sábado, 6 de julho de 2013

Série simplesmente Livro 01 - Simplesmente sedutora

SIMPLESMENTE SEDUTORA
Carly Phillips
Ardente, sedutor...
Fora de controle...
Um incêndio duplo!
O investigador Kane McDermott não ficou nada animado com seu mais recente
caso.
A missão: investigar Kayla Luck e descobrir se a escola de etiqueta para
executivos administrada por ela era legítima ou um bem montado esquema de
prostituição. A princípio pareceu-lhe uma tarefa sem nenhum atrativo...: até
Kane ver a linda e sensual Kayla pela primeira vez. Ela era inteligente,
confiável... e sedutora! Mas conseguiria ele tê-la em seus braços outra vez se
Kayla descobrisse sua verdadeira identidade?
Copyright © 2000 by Karen Drogin
Originalmente publicado em 2000 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de
reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a
Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência.
Título original: Simply Sinful
Tradução: Alberto Cabral Fusaro
Editor: Janice Florido
Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobón
Paginador: Nair Fernandes da Silva
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Rua Paes Leme, 524 - 10B andar
CEP: 05424-010 - São Paulo - Brasil
Copyright para a língua portuguesa: 2000
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda.
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo
Digitalização e Revisão: Crysty
CAPÍTULO I
Deixe-a encantada! Venha e se transforme.
Kane McDermott olhou o interior do casarão através da fresta entre as cortinas.
Teve um breve vislumbre de uma mulher com cabelos dourados cortados na
altura do queixo e de um corpo com curvas acentuadas o bastante para deixar
qualquer homem enfeitiçado. Era um dia frio do começo da primavera, mas
Uma inesperada onda de desejo o dominou depressa, fazendo-o sentir um
calor repentino.
Se tivesse de levá-la para jantar, desfrutar de um bom vinho e lhe fazer uma
proposta, pelo menos não seria algo desagradável, pensou. Mas, mesmo
assim, aquela missão ainda o incomodava. Por haver acabado de sair de um
caso difícil, seu superior considerara que um descanso lhe faria bem. O capitão
Reid não usara exatamente aquelas palavras, mas a situação ficara mais do
que evidente. No entanto, Kane discordava disso. O fato de uma operação de
apreensão de drogas haver terminado mal não implicava em ele estar
precisando de férias ou de qualquer tipo de serviço mais leve. Tendo crescido
nas ruas de Boston, sabia melhor do que ninguém quando estava se
aproximando de seu limite. E aquele não fora um desses momentos.
Não importava o que fizesse, pois nada mudaria o fato de o garoto errado
haver sido atingido durante o fogo cruzado. Além do mais, ele não fora atingido
por um disparo seu. O garoto recebera a baia da arma do próprio irmão. O lado
racional de Kane sabia que a culpa não era sua, mas isso não o impedia de
sentir-se responsável, nem atenuava seu remorso. Mesmo sabendo que
ninguém poderia ter previsto a chegada do irmão caçula do traficante, os gritos
desesperados da mãe do garoto jamais sairiam de sua mente e o
acompanhariam por toda a vida. Recusara-se a sair de licença, por saber que
isso não o ajudaria a esquecer, mas o capitão concluíra que seria melhor pelo
menos colocá-lo em um caso mais fácil.
Claro que qualquer novato poderia verificar se a empresa Charmed! era uma
legítima escola de etiqueta para homens ou uma fachada para um antro de
prostituição. Tal pensamento o fez soltar um gemido de desgosto. Em sua
opinião, qualquer um que precisasse de lições de etiqueta para encontros seria
tão patético quanto aquela missão ridícula. Afinal, que tipo de idiota precisaria
de uma escola que o ensinasse a ter charme para conseguir conquistar uma
mulher? Especialmente se a pretendente fosse alguém como aquela garota do
outro lado da janela.
Pensando nisso, balançou a cabeça negativamente. Que desperdício. Mas
seria melhor se tratar apenas de dar aulas a novatos a oferecer qualquer outro
serviço aos clientes pagantes. Considerando que ela trabalhara para os
falecidos tios, quando a empresa ainda pertencia a eles, era provável que
conhecesse bem o negócio, qualquer que fosse ele.
Kane podia não saber quais eram os objetivos dela, mas conhecia muito bem
os seus. E o problema era que nenhum deles incluía aquele caso ridículo.
Depois de trabalhar disfarçado em casos que envolviam assassinos e
traficantes, lá estava ele, preparando-se para usar todo seu talento de detetive
para enganar a sexy proprietária da Charmed!, fingindo ser um tipo anti-social.
Como estava achando pouco provável conseguir desempenhar tal papel de
maneira convincente, preparara um plano de contingência. Mas só saberia se
este daria certo depois de entrar ali.
Ao colocar a mão na maçaneta, sentiu o metal gelado contra sua pele. Aquele
lugar era ou não era um antro de prostituição? Chegara a hora de descobrir.
Kayla Luck lançou um olhar contrariado para o velho aquecedor que se
recusava a cooperar. Não era necessário usar o sistema de aquecimento na
primavera, mas a equipe de limpeza parecia haver esquecido tal detalhe pois o
equipamento fora ligado na potência máxima na noite anterior, transformando o
casarão em uma verdadeira sauna. Por fim, ela conseguira fazer o controle se
mexer, mas a parte automática continuara a esquentar. Graças à temperatura
ascendente e aos esforços que estava fazendo para tentar consertar os controles,
Kayla sentia um calor muito desconfortável. Esse não era mesmo o
modo mais adequado de se começar uma nova turma. Só lhe restava torcer
para que todos os homens houvessem recebido sua mensagem de
cancelamento da aula.
Já não suportando mais o tecido grudado à sua pele, tirou o tailleur e ficou
apenas com a blusa de seda e a calça. Mas quando nem isso foi suficiente
para refrescá-la, Kayla trocou o traje por um vestidinho leve de verão, cujo
tecido também insistia em grudar em sua pele. Soltando um suspiro
desanimado, olhou na direção do salão do andar superior, que ela herdara
junto com o negócio de família.
Sua irmã, Catherine, usara sua parte da herança para realizar o sonho de
freqüentar a escola de culinária, mas ela optara por deixar os próprios sonhos
de lado para manter o negócio e conseguir obter alguma renda com o velho e
enorme casarão, com seus dois andares e seus inúmeros cômodos.
Durante anos, seus tios haviam mantido ali uma antiquada escola de dança de
salão e de etiqueta para encontros a dois. Houvera uma época em que esse
tipo de serviço fora muito procurado, mas o negócio entrara em decadência ao
longo da última década. Kayla chegara a ter esperança de conseguir reorientar
os tios, no sentido de fazê-los sair da "idade da pedra". Sua tia havia se casado
novamente no ano anterior, levando o novo marido para o negócio. Contudo,
não houvera tempo de ela apresentar qualquer proposta de mudança para o
negócio dos recém-casados, pois o casal morrera logo em seguida.
Mas Kayla pretendia levar o negócio adiante assim mesmo. Os homens atuais
não precisavam de aulas a respeito de encontros, mas muitos executivos
precisavam de orientação quanto ao modo de se comportar em contextos
sociais mais refinados, tanto em negócios locais quanto internacionais,
necessitando do aprendizado de costumes estrangeiros para poder receber
convidados de outros países. Por falar vários idiomas, Kayla poderia imprimir
uma nova dimensão ao velho negócio de família. Fazer um pedido a partir de
um cardápio escrito em língua estrangeira não deveria ser um desafio para os
viajantes e os executivos que houvessem passado por sua escola. E, graças à
propaganda dirigida que fizera, estava começando a receber inscrições das
grandes corporações da região que tinham escritórios ao redor do mundo. Um
recorde, se comparado aos resultados que a velha escola Charmed! obtivera
no passado. Em vez de dar aulas para homens tímidos e desajeitados,
pretendia oferecer uma gama mais ampla e moderna de serviços. Quando
herdara a escola, Kayla não conseguira ignorar a ironia da situação: justamente
ela, que todos da escola pensavam ser uma garota fácil, filha de uma mulher
sem classe, dando aulas sobre charme e etiqueta. As lembranças ainda a
magoavam, mas haviam lhe dado muito incentivo para melhorar e modernizar a
Charmed!, até chegar ao ponto de a empresa já não ter a menor semelhança
com sua origem.
O que era mais ou menos o que ela fizera a si mesma. Crescera em uma
região pobre de Boston, que já fora um pólo de empregos no passado.
Enquanto as outras crianças pareciam estar sempre usando roupas de marcas
famosas e da última moda, ela e a irmã usavam as mesmas peças até que elas
estivessem completamente desgastadas. O problema era que o corpo de Kayla
se desenvolvera de maneira precoce, fazendo com que suas roupas nunca lhe
servissem direito. As garotas a consideravam uma piada e os rapazes
acabaram concluindo que alguém que usava roupas tão apertadas só poderia
estar querendo chamar a atenção deles. Quando Kayla chegara ao colegial,
não havia nenhum rapaz que não alegasse já não haver se aproveitado dela.
Refugiando-se nos livros, ela não contara a verdade a ninguém, exceto para
sua irmã. Sabia que ninguém mais acreditaria se ela dissesse que tudo aquilo
era mentira.
A despeito do calor, seu corpo estremeceu ante aquelas lembranças. Seria
melhor deixar aquilo de lado, uma vez que o passado havia ficado para trás e
que a Charmed! não era uma brincadeira. Não se tratava mais de uma escola
de encontros para homens tímidos. Nada disso. Tratava-se de um negócio
sério, que pretendia atender a uma necessidade verdadeira da sociedade.
A idéia de se ver obrigada a parar de estudar para tocar o negócio não a
agradara em nada. Sentia-se ansiosa para conseguir sua graduação em
línguas. Sonhava em tornar-se intérprete, mas não queria fazê-lo à custa da
família. A Charmed! era uma empresa familiar, por isso ela e a irmã a
consideravam algo meio que sagrado. A morte recente de seus tios, dois
meses antes, ainda era uma lembrança amarga e difícil de lidar.
Pensativa, pegou o bloco de notas. O técnico do aquecimento ainda não
retornara sua ligação e ela deixara um lembrete para si mesma, a fim de não
se esquecer de telefonar a cada meia hora para cobrá-lo. Sua memória era
ótima para números e para gravar partes inteiras de livros, mas se ela não
anotasse aquelas pequenas tarefas rotineiras, nada era feito.
Pelo que previra, a escola daria um bom lucro no ano seguinte, o que lhe
possibilitaria parar de alugar a sala de dança adjacente para aulas de ginástica.
Concluindo que teria algum tempo livre com o cancelamento da aula daquele
dia, decidiu ir até o depósito para acabar de verificar os livros deixados por sua
tia. No meio do caminho, entrou na sala principal com a intenção de abrir as
janelas para refrescar o ambiente. Foi naquele momento que ouviu os aninhos
da porta anunciarem a entrada de um visitante. Ao levantar a cabeça para olhar
naquela direção, quase tropeçou.
Já ouvira falar muitas vezes de visões masculinas de tirar o fôlego, mas
sempre se considerara imune a esse tipo de reação. No entanto, aquele
visitante a fez repensar tal conceito Me emanava força e poder desde a ponta
dos sapatos ate o alto da cabeça, com aqueles cabelos castanho-claros
penteados com perfeição e aquela roupa impecável. Seu terno elegante, e
obviamente caro, parecia confirmar seu porte mais do que másculo. Kayla
conteve o fôlego. Sentiu uma contração no estômago, em uma combinação de
excitação e expectativa. Soube que a onda de calor que percorreu seu corpo
não tinha nada a ver com o aquecedor quebrado
Naquele instante, nem mesmo o vento frio que estava entrando pela porta
aberta atrás dele seria capaz de refrescá-la. Do ponto de vista profissional, ele
tinha a aparência perfeita do tipo de executivo que a empresa dela visava ter
como cliente em sua nova área de atuação Do ponto de vista pessoal, bastou o
olhar intenso dele para faze-la ficar trêmula de ansiedade.
— Posso ajudá-lo em alguma coisa? — indagou ela Kane balançou a cabeça
afirmativamente e mostrou um sorriso tímido. Então começou a estender a
mão, hesitou por um instante e voltou a estendê-la, perguntando-
— Charmed?
— Sim, é aqui mesmo — respondeu Kayla, inclinando a cabeça para o lado,
confusa com o comportamento dele.
— Ainda bem. Embora a placa ali fora dissesse ser este o lugar que eu
procurava, eu não estava bem certo disso.
A risada mais sonora que ele emitiu combinou com o desengonçado aperto de
mãos que os dois trocaram Contudo seu toque era firme e seguro, bastante
diferente do que ela estava acostumada a sentir ao cumprimentar outras
pessoas. Além disso, aquele tom de voz grave era tão sensual quanto a
aparência dele.
A nova onda de calor que a dominou foi ainda mais intensa do que a primeira.
Como uma espécie de carícia quente e envolvente invadindo seu corpo. Por
mais estranho que pudesse parecer, aquela reação inusitada a agradou.
— Sim, este é o lugar certo. Eu sou Kayla Luck, a proprietária.
— É um prazer conhecê-la, srta. Luck — respondeu ele, continuando a
balançar insistentemente a mão dela. — Ou seria senhora? — A mão dele
parou um instante. — Eu deveria ter perguntado primeiro. Quero dizer, não
tenho direito de sair por aí tirando conclusões apressadas, insultando uma
dama.
Sem compreender a súbita hesitação dele, Kayla respondeu:
— É senhorita mesmo. Não precisa se preocupar, pois não ofendeu ninguém.
Foi preciso fazer um certo esforço para soltar a mão da dele. Por mais que
parecesse ilógico, aquele contato lhe causara um súbito prazer.
— Oh, então não existe nenhum sr. Luck. Hoje deve ser meu dia de sorte. —
Ele balançou a cabeça, rindo. — Essa foi patética. Creio que deva estar
cansada de ouvir esse tipo de conversa.
— Bem, sempre acontece. Mas, o que posso, aliás, o que a Charmed! pode
fazer por você, senhor...
— McDermott. Kane McDermott.
— Por acaso está aqui para a aula de degustação de vinhos, sr. McDermott?
Sinto muito, mas ela foi cancelada.
Ele passou o dorso da mão pela testa, enxugando o suor.
— Posso entender a razão disso. Aqui dentro está mais quente do que uma
fornalha.
— Nosso aquecedor está quebrado.
— Isso também explica por que você está vestida com trajes de verão antes da
chegada da estação.
Ao dizer aquilo, toda a timidez de Kane pareceu se desvanecer, enquanto seus
olhos percorriam cada centímetro do tecido úmido do vestido de Kayla.
Uma onda de embaraço a dominou. Kayla começou a cruzar os braços, mas
parou em seguida, percebendo que estava piorando a situação. Reconheceu
na expressão admirada de Kane o ar de desejo que ela se acostumara a ver no
semblante de todos os homens com os quais entrava em contato por algum
motivo. Ao longo de seus vinte e cinco anos, acostumara-se tanto a reconhecer
quanto a detestar aquela reação masculina. Ainda assim, não conseguiu se
sentir ofendida diante daquele olhar perscrutador.
Entretanto, não era possível que ela estivesse interessada em um
desconhecido cujo caráter parecia tão cheio de inconsistências. Em um
instante ele se mostrava tímido e, no instante seguinte, parecia totalmente
seguro de si. No momento, o que mais ela queria saber era quem seria Kane
McDermott. E o que ele queria.
Aquele traje impecável o fazia parecer mais um modelo fotográfico do que
alguém vestido para o expediente de trabalho. Contudo, a perfeição revelada
naquela aparência como que contradizia algo em relação à expressão dele.
Aquele olhar parecia o de alguém acostumado a enfrentar perigos.
Kayla notou que não se tratava de um homem simples e tímido, como era o
típico cliente da empresa de seus tios. Aliás, também os de sua empresa. De
súbito, isso serviu para lembrá-la de algo importante: estava diante de um
cliente e passara do momento de tentar decifrá-lo. Precisava partir para os
negócios.
— Posso lhe oferecer uma bebida gelada? — perguntou a ele.
Apoiando o ombro na parede, ele a fitou com intensidade enquanto respondia
com outra pergunta:
— Que tal eu lhe pagar uma bebida? Quero dizer... Droga, não consigo manter
essa farsa — resmungou.
— Que farsa? O que está acontecendo?
— Não consigo fingir que sou um homem tímido precisando de treinamento.
Kayla arqueou uma sobrancelha.
— E esse é o tipo de serviço que você acha que oferecemos aqui?
— "Deixe-a encantada", certo? — perguntou Kane, repetindo o slogan da
empresa ainda da época dos tios de Kayla.
— Era o que estava no panfleto que meu amigo me deu.
— Entendo. Bem, já progredimos bastante desde aquele período. Não que nos
recusemos a oferecer lições básicas de etiqueta para quem precisa delas,
mas... — Ela franziu o cenho.
— O que você quis dizer com "farsa"? Que não consegue fingir que é uma
pessoa tímida precisando de treinamento?
Foi difícil, mas Kayla conseguira conduzir a conversa de volta ao rumo que a
interessava. Era raro se deixar distrair por alguém por causa da beleza e da
boa aparência, mas Kane McDermott surtira esse efeito sobre ela.
— Um amigo me enviou — respondeu ele. — Ele freqüentou um de seus
cursos de dança no ano passado. Sei que foi a professora dele, pois seu nome
é raro o bastante para impossibilitar qualquer engano.
— Qual é o nome de seu amigo? — indagou Kayla, franzindo o cenho.
— John Fredericks. Ele disse que quase foi reprovado nas aulas de dança de
salão.
Ela revirou os olhos, lembrando-se das aulas que sua tia insistia em oferecer
na Charmed!, mesmo com as turmas quase vazias.
— Bem, isso só aconteceu porque estamos falando de um caso raro de dois
pés esquerdos. Some a isso a preocupação dele em estar preparado para um
encontro que teria no dia de Ano-Novo e quase tivemos um "desastre
dançante" em nossa turma.
Era difícil imaginar aquele homem tímido e tranqüilo como sendo amigo de
Kane, mas tudo indicava que as aparências a estavam enganando. Se John
era amigo dele, pelo menos isso servia como uma ótima referência de
confiabilidade.
— Deve ter sido engraçado — falou Kane.
— Como vai ele?
— A empresa em que trabalha o enviou para a Europa John me pediu para
dizer à sua tia que ele gostaria de alguns conselhos sobre como se comportar
em um encontro com uma francesa. - Kane sorriu. - Ele logo telefonará pedindo
uma resposta.
Kayla sentiu uma onda de tristeza.
— Sei que minha tia iria gostar de ajudá-lo. Ela também gostava muito de John.
— O que aconteceu?
— Meus tios morreram há alguns meses.
— Juntos?
— Sim.
Ao falar, Kayla sentiu os olhos marejados de lágrimas Ainda não havia se
conformado com a perda daquela pessoa a quem queria tanto bem e com
quem tivera tanto em comum. Talvez por compartilharem um Q.L acima do
normal as duas haviam formado um relacionamento bastante especial, já que
sua tia compreendia bem a estranheza de ser inteligente e bonita ao mesmo
tempo.
Respirando de maneira profunda, Kayla voltou a prestar atenção em seu
visitante, dizendo:
— A polícia disse que o carro deles derrapou por causa da chuva e que colidiu
contra uma árvore.
— Sinto muito. Deve ter sido duro perder os dois ao mesmo tempo.
— Eu ainda não conhecia bem meu tio. Eles haviam se casado fazia pouco
mais de um ano. Mas pelo menos ela foi feliz antes de... — Kayla se
interrompeu, ao perceber que estava contando coisas pessoais a um completo
desconhecido.
— Lamento — falou ele, fazendo uma pausa. — Estou certo de que John
também sentirá muito.
— Obrigada. Mas isso não muda os fatos.
— Que fatos?
— Para começar, o fato de você haver entrado aqui fingindo ser algo que não
é.
Kane hesitou.
— Isso foi um erro. Mas John... Bem, John achou que nós nos daríamos bem.
— Por que não disse isso quando entrou aqui?
—- Porque não se pode confiar na opinião de outra pessoa. É como ir a um
encontro às escuras. Então decidi entrar aqui e verificar por mim mesmo... —
admitiu ele, em um tom desconcertado.
— John deve ter lhe falado de mim há algum tempo.
— Por que chegou a essa conclusão?
— Porque a Charmed! não oferece mais aulas de etiqueta para encontros,
tanto que faz tempo que isso saiu de nossas propagandas. Atualmente, o rumo
da empresa está mais voltado para a preparação de executivos para viagens
internacionais.
— Oh. Assim que entrei aqui, tive certeza de que não poderia manter minha
farsa.
— Sim, acho que já disse isso — falou Kayla, estreitando o olhar. — Aliás, por
que não conseguiu fazê-lo?
Ela precisava fazer aquela pergunta. Havia algo de especial em Kane
McDermott. A estranha atração que sentira por ele parecia ser algo mais do
que uma mera fascinação por um homem atraente.
— Achei-a muito mais bonita do havia imaginado. Resposta errada, pensou
Kayla. Comum demais. Aquilo a entristeceu. Pelo visto, fora vã sua esperança
de que se tratasse de alguém especial.
— Além disso — continuou ele, oferecendo então um sorriso maroto —, já que
consegue dar todas essas aulas, creio que deva ter bastante conhecimento e,
não tenho vergonha de admitir, sinto-me atraído por mulheres inteligentes.
Foi impossível não soltar uma risada bem-humorada ao ouvi-lo dizer aquilo
com tanto charme.
— Isso significa que vai sair comigo? — indagou Kane, animado.
Bem que ela queria, mas não seria nada inteligente ter um encontro com um
completo desconhecido. Mas ao fitar aquele olhar determinado, teve certeza de
que ele não aceitaria um "não" como resposta.
— Bem que eu gostaria, mas terei de esperar aqui pelo técnico do
aquecimento.
Esforçando-se para sorrir com um ar de pedido de desculpas, Kayla tentou
suprimir o impulso que a estava fazendo sentir-se tentada a aceitar o convite.
Ele desabotoou o paletó e o fez deslizar lentamente por seus ombros largos
antes de colocá-lo sobre o encosto de uma cadeira.
— Desculpe-me por tomar tal liberdade, mas era isso ou ser assado vivo em
meu próprio paletó — brincou Kane, antes de se voltar na direção dela outra
vez. — Onde estávamos mesmo? Oh, sim, estávamos falando a respeito de
você sair comigo.
No instante em que Kayla abriu a boca para dizer que já havia tomado sua
decisão final e que eles não teriam mais o que discutir a respeito daquele
assunto, o telefone tocou. Foi um alívio ouvir o técnico se identificar. Mas a
alegria de Kayla durou pouco, transformando-se logo em frustração. Séria,
desligou o telefone pouco depois.
— Algum problema? — indagou ele, arqueando as sobrancelhas.
— Hum-hum. Era o técnico. Ele virá aqui, mas somente amanhã, e se não
houver mais nenhum imprevisto.
— Nesse caso — falou Kane, começando a desabotoar os punhos de camisa e
a arregaçar as mangas —, é melhor nós começarmos a trabalhar.
— Nós? — Kayla franziu o cenho.
— Acho que somos apenas eu e você, não? Não creio que haja mais
voluntários.
— Não, não há mais ninguém aqui, mas... Você é técnico ou, pelo menos,
encanador?
— Não, minha cara. Mas tendo vivido por tanto tempo em apartamentos
antigos, que já tive minha dose de aquecedores quebrados. Vamos lá.
Ao vê-lo estender a mão para ela, em um convite silencioso, Kayla sentiu uma
onda de adrenalina percorrer seu corpo. A visão daqueles antebraços fortes e
daquela pele bronzeada a levou a ter idéias muito interessantes.
Uma coisa era imaginar como ele deveria ser debaixo daquelas roupas, outra
era começar a presenciar aquilo na vida real. Sentindo a boca secar, serviu-se
de um copo da água que mantinha em uma garrafa sobre a mesa. Mesmo
assim, demorou um pouco para conseguir voltar a falar:
— Grifo?
—- O quê? — perguntou Kane.
Kayla indicou a ferramenta que colocara sobre a mesa, pouco antes da
chegada dele.
— Vamos levá-lo conosco e ver o que conseguimos. Com um suspiro mal
disfarçado, ela o conduziu ao fundo da empresa. Kane se ajoelhou para
examinar o equipamento, que para Kayla poderia significar tanto uma peça de
museu quanto um amontoado de ferro-velho.
— O controle de temperatura já está regulado para esfriar — falou Kane.
— O pessoal da limpeza deve ter ligado o aparelho por engano. Estava muito
quente aqui dentro quando cheguei, então reduzi o controle para o mínimo.
Mas mesmo assim a temperatura continuou a subir.
— E provável que o equipamento precise atingir o pico de calor antes de se
desativar.
— Está querendo dizer que vai ficar ainda mais quente? — indagou ela,
passando os dedos pela testa para enxugar as gotas de suor que insistiam em
escorrer para seus olhos.
— Pode contar com isso.
Os olhos dele se fixaram nos dela por um momento, fazendo com que a
temperatura subisse ainda mais para Kayla. Nenhum homem a fizera sentir-se
daquela maneira antes. Respirando fundo, tentou imaginar como iria lidar com
toda aquela masculinidade. Já cometera erros o bastante e não pretendia
repeti-los.
— Há outra possibilidade — sugeriu Kane, sem desviar o olhar. — Podemos
acionar a chave de emergência e torcer para que a peça não queime durante o
processo.
— Não, não, obrigada. Esse é o tipo de conserto com o qual não posso arcar.
— Nesse caso, não há muita escolha, exceto esperar que o ciclo se complete.
Nesse meio tempo, teria uma bacia bem funda?
— Na verdade, tenho algo parecido. — Kayla pegou um balde largo e baixo,
que ficava guardado em um canto daquela sala, e o entregou a ele. — Aqui
está.
— E uma chave de patins? — indagou ele. Kayla franziu o cenho, estranhando
a pergunta.
