quarta-feira, 10 de julho de 2013

Um show particular

Sabrina 1296 – Um Show particular – Barbara Hannay
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UM SHOW PARTICULAR
BARBARA HANNAY
0 grande erro da madrinha. Como madrinha de casamento de sua melhor amiga, Laura Goodman responsabilizou se por algumas tarefas para a festa de despedida de solteira. Uma das atribuições era apanhar o homem que garantiria o entretenimento das convidadas em um show de dança e de strip-tease. Alto, moreno e atraente, o homem que Laura encontrou na porta do shopping parecia ser a escolha perfeita. Foi uma surpresa, portanto, quando ele relutou em se exibir! Será que Laura havia cometido um pequeno erro? Ou será que esse homem, Nick Farrell, só aceitaria tirar a roupa se fosse para ela, em particular?
Digitalização: Marina Campos Revisão: Jaqueline Argentin
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ROMANCES NOVA CULTURAL. 9770104263007 Copyright © 2001 by Barbara Hannay Originalmente publicado em 2001 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: The Wedding Dare Tradução: Nancy Mielli Editora e Publisher: Janice Florido Editora: Fernanda Cardoso Editoras de Arte: Ana Suely S. Dobón, Mônica Maldonado Paginação: Dany Editora Ltda. EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524 - 10Q andar CEP 05424-010 - São Paulo - Brasil Copyright para a língua portuguesa: 2003 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. - Impressão e acabamento: RR DONNELLEY AMÉRICA LATINA Tel.: (55 11) 4166-3500
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CAPÍTULO I Só havia um homem no hall de entrada do Shopping Center que as mulheres pagariam, entusiasmadas, para vê-lo tirar a roupa. Bastou um olhar para Laura Goodman ter certeza de que era aquele moreno alto, diante do café, apoiado no balcão. Ele apresentava todos os atributos físicos necessários: ombros largos, bíceps ultra desenvolvidos e marcados pela camiseta justa, quadris estreitos e pernas longas e musculosas. Embora estivesse a uma distância considerável, Laura pôde notar o bronzeado da pele. Ele estava olhando para o outro lado, portanto não dava para ver suas feições, mas o conjunto sugeria suprema autoconfiança. Do carro, Laura examinou todos os outros homens que se encontravam no local. Ou eram gordos, ou calvos, ou jovens demais. O stripper só poderia ser aquele. Decidida, Laura desligou o carro, respirou fundo e abriu a porta. Que situação! Se aquela não fosse a noite de despedida de solteira de sua melhor amiga, ela não teria aceitado a incumbência de apanhá-lo a caminho da festa. Mas como se recusar a atender um pedido da noiva, ainda mais que ela a convidara para ser sua madrinha? De qualquer forma, não dava para justificar esse favor quando uma porção de crianças internadas na ala infantil do hospital poderia ter a sessão de leitura suspensa, na manhã seguinte, pela ausência de um palhaço. Naquele momento Laura precisaria estar telefonando para todas as agências de Brisbane em busca de um substituto. Sua recente promoção a bibliotecária sênior condizia muito mais com esse tipo de tarefa do que tomar providências para o show de strip-tease que Susie pretendia oferecer às amigas. Algo que na opinião de Laura era absolutamente vulgar. Com um suspiro, Laura tentou se concentrar em seus passos para não torcer os pés. Estava usando sapato de salto fino e alto e a irregularidade do piso a obrigava a andar devagar. Mas por mais que se esforçasse, ela não conseguia afastar as preocupações da mente. Pouco antes de sair de casa, sua assistente havia ligado para avisá-la que o palhaço não poderia se apresentar no hospital no dia seguinte porque estava com uma forte gripe. Seria uma decepção para as crianças se ela aparecesse sozinha para a sessão de leitura. Afinal ela lhes havia prometido um palhaço e as pobres criaturas haviam contado os dias durante toda a semana para que ele as visitasse. Laura estava tão distraída que quase trombou com o alvo. Era preciso esquecer as crianças e o palhaço ao menos por alguns minutos. Não conhecia nenhum stripper, homem ou mulher, e não sabia exatamente como se dirigir a ele. — Boa noite — resolveu dizer, simples e diretamente. — Boa noite. O timbre da voz a surpreendeu. Mais ainda o modo como ele se afastou do balcão e endireitou as costas, dando a impressão de ser ainda mais alto.
