Nunca na vida pensei tanto em fazer sexo naquele momento. Cada passo trôpego que eu dava, ficava mais excitada com os sussurros e os toques.
Quando chegamos à porta do meu quarto, minhas mãos tremiam e foi difícil abri-la. Entramos rapidamente, acendi a luz, bati a porta, coloquei a chave e logo enlacei o seu pescoço. O beijo que demos foi ansioso e desesperado. As nossas línguas travavam uma batalha deliciosa, com movimentos serpenteantes, o desejo era incontestável e já me sentia molhada demais, totalmente preparada para recebê-lo. Não sei como, mas fui prensada na parede, com as pernas enlaçadas em sua cintura, os lábios de Justin sugavam os meus sem pausa. Sinceramente, não sei como ele não caiu e não machucou a perna. Não sei de onde tirou força, mesmo com o gesso, para me manter presa daquele jeito e ainda conseguir se mover se forma devastadora entre as minhas pernas. Podia sentir o volume enorme causando-me uma ânsia que jamais pensei que fosse ter. Era algo gostoso, desesperado, maravilhoso e que me dava vontade de me perder completamente. Ou melhor seria dizer me achar? Sim!
Nos braços de Justin eu estava me achando. Definitivamente era isso. Eu queria tudo o que ele podia me dar e daria tudo em troca. Queria me fizesse sua. Ser a sua ―vadia‖ para satisfazer todos os desejos. Não haveria o menor pudor. O que ele me propusesse eu faria. Se isso pode parecer loucura, era completamente louca... Louca de amor... De desejo... De tesão. Que me internassem em um quarto de sanatório, desde que meu remédio estivesse ao meu alcance... Justin.
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Ele continuava com os movimentos nos quadris, causando-me tantas sensações que acho que as minhas borboletas aprenderam uma nova forma de dança. Era tudo muito sensual e estimulante. Os mesmos movimentos reproduziam dentro da minha boca. Não me importava nem mesmo o ar, desde que ele não parasse. Não parasse nunca. Eu queria mais e mais... Até que..
— Trimmmm... Trimmmm... Trinmmmm...
Inferno! O telefone dele tocou e fomos interrompidos em nosso momento picante. Justin interrompeu o beijo e praguejou naquele momento. Desci de sua cintura e tentei me recompor. Ele atendeu o telefone e vi a cara de espanto, e desgosto que fez ao conversar.
— Elton... Humm...
Silêncio.
Mais silêncio.
— O que eu tenho a ver com isso?
Expressão de pânico.
— Não pode ser...
Ele olhou para mim e vi que algo estava muito errado. Meu estômago se revirou. Não sei por que, mas senti dor. Meu coração disparou e fui consumida por ansiedade. Precisava saber o que se passava. Seja lá o que fosse, havia deixado Justin transtornado.
— Estou indo!
Justin olhou para mim, pegou a minha mão e cambaleante me conduziu até o sofá. Sentamos, ficamos em silêncio por alguns instantes, ele abria e fechava a boca. Acho que tentava tomar
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coragem para falar. Fosse o que fosse, era muito grave e nos afetava. Finalmente conseguiu.
— Melissa está no hospital. — Começou com a voz trêmula.
Virou o rosto para outro lado e depois continuou. — Ela estava depressiva, bebeu muito e atirou o carro em um muro.
— E o que tem isso a ver com você? — Perguntei.
Sabia que o pior ainda estava por vir. Não era uma criaturatão insensível para não sentir nada com aquele acidente. Não choraria e nem me acabaria se ela morresse. Mas para ele agir daquela maneira, era porque a coisa não era tão simples.
— Ela está grávida e disse que se eu não ficasse com ela, mataria o ―nosso filho‖.
Percebi que Justin mal podia respirar naquele momento. Parecia sufocado e não conseguia me encarar.
— Melissa está grávida de você? — Perguntei em umtom quase histérico. — Está? Bruxa! Bruxa! Ela fez de propósito! Quando você a engravidou? Quando?
Eu me levantei e fiquei andando de um lado para o outro, feito barata tonta. Estava desesperada. Aquilo significava muito. O que Justin faria? Ele era muito família para abandonar o filho. Sabia perfeitamente disso. Não poderia ficar com ele com um filho no meio. Não daria certo. Vários pensamentos negativos me assolavam, com chibatas que cortavam minha alma.
— Se ela está grávida, só pode ter ocorrido quando eu estava no hospital. Ela meio que forçou a barra duas vezes e...
— Vocês transaram na cama de um hospital? Só? Não mais? Como você pode? Como? — Eu o questionei de forma acusatória.
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Eu segurei o rosto dele e o obriguei a me encarar. Estava tomada pela fúria. Queria matar os dois.
— Não! Não conseguia mais tocá-la depois disso. Sentia nojo... Mesmo excitado não conseguia. — Tentou se defender, mas sabia que estava ferrado.
— Ó Meu Deus! O que você fará agora? Não pode abandoná-la grávida. Sabe disso, não sabe? Não há mais chances para nós.
Comecei a chorar. O desespero simplesmente me fez perder a razão. Ele me puxou para si e me abraçou.
— Eu vou resolver isso. — Ele me garantiu enquanto me abraçava.
— Você tem que ficar com ela e com seu filho. — Respondi, controlando a voz para não gritar, enquanto tudo desmoronava na minha frente.
— Não vou casar com ela por causa de um filho, Lizzy. — Disse com veemência.
— É sua obrigação! — Gritei, fora de mim.
— Ela deu o golpe da barriga! Não tenho tempo para discutir agora. Inferno! Pode me ajudar um pouco? O mundo de repente desmorona na minha frente e você só grita!
Ele estava furioso. Não comigo. Não com ela. Furioso consigo mesmo.
— Que burro eu fui! Como cai nessa armadilha? Ahhhhh!
Depois do ataque, respirou fundo, me soltou e se afastou.
— Você tem que ir lá. — Afirmei, ao ficar mais calma.
— Tenho. — Respondeu ainda transtornado.
— Vá cumprir com sua obrigação. — Vociferei.
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— Eu não tenho obrigação com ela. Tenho com essa criança se for realmente minha. — Depois de balançar a cabeça de um lado para o outro, o Justin calmo e comedido perdia calma. — Agora meu pai vai me matar! OMG!
— Vai! Depois conversamos. — Disse, com as lágrimas nos olhos.
— Eu volto para você. — Ele tentou se aproximar, mas eu estiquei os dois braços e o repeli.
— Seus planos agora precisam mudar e acho que não entro mais neles. — Respondi chorando.
— Você só pode estar louca, mas não vou discutir agora. Estamos de cabeça quente e será pior. Amanhã eu volto e resolvemos tudo. — Rebateu.
— OK! — Ele se aproximou e dessa vez eu não tive forças para afastá-lo. Doía tanto... Abraçou-me forte e depois de um tempo em silêncio, beijou minha testa, chamou um taxi e partiu.
Fiquei sozinha, em uma sala quase escura e sem chão. O meu mundo começava a desmoronar. Sabia que tudo só ficaria pior quando o sr. Stone descobrisse sobre o neto. Tudo ficaria bem mais difícil para todos. Ele era muito correto para permitir Justin fazer o que desse vontade e não se casasse com a mãe do seu filho. Desabei no sofá e só chorei...
Volto à realidade ao escutar Justin balbuciar novamente.
— Eu o decepcionei... Decepcionei... Desculpa... Desculpa...
A voz está trêmula e ele gagueja. É quase um sussurro no meio da noite. Novamente o rosto está molhado de lágrimas. Os sonhos não são bons. Que briga ele está revivendo? Sei que suas decisões
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causaram muitas brigas em família. A relação dos Stones nunca mais foi a mesma desde aquela época. O que havia entre pai e filho se quebrou em um mar de decepções. Primeiro abandonar a universidade quando estava quase se formando, segundo virar músico, terceiro engravidar uma garota completamente louca e quarto... Eu... Uma segunda gravidez no meio de
toda aquela confusão. Não havia como evitar a ruptura em meio a tantos acontecimentos. Será que ele algum dia se arrependeu? Durante tudo o nosso casamento ele afirmou que não. Agora, olho para ele e tenho minhas dúvidas.
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Capítulo 13
Eu estava aborrecida, muito aborrecida por sinal, e não havia dormido mais do que três horas. Passei praticamente a noite inteira chorando e ruminando os acontecimentos. Minha cabeça ia explodir àquela altura do campeonato. Tudo o que menos precisava ali era daquela notícia bombástica. Entretanto lá estava ela, tomando as rédeas do meu destino e me deixando completamente desamparada. Eu me sentia como aquela menina que fora abandonada há dez anos, com o coração partido e o medo do presente. Queria apenas que ele me dissesse que tudo aquilo não passava de uma mentira. Aliás, queria me esquecer daquela noite.
Era domingo, tínhamos planos para almoçar na casa dos pais dele. Justin havia prometido a Sra. Vanessa e a Jony que almoçaríamos lá. Eu estava animada na noite anterior, mas tudo perdeu o sentido com a entrada daquela tempestade. Fiquei deitada em minha cama pouco confortável, olhando para o teto, enquanto a minha mente refazia os acontecimentos minuto a minuto. Era difícil acreditar que Justin tivesse transado com aquela monstrenga no hospital. Minha mente recusava-se a aceitar isso como fato absoluto. Era mais fácil tentar negar, quando meu coração estava destroçado e já não conseguia enxergar um futuro para nós dois.
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A porta se abriu e achei que fosse Mary Ann, entrando para avisar que havia voltado de mais uma noitada com seu namorado. Estava enganada. Totalmente enganada e fui assolada pelo susto quando o vi parado na porta do meu quarto me observando. Minha respiração ficou irregular naquele momento e meu coração tomado mais uma vez por aquela angústia sufocante. Olhar para ele ali só me fazia recordar que seria pai do filho de outra mulher. Não podia haver nada mais torturante.
Não falou nada por alguns instantes. Justin parecia cansado e muito constrangido, fazendo sua expressão me doer o coração. Mesmo ele estando errado, doía-me vê-lo sofrer. Pode até parecer idiotice de uma jovem inexperiente, mas era assim que me sentia. O sofrimento dele abalava completamente as minhas estruturas. Seria mais fácil ter lidado com a minha própria dor sozinha. Ele estando ali só a tornava mais insuportável e me dava vontade de chorar ainda mais. Já havia derramado todas as lágrimas, mesmo assim a vontade de chorar era terrível.
— Nós temos um compromisso. — Ele disse, quebrando o silêncio insuportável que havia entre nós.
Sua voz estava mais rouca do que de costume e muito triste. Era óbvio na sua entonação como ele estava mal. Mais uma vez me senti perdida pela sua tristeza. Queria gritar e dizer que era um filho da puta inconsequente, mas não consegui.
— Eu... Eu... — Comecei gaguejando. Péssimo sinal para iniciar uma discussão de relação tão cedo gaguejando. — Não posso. — Finalmente consegui completar e virei à cabeça para o teto.
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Não queria encará-lo mais. Já doía o suficiente sem ter que vê-lo com cara de coitado.
— Marcamos ontem com a minha mãe. A essa altura ela já está com o almoço todo pronto e Jony espera por nós. Não podemos simplesmente desmarcar em cima da hora. — Ele retrucou.
— Não posso ficar lá, comer, beber, rir e fingir que nada aconteceu, Justin. Simplesmente não posso lidar agora com a minha dor e com a sua mãe. Muito menos com Jony, que fará perguntas constrangedoras. Você sabe como é o seu irmão. Eu não posso. Vá você e se desculpe por mim. — Continuei a fugir como uma covarde, mas ele não deu o braço a torcer.
— Eu trouxe uma coisa para você. Quero que vista isso. — Ele estendeu uma bolsa de compra, que eu nem havia percebido. Fiquei em transe olhando para aquilo e tentando entender a sua lógica. Será que ele achou que um presente me compraria? Estava subestimando a minha inteligência? Continuei calada enquanto ele estava com a sacola estendida para mim.
— Eu não vou. — Consegui responder.
— Então você vai ligar para minha mãe agora e dizer isso a ela. — Jogou baixo naquele momento.
Sabia que eu não poderia ser indelicada com sua mãe. Por isso apelou para o que podia. Naquele momento me deu muita raiva. Não foi nada bom saber que estava sendo manipulada por ele. Queria gritar, bater e expulsá-lo dali, mas estava em um estado tão débil que não consegui.
Levantei-me da cama, peguei a sacola de compra, tirei o presente de dentro. Era um lindo vestido azul claro. Não muito
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extravagante, muito menos sexy, apenas um vestido desses que as mães costumam comprar para as meninas, que simplesmente odeiam por ser muito infantil. Mas olhando para aquilo, fiquei imaginando o que havia na cabeça dele para comprar um vestido daqueles e vi que ele queria me ver novamente como aquela menina que deixara há dez anos em Chilton. Era somente isso. Resgatar as lembranças do passado para tentar consertar o presente. Foi uma boa jogada, tenho que admitir. Assenti com a cabeça e pedi que me deixasse vesti-lo.
— Preciso me trocar. Pode me dar licença, por favor. — Pedi e ele confirmou com a cabeça, deixando-me sozinha no quarto. Fiquei olhando para o vestido, tipo menininha, por alguns instantes e depois o vesti. Ele ficou perfeito em meu corpo, acentuou o meu busto de forma sensual, mas não marcou minha cintura. Era completamente solto e rodado. Devo admitir que ficou lindo e era a primeira vez que usava uma roupa como aquela. Como não tinha um sapato que combinasse, coloquei o meu velho all Star preto e uma jaqueta jeans. Até que não ficou muito mau. Mas se ele quisesse me ver combinando o vestuário, teria comprado sapatos e um casaco decente para mim. Penteei os cabelos, fui ao banheiro, escovei os dentes, passei um brilho nos lábios e estava pronta para sair. Quando apareci na sala, Justin me olhava com a boca aberta.
— Ficou linda! Melhor do que pensava. Agora podemos ir? Sabe que Jony não gosta muito de esperar e a essa altura estará impaciente.
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Levantou-se meio desengonçado do sofá, por causa do gesso, e me estendeu a mão. Eu a peguei e fomos juntos para a porta, pegamos as muletas e saímos do dormitório.
O caminho até o carro fizemos em silêncio. Depois que o ajudei a entrar, tomei o meu lugar e dei partida. Foi constrangedor não conseguir conversar. Justin às vezes me observava de soslaio e parecia muito ansioso por dizer algo. Ninguém queria ter a primeira palavra, mas quando estávamos perto da casa dos Stones ele finalmente falou:
— Não comente nada com minha mãe hoje, por favor.— Eu assenti com a cabeça e continuei fingindo indiferença a sua presença. Acho que foi pior... Bem pior, devo dizer.
Quando paramos, eu disse para ele:
— Não tocarei no assunto com eles. Se perguntarem o que está acontecendo, você inventa uma desculpa. Foi sua ideia vir até aqui hoje e a responsabilidade de tudo isso é sua. Depois que formos embora cada um segue o seu rumo e poderemos tentar sermos bons amigos. OK?
Nem sei como consegui dizer aquelas palavras. Para quem eu estava mentindo? Acho que para mim mesma, porque ser apenas amiga de Justin depois de sentir o seu gosto acabaria comigo. Porém, naquele momento, eu só conseguia pensar nisso. Não podia pensar em como viver a três e com uma criança no meio. Tudo estava muito confuso e eu sofria bastante. Olhei para ele e vi que seus olhos estavam cheios de água. Senti que estava prestes a chorar, mas tentava continuar com seu orgulho.
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— Agora não é o momento e o lugar para essa discussão, Elizabeth. — Disse em tom ríspido. — Mas por Deus eu juro que não vou desistir de nós dois. Você pode até tentar parecer indiferente, mas sei que sofre tanto quanto eu. Não adianta fingir, porque posso ver isso no seu rosto nesse momento. Quando formos embora conversaremos sobre nossa vida. Agora vamos entrar e tentar fingir que está tudo bem.
Minutos depois estávamos na casa dos pais dele. Eu não preciso nem dizer que a mãe dele percebeu que algo acontecia e perguntou imediatamente. Justin apenas respondeu que era uma briguinha boba de namorados. Jony ficou nos olhando como uma coruja e parecia tentar descobrir o que se passava. O clima continuou pesado nos minutos seguintes e Jony finalmente, com a cara de pau mais cínica do mundo, perguntou.
— O que a ―bruxa de Blair‖ aprontou para vocês dois estarem com essas caras de limões azedo? Nem a mamãe, que só vê o que quer, caiu nessa de briga de namorados. — Disse de forma casual.
Justin e eu nos olhamos, completamente constrangidos, eu já sentia o meu rosto ardendo e tinha a certeza de estar vermelha naquele momento. Não sabia o que dizer e o olhar questionador da sua mãe só me deixou ainda mais envergonhada. Não queria discutir aquilo com eles e nem cabia a mim a decisão de abrir o jogo. Esperei pela reação de Justin, vi quando mordeu os lábios, olhou para Jony e sua mãe como se estivesse com medo de despejar aquela bomba, depois olhou para mim e por baixo da mesa segurou a minha mão. Ele pedia socorro. Sabia pela forma como apertou a
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minha mão e pude sentir que estava suando frio. Até tive pena naquele momento.
O silêncio perdurou por alguns segundos, quando ele finalmente abriu a boca e gaguejando começou a falar.
— A... A... Ela está... — Respirou fundo e apertou mais forte a minha mão.
Olhou nos olhos da mãe, que pela expressão já imaginava o que iria dizer. A Sra. Vanessa estava mais branca do que folha de papel. Colocou as mãos na boca e abafou o gemido. Ouvi Jony suspirar fundo naquele momento. Eles sabiam...
— Grávida. — Jony completou. — Como você foi burro de engravidar aquela ―coisa‖ terrível? Papai dessa vez vai te matar, mané! Eu nem quero estar debaixo desse teto quando ele descobrir.
Entregamos tudo assim. Fácil e de forma tão transparente. Justin estava com expressão apavorada e eu nem sei dizer como estava. Tudo foi tão... Aterrorizante.
— Você não vai se casar com aquela mulher horrível! — Sua mãe estava quase gritando. — Ela é uma manipuladora, sem caráter, sem vergonha, metida, mexeriqueira, arrogante, bruxxxaaa!
Ela estava tendo uma crise nervosa. Justin abaixou a cabeça e não disse nada. Só ficou ouvindo os sermões.
— Como pôde? Como pôde ser tão irresponsável a esse ponto? Existem meios de evitar uma gravidez e também doenças. Aquela mulher poderia ter te passado uma doença terrível. Nós te criamos para ser uma pessoa responsável e ponderada. Agora você engravida aquela... Aquela... — Nesse ponto a voz estava estridente. — Aquela monstrenga! Oh Goshhh. Estou falando como Jony. Vê o
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que fez comigo? Eu não permito que você se case com aquela mulher. Com uma joia como a Lizzy você foi cair nas garras daquela bruxa. Eu não acredito que todo o seu senso se responsabilidade foi para o espaço por causa de sexo.
— Mãe, por favor... — Justin implorou.
— Por favor, o quê? — Ela se levantou da mesa e ficou andando em círculos.
— Não é o fim do mundo, mãe. — Jony rebateu. — Exceto quando papai souber. — Olhou para Justin com olhar solidário.
— Com seu pai me entendo eu! Você não vai se casar com aquela bruxa. Eu não posso evitar ter um neto com o sangue dela, mas daí a tê-la na família é outra coisa.
Ela se sentou, bebeu um copo de água e tentou se acalmar. Suas mãos tremiam e os olhos estavam cheios de lágrimas. Mas como uma lady, se recompôs e voltou a comer como se nada houvesse acontecido. Ninguém conseguia mexer na comida. Justin e Jony se olhavam, e depois para a mãe. Esperavam outra crise, que não veio. Depois de terminar a sua refeição, ela comentou:
— Esse assado está delicioso. Não acham? Todos assentimos e fingimos comer. Tudo foi bem constrangedor e parecia não terminar nunca. Quando finalmente ela se levantou e saiu da mesa, os dois soltaram uma respiração forte e aliviada. Eu permaneci calada e imóvel, como uma pedra de gelo, enquanto Jony e Justin começavam a levar os pratos com o resto da comida, que mal fora mexida, para a cozinha.
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Levantei-me e fui para a sala. Sentei no sofá e fiquei olhando para a janela, praticamente catatônica depois daquele almoço desastroso. Jony se juntou a mim, pegou a minha mão e beijou.
— Vai ficar tudo bem. Ele não ficará com ela. Mamãe está um pouco desorientada agora, mas não permitirá que meu pai o obrigue a se casar. Pode ter certeza disso, Lizzy. Será uma briga boa nos próximos dias, mas você tem dois grandes aliados. — Disse de forma reconfortante.
— Eu não quero continuar com isso. — Disse, e uma lágrima involuntária correu pelo meu rosto.
Comecei a chorar compulsivamente e Jony me abraçou. Sentia o mundo em pedaços novamente. Foi horrível sentir aquela sensação de desamparo, mesmo ali nos braços miúdos dele. Depois de um tempo Justin entrou e Jony me soltou. Saiu da sala de fininho e nos deixou ali sozinhos. Ele sentou ao meu lado, pegou a minha mão, em um gesto idêntico ao do irmão a beijou. Seus braços me envolveram e ficamos abraçados em silêncio. Não era preciso dizer nada. Ele sabia o que eu estava passando e eu como ele via aquilo tudo.
— Vamos lá para o meu quarto. Precisamos conversar um pouco a sós.
Ele se levantou meio trôpego, logo em seguida se apoiou em mim e caminhou até o quarto com um pouco de dificuldade por causa das escadas. Quando entramos, nos deitamos na cama, coloquei a minha cabeça em seu peito e chorei. Apenas chorei e deixei toda a minha dor extravasar.
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— Eu sei que fiz a maior besteira da minha vida, Lizzy. Contudo não posso simplesmente te abandonar e casar com ela. Não vai funcionar. Ela sabe disso, apesar de me chantagear, eu sei e você sabe. Imagina como seria para uma criança vivendo em uma casa onde os pais se odeiam? Eu a odiaria todos os dias por ter me tirado de você, ela me odiaria pela minha indiferença e no final das contas essa criança é quem pagaria por isso. Não é justo para nenhum de nós. Já expliquei isso para Melissa. Apesar de agora ela não aceitar, verá com o tempo que é a melhor coisa a fazer. Eu assumirei as minhas responsabilidades com meu filho. Ela poderá contar comigo sempre que precisar, como amigo e pai dessa criança, mas nunca como marido ou amante. Isso é impossível e não tenho que explicar mais uma vez os motivos.
— E se eu não estivesse... — Eu estava prestes a concluir o meu pensamento quando ele colocou o dedo nos meus lábios e me cortou.
— Não mudaria nada. Eu não me casaria com ela de qualquer jeito. Combinamos bem na cama, mas não dividindo o mesmo teto. Isso acabaria com nós dois em bem pouco tempo. Não existe essa possibilidade, nunca existiu e nem vai existir, amor. — Ele disse beijando o topo da minha cabeça para me reconfortar.
— E quanto ao seu pai? — Perguntei sabendo que aquilo seria um grande problema para ele.
Justin admirava muito o pai, via-o como um herói. Até bem pouco tempo fazia tudo o que o pai achava correto. Como seria para ele quando o pai descobrisse a gravidez de Melissa?
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— Ele foi criado por pessoas que viveram de outra forma. Os pais tinham uma idade avançada quando meu pai nasceu. Ele recebeu uma educação religiosa, cheia de princípios morais muito antiquados, o pensamento dele é bem complicado e essa coisa de transar antes do casamento é uma das coisas que ele não aceita. Agora imagina um neto fora do casamento a essa altura? Ele vai acabar comigo quando souber. A briga que tivemos no outro dia não foi nada comparada com a que teremos. Ele não aceitará eu dizer que não amo a Melissa.Com toda certeza vai querer que me case com ela. Já estou vendo uma tempestade se formando sobre essa casa.
— Eu não sei o que dizer... Está tudo tão difícil. — Disse para ele, enquanto fazia carícias em seu peito.
— Só fique ao meu lado. Minha vida está começando agora e da forma mais complicada possível. Eu larguei a faculdade, estou começando num emprego totalmente diferente do que pensei que teria, tenho que praticar muitas horas no piano e ainda não comecei. Amanhã devo ir ver um apartamento. Recebi uma resposta por email hoje pela manhã e amanhã vou visitar o local para conhecer a dona do apartamento. Tudo é muito novo agora e para complicar ainda vem esse filho. Confesso que estou me sentindo um pouco perdido. — Ele me abraçou forte e afundou a cabeça em meus cabelos. — Você não me disse nada sobre isso. — Retruquei.
— No momento eu preciso sair do local onde estou. Mandei email para alguns anunciantes e recebi uma resposta. O aluguel não é muito caro e não fica muito longe daqui. Quero ver se tem espaço para o piano. Se tiver, acho que me mudarei ainda essa semana. Não
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posso ficar mais tempo com meus amigos. O aluguel lá é caro e no momento não posso dispor desse dinheiro. Eles são meus amigos, mas também têm seus compromissos. Preciso me mudar o quanto antes. Queria encontrar um local para nós dois agora, mas não achei ainda um que pudesse pagar. Tenha um pouco de paciência, que logo encontraremos um lugar para começarmos uma nova vida juntos.
— Eu não quero entrar na sua vida como uma mala sem alça, Justin. Você precisa primeiro se arrumar e depois pensamos em morar juntos.
— Você já faz parte da minha vida, Lizzy. Sempre fez e sempre fará. Agora só me abrace forte e vamos ficar aqui juntinhos em silêncio. Só preciso sentir essa paz nesse momento.Só isso. — Ficamos abraçados, em silêncio, pelo resto do dia. A única coisa que precisávamos era paz para refletirmos sobre nosso futuro, que estava cada vez mais incerto.
A semana passou rapidamente e nós não estivemos juntos. Era a décima vez que ligava naquele dia e ele não me atendia. Ele me enviava torpedos dizendo que estava tudo bem e que me amava, mas conversar mesmo não conversamos. Cheguei a pensar que estivesse fugindo de mim naquele momento. Queria saber se ele tinha visitado o apartamento, como iam as traduções e como fora a conversa com seu pai. As respostas às mensagens foram sempre evasivas. Para ele estava tudo bem e era aquilo que importava.
— Alô, Justin! — Disse angustiada.
— Oi amor! Desculpe a ausência, mas essa semana foi terrível e agora estou conseguindo por tudo em ordem. — Ele respondeu.
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— Você disse que estava tudo bem. O que aconteceu? — Perguntei curiosa.
Todo aquele tempo longe um do outro, e com mensagens evasivas, estava me deixando louca de preocupação.
— Eu me mudei para o apartamento novo e essa coisa de mudança é mais trabalhosa do que pensava. Colocar o piano lá deu um trabalho danado, sabe. — Respondeu.
— E como foi com seu pai?
— Foi difícil como eu achava, mas não tanto. Ele simplesmente disse que já não tinha o filho que criou. Aquela pessoa fazendo coisas irresponsáveis não era seu filho. Então eu poderia fazer o que quisesse da vida. Foi totalmente indiferente ao assunto. Só isso, amor.
Refleti sobre aquilo e sabia que Justin estava tremendamente magoado. Aquela situação com o pai o feria mais do que ele deixava transparecer ali. Não insisti no assunto para evitar mais dor e ele fingiu não ser afetado, quando sabia que era mentira.
— Hum! Tá bom. Agora me diz do novo apartamento.— Pedi.
— É grande, espaçoso e aconchegante. A dona, Sharon, é muito legal e acho que nos daremos bem dividindo o apartamento. Você vai gostar dela. — Respondeu naturalmente e senti meu sangue ferver de ciúmes.
Então era por isso que estava me evitando. Iria morar com uma garota. Só me faltava ser bonita... Pensei naquele momento.
— Sharon? Você vai morar com uma mulher? — Perguntei absorta em pensamentos. Já imaginava uma gostosona desfilando
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pelo local, com roupas bem provocantes, e Justin babando. Não gostei nada daquilo.
— Ela é uma garota bem legal, Lizzy. Não julgue antes de conhecê-la. Ok? — Disse com tom reprovador.
— OK! E quando vou conhecê-la? — Perguntei.
— Hoje! Eu tirei o gesso faz alguns minutos e daqui a pouco vou à uma concessionária pegar outro carro. O seguro já liberou o dinheiro e tenho que escolher algo barato e popular. Então precisarei da tarde livre para rodar alguns locais e a noite passo aí para te pegar.
— Você tirou o gesso e não me falou nada? — Fiz bico e não gostei daquilo. No fundo era apenas o ciúme que me deixava aborrecida. Ele estava me escondendo as coisas e falava tudo de forma evasiva. Aquilo não me agradava nem um pouco.
— Estou dizendo agora, não estou? É impressão minha ou você está insegura? — Ouvi a risadinha do outro lado da linha. Ele estava gostando de me ver assim ciumenta.
— Estou! Não posso? Com um namorado gato assim tenho motivos para ser insegura, não tenho? — Perguntei. — Você não conta as coisas e as respostas não são satisfatórias. — Reclamei.
— Claro que não! Sabe que te amo. Se essa semana não te dei atenção foi porque minha vida estava um caos e não queria que abandonasse os seus compromissos para me ajudar. Mas eu penso em você vinte e quatro horas do meu dia. Sonho com você todas as noites e o que mais quero nesse momento é te tocar.
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— Desculpa, vai? Vou esperar por você a noite. Não vejo a hora de aproveitar esse corpinho sem o gesso. — Dei uma risadinha e ele me acompanhou do outro lado.
— Só você? Eu quero você toda para mim hoje. Todinha mesmo.
— Não me tenta, Justin. — Ameacei.
— Já estou te tentando. — Ele riu. — Agora preciso desligar. Mais tarde falamos. Não se esqueça que você é a minha vida. Te amo, tá? — Disse de forma carinhosa.
— Eu também te amo muito.
— Agora preciso desligar. Beijos molhados e muito sensuais.
— Hummmm! — Gemi.
— Você não vai desligar? — Perguntou.
— Não! E você? — Perguntei.
— Eu preciso ir, Lizzy. — Respondeu.
— Então desliga, Justin.
— Desliga você! Fica mais fácil para mim. Não tô com tempo para joguinhos, amor.
— Tudo bem! Te amo! Beijus. — Disse e desliguei.
Fiquei sentada no gramado, esperando o horário da próxima aula, enquanto tentava digerir as novas informações que Justin havia me dado. Uma coisa ainda era uma incógnita: Melissa. Em nenhum momento ele tocou em seu nome. Não sabia se aquilo era bom ou rim.
Mais tarde, escutei uma batida na porta e corri para abri-la. Estava ansiosa pela chegada dele. A saudade que sentia naquele momento era tão grande que chegava a me sufocar. Quando abri, ele
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estava lindo com calças pretas, uma camiseta polo marfim e jaqueta de couro. A visão dele sem gesso era simplesmente espetacular. Um verdadeiro pedaço de bom caminho a minha frente. Ou melhor, um caminho inteiro de perdição, devo confessar. Cheguei a perder o fôlego e quando dei por mim, ele já me enlaçava pela cintura e me puxava para si. A proximidade de nossos corpos me causou pequenas descargas elétricas. Senti um revolto em meu estômago e sabia que as borboletas haviam acordado. Era incrível o poder que ele tinha sobre elas. Sempre foi assim, desde criança.
O beijo que trocamos não foi nada terno. Justin me beijou com sofreguidão, esquadrinhando cada canto de minha boca, com sua língua, de forma urgente. Parecia uma eternidade que ele não me beijava. Cada carícia que sua língua serpenteante fazia na minha me levava às raias da loucura. Senti meu ventre se contrair e uma pequena umidade se formar em minha sexualidade.
Era puro tesão estar ali em seu braço, naquela dança maravilhosa de prazer. Todos os sentidos aflorados pela sexualidade ansiosa por cada vez mais. Cada toque de suas mãos sobre a minha pele tinha o poder de fazer meu corpo inteiro arder de desejo. Estávamos ali na porta, onde outros estudantes passavam e podiam nos ver, e por pouco não fizemos amor ali mesmo.
Foi pura paixão aquele beijo tão desesperado que trocamos e quando finalmente nossos lábios se separaram, me senti estranhamente incompleta. Precisava dele para que a minha existência fizesse sentido. Sem ele tudo parecia vazio.
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— Se continuarmos assim, não conseguirei te levar ao meu apartamento. Preciso me controlar, meu anjo. — Ele disse ofegante, mordiscando o meu queixo.
Estava com os olhos fechados e pude ver que seu rosto era puro contentamento naquele momento.
— Hum! Isso me parece tentador, mas quero conhecer o lugar que você vai morar e a sua ―companheira‖. Estou muito curiosa em relação a isso. — Disse a ele em tom malicioso e ele compreendeu.
— Bem, isso me pareceu um tanto sarcástico da sua parte. Está mesmo com ciúmes da Sharon? — Ele me perguntou arqueando uma das sobrancelhas. Os olhos negros pareciam divertido com a minha infantilidade.
Mas ninguém podia me julgar por ter ciúme de Justin. Era totalmente compreensível.
— Só cautelosa. — Tentei parecer casual, mas tinha certeza que minhas bochechas estavam coradas. Já sentia o calor se formando sobre elas. Eu sempre me entregava muito fácil quando o assunto era Justin. Sempre foi assim durante todos os anos que passamos juntos.
— Tá bom! Pega a sua bolsa para irmos. Leve algumas coisas para passar a noite. Se bem que eu duvido que vá querer passar a noite vestida. — Deu uma gargalhada e eu dei um tapinha em seu braço.
— Justin! –Eu o adverti. — Isso não tem graça. — Fingi- -me de ofendida, mas ele sabia que eu esperava muito por aquilo.
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— Tem toda a graça. Agora vá! Não quero perder mais tempo. Fico aqui fora te esperando. Não quero te atrasar mais do que necessário.
Entrei rapidamente e coloquei escova de dente, sabonete, toalha, calcinha e uma camisola, que quase não usava, em uma mochila, desliguei todas as luzes e saí apressadamente. Estava ansiosa demais para chegar ao meu destino. Justin enlaçou a minha cintura, assim que cheguei do lado de fora, e fomos juntinhos para o estacionamento. A todo o momento ele fazia carícias em minha pele e sussurrava coisas gostosas em meu ouvido. O clima estava muito leve e sedutor. Algo me dizia que aquela noite mudaria a minha vida.
Chegamos ao estacionamento, ele me mostrou o Fiat vermelho que conseguiu comprar com o dinheiro do seguro. Achei até bonitinho o seu carro, apesar dele falar com desdém da aquisição. Mas no fundo sabia que estava acostumado com coisas melhores e um carro como aquele não era nada atraente e nem confortável. Entretanto, eu tinha plena noção do esforço que ele fazia para se dar bem com aquilo e economizar o dinheiro do seguro. Ele já havia dito que seria para dar entrada em um apartamento maior, para nós dois, assim que encontrasse um decente. Aquele era um sacrifício até louvável.
Durante o caminho Justin fazia carícias em minha perna, brincava com os caracóis dos meus cabelos e o tempo todo procurava uma forma de me tocar. Nem sei como conseguia se concentrar na direção com a distração que tinha ao seu lado.
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Enfim, depois de quase uma hora na estrada, chegamos ao apartamento em que estava morando. O local era movimentado, havia muitos carros na rua, um centro comercial muito agitado e muitos transeuntes andando de um lado para o outro. Ali imaginei como Justin dormiria e principalmente se concentraria para fazer as traduções e treinar no piano. O barulho seria algo impactante para alguém que precisava de silêncio.
Justin estacionou o carro em uma garagem particular e percebi que seria mais um transtorno. O prédio em questão não tinha estacionamento e ele teria mais dívidas pagando estacionamento. Saímos do carro, caminhamos por dez minutos e chegamos à porta do edifício, que ficava entre vários outros comerciais daquela rua. Subimos uns lances de escada e depois chegamos até a porta do elevador. Dois minutos depois estávamos em frente à porta do apartamento 502. Ele abriu a porta e depois me pegou no colo. Dei um gritinho impulsivo naquele momento e rimos juntos. Ele entrou comigo em seus braços e depois rodopiou pela sala. Quando parou, pude dar uma olhada rápida no local.
O apartamento era claro, com paredes cor de gelo, a sala e cozinha eram integradas, dando ao ambiente um toque de sofisticação. Nas paredes da sala havia quadros com figuras geométricas coloridas e bem complexas para a minha cabeça, sofás de couro preto com pequenas almofadas coloridas; um bar na extremidade da sala; na janela que dava para rua não havia cortina e sim persianas cor de marfim; em pontos estratégicos da sala havia pequenas luminárias cada uma com formato diferente e que lembravam figuras geométricas. Até o cinzeiro, que ficava sobre a
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mesa de centro tinha uma forma estranha. Não consegui distinguir se aquilo era a cabeça de um animal ou se possuía o formato de uma ameba. Olhei para a cozinha e percebi que lá o visual também era excêntrico, começando pelos bancos, que estavam em frente à parede divisória feita de tijolos de vidro, que pareciam de acrílico e tinham formato de cilindro. Dentro podia se ver várias bolas coloridas na base do cilindro. Tudo era um tanto estranho para mim e demonstrava que a dona do apartamento provavelmente estudava artes plásticas ou era adepta das artes, porque tudo na sala e na cozinha tinha uma forma que dava impressão de significar algo. Ainda tinha o piano do Justin, que destoava completamente daquele ambiente.