— O que disse?
— Não se incomode — respondeu Kane, passando a mão pelo assoalho, ao
redor dos pés do aquecedor. — A-ha!
Segurando uma ferramenta pequena na mão, seus olhos brilharam com ar de
triunfo. Foi então que Kayla descobriu que eles eram de um raro e profundo
tom azul-esverdeado, capaz de fazê-la perder o fôlego por um instante.
De fato, foi preciso um grande esforço para voltar a prestar atenção no que ele
havia encontrado.
— Deixe-me adivinhar: isto é uma chave de patins — disse Kayla.
— Mais ou menos. A maioria dos aquecedores antigos precisa de uma sangria
em todo começo de estação, alguns até com mais freqüência. As pessoas que
cuidam disso costumam deixar a chave em algum lugar evidente, para não ter
o trabalho de precisar sair por aí...
— Correndo atrás de patinadoras — brincou ela.
— Se se tratasse de uma parecida com você, aposto que nenhum homem
hesitaria em correr atrás dela.
Kayla enrubesceu.
— Ouça, s.r. McDermott, aprecio muito sua ajuda, mas não creio que seja
necessário ficar me adulando.
— Elogios a incomodam, srta. Luck?
Kayla deu de ombros, ciente de que seu ponto fraco havia sido atingido.
Mesmo com sua pouca experiência em relação aos homens, sabia que os
elogios eram sempre um meio para atingir um único fim: levá-la para a cama.
— Uma mulher como você já deveriam estar acostumada a receber elogios.
Imagino que deva recebê-los com freqüência.
— Digamos que prefiro voltar a tratar do problema que temos em mãos —
respondeu ela, olhando na direção do aquecedor. — Pensei que só se deveria
fazer a sangria no equipamento quando ele não estivesse aquecendo.
— E é preciso fazer isso mesmo. Mas também se pode estabilizar o sistema
para que não haja problemas ao ligá-lo no inverno seguinte.
Kane se voltou na direção do aquecedor assim que o balde começou a se
encher. O ruído da água escoando envolveu a sala, até então silenciosa.
Depois de três viagens até a pia do banheiro para esvaziar o balde, Kane
voltou a fechar o sistema e ficou de pé, enxugando as mãos molhadas na calça
de tecido caro, não aparecendo ter receio de estragar a roupa.
— Pronto. Agora seu equipamento precisa apenas de tempo. E provável até
que ele se resfrie sem a ajuda do técnico.
— Puxa, obrigada. Sua ajuda pode ter me levado a economizar uma pequena
fortuna.
— Disponha — disse Kane, fitando-a com tanta intensidade que a fez sentir-se
zonza. — Reconsiderou meu convite para sairmos?
Kayla começou a balançar a cabeça negativamente mas, antes que pudesse
dizer qualquer coisa, viu-o prosseguir:
— Nesse caso, preciso de uma aula. Sei que a Charmed! não é mais uma
empresa especializada em etiqueta voltada a encontros, mas considere meu
caso como uma emergência. Tenho um jantar com meu chefe amanhã à noite
e ele planeja levar a filha. Não pretendo me envolver, mas gostaria de causar
uma boa impressão e de demonstrar traços de classe e refinamento em meus
modos. Jante comigo, hoje à noite, e me aconselhe. Por favor.
Quando Kane sorriu, ela se encantou ao ver uma covinha em uma de suas
faces.
— Na minha opinião, você não precisa aprender nada quanto a isso.
— Então, entretenha-me — insistiu ele. — Não vê que estou lhe dando uma
desculpa para dizer «sim»? E nós dois sabemos que você quer isso tanto
quanto eu.
— Acho que está sendo bastante presunçoso. O que acha de me deixar dar
alguns telefonemas para verificar se alguma de minhas instrutoras está
disponível para atender a sua necessidade?
— Prefiro que seja você.
O olhar intenso de Kane pareceu implorar para que ela acreditasse naquilo.
Seria possível se tratar mesmo de algum interesse pessoal? Mais do que
depressa, ela balançou a cabeça negativamente.
— Para mim, isso é lamentável - falou Kane, com ar desapontado - Acho que
terei mesmo de ir jantar com uma desconhecida.
Kayla revirou os olhos.
— Mas eu sou uma desconhecida para você.
— Engraçado, mas não sinto como se fosse assim seus olhares se
encontraram com tanta intensidade, que ambos souberam que algo estava
mudando naquele momento, surgira uma espécie de conexão entre eles.
Kane aproximou o rosto do dela até que ambos ficassem a centímetros um do
outro. Kayla sentiu o agradável hálito de menta da respiração dele.
— Vai mesmo decepcionar um cliente, srta. Luck?
— Kayla — falou ela, umedecendo os lábios. Kane arqueou uma sobrancelha.
— Ora, parece que fiz algum progresso, Kayla. Ela preferiu ignorar o
comentário.
— Bem, não poderei acompanhá-lo em um jantar com você me chamando de
srta. Luck a noite toda.
Ele sorriu e vestiu o paletó. Então, fítou-a nos olhos ao falar:
— Ouvi falar de um lugar agradável e informal, do qual não lembro o nome no
momento. Sou de outra cidade e não conheço direito esta região. Mas acho
que virei com freqüência para cá, já que é onde meu chefe vive.
— Então, trata-se de um jantar informal?
— Sim. Seria bom me orientar quanto ao pedido do vinho, à escolha de pratos
e a todas as coisas que precisarei saber no jantar de amanhã. Felizmente,
ainda poderei contar com sua companhia. Gosta de beisebol?
— Sim — Kayla respondeu.
— Tenho entradas para o jogo do Red Sox, mais tarde. Poderemos ir até lá se
você quiser.
— Duvido que precise de aulas sobre como ter etiqueta para comparecer a um
jogo de beisebol — ironizou Kayla.
— Também acho que isso não seja necessário. E então, aceita o convite?
— Sim. — Ela sorriu, finalmente cedendo.
— Então está combinado. Não vai se decepcionar.
As palavras dele pareciam carregadas de significado, e Kayla teve a estranha
impressão de que aquele tom não estava sendo apenas comercial. Quando os
dois trocaram um aperto de mãos, foi como se uma energia agradável
percorresse todo seu corpo. Sua sensação de reconhecimento foi quase
assustadora. Era como se ela conhecesse aquele toque desde sempre.
Também não lhe passou despercebido que Kane recolheu a mão depressa
demais. Teria ele sentido o mesmo que ela?
Kane levou a mão ao bolso interno do paletó e pegou a carteira. Moveu-se
depressa, como se quisesse acabar logo o que pretendia fazer.
— Você aceita qual cartão de crédito?
— Na verdade, todos, mas... — Kayla se interrompeu, indecisa, sem
compreender por que parecia tão errado receber dinheiro daquele suposto
cliente.
— Posso pagar em dinheiro, se preferir — salientou ele. Naquele momento, ela
percebeu que Kane estava considerando aquela noite como um encontro a ser
pago. Sentiu-se chocada. Jamais poderia receber dinheiro para sair com ele
sabendo que iria se divertir, em vez de apenas dar uma aula.
— Por que não vemos como as coisas acontecem e deixamos para discutir
isso depois?
— Tudo bem — concordou ele, guardando a carteira. — Estou hospedado no
Hotel Summit. Manterei contato, Kayla.
Com um sorriso charmoso, Kane saiu pela porta e a deixou pensativa. Seria
possível que ela houvesse finalmente encontrado a sorte grande?
CAPÍTULO II
— Mas quanta elegância, McDermott.
Assobios e gritos serviram de fundo para sua caminhada delegacia adentro.
Kane ignorou as provocações e se sentou em uma cadeira, esticando as pernas
com ar de descontração. Respirando fundo, tentou manter-se calmo e
indiferente a tudo aquilo. Contudo, sabia que aquele estado de espírito não lhe
era natural no momento.
Quando vira o rosto de Kayla pela primeira vez, tivera certeza de que o disfarce
de tímido não funcionaria. Mas tentara assim mesmo, já que seria muito mais
provável manter-se distanciado dela se não agisse como ele mesmo. Do ponto
de vista profissional, sabia que jamais deveria misturar uma atração real com
um ato encenado durante um disfarce.
Por isso a situação estava ficando complicada. Em toda sua vida, jamais vira
olhos tão atraentes nem curvas tão sensuais como as dela. Ao conhecê-la, o
desejo o dominara com tanta intensidade e tão depressa que o fizera sentir-se
como um adolescente outra vez.
— E então? Por acaso seu charme funcionou?
Ao ouvir aquela voz autoritária, Kane levantou a cabeça. Como fora designado
para aquela missão na última hora, não tivera tempo de discutir seu disfarce
com Reid. No momento, porém, sentiu-se grato por isso. Seria difícil suportar a
zombaria de seu capitão, se ele soubesse de sua intenção do se passar por
tímido.
— Bem, ela não disse "não", se é isso que quer saber. Conseguiu as entradas?
Reid passou a mão pela cabeça careca.
— Você não tem jeito, Kane. Sim, telefonei para meu cunhado e lhe disse que
meu melhor detetive estava se tornando um chantagista.
— E eu tinha escolha? Além disso, foi você quem insistiu para que eu tirasse
uma folga.
A expressão do capitão se tornou sombria.
— Não tente me enganar, meu caro. Eu o conheço desde que era o
"espertalhão" da academia de polícia. Viu um garoto ser morto bem na sua
frente e vem me dizer que não precisa de descanso? Não o via tão trêmulo
desde que atirou pela primeira vez em um bandido e o acertou.
O capitão estava certo. Quando ele ainda era um novato, Kane acertara um tiro
em um suspeito, durante uma batida em um ponto de distribuição de drogas.
Depois do ocorrido, Reid o levara para sua casa e lhe apresentara sua esposa
e seus filhos. Desde então, os Reid haviam se tornado a ' família que ele
adotara para si.
O capitão Reid o conhecia bem e passara a aceitá-lo incondicionalmente como
um membro da família. A despeito das tentativas de Kane de se manter
distante, a atitude do sábio policial da velha-guarda acabara levando-o a se
considerar como parte da família Reid.
— Pelo menos esses ingressos serão úteis ao caso — falou o capitão,
interrompendo-se para tossir.
— Acho que deveria parar de fumar, capitão.
— Está preocupado que eu não fique por aqui para perturbá-lo? Pode ficar
tranqüilo, sou "durão" demais para morrer.
— Disso ninguém duvida — respondeu Kane, recusando-se a admitir que se
preocupava com o veterano.
— Graças à queda de temperatura, a suspeita do seu caso deve estar mais do
que disposta a compartilhar algum calor humano — continuou Reid. — Ela
pareceu interessada?
Kane não respondeu de imediato. Aquilo ainda era uma incógnita até para ele
mesmo.
— Digamos que a receptividade dela aumentou quando aleguei ser amigo de
Fredericks.
A indicação a respeito da Charmed! viera de uma fonte confiável: um jovem
político flagrado em meio a um caso de adultério. O homem se mostrara mais
do que disposto a contar tudo que sabia em troca de silêncio e discrição, para
manter suas aventuras longe das manchetes dos jornais.
Depois de verificar a lista de clientes da Charmed! dos últimos doze meses,
Fredericks lhe parecera ser o contato ideal. O homem demonstrara sinceridade
ao elogiar Kayla Luck, citando seus diversos atributos e, inclusive, o fato de ela
ser uma pessoa honesta.
— Pelo menos escolheu bem sua referência, Kane. Acha que ela morderá a
isca?
— Sim e não — respondeu ele, lembrando-se do sorriso sensual de Kayla.
Seria preciso força de vontade, mas não era impossível lidar com atração
física. As outras características de Kayla é que seriam mais desafiadoras. Uma
mente ingênua e inteligente em um corpo cheio de curvas generosas. Ao entrar
na empresa, esperara encontrar uma pessoa com um comportamento diferente.
Algo mais falso e elaborado. Em vez disso, porém, vira traços de
insegurança e de embaraço que haviam lhe parecido bastante naturais. E fora
isso o que mais o assustara: a sensualidade e a honestidade associados à
candura de Kayla.
— Como assim? Ou a moça está dirigindo um negócio muito mais lucrativo do
que uma simples escola etiqueta ou não está.
Boa pergunta, pensou Kane. O desconforto dela ao ouvir seus elogios e a
insistência em recusar seu convite seriam honestos ou parte de um ato de
sedução?
— Veremos — foi sua resposta.
— Não, meu caro, você é quem verá. Certifique-se apenas de dar mais
atenção à moça do que ao jogo de beisebol, está bem? Além disso, não quero
vê-lo nessa delegacia até o meio da semana que vem.
— Ora, um bom fim de semana para você também, chefe — ironizou Kane. —
Diga "olá" a Marge por mim.
— Diga você mesmo — replicou Reid. — Ela reclamou que você não tem
aparecido muito nos últimos tempos.
Ao terminar de falar, o capitão fechou-se novamente em seu escritório,
deixando Kane pensativo. Voltar sua atenção para Kayla não seria nada difícil.
Pelo que vira naquela tarde, ela era uma garota que qualquer homem se
orgulharia de chamar de sua.
Exceto um policial cujo trabalho era desvendar um esquema de prostituição, se
é que existia mesmo um. A escola poderia ser ou não a fachada que o
informante apontara. Era possível que a irmã dela, Catherine Luck, soubesse
mais a respeito do assunto, mas os relatórios diziam que ela estava mais
preocupada em estudar do que em trabalhar na empresa que pagava seus
estudos.
A investigação precisaria continuar. Contudo, a atração entre eles era tão
intensa que não seria difícil travar um diálogo sedutor com Kayla. De fato, a
parte difícil seria manter-se isento do envolvimento emocional. Balançando a
cabeça, tentou afastar quaisquer pensamentos que estivessem mais ligados à
emoção do que ao bom senso. Era preciso lembrar-se do contexto das coisas:
sexo em troca de dinheiro. E o dinheiro vinha primeiro. Bastaria manter-se fiel
ao plano para que as respostas surgissem.
Provavelmente, essa parte seria a mais fácil. Ele sempre soubera cumprir o
que planejara, respeitando as leis sob as quais estivesse vivendo. Quando
garoto, respeitara a lei das ruas. Mudara de lado ao se tornar policial, mas o
princípio era o mesmo. O cumprimento da lei era garantia de sobrevivência.
Era isso que o mantinha na linha e o fazia sentir-se merecedor da insígnia que
usava.
Ao fechar os olhos, a imagem de Kayla surgiu em sua mente. Quando se visse
novamente diante daquele corpo sensual e daquele rosto perfeito, precisaria
mais do que nunca se esforçar para se manter na linha.
— É um jogo de beisebol, não um jantar de gala.
— E um encontro, não uma pizza entregue em casa, para comer com sua irmã
— argumentou. Catherine, lançando um olhar de reprovação para a blusa
antiga que Kayla escolhera para usar com a calça jeans desbotada. — Está
tentando espantá-lo antes mesmo que ele descubra que você o irritantemente
inteligente?
Ao ouvir aquilo, Kayla se lembrou do modo como Kane lhe dissera sentir-se
atraído por mulheres inteligentes. Depois de apenas alguns minutos de
conversa, não haveria como ele descobrir isso. Deveria ter sido apenas um
palpite ou algo do gênero.
— Não quero causar uma má impressão.
— Pelo visto, o que você não quer é parecer uma garota fácil.
Tomando-a pela mão, Catherine a conduziu até o quarto e abriu seu guardaroupa.
— Não adianta, Cat — protestou Kayla. — Suas roupas não vão me servir.
— Ora, irmãzinha, podemos até não usar sutiãs do mesmo tamanho, mas
tenho certeza que a vejo com roupas minhas de vez em quando.
Kayla sorriu.
— São apenas alguns empréstimos — explicou.
— Está vendo só? — falou Catherine, tirando algumas peças dos cabides e
segurando-as diante da irmã, até encontrar uma que a agradou. — É isso.
Agora troque o jeans por este aqui. Pelo menos o jeans é novo. Hum...
Também troque o blusão desbotado por esta blusa de gola alta e vista um
blazer por cima. Parece que fará frio esta noite.
Kayla soltou um suspiro desanimado e experimentou o traje. Quando se olhou
no espelho, teve de admitir que ficara bem. A blusa branca e o blazer azulmarinho
realçaram sua pele clara e seus olhos azuis. Sua irmã fez questão de
circundá-la, sorrindo com ar vitorioso.
— Perfeito. Está bem melhor que aqueles conjuntos de seda que você insiste
em usar. Sua aparência fica certinha demais. Nem mamãe usaria roupas assim
o tempo todo.
— Nossa mãe tinha um jeito todo próprio de se vestir. Ao dizer aquilo, Kayla se
lembrou da mãe, uma pessoa com um ótimo coração e muito pouca sorte.
Nunca haviam tido muito dinheiro, mas a sra. Luck sempre tivera o cuidado de
tentar se arrumar o melhor possível antes de sair de casa. O problema era que
o "melhor possível" sempre deixava a desejar. Por isso, o resultado final era a
aparência típica de uma funcionária do supermercado local que estava
envelhecendo e tentando parecer mais jovem do que era. Até Catherine passar
a se encarregar da compra de roupas, as irmãs Luck iam à escola parecendo
miniaturas da mãe, que gostava sempre de exagerar um pouco nos tons.
— Os homens sempre a notavam — falou Catherine, com secura.
— Pena que ela nunca correspondia. Talvez as coisas houvessem sido
diferentes se ela...
— Acha que isso teria evitado que nossa mãe morresse desiludida no amor e
cansada de trabalhar? Pois, na minha opinião, ela escolheu a vida que teve.
— Mamãe gostava de se lamentar pelo papai, isso é verdade. Será que ele
sentia falta dela? — indagou Kayla.
— Duvido. Ter uma filha o assustou bastante. E duas foi o bastante para
revelar o covarde que havia nele.
— Por que você sempre fala nisso com tanto rancor, Cat?
— Não se trata de rancor. Para ser sincera, não sinto nada por ele. Mas a
verdade não pode ser negada. Só não pense que eu acho que todos os
homens são iguais a ele. Não sou nenhuma idiota.
— Talvez eles não sejam no que se refere a amar e a partir. Mas quanto a
terem "mãos bobas", todos são iguais» — falou Kayla.
Catherine sentou-se ao pé da cama.
— Um homem com "mãos bobas" pode ser algo maravilhoso, no momento
certo, minha cara — disse ela.
Talvez para alguém com a autoconfiança de Cat aquilo fosse verdade. Kayla
também se sentou, olhando para as próprias mãos.
— Vai sair esta noite?
— Com certeza — respondeu Cat. — Vou dançar no Shooters, com Nick.
Nick era o melhor amigo dela havia muitos anos. Kayla desconfiava que ele se
apaixonara por sua linda irmã a princípio, mais que se conformara em se tornar
apenas seu melhor amigo, ao descobrir que sua paixão não era correspondida.
Pelo visto, Catherine preferia continuar sozinha.
Não havia dúvida de que ambas haviam ficado marcadas pelas experiências da
infância. Cada uma reagira a elas de uma forma. Em vez de se refugiar na
agitação social da cidade grande, Kayla preferira se afastar dos homens. Por
mais que sonhasse encontrar seu par perfeito e formar uma família, não era
tola a ponto de acreditar que tal homem existisse.
— Talvez apenas ainda não tenha encontrado o dono corto das "mãos bobas"
— continuou Catherine. — Aquele que colocará você em primeiro lugar.
— Não me diga que acredita que isso existe?
Ao terminar de falar, Kayla pensou em Kane no mesmo instante. Ele fora o
primeiro homem do qual ela não desejara se afastar física ou emocionalmente
no primeiro encontro. Ninguém antes a fizera sentir-se especial e a levara a
querer se arriscar.
Catherine deu de ombros.
— Não sei. Mas se o brilho em seus olhos é algum sinal, você mesma acredita
nisso. E eu detestaria vê-la perder essa pessoa especial por medo.
— Bem, ele é diferente, sexy...
— E? Sabe ouvir — completou Kayla, com certa timidez. — E também se
mostrou interessado, se não me engano. Estive tanto tempo fora de ação que
não sei isso ao certo.
— Não é preciso ser experiente para saber se alguém a faz sentir-se especial.
Talvez tenha finalmente encontrado seu príncipe encantado.
Algo no íntimo de Kayla lhe dizia que essa pessoa era mesmo Kane. Ainda
assim, respondeu:
— Mas eu ainda nem o conheço direito.
— Mas vai querer conhecê-lo — disse-lhe a irmã, com uma piscadela. —
Espere só até que ele a veja essa noite.
Levantando-se e examinando-se rio espelho de corpo inteiro, Kayla soltou um
suspiro, surpresa com a imagem que viu.
— Mal estou me reconhecendo.
— Isso porque vem se escondendo atrás de suas roupas sérias demais e de
um trabalho que só envolve pessoas tímidas, em vez de homens atraentes. Às
vezes, acho que se esqueceu da mulher que existe aí dentro. Pelo menos esse
tal de Kane foi capaz de fazer minha irmãzinha sexy sair da concha.
— Estamos falando de um cliente, Cat — lembrou Kayla, mesmo sabendo que
isso não fazia a menor diferença.
Ele mesmo dissera que a idéia de precisar de aulas fora apenas uma desculpa
para que seu convite para jantar fosse aceito.
— Desde quando você sai com clientes?
— Eu não faço isso — Kayla se indignou.
— Eu sei. É por isso que acho que você deve sair e se divertir, pelo menos
uma vez na vida. Comece por esse ponto de vista, sim? E as roupas são
apenas uma imagem de liberdade, já que cabe a você aproveitar ou não as
oportunidades.
Catherine a conduziu para fora do quarto e então para a sala.
— Vamos, eu a deixarei no restaurante. É caminho para mim e, além disso,
quero dar uma olhada nele pessoalmente.
— Decidiu dar uma de mãe?
— Nós sempre cuidamos uma da outra e não faz sentido interromper isso
agora. E pense a respeito do que lhe falei, pois é melhor tentar do que se
arrepender por não haver tentado.
Kayla pensou e muito. Ao longo do caminho, enquanto repassava para a irmã
as instruções que recebera dele durante o breve telefonema que haviam
trocado, era só no que pensava. De fato, estava tão absorta que se assustou
ao ouvir Catherine emitir um longo assobio ao ver Kane, quando o carro parou
diante da entrada do restaurante.
Kane estava no alto da escada da entrada, apoiado em um dos corrimões.
— Isso foi um sinal de aprovação? — ironizou Kayla, recebendo um sorriso
amplo e uma piscadela em resposta, untes de sair do carro.
Kane chegou a seu lado em um instante. No breve momento em que ele e
Catherine se apresentaram e trocaram algumas palavras, Kayla mal conseguiu
se concentrar.
Seria possível que sua irmã estivesse certa? Seria aquela uma oportunidade
única, que não deveria ser perdida? Poderia haver um futuro depois daquela
noite? Era isso o que ela precisaria descobrir. Se havia alguém que merecia tal
esforço, esse era Kane McDermott, o primeiro homem a excitá-la e a
impressioná-la de verdade, fazendo-a despertar novamente para o mundo. O
primeiro a ver além das aparências, demonstrando haver gostado dela como
pessoa.
Mantendo uma das mãos nas costas de Kayla, Kane a conduziu para fora do
Fenway Park, rumo às ruas mal iluminadas de Boston. O Sox acabara de
ganhar o jogo na prorrogação e ela não fizera sequer uma reclamação por ter
de permanecer sentada ao lado dele, vendo aquela partida longa, em meio a
um clima que esfriava a cada minuto. Sob condições normais, seria o momento
ideal para terminar o encontro. Mas aquele não era um encontro normal e era
preciso se esforçar para se lembrar disso.
— Eu já lhe disse que adorei o restaurante? — indagou ela. "Já faz uns dez
minutos desde a última vez", pensou Kane.
— Por causa da comida ou do ambiente?
Kayla riu. E aquele som rico contribuiu mais para aquecê-lo do que sua pesada
jaqueta de couro.
— De ambos. Todos aqueles livros de uma parede à outra... — Ela abriu os
braços, esbarrando nas outras pessoas que saíam junto com eles do estádio,
— Oh, desculpe-me. A risada dela era contagiante, bem como era encantador
seu gosto por coisas simples, como livros.
— Fico imaginando como foi que eles tiveram a idéia de transformar aquela
biblioteca em restaurante, mantendo os livros velhos nas prateleiras. Como é
possível eu ter vivido aqui por tantos anos sem jamais descobrir aquele lugar?
E como foi que você o encontrou, Kane?
— Digamos que eu tenho minhas fontes.
— Nesse caso, diga a essa pessoa, quem quer que ela seja, que acertou na
mosca!
Ao receber um olhar admirado e agradecido, ele sentiu um aperto no peito.
Estava usando os dados de sua criteriosa pesquisa profissional não apenas
para investigá-la, mas também para conquistá-la.
Aquele sentimento de culpa o pegou de surpresa. Seu trabalho exigia que ele
fizesse esse tipo de coisa com certa freqüência, mas isso jamais o incomodara
antes. Sempre tivera de ir fundo para atingir suas metas. Pior era que aquela
sensação não vinha da certeza de ele estar lidando com uma inocente, mas
por imaginar que juízo Kayla faria a seu respeito se soubesse a verdade. Ter
esse tipo de preocupação em sua profissão não era nada bom.
Depois de passar a tarde na companhia dela, Kane ficou praticamente
convencido de que Kayla não estava envolvida com nenhuma atividade
criminosa. Ela era apenas uma pessoa honesta cuidando de uma empresa
herdada havia pouco tempo.
Contudo, seus instintos não teriam valor algum perante uma corte. Seria
necessário utilizar seu talento para coletar as provas necessárias para
inocentar sua encantadora suspeita. Em algum ponto da investigação, sua
meta se tornara provar a inocência de Kayla, em vez de descobrir o envolvimento
da Charmed! em um esquema de prostituição.
— Não me pergunte o motivo, mas tive a impressão de que você ia gostar
daquele lugar — disse a ela.