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Laura hesitou diante da expressão séria que ele fez ao cruzar os braços. De perto o homem era ainda mais bonito. Não havia lhe ocorrido até aquele momento que talvez tivesse uma idéia preconceituosa sobre as pessoas que ganhavam a vida como ele. Não imaginava, por exemplo, que fosse ser recebida com um olhar que traduzia tanta inteligência. Ele tinha cabelos pretos e brilhantes e olhos cinzentos. A barba estava por fazer, mas isso não o tornava menos atraente. Como faria para iniciar o contato? Não podia simplesmente perguntar se ele era o stripper, podia? Precisava dizer alguma coisa, mas o quê? E ele já estava dando sinais de que estava estranhando sua atitude. — Está procurando alguém? — ele perguntou, por fim. Laura tentou disfarçar seu constrangimento com um movimento de ombros. — Eu... sim!— Ela ajeitou a alça da bolsa e sorriu, na esperança de aparentar a sofisticação comum às outras amigas de Susie que, naquele exato momento, estavam consumindo taças e taças de champanhe enquanto ela fora incumbida do trabalho sujo. — Vim aqui para encontrar alguém. Aliás, estou certa de que esse alguém é você. Os olhos dele faiscaram. — Sinto desapontá-la, doçura, mas já tenho planos para esta noite. Por um longo tempo Laura só conseguiu pestanejar. O choque não lhe permitia falar. Ele estava pensando que ela...? — Oh, não! — protestou. — Não está imaginando que eu...? — Laura deu um passo para trás e o salto ficou preso em uma rachadura do piso. Ao perder o equilíbrio, abriu os braços e a bolsa voou em direção ao desconhecido. Ela recuperou o equilíbrio ao mesmo tempo que ele se pôs a esfregar o queixo, local onde o fecho da bolsa o havia atingido. Ainda mais constrangida e ele ainda mais sério e reservado, Laura ergueu a mão em um gesto instintivo para verificar quanto o havia machucado, mas se conteve a tempo. — Por favor, me desculpe. — Está tudo bem — ele respondeu e olhou ao redor, obviamente na esperança de ser salvo. — Eu estava tentando lhe dizer que não sou o que você está pensando — Laura se apressou a explicar. — Vim aqui para apanhá-lo e levá-lo para a festa. — Você irá me levar? — Sim. Susie pediu que eu lhe desse uma carona. Era caminho para mim. — Susie Thomson, a noiva de Rob Parker? — Ela mesma — Laura respondeu, aliviada. — Susie pediu que você me apanhasse? Pensei que Rob fosse se encarregar de mandar alguém. Laura deu de ombros. — Parece que a escolhida fui eu. Pela primeira vez, a dúvida desapareceu dos olhos do desconhecido e um sorriso surgiu em seus lábios. — Nesse caso, não percamos mais tempo. A amiga de Susie Thomson estava usando uma roupa de gosto duvidoso, Nick pensou ao acompanhar Laura em direção ao carro. Não era à toa que a
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confundira com uma garota de programa. Mas não podia deixar de admitir que ela parecia ter classe e que poucas mulheres tinham pernas tão perfeitas e cabelos e olhos tão estonteantes. Nick sentou-se no banco de passageiro e afastou-o para acomodar melhor as pernas à convite da dona. — Obrigado — ele agradeceu. — Um belo carro este. — Acabei de comprá-lo — Laura contou, orgulhosa. — Foi um presente que dei a mim mesma para comemorar minha promoção. Nick gostava de carros e admirou o desembaraço com que Laura conduzia o veículo pelas ruas movimentadas. Ela parecia esperta e dinâmica. Deveria ter merecido a promoção. Realmente não podia ser o tipo de mulher por quem ele a tomara à primeira vista. Laura olhou para ele, ao parar em um semáforo, e lhe deu um sorriso tímido. — Como devo chamá-lo? Usa algum nome especial quando se apresenta nessas... festas? Nick pestanejou. — Como disse? — Imagino que goste de preservar sua vida particular. Usa