— E ai? — Justin perguntou após me colocar no chão e esperar a minha análise do local.
— Parece um tanto excêntrico. Tudo aqui tem uma forma, um significado meio estranho. Ela é artista? — Eu perguntei.
— Artista plástica. Está sempre inventando coisas e a casa tem a cara dela. Tá vendo aquele cinzeiro? — Ele apontou.
— O que é? — Perguntei.
— Ela diz que é o seu pensamento quando está estressada. — Ri daquilo. Totalmente absurdo, mas fazer o quê?
— Ela é estranha... — Mordi os lábios e continuei a olhar.
— O que é aquilo? — Perguntei apontando para a cozinha. Havia algo parecido com uma teia de aranha entre a geladeira e o armário, só que feita com arames. Era estranho demais olhar aquilo.
— Não me pergunte, Lizzy! Quando conhecer Sharon, talvez ela te fale sobre suas inspirações. — Ele respondeu rindo.
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— Agora quero te mostrar o meu quarto.
Pegou a minha mão, beijou com suavidade enquanto olhava dentro dos meus olhos. Havia desejo ali. Muito desejo. Cada célula do meu corpo começou a gritar por ele. Meu coração disparou e novamente as minhas ―amiginhas‖ despertaram. Ainda estavam sonolentas, mas sabia que logo começariam uma grande festa.
De súbito Justin me pegou no colo. Levei um susto tremendo e dei um gritinho naquele momento. Ele começou a beijar o meu pescoço e foi subindo, passando pela minha clavícula, logo chegou ao meu queixo e mordiscou sensualmente. Quando chegou finalmente aos meus lábios, começou a distribuir beijinhos. Meu corpo inteiro já clamava por ele, sentindo uma necessidade fisiológica. Eu nunca havia feito sexo e nem sabia como era a sensação. Mas nos braços de Justin sentia coisas fora do comum. Um desejo indescritível de senti-lo dentro de mim. Precisava estar unida de corpo e alma com o homem da minha vida. Era mais do que luxúria. Uma estranha dependência que me fazia necessitar dos seus toques, carícias, beijos e mais... Eu sabia que teria mais quando ele estivesse unido a mim e precisava sentir isso.
Em passos lentos, Justin caminhou por um corredor até chegar à porta do seu quarto. Abriu-a lentamente, olhava para mim com os olhos queimando de desejo. Eu sabia que ele sentia tanta necessidade quanto eu. Talvez até mais, por ser homem e precisar suprir as suas necessidades básicas. Eu estava ansiosa demais e não queria esperar. Se ele me dissesse que queria fazer uma surpresa e eu teria que esperar mais uns dias, eu morreria... Ou melhor, eu o
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mataria por isso. Não havia hipótese de esperar mais um dia que fosse para consumar o nosso amor.
Entrou comigo em seus braços e não tive menor intenção de prestar atenção ao que estava em volta. Só queria ele, olhar para ele, sentir seus toques, seus beijos, seu corpo queimando de desejo assim como o meu. Precisava disso mais do que tudo na vida. Havia chegado o momento crucial e não perderia tempo com coisas pequenas.
— E ai? O que achou? — Justin me perguntou depois que entramos. Seu sorriso era brincalhão naquele momento.
— Ahn?
— Do quarto? — Ele insistiu.
— Justin para ser sincera, eu não estou minimamente interessada nesse quarto agora. Terei tempo para analisar tudo depois. O que quero é você! Você me beijando! Você me tocando! Você me provocando! Você me fazendo sua mulher! Eu preciso de você e não vou esperar nem mais um dia. Entendeu?
Ele franziu o cenho e fez cara de confuso. Do nada começou a rir. A risada foi ficando alta e quando percebi, estávamos gargalhando juntos. Justin começou a distribuir beijos pelo meu rosto e depois que parou ficou me olhando pensativo.
— O que foi?
— Eu queria esperar até o seu aniversário e... — Coloquei o dedo em seus lábios e o calei.
— Fora de questão! Não vou ficar tanto tempo esperando por isso. Quero você e se tiver que esperar, meu corpo vai esquentar tanto, que serei um perigo para o equilíbrio do planeta. E não finja
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que também não me quer. — Disse brava, e ele continuava com a aquela cara de paisagem ao me olhar.
— Eu queria fazer algo especial. Com tanta correria não tive tempo para pensar em nada. Precisa ser um lugar perfeito, lindo e inesquecível. Quero que você nunca se esqueça do dia que se entregou e agora não é...
— Cale-se! — Quase gritei de raiva. — Eu estou esperando há dez anos. Então não venha me falar de lugar perfeito. O lugar perfeito para mim é onde você está. São os seus braços me protegendo. Seus beijos me enlouquecendo. Eu quase te perdi essa semana e você não faz ideia do tamanho do desespero que senti. Então chega de lenga-lenga e vamos deixar rolar. Depois se você quiser um lugar perfeito, eu finjo que é a primeira vez e pronto. Simples! Sem complicações! Estamos entendidos, Justin Stone?
Pela cara de espanto que fez, nunca pensou que eu fosse ser tão direta. Eu também não pensei que algum dia teria coragem para dizer coisas como aquelas. Dentro de mim surgiu uma força que não conhecia. Não perderia Justin para a monstrenga. Sabia que estava errada e deveria deixá-lo para ela, mas era mais forte do que eu. Não havia opção. Era tudo ou nada, e eu estava disposta a tudo por ele.
— Elizabeth, eu nunca pensei que pudesse ser tão direta. Já que não nos resta alternativa...
Ele me colocou no chão, tirou a mochila das minhas costas e atirou longe, começou a acariciar a curva dos meus seios. Seus olhos estavam ainda mais ardentes de desejo.
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— Farei dessa noite a mais inesquecível da sua vida. Será perfeito para nós dois... Eu juro.
Dito isso, seus lábios colaram nos meus e começaram a se mover lentamente. Ele parecia não ter a menor pressa, enquanto eu estava ardendo de tanta necessidade que sentia dele. Prendi as duas mãos em seus cabelos, puxei-o para mim e aprofundei o beijo. Não tinha paciência nenhuma para joguinhos de sedução. Queria Justin imediatamente.
Invadi a sua boca com a minha língua e como um furacão, comecei a provocá-lo. Caímos juntos na cama e nos entregamos aquele momento.
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Capítulo 14
Nós caímos sobre a cama, de forma ansiosa, meu corpo queimava. Não! Dizer que queimava era apenas um mero simbolismo. Ele simplesmente ardia de um desejo tão primitivo que não sabia de onde havia saído. As mãos de Justin pareciam estar em todos os lugares, tocando-me de forma indecente e provocadora. Agarrados sobre o leito de amor, Justin entre as minhas pernas fazia movimentos sensuais que me levavam às raias da loucura. O beijo, prolongado, era muito intenso, o dançar das nossas línguas de forma sensual, em uma coreografia primitiva, totalmente desconhecida até aquele momento. Acho que ele queria na verdade fazer amor com as nossas línguas, para provar o quanto era bom o que estava por vir. Já nem sabia qual o ritmo acelerado que as minhas amigas borboletinhas estavam a dançar. Foi louco, desesperador, irracional e me deixou completamente sem fôlego. Quando interrompemos o beijo, um mero momento para respirar, estávamos ofegantes.
Estava com os olhos fechados, mas podia sentir e ouvir a respiração pesada dele bem perto do meu rosto. O ar quente e delicioso que saia dos seus lábios, o som do coração se fazia forte
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65THP;Çe mesmo sem tocá-lo eu sabia que estava batendo a mil por hora.
Em meu estado, completamente entorpecida pelo desejo incontido, não sabia mais o que era sonho ou realidade. Tantos anos à espera daquele momento me levaram a devaneios, que só foram despertados pelo som rouco daquela voz que tanto amava:
— Vamos com calma, meu anjo. Quem vai ditar o ritmo aqui sou eu. Você será apenas uma aluna muito aplicada.
Ele sussurrou de forma saliente em meu ouvido e em um ato totalmente atrevido chupou o meu lóbulo. Descargas elétricas foram enviadas para todas as partes do meu corpo. Foi prazeroso, excitante e surpreendente. Sabia que as pessoas faziam aquilo, mas nunca pensei que fosse tão bom.
— Eu quero... — Tentei falar, mas ele me interrompeu, colocando o dedo em meus lábios.
Abri os olhos e vi a fúria do desejo naquelas imensas pérolas negras que me observavam. Ele queria me devorar, eu sabia disso. Eu queria ser devorada, e não podia esperar. O que fazer quando o desejo é tão intenso que parece queimar suas entranhas?
Sentia o meu ventre se contrair e estava muito úmida. A necessidade de sentir era tão forte, que chegava a me doer. Ele, no entanto, queria algo calmo, mágico e muito emocionante. É normal se esperar isso de uma virgem. Eu, porém, queria fúria, queria paixão e tudo que pudesse me dar. Estava impaciente com a espera. Ele riu da minha expressão de decepção.
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— Lento, calmo, sensual e gostoso. Será melhor assim... Pode acreditar. — Ele disse e começou a massagear os meus seios, sob o tecido de linho da minha blusa.
OMG! Aquilo começou a me enlouquecer. Mais e mais descargas eram enviadas às minhas terminações nervosas. Justin ria de forma debochada, vendo o meu desespero, e mesmo assim continuou calmamente a sua sessão de tortura. Sem pressa ele baixou as mãos e começou a abrir o botão do meu jeans, depois desceu o zíper e olhava para baixo com uma expressão indescritível.
Não sabia se era só desejo, curiosidade ou se havia um pouco de nervosismo na situação. Fosse o que fosse, continuou calmamente, com se estivesse em um ritual e começou a tirar os meus tênis, as meias e as minhas calças. Já com as minhas pernas desnudas, ficou massageando os meus tornozelos, beijou-os com veneração, sem tirar os olhos de mim, começou a brincar com meus pés e deu algumas mordiscadas. Tudo em mim se arrepiava. Se ele tivesse a noção como aquele mero ato era capaz de me fazer ir às raias da loucura, pararia imediatamente e passaria ao que realmente importava. Estava tão tensa que mal consegui relaxar nos primeiros momentos. Quando tentei tocá- -lo, impediu-me com uma das mãos e pareceu zangado.
— Assim você romperá todo o meu autocontrole, docinho.
— Isso não é justo, amor. — Disse fazendo beicinho. Queria tocá-lo, senti-lo e desfrutar do mesmo prazer.
— E quem disse que a vida é justa? Agora relaxa e goza.
Eu não esperava o que estava por vir. Ele, sabendo que não me comportaria e que não estava com paciência alguma, levantou-se, foi
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até a sua cômoda, pegou algo que parecia serem camisetas, voltou para a cama, gentilmente me deitou e pegou os meus braços. Não entendi a sua intenção e fiquei esperando pelo que viria. Justin pegou minhas duas mãos, ergueu na altura da cabeça e quando percebi estava amarrando-as à cabeceira da cama. Estava presa... Não tinha como escapar. Ele foi muito ardiloso naquele ponto e voltou à sessão de tortura.
— Agora, onde estávamos? Hum! Bem...
Voltou para as minhas pernas e começou a massageá-las, beijou-as e com pequenos chupões, que sabia que me deixaria roxa, foi aumentando a tortura.
Todas as sensações eram inequivocamente deliciosas e excitantes demais, fazendo aumentar ainda mais a necessidade de mais. Sabia que Justin me daria muito mais naquela noite. Esperar com paciência, resignação e aproveitar cada delicioso momento eram as únicas coisas que me restavam naquele ponto. Fechei os olhos e relaxei. Deixei todas as sensações dominarem o meu corpo, que já beirava um orgasmo só com os toques. Suas mãos firmes massageavam as minhas coxas, a língua brincava de forma indecente. Era maravilhoso.
Quando ele abriu minhas pernas, achei que estava pronta para o que viria. Achei que finalmente me tomaria sua mulher e que o meu sofrimento seria substituído pelo maravilhoso conhecimento de saber que finalmente era sua. Irremediavelmente sua. Não estava preparada e nem pensava no que estava por vir. Fui abalada por um turbilhão de sensações, mil vezes mais avassaladoras e deliciosas, quando sua língua quente tocou a região do meu prazer. Eu não
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ousei tocar ali por anos, isso foi antes de Justin, e desde que retornara para a minha vida, o desejo que sentia fazia a fricção da minha calça tornar a região sensível e tentadora. Ousei brincar ali algumas noites, enquanto sonhava com ele. Sabia que ele me tocaria ali. Era inevitável que durante um ato fosse tocada e estimulada... Mas com a língua... Oh! Ele começou a serpentear sua língua na região do meu sexo, assim como fazia em minha boca. Começou com movimentos lentos e foi aumentando a intensidade. Era algo indiscutivelmente maravilhoso e me sentia em uma montanha russa. Ele chupou, beliscou, lambeu e fez maravilhas ali. Cada movimento era um avassalador estrondo em meu corpo. Meu corpo se contorcia sobre a cama de forma frenética, com os espasmos que me assolavam a cada orgasmo.
— Justin, não posso mais suportar... Como é possível sobreviver a... Ohhh! — Milhares de estrelas se formavam a minha frente, cores, muitas cores, tudo era claro como se o universo houvesse explodido e as estrela se espalhado como flashes brilhantes de cores radiantes. — Ohhh! — As lágrimas de felicidade escorriam pelo meu rosto.
Não era mais uma menina. Era uma mulher nascendo para o amor. Descobrindo algo brilhante e belo. Meu corpo acabava de despertar e as sensações me assolavam com mais intensidade entre cada orgasmo. Ele passou a brincar com os seus dedos fabulosos na região sensível, molhada e completamente desperta para todas as descobertas. Ele cobriu minha barriga de beijos, uns eram lentos e outros mais fortes, praticamente chupões. Brincou com a língua na região do meu umbigo. Pouco a pouco foi beijando cada pedacinho
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do meu corpo. Era glorioso. Ser tocada e amada de forma tão intensa e sensual era simplesmente fantástico. Nem de longe pensei que fosse tão bom e habilidoso na cama. Pensei que apesar dos nossos amassos, Justin teria dificuldade na nossa primeira vez, como ele mesmo já mencionara.
Ali, nada mais fazia sentido. Ele era um amante simplesmente talentoso, cheio de generosidade e carinho. Estava disposto a me dar todo o prazer antes que o ato fosse consumado.
— Oh, Justin... — Sussurrei seu nome milhares de vezes em todo aquele ritual. Parecia cantar o seu nome cada vez que explodia em espasmos.
— Vou tirar sua jaqueta e sua camiseta. Agora fica quietinha enquanto eu te desamarro. Se fizer algo imprudente, ficará cativa novamente. — Ele disse enquanto tirava pacientemente a amarra dos meus pulsos. — Eu esperei tantos anos e agora quero aproveitar cada pedacinho de você, Elizabeth. Você nunca mais me esquecerá, independente do que nos aconteça. Sempre terá essa noite em sua mente... Sempre.
Depois que tirou as amarras, ajudou-me a tirar o resto da roupa e ficou a admirar os meus belos seios com o sutiã. Mordeu os lábios de forma maliciosa e riu... O que ele estava pensando? Justin tinha um olhar perverso ao observar os meus seios. Começou a tocá-los com muita calma. Abraçou-me e envolvendo todo o meu corpo, chegou onde queria. Quando percebi, já tinha soltado o fecho do sutiã em minhas costas, deslizou as mãos pelo tecido, pegou-o e cheirou. — Esse ficará comigo. Quero sentir seu cheiro sempre.
— Você está afanando o meu sutiã? — Perguntei rindo.
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— Apenas um suvenir. — Ele me olhava com jeito animalesco. Não tenho como descrever, com precisão, aquele olhar.
Foi tão intenso, profundo e... Desejoso. Em um momento ele estava me olhando, noutro seus lábios sugavam o montículo do meu seio rosado. Começou a chupar devagar, depois a rodeá-lo com a língua, como se brincasse. A outra mão levou novamente ao meu sexo e começou a brincar com os dedos. Comecei a me contorcer novamente de tanto tesão. Meu corpo se debatia, enquanto minhas unhas puxavam os seus cabelos. Como queria acabar com ele por me torturar tanto. Ele continuava a me provocar, como se estivesse testando a minha paciência. Sentia meu ventre doer. Agora era uma agonia incapaz de descrever, com meu corpo se convulsionando pelos movimentos dos dedos de Justin e sua boca sugando... Ele sugou forte. Eu gritei. Não consegui mais conter. Gemidos ali estavam fora de questão. Gritei o seu nome várias vezes. Não me importava com mais ninguém.
Estava em outro universo. Tudo à minha volta brilhava em um emaranhado de luzes. Perdi o controle. Quando achei que não era mais possível aquela tortura, ele parou e pediu que o olhasse.
— Olha para mim, Elizabeth. — Ele pediu com a voz rouca.
Não era um pedido. Uma ordem dada de forma nada gentil. Ele estava se contendo durante tudo o processo, mas sabia que estava tão necessitado quanto eu.
— Não posso mais aguentar. Eu queria devorar o seu corpo inteiro... Eu a amo...
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Seus olhos encheram de água. Achei que fosse chorar, mas não o fez. Só me olhou de forma possessiva e... Ele tinha fome. Estava morrendo de forme e eu era o prato principal.
— Amo-a tanto que chega a me doer. Achei que nunca mais a veria e a vida não tinha graça, luz e nada fazia muito sentido. Eu apenas seguia, dia após dia, empurrando a vida como dava. Agora que te encontrei tudo ficou mais bonito. Vejo sentido nas coisas, quero crescer, quero seguir meus sonhos, quero ter uma família, cuidar e amar você como prometi há dez anos. Agora te farei minha mulher. — Ele fez questão de frisar a última parte. O tom era mais possessivo que antes. Não me importei com isso. Era dele! Isso que me convinha. Seria capaz de tudo para ficarmos juntos. Não tinha como voltar atrás.
— Quero que olhe para mim enquanto te faço mulher. — Começou a beijar a ponta do meu nariz e ri sentindo cócegas.
Levantou-se da cama, lentamente foi despindo-se de suas roupas, sem vergonha ou qualquer receio que pudesse haver. A imagem era linda, um verdadeiro sonho, muito mais do que poderia sonhar. Justin nu era a coisa mais bela do mundo, com seus longos ombros largos e musculosos, o peito definido, o abdômen e barriga bem trabalhada, cheia de gominhos, como se fosse um tanquinho. As longas e musculosas pernas morenas... Oh! Quando ele tirou a última peça e a sua protuberância se soltou, involuntariamente gemi. Foi muito sensual o ato de introduzir a camisinha.
— OMG! Vou surtar! Estava hipnotizada, vendo o longo cabo apontando para mim. O seu corpo em si já dava água na boca, agora olhar para o seu ―parquinho de diversões‖ era mais do que qualquer
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mulher podia querer. Muito grande, grosso e de um marrom avermelhado escuro. — Tem certeza que isso... — Apontei para a ―coisa‖, dei uma risadinha histérica e coloquei as mãos na boca, enquanto ele colocava a camisinha.
— Eu devo me sentir lisonjeado, amor. — Ele disse com sorriso perverso nos lábios. — Isso — Apontou para ―ele‖ — é maior do que o da maioria, mas garanto que caberá direitinho. Você foi feita para mim e se não couber eu me mato. — Gargalhou.
Continuei com a boca aberta, os olhos arregalados e naquele momento tremendo de... Medo? Ansiedade? Curiosidade? Fiquei confusa, confesso. Quanto mais ele caminhava na minha direção, mais confusa e apavorada ficava. Comecei a racionar sobre o tamanho da ―minha perseguida‖ e depois sobre o tamanho do ―brinquedinho‖ dele e não me passava na mente como aquilo iria entrar.
Quando Justin subiu de joelhos sobre a cama, lentamente segurou os meus joelhos e abriu as minhas pernas.
— Por todos os santos, Lizzy. Se continuar a me olhar como se fosse te violentar vou perder o tesão. — Ele disse.
— Só estou com medo... — Confessei.
— Você não estava com medo momentos atrás. — Ele continuava a abrir as pernas lentamente e se posicionar entre elas.
— Eu não tinha visto... — Engoli em seco.
— Se não relaxar vou te machucar. Vamos começar de novo.
Ele deitou o corpo sobre o meu, mas não me penetrou. Começou um beijo lento e muito delicado. Seu dedo foi novamente ao meu sexo e começou a me estimular. Pouco a pouco fui me
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soltando, enquanto o beijou se intensificava. Justin começou a me sugar de forma desesperada e ardente. Não era possível definir onde começava a boca de um e terminava a do outro. A sua língua quase foi na minha garganta. O abraço ficou forte e nós começamos a nos apertar. Minhas mãos foram diretas ao bumbum durinho e cravei minhas unhas lá. Que bunda deliciosa! Entre beijos, chupões, roça-roça e os corpos se revirando sobre a cama, eu me esqueci completamente do meu medo. Quando os lábios finalmente se separavam, novamente pela falta de fôlego, Justin me deu um olhar significativo. Sabia que ele só queria um sinal. Assenti com a cabeça e percebi que fez um leve movimento. Uma pontada na entrada na minha vagina me alertou. Era chegada a hora...
— Se eu pudesse, tomaria a sua dor para mim. Infelizmente não posso. Prometo que será apenas essa vez. Depois você aproveitará cada parte desse corpinho aqui. — Ele riu.
Engoli em seco e fiz um sinal com a cabeça. Ele empurrou... Dor. Senti uma pontada de dor. Ele beijou minha testa e depois começou a distribuir cálidos beijos sobre o meu rosto, enquanto novamente empurrava... Meus olhos umedeceram, mas não chorei. Continuei a olhá-lo, enquanto ele estimulava meu corpo.
— Tenta relaxar, amor... — Ele sussurrou.
Apoiou um dos cotovelos na cama e abaixou o outro braço. Quando percebi sua mão estava novamente em meu sexo. Começou a me estimular lentamente, até que eu entrasse no clima. Aumentou o ritmo e quando comecei a gemer e me mexer, empurrou novamente. Assim foi até estar todo lá... Eu estava completa! Totalmente cheia e pela primeira vez não me sentia vazia. Havia
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retornado para casa e o tinha comigo. Ele me abraçou forte e começou a beijar as lágrimas, que nem percebi ter derramado. Não chorava pela dor. Estava tão emocionada. É difícil explicar algo desse tipo.
Só quem teve esse tipo de experiência transcendental é capaz de entender a complexidade dos sentimentos de uma pessoa nesse momento. Fazer amor pela primeira vez, com que ama, adora, venera, deseja e... Seu mundo! Essa pessoa é seu tudo e ao mesmo tempo seu nada. Seu bem e seu mal. Você se sente completa. Tudo faz sentido. Não é apenas sexo por sexo, sim um ato de união. Não existe mais ele e você, agora só há um corpo, uma só alma, um só desejo... Tudo se faz belo. Chorar é tão bom quanto sorrir.
— Eu te machuquei?
— Oh, não Justin... Eu estou me sentindo maravilhosa.
— Abracei-o forte.
— Eu me sinto completo. Oh, como é bom estar dentro de você. Queria ficar assim para sempre... Congelar o tempo.
— Eu também. — Respondi.
— Agora eu vou começar a me mexer. Não posso mais suportar, amor. Se eu te machucar você fala e paro. Tudo bem? — Perguntou cheio de preocupação e eu assenti.
Quando percebi, seu membro deslizou para fora com a mesma rapidez que entrou novamente. Foi divino!
Ele começou a deliciosa dança, entrando e saindo do meucorpo. Seus movimentos eram cadenciados, fortes e vigorosos. Foram aumentando gradativamente e meu corpo pareceu tomar vida própria. Estávamos nos movendo juntos, num vai e vai
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maravilhoso. Ele entrava e sair cada vez mais rápido. Abri mais as pernas, levantei os joelhos e prendi em sua cintura, agarrei-me em suas costas, Justin me beijou novamente com sofreguidão e começou a bombardear, bombardear... Explodimos juntos, pingando suor, ofegantes, com os corpos tremendo pelos espasmos, eu chorava e ria, Justin parecia falar outro dialeto.
Sei lá, os resmungos eram incompreensíveis para mim. Até que finalmente paramos e ele caiu acabado sobre os meus seios.
— Oh, Lizzy, eu quero morrer fazendo amor com você.
— Eu partiria para outra vida muito satisfeita com isso. — Rimos juntos e ele ficou brincando com um dos meus seios.
— Você está me deixando excitada novamente, amor. — Disse para ele.
— Eu tenho que trocar a camisinha. Se continuar assim ficarei duro de novo e é perigoso. — Lentamente ele começou a sair de dentro de mim.
Quando estava completamente fora, senti-me vazia novamente. Sabia que faltava algo. Só estaria completa quando o sentisse duro e pulsante novamente. Estava olhando para uma das paredes e quando revirei os olhos, vi o observando a camisinha, que pingava o seu sêmen, com pavor.
— Justin... — Meu coração acelerou.
— Ela estourou, Lizzy. Acho que a empolgação foi tanta que não suportou a pressão.
— E agora? — A primeira coisa que veio a minha cabeça foi um filho indesejado. Aquele não era o momento para ter um filho.
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Nossas vidas já estavam uma confusão. Fui tomada pelo pânico. — Precisamos de uma pílula do dia...
— Não! — Pelo seu tom de voz, ele se controlava para não gritar. Por um momento seu olhar foi mortal.
— Nem por um segundo... Pelo que me tomas? Acho que está me confundindo!
Ele levantou o dedo, hesitou, balançou a cabeça e ficou vermelho de raiva.
— Sonhe em tirar um filho meu... E... Posso parecer ortodoxo demais. — Colocou as duas mãos sobre a cabeça, parecia desnorteado. — Se eu não quis que a louca da Melissa tirasse um filho meu, por que acha que deixaria você impedir que algo tão maravilhoso acontecesse, Elizabeth?
Disse meu nome com advertência. Meu coração doeu. Ele tinha razão e o havia magoado.
— Justin, por favor, deixe-me...
— Não fala mais nada, tá? Não vamos estragar a nossa noite. Vou ao banheiro me limpar. Se quiser pode tomar um banho depois. — Disse, foi até a cômoda, abriu uma gaveta, pegou um roupão, vestiu e depois saiu do quarto. Fiquei no quarto, magoada, arrependida e chateada. Depois dos momentos tórridos e maravilhosos de paixão que compartilhamos, eu havia estragado tudo. Se arrependimento matasse, já estaria baixo de sete palmos de terra. Quando Justin voltou, agiu como se nada houvesse acontecido. Tirou o roupão, deitou-se sobre a cama, beijou a minha testa e puxou meu corpo para si. Não falamos nada. Só ficamos abraçados por um tempo.
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Depois eu me levantei, vesti o seu roupão, peguei a minha toalha na mochila e fui tomar banho. Voltei para o quarto e o tentei, até recomeçarmos a fazer amor de forma louca e desesperada. Ele tentou evitar, porque sabia que ainda estava dolorida. Mas não dei trégua. Fizemos amor a noite toda. Justin me deu prazer e me ensinou como dar prazer, usando as mãos para fazer muitas coisas interessantes. Ousamos algumas posições e totalmente entregues a paixão, não houve pudor ou receio. Demos tudo o que podíamos um ao outro, assim, já amanhecendo adormeci em seus braços. Foi a noite mais maravilhosa da minha vida. Ele me marcou de uma forma, que nunca foi possível me esquecer daqueles momentos.
Quando acordamos, eu estava com o corpo dolorido em todos os locais. Parecia ter levado uma surra. Justin ainda me fez amor, de forma lenta e delicada, por alguns minutos. Depois coloquei o seu roupão e fui ao banheiro fazer minha higiene pessoal. Estava completamente suada, cheirando a sexo e precisava relaxar embaixo do chuveiro. Ao sair do quarto, ouvi vozes e algo me foi familiar. Acompanhei o som até a sala e quando cheguei me deparei com o pior dos meus pesadelos.
— Melissa? O que faz aqui? — Perguntei de súbito, tamanha foi minha aflição ao dar de cara com a minha rival tomando café e conversando casualmente.
— Bom dia, Lizzy! — Ela disse de forma arrogante, arqueando uma das sobrancelhas.
A outra moça, que deveria ser Sharon, nos olhou sem entender nada. Nem parei para analisá-la, por mais que estivesse curiosa para saber se era bonita. Só percebi que era ruiva.
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— Eu me mudei para cá ontem. Justin não vai adorar a surpresa?
Ela deu um sorriso malicioso, enquanto eu colocava as mãos na barriga. Senti uma opressão tão forte, que chegou a me tirar o ar. Não respondi nada. Voltei para o quarto tão furiosa e bati a porta com tanta força, que sinceramente não sei como não a arranquei. Numa mesma manhã eu fui do céu direto para o inferno.
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Capítulo 15
Entrei no quarto furiosa, comecei a sacudir Justin, que estava estendido preguiçosamente sobre a cama. Ele não acordou, murmurou algo incompreensível e se virou para outro lado. Naquela altura a minha irritação estava no auge. Queria matar um de tanta raiva que sentia. Minutos antes eu estava no céu, acordando com o meu corpo mole e dolorido da noite de paixão. O meu coração transbordava de felicidade e contentamento. Mas a ―bruxa‖ conseguiu estragar completamente o meu humor. Nem as lembranças dos tórridos momentos vividos antes sobre aquela cama acalmavam o meu coração. E para completar, Justin fingia que não me ouvia chamar.
Peguei um dos travesseiros e comecei a bater nas suas costas nuas, irritando aquele corpo perfeito, cheio de músculos bem trabalhados. Ainda podia sentir o cheiro de suor e do sexo que havíamos feito. Se não estivesse tão irritada, talvez me perdesse naquele corpo. Justin continuou a resmungar e quando percebeu que não adiantava me ignorar, virou-se para ver que tempestade estava se abatendo sobre a sua cabeça.
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— O que foi, Lizzy? — Ele resmungou com a voz sonolenta e muito rouca. Passou uma das mãos no rosto, bocejou e depois virou de costas para a cama e me encarou.
— Qual o motivo da tempestade? Isso tudo é saudade? Não faz...
Ele hesitou ao ver que fechei a cara e olhei emburrada. Sabia que algo estava errado. Pela expressão que fez não estava muito satisfeito e descontaria o mau humor em alguém.
— O que foi? Como o que foi? Por que não me disse que ―a noiva do Chuck‖ se mudou para cá também? O que isso significa? Eu esperava tudo menos isso. Como pode...
Ele se levantou abruptamente e colou os lábios nos meus. Sabia que não devia ceder, mas os movimentos cálidos foram me acalmando e aos poucos meu corpo foi relaxando. Foram apenas leves carícias sobre os lábios, mas já me sentia queimando por ele. Como era possível me excitar diante uma situação tão complicada? Eu estava com ódio, totalmente transtornada com a situação, e me rendia assim tão facilmente?
— Agora que se acalmou...
Começou a distribuir beijos pelos lábios e foi descendo lentamente até chegar ao meu pescoço. Ali ficou trabalhando com a sua língua, o meu corpo logo cedeu e ficou mole. Ele me puxou para si e senti a sua excitação pelo imenso volume na minha pele. Estava pronto para começar tudo novamente. Se a situação não exigisse atenção, teria me perdido mais uma vez em seus braços.
— O que... — Comecei e engoli em seco. Justin parou o que estava fazendo e pela primeira vez olhou em meus olhos. Ao falar vi
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surpresa e admiração na forma como me olhou. Aquilo conseguiu tranquilizar-me ao menos um pouco para refrear os ânimos.— A Melissa está fazendo lá na sala, tomando café e se dizendo moradora desse apartamento? — Consegui terminar e ele meneou com a cabeça, soltou o meu corpo, foi até a cômoda, pegou um calção e o vestiu.
Seu rosto era ilegível. Não consegui identificar se estava com raiva, vontade de matar, tentando se controlar ou apenas perturbado. Não disse nada enquanto eu o olhava. Apenas saiu do quarto como um furacão e segui atrás dele. Chegamos à sala e as duas continuavam a conversar como boas amigas, como se nada houvesse acontecido.
— Posso saber que palhaçada é essa aqui? — Ele perguntou de súbito, sem cumprimentar com um bom dia, como mandam os bons costumes.
A tal da Sharon ficou olhando para ele aturdida. Com toda certeza foi pega de surpresa e não sabia o que se passava. Seja lá o que tenha ouvido de Melissa, parecia realmente surpresa com a situação. Justin cruzou os braços na altura do peito. Percebi que ela ficou embaraçada com a quase nudez dele. Não podia nem culpá-la, porque eu também me sentia estranha ao vê-lo todo exposto daquela forma.
— Eu não entendo o que se passa realmente. Melissa não é a sua noiva e mãe do seu filho? — Ela perguntou se levantando e olhou para Melissa, com jeito inquisidor, e depois para mim.
— Ela foi minha namorada e terminou faz um tempo. Deu o golpe da barriga quando eu estava hospitalizado. Vem infernizando
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a minha vida desde então. E agora resolve se instalar justamente aqui. Temos que resolver isto, Sharon. — Ele disse para ela em tom desafiador.
Melissa olhou para mim e deu um sorriso debochado, e depois passou a mão sobre o ventre. Virei o rosto e fiz o possível para me controlar. Faltava bem pouco para voar no pescoço dela.
— Podemos conversar em particular? — Ele disse tentando manter o tom sereno diante daquela situação.
Engoliu em seco e os dois seguiram até a pequena cozinha, que ficava integrada à sala, por isso não dava para ter muita privacidade, por mais que falassem baixo. Melissa olhou para mim com tom desafiador de uma cobra prestes a dar o bote. Os seus olhos tinham um brilho doentio e senti algo dentro de mim tremer. Depois disso recolheu-se para o seu quarto, enquanto eu fiquei ali de roupão a espera... Quase surtando, de onde estava podia ouvir apenas sussurros e algumas vezes o alterar das vozes:
— Ela pagou quatro meses adiantado.
— Esta situação não terminará bem.
— Não posso...
— Começarei a procurar outro lugar…
Quando perceberam que eu ouvia, o som da conversa diminuiu e não ouvi mais nada. Estava me rasgando de curiosidade e queria ser uma mosquinha para ouvir o que diziam. Mas simplesmente não deu. Tive que esperar. Justin voltou para meu lado, pegou minha mão e me conduziu até o quarto. Fechou a porta ao entrar, sentou-se sobre a cama e me colocou sentada em seu colo. Olhou para mim constrangido e aborrecido. Sabia que a conversa
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não dera em nada pelo jeito como me observou. Ficamos em silêncio enquanto buscava as palavras certas para me confortar.
— Ela ficará.
Aquilo me doeu o coração. Senti uma opressão tão forte que o ar me faltou. Pensar em Justin morando com Melissa era quase a morte. Senti medo, fragilizada e totalmente desprotegida, sem forças para lutar e com a certeza de que ia perder para ela. Aquela situação seria totalmente favorável e ela tiraria proveito da gravidez para se aproximar dele, afastando-o de mim. Um plano perfeito.
— Não... — Sussurrei, virando o rosto para o outro lado. Meus olhos já estavam cheios de lágrimas e não queria que me visse chorando. Não seria a menininha frágil e ―vítima das circunstâncias‖, como ele me acusara de ser. Estava doendo. Sim! Doendo muito para ser franca, mas enfrentaria tudo de cabeça erguida. Se perdesse, ao menos seria lutando pelo meu amor. — Eu não sei se suportarei isso. Espero que consiga encontrar uma solução. — Consegui dizer sem pestanejar. Não fraquejei e nem demonstrei a minha debilidade. — Isso será o inferno para nós. Você sabe, não sabe?
— Sei... Não acontecerá nada entre nós. Eu te amo e ela não tem chances.
Ele segurou o meu queixo e virou meu rosto, obrigando-me a encará-lo.
— Olha para mim, Elizabeth! — Ordenou de forma fria e me obriguei a encarar os olhos dele. Pareciam confiantes e determinados.
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Eu, pelo contrário, fingia me sentir forte, quando por dentro estava chorando.
— Ela usará a gravidez, fará de tudo e você sabe aonde isso vai dar... — Ele colocou o dedo sobre os meus lábios e gritou.
— Droga, Elizabeth! — Dei um pulo do seu colo e me abracei como uma menina assustada.
Minha respiração ficou irregular e comecei a tremer naquele momento. Justin estava ficando vermelho e totalmente exasperado pelas circunstâncias, e a minha falta de confiança não ajudava muito.
— Eu amo você! — Disse entre dentes, tentando controlar o tom de voz, mas seu olhar era devastador. — O que você quer que eu faça, inferno! Quer que atire as minhas coisas na rua? Que volte para a casa dos meus pais? Que peça abrigo aos meus amigos? Será que não vê que estou encurralado? Aquela mulher armou tudinho! Ela sabia que estava procurando lugar para morar, ficou de tocaia e conseguiu ser mais rápida. Mas daí você não confiar em mim... Pelo quê me tomas? Acha que o que aconteceu entre nós foi brincadeira? Porra!