— Pois acertou em cheio.
— Eu sei.
Isso havia ficado evidente. Sem se incomodar com a suposta aula que deveria
dar a ele, Kayla acabara se abrindo com ele. Contara que havia sido
abandonada pelo pai quando criança, e também que sua mãe, a quem amava
muito, comportara-se muito mais como uma criança do que como um modelo
para as filhas.
Ela fora uma criança solitária, que crescera sem criar laços fortes com mais
ninguém exceto a irmã. Uma história bem parecida à dele próprio. Ao Final do
jantar, Kane sabia com exatidão o que dizer e como agir para fazê-la sorrir ou
se tornar pensativa. Jamais sentira-se tão ligado a alguém e isso o deixou
bastante aborrecido.
Quando viraram a esquina seguinte, o vento gelado os envolveu, fazendo a
temperatura descer ainda mais.
Kane esfregou as mãos, dizendo:
— Ah, como eu gostaria de um...
— Chocolate quente com bastante chantilly — completou Kayla.
Não era bem aquilo que ele estivera prestes a dizer. Pensara em uma boa
dose de conhaque, para ajudá-lo a sentir-se aquecido e entorpecido. Talvez
assim ficasse menos nervoso por estar ao lado de alguém tão inteligente e
sensual quanto Kayla. Sentia o desejo de vê-la outra vez e não o de mandá-la
para trás das grades. Não, não poderia permitir que isso acontecesse.
Precisava encontrar logo provas consistentes para apresentar ao capitão. Já
era hora de fazer sua jogada. E isso significava partir para a etapa da sedução.
— Para ser sincero, sempre fui mais adepto do café — respondeu ele. — Mas,
com esse frio, qualquer coisa quente cairá bem.
— Frio? Que frio? — disse ela, soltando uma risada divertida e massageando
os braços para se aquecer.
Kane apenas sorriu. A cada instante estava ficando mais difícil lembrar-se de
sua missão. Vê-la resistir ao frio sem reclamar e com bom humor, foi como
encontrar sua alma gêmea. O problema era que, graças a esse envolvimento;
estava correndo risco de sair da linha.
Tendo crescido sozinho, vivendo na casa de um tio alcoólatra que só o
acolhera para não deixá-lo ir para o orfanato, aprendera a sobreviver sob as
leis da rua, levado apenas pelo próprio instinto. Dessa forma, aprendera tudo a
respeito da sobrevivência, incluindo o sexo. Mas jamais tivera verdadeiras
lições de carinho e gentileza.
Estando apto ou não, essa missão era sua. E chegara o momento de dar o
passo seguinte. E o mínimo que poderia fazer era encontrar uma maneira de
aquecê-la. Então seus olhares se encontraram. Segurando-a pela mão,
conduziu-a até um beco deserto, logo ali ao lado. Bastou um passo seu para
cobrir a distância que os separava, fazendo-a encostar-se à parede de tijolos
de um dos edifícios.Quando seus corpos se tocaram, foi como se não
houvesse roupas entre eles. Ao senti-la estremecer, soube no mesmo instante
que aquilo não tinha relação alguma com a temperatura, mas apenas com
desejo. — Kane?
Ao fitar aqueles olhos questionadoras, ele se descobriu sem respostas.
Contudo, naquele momento, não parecia ser necessário entender, apenas
sentir. De repente, sua mente foi preenchida pela imagem de seus corpos
unidos da maneira mais íntima possível, fazendo uma onda de calor se
espalhar por seu corpo. Aquilo jamais deveria acontecer, pois comprometeria
seu trabalho e sua missão.
E, caso seu informante estivesse certo, seria Kayla quem não deixaria as
coisas irem tão longe. Não sem receber o devido pagamento.
Mas bastou fitar aqueles olhos para saber que se ela terminasse o encontro ali,
isso não teria nada a ver com dinheiro. Sabia que não estava lidando com Uma
prostituta, mas precisava de provas. Talvez um leve roçar de lábios apressasse
as coisas e diminuísse sua agonia. Depois que levasse sua merecida bofetada,
poderia sentir-se tranqüilo ao levá-la para casa e voltar para seu apartamento,
onde um banho gelado o obrigaria a se acalmar.
Porém, no momento em que seus lábios se tocaram, Kane soube que havia
cometido um erro. Foi como se o mundo ao redor deles houvesse
desaparecido. Em vez de empurrá-lo, Kayla o surpreendeu ao corresponder às
suas carícias, deixando-o ansioso por mais. Ao ouvi-la soltar um gemido
abafado, sentiu-se tomado pelo desejo.
O beijo se prolongou por algum tempo, até que ambos estivessem ofegantes.
Segurando aquele rosto angelical entre as mãos, Kane tentou ignorar o ritmo
acelerado de sua pulsação, enquanto tentava prestar atenção às palavras que
lhe saíam da boca:
— Eu te quero, Kayla.
As mãos dela pousaram sobre seu peito e se fecharam, agarrando seu casaco
de couro.
— Por quê?
De todas as respostas que poderia dar, Kane ofereceu aquela que mais
surpreendeu a ele próprio: a verdade.
— Não porque você seja linda, embora isso seja verdade. Não por causa de
seu corpo, apesar de ele ser tentador.
— Então, por quê?
— Porque você é inteligente e porque eu respeito isso. E também porque
admiro sua coragem.
Os olhos dela brilharam mais a cada palavra, deixando claro que aquela era a
resposta certa para conquistá-la. Kane voltou a se sentir culpado. Estava
usando sua pesquisa policial para levá-la para a cama.
Uma única noite. A cada instante, sentia que precisava cada vez mais ter uma
noite com ela. Aquele brilho no olhar, aquele riso, a vivacidade, a aceitação...
Como ele poderia resistir?
— Eu me diverti muito com você essa noite, mas ainda há coisas que me
intrigam a seu respeito. Isso é suficiente?
Um sorriso satisfeito se formou naqueles lábios perfeitos.
— Mais do que suficiente — respondeu Kayla.
Os braços dela circundaram-lhe a cintura.
— Então vou interpretar isso como um "sim".
— E é um "sim", mas pelo preço certo.
Ele ficou paralisado no lugar, então conseguiu forjar um sorriso. Saíra com ela
naquela noite para pegá-la flagrante. Chegara a ter certeza de que seu
informante estava enganado, mas parecia que seu objetivo inicial acabaria por
se cumprir depois do que ela acabara de dizer. Tentando ignorar a profunda
tristeza que preencheu seu peito, fitou aqueles dissimulados olhos azuis.
— E qual seria esse preço, srta. Luck? Kayla levou as mãos ao rosto dele e
sorriu.
— Chocolate quente, Kane. O que pensou que eu queria? A risada bemhumorada
de Kayla o pegou de surpresa, tanto quanto aquela resposta lhe
causara um imenso alívio.
— Não fazia idéia, mas achei que você iria me mostrar. Ela ficou séria e o
encarou com intensidade, antes de ficar na ponta dos pés para roçar os lábios
junto aos dele, abraçando-o pela cintura.
A onda de desejo que dominou Kane foi tão intensa quanto a felicidade que
tentava dominar seu peito. Com o braço ao redor dos ombros dela, conduziu-a
de volta à rua. O quarto de hotel que o departamento alugara como complemento
de seu disfarce ficava a apenas dois quarteirões dali. No dia seguinte,
enfrentaria as repercussões de seus atos. Mas somente no dia seguinte.
Aquela noite pertenceria a ele e a Kayla.
CAPÍTULO III
Kayla entrou no bem decorado saguão do hotel onde Kane estava hospedado,
tentando não se sentir como alguém prestes a embarcar em uma aventura de
uma noite. Olhando ao redor, observou o belo arranjo de flores, obviamente
artificiais, que enfeitava o balcão da recepção, e também para o homem
uniformizado que se encontrava ali. Tratava-se de um local respeitável, mas foi
impossível não pensar em quantos homens não levariam mulheres aos quartos
daquele hotel para um encontro íntimo e fugaz.
Parando a meio caminho do elevador, levou a mão à jaqueta de couro de Kane
e deu-lhe um leve puxão, fazendo-o parar e se virar para ela.
— Mudou de idéia, querida?
— Estou tendo apenas uma crise de realismo. Não sei nada a seu respeito.
— Sabe, sim. Sabe tudo que importa — disse ele, deslizando os dedos pelo
rosto dela e fazendo-a sentir um arrepio delicioso na nuca. — O que mais
poderia querer saber?
— Não sei, talvez você não seja um vendedor de verdade. Pode até ser...
— Um assassino em série?
— Eu estava pensando mais na linha de você ser casado ou noivo, mas a sua
hipótese também merece alguma consideração — concluiu Kayla, soltando
uma risada nervosa.
— Bem, então pode ficar tranqüila quanto a essas hipóteses. Não há nenhum
crime obscuro escondido em meu passado. Também não há nenhuma esposa,
ex-mulher ou namorada em minha vida.
Ao terminar de falar, Kane a abraçou em um gesto confortador. No entanto, a
reação do corpo de Kayla ao toquei dele não foi a de mero recebimento de
conforto.
Feromônios. Havia pouco tempo que ela lera um artigo a respeito desse
elemento de estímulo químico às reações de atração ao sexo oposto.
Entretanto, aquela perspectiva técnica não parecia suficiente para explicar o
que estava sentindo por ele. Nenhuma explicação científica daria conta da
curiosa felicidade que insistia em preencher sua alma toda vez que seus
olhares se encontravam.
Se Kane fora discreto ao falar de si mesmo, não havia problema. A
permanência dele na cidade seria curta demais para que isso fizesse diferença.
Além do mais, o interesse que Kane demonstrara por sua vida, por seu
trabalho e pelos projetos que ela tinha para o futuro da nova empresa, havia
parecido sincero.
Catherine tinha razão. Finalmente surgira alguém capaz de colocar ela e suas
necessidades em primeiro lugar. Mas, como jamais fizera algo do gênero
antes, precisaria ter alguma certezas antes de dar o passo seguinte.
Observou então a expressão séria de Kane, demonstrando uma mistura de
desejo e preocupação. Apesar de desejá-la, ele não parecia disposto a forçá-la
a nada. Lembrou-se então do momento em que fora tomada nos braços,
poucos minutos antes, com sensualidade e gentileza. Seu corpo inteiro estremeceu
em resposta. Aquilo era antecipação, pensou consigo mesma. Estava
ansiosa pelo que viria.
Passara a vida inteira sendo tratada como objeto sexual e não como uma
pessoa sensível e inteligente. Ignorara seus próprios desejos por anos,
temendo relacionar-se com o homem, errado, alguém que desejasse seu
corpo, mas não a pessoa inteira. O evento mais significativo nesse sentido
ocorrera havia poucos meses, quando ela assumira a Charmed!, abrindo mão
da própria formação universitária em benefício do futuro da irmã e da
manutenção do passado e da tradição de sua tia. Mais uma vez, suprimira seus
próprios desejos e necessidades.
Ao pensar nas coisas que queria para si, lançou outro olhar na direção dele.
Kane era solteiro, descompromissado o sensual como ninguém. E, pelo menos
naquela noite, seria todinho dela. Sorrindo com nervosismo, disse:
— Bem, acho que o que você disse esclarece tudo.
— É mesmo? — indagou ele, enfiando as mãos nos bolsos da frente da calça
jeans.
Kayla sentiu a boca secar e passou a língua pelos lábios, para umedecê-los.
— A menos que tenha mudado de idéia.
— Você ficou quieta por tanto tempo que era eu quem estava prestes a lhe
fazer essa pergunta.
Respirando fundo, ela estendeu a mão para Kane, recebendo um sorriso
sensual em resposta, enquanto seus dedos se entrelaçavam.
— Oh, primeiro um detalhe — falou ele, inclinando-se na direção do atendente
e cochichando algo em seu ouvido. — Agora sim. Pronta?
Uma tontura repentina a fez sentir-se como se estivesse flutuando.
— Pronta — respondeu.
A subida de elevador e a caminhada até a porta do quarto ocorreram como se
fizessem parte de um sonho, sem muita nitidez. De repente, estava com Kane
no quarto de hotel. Diante de sua falta de experiência, chegava a ser difícil
acreditar no que estava acontecendo. Tentando recuperar o controle, ela olhou
ao redor para reconhecer o ambiente. A discreta desordem das roupas
empilhadas em uma cadeira, a mala jogada a um canto e a pasta aberta sobre
a mesa davam um toque totalmente masculino ao ambiente.
— Está tudo bem? — indagou Kane.
— Sim, claro.
— Você está tremendo. Quando Kayla voltou a olhar ao redor, sua atenção se
voltou para a enorme cama que ocupava o centro do quarto Sem perceber,
flagrou-se imaginando as cenas que aconteceriam naquele lugar. A começar
por seus corpos quentes e nus sob os lençóis. Para sua surpresa, o
pensamento deixou calma, pois lhe trouxe a certeza de que era mesmo aquilo
que ela queria fazer.
Seus olhares voltaram a se encontrar e ela disse:
— Agora estou bem.
— Kayla?
— Sim? Kane pigarreou como se estivesse desconcertado, procurando por
palavras.
— Por acaso já fez isso antes? Ela ergueu o queixo e arqueou uma
sobrancelha diante do tom de dúvida na voz dele.
— Muitas vezes.
— Mentira.
— Que bom que percebeu — disse ela. Então rumou para a porta, decidindo ir
embora antes que outras perguntas diretas e constrangedoras a humilhassem
ainda mais. Se sua falta de experiência ficara evidente naquele momento, que
desastre poderia vir depois? Mas foi impossível avançar muito. Ao dar o
segundo passo, foi impedida de prosseguir pelo abraço de Kane ao redor de
sua cintura. Então sentiu aquele corpo forte e másculo em contato com suas
costas. Não foi necessário encará-lo para saber quanto ele estava excitado.
— Onde estava indo? — indagou ele.
— Minha mãe sempre me disse que quando não se podia fazer algo direito, era
melhor nem tentar fazê-lo.
— Por acaso eu disse que você fez algo errado? Revirando os olhos, ela jogou
a culpa nele, sem hesitar.
— Não fui eu, foi você.
— Então cometi um erro. E qual foi?
— Você questionou minha experiência. E esse não é o melhor jeito de se
aproximar de uma mulher meu caro.
Kayla estava se esforçando para se manter rígida e imóvel nos braços dele,
mesmo desejando sucumbir àquele abraço e se entregar. Aquela proximidade
a estava fazendo perder o bom senso. Talvez o melhor a fazer fosse se afastar.
Ao decidir isso, tentou se libertar daqueles braços sedutores.
— Solte-me, Kane.
— Não até que me responda o que perguntei ainda há pouco, para que eu
possa me explicar. Se não gostar do que ouvir, eu mesmo a levarei para casa.
Por acaso já fez isso antes?
— Passar a noite em um quarto de hotel com um desconhecido? Não. Está
feliz agora?
— Nem de longe. Não foi isso que lhe fiz a pergunta e nós dois sabemos disso.
— Está bem. Estive em uma situação parecida duas vezes, uma quando eu
estava no último ano do colegial e outra alguns anos atrás.
Da primeira vez, ela ainda era muito jovem e inexperiente. Apesar de
assustada, fora levada a acreditar que o rapaz a queria de verdade e que o fato
de estarem no banco de trás do carro dele era apenas uma limitação
necessária. O rapaz fora bem longe em seu plano de sedução, ate conseguir
convencê-la. Depois saíra contando vantagem para os amigos e nunca mais a
procurara. A segunda acontecera muitos anos depois. Outro erro, cometido
graças a aparente necessidade de preencher um vazio em sua vida.
Era desagradável ter de recordar aqueles dois eventos.
— Por acaso também quer nomes e datas, oficial, ou o que eu falei já basta?
Kane se afastou um pouco, mas não soltou a cintura de a.
— E então? — indagou Kayla, diante do silencio dele — Vai continuar me
prendendo como se fosse um policial ou vai me deixar ir embora?
— Nem uma coisa nem outra.
O longo suspiro que ele soltou pegou Kayla de surpresa. Seria possível que
Kane estivesse tão nervoso quanto ela? Impossível. Homens como ele não
ficavam nervosos em momentos como aquele.
— Por que isso é tão importante? — perguntou Kayla.
— Acabou de me dizer que se passaram alguns anos. Eu te quero muito e está
sendo difícil me controlar. Se eu não perguntasse, poderia acabar
machucando-a.
Aquelas palavras a tocaram de maneira profunda, fazendo-a relaxar e parar de
resistir ao abraço dele. No mesmo instante, como que sentindo que ela não iria
mais tentar fugir, Kane diminuiu a pressão de seu abraço, permitindo que ela
virasse e se apoiasse em seu peito.
—- E se por acaso viesse a me machucar, isso faria alguma diferença?
— É tão difícil assim de acreditar que me importo com você? — indagou ele,
franzindo o cenho.
— Em se tratando dos homens em geral, é. Quanto a você, depois disso, não.
De súbito, foram interrompidos por uma leve batida à porta. Depois de hesitar
um instante, como se não quisesse deixar de abraçá-la, Kane abriu a porta e
recebeu o carrinho do serviço de quarto.
—- Eles trabalharam depressa — disse a ela. — Ainda bem.
— O que é isso?
— O pagamento.
— O quê? — perguntou Kayla.
— Pelo que está por vir.
Kayla o Viu pegar uma das garrafas térmicas e abri-la um pouco, oferecendo
para que ela sentisse seu aroma. Chocolate quente.
— Você se lembrou!
— Quando uma mulher inteligente fala, eu ouço. Além do mais, como poderia
lhe negar um pedido tão simples? Especialmente quando isso me dará tudo
que quero.
O sorriso sensual de Kane a fez sentir um frio no estômago. Como ela poderia
resistir a um homem tão atraente?
— Subornada por uma caneca de chocolate quente — murmurou Kayla, sem
conseguir conter o riso. — Acho que sou mesmo uma garota fácil.
— É? — indagou Kane, aproximando-se devagar e começando a retirar o
blazer dela.
As mãos fortes roçaram seus ombros com sensualidade, fazendo-a
estremecer. O movimento seguinte a surpreendeu, pois aqueles dedos gentis
se entrelaçaram em seus cabelos e retiraram sua tiara, jogando-a sobre o
blazer, já caído no chão. Pelo visto, aquela pilha de roupas tenderia a aumentar
ao longo da noite.
Passar uma noite com Kane não seria uma experiência calma e controlada, e
muito menos fácil de entender. Contudo, Kayla não queria mesmo entender
nada naquele momento. Sua única certeza era a de estar dando o primeiro
passo para admitir que encontrara algo que, até então, ela considerara
impossível de ser encontrado.
Outros homens a haviam tocado, conseguindo apenas deixá-la ainda mais fria
e indiferente. Ninguém jamais lhe despertara tanto desejo quanto Kane. Ele
conseguira ver além de sua aparência e vencer suas barreiras, alcançando-a
como mulher, de corpo e alma.
Pouco importava que o houvesse conhecido naquele mesmo dia, pois sentia
que sabia muito mais a respeito dele do que as palavras seriam capazes de
dizer em mil anos. Desejava-o e não pretendia mais conter aquele impulso que
ameaçava dominá-la.
Com certo esforço, lembrou-se de ele haver perguntado se ela era realmente
fácil.
— Para você, acho que sou — murmurou Kayla, ficando na ponta dos pés para
beijá-lo com ardor.
O corpo dele estremeceu por inteiro e aqueles braços fortes a envolveram até
que seus pés saíssem do chão por um instante.
— Por acaso faz idéia do que está fazendo comigo? — indagou Kane, com voz
rouca.
Reunindo coragem, ela repetiu as palavras dele:
— Não, mas você poderia me mostrar...
Kane soltou o fôlego de maneira exasperada. Com toda aquela aparente falta
de experiência, Kayla parecia não ter noção de que o estava provocando
demais e muito depressa. Até então não havia hesitado em ser direto com ela e
não pretendia mudar de atitude naquele momento. Segurando a mão dela,
levou-a à braguilha de sua calça.
— Oh.
A surpresa de Kayla foi reveladora. E excitante.
A parte racional da mente de Kane esperava que, sendo inteligente, ela
percebesse que estava indo depressa demais e que deveria recuar um pouco,
antes que as coisas saíssem do controle. Em vez disso, porém, ela o apalpou
com firmeza por cima dó tecido rústico da calça, como se tivesse envolvida por
uma incontrolável curiosidade exploratória. Como ele não pensara que isso
poderia acontecer?
Fechando os olhos, Kane tentou pensar em outra coisa e a deixou prosseguir
um pouco com aquela "pesquisa". Beisebol. Deveria pensar no jogo que
assistira minutos antes. Todavia, aquilo nem sequer havia começado a surtir
efeito quando Kayla o surpreendeu mais uma vez, levando as mãos ao zíper de
sua calça. Antes de acabar perdendo o controle, ele segurou a mão dela e a
encarou ao dizer:
— Calma.
— Por quê?
— Já ouviu falar no conceito de "dar tempo ao tempo"? Não creio que queira
exagerar nem ir rápido demais com isso.
Ela levou a mão ao rosto dele e o acariciou lentamente.
— Não acredito que, em se tratando de nós dois, exista essa história de
"exagerar" — falou ela, com um sorriso sedutor.
Kane soube de imediato que conquistara a confiança de Kayla, embora tudo a
respeito do "nós dois" que ela citara fosse uma mera farsa. Conquistá-la e
dominá-la fazia parte do plano, mas jamais lhe ocorrera que ele também
sucumbiria ao charme dela.
— Por que não descobrimos juntos? — sugeriu ele, sentando-se em uma das
cadeiras e puxando-a com delicadeza para seu colo. — Ainda está com frio?
— Não. Ou será que eu deveria dizer "sim", para você me aquecer?
— Que tal se não dissermos mais nada?
Então os lábios dele encontraram os dela, enquanto seus corpos se
aproximavam cada vez mais. Kane suspirou. O desejo de tocar aquela pele
macia e quente o estava deixando quase fora de si. Quando começou a tirarlhe
a blusa, descobriu-a muito cooperativa, movendo os braços para auxiliá-lo
na tarefa. No instante seguinte, estava pondo em prática sua fantasia.
Desde que a vira pela primeira vez, imaginara secretamente aquele momento,
desejando torná-lo real. E isso finalmente estava acontecendo. Deslizando a
ponta dos dedos pelas bordas do sutiã rendado que envolvia os seios fartos de
Kayla, sentiu o calor excitante e a convidativa pele macia, que parecia clamar
pelo contato de seus lábios.
No instante seguinte, livrou-a da peça e atendeu àquele clamor irresistível.
— Não me leve a mal, querida, mas você é mesmo linda.
— Não se preocupe. — Kayla sorriu. — Se eu o deixei ir tão longe, é porque
acredito no que diz. Até mesmo nos elogios.
— Diferentemente dessa manhã.
— Eu ainda não o conhecia pela manhã — respondeu Kayla.
— Mas agora conhece.
— Conheço o que importa. Não foi o que você mesmo disse?
— O frio já passou? — indagou ele, acariciando com a língua um dos
proeminentes mamilos intumescidos de Kayla, fazendo-a soltar um gemido
longo e sensual. — Entenderei isso como um "sim". Então o chocolate quente
poderá esperar.
Em meio a beijos e carícias, Kane ficou de pé e levantou-a nos braços,
carregando-a até a cama. Então despiram-se devagar, explorando cada parte
do corpo um do outro, apesar da ansiedade e do desejo crescerem mais a
cada minuto.
Esforçando-se para se controlar e não machucá-la, Kane começou a acariciá-la
de maneira íntima, ansioso por prepará-la para o que estaria por vir. Ao sentir
as unhas de Kayla se cravarem em suas costas, soube que não agüentaria se
conter por muito tempo.
— Kane...
— Sim? — falou ele, afastando a mão por um instante.
— Eu preferiria que, bem, você sabe... Compreendendo-a de imediato, ele
optou por continuar o que estava fazendo, só que dessa vez com mais
empenho. Não queria que fosse rápido demais. Queria transformar aquela
única noite em uma lembrança para a vida inteira.
— Ei, a paciência é uma virtude, querida. Contorcendo-se sob o toque dos
dedos dele, Kayla reagiu em seguida, levando as mãos até o membro pulsante
de Kane e acariciando-o com inusitada ousadia, levando-o quase à beira do
êxtase.
— Nesse caso, acho que não sou nem um pouco virtuosa — ela o provocou.
Aquilo o fez parar e segurar a mão dela, antes que algo acontecesse.
— Acho que já entendi.
O tempo perdido na colocação do preservativo se revelou como um incômodo
maior do que deveria ser, mas deixar de usá-lo não era uma opção viável.
Pouco depois, segurou com firmeza aqueles quadris generosos e uniu seus
corpos com cuidado, tentando lembrar-se de que fazia um longo tempo desde
que ela fizera algo assim.
Considerando as intensas reações de ambos, até que tudo estava indo muito
bem. Na verdade, Kane estava sentindo algo novo, um envolvimento emocional
que jamais experimentara antes. Mas foi impossível continuar pensando naquele
momento, já que o êxtase se aproximou para marcar o primeiro ápice de
uma noite que prometia se revelar como uma verdadeira montanha-russa de
prazer. Um instante antes de chegar ao clímax nos braços de Kayla, ele soube
que jamais sentiria aquilo com outra pessoa.
Kane acordou com o som de roupas sendo alisadas. Erguendo a cabeça, viu
Kayla voltando a se vestir, iluminada pelo sol da manhã que se ocultava por
trás da cortina da janela
As lembranças da noite anterior lhe vieram à mente em uma enxurrada de
imagens e sensações, deixando-o excitado e sequioso por mais. Apesar de
haverem tido uma noite agitada, desejava possuí-la outra vez, de preferência
naquele mesmo instante. Na verdade, surpreendeu-se ao descobrir que a
desejava ainda mais do que da primeira vez.
Mas bastou um olhar para saber que Kayla planejava partir sem acordá-lo.