algum nome artístico? — Para ir a festas? — Sim. A que a amiga de Susie estava se referindo? — Por acaso você usa um nome especial toda vez que vai à uma festa? — Nick perguntou, atônito. — Eu não! — Laura respondeu, rápida. — Já disse a você que não sou... O farol abriu e Laura precisou acelerar. Nick franziu o cenho. Sua primeira impressão podia não estar correta, mas tampouco a segunda estava. — Meu nome é Nick sempre. Tanto em festas quanto no trabalho e em casa. Chamo-me Nick Farrell vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana. Laura sorriu. — Muito prazer, Nick. Meu nome é Laura. Laura Goodman. — Laura — Nick repetiu. Esperava por um nome mais exótico. Na verdade, aquele nome não combinava com a mulher que acabara de apanhá-lo na entrada do Shopping Glenwood. No entanto, ele fazia sentido agora que se encontrava ao lado dela, no carro, e correspondia ao perfume suave de rosa e de jasmim que se desprendia de sua pele. Laura entrou em um estacionamento e desligou o motor. — Chegamos. — Mas não é aqui que Rob mora! — Rob? — Laura repetiu, surpresa — Estamos indo para a festa da noiva, não do noivo. Nick estranhou a informação, mas antes que pudesse se informar melhor, Laura prosseguiu. — Susie insistiu que o traje fosse fantasia. Ou melhor, que todas as amigas comparecessem com as roupas mais extravagantes que encontrassem. — Laura fez uma careta ao apontar o vestido cheio de plumas que estava usando. — Foi apenas mais uma das brincadeiras que ela planejou para seu coquetel de despedida de solteira.
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— Não estou entendendo — Nick interrompeu. — Se é uma despedida de solteira, por que você me trouxe aqui? — Porque você é... você é o convidado especial da festa. Ele? Convidado especial em uma festa de mulheres? Um suor frio cobriu a testa de Nick. Aquela Laura Goodman obviamente tinha um parafuso solto! Restavam-lhe, agora, duas opções. Ou ele saltava daquele carro e corria para o telefone mais próximo para chamar um táxi ou entrava com Laura Goodman na festa e verificava o que, exatamente, estava acontecendo. A noiva de seu melhor amigo deveria ser uma pessoa mais razoável do que aquela sua amiga. — Vamos entrar — Laura tentou persuadi-lo em tom quase maternal. — Foi Susie quem organizou a festa. Ela explicará a você. Tudo que sei é que deveria apanhá-lo no shopping e trazê-lo aqui. Com expressão conformada, Nick desceu do carro e esperou que Laura fizesse o mesmo. Da casa iluminada vinha um som característico de risadas femininas e de música. Mas do outro lado do carro, o som que o fez virar era bem diferente. — Oh, não! Os ombros de Laura Goodman brilharam como mármore ao luar. Eram perfeitos como os de uma escultura grega. Mas para eles estarem desnudos, aquele som fora provocado pelo tecido a ser rasgado. — A estola de plumas! — Laura exclamou em pânico. — E agora? Como farei para devolvê-la? Nick apanhou a estola que havia caído na calçada e apresentou-a pendurada em seus dedos. — Obrigada — Laura agradeceu e baixou os olhos em um sinal de que ele estava dispensado. Mas como Nick continuava encarando-a, Laura precisou ser mais clara. — Olhe, entendo que cada um tem o direito de escolher o que quer para sua própria vida, mas alguns de nós têm valores diferentes... Nick balançou a cabeça. — Francamente, quem não está entendendo sou eu. O que você acha, exatamente, que eu faço? — Por que não entra e trata direto com Susie? — Laura insistiu. De repente, pareceu a Nick que seria ainda mais contraproducente entrar e pedir uma explicação à noiva de seu amigo do que insistir em resolver o enigma ali mesmo. Ele não conhecia a noiva de Rob. Sabia apenas que eles se apaixonaram e resolveram casar com a rapidez de um ciclone. — Vou