Ele se levantou da cama e ficou andando de um lado para o outro, com as mãos na cabeça. Estava verdadeiramente descontrolado para xingar daquele jeito. Se colocasse as mãos em Melissa naquele momento, aconteceria uma desgraça. Não falei nada. Apenas deixei que ele se acalmasse. Se eu abrisse a boca para me lamuriar, só dificultaria as coisas.
Aos poucos percebi que a sua respiração foi voltando à normalidade e quando conseguiu se recompor, sentou-se na cama e
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ficou me olhando. Estava com olhar arrependido. Sabia que tinha se excedido na sua perda de controle.
— Ficarei aqui algum tempo. Sei que será um inferno, mas ninguém será capaz de convencê-la a ir embora. Se ela acha que me chantageará está enganada. Não cederei por causa de um filho. Tudo tem limites, até mesmo a minha paciência. Você sabe que te amo e não precisa ficar preocupada. Não acontecerá nada entre nós dois. Juro pela minha mãe se quiser... — Começou a falar muito rápido a essa altura.
Fiquei até com remorsos naquele momento. A culpa não era dele, mas a minha raiva era tanta, que me impedia de ser racional. Sentei-me em seu colo e o abracei forte. Permiti que as suas mãos me fizessem carícias e seus lábios fizessem amor com a minha pele. Precisava sentir que tudo estava bem. Que não havia estragado tudo com a minha insegurança.
Meu corpo estava ansioso por mais. Ardia com uma avassaladora paixão que era impossível conter. Nós nos beijamos de forma desesperada. Parecia que aquele seria o último beijo. Travamos uma deliciosa batalha com as nossas línguas, aproveitamos cada toque, cada movimento, o gosto de amor e do sexo que fizemos. Foi maravilhoso, desesperado e totalmente apaixonado. Enquanto me possuía, ele me olhava como se fosse a última coisa que faria na vida. Havia tanta admiração, tanto ardor naqueles olhos que me afoguei naquele manancial de emoções e deixei toda a razão se perder no meio daquele fogo.
Não havia mais ninguém entre nós. Não importava o futuro. Somente o presente, apaixonante, viciante e embriagador que
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vivíamos. Estava completamente bêbada de paixão, ele só aumentava ainda mais o meu vício amando-me com sofreguidão. Fizemos um amor gostoso, sussurramos juras e deixamos todo aquele estresse de lado. Se Melissa estava ali para provocar, que ouvisse os gemidos e os gritos que ele me provocava. As borboletas em meu estômago já cantavam em alemão naquele momento e de meus lábios apenas saíam sons incompreensíveis. Parecia uma gata no cio, miando sem o menor pudor ao fazer amor de forma tão ardorosa com o homem da minha vida.
Quando terminamos, estávamos exaustos e ficamos abandonados sobre os lençóis molhados da cama. Meu corpo inteiro doía por causa daquela maravilhosa maratona e meu estômago reclamava de fome... Muita fome.
Voltei a vestir o roupão e Justin o seu calção e fomos para o banheiro. Tomamos um banho tranquilo, com a deliciosa água quente massageando as nossas peles. Justin me abraçava, beijava, mordia, ria e no final de toda aquela brincadeira me deu banho como se fosse uma menina. Fiquei constrangida quando ele começou a lavar as minhas partes íntimas, logo depois comecei a relaxar e fiz o mesmo por ele. A intimidade entre nós crescia de tal maneira que nos permitimos à imprudência de fazer amor sem camisinha debaixo da água que descia do chuveiro. Ele foi cuidadoso para não plantar sua semente, mas sabíamos o risco que corríamos. Mesmo assim, ali radiante de felicidade, cogitei a ideia de carregar um bebê e me senti muito cômoda com aquele pensamento imprudente.
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Terminamos o banho, saímos do banheiro já compostos e fomos tomar café na pequena cozinha. A casa estava muito silenciosa e percebemos que tanto Sharon quanto Melissa haviam saído, provavelmente para não ouvirem os sons que fazíamos quando nos amávamos.
Os dias se passaram e as coisas iam mal. Muito mal para dizer a verdade. Por mais que Justin me garantisse todos os dias que me amava e era fiel, eu estava obcecada com a ideia dele morando com duas mulheres. Sabia que ele passava seis horas fazendo traduções e outras seis estudando piano. Mas quem poderia me garantir que não tinha plateia? Todas as vezes que eu ia para lá, geralmente no final de semana, percebia a intimidade com Sharon e a proximidade com Melissa. Certa vez cheguei a vê-lo passando a mão sobre a barriga dela. Aquilo me doeu. A mágoa me consumiu de forma tão espantosa, que fiquei uma semana sem falar com ele e ignorando todas as suas ligações.
Ele não entendia a minha insegurança, mas toda mulher sabe quando há interesse de outra pelo seu homem. No meu caso, eu via dois perigos iminentes. Sharon, com aquele ar de boa moça, suspirava quando Justin estava por perto. Era difícil esconder de mim que estava apaixonada e usava Melissa para causar intrigas. A outra, por sua vez, sempre procurava me atacar sabendo que não poderia reagir contra uma grávida. Chegava a ser covardia e Justin não percebia o que se passava, mesmo debaixo do seu nariz.
Começou a ficar muito cômodo para ele viver com duas mulheres que faziam tudo. Até as roupas dele levavam para a lavanderia. O quarto dele estava sempre impecável e cheiroso. Só
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ele não via o interesse que rolava ali. Acho que havia um acordo mútuo entre as duas para me irritar. Só podia ser isso, pois estavam sempre unidas nas intrigas. Cheguei a pegar Sharon, em várias ocasiões, em situações muito íntimas com Justin e Melissa tentando me tirar do caminho para ficarem a sós. Ter uma rival já é difícil. Agora ter duas rivais, unidas, para me derrubar era mais do que conseguia suportar.
A situação ficou extrema quando Justin começou a dar aulas de alemão para Sharon. Não consegui conter a minha fúria e brigamos feio naquele dia. Dissemos coisas feias um para o outro, causando uma mágoa muito grande em cada um. Eu queria fugir dali e sumir, mas resolvi não desistir do seu amor e insisti na minha luta.
O semestre estava terminando, eu estava atolada de provas e trabalhos para entregar, a situação com Justin estava tão insustentável que nem fazíamos mais amor, só brigávamos por futilidades e nos magoávamos. Justamente nesse período, com tanta turbulência, comecei a me sentir estranha. Desmaiei em duas ocasiões em sala de aula, sentia tanto sono que não conseguia mais trabalhar no bar à noite e foram surgindo ânsias de vômitos cada vez piores.
Foi minha companheira de quarto, Mary Ann, que percebeu que eu estava atrasada. Geralmente fazíamos compras juntas e ela se deu conta que não usava absorventes há dois meses. Tudo, que já estava tão difícil e doloroso para mim, tornou-se um verdadeiro pesadelo. Sabia que se estivesse grávida, Justin acharia que era para prendê-lo, como havia feito Melissa. Em um ato infantil, digo isso
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porque esse tipo de coisa não se pode esconder muito tempo, não contei nada a ele.
Fiz os exames e após a confirmação resolvi esconder. Queria muito conselhos da minha querida sogra, mas depois das brigas entre pai e filho, os Stones se mudaram para Edmond, em Washington, e só falávamos, muito raramente, ao telefone. Além de Mary Ann, que nunca estava no alojamento, não tinha ninguém com quem conversar. Sofri calada os últimos dias daquele semestre. Fiquei o máximo possível afastada de Justin, sabendo que ele logo descobriria os meus sintomas.
Quando o semestre enfim terminou, tinha que me preocupar com o alojamento para o próximo período. Faltavam apenas mais dois períodos e não sabia como me viraria grávida, sem poder me esforçar tanto, sem ter para onde ir e nem contar com Justin naquele momento. Eu me sentia a pessoa mais sozinha do mundo e ele, que já estava exausto das nossas brigas, não me ligava mais com tanta frequência. Quando estávamos juntos, o que era bem raro, não dizia mais que me amava. O meu mundo estava desabando, escorregava em um precipício e não tinha aonde segurar. Nem sei como suportei tanta infelicidade.
A única coisa que me fazia resistir era o meu filho. Ele era o meu consolo. Acontecesse o que acontecesse ele seria meu. Mesmo que Justin não me amasse mais, sempre teria o melhor dele comigo. Isso me ajudava nos momentos de choro.
As aulas acabaram, Mary Ann disse para ficar tranquila que já tinha outro local legal para nós, mas me aconselhou a conversar com Justin. Sabia que ela tinha razão e não podia adiar mais. Estava com
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nove semanas e a descoberta seria inevitável. Se viesse a descobrir por outros, não haveria como evitar o rompimento entre nós.
Terminei de embalar as coisas para a mudança, depois saí com intenção de resolver a minha vida. Estava decidida naquela tarde. Muito determinada a dizer tudo o que fosse preciso e depois seguir a minha vida se não desse certo. Como tinha uma cópia da chave, abri a porta silenciosamente e entrei. Queria fazer uma surpresa, mas quem foi surpreendida fui eu ao chegar à porta do quarto dele e ouvir os gemidos. Como a porta estava entreaberta, pude ver que se beijavam apaixonadamente. Meu coração parou... O mundo havia desmoronado de uma única vez.
Saí dali silenciosamente, não queria uma cena de briga e humilhação diante dos dois. Se era para sofrer, faria com dignidade e não como uma barraqueira escandalosa. Chorei enquanto me dirigia ao estacionamento, depois que entrei no carro, tudo veio à tona. Fui tomada por uma dor tão grande, que fez o meu peito se rasgar em mil pedaços. Nunca pensei que doeria tanto. Nunca achei que ele quebraria os nossos votos.
Vi toda a minha vida se desfazer naquele momento. Os planos que fizemos, todas as promessas de amor, que duraram desde a infância, foram rompidas de uma forma tão estúpida. Desde o primeiro momento soube que havia algo errado. Alertei quanto àquela mulher, mas ele não me ouviu e se deixou enredar nassuas teias. Doeu... Muito! Quis morrer naquele momento.
Sabia que não poderia continuar ali. Mais cedo ou mais tarde ele me procuraria, como se nada houvesse acontecido e eu acabaria perdoando. Decidida, voltei para o alojamento, coloquei o pouco
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das coisas que tinha no meu velho carro e peguei a estrada totalmente desorientada. Dirigi por dias até chegar a Springfield, Oregon.
Quando cheguei, fui recebida com quatro pedras por minha mãe, que me chamou de burra, inconsequente e ingênua. Até chegou a cogitar a ideia de me levar para fazer um aborto. De todas as coisas que ela me fez, aquela foi a pior de todas. Parecia que uma bofetada queimava o meu rosto de forma implacável.
Chorei muito e me senti ainda mais sozinha... Ali era apenas eu e um bebê inocente crescendo em meu ventre. Como poderia desistir de tudo? Mas minha mãe não queria saber.
— Elizabeth! — A minha mãe gritava como uma louca da sala.
Eu não estava com a menor vontade de ouvir os sermões e brigar novamente. Coloquei a cabeça sobre o travesseiro, fechei os olhos e fingi dormir. Foi a única coisa que fiz na semana em que estive naquela casa. A convivência com ela era insuportável e eu não tinha para onde ir. O dinheiro era pouco e mal sabia como me viraria na volta para New Haven.
— Elizabeth! Não finja dormir! Sei que está acordada.
Não respondi.
A porta se abriu lentamente e praguejei em meu pensamento. Não queria mais aquilo. Era um martírio não poder ao menos ter paz para pensar. Senti a cama afundar, quando alguém se sentou. Uma mão pousou sobre os meus cabelos e começou afagá-lo. Virei-me para ver quem era a pessoa caridosa, capaz daquele ato e meu coração gelou.
Acordo abruptamente, vejo-me no tempo presente.
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Os meus olhos estão cheios de lágrimas. Os últimos dias foram tão tensos que as lembranças vêm como uma enxurrada carregando tudo. Não quero pensar naqueles dias. As lembranças são dolorosas, mas é impossível evitar com Justin e James tocando no assunto a todo momento.
Escuto batidas na porta. Percebo que o dia já está claro pela claridade alaranjada que entra pelas frestas da janela. Levanto meio sem jeito, arrumo a camisola, caminho para a porta e a abro.
James espera de forma impaciente e me olha de forma desaprovadora. Sei que está furioso por não permitir que trate o pai em um hospital. Mesmo assim me mantenho firme na promessa e o olho de forma desafiadora.
— Bom dia, mãe, sua bênção! — Ele diz de forma seca.
Mais por obrigação do que por vontade, eu percebo em seu tom.
— Bom dia, filho. Que Deus te abençoe. — Respondo observando os seus olhos. Está com uma expressão tensa.
— Stwart está aí. Pedi que viesse bem cedo ver o papai. Acho que ele está cada vez mais fraco e comendo menos. Talvez com a opinião de um especialista a senhora tome juízo e...
— Basta! Não começaremos com isso novamente, James.
Peça a Stwart que suba. Só colocarei um penhoar antes que entre. — Digo e caminho pelo quarto.
Abro o meu closet e procuro o meu penhoar. Pego a vestimenta e cubro o meu corpo. Ouço duas batidas na porta.
— Podem entrar! — Respondo.
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— Bom dia, Lizzy! — Ele caminha até mim, pega a mão e a beija de forma gentil.
— Bom dia, querido! Como vai a sua mãe? — Pergunto por Suzanne, uma grande amiga de longos anos.
— Bem! Ela mandou lembranças.
— Mande as minhas para ela. — Respondo.
— E como está o nosso paciente? — Ele pergunta.
— Não está comendo e para forçá-lo a beber algum líquido é uma luta. Reclama que a boca está seca e não aceita que o ajude. Parece um menino birrento
— Ele precisará de soro. Tenho que colocar um cateter. Esta fase é a mais difícil. Ele sabe que está cada vez mais fraco e que não tem muito tempo. Temos que prolongar o máximo possível sem o deixar desconfortável.
Ele tenta ser profissional, mas percebe o quanto aquilo me afeta. Os meus olhos estão cheios de água e estou prestes a chorar, mas reprimo o choro. Quero ser forte diante de todos. Não posso fraquejar nesse momento.
— Eu sei. — Digo com a voz embargada.
— Não quer ir tomar café enquanto o examino? — Olho para cama e vejo James acariciando o pai. Ele está desmoronando com toda aquela dor. Engulo em seco e olho novamente para Stwart. Depois de sair do quarto, ouço a porta se fechar e passos atrás de mim.
Pressinto mais uma batalha. Já não tenho forças para esse tipo de enfrentamento, mas tento me manter firme na decisão que tomei. Sei que preciso.
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— Mãe! — James chama. Viro-me e o encaro.
É difícil olhar para o meu filho e negar o que me pede. Estou presa à promessa que fiz a Justin. Não permitirei que ele sofra nos seus últimos dias na cama de um hospital.
— Sabe que ele precisa ir. Com tratamento adequado pode viver mais tempo. Quem sabe um ano... — Começa a gaguejar nessa parte. — Se ele tivesse continuado a quimioterapia... Se ele... Se...
— Seu pai sabia que morreria em breve. Ele não quis fazer mais a quimioterapia porque lhe fazia mal e não havia melhora. O câncer não regrediu! Não teria adiantado e ele sofreria ainda mais. Sei que vai morrer. Será que isso já não é tortura o suficiente? Terá que me culpar pelo resto da vida por não tê-lo obrigado? Por favor, James! Não tem cura! Foi descoberto muito tarde e nenhum tratamento teria funcionado. Todos os médicos que consultamos disseram isso. Por que não para de me torturar? Por favor!
Não consigo conter as lágrimas e começo a chorar. Ele, por mais ressentido que esteja, abraça-me de forma carinhosa e choramos juntos.
— Eu consegui notícias da minha mãe... Daquela mulher... — Gagueja.
— Eu não fui o suficiente, James?
Dói! Aquilo está acabando comigo. Ele me olha envergonhado. Vejo em seu semblante a tortura e a culpa. É muito difícil depois de criar um filho com tanto amor e dedicação, ouvi-lo chamar outra de mãe. É praticamente uma traição. Se soubesse quanto me maltrata, nunca falaria no assunto comigo.
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— Ela é casada com um milionário grego... É o terceiro marido. É uma das mulheres mais ricas e elegantes do mundo. Não mencionam nenhum filho. — Diz amargurado.
— Sua mãe era uma cobra, egoísta e má! Muito má! Ela engravidou para prender Justin, mas quando viu que o havia perdido inventou uma depressão pós-parto e o abandonou. Era isso que queria saber? Pois bem! Sua mãe nunca te quis! Ela te abandonou! Você foi uma moeda de troca. Agora me deixe em paz com minha dor! Pare de me torturar! Seu pai não passa da próxima semana e você sabe disso. Vamos viver em paz até ele ir embora. — Digo e saio furiosa.
Não suporto mais. Simplesmente não há mais condições de diálogo. Estou em meu limite.
— O que foi isso, mãe? — Alice pergunta quando entro na cozinha. Ela está com os olhos arregalados. Certamente ouviu a minha briga com James. Não quero tocar no assunto, por isso não digo nada. Dirijo-me até a cafeteira e pego um pouco de café. Vejo que ela fez panquecas e estão cheirando muito bem. Meu estômago embrulha só de pensar em comer, enquanto Justin quase não o faz. Sinto remorso.
— Come, mãe. — Ela pede carinhosamente e nego com a cabeça.
Só preciso do café para acordar. Ele não me ajudará a despertar do pesadelo, mas vai me manter com os olhos abertos durante o dia. É disso que preciso agora.
— Amanda e eu tivemos a ideia de fazer um jantar de família. Será o último com todos juntos. Papai gostará de se reunir com os
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filhos, netos, a bisnetinha, o irmão, a cunhada e o sobrinho. Já ligamos para o Tio Jony e ele vem amanhã. Será perfeito. — Alice começa a tagarelar e percebo que ela tem razão. Será a última ocasião em que Justin verá toda a família reunida. Será que ele aguenta tantas emoções? Balanço a cabeça e volto a chorar compulsivamente. O tempo está acabando... Agora falta muito pouco. Todos conseguem sentir. É inevitável.
Alice me abraça e me consola. Mas não existe no mundo conforto para a dor de perder parte de si mesma. Como sobreviverei a isso? Já não posso suportar...
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Capítulo 16
— Estou louca para esse bebê nascer logo. Não vejo a hora de ter meu filho em meus braços. — Amanda diz, sentada na cadeira de frente para o balcão da cozinha, enquanto descasca batatas. Esse é um dia agitado. Começamos cedo os preparativos para o jantar. Mesmo com tanta gente para ajudar, fico preocupada de não dar conta. Faz tanto tempo que não cozinho para tantas pessoas. Apesar dos pesares, o ambiente está leve e não parece que estávamos passando por momentos tão delicados.
— Quando são pequeninos são maravilhosos, mas quando crescem... Não vê os meus... — Alice diz de onde está, rindo.
— Também você foi ter quatro. Acho um pouco exagerado, Lice. — Responde Amanda.
— Filhos são uma dádiva de Deus. Se na minha mocidade não tivéssemos tantos problemas e preocupações, teria tido mais dois. Acho que seis seria um número ideal. — Digo para elas.
Realmente queria ter um monte de filhos, apesar de quatro ser um bom número. Se fosse pela vontade de Justin, teríamos um time de futebol.
— Mãeeee! — Nicole entra esbaforida na cozinha.
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Olho para minha neta, já uma moça com seus quinze anos e vejo que tudo valeu a pena. Meus netos me dão a certeza disso. Todos foram bem criados e são pessoas maravilhosas. Ensinamos bem os nossos e eles repassaram aos seus filhos.
— Quem está morrendo? — Pergunta Alice à sua filha.
— Meu tio Jimmy pediu para fazer mais suco. Ele e o tio James estão se divertindo com o Playstation. Meu vô também parece gostar. Ele só ri. — Diz toda feliz, saltitante e elétrica assim como a mãe.
— Seu avô sempre adorou brincar com os filhos. Apesar de não ter forças para segurar o controle, deve estar se divertindo muito. — Digo constatando a realidade.
Em toda a vida, mesmo com os compromissos, Justin sempre arrumou tempo para os filhos e depois para os netos. Deixou de fazer alguns shows, propagandas e turnês para estar perto da família. Sempre admirei isso em seu caráter. Nunca foi apegado à fama e ao dinheiro que ela proporcionava. Sua família veio em primeiro lugar e foi por isso que nos mudamos para uma cidade pequena e pacata... Voltamos para Chilton. Ele queria paz e tranquilidade para curtir os filhos. Nada de fãs, imprensa ou compromissos. Fazia shows três a quatro vezes ao ano, vendia os DVDs, publicava os vídeos no Youtube e mesmo assim conseguiu o bastante para não precisar se afastar de nós.
— Pois ele está adorando, vozinha. — Nicole diz.
Nesse momento Martin entra na cozinha, abraça-me e me beija por trás.
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— Como vai a avó mais gata do mundo? — Ele pergunta todo galanteador. Vira-se para mim e abre aquele lindo sorriso.
É incrível como ele se parece com o avô. Acho que dos netos é o mais parecido, assim como o tio James e o tio-avô Jony.
— Eu vou bem, obrigada! E você? Já sabe para onde vai ano que vem?
Meu neto está terrivelmente indeciso entre várias universidades. É chegada à hora de decidir o destino. A família tenta não pressioná-lo, mas é inevitável. Jimmy quer o melhor para o filho e deseja muito que vá para Yale ou Harvard. Sabemos que a decisão é dele e não é bom forçá-lo a nada.
— Após ponderar muito, decidi ir também para Yale. É uma tradição dos membros dessa família irem para lá. Vou fazer medicina como meu biso e meu tio. — Responde todo orgulhoso de si.
— O sr. Jonathan foi um excelente médico. Amava o que fazia e se doava para aquilo sem pedir nada em troca. Seu tio também é ótimo e nunca o pressionamos para isso. Foi um talento natural. — Digo para ele.
— Pois eu quero estudar música como meu avô. — Diz Nicole se metendo na conversa.
Sei que ela tem um pouco de ciúmes do primo e que ficou um pouco deslocada quando ele entrou.
— Vocês terão ótimas carreiras. Tenho certeza disso. Agora seja o que for, que seja de coração. Seu avô largou a profissão de advogado porque aquilo não dava prazer. Ele era frustrado com sua carreira e fazia sem paixão. Quando decidiu pela música, com um
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empurrãzinho meu, sua vida mudou e se tornou uma pessoa mais feliz. É isso que desejo para vocês, independente do que escolham.
— Ai! — Amanda geme de onde está.
— O que foi, tia? — Nicole pergunta para ela com ar de preocupação.
— Esse garotão está louco para sair daqui. Não é filho?
— Ela passa a mão na barriga e sorrir conversando com ela.
Ver minha caçulinha tão deslumbrada com a primeira gravidez me enche de orgulho. Nesse momento tenho a certeza que fiz a escolha certa em levar a gravidez, mesmo já tendo passado dos quarenta anos. Amanda foi o raio de luz na minha vida. A coisa mais fofa do mundo. Quando ela nasceu tudo se fez mais belo. Eu, uma mulher prestes a entrar na menopausa, com três filhos já grandes, um marido músico com uma carreira para administrar, um livro para terminar e com casa para cuidar, via-me com um anjinho de cabelos negros como os do pai, grandes olhos azuis e pele branquinha como a minha. Justin até quis chamá-la de Branca de Neve, mas eu preferi Amanda... A pessoa amada. Meus olhos se enchem de lágrimas nesse momento. Minha vida valeu a pena... Sei que valeu, apesar de tudo.
— Ele será lindo como os pais. — Respondo para ela.
— Tia, você vai me deixar ser madrinha dele? — Nicole pergunta. — Eu quero muito! — Pede fazendo bico.
— Vamos ver... Sua prima não gostará nada disso. — Começa a discussão e os outros netos entram na cozinha.
Sons de gargalhadas, palhaçadas e ciúmes entre eles me deixam feliz... Sim! Eu estou feliz. Nossos frutos estão bem aqui,
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demonstrando que vencemos as dificuldades e geramos uma família feliz. É disso que Justin tanto se orgulha... Nossa família! Vai morrer com a certeza de que entre erros e acertos, fez o que era certo. Tudo no final das contas deu certo... Até aqui.
Enquanto eles discutem sobre o bebê de Amanda, eu me perco mais uma vez em meus devaneios e me lembro da decisão que tomei. Se não houvesse perdoado Justin naquele momento, mesmo depois de tanta mágoa que sentia pelo que fez, não teria hoje essa grande e maravilhosa família. Acho que o perdão foi o melhor para nós. Além de me ensinar a amar, com Justin aprendi também a perdoar.
— Justin? — Perguntei olhando espantada para ele.
Meu coração batia acelerado e minha respiração ficou irregular. Todas as emoções dos últimos dias me deixaram em frangalhos. Meu coração doía muito, ao mesmo tempo em que queria encontrar refúgio em seus braços. Como foi difícil olhar para ele e reviver tudo novamente... Doeu muito.
— Lizzy, eu sei que fiz besteiras, mas não podia deixar você sair da minha vida assim...
Eu o cortei nesse momento. Vi seus olhos cheios de emoção angustiante. Ele estava mais magro e parecia perturbado. Pegou a minha mão e apertou forte. Tentei puxar, mas ele não a soltou.
— Para! Eu vi... — Virei o rosto para o lado e comecei a chorar.
Aquela mágoa foi tão grande que fez me coração se rasgar naquele momento, como se estivesse sangrando. Não entendia os motivos e não queria ouvir. Já era doloroso demais relembrar, quando estava assim tão perto. Queria fugir, me esconder... Sumir.
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— Passamos por tantos desentendimentos, você não compreendia a minha situação, se afastou de mim e quando tínhamos algum momento só nosso, você só brigava e brigava. Eu estava realmente estressado com tudo. Não que isso seja desculpas para o que fiz, mas... — Ele engoliu em seco e inesperadamente me puxou para si. — Eu estava perdido e não suportava a sua desconfiança. Foi difícil para mim também. Até que percebi que realmente estava certa. Ela estava jogando com todos nós, inclusive com Melissa.
— Não quero ouvir, Justin. — Disse com som abafado por estar com o rosto quase colado em seu peito. Ele não permitia que me movesse um centímetro e eu não tinha forças para lutar, apesar de querê-lo longe, junto com suas lembranças.
Estava tão frágil e destruída que não pude reagir com veemência, como deveria.
— Você precisa me ouvir! — Disse quase estridente. — Eu fiz besteiras, sei disso perfeitamente. Mas preciso confessar o que fiz. — Continuou.
— Não! Por favor, não! — Implorei. Já era difícil viver com as lembranças. Ouvi-lo confessar que foi para a cama com outra era insuportável e me roubava o ar. Tentei me soltar e me debati. Ele continuou a me prender em seus braços de forma implacável.
— Você vai ouvir! Eu preciso que saiba que fui um burro, idiota e não te ouvi. — Ele continuou firme em seu relato.
Fechei os olhos e orei para que tudo acabasse logo... Que ele fosse de uma vez.
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— Quando ela percebeu que eu estava frágil demais e precisava de um ombro amigo atacou. Eu nem me dei conta disso, até que estava em meu quarto me beijando, tentando me seduzir de forma descarada. Eu correspondi aos beijos naquele momento. Quase perdi a cabeça e quando caímos na cama...
— Não! Por favor, não! — Implorei mais uma vez em vão. Engoli as lágrimas e deixei a dor me castigar... Estava muito fraca naquele momento. Só quem passa por uma traição sabe como é doloroso.
— Quando caímos na cama eu me lembrei... Lembrei de você, de nós, do seu sorriso, de como você tremeu em meus braços, de você me dizendo que me amava. Lembrei da primeira vez que te vi chorando, apenas uma criança de cinco anos, quando você chorava com as humilhações que seus pais a faziam passar, como você chorou quando soube que não a levaríamos conosco e quando partimos. Doeu tanto me lembrar como era fazer você sofrer. Ali eu parei. Não consegui transar com aquela mulher. Comecei a sentir nojo de mim e a afastei. Ela ficou furiosa, gritou e xingou. Não adiantou nada, meu anjo. Nunca conseguirei transar com outra. Nunca! Sabe por quê? — Ele sussurrou de forma gostosa no meu ouvido e tudo se fez diferente. O meu sol começou a sair e me senti aquecida. — Eu te amo mais do que a mim mesmo. Prometo que nunca mais vou duvidar quando me disser algo. E se você sentir ciúmes de alguém, tentarei ver com os seus olhos. Eu prometo te fazer feliz para sempre. Agora só não me peça para ir embora. Você não faz ideia do que senti quando você sumiu. Ninguém sabia de
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você e foi um custo encontrar aquela sua amiga. E mais ainda convencê-la a me dar o seu paradeiro.
— Está doendo tanto... — Sussurrei com a voz chorosa, enquanto ele me embalava em seus braços.
— Eu arrancarei essa dor de você e todos os dias direi como eu a amo, e o quanto é importante para mim. Agora só me diga que me perdoa e volta para mim, Elizabeth. — Ele implorou com uma expressão angustiada em sua face.
— Eu te amo! — Consegui dizer com tanta facilidade, que nem acreditava aceitar tudo assim com aquelas simples palavras. O fato era que estava morrendo por dentro e sem ele realmente morreria. Não tinha mais sentido na vida... Ou melhor, tinha... Meu filho... Nosso filho.
— Promete que tudo voltará ao normal, Lizzy? Eu pisei na bola, sei disso perfeitamente. Essa foi a primeira e a última vez. Vamos voltar para New Haven e você terminará o seu curso. Eu já estou procurando um apartamento para ficarmos e até conseguir pagarei hospedagem de um hotel barato. Será um custo, mas não posso mais viver sem você.
— Isso é um pedido de casamento, Justin Stone? — Perguntei acariciando o seu peito musculoso. Comecei a sentir meu corpo leve em seu abraço. Ele afagava as minhas costas, sussurrava em meu ouvido e depois beijou a topo cabeça.
— Estou te pedindo em casamento, sim. Não tive tempo para comprar alianças e sei que essa não é a melhor maneira. Prometo que farei tudo direitinho quando voltarmos. Não vejo a hora de ter
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você para sempre ao meu lado. Preciso de você, Lizzy. Não me abandona novamente, por favor.
— Nunca! — Algumas pessoas podem achar estranho alguém perdoar com tanta facilidade.
Mas se tratando de Justin e eu as coisas sempre andaram de forma rápida. Um amor tão grande e intenso não poderia se destruído por orgulho ou incapacidade de perdoar. Aprendi aquilo no momento em que descobri a gravidez de Melissa e ali, após dias de sofrimento, que viver sem ele seria ainda mais insuportável. Precisava dele assim como ele de mim. Algo tão definitivo e inexplicável, que só acontece em conto de fadas. Porém eu sempre considerei o nosso amor um verdadeiro conto de fadas. Simples assim! Justin era o meu príncipe e eu a Cinderela.
— Meus pais estão morando bem próximo, em uma cidade chamada Edmond. Acho que se pegarmos a estrada hoje, chegaremos lá ao anoitecer. Levaremos de três a quatro horas para chegar. O que me diz? Quer ir ou ficar com sua mãe mal humorada? — Levantei o rosto e o vi fazendo aquela carinha de coitado. Os olhos pidões e o sorriso devastador. Como poderia negar qualquer coisa?
— Vamos! Só preciso colocar as coisas no meu carro e partimos. — Disse para ele e tentei me afastar. Ele me prendeu em um abraço de urso, que quase me sufocou.
— Espere aí, meu anjo! Só mais um pouquinho. Preciso desse abraço um pouco mais. Estava com tanta saudade que chegava a me doer. E não é apenas força de expressão, Lizzy. Doeu muito a sua falta. Preciso tanto de você...
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Ainda olhando para ele, lentamente fui subindo a cabeça até os nossos lábios se encontrarem. Fechei os olhos e o beijei. Foi restaurador, analgésico, mágico... Se as pessoas soubessem o poder de um beijo, beijariam todos os dias. O problema com os casais é que com o tempo simplesmente param de beijar e a coisa esfria. Como dizia o sr. Jonathan, beijo faz esquentar a relação e outras cositas mais.
Ele movia os lábios de forma suave e delicada sobre os meus. Não houve pressa ou desespero. Aproveitamos cada toque, cada sensação e gosto que aquele beijo nos proporcionou. As nossas línguas começaram a serpentear de forma bem tranquila. Pude sentir todo carinho dele por mim na troca de fluidos. Suas mãos percorriam minhas costas e chegaram à minha cintura. Depois subiram lentamente, causando-me arrepios e fazendo as minhas amigas borboletas despertarem. Ainda estavam um pouco traumatizadas e por isso ficaram acanhadas em um primeiro momento. Contudo, ao sentir os dedos mágicos acariciando os meus seios, começaram a dançar novamente, de forma sensual e ritmada. Estavam verdadeiramente felizes. Sentia falta daquilo. Das sensações estranhas em meu estômago que só ele era capaz de me proporcionar.
Não sei em que momento, mas entre beijos e abraços, Justin foi parar em cima de mim. Quando percebemos, começamos a fazer um amor gostoso e delicado. Ele provou cada pedaço do meu corpo, como se fosse um cristal delicado. Tanto cuidado, amor e veneração sem saber que meu corpo carregava algo bem mais precioso.
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Nossos corpos se fundiram em uma dança sensual, onde não era possível identificar onde começava um e terminava o outro. Foi entrega, paixão desinibida e um amor incondicional. Puro, perfeito, suave e ao mesmo tempo intenso e arrebatador. Eu me entreguei e senti a sua entrega. Dizer que foi perfeito seria uma mera palavra. É difícil descrever um ato tão profundo de entrega entre dois amigos, amantes e namorados. Fomos e sempre seriamos tudo isso um para o outro. E aquele momento era a prova disso.
Ficamos abraçados por algum tempo, com nossos corpos suados, ainda tremendo pelos espasmos e o calor abrasador que corroia cada célula deles. Ele fazia carícias em meu ombro, sem dizer nada, como se estivesse com a cabeça na lua. Por um momento me indaguei sobre o que estaria pensando. Decidi parar de me preocupar com os seus pensamentos e contar logo sobre a gravidez. Ele tinha que saber antes que percebesse qualquer sintoma.
Afastei o meu corpo e depois me sentei na cama, com as pernas cruzadas, virada para ele, que me olhou com um misto de veneração e saudade.
— A saudade de ti ainda me dói. — Ele disse me fitando com olhinhos de menor abandonado.
— Também a mim... — Engoli em seco e tomei coragem. — Preciso te dizer algo importante e que mudará nossas vidas para sempre. — Disse e percebi a curiosidade nos brilhantes olhos negros.
Não me perguntou nada, apenas esperou que falasse de uma vez. Peguei a sua mão, entrelacei os dedos por um tempo e levei aos meus lábios. Beijei com toda ternura, sem tirar os olhos dos seus,
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depois levei até meu ventre e a pousei sobre ele. Justin me olhou ainda confuso, eu abri um sorriso radiante e assenti com a cabeça quando ele virou seus olhos para sua mão.
— Eu... Eu... Oh My God! — Seus olhos se encheram de lágrimas naquele momento.
— Não me diga que... — Eu assenti quando de súbito ele se sentou na cama.
Começou a alisar o meu ventre e chorou. Vê-lo chorando daquele jeito me comoveu muito, fazendo meu coração se encher de esperanças. Justin me deitou sobre a cama e se debruçou sobre meu ventre. Começou a beijá-lo e depois conversar com nosso... Bebê...
— Eu já te amo tanto... Oh, como eu te amo!
Ficamos ali vários minutos, enquanto ele ―babava‖ sobre a minha barriga. Foi um momento inesquecível. Nunca permitiria que aquela imagem se afastasse da minha cabeça. Ver a veneração em seus olhos e o amor porque aquele bebê que nem estava formado direito era uma benção. Todos os meus receios se esvaneceram. Tinha medo de ele achar que era o ―golpe da barriga‖ quando eu contasse. Ali o medo já não existia mais. Só havia paz, esperança e amor.
— Você não me contaria sobre ele? — Ele quebrou o meu momento introspectivo e perguntou.
— Eu tive medo de achar que era para te prender. Escondi o máximo que pude e quando resolvi ir te contar você estava... — Virei o rosto para o outro lado e tentei afastar aquela terrível lembrança.
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— Oh, Lizzy! Você achou mesmo que eu pensaria assim? Me conhece tão bem! — Disse de forma dura. — Como pode pensar desse jeito? E o pior, fugir com meu filho no ventre. Eu nunca me recuperaria disso. Você sabe? Sabe o que teria me feito se descobrisse anos depois que perdi os melhores momentos da gravidez, o nascimento, as primeiras gracinhas do bebê? Nunca mais faça algo tolo desse jeito, sua bobinha. — Disse beijando a minha barriga novamente.
— Você não disse que teríamos que partir rapidamente? — Perguntei a ele, desviando do assunto.
— Você está desconversando. — Ele acusou. — Mas tudo bem, eu te perdoo! — Riu como criança boba.
Eu me levantei da cama e comecei a recolher as roupas. Precisava tomar um banho, me arrumar para não chegar de qualquer jeito na casa dos meus sogros. Justin veio atrás de mim, puxou-me pela cintura e me abraçou forte.