Aquilo era algo que ele mesmo fizera inúmeras vezes e que somente aquela
inversão de papéis lhe permitira sentir quanto era horrível. A sensação de perda
que invadiu seu peito o impressionou.
Mas por que ela decidira partir daquele jeito? Por arrependimento? Por
vergonha? Ou seria porque aquele encontro não passara de mais uma noitada
para ela? A última hipótese lhe pareceu inaceitável. Foi então que teve certeza
de que desejava que houvesse algo mais entre eles.
— Vai a algum lugar?
Kayla demorou um instante para encará-lo, parecendo desconcertada ao
responder:
— Eu só estava...
— Indo embora? — completou Kane.
— Apenas me vestindo. Eu já ia chamá-lo.
— Mentira.
— Você gosta dessa acusação, não?
— Só quando ela se encaixa com perfeição naquilo que tenho a dizer.
Levantando-se da cama e atravessando o quarto, ele não se importou com o
fato de estar nu. Porém, não conseguiu ignorar quando Kayla o fitou de alto a
baixo, o que o deixou ainda mais excitado.
— Pensei que um final desse tipo seria mais apropriado. De qualquer maneira,
você vai voltar para New Hampshire mais tarde, então pensei que seria melhor
assim, sem despedidas complicadas — explicou ela, mostrando um sorriso
profissional e nada sincero.
Kane pegou a carteira que estava no canto da mesa e a abriu. O que
significara tudo aquilo para Kayla? Seria possível que o considerasse apenas
como um cliente com quem flertará e que não desejava ver outra vez?
Em sua mente, a investigação havia se encerrado muito antes de os dois irem
para a cama. Sabia que não estava lidando com uma prostituta e que, se havia
algum esquema de prostituição naquela história, Kayla não sabia de nada.
Mas, além de precisar de evidências para apresentar a Reid, queria também
saber o que ele próprio significava para Kayla.
Virando-se para ela, pegou um punhado de notas da carteira e o jogou sobre a
cama, dizendo:
— Não combinamos um preço, mas tenho certeza de que isso deverá pagar as
lições da noite passada.
"Não pegue o dinheiro", implorou ele, em pensamento. Embora estivesse
furioso consigo mesmo pelo que estava fazendo, tentou se manter frio e
observar a reação dela.
Parando em meio ao processo de acabar de vestir o tailleur, ela arregalou os
olhos, confusa.
— O que é isso?
— Você disse que nós acertaríamos isso depois — respondeu Kane,
apontando para o dinheiro que jogara sobre a cama. — Este é o pagamento
por seus serviços.
CAPITULO IV
Kayla olhou para o dinheiro com ar incrédulo.
— Pagamento? Foi preciso um grande esforço para a palavra sair de sua boca.
— Você mesma disse para vermos como as coisas iriam sair. Sim, dissera
mesmo. E pensar que até alguns minutos antes tudo fora incrível, pensou
Kayla. Na verdade, o que ela experimentara é sentira nos braços de Kane
jamais teria descrição. Como sabia a respeito da breve partida dele, optara por
ir embora logo, para não precisar se despedir nem forjar sorrisos. Nada de
perguntas do tipo: "Quando nos veremos outra vez?". Na verdade, sentia-se
tola por haver pensado que ele talvez fosse procurá-la outra vez por vontade
própria, sem o peso de estar cumprindo uma promessa.
Virando-se na direção da cama, olhou para o dinheiro jogado sobre o cobertor
e sentiu um aperto no peito ao encarar a realidade do que acontecera.
Cometera outro erro. Entregara-se a um desconhecido e, mais uma vez,
transformara-se apenas em um troféu. A diferença era que Kane a iludira com
perfeição antes de apresentá-la à realidade: nenhum homem queria um
relacionamento sério com Kayla Luck.
Endireitando os ombros, forjou uma expressão de força para não demonstrar
quão profundamente ele a magoara.
— Você tem razão. Não combinamos nada a respeito de pagamento.
Naquele instante, desejou ser como sua irmã, que era capaz de ter sempre
respostas prontas para qualquer tipo de situação ou ofensa. Mas isso não era
de sua natureza. Pegou então sua bolsa e a pendurou no ombro. Talvez nunca
mais voltasse a confiar em seu julgamento a respeito dos homens, mas ainda
lhe restava amor-próprio suficiente para ela se mostrar forte pelo menos até
atravessar aquela porta. Ninguém tinha o direito de tratá-la como se fosse uma
prostituta.
— Sabe de uma coisa, sr. Kane McDermott? Você e esse seu pagamento
podem ir para o inferno!
Mesmo não o conhecendo tão bem quanto pensara, Kayla aprendera o
bastante para identificar as emoções que se refletiram no olhar de Kane. Alívio
misturado a arrependimento? Não fazia sentido. Deveria ser apenas impressão
sua, diante de seu desejo de encontrar algo em que se apegar, a despeito da
atitude cruel dele.
Reunindo o que lhe restava de orgulho, virou-se e rumou depressa para a
porta.
Dessa vez, Kane não tentou impedi-la.
— Então, nenhum dinheiro trocou de mãos na noite passada? Bem, então a
menos que você queira tentar confirmar isso em outra tentativa, Kane, eu diria
que o caso está encerrado — falou Reid.
Kane se esforçou para sustentar o olhar de seu superior.
— Kayla Luck é inocente, chefe.
— Droga — resmungou o capitão, amassando uma folha de papel e jogando-a
em uma lata de lixo. — Puro desperdício de tempo e mão-de-obra.
— Parece que sim.
— Nosso informante poderia estar apenas fazendo uma cortina de fumaça
enquanto trabalhava para os dois lados, para ganhar dinheiro e proteção
policial ao mesmo tempo. Mas as indicações que ele nos deu pareceram
legítimas. Cheguei a acreditar que os políticos locais estavam freqüentando
aquele lugar em busca de diversão. Há alguma possibilidade de que isso
estivesse acontecendo antes da administração da srta. Luck?
—- Não parece uma hipótese possível. Não aconteceria sem que ela soubesse.
Ela estava por perto enquanto os tios estavam vivos, cuidando da contabilidade
e dando algumas aulas. Se algo desse gênero acontecesse, seria muito difícil
ela não perceber.
— Há alguma possibilidade de ela haver desconfiado e lançado seu charme
sobre você? Quem sabe a moça tenha desvendado seu disfarce na noite
passada?
— Está querendo saber se posso haver sido enganado e manipulado? De jeito
nenhum. Kayla Luck é inocente e eu apostaria meu distintivo nisso.
— Oh, é mesmo? — falou o capitão, arqueando uma sobrancelha. — Essa é
nova para mim.
— Por que toda essa surpresa? Sempre confiei em meus instintos.
— Mas nunca depositou sua confiança em outro ser humano. Muito menos em
uma mulher. Bem, pelo menos até agora.
Aquilo surtiu um impacto direto em Kane. Era uma verdade tão inegável quanto
era impossível deixar de pensar em Kayla desde que a vira partir, pela manhã.
O capitão tinha razão, aquilo era mesmo novidade. Ao longo de toda sua vida,
o trabalho sempre lhe fora suficiente.
Mas Kayla lhe mostrara que havia algo mais além de comer, beber, dormir e
trabalhar. Encontrara a primeira pessoa capaz de fazê-lo sentir-se vivo e qual
fora sua atitude? Tratara-a como se fosse uma prostituta. A lembrança do olhar
magoado que recebera dela o fez sentir-se culpado e arrependido. Mesmo
sendo um investigador com anos de experiência em entrevistar suspeitos,
arrasara com a única chance que tivera de se aproximar de Kayla. Deixá-la sair
daquele quarto sem dizer nada e sem pedir desculpas a ela, fora algo muito
difícil de fazer, mas fora necessário.
— Kane?
— Sim, chefe?
— Quero seu relatório em minha mesa essa noite. Se tudo estiver certo, o caso
estará encerrado.
— Tudo bem.
— Você está muito abatido. Preencha logo essa papelada e lembre-se bem do
que lhe falei. Agora que o caso está encerrado, não quero vê-lo aqui outra vez
até o meio da semana que vem.
Kane optou por não discutir. O ardor em seus olhos lhe dizia que dormir iria lhe
fazer bem. Mas primeiro teria de fazer o mais importante. Colocando uma folha
em branco na máquina de escrever, soltou um gemido desanimado. Para
escrever o relatório seria necessário relembrar a noite anterior.
De repente, flagrou-se pensando em Kayla como se ela já fizesse parte de sua
vida. Que loucura seria aquela? Passara a noite com uma suspeita e estava
agindo como um maluco apaixonado. Isso era sinônimo de problema. Kayla
saíra de sua vida havia poucas horas e ele nem sequer conseguia se
concentrar.
Deveria saber melhor do que ninguém que sonhos não se realizavam. Seu pai
abandonara a família quando ele tinha cinco anos e, seis anos mais tarde, sua
mãe saltara na frente de um ônibus em alta velocidade, sem pensar duas
vezes na criança que deixara para trás. Depois de muito esforço, conseguira
convencer seu tio a assumir sua tutela em troca do dinheiro do seguro social de
sua falecida mãe. Um pequeno preço a ser pago para se manter livre e longe
dos orfanatos.
Tais lembranças sempre o haviam feito se tornar realista diante de situações
emocionalmente difíceis. Mas, por algum motivo, depois daquela noite ao lado
de Kayla, isso já não parecia suficiente.
Kayla não queria ter de voltar para casa e ser interrogada por sua irmã. Depois
de pegar um táxi na porta do hotel, parara em uma lanchonete perto da
Charmed!, para tomar o desjejum antes de mergulhar no trabalho. Queria
manter-se ocupada para não ter de pensar. Por sorte, ainda havia caixas e
caixas de pertences pessoais de seus tios guardadas no fundo da empresa, o
que a manteria bastante ocupada por algum tempo. No entanto, algo lhe dizia
que nem todo trabalho do mundo conseguiria fazê-la parar de pensar em Kane.
Cada movimento muscular que fazia ao caminhar a levava a se lembrar dele e
da noite de amor que haviam tido juntos. Seu corpo continuava colorido em
lugares inimagináveis. Se bloqueasse a lembrança do que ocorrera pela
manhã, voltaria a ficar excitada com a mera lembrança de qualquer parte
daquela noite.
Ao chegar à porta da empresa, colocou a chave na fechadura, perguntando-se
se seu aquecedor teria desistido de transformar o lugar em uma sauna. Se
Kane era tão bom com equipamentos quanto na cama, com certeza a temperatura
estaria agradável.
Ao entrar, confirmou o que já esperava: não precisaria mais chamar o técnico
da manutenção. Pelo menos por isso poderia sentir-se grata a ele.
Kayla voltou a fechar a porta e seguiu rumo à sala dos fundos. Antes que
pudesse alcançar o interruptor de luz, teve seu braço agarrado de repente e foi
puxada para a escuridão do cômodo que usavam como depósito. Antes que
pudesse reagir, um braço forte envolveu seu pescoço enquanto a mão que a
puxara cobria sua boca. Ao tentar gritar, sentiu o cheiro do couro da luva do
agressor.
Quanto mais se debatia, mais o aperto em seu pescoço se tornava intenso.
Apesar de sentir o medo crescendo dentro de si, seu instinto de preservação
falou mais alto e ela parou de resistir.
— Moça esperta. Agora ouça com atenção — falou o homem de voz estridente,
com hálito de bebida e cigarro. — Onde está o dinheiro?
A mão que cobria sua boca foi retirada, mas o lugar onde estavam os dedos
dele continuaram ardendo.
— Não sei... O homem deu-lhe um forte aperto com o braço, fazendo-a sentir
uma dor insuportável no pescoço.
— Resposta errada. Mesmo sem fazer idéia do que ele poderia estar falando,
Kayla sabia que o bandido não acreditaria nela. Concluiu que só haveria uma
maneira de sair vida dali.
— Tudo bem, eu colaboro. Mas não há dinheiro aqui na empresa. Preciso...
— Kayla? — A voz de Catherine ecoou pela casa, vinda de outro cômodo. —
Está aí atrás? Vi que as luzes da frente estão acesas e sei que você está aí.
Não conseguirá se esconder para sempre. Quero saber todos os detalhes.
O ladrão ficou quieto, endireitou os ombros e resmungou! algo
incompreensível. Soltando-a, empurrou Kayla com força contra a parede de
concreto, fazendo-a bater a cabeça. O impacto a fez cair no chão, sentindo
uma dor terrível espalhar-se a partir do local da batida. Ela viu a porta se abrir
apenas o suficiente para permitir a fuga do homem, logo voltando a se fechar e
deixando-a imersa na escuridão,
— Irmãzinha, sei que está aí dentro — falou Catherine, abrindo a porta do
depósito e acendendo a luz. — Oh, meu Deus! Kayla, o que aconteceu?
Ao olhar ao redor, mesmo com muita dificuldade para mover a cabeça, Kayla
viu que o lugar estava todo destruído.
— Oh, não, o maldito acabou com tudo.
— Quem? O que aconteceu?
— Eu estou bem. Catherine estreitou o olhar.
— Não é o que parece.
— Mas estou ótima — insistiu Kayla, tentando levantar-se e sentindo uma forte
vertigem que a fez cambalear.
— Sente-se — falou sua irmã, ajudando-a a se encostar na parede. — Vou
chamar a polícia.
Ao balançar a cabeça afirmativamente, Kayla se arrependeu de imediato. A dor
que sentiu foi tão intensa que ela teve de fechar os olhos e se concentrar para
não desmaiar.
Embora não soubesse o que o ladrão estava procurando, ficara evidente que, o
que quer que fosse, deveria estar ali no depósito.
Catherine voltou e se ajoelhou ao lado dela.
— Fique calma, a ajuda está a caminho.
— O que ele poderia querer, Cat?
— Não tente falar.
Catherine colocou uma toalha de papel umedecida na testa de Kayla e sentouse
a seu lado, permitindo que ela apoiasse a cabeça em seu ombro.
Sentindo-se frágil, Kayla não resistiu à tentação de desabafar com a irmã, a
única pessoa em quem podia confiar nem reservas. Contou então tudo o que
havia acontecido na noite anterior, até a despedida cruel ocorrida pela manhã.
Por sorte, sua irmã permaneceu em silêncio e não emitiu opinião alguma.
Depois de algum tempo sem que nada fosse dito, ela disse apenas:
— A polícia vai chegar aqui em poucos minutos. Os policiais cuidarão de tudo.
— Já lhe disse que entrei pela porta da frente e que o ladrão me atacou pelas
costas. — Ao elevar o tom de voz, Kayla sentiu fortes pontadas na cabeça.
O enjôo que estava sentindo era tão forte que ela mal conseguia respirar
direito.
— Os paramédicos chegarão a qualquer momento — falou o jovem policial, em
um tom de voz tão agudo que a fez estreitar os olhos. — Agora, voltemos aos
fatos. Ele estava procurando por dinheiro e você alega não haver nenhum
dinheiro por aqui.
Catherine se posicionou entre o policial e Kayla, assumindo uma postura
defensiva e agressiva ao mesmo tempo.
— Por acaso hoje é seu primeiro dia de trabalho? Sim, porque somente isso
explicaria o fato de você não nave percebido que ela é a vítima. É assim que a
academia treina os policiais hoje em dia? Ensinando a atacar os inocentes!
Ouça aqui, rapaz, policial ou não, quero o número de sua insígnia e depois vou
querer vê-lo perdê-la.
Kayla gemeu de desgosto ao ver a atitude de sua irmã, mas também não
conseguira entender a atitude do policial Ao ouvir as sirenes se aproximando,
achou conforto na idéia de que logo receberia um curativo e um analgésico, em
lugar daquele tratamento descortês do jovem oficial.
O rapaz recuou um pouco, mas não desistiu. Inclinando-se até que seu rosto
ficasse na mesma altura do dela, ele falou
— Vejamos, esse homem entrou pela porta dos fundos e a assustou, certo?
Parece óbvio que ele estava procurando por dinheiro. Mas por quê? Uma
pequena ajuda sua tornaria tudo mais fácil.
— Para quem? — interrompeu Catherine, outra vez. — Ela não fará seu
trabalho por você e agora eu quero sabei o motivo de estar interrogando e
pressionando minha irmã como se estivesse falando com uma criminosa, em
vez de prestar a devida assistência à vítima.
— Eu também gostaria de vê-lo responder isso, rapaz.
— Kane? — murmurou Kayla, reconhecendo a voz no mesmo instante.
Ele voltara. O turbilhão de emoções que a dominou foi tão intenso que, mesmo
estando debilitada daquele jeito foi impossível não se sentir afetada pela
presença dele. Ac tentar endireitar o corpo para olhá-lo, sentiu uma dor tão
forte que voltou a se curvar.
— O que pensa que está fazendo aqui? — indagou Catherine Kayla fez uma
careta ao ouvir o tom ríspido da irmã
Jamais deveria ter contado os detalhes sórdidos do que acontecera naquela
manhã.
Quando, por fim, seus olhares se encontraram, Kane estava se aproximando
com os braços estendidos na sua direção. Aceitando a ajuda dele, deixou-se
conduzir enquanto sentia aquele braço forte e amparador ao redor de sua
cintura.
— E então, policial? Desde quando a polícia de Boston tortura vítimas feridas
durante uma tentativa de assalto? — indagou Kane, dirigindo-se ao policial
mais novo.
O rapaz ficou desconcertado.
— Sinto muito, investigador, mas...
— Investigador?
Ao ouvir o tom surpreso e indignado de Kayla, Kane fez uma careta de
desgosto. Não queria que ela descobrisse daquele modo. Na verdade, não
queria ser desmascarado. Mas depois que a conhecera, nada do que ele
planejava parecia dar certo.
— Para onde pretende levá-la? — indagou a irmã dela. Ele lançou um olhar na
direção de Catherine, que o fitava com ar furioso, antes de responder:
— Para a cadeira mais próxima. Quem é você, afinal? A irmã ou o cão de
guarda dela?
Kayla interrompeu a discussão.
— Cat, por favor. Preciso mesmo me sentar, senão vou acabar desmaiando.
Enquanto a ajudava, Kane não conseguiu deixar de sentir aquele corpo
delicado em contado com o seu. Apesar de toda a preocupação que o
dominava, sentiu-se excitado com a proximidade de Kayla. Pelo visto, só lhe
restaria aceitar o fato de ser incapaz de ignorá-la e de ter de se esforçar para
se distanciar dela o máximo possível.
Depois de acomodá-la em uma cadeira estofada de encosto alto, inclinou-se ao
lado dela.
— Kayla...
— O que é, investigador?
Naquele momento, os paramédicos chegaram e o salvaram da necessidade de
ter de se explicar. Aquilo lhe deu algum tempo para pensar, o que o levou a
concluir que, ao se envolver com Kayla, acabara negligenciando seu trabalho.
O capitão estava certo. O fato de ela não saber de nada não implicava em não
existir alguma atividade ilícita em andamento. Seu deslize comprometera não
apenas a missão, mas também a segurança de Kayla.
—- É isso — falou um dos paramédicos, depois de examiná-la. — Parece ser
uma concussão e um ferimento superficial na região do pescoço, resultante da
tentativa de estrangulamento.
Kane viu o capitão passar pela porta, mas se virou primeiro na direção do
paramédico e perguntou:
— E caso de internação?
— Ela se recusou a ser internada, o que é aceitável se houver alguém para
cuidar dela e levá-la para o hospital, se for necessário.
— É claro que há — falou Catherine, com seu tom autoritário.
Ignorando-a, Kane prosseguiu:
— Quais são as recomendações?
— Completo repouso. Ela precisa ser acordada a cada duas horas para uma
verificação básica de coerência, entendimento, dilatação das pupilas... A rotina
básica de primeiros socorros da academia — concluiu o paramédico.
— Claro.
— Cla-ro — falou Catherine, elevando o tom de voz e separando bem as
sílabas, enquanto lançava um olhar furioso para Kane.
Os paramédicos saíram e o capitão estava entretido pelo oficial que chegara
primeiro ao local, o que deu a Kane uma oportunidade de falar com a irmã de
Kayla.
— Você é Catherine, certo?
— Isso. E você é o sujeito que usou minha irmã. Kane não mencionou que o
"uso" havia sido mútuo e que
quem se vestira primeiro para fugir do quarto fora Kayla.
— Creio que não esteja sabendo de toda a história.
— Sei o suficiente. E duvido que aquele homem com pose de oficial superior
que está conversando com o incompetente que chegou aqui primeiro vai gostar
de saber que você dormiu com uma... O que Kayla é, afinal? Uma suspeita?
— O que a faz pensar isso?
— O modo como o "policial-mirim" ali a estava tratando.
— Deixe isso como está, Catherine.
— Por quê? Só porque você quer?
— Porque estou prometendo que sua irmã não será ferida outra vez.
Ela estreitou o olhar e comprimiu os lábios, ao mesmo tempo em que cruzava
os braços.
—- É mesmo? Prove o que está dizendo e nós conversaremos.
Kane não precisava de uma pessoa como aquela atrapalhando ainda mais a
investigação do caso, que parecia longe de ser encerrado.
— Fique ao lado de sua irmã e cuide dela — mandou ele, virando-se e
rumando para onde estava Reid.
— Estarei de olho em você, investigador — falou Catherine, em tom de desafio,
juntando-se a Kayla.
— As coisas estão meio complicadas — falou Kane, ao se aproximar do chefe.
— Parece que o roubo foi frustrado. Ela chegou mais cedo do que o ladrão
esperava — deduziu o capitão.
— Não está faltando nada — anunciou o policial mais novo, aproximando-se.
— Mas a moça alega que o ladrão estava procurando por dinheiro, que ela diz
não ter.
— A féria da noite? — questionou Reid.
— Meu interrogatório não foi tão longe assim — respondeu o rapaz.
— Agradeça isso à sua técnica de investigação — ironizou Kane, olhando-o
com ar acusador. — Pressionar as vítimas como se elas fossem suspeitas não
faz parte do nosso trabalho.
Notando a tensão entre ambos, o capitão dispensou o policial mais jovem com
um gesto de mão e olhou ao redor, levando a mão ao queixo para coçá-lo.
— Pode ser apenas coincidência.
— Não creio — falou Kane.
— A srta. Luck poderia ajudar?
— Ela ainda não sabe nada a respeito da noite passada.
— Você tem mesmo certeza de que ela não recebeu nenhum aviso para
cancelar as atividades na noite passada?
— Convença-se por si mesmo. Vá conversar com Kayla se quiser.
Reid arqueou uma sobrancelha, foi até lá e, depois de uma conversa não muito
demorada, retomou para junto de Kane,
— Tem razão. Nossa suspeita está tão desorientada quanto nós. Embora seja
inteligente o bastante para saber se sair muito bem nas respostas, não
apresentou nenhum sina; característico de estar mentindo. Sim, acho que eu
comeria minha própria insígnia se viesse a descobrir que a srta. Luck é
culpada. Também duvido que a irmã dela saiba de algo, embora seja dona de
uma língua ferina.
— Kayla está correndo perigo, chefe.
— Isso é bastante questionável. Não estou convencido de que esta ocorrência
seja algo mais do que uma mera tentativa de assalto. Talvez um drogado em
busca de dinheiro para mais uma dose.
Kane balançou a cabeça negativamente.
— Escale alguém para vigiá-la.
— Não posso desperdiçar mão-de-obra baseado em sua intuição, meu rapaz.
O máximo que posso fazer é colocá-la na rota de vigilância com visitas a cada
uma hora.
— Isso não é suficiente.
— Terá de ser — falou o capitão, com determinação.
— Talvez para você. Quanto a mim, usarei aquela folga que vem insistindo
tanto para que eu tire.
— O que pretende fazer?
— Eu mesmo tomarei conta dela. Meu instinto me manteve vivo e inteiro até
aqui, e não pretendo começar a ignorá-lo agora.
— Por acaso não está envolvido demais com essa moça As palavras de Reid
afetaram Kane, mas isso não o fez desistir e muito menos admitir a verdade.
— Claro que não.
— Se quer mesmo que eu acredite no que me diz, tudo bem. Eu lhe darei uma
semana, mas isso é não oficial, quanto à irmã dela?
— Não preciso de dois alvos e, considerando que ela não participa da
administração do negócio, não creio que esteja em perigo imediato.
— Com isso eu concordo.
— Por isso eu a quero fora de cena.
O capitão olhou na direção das duas irmãs, abraçadas e conversando aos
cochichos.
— Boa sorte — disse Reid. — Creio que vai precisar. Então soltou uma risada
sonora e partiu, deixando Kane pensativo e em dúvida. Seu chefe se referira à
sua capacidade de se desvencilhar de Catherine, ou a ele passar uma semana
inteira junto de Kayla? Bem, qualquer que fosse o caso, precisaria mesmo de
toda sorte do mundo.
CAPÍTULO V
A bolsa de gelo começara a aliviar a dor que ela sentia na cabeça. Até o enjôo
já não estava mais tão intenso quanto antes. Como que pressentindo sua
melhora, Kane falou:
— Vou levá-la para casa.
Aquela voz grave continuava lhe parecendo sexy demais fazendo-a sentir um
nó no estômago.
— Acho que vou ficar enjoada.
Catherine pegou a latinha de lixo mais próxima e a colocou diante de Kayla,
fazendo-a rir, a despeito do mal-estar que sentia.
— Obrigada, mas creio que não precisarei disso — falou ela, virando-se para
Kane. — Eu não iria a lugar algum em sua companhia.
Apesar de haver conversado com o capitão, Kayla ainda não tinha todas as
informações que queria. Pelo que observara, ou Reid não estava a par de tudo
que acontecera na noite anterior, ou era um ótimo ator. No caso de a noite que
passara ao lado de Kane permanecer como um segredo teria ele mantido
silêncio em respeito a ela ou o teria feito pelo bem de sua própria carreira?
De um modo ou de outro, no momento ele estava se inclinando para olhá-la e,
com certeza, tentaria persuadi-la a aceitar sua presença. Seu instinto lhe dizia
que aqueles trajes aquela aparência retratavam o verdadeiro Kane McDermott.