ficar de costas enquanto você conserta o vestido — Nick prometeu —, mas não sairei daqui enquanto você não me contar porque me trouxe a esta festa em vez de me levar para a despedida de solteiro de Rob. Antes que Laura tivesse chance de responder, uma mulher saiu à porta. — Laura? É você? Trouxe Nick? A turma já está ficando impaciente. Alta, morena e magra como uma modelo, Susie Thomson acenava para eles. — O que está acontecendo, Susie? — Nick quis saber ao mesmo tempo em que se encaminhava para ela. — Eu deveria estar na festa de Rob. — Nada disso! — Susie enlaçou-o pela cintura. — Este é o lugar exato em que deveria estar. Estávamos aguardando-o ansiosamente. Ocorreu a Nick que muitos homens se sentiriam no paraíso por se tornarem o centro das atenções de um grupo de mulheres, mas o sexto sentido dele estava
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alertando-o para que se preparasse para uma surpresa que não seria das mais agradáveis. Também ocorreu a Nick a idéia de se desvencilhar de Susie e sair correndo rua abaixo, mas o bom senso venceu e ele apenas decidiu verificar do que se tratava em vez de ficar se preocupando à toa. Aquela mulher, afinal de contas, estava prestes a casar com o melhor amigo dele. Além disso, no sábado, ele estaria ao lado do casal no altar porque Rob o convidara para ser seu padrinho. Mais alguns minutos e toda aquela confusão seria esclarecida. Era isso. Susie abriu a porta com um sorriso malicioso e o burburinho de vozes e risadinhas histéricas se transformou em um alarido. O que Nick mais temia aconteceu. Todas as mulheres, munidas de taças de champanhe, olharam para ele. Estavam usando roupas tão exageradas que o vestido e as plumas de Laura Goodman pareciam a última palavra em bom gosto. — Meninas! — Susie gritou e se fez um súbito silêncio. — Nosso stripper finalmente chegou! Stripper? Primeiro Nick pensou que havia se engasgado. Depois teve certeza de que estava tendo um enfarte. Uma onda gigantesca de adrenalina o inundou. Seus ouvidos zumbiam horrivelmente. Só depois ele percebeu que seu mal eram os gritos frenéticos daquelas mulheres. — Você deve estar brincando — ele custou a recuperar a voz. Susie segurou-o pelo braço — Não se trata de nenhuma brincadeira. Rob me disse que você sempre é a maior atração das festas. — Rob lhe disse isso? — Nick arregalou os olhos. Por vários segundos, Nick ficou sem ação, incapaz até mesmo de respirar até que a ficha caísse. Rob Parker, seu melhor amigo, havia lhe pregado mais uma peça. Esse costume vinha desde os tempos de escola quando eles tinham oito anos de idade. Eles ainda eram meninos e já faziam apostas e propunham desafios um ao outro. Mas jamais lhe ocorreria que Rob fosse capaz de colocá-lo em uma situação tão embaraçosa, para não dizer maldosa. A única saída seria levar o desafio na brincadeira como sempre fazia quando a idéia de Rob não lhe era bem-vinda. — Caramba Susie, você chegou a me assustar. Você e Rob formam um belo par. Estou vendo que gosta de pregar peças nos outros tanto quanto ele. Valeu! Se queriam me assustar, vocês conseguiram. E agora? Quem irá me levar para a despedida de solteiro dele? — Por enquanto ninguém, Nick. — Susie deu uma piscada. — Não até que minhas amigas assistam ao show que lhes prometi. Aliás, Rob lhe mandou um recado. Disse que você não se atreveria a fugir de nós. — Eu não me atreveria? — Nick engoliu em seco. — Espero que não — Susie afirmou com fingida seriedade. — As meninas seriam capazes de linchá-lo se lhe passar pela cabeça ir embora antes da apresentação. Nick contou até dez. Era o fim de uma amizade perfeita. Nem ele nem Rob jamais recuaram diante de um desafio, desde que ele duvidara que Rob fosse capaz de correr pelo pasto com um touro solto.