— Eu prometo fazer vocês felizes. Tudo que estiver ao meu alcance, e também fora dele, eu farei. — Começou a beijar a ponta do meu nariz, enquanto eu ria achando graça.
— Deixa eu me arrumar, Justin. Quero sair daqui quanto antes. Não suporto mais a minha mãe e seus ataques.
— Você nunca mais passará por isso. — Pousou a minha cabeça em seu peito e começou a acariciá-la. — Eu prometo.
Demoramos quase cinco horas entre Springfield, Oregon, e Edmond, em Washington. Apesar de revezarmos na direção, estávamos cansados da viagem. A chegada à casa dos Stones foi estranha. Apesar da felicidade da sra. Vanessa e Jony, o sr.Jonathan
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estava com aquele olhar distante, ignorando a nossa presença, como se não estivéssemos ali. Percebi como aquilo afetou Justin, mas ele permaneceu com a mesma pose dura do pai, abraçou e beijou muito a mãe, brincou de luta com o irmão e depois começamos a conversar de forma animada.
Minha sogra, sempre muito delicada, foi preparar um quarto para mim. Justin pediu que fosse um quarto único. O pai dele, que até o momento estava ignorando a nossa presença resmungou algo como ―minha casa não é motel‖. Ela não se afetou pelo mau humor do marido rancoroso e fingiu não ouvir. Fiquei morrendo de vergonha com aquela situação, mas fingi não me abalar com aquilo.
Jony me levou para o quintal e me contou sobre a nova escola, o trabalho dos pais, os amigos e até uma namoradinha que havia arrumado. Apesar de ter se mudado para uma cidade relativamente pequena e provinciana, ele parecia adaptado e muito feliz. ―O que o primeiro amor não faz pelas pessoas, não é?‖ Foi o que me respondeu quando o perguntei sobre o fato. Rimos, brincamos e passamos bons momentos juntos, até Justin vir se juntar a nós. Nosso fim de tarde até foi agradável, mesmo considerando o estado de espírito do meu sogro.
À noite, mesmo a contragosto, ele se juntou a nós na mesa de jantar. Como de costume fez uma oração agradecendo os alimentos, o emprego, a família maravilhosa e por ser tão abençoado sem merecer. Começamos a comer, Justin contava das traduções e dos progressos que estava fazendo com a música. Esse era com certeza, um ponto delicado. No entanto, ele preferiu colocar a família a par
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da sua vida. Depois resolveu tocar finalmente contar sobre o nosso filho.
— Eu queria contar outra coisa. Essa é a mais importante de todas para Lizzy e para mim. — Começou dizendo meio nervoso. Por baixo da mesa segurou forte a minha mão e percebi o quanto estava tenso com aquela situação.
— Vocês resolveram se casar? Não é cedo para isso? — Minha sogra perguntou e percebi que uma das sobrancelhas do meu sogro se arquear de forma repreensiva.
— Também! — Justin respondeu sério.
— Já sei! — Jony, todo brincalhão, com certeza não fez por maldade, começou a bater na mesa. Meu sogro o fuzilou com o olhar, que ele não deu a menor importância. — Vou ganhar outro sobrinho? Ye! Ye! Ye! — Ele sabia que estava irritando o pai, mas fazia para chamar a atenção mesmo.
Quando Justin me olhou assustado e depois para ele, parou de bater a mesa e retrucou.
— É isso? Tá ferrado!
— Vamos Justin! — O pai ordenou, se dirigindo a ele pela primeira vez. — Conte-nos a sua novidade.
— Lizzy e eu vamos ter um bebê. — Disse rapidamente.
— Parabéns! Parabéns! — Meu sogro começou a bater palmas de forma histérica e todos olhavam para ele assustados. — Você conseguiu, finalmente, arruinar o seu futuro. Eu sempre soube que um dia faria isso por ‖ela‖. — Apontou para mim e engoli em seco.
— Veja bem, Elizabeth, não me leve a mal. Foi por isso que nos mudamos de Chilton, sabia? Eu sempre soube que essa paixão de
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vocês o tiraria do rumo que tracei para ele. Pelo visto estava certo o tempo todo.
Meu coração se oprimiu naquele momento. Olhei para Jony e para a Sra. Vanessa, que fez sinal para eu não responder nada. Voltei o meu olhar para ele e simplesmente esperei pela tempestade.
— Agora Justin, diga para mim o que fará da sua vida? Quais seus planos? — Ele perguntou com um humor sardônico. Justin mesmo nervoso permaneceu firme e não fraquejou. Respondeu como um homem assumindo os seus atos.
— Eu tenho um emprego, estamos procurando um apartamento e continuo com planos de conseguir uma bolsa em Viena.
Silêncio!
— Humm! Tudo muito calculado... Você tem duas mulheres grávidas, um emprego de merda, não tem uma profissão, casa, ou reserva de dinheiro e quer estudar música. Será que seus sonhos pagarão o plano de saúde? Os custos com parto e internação de duas mulheres? Custos com roupas e remédios para os bebês? É de sonhos que você continuará a viver? Fará meus netos passarem por privações... Inferno!
A pancada que deu sobre a mesa fez um enorme estrondo e todos se encolheram com medo. Nunca o tinha visto tão fora de controle como naquele momento.
— Jonathan... — Minha sogra tentou falar, mas ele a interrompeu.
— Não, Vanessa! Dessa vez não! Não vai passar a mão na cabeça dele. São duas crianças inocentes envolvidas aqui. Para
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começar, se ele tivesse feito o que ensinamos, deveria estar bem casado com a Melissa. Estranha ou não, ele a engravidou. Ao invés disso o que seu filhinho fez?
Os olhos dela encheram de lágrimas, mas ela não disse nada.
— Pai, deixa minha mãe fora disso. A responsabilidade é minha. Toda minha! — Justin a defendeu.
— Eu não nego isso! Mas foi ela quem permitiu que você fizesse besteiras na sua vida. Te mimou todos os anos porque tinha medo de te perder. E te estragou. A culpa sem dúvida é da sua mãe. Agora mesmo, quando fui contra vocês dormirem no mesmo quarto, o que ela fez? Ela me desafiou. Aí está o resultado!
Ele apontou para mim e meus olhos se encheram de lágrimas. Não queria chorar. Dar a ele o gosto de me ver derrotada. Mas estava destroçada com aquelas palavras tão amargas, como se eu tivesse destruído a vida de Justin. Nada do que ele disse foi justo.
— Sou maior de idade e terei que me virar com o que arrumei. Lizzy e eu vamos nos casar. Não sei como será o futuro, mas farei o possível para meus filhos não sofrerem. — Justin respondeu em tom desafiador.
Pela primeira vez enfrentou o pai.
— E você acha que o filho da Melissa não sofrerá? Eu já vi isso acontecer antes, Justin. Dois irmãos, filhos de mãe diferentes, criados de forma diferente e um menos amado do que o outro. Estudam na mesma escola, viram rivais. O ódio cresce entre eles. Tudo porque o pai não soube se preservar e teve que fazer uma escolha. Aliás... — Olhou para mim. — A senhorita não conhece os métodos contraceptivos? Nunca ouviu falar em pílula, DIU, injeção
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ou camisinha? Sabe que poderia estar com uma doença ao invés de um filho, Elizabeth? Onde estava com a cabeça quando transou sem preservativo? Quem te garantia que Justin estava limpo? São garotas burras como você que morrem todos os anos com AIDS.
Ele foi grosso, impiedoso e malvado nas colocações, como se fosse uma desfrutável, que sai por aí transando com qualquer um. Senti ódio naquele momento. Como ousava falar daquela forma comigo?
— Senhor... — Tentei falar e me defender. Não poderia ficar calada depois de tudo aquilo.
— Não! Não me venha com desculpas. — Eu me encolhi toda e Justin veio a minha defesa.
— Você não tem o direito de humilhá-la assim! — Ele apontou o dedo para o pai gritando — Só para saber, usamos camisinha e ela estourou. Foi a nossa primeira vez... Apenas um acidente. Ela não é nenhuma vagabunda... Pondere sua língua ao falar dela ou com ela.
— Não aponta esse dedo para mim, moleque! — O outro advertiu vociferando. — Para a sua informação muitas camisinhas estouram. É por isso que existem outros meios de evitar a concepção. Eu sou seu pai, mesmo você fazendo coisas que eu desaprovo, e por isso darei a última oportunidade. Não pense que faço isso por você. Só não quero que meus netos passem fome.
— Eu não quero a sua piedade! — Justin respondeu levantando-se da mesa e batendo as duas mãos com força.
Ninguém ousou dar um pio. Nem mesmo Jony, com suas brincadeiras habituais.
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— Eu não terminei moleque! — Justin parou e olhou para ele como se fosse fuzilá-lo com o olhar. — Você volta para a faculdade de direito no próximo semestre e conclui o curso.
A casa em que morávamos não foi vendida. Sua ―adorável‖ mãe não quis vendê-la, porque tinha a esperança de vocês se mudarem para lá. Vocês se casarão, direito, como se deve, e eu ajudarei nas despesas até você conseguir se formar e sustentar essa sua ―família tão numerosa‖. Essa é a última proposta. Se tiver juízo vai aceitar e fazer a coisa certa.
— E se eu não quiser? — Justin o desafiou.
— Estará abandonado à própria sorte. Sua mãe está PROIBIDA — Ele olhou para ela. — De ajudá-lo independente da situação. Se ela mover uma palha, esse casamento estará acabado. Todos me entenderam? Essa é a última palavra.
Ele se levantou furioso da mesa e saiu, deixando todos atônitos.
— Ó Meu Deus! Ó Meu Deus! O que vamos fazer? — Minha sogra começou a andar de um lado para o outro. Justin saiu desnorteado e sumiu. Eu fiquei ali, olhando para Jony, que estava com cara de assustado.
Estava sufocada. Muito sufocada. Não aguentava mais aquela casa. Precisava sair e respirar ar puro. Saí da casa e comecei a andar pelo quintal. A humilhação ainda ardia em minha face e provavelmente estava vermelha. Escutei passos atrás de mim e vi que Jony me seguia.
— Lizzy! Lizzy! Espera...
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— Eu não quero conversar, Jony. — Respondi para ele ainda desnorteada.
— E acha que ficar aí sofrendo adianta. — Ele respondeu. — Olha, eu conheço o meu pai. Sei que ele ama muito Justin para cumprir com o que prometeu. Será o avô mais babão do mundo. Então relaxa! OK? Isso tudo vai passar. — Tentou me tranquilizar.
— Ele não gosta de mim. Você ouviu tudo o que disse? — Respondi, magoada com as suas duras palavras. Tudo que fez sempre foi tentar me afastar de Justin. Como não me magoar?
— Ele traçou todos os passos para a vida do filhinho amado. Você veio e bagunçou tudo. Só está aborrecido, mas isso não significa que não goste de você. Está apenas descarregando. Só isso!
Eu não entendia como Jony conseguia ser condescendente com o pai daquela forma, mesmo sendo tão ignorado por ele.
— Você fala como se tivesse conhecimento de causa. — Respondi
— Eu tenho! Como você acha que eu me sinto? Faço todas as merdas possíveis para ele notar que eu existo, mas para ele só tem Justin. Se eu morresse hoje ele nem sofreria com isso, Lizzy. Eu sei que essas crianças serão mais amadas do que eu. Tenho certeza disso, então relaxa. Não fará bem para o meu sobrinho, ou sobrinha, toda essa tensão. — Passou a mão sobre a minha barriga de forma carinhosa.
— Como você pode dizer isso? Ele é seu pai!
Os olhos do menino encheram de água, mas ele engoliu o choro. Senti pena naquele momento.
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— Ele não me ama, Lizzy! Eu só nasci para que o seu querido Justin vivesse. Essa é a minha realidade e não sinto pena de mim. Um dia ele verá que é tarde demais para se aproximar. Agora eu só quero que tudo fique bem. Eu amo você e o meu irmão também...
— Hum! Fazendo declarações para a minha mulher, Jony? — Justin disse ao se aproximar de nós. Parecia bem mais calmo. — A propósito, eu também amo você — Nós três nos sentamos nas cadeiras brancas que estava ao redor de uma mesa próxima a piscina.
— Eu não disse nada disso! — Jony fez birra como criança mimada que não era.
— Você disse sim! — Justin respondeu.
Ele agia de forma brincalhona. Nem parecia ter vivido um confronto minutos antes.
— E Jony... Papai te ama. Da forma dele, ele te ama.
— Se você está dizendo. — Jony respondeu.
Justin o puxou, abraçou o forte e depois começou a bagunçar-lhe os cabelos.
— Ei! Ainda tenho um encontro hoje. Você está estragando os meus cabelos! — Reclamou se afastando dele.
— Tá namorando? Que bonitinho! — Justin começou a sacanear o irmão.
Pela forma como agia, parecia ter oito anos como ele. Achei graça daquilo.
— Agora não namoramos. Isso está ultrapassado, cara. Nós ―ficamos‖. Tá velho mesmo, heim! Fui!
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Dizendo isso, Jony se mandou e nos deixou a sós. Ficamos em silêncio por algum tempo, depois Justin ergueu uma das mãos, me chamando para o seu colo, e eu fui sem pestanejar. Sentei sobre sua perna e senti sua mão afagando o meu ventre. Ele me olhava de forma preocupada, parecia estar em um terrível dilema. Eu, por minha vez, sabendo o quão difícil tudo era, não perguntei nada. Apenas esperei que falasse. Precisava de espaço para tomar suas decisões, sem mais pressões do que já sofria.
A brisa suave do fim de dia assolava os nossos corpos, o dia já estava findando dando uma coloração azul escura ao céu, e o silêncio era tranquilizador. Estávamos os dois, ali sozinhos, conversando por meio dos olhares, e sabia que havia tomado a mais difícil decisão. Ele faria o que o pai havia ordenado. Não tinha muita saída naquela situação. Apesar das duras palavras, seu pai tinha razão no que dissera. Não dava para sustentar duas crianças com o que ganhava.
— Voltaremos amanhã para New Haven. — Ele começou. — A casa dos meus pais está vazia e nos mudaremos para lá. Farei a matrícula na universidade e abandonarei as aulas de música. Ninguém pode viver de sonhos, ainda mais em uma situação como essa.
Meu coração apertou vendo os seus olhos cheios de lágrimas naquele momento.
— Eu prometi que faria os dois felizes. Passou as mãos novamente e olhou para a minha barriga. — E vou cumprir. Serei o advogado mais infeliz do mundo, mas minha família não passará necessidade.
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Colocou a cabeça em meu ombro e ficou ali pensativo durante um tempo. Toda a mágoa foi transbordada naquele momento. Sabia o quanto era difícil acatar as ordens do pai, mas não o fazia por ele, e sim por nós. Mais uma vez o destino mudava o curso das nossas vidas. Não de forma irremediável, porém de forma dolorosa.
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Capítulo 17
— Deixa eu ver a minha bisnetinha! — Estico os braços em direção a Val e Giovanna. Faz alguns dias que não tenho contato com as duas. Giovanna cresce bastante rápido e nem parece ter apenas sete meses. Uma bebezinha tão linda, que encanta a qualquer pessoa. Valery, ou Val, como chamamos minha neta rebelde, filha de James, sorri ao caminhar pela cozinha apertada em minha direção.
Gio estica os bracinhos gordinhos para a vovó e começa a fazer sons engraçados, enquanto eu ameaço pegá-la. Percebo, ao olhar de soslaio, que Nicole está com ciúmes. Sempre houve uma disputa de atenções entre ela e Val, e depois do nascimento de Giovanna as coisas pioraram um pouco para o seu lado. Até o nascimento em breve do meu neto, filho de Amanda, já estava gerando uma guerrinha particular entre elas. Ambas queriam ser madrinhas e Amanda não sabia o que fazer com a questão.
— Nossa, como ela está gordinha. — Digo ao pegar Gio no colo.
Beijo as suas mãozinhas, suas bochechas, sua barriga enquanto ela começa a rir com aquilo. Todos na cozinha param para olhar a cena encantados.
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— Já decidiu o que fará da sua vida no ano que vem, Val? — Alice pergunta para ela.
— Ah, tia Lice, o que posso fazer? Eu tenho uma filha para cuidar. Como vou para a universidade com Gio tão pequena. Sei que sou apenas uma adolescente, mas ela no final das contas é minha filha. — Val responde com desapontamento evidente.
— Será pior se não for. Olhe para mim! — Ela aponta para si mesma. — Hoje tenho quatro filhos, uma casa, uma padaria e um marido fracassado para cuidar. E não foi por falta de aviso. — Alice guarda uma mágoa enorme no coração pelos seus erros.
— Você poderia ter ido para a faculdade, Alice. — Digo para ela enquanto brinco com Giovanna. — Não foi por rebeldia.
— Oh sim! Eu sempre fui a ovelha negra da família. — Ela responde em tom sarcástico.
— Você sempre quis desafiar e chamar atenção do seu pai. Sempre foi do contra e se havia algo que ele discordava você queria. Lembro-me que na porta da igreja ele disse que ainda havia tempo de desistir. Que a apoiaríamos e você poderia ter o seu filho, estudar e ter uma vida normal. Foi você quem não quis. O seu orgulho falou mais alto e agora você apenas vive da forma que escolheu. — Retruco.
— Mas Val tem outras opções. — Ela diz olhando para a sobrinha. — A mãe dela já disse que cuidará de Gio como se fosse sua filha. Seu pai continuará bancando os gastos dos seus estudos. Até o seu irmão é a favor de você ir para a Universidade. Não precisa ser como foi comigo...
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— Eita! — Diz Jimmy ao entrar na cozinha. — Lice dando lições de moral? A casa vai cair. — Ele diz todo zombeteiro e os outros gargalham.
— Por que a casa vai cair? — James pergunta ao entrar na cozinha. — O que está acontecendo? — Ele começa a fazer gracinhas para Giovanna, que se agita toda em meu colo e estica os bracinhos para ele soltando gritinhos.
— Alice está dando conselhos à sua filha. — Jimmy responde ao irmão de forma casual.
— Ó, Senhor! Poupe-me de mais dificuldades! — Ele fala erguendo as duas mãos para o céu e todos soltam gargalhadas.
— Eu já tenho problemas demais com a Val. Ela não precisa de conselhos seus, minha irmã. — James implica com Alice.
— Só estou dizendo que ela tem que ir para universidade. Vocês vão ficar com Gio e tudo correrá bem. Agora levar o mesmo destino que eu não é muito saudável. — Ela diz, amargurada com a vida que leva.
Não posso culpar minha filha, realmente é difícil cuidar de tantos filhos com uma renda não muito alta e ainda ter um marido que não quer nada com nada. No final das contas só podemos ajudar. Foi ela quem escolheu a sua vida. Mesmo Justin tentando impedir o casamento, brigando, gritando e ameaçando ela quis. Agora não pode reclamar que ninguém a ajudou ou tentou aconselhar.
— Não seja tão dramático!
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— Quer dizer que começaram a festa sem mim? — Ouço a voz inconfundível de Jony na entrada da tumultuada cozinha. — Isso é imperdoável.
— Tio Jony! — Nicole, que está mais próxima, se joga nos braços dele. Todos se agitam com a presença dele na casa.
— Oh meu docinho! Se soubesse que teria tanta saudade, ficaria mais tempo sem vir aqui. — Ele agarra e beija a sobrinha-neta.
— Pensei que chegaria mais tarde, Jony. — Digo para ele, ainda brincando com Giovanna no colo. Ela ainda faz gracinhas, esticando os bracinhos para o avô.
— E perderia essa confusão toda? Nem pensar! Essa deve ser a minha sobrinha bisnetinha Gio...
Ele coloca as duas mãos, de forma zombeteira, no rosto e fez cara de susto.
— Oh! Eu me sinto ainda mais velho! Justin fez um belo trabalho aqui, afinal. Isso é que se chama de procriar... — Gargalha.
Mesmo para um cinquentão, Jony está bem conservado e ainda lindo como sempre. Olho para ele e me lembro de Justin há uns anos atrás. Meu cunhado continua com o mesmo espírito brincalhão de sempre. Nunca o vejo triste e sem um sorriso no rosto. A vida foi mais difícil para ele em alguns aspectos, mas Jony conseguiu superar todos os problemas e hoje é um dos cientistas mais famosos dos Estados Unidos.
Trabalha para o governo em pesquisas de ponta e mesmo assim não deixou o peso das responsabilidades mudarem o que ele
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é. Acho que isso é um dos fatores que me fazem amá-lo cada vez mais, como se fosse um filho, apesar da idade.
— Minha cunhada querida, mesmo com a idade, continua gostosona. Como você consegue manter essa cútis, Lizzy? — Consegue passar pelas pessoas e depois me beija suavemente no rosto.
Pega Giovanna no meu colo e começa a jogar para cima.
— Gatinha hoje você vai arrepiar. — Ele começa a dizer para ela. — Seu avô é muito careta e preciso te mostrar alguns truques.
Giovanna está quase se mijando de tanto rir com Jony.
— Você gosta disso? — Ele começa a assoprar na barriguinha dela. — E disso? — Volta a jogá-la para cima.
Acho graça do seu jeito. Mesmo após cinquenta anos continua exatamente o mesmo.
— Tio Jony, ela vai se mijar desse jeito. — Val diz para o tio-avô, que nem dá importância ao que ela diz.
— Val, meu docinho, você aguentou as torturas de tio Jony e Gio não passará mal comigo. — Responde brincando com a criança em seu colo. Val assente com a cabeça.
— Jony, ela vai passar mal. — Digo para ele ao ver Giovanna em lágrimas de tanto rir.
— Tá bom! Tá bom! Oh, gente careta essa. — Ele resmunga e passa Giovanna para o colo de Val.
— E você minha bela flor. Como vai meu outro sobrinho neto? — Ele caminha para Amanda, ajoelha-se diante dela e faz carinho na barriga.
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Jony sempre teve um xodó especial por ela, que nasceu dois anos depois dele ter perdido a filha de quase dois anos. Foi uma época difícil, quando vi Jony caído aos trapos pela primeira vez. Nem na morte dos pais ele sofreu tanto. E Amanda foi como um bálsamo para ele. Ele costumava a brincar e chamava-a de ―minha filha sobrinha‖.
— Esse garotão? — Olha sério para ela por algum tempo.
Ela o abraça e beija no rosto. Ficam se olhando antes de voltarem à conversa.
— Está doido para sair. Eu também ando ansiosa demais. — Responde para ele.
— Tio, trouxe presentes? — Nicole pergunta toda serelepe como sua mãe sempre fazia.
— Tem presentes no carro. Vocês podem ir ajudar Susan a trazê-los.
Quando ele fala, a cozinha praticamente se esvazia. Ficamos só ele, Amanda e eu.
Depois de algum tempo vamos para a sala. Justin está brincando com Megan e quando vê o irmão entrar seu semblante muda. Parece que uma luz se espalha à sua volta. Fica radiante com a presença de Jony e é evidente que agora, já se sente em paz para partir.
Jony olha assustado para o irmão, vendo como em poucos meses ele se acabou. Seus olhos se enchem de lágrimas e ele se esforça para não chorar. Caminha até Justin, ajoelha-se ao seu lado, pega a sua mão e a beija.
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— E aí? Segurando firme essa onda? — Ele pergunta, tentando colocar um tom brincalhão, mas percebo que está sem graça.
— Estou quase partindo, irmão... — Justin sussurra com a voz fraca.
— Você não está partindo. É só uma fase, Justin. Lembra o que me disse quando nossos pais morreram? Você disse que cuidaria de mim e não pode ir agora. Ainda tem tanto para viver. Você precisa lutar... Olha, eu estou trabalhando nessa doença todos esses meses e vou encontrar uma forma de você viver... — Ele engole em seco e para de falar.
Meus olhos ficam cheios de água novamente. Passo a mão neles para evitar chorar. Amanda, ao meu lado, pega a minha mão e segura forte. Meu coração está doendo muito com essa cena. Fecho os olhos bem forte, tentando me controlar enquanto ouço a conversa.
— Eu fui feliz... Eu sou feliz... Vou em paz. — Jony se levanta de repente e vem para mim completamente desconsertado com as palavras do irmão.
— Lizzy, minha cunhada linda, já disse que a cada ano você fica mais maravilhosa? — Ele me abraça forte e me beija.
Ele está destruído. Sei exatamente como se sente, porque é a mesma dor que sinto. Ele tenta encontrar forças em mim para aguentar aquilo tudo.
— Você continua cantando minha mulher... — Justin sussurra.
— Sempre! — Jony responde limpando as lágrimas que rolam pelo seu rosto.
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— Vai cuidar dela... — Justin pede olhando para um ponto distante da sala.
— Prometo! — Ele olha para o lado e começa a chorar.
— Vou ajudar minha esposa com as crianças. Elas vão deixá-la maluca.
Ele sai de supetão da sala e me deixa com Amanda e Justin. Olho para o meu marido, que parece emocionado, não triste. Ele me devolve um olhar lânguido. Caminho até ele, seguro no apoio da cadeira de rodas e a empurro para a varanda. Está muito pesada, mas o sacrifício é válido para vê-lo feliz. Amanda volta com James, que segura minha mão e pede passagem para empurrá-lo. Assinto com a cabeça e sigo atrás deles.
Na varanda, Jony está olhando para o tumulto ao redor do seu carro. As crianças, sua esposa, minhas noras, genros e filhos estão lá ajudando a tirar e separar os presentes. Uma bela confusão, como é do feitio de Jony, sempre que vem nos visitar. Ele pega a minha mão e beija. Trocamos um olhar bem cúmplice naquele momento.
— Vocês fizeram um belo trabalho aqui, Lizzy. Quatro filhos, dez netos e uma bisneta... Uma bela família. — Ele diz, emocionado com a visão.
— Esqueceu do cunhado, da cunhada e do sobrinho... E falando nisso, cadê o seu filho? — Pergunto. As meninas convocaram todos para o jantar e ele não faltaria à ocasião.
— Ele tinha uma reunião no trabalho e não pôde vir cedo. Pegará um avião mais tarde. Prometeu não faltar a esse jantar.
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— E como vai o namoro? — Pergunto. Meu sobrinho começou um namoro, aparentemente sério. Mas é muito reservado com esses assuntos. Fica difícil de saber o que se passa em sua vida.
— Sabe bem que ele é como o pai. Vai curtindo, namorando e levando a vida. Acho que meu filho só deve se casar depois dos quarenta. — Responde casualmente.
— Vocês estão cochichando... — Justin sussurra incomodado por não participar da conversa.
— Estamos falando de família, meu bem. — Agacho-me diante dele, pego sua mão e a beijo. — Já passamos dessa fase de ciúmes, né amor? — Ele ri, achando graça.
Desde sempre Justin finge ter ciúmes de Jony e o irmão brinca com isso. É uma coisa boba que torna a vida mais divertida para nós três.
— Ele sempre teve uma queda por você... — Ele sussurra com os olhinhos brilhando de felicidade para o irmão. Jony vira o rosto para onde estão as crianças. É orgulhoso demais para deixar Justin perceber que está prestes a chorar.
— Não nego! — O outro responde todo zombeteiro.
— Pai, o meu bebê está mexendo. Oh!
Amanda, que está do outro lado da cadeira de rodas, pega a mão do pai e coloca na barriga. Justin chora nesse momento. Engulo em seco, viro meus olhos para cima e me forço a não chorar. Está tão difícil segurar a emoção nesses dias. Não sei quanto tempo irei aguentar firme e forte. Sinto-me fragilizada demais.
— Eu queria tanto...
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As palavras de Justin morrem no meio. Sei bem o que ele queria. Aliás, todos sabem que não foi ainda porque espera ver o neto nascer. Amanda começa a chorar e abraça o pai.
— O senhor o verá nascer, papai! — Ela diz, chorando enquanto o beija.
De perto do carro James observa a cena com a expressão triste e percebo que Jony também está chorando. Tudo muito triste, apesar de todos disfarçarmos a dor. Justin fica acariciando a barriga da nossa filha enquanto olha para mim.
Fecho os olhos e me lembro... Como me lembro bem daqueles dias.
Uma casa nova, nova vida e um futuro pela frente. Tudo aconteceu muito rápido depois que voltamos a New Haven. A minha adorável sogra e Jony vieram conosco para nos ajudar com os preparativos do casamento. Fizemos uma lista de convidados bem pequena, ao todo foram 30 pessoas contando com os poucos parentes que ele tinha e a minha mãe. As duas semanas que se seguiram foram uma verdadeira loucura. Conseguimos a capela da universidade, preparamos um almoço em casa mesmo e até tive o meu vestido de noiva. Apesar do cansaço foi um verdadeiro sonho.
Justin e eu nos casamos em uma cerimônia muito simples, mas carregada de amor. Nem a falta do meu sogro conseguiu apagar o brilho daquele acontecimento. As palavras que trocamos no altar foram verdadeiras promessas, que já havíamos feito anos atrás. Ele me olhava como se fosse o mais belo dos diamantes e eu me sentia realmente afortunada por tê-lo finalmente para mim. Dizer que
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estava feliz era pouco. Realmente não sei como não explodi de felicidade.
— Eu prometo te amar, respeitar, ser fiel para sempre, Elizabeth. Serei seu amigo e companheiro, seu amor e amante, o pai dos seus filhos e o avô dos seus netos. Quando você chorar estarei ali para enxugar cada lágrima, se você sorrir aquele será o meu riso, quando estiver com medo segurarei a sua mão. Não haverá dificuldade que não enfrentaremos juntos. Prometo te dar o meu melhor sempre e quando você não estiver nos seus melhores dias, prometo ser compreensivo e te ouvir, me afastar se for o teu desejo ou apenas ficar calado ao seu lado para que se sinta amparada. Sempre estarei contigo, mesmo depois da minha morte... Eu te amo Elizabeth Stone... Para sempre te amarei.
Ah, como eu chorei. Chorava tanto que mal conseguir dizer os meus votos. Foi tudo tão lindo e perfeito naquele dia que apesar de nublado, estava radioso. Fiz os meus votos de forma rápida, ainda gaguejando e depois nos beijamos de forma apaixonada, como se não houvesse ninguém mais ali. Aquela capela era só nossa.
Nossas bocas se colaram e Justin foi mordicando primeiro a parte inferior dela, depois com movimentos suaves se apossou de toda ela. Um beijo cálido, delicado e cheio de amor. Ele apertou forte o meu corpo, como se não quisesse a distância entre nós e pude sentir sua excitação crescendo. Pediu passagem para a sua língua e começou a serpenteá-la sobre a minha em uma batalha deliciosa. Explorou cada canto da minha boca, aumentando a urgência no seu beijo e quando percebemos, estávamos completamente excitados e
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perdidos naquele altar, enquanto o padre tentava chamar a nossa atenção.
Fomos despertados por uma salva de palmas e quando percebei a situação constrangedora, senti minhas bochechas arderem de vergonha.
As palmas não pararam por alguns instantes, Justin me puxou pela cintura e me abraçou forte, sussurrando no meu ouvido:
— Feliz, sra. Stone?
Ouvi-lo me chamar daquele jeito soou estranho em um primeiro momento. Ali a ficha caiu e percebi que era definitivo. Estávamos casados, felizes e com um filho a caminho. Nada poderia estragar a nossa felicidade. Ao menos era o que meu coração dizia, mas até o coração às vezes se engana.
Sai da igreja de braços dados com o ―meu marido‖ e uma chuva de arroz caiu sobre nossas cabeças. Os nossos convidados sorriam e nos cumprimentavam. Tudo estava perfeito, até um carro parar diante da capela cantando pneu e a dona dele descer furiosa... Melissa.
Ela começou a aplaudir e todos pararam para ver a cena ridícula que fazia. As palmas ficavam cada vez mais fortes e o olhar furioso que me enviou fez subir um frio em minha espinha. Justin apertou a minha mão e sussurrou:
— Ficará tudo bem.
— Parabéns, Elizabeth! Meus parabéns! Você realmente conseguiu tirá-lo de mim. Do nada apareceu grávida e o arrastou para o altar. Agora senhoras e senhores eu pergunto: E eu? E o MEU filho? O que será dessa criança... — Apontou para a sua barriga, de
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quase cinco meses, já grandinha. — E ELE? Eu digo a vocês. — Apontou furiosa para Justin. — Você não verá essa criança nunca! Não chegará perto dele NUNCA! ELE pagará por esse desaforo, Justin. Isso eu te juro! — Deu as costas e saiu batendo os pés no chão.
Todos olhavam sem graça para nós dois. Justin agiu como se nada houvesse acontecido e continuamos a cumprimentar os convidados constrangidos. Depois fomos para o carro e seguimos para a nossa casa.
— Ela é maluca. — Sussurrei enquanto Justin dirigia.
Meu corpo ainda tremia e senti que ele também estava tremendo ao colocar a mão sobre o braço.
— Não quero lidar com Melissa hoje. Esse é o nosso dia e quero aproveitá-lo com você. Temos ainda quatro meses até o bebê dela nascer e um processo judicial para enfrentar. Vamos pensar agora em nós, no nosso futuro, na nossa vida e no nosso filho. O resto se ajeita com o tempo. — Disse com tom de amargura e depois se calou.
O resto do dia transcorreu bem, recebemos os convidados, comemos, dançamos, brindamos, tiramos fotos e quando tudo acabou eu estava exausta. Justin me levou no colo para o ―nosso quarto‖, ajudou-me a tirar o vestido, depois fomos para o banheiro e tomamos um relaxante banho juntos. Fizemos amor gostoso debaixo da água do chuveiro, trocamos mais juras de amor, ele conversou com o filho em minha barriga e finalmente fomos para a nossa cama dormir. Até ali tudo parecia um sonho. Eu nem acreditava que estava realmente casada.
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Três meses haviam se passado e nossa vida de casados era feliz e agradável, apesar de todas as dificuldades financeiras. Estávamos curtindo a gravidez, completamente apaixonados pelo nosso bebê, e Justin às vezes parecia em estado de surto. Queria fazer tudo para que a sua chegada fosse perfeita. Era difícil contê-lo em alguns momentos.
— Lizzy! Lizzy! — Escutei a voz de Justin gritando na porta de casa.
Ele parecia realmente agitado. Limpei as mãos no pano de prato, coloquei o sobre o balcão da cozinha e fui para a porta. Ele estava tirando umas caixas do carro enquanto me chamava.
— O que foi, amor? — Perguntei ao abrir a porta.
— Tenho uma surpresa. Passei por uma loja, que estava em liquidação e comprei várias coisas para o quarto do bebê. As mais pesadas chegarão depois, mas essas eu resolvi trazer.
Ele tirava algumas sacolas do carro e caminhava para a porta, onde estavam as caixas.
— Você é louco! Não podemos gastar dinheiro agora, Justin. — Eu o adverti. — Me deixa levar uma sacola. — Pedi, mas ele negou com veemência.
— Nada disso! Você não pode carregar peso, meu anjo. Está com cinco meses e precisa cuidar bem desse garotão. — Colocou as sacolas em cima de uma das caixas, ajoelhou-se diante de mim e começou a beijar a minha barriga. Ele sempre fazia isso independente do que tinha que estudar ou traduzir. A nossa vida não era nada fácil naquele período,
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Justin mal dormia à noite com tanta coisa para estudar e traduções para fazer. Ainda tinha um novo estágio, que não pagava muito, mas era uma renda extra no final do mês. Com os pais bancando as despesas da faculdade, médicas e gasolina para nossos carros, o dinheiro que ele ganhava com as traduções para editora e o estágio comprava alimentos, pagava água, gás e o enxoval do nosso filho. Apesar de termos ganhado muita coisa de amigos e das nossas mães. O quarto, no entanto, ainda não estava pronto e Justin queria fazer uma decoração legal.
Quase surtei quando vi as caixas; apesar disso, brigar com ele só o faria se sentir pior. Eu o compreendia e fazia o possível para ajudá-lo. Entendia quando não tinha tempo para me dar atenção e não reclamava. Justin sempre que conseguia era atencioso e adorava conversar com o nosso bebê. Às vezes acordava com ele massageando a minha barriga enquanto conversava com ele.
— Quero ver o que comprou para Jorge. — Disse para ele, passando as mãos pelos seus cabelos negros, enquanto beijava a minha barriga.
— Muitas coisas! Não quero que se preocupe com as despesas. OK? Peguei mais traduções para fazer e entrará uma grana boa esse mês. Agora me deixe levar essas coisas para o quarto do meu filhotinho.
— E como foi a prova? — Perguntei. Estava curiosa para saber das coisas, mas ele sempre ocultava de mim, para evitar preocupações.
— Tirei de letra. — Ele respondeu como se não houvesse importância.
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— Eu me saí bem nas minhas provas também. Acho que será um período fácil para eu passar. — Caminhei atrás dele enquanto carregava algumas sacolas. — E também consegui um estágio.
Eu sabia que Justin não concordaria com aquilo. Ele não queria que eu trabalhasse enquanto estivesse grávida. Achava que estudar já era muito esforço para mim, mas sabia que precisava do período de experiência e da grana para ajudar em casa. Discutimos muitas vezes, mas ele não cedeu.
— Já conversamos sobre isso, Elizabeth. — Ele respondeu com tom de advertência.