— Acho que você não deve estar gostando muito de me ver, não é? Para ser
sincero, eu mesmo não tenho o menor orgulho do que fiz. Mesmo assim, não a
deixarei ir sozinha para casa. Isso não seria nada seguro.
— Concordo — falou Catherine, cruzando os braços diante do peito e
estreitando o olhar.
— Você poderia fazer o favor de ir dar uma volta? — indagou Kane. —
Poderemos conversar depois.
Kayla recebeu um olhar indagador da irmã, vendo-se obrigada a responder
algo que não a agradava muito:
— Está tudo bem, Cat. Eu e o investigador aqui temos algumas coisas
pendentes para acertar.
Soltando um suspiro de preocupação, Catherine se afastou.
— Ela sempre age como se fosse sua mãe? — indagou Kane.
— Só quando estou sendo ameaçada.
— E isso que acha que estou fazendo?
— Não sei nem quem você realmente é. Só sei que a noite passada não
passou de uma armação. Você estava apenas investigando a mim e a meu
negócio. Mas por quê? Que tipo de crime pensou que encontraria?
O modo como Kane franziu o cenho a alertou para o fato de que ouviria algo
desagradável.
— Prostituição.
A mão de Kayla se moveu de maneira automática, esbofeteando-o no mesmo
instante em que uma lágrima lhe escorreu pelo rosto. Ele não reagiu, mas seu
olhar deixou transparecer a mesma emoção que notara naquela fatídica
manhã. Mas Kane a disfarçou tão depressa quanto da primeira vez.
— Nunca imaginei que os investigadores fossem tão dedicados em suas
missões.
— A noite passada não teve nada a ver com a investigação. Minha vinda até
aqui, o encontro e o jantar eram parte do trabalho. O que veio depois já não era
mais — murmurou ele, com um brilho intenso no olhar que denotava não
apenas desejo, mas talvez algo mais. — Quando acabamos de comer, eu já
tinha certeza de sua inocência.
— Então você sempre oferece dinheiro para as mulheres que leva para a
cama? — provocou Kayla, desejando acre ditar nele, mas recebendo apenas
silêncio e um olhar amargurado em resposta. — Ótimo. Isso responde tudo.
Minha irmã me levará para casa.
— Nada disso. A menos que queira colocá-la na linha de fogo.
— Não há perigo algum. Olhe bem a seu redor: há algo de valor por aqui?
Nenhuma mercadoria, nem equipamento! e muito menos dinheiro. O ladrão
não voltará.
Kane deu de ombros.
— Talvez. Mas é por isso que não instalou um sistema de alarme neste lugar?
Por não haver o que roubar?
— Isso mesmo.
Ele apoiou a mão no joelho dela, como se quisesse confortá-la. Mas provocou
apenas uma onda de desejo e mágoa ao mesmo tempo.
— Por acaso tem um sistema de alarme em sua casa? — questionou Kane.
— Não. Nunca precisei disso. O ladrão deve ter pensada que acharia algum
dinheiro aqui e, com certeza, descontou sua irritação em mim ao não encontrar
nada. Tenho certeza de que não me incomodará de novo.
— Discordo. Agora pense na hipótese de eu estar certo e de sua irmã se ferir.
Como conseguirá viver com a culpai
— Esse é um golpe baixo, investigador McDermott. Mal tudo bem. Quer agir
como meu sistema de alarme particular. Ótimo. Estacione seu carro na porta
da minha casa e fique de guarda. Só não se esqueça de ligar o aquecedor para
não morrer congelado. Não quero sua morte na minha consciência.
— Cuidado, Kayla — falou ele, naquele tom de voz grave que a fazia
estremecer. — Desse jeito, vou acabar pensando que se importa comigo.
— Nem sonhando!
— Essa mesma resposta serve quanto a eu ficar no carro. Os paramédicos
disseram que se recusou a ir para o hospital então precisa de alguém que tome
conta de você.
— Por acaso está se oferecendo para ser meu enfermeiro lambem? — indagou
ela, estremecendo diante de tal possibilidade. — Não há a menor chance de eu
aceitar que fique comigo em minha casa.
— Mas se não quer colocar sua irmã em perigo, terá de ficar sozinha. E se o
bandido atacar de novo? Se não deu conta dele da primeira vez, por que acha
que, estando machucada, conseguirá se sair melhor?
— Outro golpe baixo. Este tipo de prática parece agradá-lo, sr. McDermott.
— Bem, digamos que a eficiência do método me atrai, srta. Luck.
Reid se aproximou, olhando-a com ar de preocupação.
— Já terminei o que vim fazer aqui. Está se sentindo melhor, senhorita?
— Pode-se dizer que sim.
O homem se voltou para Kane.
— Lembre-se do que lhe falei. Chame-nos se as coisas ficarem mais sérias e...
aproveite sua folga.
Dizendo isso, o capitão saiu depressa dali.
— Folga?
— Sim, passarei minha folga cuidando de você. E, antes de me contrariar,
lembre-se de que já venci essa discussão. Agora vou acertar os detalhes com
sua irmã.
Kayla abriu a boca para argumentar, mas voltou a se calar. Mal estava
conseguindo se mexer. Era óbvio que não poderia se ajeitar sozinha em casa.
Também não queria expor Catherine a qualquer tipo de perigo. Quer ela
gostasse ou não, precisava de Kane.
— Este lugar é o sonho de qualquer ladrão — murmurou Kane, falando consigo
mesmo enquanto andava pela casa, avaliando a segurança do local.
Aquela era uma rotina necessária de vigilância, mas no seu caso, era também
uma tática para se distrair das tentações que sentia a cada instante. Não foi
fácil procurar por uma camiseta para Kayla naquelas gavetas cheias d< roupas
delicadas e de lingerie perfumada. Foi mais difícil ainda ficar indiferente ao dar
as costas para que ela se trocasse, conhecendo tão bem aquele corpo
maravilhoso que tanto desejava possuir outra vez.
Foi até a cozinha e preparou uma sopa leve, o alimente mais indicado para a
condição dela. Ao voltar para o quarto viu-a deitada de lado, com os olhos
fechados, respirando de modo calmo e cadenciado. Era como se estivesse
olhando um anjo sedutor. Precisaria de toda sua força para manter o foco no
trabalho.
— Kayla?
Ela se virou na direção dele e soltou um gemido.
— Está sentindo dor?
— Isso foi uma tentativa de ser engraçado? — retorquiu ela, ainda de olhos
fechados, apertando os dedos no travesseiro ao qual se abraçava.
— Não posso lhe dar nada além do analgésico que ó paramédico mandou.
— Eu sei. Aumente a temperatura do aquecedor, sim? O queixo dela tremia de
frio. Kane sabia que, passado o efeito da adrenalina, haveria alguma reação ao
choque que ela sofrera.
— Já fiz isso.
— Não adiantou — reclamou ela.
— O que acha de um bom prato de sopa quente?
— Não conseguirei ficar sentada sem desmaiar. Fechando os olhos e se
concentrando para reunir toda sua força de vontade, ele deslizou para baixo do
cobertor deitando-se ao lado dela. Kayla moldou o corpo ao dele de imediato
em busca de calor, soltando um suspiro de satisfação. Duas sensações o
atingiram no mesmo instante: o desejo de possuí-la outra vez e a necessidade
de protegê-la Lembrando a si mesmo que ela só precisava de seu calor;
controlou seus ímpetos e a abraçou com ternura, permitindo-se desfrutar
apenas daquele contato.
— Melhor assim, srta. Luck?
— Muito, sr. McDermott.
Kane se viu dominado por uma sensação de contentamento tão intensa que
precisou lutar contra aquilo com todas as forças, para não mergulhar mais
profundamente naquela situação ilusória.
— Preciso de você — sussurrou Kayla, com tanta suavidade que quase não foi
possível ouvi-la.
— Estou aqui — foi a única coisa que ele se permitiu dizer.
Quando seu relógio de pulso despertou, alertando-o de que já era hora de fazer
outra daquelas verificações quanto ao estado de Kayla, Kane se surpreendeu
ao se descobrir sozinho na cama.
Sentando-se, ouviu o som do chuveiro e revirou os olhos. O que a levara a
pensar que era capaz de tomar banho sozinha? Levantando-se, foi depressa
até a porta do banheiro e experimentou a maçaneta. Pelo menos ela não se
trancara sozinha lá dentro.
— Kayla? Está tudo bem aí?
— Na verdade, nem tudo.
Kane não esperou receber permissão para entrar. Encontrou-a sentada no
chão do boxe, sob o jato de água. Enquanto fechava o registro, ele perguntou:
— Consegue levantar a cabeça?
— Não muito,
— O que pensou que estava fazendo? — questionou ele, entrando descalço no
boxe e colocando os braços debaixo dos dela para ajudá-la a ficar de pé.
— Tomando banho.
— Notei.
Kayla nem sequer teve oportunidade de responder, pois desfaleceu por um
instante. Mas, mesmo inconsciente, não o largou. Seria esse um sinal de
confiança?
Erguendo-a nos braços, Kane carregou-a para fora do banheiro, agarrando
uma toalha pelo caminho. Precisava secá-la e aquecê-la. Sentou-a na cama e
começou enxugá-la.
— Eu só queria tomar banho, mas... — Ela começou a bater os dentes.
— Você exagerou. Especialmente estando de estômago vazio por tanto tempo.
Considerando-a seca o suficiente, começou a vesti-la Aliás, essa mostrou ser a
parte mais difícil. Como poderia ignorar o fato de a estar tocando daquela
maneira?
— Servir e proteger — murmurou Kane, como um lembrete para si mesmo.
— O quê?
— Nada.
— Então pare de resmungar. Isso já é humilhante o bastante; O sutiã e a
camiseta foram desafios enormes. Então ele olhou para a calcinha que tinha
nas mãos e arqueou uma sobrancelha, soltando um suspiro.
— Acha que consegue lidar sozinha com isso?
— Sim.
Ao responder, Kayla ficou enrubescida. Pelo menos a cor dela já estava bem
melhor do que antes. Para não constrangê-la mais, virou-se de costas. Depois
de respirar profundamente algumas vezes, recuperou o autocontrole.
— Obrigada, Kane.
Ele voltou a se virar na direção dela.
— Não há de quê.
— O vapor me deixou tonta. Então senti uma fraqueza muito grande.
— Não saia mais dessa cama sem minha permissão, entendeu?
Kayla franziu o cenho.
— Preciso dormir.
— Primeiro, precisa comer algo.
— Tomando conta de mim, indo ao meu resgate quando caio, cozinhando
minhas refeições... Cuidado, sr. McDemott, ou começarei a achar que está se
importando comigo.
Foi possível perceber o tom de provocação na voz dela.
— Nem sonhando!
— A mesma resposta serve quanto a eu seguir suas ordens. Não sou nenhuma
subordinada moleirona, que aceita ser comandada.
— Oh. Então, o que você é, srta. Luck?
— Alguém igual a você. E não se esqueça disso.
O respeito que ele sentia por Kayla aumentou ainda mais. Mesmo estando
ferida e abatida, continuava acreditando em si mesma e, apesar de estar quase
sem forças, não cedia naquilo que defendia. Foi preciso conter a vontade de
sorrir com admiração.
— Mas é melhor cuidar de si mesma, ou terei de algemá-la à cama.
— Primeiro me seduz em um quarto de hotel, agora quer me algemar em
minha própria cama. Algumas pessoas o chamariam de pervertido, Kane. Por
acaso é sempre assim, ousado?
— Continue brincando com fogo e logo irá descobrir. Aquela súbita troca de
provocações o surpreendeu, mas não tanto quanto o olhar de desejo que
recebeu dela ao acabar de falar. Seria possível que Kayla estivesse pensando
mesmo em algo mais ousado? Não.
Haviam compartilhado uma noite e seria apenas isso que teria dela. Perder a
objetividade outra vez não era uma opção aceitável. Ele se levantou da cama,
onde se sentara pouco antes.
A mão dela em seu pulso o impediu de se afastar e o fez virar-se para encarála.
— Fugindo, meu caro? — indagou Kayla.
— Apenas indo buscar sua comida.
Depois de uma intensa troca de olhares, ela o soltou.
— Tudo bem.
Aquilo o fez arquear uma das sobrancelhas, com ar desconfiado.
— O que foi agora, Kane? — perguntou ela.
— Você cedeu.
— Não pareça tão surpreso. Sei muito bem o que é melhor para mim — Kayla
sorriu. — Além disso, nós dois já concordamos que sou uma mulher muito fácil.
Kane desapareceu pela porta e Kayla se recostou nos: travesseiros, enrolando
os cabelos na toalha para que acabassem de secar. Aquela troca de
provocações exaurira toda sua energia. Precisava mesmo de alimento para
repor suas forças, ou não conseguiria lidar com ele.
Aliás, o que Kane queria com ela? E o que ela mesma desejava dele?
— O almoço está servido.
Parado à porta, estava a epítome de tudo que ela sempre sonhara em seu
modelo de parceiro ideal: um homem forte, capaz, carinhoso e interessado, que
se importava com ela.
Tentando manter o foco da atenção, tomou um pouco da sopa que ele colocara
diante dela.
— Você é sempre tão atencioso em todos seus casos?
— Não se deprecie — falou ele, tocando-lhe o rosto com o dorso dos dedos.
Seus olhares se encontraram. Então o telefone tocou.
— Deve ser minha irmã, achando que precisa me proteger de você.
— Eu já conversei com ela mais cedo, mas vejo que Catherine precisa de
provas mais concretas. Além disso, ela está certa — murmurou Kane,
encarando-a com intensidade, sem poder impedir que o telefone tocasse outra
vez. — É melhor atender logo, antes que sua irmã apareça aqui para verificar
tudo pessoalmente.
Kayla pegou o aparelho e o levou ao rosto, dizendo:
— Estou bem.
— Mas não continuará assim se não entregar minha parte — disse a pessoa do
outro lado da linha. — E também quero todos os livros.
— Quem é você? — indagou ela, assustada.
— Já se esqueceu?
Aquela voz ameaçadora a fez sentir um calafrio.
— Foi você que me atacou.
Kane se abaixou diante dela a gesticulou para que ela continuasse falando,
enquanto a segurava com carinho pelos ombros, confortando-a.
— Aquilo foi apenas uma amostra — ameaçou o homem.
— O que quer de mim?
— Pare de bancar a idiota. Quero minha parte e as listagens.
— Não sei...
— Não pode deixar meu funcionário de fora e não pode tocar o negócio
sozinha. Consiga o dinheiro e os livros. Entrarei em contato.
Um clique anunciou o final da ligação.
Kane pegou o telefone da mão dela e discou uma série de números, esperando
um pouco antes de soltar um resmungo ininteligível.
— O que foi? — indagou Kayla.
— Não é possível rastrear a ligação. É provável que tenha sido feita a partir de
um telefone público. O que foi que ele disse?
— Parece que você tinha razão. A Charmed! é algum tipo de fachada para algo
ilegal, no final das contas.
Ao falar aquilo, ela começou a se levantar da cama.
— Onde pensa que vai? — indagou ele, segurando-a pela perna nua.
O contato pareceu muito mais sensual do que repreensivo.
— Eu... — Kayla hesitou. — Para o escritório. Há Caixas com documentos e
pertences de meus tios que ainda não tive tempo de verificar.
— Farei com que tragam tudo até aqui, junto com algumas roupas limpas para
mim. Então poderemos verificar tudo isso juntos.
Juntos. A palavra lhe soou tão correta que a fez estremecer. O toque dele
continuava firme e carinhoso em sua perna, excitando-a. Parecia óbvio que
havia algo além de profissionalismo no comportamento de Kane. Talvez as
questões ligadas à empresa tivessem de esperar, mas era hora de descobrir o
que havia entre eles.
— Você poderia ter ido embora. Nem mesmo seu chefe aprovou esse tipo de
proteção.
— Minha intuição me disse que o caso ainda não está encerrado.
— E essa é a única razão de ainda estar aqui?
— Se eu tivesse seguido meu instinto antes, jamais a teria deixado sozinha e
essa agressão não teria lhe acontecido.
— Culpa?
— Realidade.
— Como preferir — desdenhou ela.
Apesar das palavras dele, aqueles olhos azul-esverdeados diziam outra coisa.
Além disso, havia aspectos mais íntimos na relação deles, como a reação que
provocavam um no outro apenas por se tocarem.
— De qualquer maneira, você está se esquivando de mim. Por quê?
— Dormir com você me fez perder a objetividade — falou Kane, soltando-lhe a
perna e ficando de pé. — Isso não acontecerá de novo.
— Entendo.
Kayla sentiu-se tomada por uma mistura de compreensão e surpresa. De
alguma forma, ela o abalara. Mesmo não sabendo quantas mulheres haviam
passado pela vida de Kane, seu instinto dizia que tal reação não era apenas incomum,
mas também uma novidade.
Observou-o ir até a janela e ficar lá, olhando para fora por uma fresta da
persiana que ele acabara de fechar. Kayla se recostou na cama e cruzou os
braços sobre o peito, fitando-o. Não sabia ao certo onde aquilo os levaria, mas
tinha certeza de que precisava descobrir. Talvez estivesse diante da grande
oportunidade de sua vida e não ousaria perdê-la sem lutar.
Talvez Kane fosse aquele que lhe mostraria que os relacionamentos poderiam
ser bons e verdadeiros, mas, para isso, precisaria passar pelas barreiras dele
outra vez, arriscando-se a deixá-lo atravessar as suas.
CAPÍTULO VI
Kayla desconfiava que as barreiras que Kane erguera eram tão altas que talvez
fosse preciso aprender alpinismo para superá-las.
— Kane?
— Sim? — disse ele, virando-se para ela, com as mãos enfiadas nos bolsos da
frente da calça jeans.
— Obrigada.
— Pelo quê?
— Se vier até aqui, eu direi.
Aproximando-se, Kane se sentou ao lado dela, na cama. Sem hesitar, ela se
moveu para o lado, roçando o corpo no dele e levando a mão àquele braço
musculoso. Mesmo sentindo-o ficar tenso, não o soltou.
— Estou contente que esteja aqui comigo.
— Por quê? Menti para você desde o momento em que nos conhecemos.
— Porque estava fazendo seu trabalho. Agora posso compreender isso.
— Se eu estivesse fazendo meu trabalho, não teria permitido que alguém a
machucasse.
Kayla riu, tomando o cuidado de não balançar a cabeça.
— Algumas vezes nós nos enganamos quanto ao que consideramos serem
nossas tarefas. Quando eu era mais jovem, lembro-me de uma noite em que
minha irmã ia sair com um grupo de amigos que eu sabia serem encrenqueiros,
então fui escondida ao quarto dela e tirei todo seu dinheiro da carteira. Ela foi
do mesmo jeito e acabou sendo pega e flagrante enquanto tentava sair de um
restaurante sem pagar a conta.
— E o que está querendo me dizer com isso? — indagou Kane, acariciando o
rosto dela com os dedos.
— Nós criamos uma à outra. Minha obrigação era cuidar dela e eu estraguei
tudo.
— Sua irmã foi presa?
— Não. O proprietário se recusou a prestar queixa e, em vez disso, colocou-a
para lavar louça. A questão é que não cumpri minha tarefa. Mas, olhando para
o passado, reconheço que essa responsabilidade não era minha. Assim como:
eu não estava mais sob sua custódia no instante em que deixei o quarto do
hotel.
— Concordo com o que disse quanto a Catherine. Mas quanto a mim, eu ainda
estava no caso.
Kayla arqueou uma sobrancelha.
— Dormir comigo foi assunto profissional?
— Não deturpe minhas palavras.
— Então pare de se sentir culpado. Ouça, quando era adolescente, nunca
discutiu com sua mãe e saiu furioso para a rua?
Ele permaneceu em silêncio e seu olhar se tornou vago, deixando-a curiosa e
levando-a a pressioná-lo mais:
— Nesse tipo de situação, ela não poderia fazer nada para evitar que você se
metesse em encrencas.
— Ela não poderia fazer nada a respeito de nada, pois já estava morta.
Kayla abriu a boca e a fechou no instante seguinte.
— Sinto muito.
— Não desperdice seu tempo sentindo pena dela. Minha mãe se matou.
Desistiu do jogo.
"Deixando o filho sozinho", pensou ela, sabendo que não deveria demonstrar
pena pelo que Kane passara.
— E quanto a seu pai?
— Desapareceu de casa quando eu tinha cinco anos. Há algum objetivo em
tudo isso?
Um sorriso discreto curvou os lábios dela.
— Havia, mas você derrubou todos os argumentos que eu pretendia usar.
Kane relaxou os ombros. Ela não o fitara com aquele ar de piedade que as
pessoas costumavam olhá-lo quando ficavam sabendo de sua história, na
época em que era criança e adolescente. Não contara aquilo a ninguém desde
a época do ginásio, mas não se surpreendia por confiar nela.
Já conhecera muitas mulheres e nenhuma jamais o afetara em nada além do
nível físico. Nenhuma jamais o desafiara. Apenas Kayla fora capaz disso, o que
a colocava em uma categoria especial e única.
Só que esse não era o único motivo de querer se abrir com ela e a última coisa
que desejava era pensar no verdadeiro motivo de estar se sentindo daquela
maneira.
Kayla se mexeu na cama e a camiseta comprida que a cobria subiu, deixando
suas pernas expostas. Aquilo o excitou de imediato.
— Só queria deixar claro que você não é responsável por mim.
— Claro que sou. Sua segurança será minha responsabilidade até o caso estar
encerrado. Então, vamos deixar essa parte da conversa para depois.
— Está bem.
Ele não esperava vê-la ceder tão depressa.
— Não vai ficar brava?
— Não. Para você, isso começou com uma investigação.
— E o que veio depois?
— Foram os feromônios.
— Como é? — indagou Kane, lembrando-se do lado intelectual dela.
— Duas pessoas atraídas uma pela outra por estímulos que não podem ser
controlados. E uma reação química. Então, se está se culpando por perder o
foco, não o faça. Nós dois temos o mesmo grau de culpa nisso.
— E o que isso significa?
— Que eu também o desejei — respondeu Kayla, mexendo com timidez na
barra da camiseta, sem encará-lo.
— Desejou? No passado?
— Por que pergunta? Sei que é um homem de palavra. Se já disse que não
acontecerá de novo, o que eu quero não importa.
Kane sentia que poderia se deixar levar pelos sentimentos a qualquer instante.
— Tudo o que você quer é importante para mim.
Ela fez uma expressão surpresa e ficou imóvel. Então uma lágrima escorreu
por seu rosto.
— Ninguém jamais disse isso para mim. Sou muito grata a você, Kane.
— Não quero sua gratidão.
— Então, o que é que quer?
— Essa é uma pergunta cheia de implicações — falou ele.
— Eu sei. Foi por isso que a fiz.
Kane sabia muito bem o que queria, mas fora ele próprio quem estabelecera a
regra. Não aconteceria de novo. Só poderia fazer pequenas concessões, como
acariciar o rosto de Kayla.
— Tem certeza de que deseja mesmo saber o que quero?
— Eu não perguntaria se não quisesse — respondeu Kayla, deslizando dois
dedos pelo rosto dele. — O que você quer também é importante, Kane.
Imagino se alguém já lhe disse isso alguma vez.
Não, ninguém jamais o fizera. Inclinando-se, beijou-a, sendo tão bem recebido
que quase perdeu o controle do beijo. Em instantes, estavam começando a se
acariciar com mais intimidade. Por sorte, ele conseguiu distinguir um gemido de
dor entre os murmúrios de satisfação que ela estava emitindo.
— Eu a machuquei?
— Já ouviu falar em exagero?
Fazendo uma expressão de arrependimento, ele se deitou ao lado dela e a
abraçou por trás, aquecendo-a e acomodando-a.
— Descanse.
— Desculpe-me — falou ela, com os ombros tensos.
— Pelo quê?
— Sou muitas coisas, Kane, mas não sinto prazer em ser provocante.
— Por acaso eu a acusei disso?
— Não, mas tenho certeza de que é isso o que está pensando.
— Na verdade, não era nada sequer parecido com isso — respondeu ele,
compreendendo que aquela preocupação tinha mais a ver com o passado dela
do que com o presente.
— Então, no que está pensando?
— No fato de eu estar tentando tirar vantagem de uma mulher ferida, fraca e
traumatizada — falou Kane, estremecendo a voz como se estivesse narrando
um dramalhão.
Sua tentativa de fazê-la rir deu certo, pois Kayla soltou uma risada agradável e
sonora.
— Oh, claro.
— Certo, você me pegou — disse ele. — Estava pensando que eu não estava
mesmo com vontade...
Ela riu de novo, em tom de desdém.
— Fale sério!
Kane respirou de maneira profunda.
— Eu estava pensando a respeito do que acabou de acontecer.
— E?
— Foi o melhor "quase sexo" que já experimentei.
O que era uma novidade. Contudo, já estava aceitando a ideia de que
precisava dela, mesmo sabendo que teria de deixá-la partir muito em breve.
Não poderia aceitar a ternura que Kayla lhe oferecia, mas pretendia protegê-la
com sua própria vida.
Depois de um banho tranqüilo, Kayla foi para a sala de estar. Kane estava
sentado no chão, examinando as caixas que continham os pertences da tia
dela.
— Não ouvi a campainha tocar. Ele a olhou por sobre o ombro.
— Por que não está repousando?
— Dormi durante a metade do dia de ontem e a noite inteira. Estou bem.
Ou pelo menos o melhor que se poderia estar, ouvindo aquela ameaça ecoar
em sua mente e tendo passado as últimas doze horas dividindo a cama com
ele. Aliás, Kane também tomara banho e se trocara. Pelo visto, quem trouxera
as caixas atendera também o pedido dele de levar roupas limpas.
Enquanto se ajoelhava ao lado dele, observou como aqueles músculos bem
torneados se delineavam bem sob a calça jeans apertada e sob a camisa pólo
justa que ele estava usando. Sua mente começou a devanear por um mundo
de erotismo imaginário, o que a fez enrubescer de imediato.