— Você sabe que eu quero trabalhar em uma revista ou editora. Sempre quis isso, amor. E agora é a oportunidade. A editora-chefe me aceitou mesmo grávida e sei que dará certo. Trabalharei cinco horas no período da tarde fazendo revisão de artigos de uma revista de esporte. Não é muita coisa, mas já é um começo. Diz que sim! — Implorei.
— Você não ficará andando de um lado para o outro, subindo e descendo escada? Não vai pegar peso ou fazer qualquer coisa que prejudique você e o nosso filho? — Ele parou de frente para mim, diante da porta do quarto de Jorge e perguntou com ar preocupado. Podia ver a tensão em seu rosto, sempre muito preocupado comigo.
— Não! Eu prometo! Por favor, vai! — Comecei a bater palminhas toda animada.
— Tudo bem, Lizzy! Você venceu... Mas... — Hesitou antes de completar.
— Mas o quê? — Perguntei arqueando uma das sobrancelhas.
— O dinheiro que ganhará é apenas para você. —
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Pensei em discutir, mas sabia que não venceria naquilo e já havia conseguido algo. Era melhor ver como as coisas se ajustariam com o tempo. Assim eu concordei. Ao menos ganhei a batalha, por ora.
Justin colocou as sacolas no chão do quarto e saiu para buscar as caixas. Pouco a pouco trouxe todas e quando terminou se deitou comigo no chão, sobre o carpete. Começamos a abrir os pacotes e eu adorei cada uma das roupinhas, sapatinhos e brinquedinhos que ele comprou. Tudo muito delicado e em tons de azul. Também havia objetos de decoração e papéis de parede. Fiquei super animada para arrumar tudo com
Justin, mas estava quase na hora do seu estágio e ele tinha que ir. Beijou-me alguns minutos, fez carícias delicadas em minha barriga e conversou com o filho. Depois foi embora me deixando ali com todas as coisinhas que havia comprado. Minha vida era quase perfeita, apesar de tudo.
O telefone estava tocando há algum tempo. Eu estava tomando banho e não tinha como atender. Desconfiava que era Justin avisando que chegaria um pouco mais tarde. Assim que terminei de me arrumar, fui para a mesinha de cabeceira e peguei o celular. Havia algumas ligações e uma mensagem de texto: ―Melissa entrou em trabalho de parto.‖
Meu estômago se revirou e me senti insegura. Certamente Justin estava lá e ficaria todo derretido com o filho. Ela se aproveitaria disso para afastá-lo de mim. Fiquei algum tempo pensando, me sentindo uma tola por ter ciúmes de um bebê.
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Passado algum tempo resolvi finalmente ligar para saber como estavam as coisas.
O telefone chamou quatro vezes, mas ele não atendeu. A conclusão que me veio naquele momento foi de que estaria presente no parto.
Tentei estudar, comer e assistir televisão, mas não consegui. O tempo foi passando rapidamente e já eram quase dez da noite. Justin não deu mais notícias e fiquei ainda mais nervosa. Fui para a cama dormir, só que o sono simplesmente não vinha. Quando já estava pegando no sono, senti as suas mãos quentes tocando minhas costas e um leve beijo em minha cabeça.
Eu me virei de lado e o vi me observando.
— Justin... — Sussurrei um pouco sonolenta.
— Ele é lindo e perfeito. — Ele abriu um enorme sorriso para mim e seus olhos tinham um brilho diferente.
Comecei a sentir insegurança novamente o observá-lo. Não sabia se reagiria daquela forma quando nosso filho nascesse. Foi tão estranho e mesquinho aquele sentimento, que me deixou até mesmo envergonhada por pensar daquela maneira.
— ―Meu filho‖ é maravilhoso, lindo e parece comigo. Queria passar o resto da noite lá olhando para ele. E quando ele saiu e começou a chorar... Eu não aguentei, amor. Eu chorei tanto com aquele pedacinho de gente nos meus braços. Nem consigo acreditar que sou pai. Você tem noção do que é isso, amor? Pai! Eu sou pai! — Ele apontou para sim e continuou falando alguns minutos intermináveis como James era lindo, parecido com ele e como se sentia.
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Foi tão estranho para mim. Pela primeira vez senti uma inveja danada de Melissa. Algo que me corroía até a alma. Fechei os olhos e tentei dormir. Porém o meu sono já havia ido embora e não conseguiria apaziguar o meu coração. Foi uma noite muito longa e cansativa. Justin praticamente não dormiu, fazendo traduções na escrivaninha que ficava no canto do quarto e eu o observei mais leve, relaxado e vendo que às vezes ele resmungava e ria, dizendo algo como: eu sou pai.
Na manhã seguinte eu não o vi. Quando acordei, já havia saído para o hospital. Deixou um bilhete dizendo que queria ver o filho antes de ir para Yale e voltaria para me buscar em duas horas. Fiquei ainda mais angustiada com aquilo. Nunca, desde que nos mudamos, Justin saiu sem falar comigo e me beijar. E normalmente era ele quem me levava para a universidade, uma vez que achava perigoso eu dirigir. Quando tinha que ir mais cedo, pedia a um dos amigos para me pegar ou chamava um taxi. Fiquei realmente surpresa por ter saído de forma tão inesperada. O meu café da manhã mal desceu aquele dia e o ciúme ainda queimava em meu coração. Eu me senti a pessoa mais desprezível do mundo por ter ciúmes de um bebê recém-nascido. Eu só não imaginava que em pouco tempo aquele bebê seria minha tábua de salvação.
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Capítulo 18
Abro a porta do quarto e me deparo com ele, ali fragilizado, chorando e com uma expressão de destruição no rosto. Quando foi que o vi assim? Faz muito tempo. Sim! Ele ainda era um adolescente, com seus quinze anos, cheio de vida, vigor e planos para o futuro. Isso também ocorreu anos depois, quando Jony teve o seu primeiro descuido na vida e engravidou uma jovem... Dois anos depois a sua filha morreu de uma estranha doença que paralisou o seu sistema nervoso central. Veja bem, os acontecimentos ocorreram em tempos distintos, mas a expressão de dor que vejo agora é a mesma. Exatamente a mesma.
Caminho até ele e o abraço. Ele me aperta forte e chora como criança. — Cadê Susan? — Pergunto. — Por que está aqui sozinho desse jeito? — Acho essa frieza dela bem estranha.
— Minha esposa não tem culpa do que está acontecendo. — Responde mal criado. — Pedi para que me deixasse só.
Fico indignada. Sim! Como ela pode vê-lo daquela forma e não ampará-lo? Tudo bem que em certos momentos Jony é reservado. Eu sempre consegui romper essa barreira e chegar até ele, mas ela é a esposa. Por que não está amparando o marido?
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— Eu estou sozinho, Lizzy! Sozinho! Todos se foram... — As últimas palavras saem com forma angustiante de sua boca. Ele mal consegue falar e chora como uma criança. Amparo-o melhor que posso e choramos juntos.
— Você nunca esteve sozinho, Jony. Sabe bem disso. — Respondo aos prantos. — Justin e eu sempre estivemos com você. Sempre...
Eu me lembrei de um dos momentos mais difíceis da vida dele. Foram sete anos depois do meu casamento com Justin. Jony tinha quinze anos e se sentia só com a perda dos pais. Aquele foi um tempo difícil para todos nós. O casamento dos meus sogros não estava bem. Definitivamente depois de tantos anos vivendo com alguém intolerante e intransigente deixou minha sogra abalada. Não sei o motivo real daquela briga, mas desconfio que foi a escolha de Jony. Ele queria estudar química em Harvard, mas o pai não aceitava. Aos quinze anos, Jony como era dotado de uma inteligência excepcional, já havia se formado e obteve aprovação de todas as universidades para as quais havia se candidatado.
O pai, como sempre se impondo, quis que fosse fazer medicina em Yale. Como Justin nunca teve aptidão para a coisa, ele colocava as expectativas no filho mais novo, aquele a quem nunca dirigiu uma palavra de amor ou um gesto simples de afeto. Acho que aquilo foi a gota d’água e minha sogra queria a separação.
Os dois acabaram se entendendo, de alguma forma, e decidiram fazer uma viagem de lua de mel para tentar ajustar a vida conjugal. Naquela ocasião, nós insistimos que Jony passasse um tempo em nossa casa. As crianças o adoravam, era o verdadeiro
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ídolo para os sobrinhos James, com seis anos, e Jimmy, com quatro. Alice ainda tinha seus dois aninhos, mas quando ele chegava perto, ela era só alegria. Eu ficava perplexa com a capacidade que Jony tinha de domar as ferinhas e deixá-las tranquilas.
Foram semanas maravilhosas que tivemos em seu convívio e ele era como nosso filho mais velho. Tudo muito bom e perfeito. Não havia um motivo para reclamação.Pelo contrário, o quarto sempre arrumado, a casa organizada, as crianças tranquilas, ele estudava muito e às vezes saía para o shopping para jogar naquelas máquinas super engraçadas.
Os meus sogros fizeram um tour pela Europa ocidental, curtindo especialmente a Portugal, França, Espanha e Itália. A Sra. Vanessa sempre me enviava emails com as fotos da viagem e relatava os costumes dos habitantes locais, os lugares por onde passaram e as coisas que mais gostavam. Ficaram praticamente todo o mês de março em viagem e antes de voltarem, ela pediu para passar uma semana na Grécia. Era o seu sonho conhecer o que havia restado dos templos gregos. Os dois partiram de Roma numa manhã de sexta-feira com destino à Grécia e retornariam dentro de oito dias para casa. Aquela manhã, no entanto, mudou completamente o destino de todos nós.
Eu estava no escritório, cuidando de alguns contratos de Justin. Como sua empresária recebia vários contratos com propostas de show, comerciais, fotos para propaganda entre outras coisas. Ele estava no início da carreira, apenas com dois DVDs, lançados nos Estados Unidos. Algumas gravadoras de outros países me contataram, com propostas de lançamentos e turnê naquelas
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localidades. Era muita coisa para analisar e resolver. Eu não tinha muita experiência na coisa e estava bem enrolada naquele período, mas sabia que precisava fazer algo. Havia abandonado o meu emprego como editora-chefe de uma revista, Justin não trabalhava mais como advogado e o dinheiro não era suficiente, com tantos gastos que fazíamos para a divulgação do seu trabalho.
Naquela manhã Justin estava em um estúdio, fazendo gravações para uma propaganda, as crianças estavam na creche e Jony na biblioteca estudando. Quando o telefone tocou e o homem da companhia aérea, com um tom cerimonioso me perguntando se era da família Stone, meu coração disparou.
A notícia foi dada sem o menor cuidado ou demonstração de sentimento. Ele apenas me perguntou se havia visto as últimas notícias na televisão e se era parente de Jonathan e Vanessa Stone. Depois informou que o avião em que viajavam para a Grécia caíra no Mediterrâneo e que estavam fazendo buscas, mas a chance de encontrar algum sobrevivente era nula. Não consegui falar. Um nó se formou na minha garganta.
Chorei tudo o que podia enquanto estava sozinha. Sabia que precisava de forças por Justin, Jony e as crianças. Não havia como ser diferente ali. Mesmo as crianças, que entendiam pouco da vida, adoravam os avós e sofreriam com a perda.
Deixei meu corpo abandonado ao desespero na cadeira do meu escritório. Quando me acalmei, finalmente, liguei para Justin e pedi para pegar as crianças na creche para mim, e Jony na biblioteca; e esperei que todos chegassem. Consegui ir até o banheiro do meu quarto, lavei o rosto inchado e fiquei me observando. Sabia que
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mesmo com maquiagem não haveria como esconder que havia chorado.
Fui para a sala, sentei no sofá e esperei...
— Mamãe! — Jimmy veio correndo até mim e se jogou sobre os meus braços. Beijei o rosto do meu filho e fiz carícias em suas costas. James, todo ciumento, aconchegou-se de mansinho e o abracei também. Fechei os olhos e tentei não olhar para Justin e Jony parados na porta observando. Enquanto me refugiava em meus filhos, ouvi os passos lentos de Justin e abri os olhos para observá-lo.
— Você está bem? — Ele me perguntou enquanto ninava
Alice, que dormia em seu colo. Balancei a cabeça em sinal de negativo e ele assentiu. Jony se aproximou e sentou na outra poltrona.
— Por que não coloca Alice no berço? — Pedi ainda com a voz chorosa.
— Tudo bem! — Ele se distanciou e Jony, fitando-me com olhar de medo e ao mesmo tempo ansiedade, falou:
— O que aconteceu, Lizzy? Por que pediu para Justin ir pegar a mim e as crianças?
Virei o rosto para o outro lado e segurei o choro. Não queria encará-lo. Não podia...
— Espera Justin voltar... — Sussurrei com a voz fraca e depois comecei a falar com as crianças. — Por que vocês dois não vão brincar lá no quartinho de vocês? — James fez que não com a cabeça e retrucou:
— Estava chorando, mamãe? — Eu neguei com a cabeça e engoli em seco. Se ele havia percebido, imagina Jony e Justin.
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— Não chora mais, mamãezinha! — Jimmy pediu e me beijou. Meus olhos encheram de lágrimas imediatamente, engoli em seco novamente, forcei as pálpebras para cima, com intuito de evitar que as lágrimas caíssem, mas foi em vão. Os pequenos começaram a chorar comigo e me abraçaram. Jony se aproximou e sentou ao meu lado. Colocou a cabeça no meu ombro e fez carinho em meus cabelos. Quando Justin chegou à sala,
estávamos assim. Ele olhou sem entender nada e perguntou.
— O que aconteceu, Elizabeth?
Pressionei os dentes superiores sobre a parte inferior dos lábios, chorando muito naquele momento, apertei meus filhos naquele abraço, Jony já estava chorando também e Justin ficou ali, parado como estátua, mais branco do que gesso nos observando.
Não sei se conseguiu juntar dois e dois logo, mas em momento seguintes começou a chorar e nos abraçou. Não foi preciso dizer nada. Ele sabia perfeitamente o motivo daquele choro incontido.
— James, leve o seu irmão para o quarto. — Justin pediu de forma suave, mas os meninos não me soltavam.
— A mamãe está passando mal e precisamos cuidar dela. — Ele tentou novamente e pouco a pouco os braços de James soltando.— Não posso cuidar dela, papai? — Ele pediu chorando, mesmo sem saber o motivo daquilo tudo.
— Eu também quero cuidar da minha mãe. — Jimmy fez beicinho e me agarrou forte.
— Eu preciso conversar com a mãe de vocês. Depois vocês ficam com ela o tempo que quiserem. Agora vão brincar no quarto. — Ele disse de forma severa e os dois me soltaram.
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Caminharam para a porta, olhando para trás de tempos em tempos. Então quando ficamos sós, Jony perguntou finalmente como havia acontecido.
— Como eles morreram? — Sua voz saiu estrangulada pelo choro.
Ele se deixou cair no sofá e chorou muito. Eu não conseguia falar nada e Justin me olhava, suplicando uma explicação que não conseguia dar.
— O avião... — Sussurrei. — Liga a TV. — Justin me abraçou forte e começou a chorar muito, alto e forte.
— Ahhh! Ahhh! Não! Não! Por quê? Não! Ahhhh — Ficamos os dois ali abraçados e chorando por um longo tempo. Quando consegui me acalmar finalmente e virei o rosto para Jony, ele não estava mais no sofá conosco.
— Jony... Jony... — Minha voz saiu como um lamento sufocante.
Justin olhou para o lado e não o encontramos. Jony havia sumido.
— Justin você tem que achá-lo. — Disse desesperada, temendo o que ele poderia fazer.
Ele olhou na sala e começou a vasculhar os cômodos da parte inferior da casa, mas não o encontrou. Depois subiu as escadas e foi procurá-lo no quarto. Eu, finalmente, consegui me levantar e fui atrás dele. Quando cheguei ao quarto, os dois estavam abraçados no chão, perto da janela como duas crianças.
— Eu não tenho mais ninguém... Estou sozinho agora. — Jony chorava muito enquanto dizia aquelas palavras.
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Meu coração estava sangrando ao ver a cena. Queria tirar aquela dor dos dois. Por mais que estivesse sofrendo com aquilo tudo, minha dor não era comparada à deles, que eram os filhos. Caminhei até eles e os abracei.
— Você nunca esteve e nunca estará sozinho. Nós estaremos sempre com você. Você não quer ser nosso filho? Sempre disse isso... — Disse beijando o topo da sua cabeça. — Nós cuidaremos de você, meu irmão. Você sabe que te amo e nunca te abandonaria. Você ficará morando conosco até se decidir para onde vai estudar. E sempre estaremos perto... Sempre! Eu prometo.
— Eu também amo vocês... — Ele sussurrou se apertando ainda mais nos braços de Justin. — Ele nunca disse que me amava... Nem uma vez... — E chorou por um bom tempo.
Meu coração doía ainda mais por vê-lo daquele jeito. Sempre quis a aceitação do pai e nunca teve. Foi tarde demais para os dois. Ali fiquei pensando em minha mãe. Nunca fui capaz de perdoá-la e aceitar as suas atitudes, mas era minha mãe. Um dia não estaria mais no mundo para receber e pedir perdão. Depois do casamento com Justin nós nos afastamos ainda mais e nunca dissemos essas palavras. Aquilo me fez pensar em como somos orgulhosos e como um dia pode faze a diferença. Você pode olhar para trás e ver que o que deixou para o dia seguinte simplesmente fez toda a diferença. Jony e o pai nunca disseram que se amavam. Acho que ele até queria dizer isso, mas foi deixando o tempo passar e então era tarde demais para perdoar e ser perdoado.
Aprendi uma grande lição naquele momento. Você tem que amar, perdoar e ser perdoado quando ainda há vida. Não deixar o
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orgulho, ressentimento e crises familiares impedirem de fazer isso é o mais importante. Um dia seus pais e seus irmãos não estarão mais lá e o arrependimento vai lhe acompanhar pelo resto da vida. Foi isso que aprendi com Jony e meu sogro... O valor do perdão.
— Nosso pai te amava. — Justin disse. — Só era cabeça dura demais para aceitar isso. No final das contas você foi sempre mais parecido com ele do que eu. Sempre tive o temperamento brando, calmo e aceitei tudo o que ele queria. Você era a cópia dele em todos os sentidos. Até mesmo no gênio e na inteligência. Por que ele acha que brigou tanto para que você cursasse medicina? — Ele perguntou a Jony.
— Eu tentei, Justin... Tentei me aproximar, mas ele sempre me afastou. — Voltou ao choro compulsivo enquanto nós dois abraçávamos afetuosamente. Ouvimos a porta ranger e olhei para o lado. Os meninos estavam chorando na entrada da porta. Caminharam até nós, sentaram-se bem perto e nos abraçaram.
— O que aconteceu com meu avô? — James perguntou soluçando, cortando meu coração.
— Seu avô e sua avó foram para o céu. Eles agora estão vivendo pertinho de Deus. — Disse para meu filho, sem saber muito como explicar sobre a morte. Eu me sentia completamente vulnerável e inexperiente.
— Ele morreu? — Jimmy perguntou passando a mãozinha no meu rosto.
— Na televisão o homem diz que um monte de gente morreu num avião. — James tornou a interrogar. Crianças são bastante
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perceptivas e bastou juntar os fatos para saber que aquela notícia tinha há ver com o choro.
— Eles estão descansando, meus filhos. — Justin disse para eles, tentando apaziguar.
— E tio Jony agora vai ser nosso irmão? — James perguntou fazendo beicinho.
— Sim, meu amor, tio Jony será o irmãozão mais velho de vocês dois. E devem obedecer a ele. — Justin passou a mão pelos cabelos dele.
— Mas tio Jony só deixa a gente fazer besteiras. — Jimmy respondeu todo inocente.
— Ele cuida de vocês, não cuida? — Os dois assentiram com a cabecinha para mim. — Agora ele vai morar conosco e será o irmão de vocês. Precisam obedecer ao tio Jony e se ele fizer besteiras vocês contam para a mamãe. — Disse para eles, que riram.
— Tá vendo, tio Jony! — Jimmy apontou para ele. — Se você não cuidar de nós a mamãe briga com você. — Disse com a voz melódica para ele.
Se não fosse trágico, seria cômico.
— Tá vendo, garotão! — Justin começou a bagunçar os cabelos dele, sabendo que odiava quando fazia isso. — Você agora é nosso filho. E trata de obedecer. — Ele não respondeu nada. Se agarrou ainda mais em Justin e chorou por um longo tempo.
Volto à realidade e tento acalmar Jony. Não sou a pessoa mais indicada no momento, porque acho que meu sofrimento é maior do que o dele. Sei como isso tudo parece para ele. Ele perdeu os pais e
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agora está prestes a perder o irmão. Mesmo com a família que tem hoje, nunca se recuperará disso. Sei perfeitamente e compreendo.
— Você nunca esteve sozinho, Jony. — Continuamos abraçados e ele chora muito em meus braços. Relembro cada momento de dor que teve, com o coração partido.
— E você foi uma ótima mãe. — Olho em seus olhos, com aquelas enormes orbes negras cheias de lágrimas. — E mesmo por pouco tempo, Justin foi o pai que nunca tive. E agora está morrendo... Eu... Eu... Não consegui encontrar uma cura... Eu falhei com ele... Falhei, Lizzy! — Diz, todo culpado por não conseguir ajudar o irmão.
— Você não falhou com ninguém, Jony. A doença foi descoberta em um estágio avançado. Justin optou por não fazer o tratamento. Foi escolha dele morrer em casa. Você fez o melhor e suas pesquisas ajudarão muitas pessoas. — Respondo brava.
— As minhas pesquisas geram doenças, Lizzy! Será que não entende? — Ele grita. — Eu trabalho para o governo, gerando agentes biológicos perigosos. A intenção do governo é matar os inimigos em guerras. Mas esses agentes matam ―a nossa gente‖. Você não entende isso? — Pergunta furioso consigo mesmo.
— Você deu o melhor de si durante a sua vida, pela sua pátria, pelo que acreditava. A doença de Justin não tem nada a ver com você, Justin. Você é brilhante no que faz e suas pesquisas também salvaram muitas pessoas no mundo inteiro. Você achou a cura de doenças que mataram bilhões de pessoas. O seu trabalho é de grande valia. E se você não pode salvar seu irmão agora, pense nos milhares de vidas que salvará nos próximos anos.
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Odeio vê-lo tentando carregar a culpa do mundo nas costas. Tenho que ser dura e dizer o que penso sobre aquilo. Mesmo que o magoasse.
— Eu não salvei minha filha... — Sua resposta sai estrangulada.
— Sua filha morreu porque Deus quis assim. Ela era apenas uma criança e Ele escolheu levá-la. Quantas outras crianças você não salvou com suas pesquisas depois da morte dela? Isso não está em suas mãos, Jony! — Estou com a voz histérica. —ELE! — Aponto o dedo para cima. — Deu a você o dom para curar outras pessoas. Suas pesquisas são muito importantes e se tem alguém capaz de convencer o congresso a liberar verbas para elas é você. Você criou, sim, muitos agentes biológicos, a pedido do governo, para defender a pátria, mas você também salvou milhares de vida. E a vida de Justin não está em suas mãos. Será que você não entende isso? — Volto a chorar copiosamente.
— Ele viveu a vida como ele quis, foi feliz, realizado, tem uma enorme família e mesmo naquela cadeira, com suas últimas forças, ele é feliz. Eu estou sofrendo e sofrerei muito depois que ele se for. Mas eu tenho meus filhos, meus netos, minha bisneta, um cunhado cabeça dura, que sempre foi um filho para mim e meu sobrinho. A vida continuará o seu curso. E eu não posso dizer que me arrependo de algo. Porque vivemos tudo intensamente e no final deu certo... Fomos ―felizes para sempre‖ como ele disse que seria. Não se revolte com Deus! Não se revolte com a vida! Use a sua indignação para salvar mais vidas, como você fez após a morte da sua filha...
— Ela era tão pequena... — Ele sussurra chorando.
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— Sim ela era pequena e linda... E enquanto esteve viva você foi feliz. E Ele te deu um filho tão abençoado e inteligente como você. O trabalho do seu filho é importantíssimo. Ele hoje é um dos senadores mais jovens da história e também um cientista boa gente, assim como o pai. Vocês têm muito a fazer pelo país, talvez pelo mundo. Pare de se culpar pelas desgraças do mundo. PARE! — Grito furiosa. — Sim, Jony! Eu estou certa.
— Ele agora está em uma reunião, com alguns investidores, tentando conseguir mais verbas para a minha pesquisa. Eu tenho orgulho do meu filho... — Responde todo orgulhoso.
— E eu tenho orgulho de você. Muito orgulho! — Nos abraçamos novamente e ficamos calados, sem choro, sem brigas ou qualquer palavra que possa quebrar essa paz.
Depois dessa sessão de choros e recordações dolorosas, Jony e eu vamos para a sala, que está lotada com tantas pessoas.
Os homens da casa estão arrumando as mesas e as cadeiras no quintal, as mulheres estão na cozinha fazendo a ceia, e as crianças estão rodeando o avô e fazem a maior bagunça. Eles sabem que têm pouco tempo e não querem desperdiçar. Estar com Justin é uma oportunidade que não perderiam, pois a qualquer momento ele pode partir.
Jony senta-se na poltrona perto de Justin, pega o controle do Playstation de Megan e começa a jogar com as crianças. O som das gargalhadas ecoam por toda a casa. Apesar do clima de despedida, todos parecem felizes por compartilhar esse momento. Paro na porta e fico observando a cena. Justin sorri todo animado com a brincadeira dos netos, Jony faz o possível para parecer alegre. O
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clima está bem leve e descontraído. Quando Val chega perto do avô e coloca Gio em seu colo, uma lágrima corre pelo meu rosto enquanto observo Justin acariciando a bisneta.
— Mãe! — Ouço uma voz me chamar e me viro.
Sei que é James, mas estou receosa de falar com ele. O clima entre nós está tenso demais nos últimos dias. Sei que me culpa pelo estado do pai e isso me dói muito. Ele me abraça forte e coloca minha cabeça em seu peito. Começa a afagar os meus cabelos grisalhos enquanto sussurra em meu ouvido:
— Desculpe tudo o que disse. Acho que a senhora tinha toda a razão. Quando vejo papai aqui, feliz, rodeado pela família, sorrindo como uma criança, sei que para ele isso vale mais a pena do que prolongar seus dias em um hospital, cheio de tubos e aparelhos para torturá-lo.
Sua voz é calma e serena. Eu o conheço e sei que não está fingindo. Estava aborrecido demais comigo, mas agora tudo parece ter voltado ao normal. Ele parece com meu garotinho amoroso de sempre. Como me orgulho da decisão que tomei.
James me salvou de uma forma que não tenho como agradecer. Eu o amo como se realmente houvesse nascido de mim. Ele não foi meu filho biológico, mas é filho escolhido por amor. Um amor tão incondicional, que às vezes sinto como se houvesse saído de dentro de mim.
— Eu o entendo e o perdoo, meu filho! — Digo com veemência.
— Eu a magoei quando falei da mulher que me gerou...
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— Sim, você me magoou! — Ergo meu rosto e encaro os seus olhos. — Mas eu o amo tanto, tanto... Você é ―meu filho‖! Meu! Não me importa se não nasceu de mim. Desde o momento que o tive em meus braços sabia que era meu. — Digo de forma possessiva e os olhos dele enchem-se de lágrimas. — Você me salvou de todas as formas possíveis. Tão pequeno... Tão frágil... — Eu o amei e continuarei amando para sempre, independente do que diga e do que me acuse...
Eu me lembro daquele pequeno embrulho que Justin me entregou em uma noite fria e amarga. Ele estava todo enroladinho e dormia como um anjo.
Eu havia marcado com Justin no shopping após o serviço. Estava muito cansada, com a enorme barriga de sete meses, as pernas inchadas e o corpo pesado não ajudava muito. Aquele fora um dia difícil, tive que terminar a edição de duas matérias na correria, pois a revista seria lançada na manhã seguinte e não podia furar. Era o meu primeiro emprego fazendo edições na revista e causar uma boa impressão era imprescindível.
Eu me saí muito bem em quase dois meses e o dinheiro que ganhava ajudava muito em casa, apesar de Justin reclamar que o meu estado exigia descanso e a faculdade de era cansativa demais para mim.
Estava precisando comprar mais vestidos, porque a barriga crescia rápido demais e os meus estavam apertados. Por isso decidi, mesmo cansada, ir às compras aquele dia. Fui para a praça de alimentação e fiquei esperando Justin chegar. Ele estava bem atrasado e me ligou dizendo que o trânsito estava horrível e
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demoraria mais meia hora. Comprei lanche e tentei comer, mas por algum motivo estava ansiosa demais e não consegui engolir a comida enquanto observava as pessoas.
Em um determinado momento, houve um barulho; algo como uma explosão e gritos vieram do andar abaixo. As pessoas se levantaram apavoradas e começaram a correr, quando outra explosão sacudiu o local. Ouvi pelo alto falante um homem pedir que as pessoas caminhassem para a saída mais próxima, de preferência pelas escadas normais, porque era perigoso usar elevadores e escadas rolantes. Tentei não entrar em pânico e caminhei, o mais rápido que podia, para a saída mais próxima.
As pessoas empurravam e gritavam, quando sons de tiros ecoaram pelo local. Eu não podia correr e nem me dar ao luxo de entrar em desespero. Tinha que manter o controle por mim e pelo meu filho.
Quando cheguei à saída de emergência, as pessoas continuavam correndo e empurrando. Eu me segurei no corrimão e tentei não cair. Descendo, pouco a pouco, completamente apavorada e com medo do que poderia acontecer, pedi a Deus me tirasse com vida daquele lugar. Já estava quase chegando ao fim, quando outra explosão sacudiu o andar de cima. Pessoas que desciam começaram a correr e em um dado momento alguém me empurrou e caí... Senti meu corpo cair e rolar escada abaixo, com meu corpo sendo machucado e colidindo com outras pessoas que também desciam. Uma dor aguda me rasgou de dentro para fora e gritei:
— Aaahhhhh! Meu filho! Ahhh!
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Outra dor veio de forma mais intensa, meu corpo se sacudiu com aquela contração e um líquido começou a escorrer entre minhas pernas. Sabia que a bolsa tinha estourado naquele momento. Estava caída em cima de algumas pessoas, molhada e com muita dor. Enquanto eu me sacudia, alguém me pegou no colo e me carregou. De olhos fechados, senti meu corpo flutuando, enquanto a dor massacrante me rasgava de dentro para fora. Sabia que estava perdendo meu filho... Eu sabia...
Meu filho! Por favor! Por favor! Salva meu filho... Por favor!
Continuei orando mentalmente até a perder a minha consciência.
As lembranças que tenho dos acontecimentos posteriores são nubladas e confusas. Pelo que Justin me disse algum tempo depois, fui socorrida por um homem que me carregou até a saída. Outra pessoa chamou uma ambulância pelo celular, no meio da confusão, e avisou que havia uma mulher em trabalho de parto.
Já estava sendo colocada na ambulância, quando Justin me encontrou. No meio da confusão, uma mulher pegou a minha bolsa, tirou o celular e ligou para o último número digitado, contando para ele o ocorrido. Justin me encontrou quando ainda estava sendo atendida na ambulância.
Também fiquei sabendo, posteriormente, que um grupo de terroristas colocou bomba em uma das lojas, no andar inferior, e atirou em algumas pessoas. Até hoje não sei o que realmente motivou aquilo. Só posso dizer que mudou completamente os rumos da minha vida.
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Fui levada para o hospital, onde fizeram um parto de emergência e fiquei entre a vida e a morte. Justin relatou alguns dos acontecimentos, tentando sempre omitir uma coisa e outra, muito tempo depois. Ele sabia que eu ficaria muito abalada com toda a informação e sempre foi evasivo quanto ao fato.
— Meu filho... Meu filho...
Com o corpo entorpecido, a cabeça pesada, dificuldade para abrir os olhos eu chamava baixinho. Só conseguia pensar em meu bebê apesar de todo o meu corpo doer. Ele tinha que estar bem.
— Por favor, salve meu filho... Oh Deus... Não deixe perdê-lo.
Senti uma lágrima rolando pelo canto de meus olhos. Algo macio e quente tocou minha mão. Eram dedos de alguém. Alguém segurava minha mão para me confortar.
— Lizzy... — Ouvi a voz rouca sussurrar em meu ouvido.
Era a voz de Justin. Sabia que nos salvaria. Que estaria conosco sempre. Tentei abrir os olhos, mas em um primeiro momento não consegui. Pisquei as minhas pestanas e comecei a ver a claridade, que feriu meus olhos. Fechei novamente. Precisava abrir com calma e me adequar à luz.
— Estou aqui meu amor.
— Meu filho... Meu filho... — Tentei mover a mão, mas tive dificuldade.
Os meus braços estavam pesados demais para movê-los. Estava completamente entorpecida e não entendia porque meu corpo demorava a reagir. Por que não conseguia me mover, abrir os olhos e tinha dificuldade para falar?
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— Meu bebê... — Minha boca tinha um gosto amargo e meus lábios estavam muito secos e doloridos. O que teria acontecido para ficar daquele jeito? Demorou muito. Sim! Ouvi outras vozes sussurrando no quarto, ouvi passos e barulhos estranhos de bips. Bips? Aquilo me intrigou bastante. Instantes depois alguém começava a me bolinar. Mãos suaves mexiam em minhas mãos, algo gelado pousou em meu peito causando-me arrepios, um dedo tocou o meu rosto e depois abriu um de meus olhos. A claridade o machucou naquele instante e depois foi pior quando uma luz intensa o atingiu. Pisquei e tentei fechar os olhos. Aquilo foi horrível e meu desespero começou a aumentar. Precisava me comunicar, saber o que havia acontecido e como estava meu bebê. O tempo passou e aquela espera foi torturante. Comecei a contar mentalmente; quando cheguei aos dois mil desisti e acabei apagando novamente.
Duas semanas depois acordei completamente desalentada. Só sabia que algo grave havia ocorrido.
— Justin... Justin... — Abri os olhos com dificuldade, virei a cabeça de lado lentamente e o vi sentado, olhando para um ponto distante.
— Lizzy, você acordou? — Ouvi o ruído da cadeira se aproximando e senti o toque de sua mão sobre a minha segurando-a.
— O que aconteceu? — Perguntei com a voz fraca.
— Vai ficar tudo bem, amor. — Senti-o mover minha mão, erguendo meu braço, para levá-la até seus lábios.
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O toque molhado de sua boca em minha pele me fez sentir viva novamente. Não estava sonhando outra vez.
— Cadê meu filho? — Foi o primeiro pensamento ao sentir que algo estava faltando.
Olhei para baixo e não vi minha enorme barriga pontuda. Aquilo só poderia significar que meu filho havia nascido.
— Cadê? — Sussurrei sentindo o desespero me consumir.
— Lizzy, nosso filho... — As palavras morreram ali e
Justin começou a chorar.
Ali eu soube. Algo rasgou o meu peito em mil pedaços. A dor foi maior do que as contrações que havia sentido. Era como se estivesse morrendo. Nada mais fazia sentindo. O meu mundo havia acabado e naquele instante. Havia perdido o mais precioso bem que tinha. Nem consegui chorar no estado que estava. Não consegui falar. Fiquei catatônica por um bom tempo, enquanto Justin chorava como criança. Achei que se ficasse ali, parada, sem reagir, sem tentar viver a minha vida iria embora. Não preciso dizer que isso não adiantou. Dias depois começava a me recuperar, o médico me contou que havia pedido o bebê, que havia batido a cabeça com a queda e um coágulo se formara em meu cérebro. Eles fizeram uma cirurgia para eliminar o coágulo e me induziram ao coma. Fiquei duas semanas em coma induzido até começar a me recuperar. Aquelas informações foram demais para mim e não queria reagir, mas ver Justin acabado dia após dias fez com que tivesse vontade de viver por ele. Comecei a melhorar nos dias seguintes e dentro de mais duas semanas estava em casa. Sofrendo, vazia, perdida e sem vontade de voltar a fazer nada.
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Soube pelos noticiários que houve atentados terroristas em várias regiões dos Estados Unidos. O governo estava mais vigilante depois das mortes ocorridas na semana em que perdi o meu filho. O clima estava tenso e havia muita desconfiança entre a população em geral. Nada daquilo me dizia muita coisa. Só ficava na cama, só saía para ir ao banheiro e mal comia.
Durante as noites eu tinha pesadelos horríveis e acordava gritando em meio ao choro compulsivo. Justin foi carinhoso e atencioso demais comigo. Mesmo isso não foi capaz de me tirar da depressão que começava a me abater. Já não queria mais dormir para não sonhar. Era um verdadeiro fantasma que habitava o meu corpo debilitado. Até aquele dia...
Eu estava sentada sobre a minha cama, olhando para a parede, como sempre fazia. Ficava perdida em pensamentos e nem conseguia mais chorar. Não era possível chorar. Simplesmente as lágrimas já não vinham, porque haviam secado. Fazia quase dois meses desde a perda do meu bebê. Se ainda estivesse grávida, estaria na reta final, bem próximo ao parto — este era o meu único pensamento. Ruminava dia após dia sem querer receber ninguém. Era insuportável viver a minha existência contando os dias para o parto que nunca aconteceria.
Ouvi a porta se abrir e Justin entrar de mansinho. Não quis olhar para ele. Doía ver a dor que lhe causava pela minha falta de vontade de continuar. Eu o fazia sofrer e olhar em seu rosto era cada vez mais insuportável. Ele me chamou, mas eu não me virei.
— Elizabeth!
Não me movi.
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— Olha para mim! — Ordenou de forma mais severa e de má vontade virei o meu rosto e o encarei.
Ele estava com algo embrulhado... Como se carregasse... Pensei que estava novamente em um dos meus pesadelos e neguei com a cabeça. Vê-lo carregando uma manta com algo que parecia ser uma criança enrolada me doía. Quis gritar, mas não tive forças nem para isso.
Justin caminhou até a cama, sentou-se ao meu lado e me olhou.
— Olha o que trouxe para você. — Ele disse com a voz suave. — Me dê seus braços.
Eu neguei com a cabeça, então ele puxou um pouco a manta e pude ver o rostinho do bebê, que dormia tranquilamente. Meu coração bateu mais forte e meus olhos, não sei como, encheram-se de lágrimas. Elas caíram sem eu nem mesmo perceber. Estendi os braços e cuidadosamente Justin colocou James.
— Ele agora é seu bebê. — Ele disse depois que arrumou James no meu colo. Tão lindo, delicado, cheiroso e pequeno.
— Ele é tão pequeno... — Sussurrei.
— A mãe não cuidou bem dele. Está abaixo do peso e a pediatra estava bem preocupada. Ele vai viver conosco a partir de agora e será seu filho. Você pode cuidar dele para mim? — Ele perguntou com muito cuidado, enquanto observava o meu rosto.
Eu assenti com a cabeça, curvei meu corpo lentamente, até meus lábios alcançarem o rostinho, e o beijei. Naquele momento soube que o amava. Meu coração batia tão forte de felicidade que
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pela primeira vez em todo aquele tempo eu sorri. James era meu filho, de coração, e ninguém mudaria aquele fato.
— Ela não vai tirá-lo de mim?
Tive tanto medo. Sabia que Melissa não o queria, mas para me fazer sofrer, e Justin também, ela poderia dar uma de louca e pedir o filho de volta. Aquele pensamento quase fez a angústia me consumir novamente.
— Ela não tem condições psicológicas de criar o filho. Teve depressão pós-parto e isso somado à sua loucura seria um perigo para a criança. Olha como ele está mal cuidado. A babá disse que ela batia nele...
Percebi Justin cerrando os punhos e sua expressão ficar raivosa.
— Conversei com o pai dela. Ele é um homem rico, público e discreto, não quer um neto bastardo. Ela assinou todos os papéis que ele obrigou e agora tenho a guarda de James. Ela nunca mais chegará perto dele. Esse foi o acordo.
— Oh Justin! Ele agora é meu filho... Só meu... — Beijei- o mais uma vez e chorei copiosamente de felicidade.
— Ele é nosso filho, amor. Nosso! — Ele beijou a minha testa e aconchegou minha cabeça em seu peito.
Daquele momento em diante James foi meu filho. Melissa, como foi combinado, nunca apareceu, nem mesmo nos aniversários de James. Era como se ele não existisse na vida dela. Eu agradecei a Deus por isso.
Volto à realidade e olho para o meu filho. As lembranças daquele tempo me abalam, mas ao mesmo tempo me dão ainda
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mais convicção de que sempre o amarei. Não importa quantas vezes ele me acuse ou brigue por causa do pai. James é um filho, fruto do amor, e nada pode mudar isso. Sua mãe infernizou a minha vida, mas sou imensamente grata pelo que ela me deu. Acho que ele foi a única coisa boa que Melissa fez na vida. Agradeço demais por isso, porque ela me pagou em dobro, com o amor de James.
— Eu te amo muito, meu filho. — Digo para James ainda em seus abraços. Ele foi a minha tábua de salvação. Acho que Justin estava certo. Acho que sempre amei um pouco mais a ele do que aos outros. Sempre serei grata por tê-lo como filho. Mesmo magoada com as últimas brigas, nunca conseguirei sentir raiva ou qualquer sentimento ruim em relação a ele.
— Eu te amo muito mais, minha mãe. — Ele responde e fica me embalando em seus braços.
— Hum! Hum! Assim eu fico com ciúmes, mãe. — É a voz de Jimmy atrás de nós.
— Não fique, meu querido! Amo a todos vocês. — Respondo saindo dos braços de James e indo para os dele. Ele também me abraça forte e beija o topo da minha cabeça.
— Tô brincando, mãe! Eu sei que tem uma quedinha a mais por James, por ele ser mais parecido com o pai, mas eu não ligo. — Ele pisca para James.
— Deixa de brincadeira, menino! — Dou um tapinha em seu braço e ele ri. — Meu coração é grande demais para todos vocês.
— É mesmo, Lizzy! Sempre coube mais um. — Dessa vez é Jony que vem, tira-me dos braços de Jimmy, pega no colo e depois começa a rodopiar pela sala.
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— Para Jony! Para! Eu vou ficar tonta!
— Tio Jony está rodando a vovó. Eu quero também! — Diz Megan, batendo palminhas.
— Tem tio Jony aqui pra todo mundo! — Ele grita alegremente.
— É bom saber disso, pai. — Ele olha para porta e sorri.
Percebo que meu amado sobrinho, lindo, chegou e caminho até ele para abraçá-lo, após Jony me colocar no chão. Escuto uma gargalhada um pouco fraca. Justin está sorrindo com toda aquela confusão.
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Capítulo 19
A sala está lotada de gente nesse momento. Todos vieram cumprimentar o ilustre parente que acaba de chegar. Timothy é um dos mais novos senadores da história. Foi líder estudantil na Universidade de Yale, defendendo os direitos humanos e lutando contra o abuso de poder dos governantes em uma época de guerra. O país enviava milhares de jovens para uma guerra estúpida e sem uma causa.
Aos vinte anos chegou à cadeira do senado, apoiado por uma massa de jovens sedentos de justiça, e agora defende os pobres, os soldados e as pesquisas do pai. Uma figura bem mais notória do que a de Justin, sempre causa esse tipo de efeito quando aparece. Além da inteligência, facilidade na oratória (para convencer os outros de suas ideias), a beleza da família é um ponto ao seu favor. Ele não é exatamente lindo, como Justin, Jony e James, mas herdou traços que o fazem um homem extremamente atraente. Ainda tem o carisma natural do pai, e é claro que isso ajuda bastante.
Quando começa a conversar, as crianças param para ouvir e os adultos o analisam tentando descobrir qual o segredo do sucesso. Eu sei exatamente qual é... A humildade e sinceridade.
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Todos os membros da nossa família herdaram os valores passados pelos meus sogros. Porém nenhum deles exibe intolerância como Jonathan exibia. Eles são humildes em tudo que fazem na vida e costumam fazer as coisas com amor e afinco. Não sei se esse é um bom ponto para um político, mas Tim tem se saído muito bem no ninho de cobras em que se meteu.
— Mas Tim, você conseguiu aprovação para essa nova pesquisa do tio Jony? — James pergunta para ele, que está sentado ao lado da cadeira de rodas de Justin, segurando a sua mão.
— O projeto já está em discussão, mas ainda precisa ser aprovado. Estou tentando conseguir alguns votos. Todos aqui sabem como é difícil aprovar alguma coisa quando não é do interesse deles. Tenho apoio da União Estudantil Nacional e de uma grande empresa farmacêutica. Porém, o custo para esse estudo é grande e demanda tempo. Eles não querem que papai gaste os esforços em uma pesquisa como essa. Mas estou trabalhando... E vou conseguir. — Ele diz de forma enfática.
— Agora, como o senhor está, tio?
Ele beija a mão de Justin e olha para ele com melancolia. Um olhar idêntico lançado por Jony todas as vezes que fita o irmão.
— Estou quase indo... — Justin sussurra com dificuldade.
— Querido, você já comeu? — Pergunto para cortar aquela conversa triste.
Não quero que comece a choradeira novamente. Já tive demais por um dia e estou cansada de tanta melancolia a volta dele. — Me obrigaram... — Responde ainda olhando para o irmão.
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Não sei exatamente o que se passa em sua cabeça, mas sua expressão me diz que está orgulhoso. Ele terminou de criar um irmão, que passava por uma fase difícil. Jony ainda ficou um ano morando conosco e não quis ir de pronto para Yale.
Foi uma fase difícil, mas Justin tentou ser o melhor pai que pode para ele naquele período, até que superasse a sua dor. Ver que o irmão enveredou por um bom caminho e criou tão bem um filho o deixa cheio de orgulho.
Jony fica observando a cena de longe, ainda brincando com os pequenos, mas sei que sente o mesmo orgulho. Foi o melhor pai que pode para Tim e deu o amor que não recebeu do seu próprio pai. Quando os vejo se abraçando e beijando, sem pudor algum, percebo como isso é importante para o menino que ainda existe dentro dele. Foi difícil perder os pais, principalmente quando ainda havia muitas coisas a serem ditas de ambos os lados. Ele nunca ouviu que era amado pelo pai e nunca disse isso também, contudo, tenho certeza, que diz isso sempre que vê o filho como uma forma de compensação.
— Pegue os álbuns de fotos... — Justin pede e percebo que será mais uma sessão nostalgia o resto do dia.
Ele monopolizará a atenção do sobrinho o máximo que puder e mostrará toda a sua vida. Adora fazer isso... Adora recordar o passado apesar de, às vezes, ser um pouco doloroso.
Minutos depois Nicole entra com alguns álbuns antigos de retratos e os coloca no colo de Tim, que pega o primeiro e abre. Então tudo começa de novo...
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O primeiro álbum é o mais antigo e vemos nas primeiras fotos os meus sogros, ainda novos. As fotos dos passeios, noivados e casamento. Por elas podemos notar a seriedade de Jonathan e a jovialidade de Vanessa. Eles estão felizes e parecem muito apaixonados em todas as fotos. Tim sorri, Justin está com os olhos cheios de lágrimas ao recordar os pais. Jony sai de onde está e se coloca ao meu lado, atrás da cadeira de Justin. Conforme vai passando as fotos, alguns dos netos tentam arrumar espaço perto de nós e Justin vai comentando, em forma de sussurros. Meus olhos se enchem de lágrimas ao me lembrar deles. Quanta saudade deixaram em nossas vidas. Nem tiveram tempo para curtir os netos.
Nas fotos seguintes, já aparece Justin recém-nascido, outras como um lindo bebê e Jony começa a comentar como as nossas crianças saíram bem parecidas com ele. Junto a nós, agora, estão Amanda, Alice e Jimmy. O espaço está apertado demais, mas todos querem compartilhar aquele momento único.
O clima fica menos melancólico e o som de risadas enche o meu coração. Todos querem opinar sobre as fotos e a coisa vira uma festa. Quando terminamos o primeiro álbum, passamos adiante e outro grupo o pega e se senta do outro lado da sala. As crianças também estão interessadas na história da família.
No segundo álbum temos a nossa velha Chilton e os primeiros anos dos Stones na cidade. Choro quando vejo as minhas fotos, ainda tão pequena. Tinha apenas cinco anos naquela época e éramos inseparáveis. Justin também está chorando... Aliás, todos estão chorando ao ver as nossas fotos, festas de aniversários, passeios pela praça e praia, escola entre outros lugares na cidade. Eu era uma
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menina tão linda, parecia tímida, com os olhinhos assustados na maioria das fotos. Em poucas delas eu estava sorrindo. Na maioria das vezes parecia tensa com alguma coisa... Agora me lembro.
Sim, eu me lembro! Estava preocupada com meu pai e as coisas que me fazia passar. Ele sempre aparecia e eu passava vergonha. Acabava chorando e sendo consolada por Justin. Ao me lembrar disso meu coração dói, porque após a morte dos meus sogros percebi que deveria deixar as lágrimas para trás e perdoar. Foi muito tarde, porque ele havia morrido em uma briga de bar. Nunca tive essa oportunidade, apesar do desejo. Só consegui reverter as coisas com minha mãe, bastante tempo depois, porque ela ainda continuava inflexível e com o coração amargurado.
As várias fotos de aniversários me fazem lembrar momentos em que tudo que queria era ser da família. Queria que os Stones me adotassem como sua filha. Eles até me tratavam assim, ensinando o que era certo e errado, compravam roupas para mim, eu me alimentava na maioria das vezes na casa deles, foi a Sra. Vanessa que me ensinou o que era menstruação, como se ficava grávida e me falou sobre as doenças. Depois que começamos a namorar, foi ela quem me levou ao ginecologista pela primeira vez e estava segurando a minha mão. Era como uma verdadeira mãe e sua perda me doeu.
A foto que me chama atenção é a do meu aniversário de doze anos. Eu já era quase uma mocinha, estava linda em um vestido azul, os cachos loiros dos meus cabelos bem arrumados, os brilhantes olhos azuis mais vívidos. Naquela época já estava namorando Justin e foi um dos momentos mais felizes da minha
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vida. Ele me fazia feliz, cuidava de mim e me dizia coisas bonitas. Foi nessa época que trocamos nossas primeiras promessas de amor. Fecho os olhos e me lembro de tudo como se fosse hoje. Eu nem imaginava que teríamos uma família tão grandiosa e que seria tão feliz por tantos anos. Só acreditava quando ele me dizia que era ―para sempre‖. Bem lá no fundo do meu coração sempre acreditei nisso, mesmo depois de sua partida e ausência de comunicação por tantos anos. Acreditei no amor que sentia e esperei que um dia voltasse para mim. Mesmo com todos os problemas que enfrentamos nos primeiros anos, cada promessa que me fez valeu a pena e o nosso ―para sempre‖ foi perfeito.
Eu me perco nos pensamentos e nem tenho tempo para refletir nas próximas fotos que aparecem. Alguém entrega aquele álbum para Val e Tim abre outro. Lá está Justin no hospital, com a cabeça raspada, os olhos fundos e com olheiras, mesmo assim sorrindo e otimista. A minha sogra fez questão de registrar aqueles momentos. Até mesmo o aniversário que passou internado, quando fizeram uma big festa e convidaram todos os doentes. Ninguém consegue segurar o choro, principalmente Jony, que nasceu para dar vida ao irmão. Acho que essa sempre foi a sua missão... Dar vida às pessoas. Até hoje faz isso através das pesquisas e dos medicamentos que produz com elas.
Eu me lembro quando encontrei a minha sogra e ela me contou sobre Jony. Estava tão orgulhosa do seu pequeno prodígio e falava com os olhos brilhantes. Ali eu podia vê-la grávida, cansada, mas feliz. Sim, ela estava feliz! Apesar de lutar contra a morte de um filho, o brilho da gravidez estava em seus olhos. Nessas fotos não
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aparecem Jonathan e Jony comenta que ele não o queria. Sempre foi contra aquela concepção e ali ficou mais duro. Jony chora e temos que fazer uma pausa, porque ele realmente está abalado vendo a mãe grávida, o irmão doente e o pai ausente. Foi ali que a família se rompeu... Com sua chegada, e ele sabe bem disso.
Justin olha para ele e sussurra um ―obrigado pela vida‖ de forma suave. Os dois se abraçam e Tim tenta se levantar, mas Justin segura a sua mão. Ele não teve muito contato com o sobrinho nos últimos anos e quer compensar isso antes de morrer.
Quando os dois se acalmam, continuam a ver as próximas fotos. Essas já mostram uma fase em que Jony era um lindo bebê e Justin começava a mostrar sinais de recuperação. Nas fotos víamos Jony crescendo, fazendo gracinhas e paparicado por Justin e a mãe, mas em nenhuma delas aparecia Jonathan. Eu notei isso e provavelmente os outros também notaram. Conhecem a história da família bem o suficiente para entenderem que as coisas nunca funcionaram para pai e filho, mesmo quando este ainda era um bebê de colo fofinho.
Jimmy encarna no tio e James também entra na brincadeira. Pouco a pouco todos estão sacaneando Jony e rindo, até mesmo Tim. Justin às vezes esboça gargalhadas, mas até para isso estava cansado demais. Ninguém ousa comentar o fato, apenas falando sobre as coisas fofinhas que Jony fazia. Susan, sua esposa, se posiciona entre ele e eu, empurrando-me de lado de forma ciumenta e aperta a bochecha dele, fazendo comentários engraçados.
Nas fotos que seguem, vemos os anos seguintes da família até Justin ir para Yale. Havia várias fotos dele no primeiro dia na
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universidade e os pais pareciam orgulhosos. Ele havia se tornado um adolescente muito lindo e tinha um sorriso cativante no rosto. Sempre ao seu lado estava o irmão de mãos dadas, no campus, no alojamento em que ficou no primeiro ano, na cantina e em outros locais da cidade universitária. Não foram muitas fotos, porque depois disso Justin se afastou um pouco da família para se focar nos estudos. Percebe-se que entre a última foto do álbum e a primeira do seguinte passou-se um longo tempo, pois Jony já estava grande, com cerca de oito anos, justamente quando Justin saiu do hospital depois do acidente. Ali ficou claro que Jony permaneceu um bom tempo esquecido pela família... Como se não existisse vida após a partida de Justin.
O próximo álbum é o do nosso casamento, porque não tiramos muitas fotos no período de namoro e nem tivemos um noivado propriamente dito. Mas as fotos do casamento estavam belíssimas e eu irradiava um brilho de felicidade. Apesar das poucas pessoas que estiveram na ocasião, tudo estava muito bonito e muito bem decorado. Os convidados pareciam felizes e minha sogra estava exuberante em um vestido azul metálico. Jony parecia um homenzinho de terno, com o rosto alegre e uma forma mais leve de olhar. O que é percebido por todos, até que alguém comenta a ausência do meu sogro. Tenho que explicar a razão dele não estar nas fotos e James solta uns resmungos mal humorados quando sabe que ele não me aprovava.
Quando é aberto o álbum da minha primeira gravidez, choro compulsivamente ao ver os milhares de fotos que Justin fez de mim. Uma linda mulher, com uma felicidade inegável e uma enorme
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barriga. Como eu choro vendo aquilo. Justin também não consegue conter a tristeza pela perda do primeiro filho. Em uma das fotos, eu estou sentada no sofá de pernas cruzadas, usando um top e a barrigona de fora. Nela Justin havia escrito com batom vermelho dentro de um coração: ―Só faltava você‖. Demora um pouco para me acalmar, até que Nicole me traz um copo de água com açúcar.
Tim continua folheando o álbum e pouco a pouco a vida da nossa família é mostrada, desde a chegada de James, o seu crescimento e gracinhas que fazia, a gravidez de Jimmy, o parto e os primeiros anos de vida, a gravidez de Alice, as festas de aniversário de todos, as casas em que moramos, as viagens que fizemos... Elas mostram tudo até, o nascimento do nosso último neto. É uma vida traduzida em imagens inesquecíveis, que fazem todos chorar, e rir, e as lembranças aflorarem em minha mente.
Vou cansada para o quarto para dormir um pouco. Preciso de um banho relaxante e uma cama para descansar o meu corpo e me lembrar que tive uma vida plena e feliz, apesar de todas as circunstâncias adversas. Lembrar...
Eu estava me sentindo muito estranha naquela manhã. Catarina, uma amiga do trabalho, perguntou se havia comido alguma coisa que me fez mal. Já havia vomitado três vezes desde a volta do almoço e estava muito enjoada. Não tinha sequer condições para dirigir de volta para casa e por isso liguei para o escritório de Justin e pedi que me pegasse.
— Será que não está grávida? — Amália me perguntou já no final do dia, quando corria novamente para o banheiro com ânsia de vômito.
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Balancei a cabeça em sinal de negativo, mas algo despertou dentro de mim e comecei a fazer as contas sobre a última vez que havia menstruado.
— Não! É claro que não! — Respondi de forma enfática, mas fiquei pensativa o restante do tempo.
Quando Justin chegou para me pegar, pedi que parasse em uma farmácia antes de ir buscar James na creche. Precisava comprar remédios para enjoo, mas também resolvi comprar testes de gravidez. Apesar de estar em dia com as regras, resolvi fazê-lo para tirar aquele tipo de preocupação da cabeça.
Justin parou em frente à farmácia e eu entrei. Comprei rapidamente o que precisava e depois seguimos para a creche. Ele foi pegar nosso filho e eu fiquei ali me sentindo muito mal. Estava enjoada demais e até o cheiro do carro estava acabando comigo aquele dia. Quando voltou, colocou James, dormindo, na cadeirinha que ficava no banco traseiro do carro e depois tomou o seu lugar no assento do motorista.
— Você está pálida, amor. O que comeu para te deixar assim? — Ele perguntou brincando com os cachinhos dos meus cabelos loiros.
— Acho que pode ter sido a maionese ou o camarão... Não tenho certeza.
Respondi sem saber ao certo o que poderia ter sido. Nada do que comi tinha gosto ou cheiro de estragado. Muito pelo contrário, a comida estava deliciosa e comi bastante naquele dia.
— Espero que o remédio faça efeito logo. — Ele respondeu com preocupação evidente.
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— Fará! Como foi seu dia? — Perguntei tentando demonstrar interesse pelo trabalho dele, que sempre o deixava aborrecido.
— Chato como sempre. Hoje tive uma audiência no tribunal e conseguirmos uma conciliação. Depois estudei alguns processos que tenho em andamento e recebi um novo cliente. Após me contar o caso, decidi não aceitar. Não consigo defender assassinos... Não tenho como. — Ele respondeu frustrado.
— O que ele fez? — Perguntei curiosa e mesmo mal, tentando demonstrar algum interesse pelo seu trabalho e a vida fora da nossa casa. O mínimo que podia fazer por ele.
— Matou a mulher a paulada diante do filho. O exame que trouxe do psiquiatra diz que tem transtorno mental... Por que todos usam essa merda de desculpa? — Perguntou irritado, trincando os dentes.
Sua face estava severa e muito rígida. Mais um péssimo dia de trabalho entre tantos que vivia.
— Porque é mais fácil alegar que não estava em seu juízo perfeito. — Respondi.
— Ainda vou à falência por causa da minha ética. Pelo menos é isso que diz Jared. — Disse apertando o volante de forma furiosa.
— É o seu primeiro ano como advogado. Tudo é mais difícil mesmo, amor.
Tento acalmá-lo, mas sei como se sente frustrado. Todos os dias vejo isso em seu rosto e me culpo por ter estragado os seus sonhos.
— Eu odeio esse trabalho! Odeio! Sou grato aos meus amigos por me aceitarem na sociedade. Eles já estão com o escritório há um
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ano e eu só me formei agora. Mas odeio realmente ter que pegar casos em que não concordo. Não sei quanto tempo aguento essa droga. — Bateu no volante de forma frustrada.
— Tudo vai dar certo... — Coloquei a mão em seu ombro e fiz carinho.
Eu sabia como ele se ressentia por não ter seguido o seu desejo e terminado a faculdade. Ainda estava fazendo especialização em direito criminal, mas odiava de fato o que fazia e eu era testemunha da sua amargura.
Não falamos mais nada até chegar em casa. Ele estacionou e depois tirou James da cadeirinha e o levou para o quarto. Segui direto para a cozinha para tomar o remédio de enjoo. Depois fui para o banheiro e fiz dois testes de gravidez de fabricantes distintos. Quando vi os dois resultados senti um misto de medo, inquietação e curiosidade. Minha menstruação não estava atrasada, mas segundo os testes estava grávida.
Joguei os exames fora e fiquei olhando para o espelho com as mãos na barriga por um longo tempo. As lágrimas escorrem pelo meu rosto ao me lembrar do que passei. Ouvi batidas na porta de Justin me chamando.
— Lizzy, amor, o que está ocorrendo aí dentro? Você está bem? — Ele perguntou com a voz preocupada.
— Entra! A porta está aberta.
Respondi e continuei na mesma posição. Quando Justin entrou e viu as minhas mãos sobre a barriga, abriu e fechou a boca algumas vezes tentando dizer algo, mas não conseguiu. Veio para o meu lado e me abraçou. Eu coloquei a cabeça em seu peito e orei para ficar
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tudo bem. Foi só isso que pedi a Deus. Não suportaria naquele momento passar por tudo novamente e perder outro filho. Estava com tanto medo naquele momento, que superava a felicidade que sentia pela gravidez.
— Tudo ficará bem, amor! — Ele beijou o topo da minha cabeça e me abraçou.
Depois de um tempo começou a alisar a minha barriga. Comecei a chorar, com medo do que poderia acontecer. Pouco a pouco fui me acalmando.
— Dessa vez será diferente e ele ficará bem. — Ele sussurrou em meu ouvido.
— Não suportarei perder outro filho, Justin... Eu juro que não suportarei. — Ele começou a beijar as minhas lágrimas e me balançar em seu colo como se fosse criança.
— Não perderemos outro filho... Eu juro! Agora vamos tomar um banho e depois prepararei algo gostoso para você comer.
Começou a tirar as minhas roupas de forma gentil enquanto conversava para me acalmar.
— Eu compus mais uma música ontem de madrugada. Queria mostrá-la para você hoje. Ela ficou linda e doce como você. Sei que vai adorar.
— Você está compondo novamente? — Perguntei enquanto ele desabotoava a minha blusa.
— Entre um processo e outro eu componho. Já escrevi três novas composições. Preciso de algo para relaxar e a música me ajuda. Você sabe disso.
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— Enquanto tocar para mim, eu gravarei. Adoro assistir os vídeos depois... Você sabe. — Disse sorrindo.
— Eu não me importo que faça vídeos de mim. Você sabe disso, né? Então vamos tomar um banho gostoso, fazer amor e depois eu te mostro o que fiz para você dessa vez.
Eu já estava praticamente nua e ele começou a tirar a sua roupa.
— Um dia, quem sabe, não lançamos essas composições. Você tem um enorme talento e ficará muito famoso. — Disse para ele, que estava praticamente nu.
— Isso é um sonho e não vivemos de sonho, amor. Eu tenho uma casa para sustentar e não posso me comportar como um adolescente idealista. A vida real está aí e sonhos não pagam as contas no final do mês. — Ele respondeu com amargura e vi seus olhos negros encherem de água, mas não chorou.
— Eu ainda acredito que sonhos possam virar realidade. Você não virou a minha? Por que não pode lançar suas composições? E você ainda canta bem. Isso ajuda muito. Mas falaremos disso depois. Quero tomar um banho gostoso com você agora. — Estendi a mão para ele e o chamei para o box. — Vem!
Fizemos um amor gostoso enquanto tomávamos banhos. Justin sempre me amava como se aquela fosse a primeira vez, dando-me prazer e aproveitando cada pedacinho do meu corpo. Ele me tocava com verdadeira veneração e os beijos que trocávamos eram intensos e carregados de paixão. Eu ainda sentia as borboletas no meu estômago fazendo um alvoroço. Cada toque, cada beijo e
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carícia me transportavam para um estado de felicidade indescritível. Estar com ele me deixava realizada.
Depois que tomamos banho, jantamos e fomos para o estúdio que ele montou no primeiro andar da casa. James ainda dormia tranquilamente e não dava sinais que acordaria tão cedo. Assim pudemos aproveitar uma noite romântica e calma. Pude apreciar e gravar as novas composições de Justin. Meus olhos transbordavam de lágrimas ao vê-lo tocando de forma tão intensa. Sabia que cada música era feita especialmente para mim e nosso filho. Ele se realizava naquilo, apesar de odiar o trabalho e se estressar com ele. Mas quando se sentava diante do piano, era o mesmo Justin alegre, calmo e feliz que conhecia. Não aquele advogado frustrado e aborrecido que chegava em casa comigo todos os dias. O seu talento era algo inquestionável e em cada nota podia ouvir-se amor. As músicas transmitiam uma paz enorme e qualquer coração carregado de amargura ou ressentimento se acalmaria com ela. Eu ouvia de forma atenta, fazia observações sobre as partes que mais gostava e gravava enquanto ele estava em um estado de espírito elevado. Fechava os olhos e tocava com tamanha intensidade, que a paixão pela música ficava clara em sua face cheia de amor.
Foi assim que a carreira de Justin começou, com vídeos caseiros feitos por mim e posteriormente postados na internet. Assim que consegui alguém para produzir os seus trabalhos, ele deixou de ser um advogado frustrado para se tornar um pianista famoso, em uma época em que as músicas já não transmitiam mais mensagem de amor e paz, tão somente fazendo referência ao sexo
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de forma vulgar e escandalosa, rebeldia e revolta. Os adolescentes já haviam perdido a referência sobre música de boa qualidade.
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Capítulo 20
— Justin! Justin, acorda! — Comecei a sacudi-lo, mas estava em um sono pesado e roncava alto.
Eu já sentia as primeiras contrações chegando. Sabia que não adiantava nada ficar deitada, enquanto tentava acordá-lo. Eu havia molhado toda a cama. Precisava me levantar, tomar um banho e colocar uma roupa seca. Fiz as contas dos intervalos das contrações e percebi que vinham de quinze em quinze minutos, tempo suficiente para colocar algo seco. Levantei da cama, sentindo um leve desconforto. Caminhei com dificuldade até o closet, peguei um vestido, sutiã, calcinha e um suéter, fui para o banheiro, tirei as roupas o mais rápido que conseguia e entrei no box para tomar banho. Enquanto me banhava, senti mais uma vez a forte contração e gemi alto.
Apoiei uma das mãos na parede e comecei a fazer o exercício de respiração que havia aprendido. Foi muita dor e por mais que tentasse ser forte, era difícil conseguir controlar o meu estado emocional e tive medo.
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— Justin! Justin! Ahhhhh! — Gritei após mais um golpe da contração. Doía tanto... Fiquei sem ar por alguns segundos e quase caí. Justin entrou no banheiro assustado e perguntou.
— O que foi, amor? Quer comer algo diferente hoje? Ainda é madrugada... — Disse da porta do banheiro todo sonolento e ainda um pouco assustado com meus gritos. Normalmente eu acordava com fome e o tirava da cama para preparar algo para mim.
— A bolsa... A bolsa... — Fechei os olhos e as lágrimas rolaram em meu rosto.
— Oh Gosh! O que eu faço? — Ele entrou e começou a andar de um lado para o outro.
— Me ajuda a trocar de roupa... — Sussurrei com dificuldade. — Depois pega a bolsa que está separada no sofá e se arruma para irmos ao hospital.
Em poucos instantes Justin já havia me arrumado, estava com tudo pronto para irmos para o hospital. Eu fiquei sentada na cama enquanto o esperava. Ele estava muito nervoso e enquanto falava ao telefone com o meu médico, olhava para mim apavorado. Depois que terminou a chamada, ele me pegou no colo, levou até o carro, abriu a porta no lado do carona, colocou-me sentada confortavelmente, fechou a porta, deu a volta no carro, abriu a porta do motorista e depois entrou.
— Justin, você está se esquecendo de algo. — Disse para ele, que me olhou um pouco atordoado.
Olhou para o banco de trás e viu a pequena mala. Depois fez cara de paisagem e balançou a cabeça em sinal de negativo.
— Aimeudeus! Eu me esqueci do James...
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Ele saiu do carro correndo enquanto eu gritava:
— Justin, não se esqueça da bolsa da creche e da mamadeira dele. Tem que fazer uma mamadeira. Sabe que ele acordará com fome.
Fiquei no carro uns trinta minutos, sentindo muita dor, enquanto ele pegava James e cuidava das coisas do nosso filho. Aquilo pareceu uma eternidade, mas era necessário. Não tínhamos com quem contar e ele precisava cuidar do bebê enquanto eu sofria com as contrações.
Justin apareceu todo sem jeito, com a mochilinha dele nas costas e o nosso filho dormindo nos braços. Abriu a porta traseira e o colocou com todo cuidado na cadeirinha. Ao terminar, colocou a bolsa do outro lado, fechou a porta e deu a volta correndo para entrar no carro. Partimos para o hospital, em alta velocidade, e eu tentava demonstrar calma, enquanto ele já estava super nervoso.
— O que farei com James? Não posso entrar com ele na sala de parto e a essa hora... — Ele resmungou e balançou a cabeça em sinal de negativo. — Vou ligar para Elton e ver se ele e a esposa podem ficar com James no hospital até a hora de ele ir para a creche.
Eu não respondi nada e continuei tentando me controlar. Não queria chorar ou ficar gemendo de dor. Precisava ser forte por todos nós. Ele já estava nervoso o suficiente àquela altura do campeonato, sem eu ter uma crise histérica. Se começasse só pioraria a situação. Fechei os olhos e tentei me acalmar, enquanto o ouvia conversando ao telefone.
— Eu sei que são quatro da manhã e não ligaria se não fosse uma emergência... É! Isso mesmo! Estamos indo para o hospital de
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New Haven e preciso que alguém fique com James enquanto assisto o parto. Ahn-Ham! Tudo bem, obrigado! Encontro vocês lá.
Abri os olhos e olhei para ele, que passou uma das mãos sobre a minha testa.
— Ficará tudo bem, amor! Eles ficarão com James e assim que chegarmos lá ligarei para mamãe. Ela virá o mais rápido possível e nos ajudará com ele esse período. Está doendo muito? — Perguntou de forma carinhosa, enquanto me olhava com preocupação.
Só assenti com a cabeça.
— Fica tranquila, tá? Estarei com você o tempo todo. Eu juro! — Continuou dirigindo, enquanto eu observava James dormindo pelo retrovisor.
Dez minutos depois estávamos no hospital e fui encaminhada para a sala de pré-parto. Justin ficou com James aguardando Elton e a esposa, por isso não pode ficar comigo. O meu médico fez alguns exames e identificou que já estava com cinco de dilatação. Conversou um pouco comigo e tentou me acalmar. Depois a enfermeira me preparou e me levou para a sala de parto em uma maca, auxiliada por outro enfermeiro. As contrações aumentaram e os intervalos eram mais curtos. Eu chorava baixinho e tentava não fazer nenhum drama, mas estava morrendo de medo.
Não sei quanto tempo se passou, mas foi uma eternidade para mim, até Justin entrar na sala de cirurgia e ficar ao meu lado segurando a minha mão. O procedimento começou e pouco tempo depois estava cercada por toda a equipe médica. A dor era terrível e eu tentava fazer o máximo de força possível. Nunca imaginei que parir um filho fosse tão doloroso. A noção que tinha a respeito do
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assunto não fazia jus à realidade. Eu me rasgava de dentro para fora e ele não saía.
Justin me incentivava a todo o momento, pedindo para eu respirar mais e fazer mais força. O meu médico falava comigo e mandava fazer força. O tempo pareceu parar e quase morri com tanta dor, mas no final tudo deu certo.
No meu último momento de força, coloquei toda a minha vontade e empurrei o máximo que meu corpo permitiu. Quando senti a carne rasgando inteira e a cabeça saindo, gritei muito alto. O suor escorria em meu rosto, misturado com as lágrimas de emoção e sofrimento. Aquele foi o momento crucial e soube disso quando ouvi o choro do meu filho. Não sei como meu coração não explodiu.
Justin chorava muito ao meu lado e apertava minha mão tão forte, que quase a esmagou. Naquele momento tudo se fez mais belo. Mesmo a dor, que ainda sentia, não era capaz de apagar ou diminuir a emoção. Queria desesperadamente ver o meu filho e tê-lo em meus braços. O amor era tão grande e avassalador, que foi capaz de me encher de paz e alívio. Nunca pensei que amar um filho fosse daquele jeito. É claro que amava James de todo o coração. Ele era a minha força e minha inspiração. Contudo, por mais estranho que pareça, naquele momento parecia não haver amor maior do que o meu por Jimmy.
Quando Justin o trouxe para mim e colocou o seu corpinho perto da minha cabeça, facilitando o meu campo de visão, chorei ainda mais de emoção e felicidade. Queria segurá-lo em meus braços e não largar nunca mais. A ansiedade tomou conta de mim e não me importei com as pontadas de dor que ainda senti durante o
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tempo em que fizeram os pontos. Chorei com vontade e ri de forma histérica. Aquele foi um momento perfeito... O nascimento do meu Jimmy...
Viro meu corpo e me aconchego sobre a cama, e me debato. Meus pensamentos são levados para outra época. Meu corpo está cansado e ainda estou com muito sono. Preciso dormir, mas as lembranças são fortes demais, misturando com os meus sonhos. Sonhar é tão bom... Faz-me lembrar dos momentos felizes da minha vida.
— Oi, meu anjo! — Tentei abrir os meus olhos, mexi as pálpebras cansadas e fui guiada pelo som daquela voz rouca e encantadora.
Conhecia bem o som daquela voz. Ele soava como música para meus ouvidos e era capaz de me fazer sentir uma felicidade infinita. Quando finalmente o vi, sorri e ele me devolveu o sorriso.
— Nossa filha é linda... — Ele sussurrou de forma muito suave, enquanto aproximava o rosto do meu e beijava a ponta do meu nariz. — Eu não consegui chegar a tempo, mas verei o vídeo do parto.
— Alice é tão linda... — Era muito abençoada por ter uma família tão linda. Já tinha dois filhotinhos adoráveis e acabava de ganhar uma princesa tão maravilhosa. Era bênção demais para qualquer pessoa. Compensava todo o sofrimento durante a gravidez.
— Sim! Ela é perfeita e se parece comigo, assim como os outros. Acho que ao crescer ficará tão bela quanto a mamãe. — Justin disse orgulhoso.