— Vejo que sua cor está voltando — falou Kane, olhando-a com interesse.
O que não tinha nada ver com sua melhora.
— Sinto-me melhor. Pronta para verificar essas caixas.
— Vejo que tomou banho.
— Nem eu mesma estava mais me agüentando.
— Deveria ter me chamado.
— Para que ficasse à porta do banheiro, como um cão de guarda? Não sou
nenhuma inválida.
Ele balançou a cabeça negativamente e voltou a olhar para as caixas.
— Comecei sem você.
— Achou algo interessante?
— Não. São três caixas bem grandes, não?
— Essas duas aqui fui eu mesma que embalei. Meus tios moravam em um
apartamento alugado e o proprietário queria desocupar o lugar o mais depressa
possível. Adorável, não? De qualquer maneira, eu e Catherine doamos a
maioria das coisas para o Exército da Salvação. Meu tio tinha uma sobrinha
que queria algumas das coisas pessoais dele. Então encaixotei o que sobrou
para verificar depois.
— E todos esses livros de palavras cruzadas? — questionou Kane, levando a
mão à caixa a seu lado.
— Eram o passatempo predileto de minha tia. Minha mãe também fazia muitos
deles, e até eu fiz alguns, quando era mais jovem. Talvez volte a isso algum
dia. Aquela outra caixa contém algumas quinquilharias que têm estado na
família por anos.
— Quantos anos tinha quando sua mãe morreu?
— Sua investigação não lhe forneceu uma informação tão básica quanto essa?
— Sim, forneceu — admitiu ele, parecendo envergonhado.
— Então, por que a pergunta?
— Porque eu gostaria de ouvir isso vindo de você mesma. Kayla ficou em
silêncio, sem saber o que dizer. Sabia que o interesse dele era sincero, mas
ainda estava aprendendo a lidar com aquela situação.
— E quanto aos livros contábeis? — indagou Kane, respeitando a opção dela
de não responder e mudando de assunto.
— Eu, estava com vinte anos e Catherine com vinte e um. Foi como se minha
mãe tivesse escolhido o momento ideal para morrer. Não precisamos ir para os
cuidados do serviço social nem fomos separadas.
— Sua tia não cuidaria de vocês?
— Creio que sim, mas nossa mãe nos amava e queria o melhor para nós. Tia
Charlene não teve filhos e só se dava bem comigo porque nós duas tínhamos
essa... — Kayla deu um tapinha na cabeça — ...inteligência "extra" em comum.
Mas nunca se deu tão bem com minha irmã.
— Lamento. Por vocês duas. Ela deu de ombros.
— O que você mesmo passou foi bem pior — disse ela, observando-o ficar
com a expressão séria e com o olhar distante. — Tenho todos os livros da
contabilidade comigo. — A melhor tática era respeitar os limites dele e mudar
de assunto. — Isso é o mais esquisito. Ao telefone, o homem disse que queria
os livros, mas fui eu quem cuidou de tudo no último ano. Não havia nada de
estranho. Nenhuma renda extra e nada não contabilizado.
— Eles esconderam o dinheiro em algum lugar. Aquilo a afetou, fazendo-a
virar-se para ele e segurar-lhe o braço com força.
— Eles não esconderam nada. Mesmo que meu tio estivesse fazendo algo
ilegal, é impossível que minha tia estivesse envolvida.
— Isso ainda precisa ser verificado.
— Não. Minha família pode não ser perfeita, mas posso garantir que alguns
valores permanecem intactos.
— Eu não estava acusando ninguém. Mas não podemos negar o fato de que
um bandido quer algo de você e não parece se importar com o método que
usará para consegui-lo.
— Estou sabendo.
A expressão dela foi de puro medo, o que o levou a segurá-la pelos ombros
para confortá-la.
— Não irá lhe acontecer nada de mal, mas temos de encontrar esses livros e
as pessoas que os estão procurando. Só assim colocaremos um fim nisso tudo,
de uma vez por todas.
Kayla sabia que aquele tudo incluía o relacionamento deles. Era contra isso
que pretendia lutar. Só faltava testar suas táticas.
— Comecei por esta caixa aqui — falou Kane, pigarreando. — Concluí de
poderia haver algo escondido nos livros de palavras cruzadas.
— Como o quê?
— Não faço idéia. Algo diferente do comum.
— Tudo bem.
Parecia que o caminho para o coração dele começava pelo sexo. Fora uma
boa tática escolher um top de lycra preta, com decote em V, do guarda-roupa
de Catherine. Suas blusas de seda provavelmente não surtiriam o mesmo
efeito sensual sobre ele. Ao se levantar, posicionou-se de maneira estratégica
para, ao se curvar para inspecionar o conteúdo da caixa, poder oferecer uma
vista interessante de seu decote.
Ao olhá-lo de soslaio, descobriu que seu plano dera certo. A atenção dele
estava voltada para seus seios. Jamais imaginara que fosse usar seus
atributos físicos daquela maneira, mas o que pretendia era fazer Kane perder o
foco outra vez. Então não obteria apenas sexo dele, mas também sentimento,
pois os dois iriam literalmente "fazer amor".
Depois de verificar o primeiro livro inteiro, Kayla o colocou de lado.
— Nada neste aqui.
— Os que já olhei estão todos completos. Sua tia era uma especialista no
assunto.
Ela riu.
— É fácil ser boa nisso, quando se faz tudo a lápis. Pode-se apagar os erros,
trapacear um pouco olhando as respostas na última folha... Tia Charlene era
muito boa. Minha mãe era quem trapaceava mais. Além de cometer mais erros.
— E você não cometia nenhum, certo?
— Não sou perfeita, Kane.
Ele arqueou uma sobrancelha, mas nada disse. Ambos continuaram a busca,
livro após livro, por mais uma hora e meia.
— Estou achando isso ridículo — falou Kayla, em tom impaciente.
— Continue procurando. Precisamos olhar todos. Acomodando-se, ela pegou
um lápis e, ao pegar o livro seguinte, começou a responder algumas, questões
que escolhia de maneira aleatória e, como imaginara, suas respostas
coincidiam com as de sua tia. Ambas sempre foram igualmente estudiosas e
meticulosas.
Então, quinze minutos e três livros depois, começaram a surgir erros. Erros
óbvios, que sua tia jamais cometeria. A menos que os tivesse cometido de
propósito.
Kayla notou então um padrão de sobrenomes, que começou a surgir no lugar
das respostas. Aqueles livros não eram mais meras palavras cruzadas. Foi
impossível não soltar um gemido de desgosto.
— Achou algo? — indagou Kane.
— Erros nas respostas. Sobrenomes, em vez de meros substantivos.
— Deixe-me ver — falou ele, arqueando uma das sobrancelhas. — Hum.
Parece uma lista de pagamentos ilícitos.
— Não precisa demonstrar tanta felicidade.
— Melhor achar isso do que nada.
— Qual a data neste aí?
— Data?
— Cada livrinho destes tem uma data junto ao primeiro quebra-cabeça.
— Eu não havia notado — admirou-se Kane, verificando a informação.
— Serve para marcar os progressos feitos de um mês para o outro, ano a ano.
Não cheguei a lhe dizer que minha família é um pouco neurótica com isso?
— Até agora, não. Mas deveria tê-lo feito. Poderíamos ter começado pelo
fundo da caixa e teríamos encontrado isso antes. Vamos.
-- Onde?
— Esses livros precisam ser decodificados e você precisa estar forte para fazêlo.
— Para provar que minha tia é culpada de prostituição e para perder minha
empresa no processo?
— Não. Para podermos inocentar sua tia e salvar a reputação da Charmed!,
por seu intermédio. Isso aqui está datado de oito meses atrás. Mas a empresa
existe há mais de quinze anos, certo?
— Isso — concordou Kayla.
— Sua tia se casou com Charles Bishop há mais ou menos um ano e o admitiu
quase de imediato na empresa, estou correto?
— Está. A data deste livro coincide com o mês em que meu tio começou a
trabalhar conosco, contatando clientes. Isso lhe daria toda oportunidade
necessária.
— E ele deu motivos para que você suspeitasse de suas ações? Nunca
pareceu fazer algo diferente do esperado?
— Não, exceto pela rapidez com que se casou com minha tia.
Kane balançou a cabeça afirmativamente, parecendo convicto ao dizer:
— E a data nesse livro o torna um suspeito que merece muita atenção. — Ele a
segurou pelos ombros. — Kayla, talvez surjam evidências de que sua tia não
seja apenas uma vítima. Esteja preparada.
— Só aceitarei isso se acharmos provas irrefutáveis.
— Concordo. Nós temos um trabalho a fazer.
— Nós? Então acredita em mim?
— Sim.
Aquela pequena palavra trazia consigo um mar de significados. Ao sustentarlhe
o olhar, ela encontrou a confirmação que tanto desejava.
— Kayla... Sei que a fé que tem em sua tia é inabalável e que nada mudará
sua opinião sem que haja provas irrefutáveis. Mas preciso permanecer
imparcial até que os fatos se esclareçam.
Aquela era a postura de um bom policial. Mas acreditar nela era muito mais
que isso. Ficando de pé, Kayla colocou os braços ao redor do pescoço de
Kane, pressionando seu corpo contra o dele.
— Obrigada.
Foi então tomada pela cintura e seus lábios se encontraram. Aquela era a
oportunidade de alcançá-lo e ela não pretendia perdê-la por nada. Dando dois
passos para trás, sentiu as mãos trêmulas ao puxar o top para cima e jogá-lo
no chão.
CAPITULO VII
Kane engoliu em seco diante da visão de Kayla, seminua, à sua frente.
— Você não vai dizer nada? — indagou ela, com suavidade. — Ou talvez...
fazer?
Ele nunca fora santo, mas sempre controlara bem o momento em que queria
fazer as coisas. O problema era que não estava conseguindo manter o foco.
Seria impossível recusá-la.
— Kane?
De súbito, ele a tomou nos braços e a beijou quase com fúria.
— Isso não deveria estar acontecendo.
— Não é culpa su...
Outro beijo a interrompeu. As carícias foram ficando mais ousadas, mas Kane
tentou se conter.
— Só há um problema, querida, estou sem preservativos comigo.
— Oh... — murmurou ela, arregalando os olhos e arqueando as sobrancelhas,
pensando nas conseqüências.
— Mas isso não significa que precisemos parar por completo... Ele se
empenhou em acariciá-la de maneira muito íntima, fazendo-a atingir o clímax.
Contudo, ao senti-la estremecer e; se contorcer sob seu toque, o desejo o
dominou por completo e eles fizeram amor sobre o tapete da sala; como se
estivessem se amando pela primeira e também pela milésima vez.
Estavam quietos um nos braços do outro, quando Kayla se recuperou do
segundo êxtase e conseguiu voltar a falar.
— Isso foi...
— Não diga — murmurou Kane, franzindo o cenho. Ele perdera o controle
outra vez, o que parecia estar se tornando algo constante. Não poderia se
deixar levar daquela maneira. Como poderia trabalhar? Como poderia continuar
vivendo como antes?
— Incrível!
Kayla o encarou, demonstrando uma confiança plena no olhar que ele achava
não merecer. Levantando-se, ele começou a se afastar.
— Não! Não ouse fugir de mim — ela protestou.
— Está precisando de espaço.
— Fale apenas por si mesmo. — murmurou ela, vestindo-se em silêncio e
então ajeitando os cabelos com as mãos. — Toda vez que abaixa a guarda e
se expõe, você foge.
Soltando um suspiro, Kane se deu por vencido e ergueu as mãos, em um gesto
de rendição.
— Tudo bem, você me pegou.
Aproximando-se dela outra vez, levou-lhe a mão à nuca e a puxou para junto
de si com todo cuidado, voltando a saborear aqueles lábios rosados. O beijo foi
tão sensual que o excitou, fazendo-o interromper o contato.
—- Peguei? — indagou ela, encarando-o.
Kane nem tentou se fazer de rogado.
— Sim, pegou.
Os olhos dela brilharam como se tivessem uma espécie de luz própria. Aquela
expressão era a de alguém que achara algo que procurara muito. Algo lhe dizia
que Kayla não pretendia deixá-lo partir e, para sua própria surpresa, parte dele
gostou da idéia.
—- É melhor não se acostumar com isso, querida.
A expressão dela não desvaneceu, como era o esperado. Pelo visto, ela estava
decidida a mantê-lo junto de si.
—- Você está acostumado a ser solitário — falou Kayla. — Mas não precisa
ser.
Sim, precisava, pensou Kane. A solidão era mais segura.
Antes que pudesse pensar em algo para dizer, a mão dela deslizou pela parte
da frente de sua calça. Mas, mesmo estando excitado outra vez, Kane não
pretendia voltar a perder o controle. Segurando-a pelo pulso, pensou em
afastá-la, mas em vez disso, puxou-a mais para perto, soltando um gemido de
prazer ao senti-la acariciá-lo com mais firmeza.
— Nem todo mundo vai embora, Kane — sussurrou ela, removendo a mão do
local estratégico em que o tocara.
A maneira nervosa como Kayla entrelaçou os dedos das mãos revelava que
aquela situação também não a agradava. Tensão emocional e desejo levados
ao máximo. A diferença era que ela parecia ter optado por assumir o controle e
suplantar as próprias barreiras para alcançá-lo.
Por sorte, ele próprio tomara a decisão correta. Alguém precisava manter a
distância, para que a separação fosse mais fácil no final.
— Por que não continua mais um. pouco com esses livros enquanto vou para o
chuveiro?
— Isso me parece um bom plano — concordou Kayla, cedendo-lhe o controle.
Mas Kane sabia que se tratava apenas de uma concessão temporária.
Ao ouvir o som do chuveiro, Kayla foi até seu quarto e começou a reunir as
roupas usadas que Kane deixara empilhadas em um canto, naquela manhã.
Ver as coisas dele ali e saber que poderia cuidar delas lhe causou uma
estranha sensação de prazer e familiaridade.
Ao levantar a calça que ele vestira no dia anterior, viu cair do bolso dele a
carteira, um maço de notas é algo mais.
— O que é isso? — murmurou ela, enquanto recolhia as coisas caídas e
pegava a embalagem de preservativos.
Se Kane fora tão longe para evitar ter de fazer amor com ela, para evitar o
compartilhamento de sua intimidade ele jamais sucumbiria.
Estivera enganada todo o tempo. Não o atingira. Não o alcançara. De fato, nem
passara perto de consegui-lo. Passando a mão pelo rosto, enxugou as
lágrimas. Agira como uma tola. Desde quando conseguira afetar um homem de
algum modo que não o físico?
Mas não havia tempo para autopiedade. Havia preocupações mais urgentes do
que sua vida amorosa. Pegou os cinco livros com indícios de informação e
colocou-os em uma bolsa grande. Kane dera as cartas até aquele momento,
mas não daria mais.
Pegando o telefone, ligou para sua irmã e pediu que ela a encontrasse em seu
esconderijo favorito. Ao colocar o fone no gancho, ouviu o chuveiro ser
desligado. Imaginou-o saindo do banheiro com os cabelos molhados e com as
gotas de água brilhando sobre aquela pele bronzeada. Foi preciso se esforçar
para ignorar a onda de desejo que a aqueceu por dentro.
Resistindo à tentação, foi até a porta e saiu depressa, sem fazer o menor ruído.
Kane saiu do banheiro secando os cabelos e estranhou o súbito silêncio.
— Kayla?
Nenhuma resposta. Não foi preciso chamar duas vezes para saber que estava
sozinho. A pilha de roupas sujas que deixara em um canto havia desaparecido,
o que o fez lembrar de ter ouvido o som da máquina de lavar roupa sendo
ligada. Mas por que Kayla havia saído?
Lembrando-se do que acontecera da vez anterior em que a deixara sair
sozinha, sentiu um aperto no peito. Deveria ter sido esperto o suficiente para
não confiar em deixá-la sozinha, depois de recuperada. Mas perdera o foco
quase por completo.
Vestiu-se depressa e foi para a sala. Examinando o local, notou a falta dos
livros que os dois haviam identificado e separado. Kayla se transformara em
um alvo ambulante.
— Maldição!
Pegando sua arma, o par de algemas que carregava consigo e sua insígnia,
correu para fora e entrou em seu carro.
Precisava encontrá-la e protegê-la. Mais do que isso, necessitava encerrar logo
aquele caso e se afastar, ou acabaria perdendo o controle de vez.
O cheiro dos livros antigos permeou as narinas de Kayla, fazendo-a sentir-se
segura. Ao chegar em seu recanto predileto, encontrou Catherine andando de
um lado para outro no pequeno cubículo.
— Oi, Cat.
— Oh, graças a Deus você está bem. Seu telefonema me deixou apavorada.
Onde está seu cão de guarda? — indagou Catherine, procurando por Kane.
— Não sei e não me importo. "Mentirosa", pensou consigo.
— Ele a deixou sair sozinha? Depois de prometer que a protegeria a todo
custo? Eu sabia que era um incompetente.
— Eu o enganei e fugi. E, se me lembro bem, você o aprovou quando o
conheceu.
— Isso foi antes de Kane se aproveitar de sua inocência.
— Ei, não exagere, sim? Também tirei vantagens desse jogo. Catherine a
tocou no ombro, estreitando o olhar ao dizer:
— Pela sua aparência, esteve chorando. Então, não venha me dizer que estou
exagerando.
Kayla se acomodou em uma das poltronas de leitura, soltou um suspiro e
perguntou:
— Sabia que os homens são criaturas literais?
— Como assim?
— Eles falam aquilo que querem dizer e querem dizer aquilo que falam, sem
duplo sentido. Se um homem diz que não quer se envolver, ele não quer
mesmo. Não existe essa história de a mulher certa mudar o comportamento de
um deles.
— Eu gostaria de estrangulá-lo! — esbravejou Catherine
— Por quê? Kane não mentiu a respeito de suas intenções, em nenhum
momento. Agora sente-se. Precisamos conversar. O que sabe a respeito das
atividades menos pública da Charmed!, nos últimos tempos?
— Do que está falando?
— Veja isso — falou Kayla, pegando um dos livros e mostrando-o à irmã. —
Listas de nomes, datas...
— Feche o livro, Kayla.
Aquela voz grave a pegou de surpresa. Um calor familiar lhe percorreu o corpo.
— O "expresso gelado" — falou Catherine.
— Cale-se — disseram os outros dois ao mesmo tempo. — O que minha irmã
não deveria me dizer? — questionou
Catherine, ignorando-os.
— Ela não deveria lhe dizer nada.
— Mantendo segredos, investigador?
— Nada que lhe diga respeito — falou Kane, sem desviar os olhos dos de
Kayla; embora se dirigisse à irmã dela.
Catherine olhou de um para o outro, então se levantou.
— Esta é minha deixa para desaparecer.
— Você não precisa ir embora — falou Kayla, levantando-se também.
— Acho que preciso, sim. Quanto à empresa, sei bem menos do que você.
Esqueceu que eu era a sobrinha desmiolada de tia Charlene? Jamais ganhei a
confiança dela
— falou Catherine, virando-se para ele. — Não sei o que está acontecendo
entre vocês dois, mas, se magoar minha irmã, irá se arrepender de ter nos
conhecido.
— Nisso eu acredito — murmurou Kane.
__Não posso acreditar que o está deixando afugentá-la
— indignou-se Kayla.
Catherine a abraçou e cochichou-lhe ao ouvido:
— Olhei bem nos olhos dele. Ele já está perdido de paixão por você, só que
ainda não percebeu. Estou certa de que tudo acabará bem.
— Não preciso que ele...
— Sim, precisa. Olhe para si mesma. Não está mais usando minhas roupas
mais sensuais para que eu pare de amolá-la, mas apenas para agradá-lo.
Parece que, enfim, encontrou alguém em quem confia o bastante para se
mostrar por inteiro. Bem, se precisar de mim, sabe onde me encontrar.
Kayla se despediu da irmã, lamentando o fato de Catherine também haver sido
enganada por aqueles lindos expressivos olhos azul-esverdeados. Esperou
que estivessem sozinhos antes de se dirigir a ele.
— Como foi que me achou?
— Instinto. Ou estaria aqui, ou com sua irmã. Acerte nas duas hipóteses ao
mesmo tempo.
— Catherine merece saber o que está acontecendo, Kane Não cabe a você
decidir o que eu posso ou não contar a ele
— Não, essa responsabilidade é apenas sua. Quanto mais sua irmã souber,
mais perigo correrá. Já estou tendo problemas o bastante para mantê-la sob
minha proteção. Não quero mais uma Luck na minha lista — concluiu ele,
aproximando-se mais dois passos.
— Pode me tirar dessa sua lista, investigador. Quero manter de você a mesma
distância que quer manter de mim.
— Nesse caso, querida, estamos muito encrencados.
— Oh. Ela arregalou os olhos. Seus lábios se entreabriram
sua respiração ficou retida um instante. Kane a desejava mais do que nunca.
Era preciso encontrar uma distração.
— Dê-me os livros. Kayla balançou a cabeça negativamente.
— Quero fazer uma lista completa com eles.
— E, para isso, precisou trazê-los para cá?
— Porque me concentro melhor aqui. "Longe de você". Não era necessário
ouvi-la dizer para saber que esse era o complemento da frase.
— Más, com isso, transformou-se em um alvo ambulante.
— Esta é uma biblioteca pública.
— Estamos no terceiro subsolo e não há ninguém abaixo do primeiro. Este
andar e o de cima estão vazios, exceto por nós dois. Isso me parece privativo
demais para algo público. Vindo aqui sozinha, ficou exposta e deixou nossa
única evidência sob o risco de ser apanhada.
— Ora!
— Além disso, há um perito em decifrar códigos lá no departamento. Não que
eu duvide de sua capacidade, mas o local mais seguro para deixar as provas é
nos cofres da polícia. Isso sem falar que, com a ajuda de computadores,
teremos a lista muito mais depressa.
—- Tudo bem. Eles são todos seus — falou Kayla, empurrando os livros contra
o abdome dele. — Estou de saída. Kane a segurou pelo pulso, puxando-a para
junto de si.
— Ainda não.
— Deixe-me ir — pediu Kayla.
— Não posso.
— Você já conseguiu o que queria de mim — declarou ela. —- Não creio que
acredite no que está dizendo.
— Encontrei um pacote de preservativos em seu bolso que me diz outra coisa.
— O que está dizendo? — questionou ele, hesitando.
— Ah, não gosta de ser desmascarado, não é? Então não deveria ter deixado
suas roupas tão à mostra, assim eu não teria me disposto a lavá-las e não teria
encontrado nada.
— Maldição. Está me dizendo que saiu da segurança da casa e se expôs,
arriscando a própria vida, por causa...
— Porque quero ter o controle de minha própria vida. Além disso, não quero
sua piedade, que foi o que me ofereceu ainda há pouco. Eu o procurei e você
não me queria, mas foi cavalheiro demais para me dispensar, então começou a
colocar empecilhos...
— Espere aí. Está achando que eu não a quero? Aquilo era um absurdo. Kane
jamais desejara tanto alguém.
Nunca baixara tanto a guarda a ponto de sentir algo além do prazer físico. Ao
mesmo tempo que não poderia permitir que aquilo ficasse mais sério, não
queria deixá-la pensando que não significava nada para ele. Seria um engano
desmedido.
— Acho que a evidência fala por si mesma — disse Kayla, em tom furioso,
retirando o pacotinho do bolso e o segurando diante do rosto.
— Evidência circunstancial, querida — murmurou ele, levando a mão dela junto
ao jeans de sua calça para que ela pudesse tatear a evidência do desejo que o
dominava naquele momento. — Acho que a prova concreta diz outra coisa.
Kayla soluçou, assustada. O rosto dela demonstrou uma série de emoções:
surpresa, prazer e, por fim, descrença.
— Química, Kane. Já li em algum lugar que os homens pensam com... — Ela
apertou a parte do corpo dele que pulsava sob seu toque.
— Oh... Acredite, querida, não estou pensando muito nesse exato momento.
— É disso mesmo que estou falando. Então você me quer
— Creio que pode sentir que a quero.
— Isso não basta — falou Kayla, recolhendo a mão cruzando os braços.
— Sei disso. Mas é tudo que tenho para oferecer. Não poderia haver um
envolvimento mais profundo. Era mais seguro ele continuar sozinho. Se
pudesse se manter distante, talvez não perdesse o foco e não a colocasse em
risco. Havia sido esse o motivo de mentir sobre o preservativo. Imaginara que,
se pudesse dar prazer a ela sem participar de maneira direta, recuperaria o
controle. Mas o tiro saíra pela culatra.
— Sim, entendo — disse Kayla, depois de algum tempo em silêncio,
oferecendo-lhe um sorriso forçado. — Bem, investigador, pelo menos nós dois
estamos cientes de nossa situação.
"Cheque", pensou Kane. E era uma batalha que parecia longe do final.
CAPÍTULO VIII
O departamento de polícia estava quieto. Kayla seguiu Kane pelo lugar, mas
ficou sentada do lado de fora da sala do capitão. Não precisava ficar lá dentro
enquanto os dois discutiam estratégias policiais. Além disso, ficando sozinha
teria a oportunidade de pensar. Aquele telefonema a assustara, mas nada a
faria desistir de ter sua vida de volta.
Então lhe ocorreu uma possibilidade e, antes que se desse conta, estava
entrando na sala de Reid e dizendo:
— Eu tenho a resposta.
— Não me lembro de ter feito nenhuma pergunta — falou o capitão, ficando de
pé atrás de sua mesa.
— Uma troca — explicou ela. — Nós sabemos que a pessoa que me atacou irá
telefonar de novo e, quando o fizer, oferecerei os livros.
— Em troca de que? — questionou Reid.
— De informação. Sei que minha tia era inocente e quero provar isso.
— Não.
Ao som da voz de Kane, Kayla se virou e o encarou.