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— Eles já chegaram? — Perguntei. Queria muito ver meus filhos, a Sra. Vanessa e Jony. Compartilhar com eles aquela realização de ser mãe mais uma vez.
— Mamãe está lá com James e Jimmy. Jony faz o papel de tio perfeito cuidando dos sobrinhos. Até meu pai parece animado dessa vez. Acho que as coisas vão melhorar. — Respondeu bem animado. Acho que foi pela presença do pai.
Depois do nascimento de Jimmy meus sogros voltaram para New Haven, para ficarem mais próximos de nós, e compraram uma casa que ficava cerca de 20 minutos da nossa. Minha sogra fazia questão de cuidar dos netos enquanto trabalhávamos e meu sogro, que ninguém poderia imaginar até aquele momento, virou um avô coruja. Jony era mais irmão do que tio para os meninos, mas cuidava deles com todo o carinho.
Tivemos um Natal em família, depois da chegada de Jimmy, e até mesmo a minha mãe compareceu. Os aniversários de James e Jimmy foram ocasiões festivas que conseguiram reunir todos em volta das crianças. Finalmente tínhamos uma família feliz, apesar da distância entre meu sogro e Jony. O nascimento de Alice seria mais um motivo de festa e união familiar. Sabia que todos ficariam paparicando o meu ―docinho‖ o tempo inteiro como abelhas sobre o mel. Até Justin, que odiava o trabalho, era feliz com a família que tínhamos. Ele sempre arrumava um jeito para festejar, fossem aniversários das crianças, de namoro, casamento ou alguma ocasião que inventava para os festejos. Pela primeira vez na vida vivíamos em plena harmonia.
— Quero ver minha filha. — Pedi ainda sonolenta.
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— Ela está deitada no berço logo aqui do lado. — Respondeu e caminhou até o berço para pegar Alice.
Quando o vi segurando a nossa filha, olhando para ela como se fosse uma joia, eu me lembrei da forma como ele olhava para mim. Era amor incondicional que via naquele momento. Agradeci mentalmente a Deus pela família maravilhosa que tinha. Apesar das dificuldades que passávamos, a nossa vida era muito feliz e tudo que fizemos até ali valeu a pena.
— Eu amo você, meu anjinho... — Ouvi-o sussurrar para ela. Meus olhos encheram de água naquele momento.
Minha mente é levada para outro momento. Estou agora em uma sala cheia de crianças, palhaços, mágicos e uma mesa decorada com circo, animais, pequenos bonecos, luzes e um lindo bolo. Ouvi alguém me chamar e me virei. Vi Justin com Jimmy no colo chorando. Era o aniversário de três anos dele e por algum motivo meu filhote estava aborrecido. Caminhei até ele e o peguei no colo.
— O que aconteceu, meu amorzinho? — Disse beijando o rosto do meu filho. Jimmy fez beicinho e passou a mãozinha gordinha sobre o olho.
— James me bateu. — Respondeu chorando e olhei para Justin.
— O que aconteceu, amor? — Perguntei a ele, enquanto secava as lágrimas do meu filho.
— James pegou um dos brinquedos que ele ganhou e sabe como é seu filho. Foi com tudo para bater no irmão. James revidou e acho que acabou colocando força demais. — Justin respondeu como se não fosse nada demais.
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— Cadê o James? — Perguntei. — Traga ele aqui! —
Ordenei a Justin, que saiu dali para procurar o outro menino. Quando voltou, James estava com o rosto choroso também e olhava para mim assustado. Coloquei Jimmy no chão, de frente para James e olhei feio para os dois.
— Você bateu nele, Jimmy? — Perguntei brava e Justin só ficou olhando. Não se meteu na reprimenda que dava aos dois.
Jimmy balançou a cabeça em sinal de positivo. Olhei feio para James e ele abaixou a cabeça.
— E você bateu no seu irmão? — Perguntei a ele, que também assentiu com a cabeça. — Eu não quero vocês dois brigando! Entenderam? Pede desculpas para o seu irmão, Jimmy! — Ele me olhou assustado e depois para James.
— Desculpa! — Disse e ficou me observando com receio.
— Agora você, James! — Ordenei e vi Justin querendo rir, de braços cruzados sem dizer nada.
Ele sabia que ficaria brava se me desautorizasse na frente dos meninos. Rir daria confiança aos dois. Por isso se segurou.
— Mas mãe... — Quando percebeu que fiz cara de brava, abaixou a cabeça novamente e se desculpou.
— Desculpa! — Disse para o irmão.
— Agora eu quero que vocês se abracem e se perdoem. Vocês são irmãos e não podem brigar. Precisam aprender a brincar sem brigas. Precisam dividir os brinquedinhos e não ser egoístas. Se continuarem a brigar pelos brinquedos, vou trancar todos em meu quarto e não terão nenhum. Entenderam? Agora peçam desculpas.
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Cruzei os braços e fiquei esperando. James abraçou a irmão e cochichou no ouvido dele. Depois Jimmy falou algo para ele e começaram a rir. James pegou a mão do irmão e saíram correndo.
— Esperem! — Os dois olharam para trás. — Vai começar o show do mágico. Chamem os amiguinhos para cá. — Disse, e os dois correram.
— Você é incrível. — Justin me abraçou por trás e me beijou no pescoço.
— Eles precisam ser unidos e não brigarem por besteiras. Não podemos incentivar as desavenças, Justin. Mesmo que um esteja mais certo, ambos receberão o castigo e assim aprenderão. — Disse de forma firme para ele, que sempre acatava as minhas decisões em relação à educação das crianças.
— Eles são crianças, amor! — Ele retrucou.
— Mas é de criança que se aprende. — Respondi. Criar filhos não é nada fácil. Mesmo quando nos magoa, temos que tomar algumas decisões difíceis. Sei que para eles, às vezes, pode parecer uma tortura. Mas geralmente, não é regra, os pais sabem o que é o melhor. Dizer não é necessário, assim como castigar. Não é brincadeira ter que ser rígido, mas no final sempre vale a pena, mesmo com o coração doendo com a carinha de dor que fazem.
O cenário mudou e agora estamos em frente a uma linda mesa rosada, com várias bonecas, o painel é das princesas, na mesa também há bichinhos, um enorme castelo e o bolo branco, que está cercado com as bonecas das princesas, sobre ele uma vela de um ano. Justin está com Alice no colo, James e Jimmy estão em
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banquinhos batendo palminhas, a nossa frente estão nossos amigos, minha mãe e os meus sogros.
— Parabéns pra você! Nessa data querida! Muita felicidade! Muitos anos de vida! — Começamos os parabéns e Alice se agita nos braços de Justin, batendo palminhas.
Estou muito feliz nesse momento. O tempo passou muito rápido e minha bebezinha cresceu bastante em um ano. Toda gordinha, com a pele morena do pai, os cachinhos negros caindo em suas costas, vestida em um lindo vestido branco de princesa. Ela estica as mãozinhas e tenta chegar ao bolo. As pessoas riem achando graça. Quando os parabéns acabam, Justin passa nossa filha para os meus braços e começa a tirar os meninos dos bancos.
— Má Má Má! — Ela passa a mãozinha no meu rosto e começa a conversar. — Má! Má! Ahhhhh! — Grita e começa a rir e se sacudir em meu colo.
— Vem com tio Jony, Lice! — Ele a chama e ela se assanha toda para o tio.
Estica os bracinhos gordinhos para ele e pula para o seu colo. Pequena traidora. Todos os três são, quando se trata dele.
— Traidora! — Disse para ela rindo.
— As crianças não resistem ao tio, não é Lice? Hum! — Começa a distribuir beijos e ela a gritar em seu colo.
— Ah! Ah!
— Ele ganhou novamente? — Justin perguntou com tom zombeteiro para mim.
— Ele sempre consegue carregar as crianças. — Respondi para ele fazendo biquinho.
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— Ainda descubro qual o segredo desse fedelho. — Ele respondeu para mim, virou o meu corpo, colocando-me de frente para ele e beijou os meus lábios.
Minha mente continua em devaneios. Fico entre a realidade e os sonhos, que me fazem rolar cansada pela cama, dormindo e acordando de tempo em tempo. Queria apenas dormir, mas isso não ocorre. Sou puxada para outro cenário e continuo revivendo os momentos de nossas vidas.
— Sra. Stone, que prazer em conhecê-la — Diz o sr. Paul Anderson, um dos produtores musicais mais badalados dos Estados Unidos. Ele foi responsável pelo sucesso de várias bandas famosas e como tal não costumava ser um homem muito acessível. Conseguir um encontro com ele foi uma sorte e contei como uma feliz coincidência. A esposa do sr. Anderson era irmã de uma amiga do trabalho, Patrícia Crawford, e ao saber sobre o talento de Justin e do seu sonho, Patty conseguiu que ele visse os trabalhos de Justin e marcou um encontro comigo.
— O prazer é todo meu, sr. Anderson. — Ele beijou a minha mão como um verdadeiro cavalheiro e depois se sentou ao meu lado na mesa do restaurante que reservei para o encontro.
O maître nos serviu vinho tinto e nos entregou o cardápio. Escolhemos nossa refeição, pedimos uma entrada e começamos a nossa conversa.
— Eu assisti aos vídeos que fez do seu marido. — Ele começou. — O sr. Stone é muito talentoso, mas a senhora sabe que não é o tipo de música que faz tanto sucesso. — Disse de forma sincera.
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— Sim, eu sei! As pessoas preferem música pop, rock e hip hop. São poucas as que gostam de música clássica e instrumental. O mercado para esse estilo é bem restrito, mas sei que meu marido é talentoso e que se houver um investimento na sua imagem a carreira pode ser de muito sucesso. — Respondi de forma decidida.
Não deixaria que suas palavras me desestimulassem. Sabia bem que a propaganda era a alma para qualquer negócio. Só precisaríamos investir na imagem de Justin. Mesmo com música clássica, faria um grande sucesso. Tinha certeza disso.
— Decerto... — Ele fez uma pausa. — Seu marido canta? — Perguntou arqueando uma das sobrancelhas em tom desafiador.
— Cantar não é o seu talento principal, mas ele canta. Tem uma voz marcante e encantadora. — Aquilo não era bem verdade. Justin cantava muito pouco, mas se fosse para alavancar a carreira, ele faria aulas de canto e investiria em sua voz.
— Eu conheço um maestro, acho que deva ter ouvido falar dele, sr. Franz Hansberguinstein, que é um jovem talento e tem feito muito sucesso. Acho que ele pode ajudar a alavancar a carreira do seu marido. Eu mostrei os vídeos e ele tem interesse em conhecê-lo. Se Hansberguinstein aprová-lo, conseguirei produzir um DVD para ele e veremos a resposta do público. O importante é ter uma marca e só tocar piano não ajudará muito nesse início. — Bebeu um gole de vinho, que o garçom acabara de colocar dentro da taça e ficou me observando.
— Tenho certeza que sr. Hansberguinstein se encantará com o talento de Justin. Quando podemos marcar um encontro entre os dois? — Fui direto ao ponto. Se aquele homem estava disposto a
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investir em me amor, não faria rodeios. Já não suportava mais ver a tristeza e frustração dia após dia nos olhos dele.
— Eu entrarei em contato com a senhora em breve.
Conversarei com ele ainda essa semana e se tudo sair como espero, em seis meses Justin Stone estará em todas as rádios desse país. Talvez do mundo... — Bebeu outro gole, após afirmar aquilo de forma tão natural.
— Assim eu creio. Tenho certeza que o senhor não se arrependerá. — Bebi um gole de vinho. — Quanto ao contrato? Ele fará um contrato com a gravadora? — Perguntei. Agora eu arqueava uma das sobrancelhas.
— Primeiro vamos mostrar o trabalho à Hansberguinstein e depois discutiremos sobre isso. Se tudo ocorrer como espero, em breve seu marido será um homem muito rico. Ele tem o que as fãs querem... Independente de cantar bem ou não. — Deu uma risada sarcástica.
— Não entendi! — Respondi.
— Seu marido é bonito, tem presença de palco. Pude ver como ele se sai bem diante das câmeras. Se as adolescentes gostarem da aparência e da voz dele, será um sucesso garantido, independente de tocar bem ou cantar. — Respondeu de forma seca.
— Compreendo... — Justin era bonito o suficiente para alavancar a carreira. Bastaria às meninas ouvirem sua voz e verem alguns clipes, estariam rendidas aos seus encantos. Seria sucesso garantido.
— E quem cuidará do contrato dele? — Ele me perguntou.
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— Eu mesma farei isso. Cuidarei pessoalmente da carreira de Justin. — Respondi de forma decidida.
Cuidaria de tudo para que ele só tivesse que se dedicar à sua paixão. Abriria mão até da minha carreira para ver um pouco de satisfação profissional na vida dele.
— É uma mulher decidida... Além de bela. — Bebeu outro gole e me olhou com certa admiração.
— O senhor não faz ideia de como. — Disse de forma determinada.
O restante do almoço correu bem, o sr. Anderson me falou do seu trabalho, da gravadora e dos contatos. Explicou como eram fechadas as agendas de shows e sobre os investimentos nas divulgações. Passamos uma hora conversando sobre a ―futura e promissora‖ carreira de Justin, e depois corri para casa. Precisava contar a ele sobre os acontecimentos.
Ao chegar em casa, eu o encontrei na sala com James, Jimmy, Alice, Jony e minha sogra. Justin contava sobre um caso que havia ganhado naquele dia e parecia, pela primeira vez, feliz com o trabalho. Ao que entendi, ele conseguiu ganhar uma causa de família, onde aos pais de uma mulher falecida pediam a guarda dos netos na justiça. Justin defendia o pai, que estava desestruturado naquele momento, mas não queria abrir mão das crianças. Fazer o bem para outra pessoa, ainda mais se tratando de crianças, deixou-o feliz. Pela primeira vez vi um brilho diferente nos olhos dele. Estava satisfeito e realizado por seus esforços darem bons frutos.
— Oi amores! — Disse acenando para todos.
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— Oi, meu amor! Como foi seu dia? — Ele caminhou até mim, puxou-me pela cintura e me beijou apaixonadamente.
Meu corpo logo reagiu com os lábios quentes e macios sobre os meus. Fiquei envergonhada pelos outros que estavam ali observando.
— Justin, mais compostura, amor! — Eu disse, escondendo a cabeça no seu peito.
— Eu gosto que todos saibam o quanto eu te amo... — Sussurrou em meu ouvido.
— Tenho uma ótima novidade para conversar com você. Mas queria falar em particular. Vamos para o nosso quarto um instante? — Perguntei e vi um sorriso travesso se formando em seu rosto.
Ele me olhava cheio de malícia e podia jurar que estava excitado.
— O prazer será todo meu... — Ele desceu os lábios e beijou o meu pescoço. Demos um olhar para a minha sogra e Jony, que piscou para nós.
Fomos para o quarto trocando carícias, assim que chegamos à porta do quarto, entramos apressados e Justin a trancou, passando a chave, para ninguém entrar e nos interromper.
Começou a me beijar com desespero, travando uma batalha deliciosa entre as nossas línguas. Meu corpo todo amoleceunos braços dele naquele momento.
— Justin! Justin, para! — Tentei afastá-lo.
Ele, no entanto, continuou a me beijar com paixão. Passei os braços em volta do seu pescoço e o senti me empurrando contra a parede.
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— Eu tenho novidades para você, amor... — Ele continuava a me roubar beijos.
— As novidades podem esperar... — Começou a abrir o botão da minha blusa, enquanto me olhava com desejo desesperador.
— Sua mãe... As crianças... Por favor... Não é decente, amor! — Eu o empurrei e me afastei do seu beijo. — Podemos esperar até todos irem dormir. Vamos esperar, amor! Por favor! — Pedi. — Tudo bem, Lizzy! O que precisa me contar? — Perguntou aborrecido, com a voz ríspida e se afastou.
— Hoje eu fui almoçar com o sr. Anderson. Ele é produtor musical da EMI Music. Justin, a minha amiga do trabalho é cunhada do sr. Anderson e dei a ela alguns vídeos seus tocando. Aqueles que publiquei no Youtube, sabe? Ele gostou dos vídeos e está disposto a investir em você. Conseguiu um encontro com o maestro Hansberguinstein. Ele vai avaliá-lo e ajudar com suas composições. — Comecei a falar tudo muito rápido, sem se quer parar para respirar. — Se o sr. Hansberguinstein gostar de você, está feito. Justin você tem noção? Finalmente realizará o seu sonho. O que pode ser mais perfeito? A única coisa que não gostará muito, é que precisará cantar. Mas isso podemos arrumar. Você canta bem e com umas aulas de canto será perfeito.
Justin me olhou atordoado e não disse nada. Balançou a cabeça em sinal de negativo, começou a andar pelo quarto e parou de longe para me observar.
— Acabou? — Perguntou com a voz mortífera depois de um longo período de silêncio.
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— Como assim acabou? — Perguntei exaltada e levantei os braços. — Eu tive um trabalhão para conseguir esse encontro. Sabe como esse homem é requisitado e difícil? Ele viu sua música e não se daria ao trabalho de ir se encontrar comigo se não houvesse gostado. É assim que me agradece? — Coloquei as mãos na cintura e o encarei furiosa.
— Sonhos não pagam contas! — Ele esbravejou. — Eu tenho uma família para sustentar e não posso me dar ao luxo de brincar de músico, Elizabeth.
— Eu estou cansada de te ver amargurado. Estou cansada de vê-lo chegar dia após dia chateado com os casos que pega. Eu acredito em você e por isso corri atrás disso. Agora se quer continuar a levar uma vida medíocre e amarga é problema seu. Eu lavarei as mãos! Você pode ao menos ir ao encontro dos Srs. Hansberguinstein e Anderson? Pode ir conversar com eles? O que custa?
Eu estava quase gritando com aquela frustração. Depois de todo o trabalho que tive, ele simplesmente não queria ir. Estava muito aborrecida naquele momento.
— Custa meu tempo e mais frustrações. Eu já estava acostumado com a minha vida. Não precisava de ninguém para me lembrar que ela é uma merda.
Ele também estava quase gritando e o que disse me magoou profundamente.
— Você quer dizer que nossa família é uma merda? É isso? Você está arrependido de tudo? Eu sabia que um dia jogaria isso na minha cara!
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Meus olhos estavam cheios de lágrimas naquele momento. Sentei-me na beirada da cama, cruzei os braços na altura do peito e olhei para porta. Ouvi os passos de Justin caminhando para mim e virei o rosto quando se ajoelhou em minha frente.
— Eu sou feliz com você e com nossa família. Não foi isso que quis dizer. Você sabe bem disso, Lizzy. Mas eu não quero mais esses sonhos. Não são para mim e você sabe disso perfeitamente. — Disse com a voz calma passando a mão sobre o meu rosto para me tranquilizar.
— Então me ouça e atenda o que estou pedindo... Por favor! — Implorei a ele.
— Lizzy, não! — Ele advertiu.
— Olha só Justin... — Hesitei e engoli em seco. — O negócio é o seguinte. Ou você vai se encontrar com eles e tenta, ao menos, ou nunca mais se atreva a reclamar da vida ao meu lado. Estou te dando uma opção e você precisa decidir. Se o seu encontro com eles ocorrer bem, você vai falar com seus sócios no escritório e dizer adeus. Eles vão entender que você precisa seguir os seus sonhos. O que ganho dá para segurar as contas por enquanto e quando estiver ganhando muito dinheiro, deixo você me sustentar. OK? — Respirei fundo e continuei — Agora seja homem e siga o seu coração. Chega desse pensamento negativo que o seu pai implantou na sua mente. Chega! Entendeu... Eu cansei disso. — Levantei da cama e caminhei furiosa e frustrada para o banheiro.
— Quando e onde é o encontro? — Ele perguntou dando-se por vencido.
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— O sr. Hansberguinstein nos esperará às 11:00 no estúdio dele. Vamos lá e ele o avaliará. Você dará o seu melhor. Entendeu? — Disse com veemência para ele.
— Você está muito mandona. — Ele resmungou aborrecido.
— Ás vezes é preciso que alguém segure as rédeas por aqui.
Entrei no banheiro, bati a porta chateada. As suas palavras ainda me machucavam muito. Ouvi-lo chamar a nossa vida de ―merda‖ me magoou. Nunca pensei que isso fosse possível algum dia.
— Lizzy, posso entrar? — Ele perguntou do lado de fora.
Eu estava lavando o rosto, molhado pelas lágrimas que desceram sem que percebesse, com a dor latente em meu peito.
— Eu não quero falar agora, Justin. Vá embora! — Respondi e ouvi o ranger da porta se abrindo.
— Desculpa amor! — Ele me abraçou por trás e começou distribuir beijos em meu pescoço. — Não quis te magoar. Não quis dizer aquilo. Você sabe o quanto sou feliz com nossa vida, não sabe? Nunca mais despejarei a minha frustração em você. Eu prometo isso! — Ele me virou para si, pegou uma toalha de rosto e começou a secar delicadamente. — Nunca mais... Prometo. — Beijou a ponta do meu nariz e dei uma risadinha.
Naquela noite fizemos amor no banheiro com a promessa de um futuro diferente. Eu queria que ele tivesse a felicidade e realização que tanto sonhou. Ele merecia isso e muito mais. E eu faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que seus sonhos virassem realidade.
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Duas semanas depois, após o encontro com o maestro Hansberguinstein, a EMI Music assinou contrato com Justin. Começaríamos a trabalhar no primeiro álbum na semana seguinte. Meu amor finalmente teria o que era de direito. Seria um músico de verdade e estava fadado ao sucesso.
— O contrato foi assinado, com tudo o que tenho direito... Isso é um sonho! Temos que comemorar! — Justin me pegou no colo e me rodou no ar, feliz, apaixonado e realizado. Finalmente o sonho se tornava realidade.
— Há-há-ha! Há-há-há! Finalmente! Finalmente! — Ele me rodava no ar. — Temos que comemorar! Temos que festejar esse contrato com um jantar. Finalmente, amor! — Eu continuava a falar, louca de felicidade por aquele acontecimento. As lágrimas de felicidade rolavam em meu rosto. Justin também gargalhava feliz da vida.
— Nosso sonho! Há-há-há! Finalmente, amor! Finalmente! — O sr. Anderson olhava para nós com aquele jeito discreto e não disse nada por algum tempo. Depois se manifestou.
— Bem, eu os deixarei comemorando. Espero você no estúdio na hora marcada. Temos muito trabalho a fazer, rapaz. Ahh... O professor de canto vai procurá-lo em sua casa. Quero que treine sua voz até o início das gravações. O maestro Hansberguinstein já está terminando o arranjo para as músicas que compôs. Precisamos agora de um compositor para escrever ao menos três letras para você fazer a melodia. Encontro vocês no estúdio.
— Obrigada, sr. Anderson! Obrigada do fundo do coração. — Disse para ele, enquanto Justin me colocava no chão.
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— Não me agradeça agora... Apenas trabalhem! Temos um diamante para lapidar.
Dito isso, saiu da sala com o advogado da gravadora e me deixou sozinha com Justin no escritório dele.
— Agora você conversará com seus sócios no escritório e deixará isso tudo para trás. De agora em diante, é vida nova para todos nós. — Disse para ele.
— Será que consigo? Será que isso tudo não é loucura? — Ele me perguntou receoso.
— Estou com você para o que der e vier, amor. Vamos vencer mais essa fase. Tudo dará certo! Tudo! — Nos beijamos apaixonadamente por um longo tempo. Aquele foi o primeiro dia de realização para Justin. Ele finalmente realizaria todos os sonhos e eu estaria ao seu lado para segurar a sua mão.
Rolo novamente o meu corpo na cama, tento abrir os olhos, mas não consigo. Estou tão cansada e acordando de tempo em tempo. Só queria dormir... Só dormir. No entanto outras lembranças invadem a minha mente.
Eu estava no consultório médico e meu ginecologista me examinava. Estava sentindo certo desconforto nos últimos tempos, meu corpo apresentava sinais de cansaço, minha menstruação estava atrasada e não havia chegado ao período de menopausa que a maioria das mulheres passava. Resolvi me consultar para checar se estava tudo bem comigo. E levei um susto ao terminar o exame.
— Eu achei que você precisaria de reposição hormonal, por isso passei vários exames para você na última consulta. Os exames me mostraram algo muito interessante, Lizzy e por isso resolvi fazer
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um ultrassom para confirmar as minhas suspeitas. — Dr. Emerson disse de forma séria.
— Há algo errado comigo, Doutor? Eu tenho a impressão de ter algo acontecendo nos últimos meses. Tenho me sentido estranha, mas agora me deixou preocupada. É alguma doença séria? Não me deixe nessa angústia, por favor. — Disse para ele.
— O que você tem é algo muito sério e muito incomum, Lizzy. A maioria das mulheres na sua idade já passou pela menopausa e já fizeram reposição hormonal. Nos exames que fizemos nos últimos anos você me parecia ótima e nada disso me pareceu preciso. Agora eu estou feliz, mas ao mesmo tempo preocupado com sua saúde.
Não entendia o que ele queria dizer. Meu ginecologista sempre foi muito franco comigo e desde que mudamos para aquela pequena cidade, sempre fomos muito mais do que médico e paciente. Ele era um amigo da família e nossos filhos praticamente cresceram juntos. Nunca houve a necessidade de rodeios, como ali. Precisava saber o que tudo aquilo significava e estava, sinceramente, preocupada com a sua expressão.
— Fala logo, por favor! Mesmo sendo o pior, acho que tenho direito de saber o que se passa com meu corpo. — Disse para ele, sentindo as mãos tremerem de agonia.
Tinha a certeza de estar com alguma doença grave e estava com medo, mas precisava saber logo.
— Você está grávida, Lizzy! — Gelei quando disse aquilo. Era a última coisa que poderia pensar naquele momento.
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— Quando vi os exames que você fez na última semana, achei que poderia haver um erro. Por isso pedi que viesse hoje para fazer a ultra. Precisava ter certeza. E agora tenho.
Eu mal podia respirar naquele momento. Meu coração acelerou e me senti fraca.
— Você está grávida de quase três meses e não sei como não percebeu isso antes.
— Mas como... — Eu não tinha sinais de gravidez. A única coisa que me preocupava era o cansaço e o sono excessivo. Parecia estar em um estado constante de fadiga. Fora isso tudo estava normal. A minha menstruação passou a atrasar de uns anos para cá e por isso não me preocupei com o fato até aquele momento.
— Quer mesmo que te diga como? Você e Justin têm uma vida sexual ativa. E você ainda não entrou na menopausa. Os remédios, provavelmente, perderam o feito em você. Deveria ter mudado o medicamento quando passou a ter esses atrasos constantes. Não vou mentir, a sua gravidez é de risco. Você já passou dos quarenta e é um risco que deve escolher se assumirá ou não. A atual lei diz que a mãe pode interromper uma gestação em certas circunstâncias e perigo de vida é uma delas. Levei um choque com aquelas palavras.
— Está me sugerindo tirar meu filho? — Perguntei exaltada para ele.
— Estou apenas colocando as possibilidades. Você pode ter esse bebê, com um acompanhamento rigoroso ou não tê-lo. A escolha é sua. Sugiro que converse com Justin sobre isso antes de tomar uma decisão. — Respondeu.
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— Estou muito confusa agora. Preciso pensar sobre isso... Mas não tirarei o meu filho. Se Deus me deu um agora, é porque Ele quer que essa criança venha ao mundo. Tomei os cuidados necessários e mesmo assim fiquei grávida. Não penso em tirá-lo agora.
— Estou prescrevendo alguns remédios e vitaminas para você. Quero que vá ao consultório da Dra. Dawn e peça a ela para fazer um acompanhamento com você. Precisará de uma boa dieta feita por uma nutricionista e segui-la à risca. Não quero correr o risco de ter algum problema de pressão a essa altura do campeonato. Agendaremos nossas consultas três vezes ao mês. Quero acompanhar de perto esse bebezinho para que tudo saia bem. Tente não se alterar com nada. Se sentir qualquer dor, mesmo que seja dor de cabeça, peço que me procure. Temos que evitar que sua pressão suba. — Ele me estendeu as folhas com as receitas e o pedido de acompanhamento para a nutricionista. — Parabéns, mamãe!
Levantou-se, caminhou até mim, dando a volta na mesa, e me abraçou.
— Tudo dará certo. Essa criança nascerá saudável.
— Estou tão assustada com tudo isso... — Deixei escapar, ainda atordoada com a notícia da gravidez. — Mas eu quero esse bebê. Quero sim!
— Se conheço bem Justin, ele pulará de alegria quando souber. — Falou.
— Justin é um pai perfeito e mais um filho o deixará radiante, mas eu tenho medo, sendo bem sincera.
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— Se fizermos tudo direito, essa criança nascerá linda e perfeita como a mãe. — Beijou a minha bochecha de forma carinhosa.
— Agora vá! Tente não se alterar e qualquer coisa em liga. OK?
— OK! Obrigada por tudo. — Agradeci.
— Não há de quê. — Ele respondeu.
Depois que guardei as receitas na bolsa, sai de consultório, ainda atordoada, e fui direto para casa. Não queria passar por outra consulta naquele momento. Precisava ver Justin e me aninhar em seus braços. Aquela notícia me pegou completamente de surpresa.
Peguei o carro no estacionamento do hospital e tentei dirigir com calma para casa. Minha cabeça ainda estava atordoada. Tentava pensar sobre aquilo e nas consequências. Meus filhos já estavam na universidade e tinha uma adolescente rebelde em casa. Logo, logo ela também tomaria o seu rumo e Justin e eu ficaríamos sozinhos, para curtir o início da nossa velhice, se é que pode dizer que quarenta e cinco anos é ser velha. Mas um filho naquela etapa da vida, depois de tudo que enfrentamos, era algo realmente preocupante. Começaríamos tudo do zero e quando nosso filho chegasse aos vinte, seriamos dois idosos carentes de atenção. Não queria pensar naquilo... Não mesmo! Mas essa ideia não saia da minha cabeça um minuto.
Quando estacionei o carro na porta de casa e desci, comecei a ouvir os gritos da briga. Meu coração começou a palpitar mais forte. Sabia que não poderia me aborrecer e nem me emocionar a ponto da
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pressão subir. Precisava manter todo o controle naquele momento e não tomar partido na briga.
Alice se tornou uma adolescente rebelde. Por mais amor que déssemos para ela, sempre foi arredia e o ciúme que sentia dos irmãos a levavam a coisas que sempre se arrependia. O seu passatempo preferido era irritar o pai para chamar a atenção. Aprontava e na maioria das vezes se arrependia. Justin ficava aborrecido demais e sempre me perguntava aonde havia errado. Eu sinceramente não sabia o que dizer. Sempre demos de tudo, tanto material como afetivo, e nada era o suficiente para ela. Se o pai dissesse para não fazer uma coisa, ela fazia só para contrariá-lo.
Enquanto caminhava, ouvia os gritos exasperados de Justin:
— Enquanto viver sob meu teto, você vai me respeitar! Minha casa não é motel para você fazer o que bem entender.
— Eu estava transando! Se você não gosta do meu estilo de vida, pode me mandar embora. Mas não venha querer me dar lição de moral. Ninguém manda em mim! Ninguém!
— Aquele seu namorado é um vagabundo! Que futuro pode ter com ele? Volta aqui, mocinha!
Entrei em casa assustada. Vi Justin vermelho e descabelado, gritando em quando Alice corria para a escada.
— Que gritaria é essa? O que estava acontecendo aqui? — Perguntei, tentando manter a voz calma, mas sentia que meu coração explodiria a qualquer momento.
— Ela estava com o namoradinho fazendo... — Ele respirou fundo.
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Percebi que foi difícil para Justin completar a frase. Pude até sentir um pouco de constrangimento em sua fala.
— Estava fazendo sexo! — Ela disse num tom de petulância.
Tive vontade de virar o rosto de lado. Não era à toa que Justin havia perdido o controle. Mas que audácia daquela fedelha!
— Na nossa sala... Você tem noção do que é chegar em casa e pegar a filha transando no meio da sala? Sobre o nosso sofá novinho... O que fiz para merecer isso? — Levantou as mãos para o céu. — Devo ter errado muito... Só pode ser isso.
Via meu marido completamente transtornado diante daquela situação. Ele não merecia aquilo. Não mesmo. Sempre foi um bom pai. Era difícil entender onde e quando erramos com ela.
— Alice? — Olhei para ela e arqueei uma das sobrancelhas. — O que tem a dizer a seu favor? — Perguntei irritada com a cara de inocente que fazia.
Tive vontade de estrangular minha filha. Que Deus me perdoe, mas poderia ter feito isso naquele momento, tamanho era a decepção e frustração que sentia.
— Todo mundo faz sexo, mãe? Se fosse James ou Jimmy ele não estaria tão irritado. Mas como sou eu... Inferno! — Gritou e bateu o pé como criança birrenta.
Foi a gota d’água.
— Você não é todo mundo! Você é minha filha! Como ousa falar assim comigo e com seu pai, mocinha? Acha que isso aqui é a casa da mãe Joana? Você é uma adolescente e vive debaixo do nosso teto. Enquanto não for dona do seu narizinho empinado, não me venha gritar dentro de casa. Faltar com respeito aos pais já é demais.
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Dessa vez você passou de todos os limites, Alice. Eu não quero aquele fedelho na minha casa. Se você quer se esfregar com ele, vai para o motel ou para o meio do mato. Acabou a falta de respeito... A propósito, você está de castigo, sem mesada, sem internet, celular, tablet ou qualquer meio de comunicação com o mundo. Se acha que é tão esperta, arrume um jeito de pagar pelos seus meios de conversação.
Virei para Justin e senti uma tontura. Minha cabeça doía e me sentia exausta. Quando ia caindo, ele me amparou.
— Você está bem, meu amor? — Ele me segurou firme e depois me carregou nos braços até o sofá.
— Estou bem, amor! Só que... — Mordi os lábios e olhei em seus olhos.
Não sabia como dar a notícia em meio aquela confusão.
— Você está pálida, Lizzy. O que está sentindo?
Percebi quando Alice se ajoelhou diante do sofá e ficou olhando de forma preocupada.
— Eu estive no médico hoje e...
— Aimeudeus! — Alice colocou as mãos sobre a boca.
— Deixa sua mãe falar, Alice! — Justin disse de forma severa.
— Eu estou grávida de quase três meses, Justin. É uma gravidez de risco e não posso me aborrecer. Tenho que controlar a pressão. O meu médico está muito preocupado e até me sugeriu tirar o bebê. Mas eu quero esse filho, amor... Eu juro que quero. — Afirmei com toda a convicção do meu coração.
A expressão de Justin mudou completamente naquele momento. Parecia radiante, mas Alice não deu trégua.
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— Aimeudeus, um irmão? Ninguém merece isso! — Ela se levantou resmungando e saiu batendo o pé, ainda mais revoltada.
— Mais respeito com sua mãe, garota! — Ele a recriminou. — Não admito que você a magoe mais. Já não basta o desgosto de hoje.
— Fazer sexo não trás desgosto nenhum... — Ela respondeu, desafiando o pai mais uma vez.
— Cala a boca, Alice! — Gritei nervosa. — Você já passou de todos os limites. O que fiz para merecer uma filha tão malcriada? Nós te amamos e mimamos tanto... Por que age como uma delinquente? Por que sempre nos afronta? Essa coisa de ciúmes dos seus irmãos já foi longe demais. Estou cansada disso, minha filha. Por favor, uma trégua! Ou quer que eu morra? — E comecei a chorar desgostosa com as atitudes de minha filha rebelde.
— Desculpa... — Ela respondeu, se encolhendo. Percebi pela sua expressão angustiada que estava mesmo arrependida.
— Desculpas não apagam os seus atos. Vá para o seu quarto e não saia de lá. — Justin disse e ela saiu correndo para o quarto.
— Não aguento mais isso, Justin... Juro que não. — Coloquei a cabeça no ombro dele e tentei me acalmar. Era muita coisa para um dia só.
— Ela melhorará por bem ou por mal. Nem que tenha que quebrá-la inteira de pancada. Isso eu juro! — Percebi que ele falava muito sério.
Parecia muito preocupado com aquilo tudo. Tínhamos uma adolescente problemática em casa e eu grávida naquela idade, quando pensávamos que teríamos anos de sossego sem a correria com a carreira de Justin e nossos filhos.
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Capítulo 21
— Você ainda tem tempo para desistir, querida! — Justin disse para Alice na porta da igreja. Ela estava visivelmente nervosa e perturbada. Sentia-se culpada pelos seus atos e agora, com um filho a caminho, achava que a única coisa digna era se casar. Nós não a pressionamos, de forma alguma; minha filha sempre viveu em um lar estável e pensar na decepção que nos daria sendo mãe solteira fez com que tomasse a decisão mais radical da sua vida.
Eu estava ali com eles, sentindo um nó na garganta e uma vontade enorme de arrastar minha filha adolescente para casa, mas não podia. Sabia que era a vida dela e suas escolhas, por mais que necessitasse zelar por sua felicidade. Após a fatídica descoberta, pedi, implorei e depois só orei para que tudo desse certo. Justin era totalmente contra o casamento. Nem assim ela voltou atrás.