— Como ela está disposta a ajudar, McDermott, creio que seja nossa melhor
opção — interveio o oficial superior, gesticulando na direção de uma cadeira.
— Sente-se, srta. Luck.
— Tudo o que quero é limpar o nome de minha família o de minha empresa.
Ao ouvi-la, Kane balançou a cabeça negativamente, dizendo:
— Isso é tarefa minha. Marcaremos um local para deixar os livros ou
mandaremos um policial disfarçado.
— E, em qualquer um dos casos, pegamos apenas o garoto de entregas e não
os mandantes — falou Reid.
— Eu o farei falar — murmurou Kane. — Deixe o interrogatório comigo.
— Ele falará, se pensar que não está sendo ameaçado
— interrompeu Kayla. — Poderei marcar um encontro e...
— Não haverá encontro. De jeito nenhum — retorquiu ele, fazendo uma careta
de desgosto.
— Essa decisão não é sua — falou ela, virando-se então para o capitão. — É?
— Em última instância, não — respondeu Reid, recebendo um olhar fuzilante
de Kane. — A moça fez uma pergunta McDermott. Eu apenas respondi a
verdade.
Os lábios dela se curvaram em um sorriso.
— Então quero participar.
— Como assim, "quero participar"? Isso não é um filme de ação. É a vida real!
— esbravejou Kane.
— Isso mesmo. É a minha vida e vocês já brincaram bastante com ela. Quero
cuidar disso eu mesma.
— Nem pensar — retrucou ele, lançando um olhar na direção do capitão e se
surpreendendo ao vê-lo observar tudo com ar de divertimento. — Não mesmo.
— Sim — afirmou Kayla, cruzando os braços diante do peito
— Eu lamento interromper este divertido espetáculo, mas temos de tomar
algumas decisões — interrompeu Reid, começando a andar de um lado para
outro, atrás da mesa.
— Primeiro, precisamos decifrar os livros.
— Posso fazer isso — ofereceu-se ela.
— Tucker também pode — falou Kane, em tom irritadiça
— Para que desperdiçar mão-de-obra policial em algo que posso fazer
sozinha? — questionou Kayla, lançando um olhar na direção do capitão, em
busca de aprovação.
— Ela tem razão, McDermott. Além do mais, tendo você como guarda-costas, o
que poderia sair errado?
— E então? — indagou ela. — E se o bandido ligar outra vez?
— Eu cuidarei dele — falou Kane, em tom autoritário. Kayla fez uma careta.
— Colocaremos escutas e um sistema de localização de chamadas em sua
linha. Depois veremos o que acontece — declarou Reid.
— A última ligação foi feita de um telefone público — informou Kane, certo de
que o próximo também o seria.
O homem mais velho deu de ombros e se sentou, deixando claro que o
assunto se encerraria em sua próxima frase.
— Se ele ligar, improvisem. Ajam conforme for mais prudente. E, McDermott,
quando precisar de reforços para o encontro com o bandido, avise-me de
imediato.
Descontente com a idéia de que seu chefe concordara com o plano de Kayla
de se envolver, Kane tentou não considerar a hipótese de algo ruim poder
acontecer a ela. Tomando-a pela mão e segurando os livros de palavras cruzadas
na outra, conduziu-a para fora da sala de Reid e do departamento. À
porta da rua, Kayla o fez parar.
— Para onde está me arrastando?
— Para sua casa.
— Por acaso que gritar comigo em particular? Se quiser discutir, estou pronta.
Não conseguirá me fazer desistir.
— Não quero discutir com você, querida.
— Então o que quer? — indagou ela, franzindo o cenho, confusa.
Ele se aproximou até que fosse possível sentirem o calor dos corpos um do
outro.
— Continuar de onde paramos mais cedo.
Enquanto picava os legumes da salada, usando mais força do que o
necessário, Kayla pensava naquela frase arrogante que Kane dissera:
"Continuar de onde paramos mais cedo". Como se ela fosse concordar sem
questionar.
Não que negasse o desejo que sentia por ele, porque queria muito tê-lo na
cama outra vez. Mas era apenas seu corpo falando, não sua mente. E, naquele
momento, havia coisas mais importantes em jogo do que seus hormônios. Por
exemplo, sua vida e seu futuro.
Seu futuro. Precisaria aprender a assumir o controle sobre si mesma quando
estivesse na presença de Kane. Não poderia mais se deixar dominar. Só assim
poderia haver possibilidade de existir um futuro.
— O jantar está pronto. /No instante seguinte, ele passou pela porta, com os
cabelos ainda molhados do banho que acabara de tomar, camisa pólo branca e
a calça jeans desbotada o tornavam ainda mais sexy.
— Pensei que fôssemos pedir comida pronta.
— Eu já disse que prefiro comida caseira, sempre que posso cozinhar.
Kane se acomodou em uma cadeira.
— Não precisava cozinhar para mim. Mas Kayla quisera fazê-lo, tanto para se
manter ocupada quanto para dar a ele uma amostra de como poderia ser ; vida
real, com duas pessoas jantando e conversando ao cair da tarde, depois do
trabalho.
— Espero que goste de frango frito — falou ela, colocando os pratos à mesa.
— O aroma está ótimo. Não como comida caseira desde o último Natal, na
casa do capitão.
— Confesso que não tenho tempo de cozinhar todos os dias, mas sempre que
posso, arregaço as mangas e me poupe da tortura de ter de me submeter à
comida pronta.
Então começaram a comer.
O olhar dele não estava voltado para a comida ao longo da refeição, mas sim
para Kayla, o que a deixou desconcertada. Na verdade, ela nem conseguiu
sentir direito o sabor do que preparara.
— Incrível — disse ele, gesticulando na direção do prato, mas encarando-a de
maneira direta. — Como sabia que gosto de frango com batata? Como pode
me conhecer tão bem?
A boca de Kayla ficou seca. Foi preciso tomar um gole de água, antes de
responder:
— Instinto. Creio que vocês, policiais, acreditem que isso funciona.
— Com certeza. O meu já me salvou a vida inúmeras vezes.
— Agora o meu o está alimentando. Pode não ser a comida de um gourmet,
mas é uma refeição decente — disse ela, sorrindo e decidindo aproveitar a
oportunidade para conseguir saber algo mais a respeito dele. — Eu e Catherine
começamos a cozinhar cedo, pois nossa mãe era um desastre ao fogão. Como
vocês se viravam na cozinha de sua casa?
— Eu garantia que não passássemos fome e meu tio se certificava que não
tivéssemos sede.
— Como é?
— Álcool, querida. Ele se afogava em bebida sempre que podia.
— E quanto a seu pai?
— Não faço idéia. O homem fugiu de casa quando eu estava com cinco anos
de idade. Foi embora sem deixar vestígios, como o seu pai.
— Sim. Nem sempre foi fácil, mas sobrevivemos.
— Comigo foi o mesmo — Kane fez uma pausa. — Sua comida estava mesmo
ótima.
Kayla notou a óbvia mudança de assunto dele, mas não tentou forçá-lo a
continuar falando de si. Estava evidente que ele se abrira mais do que estava
acostumado.
— Obrigada.
Ele se levantou e começou a recolher a louça.
— Agora é o meu turno na cozinha.
— Não. Deixe que eu mesma cuido disso.
— Sejamos práticos. Descanse um pouco enquanto eu arrumo a cozinha.
Teremos uma longa noite diante de nós.
— Os livros de palavras cruzadas — murmurou ela, engolindo em seco.
Kane a fitou com intensidade, mostrando um brilho de desejo no olhar.
— Sim, os livros.
Vendo-o virar-se e ir até a pia, Kayla o seguiu. Se ele estava falando a respeito
de a noite ser longa por causa d tensão entre eles, com certeza também
acertara. No instante seguinte, Kayla o viu colocar as coisas na pia e se voltar
em sua direção, esvaziando-lhe as mãos e puxando-a para perto de si, antes
de murmurar com a voz grave e intensa:
— Quero deixar uma coisa bem clara.
— O quê? — Estou aqui a trabalho.
— Disso eu já sabia.
— Mas isso não significa que eu não queira estar aqui. Kayla forçou um sorriso.
— Você me deseja. Acho que também já falamos nisso,
— Sim, desejo. Mas meu trabalho é mantê-la a salvo e, a despeito do que eu
disse antes, isso também significa manter certa distância.
— Eu não sabia que uma coisa tinha algo a ver com a outra.
— Tem tudo a ver — falou Kane, em um tom tão intenso e amargo que a
deixou paralisada. — Há algo na vida que chamo de "fio". Se eu não estiver
"andando no fio", não sou bom policial nem um bom homem. Toda vez que
baixo minha guarda, as coisas dão errado.
— Você não é responsável pelo que aconteceu comigo.
— Não foi isso que disse quando estava no escritório de Reid.
— Não distorça minhas palavras. Já deixei claro que não o culpo por isso —
garantiu Kayla.
— Talvez devesse. Talvez as duas devessem me culpar — murmurou ele,
fechando os olhos.
A expressão e a voz dela se suavizaram.
— Quem mais além de mim, Kane?
Depois de um longo suspiro, ele a encarou por um instante e então abaixou o
olhar, assumindo um ar sério e triste.
— Eu sempre ia direto para casa depois da aula. Minha mãe era frágil e
esperava que eu sempre chegasse no mesmo horário, todos os dias. Mesmo
antes de meu pai fugir, a rotina era importante para ela. Ela se levantava,
lavava as mãos, tomava o desjejum, lavava as mãos, assistia à televisão,
lavava as mãos, eu chegava em casa, ela...
— Lavava as mãos — completou Kayla.
— Sim — Kane a encarou.
— Ela parecia sofrer de obsessão compulsiva.
— Acho que sim, mas eu não sabia o termo médico na época. Minha mãe tinha
dias bons e dias ruins. Se eu chegasse da escola no horário previsto, ela
tomava o remédio no horário certo. Mas no dia em que não cheguei...
"Ela entrou na frente de um ônibus em movimento." Ele não precisou terminar a
frase para Kayla saber o restante. Seu impulso imediato foi o de tomar as mãos
dele, tentando confortá-lo.
— Você disse que ela tinha dias bons e outros ruins. Não é possível que não
tivesse realmente se suicidado? Talvez estivesse distraída ou confusa. Por
acaso sua mãe deixou algum bilhete?
— Não, nada. Mas que diferença faz? Se eu estivesse em casa, nada teria
acontecido. Da mesma forma, se eu tivesse feito meu trabalho em vez de me
preocupar com meus próprios sentimentos, você não teria sido atacada. Por
isso não poderei satisfazer meu desejo de tê-la outra vez, ou perderei minha
objetividade, meu "fio", e algo dará errado. Por mais que desejemos, não
podemos ficar juntos outra vez.
Só então Kayla compreendeu todas as barreiras que ele erguera, todas as
atitudes contraditórias de tentar mantê-la afastada, mesmo desejando-a tanto.
Só o que poderia fazer era deixar claro que, ao final do caso, se ele quisesse ir
embora, estaria livre para fazê-lo. Kane merecia tal liberdade.
CAPITULO IX
Kane estava recostado em uma poltrona, olhando Kayla trabalhar
compenetrada em um dos livros de palavras cruzadas. O simples fato de vê-la
ali, sentada à mesa, era mais do que suficiente para fazê-lo desejá-la. Mas
também estava tendo tempo para pensar.
O que o levara a falar de sua mãe? Que estranho poder era aquele, que o fazia
abrir-se quando estava perto de Kayla? Pelo menos deixara claro que o
problema entre eles era originado nele próprio, não nela.
— Sullivan, John.
A voz dela o fez voltar à realidade.
— Outro homem importante — falou Kane. — Tem propriedades por toda a
cidade.
Já fazia duas horas que ela estava trabalhando nos livros. O primeiro continha
o nome de mulheres que nenhum dor dois reconheciam. Provavelmente as
mulheres que trabalhavam para o setor clandestino da Charmed!. Os outros
livros geraram uma lista de nomes de homens que era tão extensa quanto
impressionante. O que começara com uma indicação de um informante
acabara desembocando em uma ampla lista de prostitutas e clientes. Tudo
graças à persistência de Kayla.;
— Preciso de um descanso — murmurou ela, levantando-se e se
espreguiçando.
Contendo o ímpeto de ir até lá e tomá-la nos braços Kane parou de admirar as
curvas daquele corpo sedutor.
— Por que não pára por hoje? Ainda está se recuperando da concussão e
precisa de um pouco de descanso.
— Sim, sei muito bem disso, mas quero acabar ainda hoje. Além do mais,
exceto pelo que encontrarei na última passada geral que farei pelos livros» não
falta quase nada. — Kayla folheou o livro que decodificara primeiro. — Temos
uma lista enorme mas... Kane?
Ele se endireitou na cadeira, diante do tom surpreso dela.
— Sim?
— Uma mudança significativa no quadro geral. Não sei como não notei isso
antes. Veja. Todos os livros de palavras cruzadas estão preenchidos a lápis,
certo?
— Isso — concordou.Kane, já ao lado dela.
— Mas nestes aqui há uma mistura de lápis e caneta. Veja só. Incrível eu não
haver notado isso antes.
— Também não havia percebido — murmurou ele, folheando os livros
suspeitos, um por um. — Todos têm essa característica.
— É isso, Kane. É o que eu estava procurando. Uma pista deixada por minha
tia.
— Como assim?
Kayla estava empolgada.
__ Foi o jeito de ela expressar sua revolta por ter de fazer esse trabalho.
Aposto minha vida nisso. Tia Charlene estava sendo coagida a cooperar.
— Tudo bem. Vamos considerar a possibilidade de você estar certa.
— Eu sei que estou certa. Quando aquele bandido me agarrou, falou a respeito
do dinheiro. Ao telefone, mencionou os livros. Estes livros aqui. Talvez o
homem soubesse que minha tia estava deixando pistas.
— É possível.
— Só falta descobrir alguma indicação de onde está o dinheiro. Esses
criminosos pensam que eu deveria saber onde encontrá-lo. Por quê?
— Talvez pensem que você seja cúmplice. E possível que jamais encontremos
esse dinheiro. Só saberemos se desvendarmos tudo e formos fundo na
investigação. Meu palpite é o de que esses homens da lista procuraram a
Charmed! e que seu tio deve tê-los atendido. Kayla sorriu.
— Meu tio? Isso significa que acredita em mim, quando digo que minha tia
deveria estar sendo coagida?
— Como falei antes, tudo é possível, querida. Mas a lista é longa e a
investigação dará trabalho. Além disso, não podemos negar que sua tia sabia
de tudo e não fez a denúncia.
Kate não pretendia magoá-la, mas precisava fazê-la manter os pés no chão e
considerar as possibilidades.
— Isso não significa que ela era uma colaboradora voluntária. Acredito que
minha tia não tenha tido escolha, senão ajudar e manter o silêncio.
— Deixemos isso para depois. Quem quer que fossem esses clientes, devem
ter pago em dinheiro. Seu tio providenciava as mulheres e mantinha esses
registros, provavelmente como garantia de sua própria segurança, para receber
sua parte.
— Só pode ser isso — falou Kayla, lançando um olhar tenso para o relógio. —
Já se passaram horas desde o último telefonema.
— Isso é sempre um jogo de nervos. A espera faz parte dele.
— Se queriam me deixar tensa, conseguiram. Mas não vou desistir. Vou seguir
nisso até o final.
Balançando a cabeça negativamente, Kane voltou a se sentar na poltrona,
soltando um suspiro exasperado. A vida dela estaria em suas mãos. Não
poderia decepcioná-la. Não; poderia distrair-se. Não poderia errar.
Kayla terminou de tomar banho e começou a observar as opções que tinha:
uma enorme camiseta desbotada ou uma camisola de seda transparente, que
pegara emprestada do guarda-roupa de sua irmã.
Antes de Kane entrar em sua vida, nunca se vira diante de opções tão
contrárias: seduzi-lo ou não seduzi-lo?
O soar da campainha a fez voltar a prestar atenção no ambiente. Vestindo um
robe atoalhado sobre o corpo nu, rumou para a porta do quarto, mas se
interrompeu ao ouvir a voz de Catherine falando com Kane.
— Nada de sermões, investigador. Tenho direito a pegar roupas limpas em
meu quarto.
— Já ouviu falar em usar os serviços de uma lavanderia expressa? — indagou
ele, com ironia.
— Sairei daqui em cinco minutos — falou ela, mudando de direção e indo para
o quarto de Kayla. — Dez minutos. Quero visitar a prisioneira.
Depois de uma conversa rápida, que em sua maior parte envolvia os mais
dispensáveis conselhos a respeito de "como seduzir um policial", Catherine
voltou a sair, sorrindo como se tivesse cumprido sua missão. Para Kayla era
sempre bom falar com sua irmã, pois isso costumava lhe dar uma nova
perspectiva. Contrariando todos os conselhos que acabara de receber, guardou
o transparente e delicado traje de seda e renda, optando por vestir sua
camiseta predileta. Oh, sim, iria seduzir Kane McDermott, mas não precisava
se disfarçar para tanto: bastava ser ela mesma.
Kane estava na cozinha, pensando no que faria ao longo daquela madrugada,
ciente de que não conseguiria dormir. Não sabendo se Kayla já estava deitada
no quarto dela, sob os lençóis perfumados, com aquela aparência angelical e
aquele corpo sedutor.
"Calma, McDermott", pensou consigo mesmo. "Mantenha-se na linha".
— Pronto?
Ao ouvir a voz dela, soando quase em um murmúrio sensual aos seus ouvidos,
seu corpo todo reagiu de imediato. Quando se virou para encará-la, já estava
excitado. E ficou mais ainda ao vê-la caminhado devagar em sua direção,
descalça, trajando apenas a enorme camiseta que não escondia a forma
convidativa de seus seios fartos e de seus quadris generosos, muito menos o
fato de seus mamilos estarem intumescidos.
Demorou um pouco para que conseguisse falar algo.
— Para quê?
— Para ir para a cama. Não vai se juntar a mim? Fechando os olhos por um
momento, Kane soltou um gemido de desespero. Precisaria resistir à tentação.
— Ficarei no sofá —-respondeu ele, contendo o fôlego.
— Tudo bem. Então fique no sofá. Mas devo lhe avisar que ele é
desconfortável e apertado. Duvido que consiga descansar, deitando ali.
— O que a faz pensar que dormirei melhor em sua cama?
— O fato de eu estar cansada e de, como você mesmo disse, ainda estar me
recuperando de uma concussão. Além disso, não me lembro de tê-lo convidado
a fazer nada além de dormir.
— Ao convidar um homem para sua cama, querida, é melhor estar preparada
para qualquer coisa.
Mesmo sentindo um tremor nas pernas ao ouvi-lo dizer aquelas palavras, Kayla
não desistiu. Precisaria provar para si mesma que conseguiria seduzi-lo e
respeitá-lo ao mesmo tempo. Devia isso tanto a si mesma quanto a Kane.
Decidida, aproximou-se mais e o segurou pela mão, puxando-o na direção do
quarto.
— Não faça isso — murmurou ele, em tom de alerta.
— Acho que me acostumei a dormir em seus braços, Kane. Será que estou
pedindo demais?
CAPÍTULO X
O relógio da mesinha-de-cabeceira marcava meia-noite. Kane podia dizer, pela
respiração calma e estável que ouvia, que Kayla estava dormindo. Pena não
poder dormir também. Como poderia, se estava sentindo que estar ali, ao lado
dela, era a coisa mais certa e natural do mundo?
Além disso, o simples fato de sentir o calor dela junto a seu corpo, de aspirar
aquele perfume delicado que ela usava, estava deixando-o excitado
ininterruptamente. Seria impossível dormir naquele estado.
Levantando-se, foi até a janela e abriu uma fresta na persiana, para observar a
lua.
— Kane?
Ao som dos lençóis se mexendo, ele se virou.
— Eu não queria acordá-la.
— Volte para a cama — convidou Kayla, dando um tapinha no lado vazio do
colchão. — Vou lhe contar uma história para dormir.
Seria impossível resistir àquele convite. Colocando um braço ao redor dos
ombros dela ao se deitar, sentiu-a acomodar-se a seu lado.
— Qual é sua história predileta? — indagou ele. — Cinderela? A Bela
Adormecida?
— O Patinho Feio.
— Eu deveria ter imaginado.
Ela soltou um bocejo, antes de perguntar:
— Por quê?
— Porque, como aquele pequeno patinho desengonçado, você também se
tornou um lindo cisne.
Kayla balançou a cabeça negativamente.
— Oh, sim — reafirmou ele, virando-se para segurar o rosto dela entre as
mãos. — Você é linda.
— Isso não...
— Sim, é linda. Agora diga: "Obrigada, Kane". Mesmo à meia-luz, foi possível
vê-la enrubescer.
— Obrigada, Kane.
— Assim é melhor. Chame isso de lição número de "Como aceitar um elogio".
Seus lábios se encontraram em um beijo. Ele queria que fosse algo ardente,
mas Kayla não estava cooperando. Para sua agonia, ela parecia disposta a
impor seu próprio ritmo. Estava sendo alvo de carícias leves e provocantes,
levando-o a sentir-se ainda mais excitado.
— Kane...
Ele a abraçou com mais força e se posicionou de modo a fazê-la sentir mais
prazer naquelas carícias, beijando-lhe o pescoço e mordiscando-lhe o lóbulo de
uma das orelhas. Aquilo a fez soltar um gemido e apertar os dedos contra seu
peito nu.
— Kane, não.
— Não?
— Não. Ao se recostar no travesseiro, Kayla estava com a respiração ofegante,
além de ter certeza de que perdera o juízo. Afinal, Como conseguira dizer "não"
a algo que seu corpo tanto clamava?!
Ficando ao lado dela, Kane a abraçou de lado de modo a deixar claro quanto
estava excitado.
— Tem certeza?
— Você disse que queria manter distância. Que isso não poderia acontecer de
novo.
— Acho que mudei de idéia.
— Seus hormônios fizeram isso. Mas sua mente e seu coração não mudaram.
— Não posso discutir com a voz da razão.
— Imagino que não.
Dizendo isso, ele voltou a colocar um braço ao redor dos ombros dela e a
aninhá-la em seu colo.
— Está tudo bem, Kane. Não há nada errado.
— Como assim?
— Parei antes que você fizesse algo de que se arrependeria depois. Mas quero
que saiba que eu não iria me arrepender.
— Está dizendo que mudou de idéia?
— Não. Não mudei. Vou respeitar sua decisão inicial.
Mas quero que saiba algo mais. — Kayla fez uma breve pausa. — Não espero
nada de você. Quando tudo isso acabar, pode partir sem olhar para trás. Não
tentarei detê-lo.
O toque do telefone quebrou o silêncio que se seguiu e o desobrigou de
responder algo.
— Ninguém que eu conheço telefonaria a essa hora — disse ela, olhando para
o relógio.
O toque persistente continuou.
— Atenda — instruiu Kane, levantando-se e indo até o equipamento de
localização de chamadas.
— Alô?
— Estou cansado de fazer esse joguinho, moça.
— É isso que vem fazendo? — indagou ela, levando a mão às marcas em seu
pescoço.
O homem ficou em silêncio do outro lado da linha e Kayla lançou um olhar na
direção de Kane.
— Faça-o continuar falando — murmurou Kane.
— Tenho... Bem, tenho algo que lhe interessa — falou ela.
— Está pronta para começar de novo? Aquela sugestão a pegou de surpresa.
— Eu... estou disposta a fazer o que for necessário para acabar com isso. Para
quem disse que trabalhava, mesmo?
A risada sombria que ecoou ao telefone a fez sentir arrepios.
— Moça, não sou nenhum idiota. Não estou falando de trabalho. Minha
mãezinha está doente e quer as palavras cruzadas que sua tia costumava
fazer. Aquelas das quais ela tanto se vangloriava. Estou certo de que será
suficiente para manter uma velha senhora doente bastante entretida,
— Eu os tenho.
— Amanhã, ao meio-dia. Livre-se do seu namorado e esteja no Silver Café.
Um clique anunciou o final da ligação.
— Não deu tempo de localizar a cabine telefônica — falou Kane, passando a
mão pelos cabelos e massageando a própria nuca.
— Fiz o que pude.
— Sim, eu sei. Trabalhou bem — disse ele, segurando-a pelos ombros. — O
que mais ele disse?
— Esse crápula sabe a respeito das palavras cruzadas e falou que minha tia as
mantinha. Quer que eu o encontre no... Oh, meu Deus! Ele vem me seguindo!
— Por que está dizendo isso?
— O homem marcou o encontro no restaurante em que você me levou. Eu nem
sabia da existência daquele lugar antes de nosso encontro. Isso não pode ser
coincidência. E disse também para eu me livrar de você e ir sozinha para lá.
Desde quando esse maluco vem me seguindo? — O tom de voz dela beirou a
histeria.
— Ei, calma — Kane a segurou com firmeza, abraçando-a. — Ele só quer
assustá-la, entendeu?
— Então está fazendo um ótimo trabalho.
— Desista desse plano de encontrá-lo. Ninguém irá culpá-la por isso. Eu, em
particular, adoraria a idéia.
— Sabe que não posso fazer isso.
— Então não o deixe vencer. Não o deixe convencê-la de que não está segura,
porque você está.
Kane adormeceu ao lado de Kayla, na cama, segurando-a nos braços. Acordou
com os raios de sol da alvorada invadindo o ambiente pela persiana que
deixara aberta na noite anterior. Acomodando-a no travesseiro, levantou-se e
telefonou para a casa de Reid.
Planejaram colocar policiais disfarçados almoçando no local, mas o capitão
proibiu Kane de ficar visível, já que o bandido a estava seguindo e o
reconheceria de imediato. Haveria atiradores de elite espalhados pelo local e
ele próprio ficaria escondido na chapelaria do restaurante.
Ela deveria entrar, entregar os livros e ficar lá dentro, para que os policiais
pegassem o bandido na saída. Nada poderia dar errado.
Kayla seguiu o conselho de Kane e colocou um traje discreto e nada
provocante, para não dar idéias ao bandido. Ao, longo de toda a manhã, fora
treinada exaustivamente em todos os detalhes do que deveria ou não fazer.
Antes de saírem da casa, um agente disfarçado de entregador de flores
apareceu na casa e lhes entregou um equipamento de escuta. Com habilidade,
Kane o instalou de maneira imperceptível em sua roupa.
Quando pararam diante da porta, ele a tomou nos braços e a beijou com ardor.
Algo dentro dela lhe disse que aquela era a despedida dele, o que a fez sentir
um forte aperto no peito. Se sobrevivesse ao encontro com o bandido, talvez
ela não resistisse à solidão que se instauraria em sua vida.
Kayla pediu uma bebida ao garçom, como planejado. Kane, escondido no
cômodo adjacente, soltou um suspiro aliviado. A escuta estava funcionando.
Dali por diante só lhes restava esperar.
Era meio-dia e cinco e toda a equipe disfarçada estava ocupando os lugares
estratégicos. Todos policiais treinados e com instintos aguçados. Embora
preferisse estar lá dentro com ela, sabia que isso estragaria a emboscada.
— Chegou a hora.
A voz masculina ecoou no fone de ouvido e interrompeu os pensamentos de
Kane.
— Já passou da hora. Estou esperando desde o meio-dia. O tom de voz dela
parecia tenso demais. "Relaxe, querida", pensou ele.
— Houve uma mudança nos planos, mocinha. Não poderei demorar.
— Que pena — lamentou Kayla. — Acabei de pedir uma bebida e pensei que
iria se juntar a mim.
— Você é bem tentadora, mocinha. Bem, com um corpo como o seu, até um
monge ficaria tentado, mas estou com pressa. Talvez uma outra vez.
— Isso seria possível se eu quisesse assumir o negócio, o que não quero.
— Não sei do que está falando. Como disse ao telefone, minha mãe está
doente e quero alguns dos livros de palavras cruzadas de sua tia para entretêla.
"Maldição", pensou Kane. O bandido suspeitara da emboscada. Só lhe restava
torcer para que Kayla seguisse o planejado.
— Entregue os livros para o homem — murmurou Kane, cerrando os punhos.
— Sabe, minha tia Charlene era muito apegada a esses livros. Eu odiaria
entregá-los a alguém que não soubesse dar o devido valor a eles. Estou certa
de que está me entendendo.
— Sua tia gostava muito de fazer joguinhos — disse o homem. — Parece que
isso é uma característica de família, não? Minha mãe não está tão doente que
não possa participar também.
— Ora, isso é bom. Só me diga quanto minha tia estava envolvida nesses
jogos e então poderá levar esses livros para sua mãezinha doente, com meus
votos de uma rápida recuperação.
— Não aqui. Há um carro me esperando do lado de fora. Acompanhe-me até lá
e eu lhe direi tudo que minha mãe e sua tia tinham em comum.
"Lembre-se do plano", pensou Kane. "Entregue os livros e fique onde está".
Como bom capanga, o bandido iria pegar o que queria e sairia correndo, direto
para os braços da equipe externa. Depois, bastaria interrogá-lo com muito
empenho...
— Tenho certeza de que poderá se sentar um instante para uma bebida —
insistiu Kayla.
— Nem pensar. Vamos logo, acompanhe-me.
— Entregue os livros — murmurou Kane, passando uma das mãos pelos
cabelos, enquanto destravava a arma com a outra.
— Espere um instante que vou pegar minha bolsa — falou ela.
Mesmo querendo entrar correndo no salão do restaurante para impedi-la de
acompanhar o homem, Kane se conteve. Sabia que isso seria estupidez.
Precisaria contar com o profissionalismo da equipe externa.
— Aquele é meu carro. Agora, dê-me os livros. A voz do homem soou mais
ríspida no fone de ouvido de Kane.
— Tudo bem, mas estou fora. Não tenho nada a ver com esse tipo de negócio.
Quero que me deixem em paz — falou Kayla, com a mesma rispidez.
— Essa é uma proposta perigosa. Experimente perguntar à sua tia — sugeriu o
bandido, soltando uma risada macabra — Oh, é verdade, isso não é mais
possível. Quer saber o motivo? A velha Charlene nunca quis se envolver, então
veja só o que acabou acontecendo com ela.
— Então não foi um acidente... — sussurrou Kayla, em tom horrorizado.
— Ei eu não admiti isso. Mas, se essa linha de pensamento ajudar a mantê-la
na linha, sugiro que acredite em sua própria sugestão. Agora, entregue-me os
livros,
— Você matou minha tia Charlene!
"Mas que droga, entregue logo os livros", pensou Kane, retendo o fôlego.
— Os livros, mocinha.
— Tudo bem, eu entrego. Não precisa me machucar — murmurou ela. —
Pegue.
Seguiu-se então um gemido masculino de dor. Kane não conseguiu conter um
sorriso ao se lembrar do modo como ele próprio quase se curvara ao ser
atingido no estômago por aqueles mesmos livros. Era difícil definir se o que
sentia era orgulho ou raiva da coragem dela.
Sem sobreaviso, o som de um tiro solitário preencheu o ar, surpreendendo-o
ao ecoar em seus ouvidos. Kane disparou em direção à porta sem sequer olhar
para trás.
CAPÍTULO XI
— Não se deve atirar quando há um civil envolvido! — a voz de Kane se
propagou com intensidade, parando os transeuntes.
— Isso é possível quando a mira do tiro é segura — replicou o policial novato.
— Será possível que você não aprendeu nada na academia? Essa regra não
existe na prática e farei com que você tenha muito tempo para se lembrar disso
durante o mês em que ficar suspenso.
Kayla se encolheu no meio-fio, onde havia caído. Algum policial mais enérgico
havia decidido capturar o suspeito quando ele tentara fazê-la entrar no carro
com ele. Achava que deveria estar se sentindo grata, mas, pelo tom furioso da
voz de Kane, sabia que devia ter acontecido algo muito errado.
O policial novato havia acertado o homem na perna e este caíra violentamente,
levando-a consigo para o chão. No momento, o criminoso estava gemendo de
dor e cercado por policiais.
— E você? — Kane deu a volta pelos policiais e se dirigiu a ela. — Pensei
haver dito para você ficar onde estava e não sair do restaurante. Obedecer a
ordens não é mesmo seu forte, não é?
— Não quando sou deixada à própria sorte e tenho de me virar sozinha. Ele
disse "Mexa-se" e eu me mexi. Não pensei...
— Não pensou que ele fosse agarrá-la e tentar colocá-la no carro, e nem que
um policial novato à procura de uma promoção fosse aproveitar a chance para
atirar.
Ela havia se colocado em perigo quando ele não estava por perto para protegêla.
Como acontecera com a mãe dele, concluiu Kayla, deduzindo o motivo de
toda aquela fúria na voz dele.
— Não estou ferida, Kane — disse em um tom mais ameno.
— Mas você tinha de provocá-lo — continuou ele, sem ouvi-la. — Tinha de
saber sobre sua tia. Não podia confiar na minha competência no trabalho. —
Com ar de desgosto, completou: — Não que eu tenha lhe dado motivo para
isso.
Kayla meneou a cabeça. Claro que confiava nele. Mas Kane não acreditaria
nela mais do que estava disposto a ouvir sobre a verdade. Isso porque Kane só
se preocupava com o trabalho, e nem um pouco com os sentimentos que havia
despertado nela e que ela não pedira para sentir.
Ao se sentar e não sentir nenhum ferimento, esforçou-se para ficar de pé, e
somente então percebeu que havia torcido o tornozelo.
— Estou bem — disse, forçando um sorriso.
— Fez uma expressão de dor ao tentar apoiar o pé no chão — observou Kane.
— É mesmo? — Ela balançou a cabeça negativamente. — Não percebi.
Aquele sujeito deve pesar uma tonelada e fui atingida pelo peso dele na queda.
Veja. O capitão Reid está aqui — disse, esperando distraí-lo.
Kane pousou a mão sobre as costas dela, para que Kayla seguisse na frente.
Ela respirou fundo e deu o primeiro passo. Porém, seu tornozelo latejou
violentamente, fazendo-a dobrar a perna de dor.
Com um resmungo impaciente, Kane levantou-a nos braços.
— O que está fazendo?
— Tirando-a daqui, ora.
— Deixe-me andar sozinha, Kane. Isso é humilhante.
— Capitão — disse Kane, ao ver Reid se aproximando deles. — Se precisar de
algum depoimento dela, será melhor deixar isso para amanhã.
Reid assentiu. Kayla teve a impressão de ver um ar de riso surgir no rosto do
homem. Então sentiu seu rosto esquentar de embaraço.
— Eu posso andar — sussurrou ao ouvido de Kane.
— Ouviu a senhorita, McDermott. Kane continuou implacável.
— Ela tem de escolher: ou raio X no hospital, ou gelo em casa, até que eu
descubra se esse tornozelo vai inchar.
Mesmo sabendo que já deveria estar acostumada àquela atitude autoritária,
Kayla não deixou de se indignar.
— Ficarei com o gelo em casa — respondeu, por entre os dentes.
Pelo menos a despedida seria em particular, pensou.
Kayla estava sentada no sofá, com o tornozelo sobre uma almofada. Depois de
examiná-lo com mais atenção, Kane se dera conta de que o ferimento não fora
muito grave. Ainda assim, por medida de prevenção, colocou uma bolsa com
gelo sobre o local. Kayla estremeceu.
— Está com frio? — perguntou a ela.
Kayla assentiu. "Então ele a aqueceria", foi o pensamento que ficou no ar. De
fato, em questão de segundos, ele estava deitado ao lado dela, naquele sofá
que definitivamente não fora feito para acomodar duas pessoas deitadas.
— Está apertado, mas eu gostei. — Kayla sorriu. Kane também sorriu,
reconhecendo o tom sensual.
— Estou mais aquecida agora — disse ela, pouco depois.
— Eu sei. — Ele sorriu. — Mas acho que vai ficar mais ainda...
Após um longo beijo, Kayla foi a primeira a quebrar o silêncio:
— Kane?
— Hum?
— A bolsa de gelo — lembrou ela, rindo. — Tire-a de cima do meu pé.
Sorrindo, ele tirou a bolsa de gelo, deixando-a de lado. E o que se seguiu
superou em muito as expectativas de Kayla. Nunca imaginara que alguém que
havia torcido o tornozelo uma hora antes pudesse se esquecer completamente
da dor e sentir tanto prazer nos braços de um homem.
Kane meio que perdera o controle, cedendo uma parte de si mesmo a ela. O
mais irônico naquilo tudo, porém, era o fato de Kayla saber que ao ganhá-lo ela
o perdera.
Depois dos tórridos momentos de paixão, os dois se vestiram como dois
desconhecidos, como que prevendo que o fim seria inevitável. Haviam se
tornado amigos e amantes, mas aquilo fora temporário. Kayla havia feito uma
promessa e pretendia cumpri-la.
Ao terminar de se vestir, Kane olhou para ela.
— Se o tornozelo inchar, telefone...
— Telefonarei para o médico — ela completou por ele.
— Não se preocupe.
— Ótimo — Kane assentiu. — Pode usar o gelo essa noite...
— Ele não terminou a frase, deixando as palavras no ar. Sentindo que chegara
o momento da despedida, Kayla se
levantou do sofá onde havia permanecido sentada enquanto se vestia. Então
manteve-se de pé, tendo o cuidado de não apoiar o peso do corpo no tornozelo
machucado. Queria encarar Kane pela última vez permanecendo de pé e com
a cabeça erguida, e não como alguém que não conseguia se sustentar.
As muitas facetas de Kane haviam passado a fazer sentido para ela. Mas não
que esse conhecimento pudesse mudar as coisas.
Na mente de Kane, cada caso era uma chance de ele se redimir por haver
falhado com a mãe e, por conseqüência, consigo mesmo. "Permaneça no
controle" e "não perca o foco" eram seus lemas. O principal, porém, era não se
entregar emocionalmente, para não correr o risco de repetir os erros do
passado.
Kayla queria poder mudar aquilo de alguma maneira, mas não havia como ela
lutar contra o passado no lugar dele. Tentara lutar por si mesma e o resultado
era que não teria outra escolha a não ser deixá-lo ir.
— Não se esqueça de ir prestar seu depoimento amanhã — lembrou ele. —
Prestarei o meu essa noite e ficarei de licença durante a próxima semana. Reid
cuidará bem de você.
Kayla sentiu um aperto no peito. Era difícil lidar com o fato de que Kane não
estaria mais por perto.
— Tudo bem. — Ela deu de ombros. — Bem, se acha que já terminou o que
tinha de fazer por aqui... — Indicou a porta. — Vá embora, por favor, Kane.
Ao ouvir aquilo, ele assentiu, como sempre sem revelar no semblante o que ia
em seu íntimo. Para surpresa de Kayla, porém, ele tocou-lhe a face e disse:
— Se precisar de alguma coisa... Ela respirou fundo.
— Obrigada, mas não vou precisar de nada.
Kane assentiu, afastando a mão do rosto dela. O olhar de ambos se encontrou
por um momento, antes de ele se dirigir à porta.
— Adeus, Kane.
A porta se fechou atrás dele sem que ela ouvisse nenhuma resposta. Um
adeus silencioso. Um adeus que trouxe lágrimas aos olhos de Kayla.
— Faz uma semana que varremos o submundo — disse
Reid, dando a volta pela mesa de Kane e sentando-se em uma cadeira
próxima. — E que semana tivemos desde então — completou, com um suspiro
satisfeito.
Kane também estava satisfeito e aliviado. Depois de conhecer Kayla melhor,
nem por um momento lhe passara pela mente que a Charmed! poderia estar
envolvida com o crime organizado. Não havia nenhum sinal disso por lá.
Entretanto, o tio de Kayla havia se envolvido com pessoas influentes e
perigosas, na tentativa de obter muito lucro em pouco tempo e de provar sua
lealdade aos criminosos com os quais ele se envolvera. Só não contava que
sua esposa, a tia de Kayla, fosse ficar com medo. Ela ameaçara entregar à
polícia os livros com os nomes dos envolvidos, que vinha guardando como
forma de prevenir algum contratempo. Como resultado, ambos haviam tido um
fim trágico. Os criminosos que continuaram no esquema haviam contado
justamente com aquilo que Kayla mais desprezava, imaginando que a sobrinha
"fácil" dos dois poderia colaborar com eles, mantendo os "negócios" no mesmo
nível.
Saber o risco que Kayla havia corrido ainda causava um aperto no estômago
de Kane. Aliás, naqueles últimos dias, não conseguira parar de pensar nela.
A voz e o riso de Reid interromperam seus pensamentos.
— Assim que nosso amigo ouviu as palavras "acusação de homicídio",
começou a revelar nomes, datas e detalhes sobre criminosos que nunca
pensaríamos que conseguiríamos prender. Incrível o que a promessa do
Programa de Proteção à Testemunha é capaz de fazer ao senso de lealdade
de um homem.
— Ele foi leal — salientou Kane. — À própria vida.
— E quanto a você?
Kane ficou de pé, afastando a cadeira com tanta ênfase que esta bateu contra
a parede.
— O que diabos devo entender disso? — perguntou ao chefe. — Está
questionando a minha lealdade?
Reid não se alterou.
— Não ao departamento — respondeu. — Estou questionando sua lealdade
para consigo mesmo.
Kane gemeu, contrariado, e voltou a se sentar.
— Preocupe-se com sua aposentadoria que eu me preocupo comigo mesmo,
está bem?
— Vai mesmo se preocupar? Não creio que dê a mínima para si mesmo desde
o dia em que sua mãe foi parar na frente de um ônibus em movimento.
Kane não questionou onde Reid havia obtido aquela informação. Sua vida era
um livro aberto para aqueles que quisessem conhecê-la. Todavia, nunca havia
falado abertamente sobre seu passado para ninguém, exceto Kayla.
— Se você fosse qualquer outra pessoa, eu o acertaria no queixo por haver
trazido esse assunto à tona — disse ao chefe, em um resmungo.
Após um momento de silêncio, Reid perguntou:
— Você a tem visto?
— Quem?
O capitão ficou de pé.
— Sabe de uma coisa, McDermott? Tenho um almoço de negócios e não estou
com tempo para ficar brincando de "quem é mais idiota" com você. Se quer
continuar levando a vida sozinho, como levou até agora, vá em frente. Se quer
deixá-la sair de sua cama e ir para a cama de outro...
— Ei!
— Ei, o quê? Só disse que não vou brincar de "quem é mais idiota" com você.
De qualquer maneira, você acabaria vencendo mesmo. — Apoiando as mãos
sobre a mesa, ele completou: — Ela o transformou em um ser humano,
McDermott.
— Vá para seu almoço. Não preciso ficar ouvindo isso.
— Mas precisa dela — insistiu Reid, endireitando o corpo. —A propósito, você
trabalhou muito bem nesse caso, McDermott. Desconfiou de algo antes mesmo
de eu acreditar que a moça precisava de proteção e a manteve protegida todo
o tempo. Estou orgulhoso de você, rapaz.
Kane sentiu a boca secar. Porém, antes que pudesse responder, Reid saiu e
fechou a porta atrás de si.
Fechado. Pelo menos temporariamente. Kayla ajustou a placa no vidro da
porta, de modo que ela ficasse de frente para a rua. A Charmed! estava
fechada. Kayla e Catherine haviam vendido o lugar.
— O que faremos agora? — Catherine perguntou.
— Não tenho a mínima idéia. Seu curso já está pago até o final do ano,
portanto, essa é uma preocupação a menos para nós.
Catherine franziu o cenho.
— Mas isso está terminado para mim. Se eu soubesse que as coisas iriam ficar
assim...
— Nem pense em parar, Cat. Eu tenho uma carreira para a qual voltar e você
também.
— Contabilidade? — Catherine fez um ar de desagrado. — Você pretende
voltar a trabalhar com contabilidade? Nem pensar, Kayla. Isso não tem mais
nada a ver com você. Tem mais a ver com aquela garota que usava tailleur.
Dizendo isso, Cat olhou para o visual da irmã, vestida com uma minissaia preta
e um top azul-turquesa.
— Posso parar meu curso e voltar no próximo semestre...
— Nem pensar —. Kayla a interrompeu. — Você vai terminar seu curso.
As duas permaneceram em silêncio por alguns segundos.
— Tudo bem. Eu cozinho e você.faz a contabilidade ate o fim do ano letivo.
Depois trocaremos. Eu gerarei renda e você voltará para a escola.
Kayla balançou a cabeça negativamente.
— Escola, livros, níveis de linguagem... Estou cansada dessas coisas, Cat. Não
havia me dado conta disso ate... — Ate Kane aparecer na minha vida,
completou ela, em pensamento. Catherine curvou os lábios em um sorriso,
inclinando a cabeça em um gesto que Kayla reconheceu no mesmo instante.
— Não se preocupe comigo, Cat. Eu ficarei bem.
— Eu sei. E já que estará livre por algum tempo, tenho uma idéia para lhe
propor a respeito de um negócio. Um negócio ligado à organização de eventos.
Podemos começar com um negócio pequeno, oferecendo todos os tipos de
serviços decoração, bufe, música... Poderemos usar o que sobrar do dinheiro
para ir investindo no próprio negocio. Eventualmente, usarei meus
conhecimentos em culinária e você poderá usar os seus em contabilidade e
administração para dirigirmos o negócio. A princípio, organizaremos festas
pequenas e depois tentaremos cativar clientes mais poderosos. Pensei em...
Kayla começou a rir.
— Calma, Cat. Respire um pouco. — Pensativa, acrescentou- — Parece uma
idéia ambiciosa...
— Mas que você adorou — Catherine completou — Já tenho até o nome da
empresa: Requinte. Slogan: “Onde Seus Sonhos se Realizam".
Kayla revirou os olhos e riu.
— Acho que nossa família já andou por esse caminho. Catherine também riu.
— Tudo bem, faremos de um modo diferente. Pelo menos eu a fiz rir pela
primeira vez nesta semana, desde que aquele... sujeito traiu minha confiança
nele e a deixou. Kayla suspirou.
— Ele fez o que tinha de ser feito.
Kane não havia conseguido superar o fato de haver perdido a mãe e de seu
suposto papel naquilo tudo. Kayla havia passado boa parte da semana em uma
biblioteca, pesquisando livros de psicologia a respeito de suicídio e sobre
pessoas que permaneciam com sentimento de culpa. Muitos dos artigos que
ela havia lido descreviam várias das reações de Kane.
No entanto, o conhecimento não amenizara sua dor e sua solidão, mas pelo
menos a havia ajudado e entender melhor o homem que ela amava. Kane
nunca havia se libertado da culpa, do rancor e nem do medo. E provavelmente
nunca se libertaria.
— Você perdoa muito facilmente, Kayla.
— Ele não merece meu rancor, Cat. Sei que não merece. Naquele momento, a
conversa foi interrompida pelo barulho dos sininhos da porta, anunciando a
chegada de alguém.
— Boa tarde, senhoritas.
Kayla fechou os olhos um instante. Mesmo estando de costas para a porta,
reconheceu o tom aveludado daquela voz grave. Devia estar sonhando, como
na noite anterior, quando acordara repetindo o nome dele e com o corpo
ardendo de desejo.
— Ninguém vai falar nada? — perguntou Kane.
— Acho melhor ter vindo até aqui por uma boa causa, porque não vou deixar
que você a magoe novamente — avisou Catherine,
— Também é um prazer revê-la, Catherine. Kane olhou de uma para a outra.
— Vocês querem que eu vá embora? — perguntou em um tom de voz
controlado.
Kayla sentiu um aperto no peito. Claro que não queria que ele fosse embora.
Por outro lado; não sabia se agüentaria sofrer ainda mais. Porém, o amor
imenso que sentia por ele a fez suspirar e dizer à irmã:
— Cat, acho melhor nos deixar a sós.
Catherine deu de ombros e foi pegar o casaco deixado sobre uma cadeira.
— A escolha é sua. Só espero que o que ele tenha a dizer seja digno de sua
atenção. Kane fitou Kayla nos olhos.
— Será que ela vai ser "durona" assim comigo a vida inteira? — perguntou ele,
contendo o riso.
Catherine o fuzilou com o olhar.
— Ainda não viu nada, meu caro.
— Até mais tarde, Cat - Kayla se despediu, em tom de aviso.
— Já estou indo. Espero que perceba que isso já esta se tornando um hábito.
Ele vai embora, depois volta e você me manda embora. Depois ele vai embora
novamente...
— Tchau, Cat.
Depois que Catherine se retirou, Kayla sorriu para Kane.
— Ela não faz isso por mal.
— Eu sei. Também costuma me defender assim quando não estou por perto?
— perguntou ele. Kayla umedeceu os lábios. — Acho que é um mau hábito
meu.
— Que hábito?
— Defender as pessoas que eu am... - Ela se interrompeu — O que quer de
mim, Kane? Já prestei meu depoimento e o capitão já me informou tudo que eu
precisava saber. Além disso, nós dois já nos despedimos e...
— O problema é justamente esse. Você se despediu, mas eu não.
— E foi só por isso que veio até aqui? Para se despedir?
— Não exatamente.
— Não temos mais nada a dizer um ao outro, Kane.
— Acho que temos, sim — ele insistiu.
Então se aproximou e segurou a mão dela.
— Não percebeu que eu não me despedi porque, na verdade, não estava
querendo ir embora?
Kayla suspirou, frustrada. Estava cansada daquele jogo emocional.
— Assim como não disse que me amava também porque não quis? — ela
disse, mas se arrependeu em seguida.
Tentou desvencilhar a mão da dele, mas Kane a manteve junto de si. Kayla
suspirou mais uma vez.
— Ouça, aceito suas limitações, mas você precisa aceitar as minhas...
— Quero me explicar, Kayla.
— Já conheço os motivos que o levaram a agir daquela maneira. Agora
gostaria apenas que me deixasse em paz. Será melhor para nós dois. Sei que
também se sente assim em relação a mim.
— Era o que eu pensava e o que vivia dizendo a mim mesmo, desde a primeira
vez em que a vi. Mas não é verdade Kayla. Sinto-me mais realizado com você
a meu lado e gostaria de pensar que você sente o mesmo em relação a mim.
Um brilho de esperança surgiu nos olhos dela.
— E quanto a seu trabalho? Você disse que eu o distraio, que sou uma
ameaça à sua concentração.
— Eu estava errado. Você me faz expor aquilo que existe de melhor em mim.
— Segurando a mão dela com mais firmeza, prosseguiu: — Você estava certa.
Tenho carregado uma culpa infundada durante muito tempo. Para mim, cada
novo caso era uma tentativa de me redimir pelo que aconteceu no passado,
mas agora sei que isso nunca será possível.
O olhar de Kayla se enterneceu.
— Ela era sua mãe. Não iria querer abandoná-lo, Kane. Ele assentiu.
Convencera-se da mesma coisa.
— Sei disso agora. — Fitou-a nos olhos. — Eu não disse que te amava por
medo, Kayla. Medo de não merecê-la,
— E agora? Acha que me merece?
— Ainda não sei ao certo, mas tenho certeza de que não estou disposto a
perdê-la.
Ela sorriu.
— Já é um bom começo. Acho que vou abrir uma exceção dessa vez e Ihe dar
uma nova chance.
O sorriso charmoso de Kane fez o coração dela acelerar.
— Mas terá de dizer as palavras, Kane McDermott. Entendendo onde ela
estava querendo chegar, ele falou:
— Eu te amo, Kayla.
Ela o abraçou com força, repousando a cabeça junto ao ombro dele. O contato
entre seus corpos foi suficiente para acender mais uma vez a chama do desejo
em Kane.
— Espero que esteja pensando o que eu estou pensando — disse a ela,
curvando os lábios em um sorriso.
Kayla também sorriu.
— Acho que nesse detalhe nossos pensamentos estão sempre sintonizados.
Eu te amo, Kane — falou, começando a despi-lo.
E essas foram as últimas palavras que eles trocaram por um longo tempo.

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