— Pai, foram os meus erros. Tenho que assumir as consequências deles. — Disse com a voz embargada. Fazia o possível para não chorar e estragar a maquiagem. Minha filha estava tão linda em um vestido branco e parecia uma verdadeira princesa. Se fosse outra ocasião, certamente todos comemoraríamos. Mas ali,
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diante do desastre iminente, só restava a nós, os pais que devíamos zelar por ela, tentar impedir aquele ato, mesmo no último momento.
— Filha, você sabe que cuidaremos de você e do seu bebê... — Comecei a falar, mas ela ergueu a mão e fez sinal para que parasse.
— Mãe, pai é a minha vida, minha escolha, meus erros...
Uma lágrima rolou em seu rosto. E meu coração se apertou ainda mais.
— Agora vocês têm Amanda para criar. Podem acertar com ela, já que fui um desastre como filha. — Disse magoada.
Nunca fizemos diferença entre os filhos, mas ela tinha ciúmes dos irmãos e quando Amanda nasceu a coisa só piorou. Sentiu-se ainda mais excluída.
— Filha, não... — Justin a fitou com uma dor indescritível nos olhos. — Nunca foi um desastre como filha. Nós agora temos Amanda e amamos, mas você sempre será a nossa princesa. Eu sei que nem sempre foram flores...
Ele estava desgostoso consigo por permitir que aquilo acontecesse, mas respeitaria a decisão dela acima de tudo. Ela tinha a escolha de continuar em nossa casa e cuidar do filho, ou ir para Yale e permitir que criássemos nosso neto enquanto estudava, mas não aceitou. Ela ainda se ressentia um pouco com Amanda, nossa princesinha de seis meses, e sempre jogava na cara que não foi boa filha e por isso a estávamos castigando.
Desde o parto da irmã, Alice se tornou mais amarga, arredia e imprudente. Chegou a ser presa por dirigir embriagada e tivemos que ir buscá-la na delegacia. Foi uma das grandes vergonhas que passamos nesse período. Eu estava um pouco frágil e tinha muito
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trabalho com o bebê, por isso evitava os confrontos. Justin, uma vez, chegou a bater em nossa filha por desafiá-lo. Nem isso fez com que ela acalmasse seu gênio. Tanto fez, tanto aprontou, que acabou grávida no ano que iria para a universidade.
— Eu me casarei! Está decidido. — Disse como de forma firme.
Só me restava ir até o altar e esperar a entrada deles. Mesmo com o coração na mão, orei para que tudo desse certo e minha filha fosse feliz.
Uma mão quente e suave toca em meu ombro e o afaga.
— Mãe! Mãe! — Acordo assustada, viro o rosto e vejo minha filha.
Sorrio para ela, penso naquele episódio e uma melancolia me invade. Como esses últimos dias estão sendo difíceis, com tantas recordações.
— Aconteceu algo com seu pai? — Tento me levantar e ela me ajuda delicadamente.
— Tio Jony e James estão arrumando meu querido paizinho para o jantar. Tudo está pronto e só falta a nossa estrela guia. Vou arrumá-la e fazê-la brilhar, ainda mais, nessa noite. — Beija o meu rosto de forma carinhosa e eu a abraço.
— Estava sonhando com você. — Digo para ela. — Com seu casamento. — Faço carícias em seus cabelos. Exalo o suave cheiro de lavanda que sai da sua pele. Como é bom ter uma filha tão maravilhosa nesse momento. Temos nossas diferenças, mas apesar de tudo somos unidas. Alice aprendeu com os erros e se tornou uma pessoa boa ao longo dos anos. Só tendo um filho para saber como é
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o amor, a preocupação e a saudade que uma mãe sente. Ela agora compreende isso e pede perdão sempre que pode.
— Oh, mãe, pode me perdoar? Eu fiz tantas escolhas erradas na vida e magoei as pessoas que mais me amavam. Amo os meus filhos, mas sei que a vida poderia ser diferente se não fosse tão teimosa. Nunca me arrependerei o suficiente para apagar o que fiz vocês passarem.
Ela chora copiosamente. Também está frágil pela situação que temos vivido com Justin.
— Papai morrerá em breve e nunca disse o quanto o amava de verdade. Oh! Como a vida passa rápido. Por que só damos conta do tempo que perdemos com coisas bobas quando as pessoas já se foram ou estão prestes a partir? Queria ter mais tempo com vocês para compensá-los...
Chora ainda mais em meus braços, partindo o meu coração, e de certa forma eu a entendo. Ela e o pai sempre tiveram divergências e só recentemente conseguiram ter uma conversa civilizada.
Agora ele está prestes a morrer, ela se sente mal com isso.
— Nada de arrependimentos agora. Vamos celebrar o tempo que resta junto ao seu pai. O que passou, passou, meu amor.
Beijo o seu rosto e depois ficamos abraçadas por um tempo sem dizer nada. Alice me ajuda na produção para aquela noite. Há muito tempo não me visto para uma festa ou uso maquiagem. Sei que estaremos em família, e amigos queridos, mesmo assim quero fazer bonito. Sempre fui uma mulher bela e as rugas, causadas por essas décadas, além do cansaço e olheiras, adornadas pelos meus
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longos cabelos grisalhos, dão-me uma aparência de uma idosa relaxada. Nos últimos meses não tive tempo para me cuidar. Usei todo o tempo e dedicação, para ser tudo para o meu amado marido.
Agora me vendo no espelho, vejo o que o tempo fez com meu belo rosto. Meus olhos continuam azuis vívidos e lindos, mas rodeados por uma pele flácida e cheia de pequenas manchas. Após um bom tempo com minha filha me maquiando, olho no espelho e vejo novamente uma mulher bela. Certamente Justin perceberá como estou bonita essa noite e dirá isso. Ele sempre diz que estou bonita... Todos os dias. Hoje não será nada diferente. Adoro os seus elogios. Como sobreviverei sem eles? Isso realmente não sei.
O vestido escolhido é lindo e combina perfeitamente com meus olhos. Feito de seda azul claro, cheio de pedrinhas brilhantes, um pouco recatado, mas devo admitir que me deixa atraente assim mesmo. Pelo menos é o que sinto ao olhar para o meu corpo nesse vestido. Estava deslumbrante com ele no casamento de Amanda. Foi o que todos disseram na ocasião.
Depois dessa produção, minha filha e eu saímos do quarto e caminhamos para a sala, que está muito bem arrumada e cheia, como sempre. Meus familiares me cumprimentam, fazem elogios e brincam com a minha beleza, mesmo sendo uma mulher idosa. Procuro Justin com o olhar, mas não encontro. Megan me diz que está no quintal com os tios e saio à sua procura.
Quando o avisto de longe, meu coração bate acelerado e sinto uma estranha ansiedade. Os seus olhos encontram os meus e vejo que começam a se encher de lágrimas. Caminho até meu amor e ele abre um sorriso brejeiro para mim. Sei que se pudesse dizer algo
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naquele instante, diria algo no mínimo indecoroso. E me pergunto como, após tantos anos e esperando pela morte, ainda pode haver o brilho do desejo em seus olhos? Pego sua mão e a beijo de forma delicada.
— Você está divino, meu amor.
Digo para ele a verdade. Mesmo magro, praticamente sem cabelos, com o rosto abatido e corpo debilitado, Justin ainda é um homem bonito. Para mim o mais lindo de todos, com exceção é claro dos meus filhos, netos, sobrinhos e cunhado. Todos os homens da minha família são extraordinariamente belos.
Ele veste uma camisa de linho azul clara, calça e sapatos pretos. Há algo mais descontraído em seu olhar agora. Analisa o meu corpo naquele vestido e mais uma vez sorri. Aproximo meu rosto para ouvir o que tem a dizer e ouço o seu sussurro:
— Gostaria de ter forças... — Está com dificuldade em falar e faz uma pausa. — Para desnudá-la desse belo... Vestido... E saborear... Você.
Sinto minhas bochechas queimando pela vergonha. Será que alguém ouviu? Claro que não! Ele fala praticamente em sussurros. Mesmo assim me sinto envergonhada, mesmo após tantos anos. O seu olhar ainda consegue me fazer sentir desejada. Isso é bom... Muito bom.
— Sempre um conquistador! — Respondo para ele.
— Para ti... Sempre, minha querida.
— Como está encantadora, minha cunhada preferida. — Diz Jony, aproximando-se de mim. Beija o meu rosto com jeito galanteador.
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— Continua cantando minha esposa... — Justin sussurra para ele, que sorri.
— Sempre, meu irmão! Sempre! Uma mulher bela deve ser apreciada. Agora vamos para a mesa?
Ele sugere e Justin assente com a cabeça. A cadeira de rodas é empurrada pelo irmão e colocada na cabeceira da mesa.
Sento-me à sua direita e o olho da mesma forma apaixonada. Meu coração está batendo mais rápido essa noite e há uma estranha mistura de emoção com aflição. Não sei dizer ao certo o motivo, mas algo me diz que estamos vivemos os últimos momentos felizes antes da partida. Não quero chorar. Não hoje. Não quando estamos com familiares e amigos para celebrar a sua vida. Contudo sinto algo estranho... Cada vez que o olho, sinto como se fosse a última. Forço o meu melhor sorriso.
Hoje só pretendo dar a ele o meu rosto feliz, se isso será a sua última lembrança antes de partir.
Todos começam a tomar seus lugares à mesa, o quintal está maravilhosamente iluminado e a noite bela. Os sons das gargalhadas enchem o ambiente. Jony começa a contar sobre suas traquinagens de moleque. Os meus filhos fazem piadas e as crianças fazem comentários sobre as histórias dele. A noite começa muito boa e a comida está maravilhosa. Mas meu coração ainda está apertado. Tento sorrir e fingir que presto a atenção nas coisas que são contadas à mesa. Tento... Não posso.
Simplesmente engulo em seco e deixo minha mente vagando pelas recordações. Vez ou outra olho para Justin e sorrio. Ele parece maravilhado com a visão de toda família a sua volta. Sou
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transportada para umas das lembranças mais dolorosas da minha vida, além da perda dos meus sogros e do meu filho. Pensar naquele dia faz meu coração sangrar. Justin e eu tínhamos uma vida tranquila e feliz, já com filhos criados e netos adoráveis. Era uma fase gostosa e fazíamos planos para viver juntos até os cem anos.
Então, de uma hora para outra, a coisa toda aconteceu e descobrimos a doença. Aquilo acabou completamente com nossa família. Acho que ela nunca mais será a mesma depois daquela descoberta.
— O que eu tenho, Stwart? — Justin perguntou após ser chamado por nosso médico ao hospital. Ele fez uma bateria de exames quando começou perder peso, ter febre, coceira, nódulos no pescoço e na virilha. Também estava com uma transpiração profunda, dia e noite. Meu marido parecia abatido e após muita insistência de James, resolveu ir ao nosso médico, e fazer exames para ter um diagnóstico sobre a causa da sua enfermidade.
— O que tenho a dizer não é nada bom, meu amigo. — Disse olhando de forma fria para nós. Éramos amigos há anos e nossas famílias tinham laços muito estreitos. Mesmo sendo nosso médico, Stwart sempre manteve uma postura descontraída. Ali parecia muito preocupado e nos olhava como se não fossemos amigos. Percebi imediatamente que havia algo errado.
— Os exames que você fez me deixaram preocupado. Pedi urgência ao laboratório por isso. Não farei rodeios. Acho que precisam saber o que vem pela frente e o que irão enfrentar. Você está com câncer, Justin. Um tipo de câncer raro e há muito tempo não diagnosticado. Realmente me deixa curioso é como você
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contraiu essa doença. Normalmente ela é diagnosticada em pessoas que são expostas a agentes químicos...
— Qual é o tipo de câncer do meu marido, Stwart? — Perguntei sem rodeios.
Meu coração já estava doendo com aquela revelação e fui tomada pelo medo. Não é todo dia que se recebe esse tipo de notícia. Nosso médico tentava falar tudo de forma muito profissional, mas a sua preocupação estava estampada em seu rosto.
— Justin tem linfoma não Hodgkin. Geralmente os fatores de risco estão relacionados a pessoas que possuem imunidade baixa, como os pacientes que tem HIV ou portadores de alguns vírus, como Epstein-Barr, HTLV1, e à bactéria Helicobacter pylori. E também estão também ligados à exposição a certos agentes químicos, incluindo pesticidas, solventes e fertilizante. O último caso conhecido é a exposição a altas doses de radiação. Só não entendo como isso foi acontecer com ele... Realmente não entendo. — Disse franzindo o cenho.
— E o que esse câncer pode fazer? Quais são as implicações?
Justin perguntou com a voz muito calma, mas eu sabia que estava abalado. Olhei para suas mãos e as vi tremendo. Segurei firme e tentei passar o meu apoio para ele. Durante uma hora Stwart nos explicou sobre os procedimentos para a biopsia, exames e tratamento. Sobretudo nos explicou sobre as implicações da doença. Em determinado momento, eu já não entendia o que dizia. Mas a coisa que foi clara para mim foi o risco de invasão do sistema nervoso central do paciente. Aquilo, no entanto, era só para nos
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apresentar às implicações da doença. O fato mais grave dito ali sobre o estado em que ele estava.
— Justin, pelos resultados que analisei, a doença já está em um estado avançado. Acho que uma internação imediata se faz necessária. Faremos mais exames e o que estiver ao nosso alcance para salvar a sua vida. As chances são poucas, mas.... As lágrimas correram pelo meu rosto sem me dar conta disso. — Tentaremos. — Disse com ar desanimador.
Volto à realidade ao ser abordada por meu filho. Estava completamente perdida e não me dava conta do que se passava a minha volta.
— Mãe, você está me ouvindo? Não foi engraçado aquele dia em que papai me pegou saindo escondido com o carro dele? — Jimmy pergunta sorrindo para mim.
Forço-me a prestar a atenção nele, mas minha mente está muito longe dali.
— Claro, querido! Seu pai quase teve uma síncope naquele dia. Era um carro novinho e ele estava namorando o veículo há algum tempo. Você mal havia tirado a carteira de motorista e não se fez de rogado. O problema foi o bendito alarme do carro. Eu pensei que ele te bateria naquele dia, mas Justin me surpreendeu mais uma vez.
— O sem vergonha ainda teve sorte. — Diz James. — Papai deu um voto de confiança e emprestou o carro. Eu juraria que ele trancaria Jimmy em casa pelo resto da vida pela ousadia.
Mais uma vez me perco em meus pensamentos:
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Eu me lembro da expressão de Justin, da promessa que fiz e de como me senti. Tudo ocorreu tão rápido, e quando percebemos estávamos em um hospital, Justin fazendo o tratamento médico, e infeliz com aquela situação. Ele não queria aquilo... Não queria mesmo e sabia das implicações de sua decisão. Eu, como esposa e pessoa que queria somente a sua felicidade, tive que ceder aos apelos e aceitar sua decisão.
— Lizzy, amor, promete uma coisa? — Justin perguntou beijando a minha mão.
Estava deitado na cama daquele hospital há duas semanas. Em pouco tempo havia emagrecido ainda mais, perdido muito cabelo e parecia ter envelhecido uns 10 anos. Eu passava dias e noites com ele naquele quarto triste. Ele reclamava todos os dias e me dizia que queria voltar para casa.
— O que você quiser, meu amor. — Respondi.
— Você vai me tirar desse hospital. Sei que tenho no máximo três meses de vida. Stwart não foi muito otimista quanto a isso. A doença está em estado avançado e meu sistema nervoso afetado. Em pouco tempo não estarei mais falando, andando e parecerei um vegetal. Quero passar os últimos dias da minha vida em casa, com minha esposa e minha família. Não aguento mais esse tratamento. Você sabe como a quimioterapia me deixa e não adianta mais tentar. Você vai conversar com Stwart e assinar o que for preciso para a minha liberação.
Eu já chorava copiosamente naquele momento. A cada dia eu via a vida do meu amor se esvaindo por conta da doença. Eu, bem como ele, os médicos e todos na nossa família sabíamos que ele
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morreria. ―O que mais poderia fazer, além de atender o último desejo dele?‖
— Mas Justin... — Eu o abracei e chorei muito sem seus braços.
Ficamos calados por um tempo. Meu coração sangrando, pela dor da perda que já sentia rasgando tudo dentro de mim. Pensar na vida sem ele era algo insuportável. Nos últimos dias, naquele hospital, estava me preparando para a sua morte. Mesmo assim era algo que me deixava completamente aniquilada. Ali, diante de talvez o seu último desejo, como poderia negar? Precisava ser forte para enfrentar os dias que viriam e tornar mais alegre o fim de vida que ainda lhe restava. Diante do inevitável, fiz a promessa. Não havia como negar.
— Eu prometo! Vamos para casa e viveremos com intensidade o nosso amor até o fim. Prometo.
Beijei a sua testa e continuamos chorando juntos. Depois de algum tempo presa às lembranças do passado, sem aproveitar o jantar, as brincadeiras e o carinho de familiares e amigos; volto à realidade e tento interagir o máximo que minha sanidade permite. Contudo, para mim, hoje, é mesmo difícil conversar sobre presente e passado, que se misturam em minha mente causando um turbilhão de emoções. Quero apenas me sentir bem... Isso é a única coisa que preciso hoje.
Mas de certa forma, mesmo que algumas recordações sejam dolorosas e outras alegres, as recordações de uma vida têm me preparado para o pior. Acho que não sofrerei tanto quanto Justin partir, porque meu coração já está preparado para isso. Já tenho
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sofrido a sua perda mesmo em sua presença, a dor não será tão dilacerante.
— Você está bem? — Jony pergunta.
Confirmo com a cabeça e continuo perdida em meus pensamentos. Já espero pelo fim e tenho certeza que não demorará. Justin conseguiu o que mais queria. Tinha a família e os amigos maispróximos reunidos. Agora está verdadeiramente feliz, apesar da proximidade com a morte. Preciso manter a farsa e o sorriso forçado em meu rosto. Por ele... Por ele valerá a pena aguentar essa dor mais algum tempo sem desmoronar. Passo o resto da noite ouvindo as histórias, gargalhadas, brincadeiras e piadas. É o mínimo que posso fazer por agora. Mas estou tão cansada...
Por volta da meia-noite o jantar acaba e meus filhos começam a arrumar as coisas. Jony e Tim levam Justin para o nosso quarto e o colocam na cama. Justin sussurra para o irmão algo que não compreendo, e ele sai do quarto visivelmente abalado. Dá uma olhada rápida para mim e sai sem comentar o conteúdo daquele sussurro.
Ficamos a sós, finalmente, eu me sento à beira da cama, pego a sua mão e a beijo. Justin me olha com os olhos cheios de lágrimas. Continuo firme como sempre. Por mais duro que seja, não demonstrarei minha fraqueza agora.
— Tenha uma boa noite, meu querido! Amanhã será um novo dia para todos nós. Seus filhos estão ansiosos por contar mais casos sobre a família. E você precisa estar forte para ouvir os comentários. Descansa em paz essa noite. Amanhã teremos um belo dia pela frente. — Digo com otimismo fingido. — Eu te amo!
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Será mais um, entre tantos, dias melancólicos que temos vivido. Não é necessário dizer isso a ele. A situação em si já é dolorosa demais.
Lentamente Justin fecha os olhos e pega no sono. Velo o seu sono por um longo tempo. Olhar para ele, mesmo tão debilitado, faz com que me sinta forte. Mesmo diante do pior, meu amor ainda vive e está ao meu lado, com os olhos apaixonados sempre que me olha. É uma dádiva ser amada desse jeito por mais de sessenta anos. Sou muito grata por isso e o amo da mesma forma, ou talvez até mais do que antes agora. Ele me deu uma família linda, com filhos maravilhosos, tivemos momentos inesquecíveis ao longo dos últimos anos. Não poderia ser mais abençoada nesse sentido. Mesmo agora, prestes a morrer, quando me olha parece a primeira vez.
Ainda posso ouvir a voz daquele menino, pedindo para eu não chorar:
— Menina, porque chora? Não precisa ter medo de mim.
— Mamãe diz para ter medo de estranhos.
— Mas eu não sou um estranho. Sou o Justin Stone.
— Eu me chamo Elizabeth Marbrook, mas mamãe me chama de Lizzy.
— Bem agora que nos conhecemos, pode me dizer por que chora? Eu quero te ajudar. Uma menina tão bonita como você não devia chorar. Anjos não choram, sabia? E você parece com o anjo que tem no quadro na casa da tia Mary.
Justin me salvou de todas as formas que uma pessoa pode ser salva. Não tenho palavras para descrever o que foi aquele dia para
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mim. Ao longo da vida sempre esteve ao meu lado. Foi meu amigo companheiro, amante apaixonado, marido e pai presente. Penso em como será a minha vida sem ele e não vejo perspectivas. Não sei como continuar. Terei que aprender isso... Talvez outro dia. Preciso dormir. É isso! O sono me ajudará a pensar com clareza sobre o futuro.
Vou ao banheiro, tiro o meu vestido, tomo um banho quente e relaxante, depois faço a minha higiene bucal e visto minha roupa de dormir. Preciso descansar. Preciso. Deito na cama ao seu lado, fecho os olhos e o sono se apossa de mim.
Minha noite de sono foi tranquila. Lembro de sonhos bons, risadas e dos meus filhos. Justin estava lindo e feliz nos sonhos. Abro meus olhos e sinto paz. O som doce dos pássaros cantando enchem os meus ouvidos com uma deliciosa melodia. O dia já amanheceu e a claridade entra pela janela do quarto. Mais um dia! Fecho os olhos e dou glórias a Deus por mais um dia.
Levanto da cama, espreguiço o corpo, esticando braços e pernas. Caminho pelo quarto, abro as janelas e deixo a claridade alaranjada entrar. O dia está bonito. Sorrio sentindo uma paz interior enorme dentro de mim. Olho para cama e vejo meu amor deitado sobre ela. Caminho até lá, sento-me na beirada, pego sua mão e a beijo.
A mão está gelada. Muito gelada. Instintivamente coloco a cabeça em seu coração e não sinto nada. Nenhum sinal de batimento. Beijo o seu rosto e sinto a pele fria. Os lábios estão um pouco arroxeados. Sussurro o seu nome instintivamente. Ele não acorda. Ele não me ouve. Justin está morto, eu sei disso.
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Estranhamente não consigo chorar. As lágrimas não enchem meus olhos. Ainda continuo sentindo paz dentro de mim, estranhamente.
— Obrigada Deus pela vida maravilhosa que meu marido teve.
Fico sentada olhando para ele, segurando a sua mão e não sinto mais nada. Pensei que morreria com ele. Isso não aconteceu. Estou aqui o olhando e me sinto em paz. Um estranho barulho na janela chama a minha atenção. Olho para lá e várias borboletas coloridas estão fazendo um voo. Parece uma coreografia. A cena é bela e faz com que não desvie o meu olhar.
Adeus, Justin! Adeus amor! “Para sempre te amarei”. Vai com Deus.
Sorrio e uma lágrima solitária rola em meu rosto. Levanto da cama, coloco um penhoar e saio do quarto. Ouço as risadas na cozinha. Sei que todos estão lá à minha espera. Desço sem pressa, sem medo e sem desespero. Agora só me resta saudade. Uma saudade que é difícil de descrever, mas que carregarei comigo por toda vida.
Passo a passo, chego ao meu destino. Paro na porta e olho para minha família. Apenas meus filhos, noras, Jony e Susan estão ali. Quando meus olhos se encontram com os de Alice, as lágrimas caem sem que tivesse alguma preparação para isso.
Simplesmente estou chorando, e nem queria chorar. O choro se amplia pela cozinha e James me pega nos braços e me abraça forte. Agora só posso contar com o consolo da minha família.
Os preparativos para o enterro de Justin foram feitos de forma rápida. Tudo estava praticamente pronto para isso, já que sabíamos
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que ele morreria em breve. Isso permitira aos meus filhos comprarem o caixão, escolherem a lápide e o epitáfio, escreverem o discurso de despedida... Tudo estava minuciosamente preparado. Por isso o velório que fizemos para ele foi apenas no dia da sua morte e na manhã seguinte Justin foi enterrado.
Estou diante do túmulo de Justin. Toda a cidade está aqui prestando as últimas homenagens ao grande homem que ele foi. James, Jimmy e Jony fizeram discursos emocionados. Agora Alice fala sobre o homem maravilhoso que foi o seu pai.
Não presto atenção nas palavras. Nenhuma delas faz sentido para mim nesse momento. Não consigo sequer derramar uma lágrima. Estou me lembrando de cada palavra que li em sua última carta. Justin era tão generoso que ao saber da doença escreveu uma carta de despedida e a deu para Alice me entregar quando morresse. Foi um ato muito generoso de sua parte, mas acalmou ainda mais o meu coração na sua partida.
Elizabeth, meu amor, minha vida, minha amiga, minha companheira, amante, esposa querida!
Sei que agora está sendo difícil para você. Não é? Passamos a vida inteira juntos e te prometi que ficaríamos juntos para sempre.
Sei que nesse momento você não vê muitas possibilidades ou perspectivas. Mas a vida está aí na sua frente. Você merece muito mais do que se trancar em nossa casa e viver um eterno luto. Sempre foi uma pessoa dinâmica e correu atrás dos seus sonhos. Agora pode parecer difícil. Não estou mais com você e deve se perguntar o que fazer da vida. Então eu te digo: Viva! Enquanto houver vida, viva intensamente. Viaje pelo mundo,
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escreva mais livros, entre em grupos de dança, aprenda a nadar, faça mais amigos, curta os seus netos. Case-se novamente...
Há um leque de oportunidades para você, minha querida. Não olhe para trás e não fiquei remoendo o que se passou. Não coloque a culpa em Deus e fique ressentida com Ele. Eu tive uma vida boa e não posso reclamar de nada. Tive a melhor mulher do mundo ao meu lado... E como eu te amo... Te amei... Te amarei para sempre. Tive uma carreira bem sucedida, graças a você, filhos lindos que em encheram de orgulho e netos ainda mais maravilhosos... Fui um homem abençoado. Tive tudo!
Não sei se existem outras vidas, reencarnações, ou seja lá o que for. Ninguém nunca voltou para dizer como é do outro lado. Mas se algumas teorias estiverem certas, talvez um dia nos encontraremos de novo. Senão, continuarei grato pelo tempo que vivi ao seu lado. Fui feliz demais, mulher! E vou te dizer o que te disse há uns quarenta anos atrás. Não se torne vítima das circunstâncias! Não se faça de vítima! Você é melhor do que isso! Você me ouviu? Curta a sua vida e a sua família.
Aproveite, amor! Carpe diem!
Escrevi essa carta no início da doença, mas de uma coisa tenho certeza, morri bem e feliz com você, e nossa família. Agora saia desse luto, enxugue as lágrimas, bola para frente e viva...
Viva! Você merece mais do que ser uma viúva rabugenta. Eu não gostaria nada disso. Então não me decepcione, Elizabeth, minha Lizzy. Não ouse me decepcionar.
Eu te amo! Te amo demais, mulher! Muito mesmo! Você estará em meus últimos pensamentos. Pode ter certeza.
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Obrigada pelos filhos maravilhosos que você me deu. Obrigada por ter sido essa mulher forte e corajosa que me ajudou a conquistar todos os meus objetivos. Obrigada por me amar tanto.
Agora enxugue as lágrimas, erga a cabeça e siga em frente.
Com amor, sempre seu Justin.
PS: Enquanto houver vida, viverás!
Milhares de beijos molhados no coração.
Fico tão alheia ao que se passa, que nem se quer percebo que a cerimônia terminou. Todos fizeram os discursos e choraram, enquanto eu, perdida na última e mais bonita das recordações, continuei sem um sinal de emoção. Não havia sobrado nada.
Despertei quando meu filho me chamou e percebi a realidade à minha frente. Era hora de ir embora, seguir em frente e viver... Sim! Hora de viver.
— Mãe, vamos embora. — James me chama. Estou parada diante do túmulo de Justin. As pessoas já estão partindo.
Muitas ainda choram. Eu não. Não consigo mais chorar. Enquanto houver vida, viverás! Penso.
— Pode me dar só mais dois minutos? Podem ir andando na frente. — Digo para ele, que me olha e consente com a cabeça.
Ele vira as costas e segue junto com os demais. Olho para a lápide de Justin pela última vez.
Aqui jaz o homem mais abençoado que já viveu nesse mundo.
— Obrigada, Justin! Obrigada por tudo o que passamos juntos. Eu sempre te amarei. Sempre!
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Em minha mente posso ver o rosto dele e um sorriso se formando. Imagino o que ele me diria se estivesse me vendo. Obrigado você, Lizzy! Foi você quem me deu tudo. Nós tivemos o nosso “para sempre”. Você cumpriu a sua promessa no final das contas.
— Adeus!
Viro de costas e começo a andar em direção a saída. Ouço um barulho e me viro para ver de onde vem. Sobre as coroas de flores que adornam o túmulo, milhares de borboletas coloridas fazem uma linda coreografia.
— Obrigada, Justin! Até na morte você é generoso. Vai com Deus!
Um sorriso se forma em meu rosto. Agora tenho que pensar. Fazer planos para o futuro. Quero viajar para a Itália. Talvez Alice decida ir comigo. Será uma ótima oportunidade para passar um tempo com minha filha. Não muito... Quero estar presente quando Justin nascer. Amanda faz questão disso.
Futuro? Futuro? São tantas as possibilidades. Posso ouvir Justin sussurrando para mim: Aproveite a vida, amor. Eu farei isso.
Por mim e por ele. Eu viverei.
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Epílogo
— Parabéns pra você! Nessa data querida! Muita felicidade! Muitos anos de vida! Hehhhhh! Lizzy! Lizzy! Lizzy!
— Obrigada! Obrigada! — Digo para os meus familiares e amigos, que me prestigiam no meu aniversário de noventa anos. É muito bom, depois de uma vida inteira, estar certada por filhos, netos, bisnetos e tataranetos. Tive muitas perdas na vida. Perder um filho é a coisa mais dura para uma mãe. Passei por isso há treze anos, quando perdi James em um acidente de carro. Também perdi dois netos nesse período. Mas continuo viva e seguindo o último conselho do meu marido... Vivendo. Estou realmente feliz por chegar a essa idade, lúcida, e rodeada por pessoas que me amam. É uma dádiva de Deus e agradeço isso todos os dias da minha vida. Quando chegar a minha hora, eu irei feliz.
— Quero agradecer a todos que estão aqui presentes hoje. Nunca pensei que chegaria aos noventa e, no entanto, estou aqui dura na queda e com muita saúde. — Todos sorriem.
— Sinto-me abençoada por ter uma família tão maravilhosa, amigos amorosos e leais. Não há como descrever a alegria que sinto. Obrigada do fundo do coração. Quando estive no Brasil, há uns quinze anos atrás, uma amiga me disse uma coisa e quero compartilhar com vocês agora. ―Se chorei ou se sorri, o importante é
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que emoções eu vivi‖. Isso é uma grande verdade e vocês são testemunhas oculares disso. Eu amo todos vocês.
— Bisa, tenho um presente especial para a senhora. — Disse Giovanna Stone, a mais velha das minhas bisnetas, filha de Val, neta do meu saudoso James. Ela vem até mim e me entrega um embrulho de presente. Seguro a caixa toda enfeitada com um lindo papel de presente e um enorme laçarote vermelho. Abro o presente com cuidado. Dentro da caixa há um livro com umas fotos na capa... Nossas fotos. Justin e eu em três etapas de nossas vidas. Olho para ela sem entender. Meus olhos já estão cheios de lágrimas pela emoção.
— O que...
Perco a fala naquele momento. Todos estão me observando. Não tenho mais vergonha de chorar. Passei tantos anos de emoções na vida. Ver a foto de Justin me faz sentir saudade. Sinto muita saudade dele. Senti em todos os anos após a sua morte. Vinte e um anos de saudade. Muita saudade. Como ele me fez falta... Mas eu vivi, como prometido.
Viajei por vários países, aprendi a nadar, dançar e escrevi mais vinte livros em todos esses anos. Fui feliz à minha maneira. Agora só estou cansada... Apenas um pouco. Já não sou mais uma garotinha.
— Lembra que pedi à senhora para ler suas anotações? Os diários? Pois bem, esse é o livro da sua vida até aqui. Não será lançado, pois é algo muito particular. Mas é um presente para todos os membros da família se lembrarem de onde viemos, do que somos feitos e dos valores que devemos seguir. Hoje em dia não se faz mais
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livros de papel, mas a mamãe teve a ideia de seguir a moda tradicional. Nada de ebook. Todos os Stones terão um pedacinho da história e sempre se lembrarão dos patriarcas maravilhosos que tiveram.
— Oh, minha querida! — Abraço minha bisnetinha com carinho. — Esse foi o melhor presente da minha vida, meu amor. Só espero que tenha omitido as partes picantes. — Digo rindo. — Que vergonha imaginar meus filhos, netos e bisnetos lendo as coisas que fazia com Justin.
— Claro que não, vó! Essas são as melhores partes. — Todos gargalham. Pego o meu livro, vou para a minha sala, sento no sofá e começo a ler ―Para sempre‖ a história da nossa vida.
Não sei quanto tempo ainda me resta de vida. Mas pretendo seguir o conselho do ―meu Justin‖ e aproveitar cada minuto como se fosse o último. A vida é muito curta e precisamos viver da melhor forma possível. Aprendi que não existe ―felizes para sempre‖. A felicidade é feita de momentos, e curtir cada um deles de forma intensa faz parte das nossas escolhas. Eu fiz a minha. Continuarei aproveitando os meus momentos até o meu último suspiro. Carpe diem você também!
“Eu possa me dizer do amor que tive Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure.
Vinícius de Moraes, in Soneto da Fidelidade
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Nota da autora.
Tive a inspiração de escrever ―Para sempre‖ há uns dois anos, ao ouvir a música ―Por enquanto‖, do Renato Russo, cantada pela Cássia Eller. Um filme se formou em minha mente e comecei a imaginar cada capítulo. Entre a ideia criativa e a escrita da história muitas coisas mudaram e quando comecei a escrever saiu totalmente diferente do que imaginava. A princípio seria apenas um romance adolescente, mas acabei escrevendo a história de uma vida, passando mensagens sobre valores familiares, amor, perseverança, obstinação, mas principalmente fé. Acredito muito em Deus e acho que a fé o que nos move. Sem ela a vida não tem sentido. Para que viver sem fazer planos ou ter fé que aquilo vai acontecer? Pessoas com fé são mais corajosas, porque têm esperança que as coisas darão certo. Pessoas sem fé são amarguradas e não veem sentido em nada. Mesmo que você esteja em uma situação desconfortável, acredite em Deus e entregue toda a sua angústia a ele. Ele é quem vem responder às suas preces e lhe mostrar o caminho para resolver o seu problema.
A narrativa usa dois tempos, acho que perceberam. Preferi fazer uma história misturando o passado com o presente, que ficaria cansativo e desnecessário escrever ano a ano a história deles. Assim fica mais interessante e em alguns capítulos o leitor tem um
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vislumbre do que ocorrerá na trama. Sei que isso deixou o final óbvio, mas essa era a intenção desde o começo.
Não queria dar falsas esperanças ao leitor, mas sim fazer do drama algo bonito... Até um pouco poético. Então espero que realmente tenham gostado. Lembre-se que as pessoas nascem, crescem, reproduzem e morrem... Algumas passam por ciclos diferentes (morrem antes), mas essa é a ordem natural das coisas. Justin e Lizzy passaram por todos esses ciclos e não faria sentido terminar o livro dando a falsa impressão de um milagre. Um história de amor que nasce entre amigos de infância, que se reencontram anos depois e conhecem o amor pode até parecer um clichê, mas o diferencial delas é a forma como o autor desenvolve a trama e a personalidade das personagens. Tentei fazer algo diferente, ser engraçada, romântica, colocar um pouco de pimenta no tempero, e espero realmente que os leitores tenham se identificado com o livro.
Tenho fé que esse não será o único livro impresso. Tenho outros escritos e se for da vontade de Deus, com muita garra e um pouco de ajuda dos leitores, publicarei em breve. O próximo trabalho sairá no ano que vem, assim espero, e se chamará ―Vidas Opostas – Para você guardei o amor‖ e é baseado na fanfic Opposing Souls, de minha autoria e com a colaboração da minha beta reader Heri. Como o livro é muito grande, pretendo dividir em duas partes, e a segunda será ―Vidas Opostas – The Reason‖.
Um grande beijo no coração.
Glau
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Sobre a Autora:
Glaucia Santos
Glaucia tem 32 anos, é casada, nascida e criada na cidade de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Formou-se em Sistemas de Informação pela Universidade do Grande Rio e atualmente trabalha como analista de serviços de telecomunicações. Leitora ávida e compulsiva, já leu mais de duzentos livros e hoje se dedica a publicar resenhas sobre obras literárias. Começou a escrever no final de 2008, quando publicou sua primeira estória na internet. Depois de tanto “brincar de escrever” resolveu publicar o seu primeiro livro: “Para sempre”.
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Esta obra foi formatada pelo grupo Menina Veneno para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício da leitura àqueles que não podem pagar, ou ler em outras línguas. Dessa forma, a venda deste e‐book ou até mesmo a sua troca é totalmente condenável em qualquer circunstância. Você pode ter em seus arquivos pessoais, mas pedimos, por favor, que não hospede o livro em nenhum outro lugar. Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras.

Um comentário:

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