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Susie não parecia disposta a arredar pé. Nick olhou para cada uma das amigas dela. A expectativa era geral. Laura Goodman, Nick notou, não estava entre elas. Onde teria se escondido? Ela, certamente, deveria estar se sentindo culpada pela situação. Não havia tempo, porém, para ele se preocupar com a responsável por tê-lo levado até ali. Não havia alternativa para ele a não ser aceitar a realidade de que não chegaria ninguém para salvá-lo daquele dilema. — Você está esperando realmente que eu faça um strip-tease? — Ora, querido, você sabe que sim. — Terei de ficar só de cueca? Na tentativa de ganhar tempo, Nick olhou ao redor. Havia uma mesa repleta de doces e de salgados. — Preciso comer alguma coisa antes. —É claro! — Susie deu algumas ordens e em questão de segundos uma infinidade de pratos lhe foram servidos. Nick comeu o máximo que pôde e com a maior lentidão que conseguiu. Duas taças de champanhe acompanharam a ceia. Talvez um pouco de álcool o ajudasse a perder a inibição, ele pensou. Não ajudou. Ele pediu outra taça. Quando estava terminando de beber, Susie surgiu ao lado dele e perguntou se o show poderia ter início. — Eu... Eu vou precisar de música apropriada. Não terei condições de me exibir ao som de um lamento. — Tenho uma coleção enorme de CDs. Venha escolher um. Com essa idéia, Nick conseguiu ganhar mais cinco minutos. — Música latina. Ótima escolha — Susie aprovou. O pânico dominou Nick naquele momento. Não sabia mais que desculpa inventar para adiar o fiasco. Susie estava colocando o CD no aparelho com um sorriso determinado nos lábios. — Meninas, vamos dar um caloroso aplauso a Nick que tem algo muito especial para nos mostrar! A cabeça de Nick se pôs a latejar com a mesma intensidade das palmas, gritos e assobios. CAPÍTULO II Laura demorou muito mais do que seria necessário para consertar o vestido. Precisava daquele tempo para ficar sozinha consigo mesma e reassumir o controle sobre suas emoções. Quando Nick Farrell se oferecera para ajudá-la, ele havia olhado para ela daquele jeito inconfundível que um homem olha para uma mulher que o atrai. E ela, em vez de querer distância dele, sabendo do modo que ele escolhera para ganhar a vida, ficara entusiasmada com a demonstração de interesse. Um absurdo! Ela sempre condenava aquele tipo de trabalho por considerá-lo imoral. Além disso, Nick Farrell só havia olhado para ela. Não havia nenhum motivo para tanto entusiasmo.
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Naquele exato instante, provavelmente, ele deveria estar endereçando olhares muito mais quentes às amigas de Susie. E elas, obviamente, estariam não apenas retribuindo os olhares como também lhe oferecendo aquelas risadinhas características de provocação. Enquanto andava de um lado para o outro do terraço e esperava que o ar fresco da noite acalmasse o calor que lhe queimava as faces, Laura viu-se pensando que jamais se igualaria às convidadas de Susie e à própria Susie nesse tipo de atitude. Se fosse sincera consigo mesma, aliás, Laura admitiria que não se encaixava ao costumes modernos. A maioria de suas amigas vivia dizendo que ela mais parecia ter cinqüenta do que vinte e nove anos. O que fazer? Ela era uma Goodman. Desde a idade de dez anos Laura aprendera que sua família era mais devotada às causas nobres do que a média geral da população. Os Goodman eram gente boa e prestativa. A resposta para isso, talvez, era a carga genética de generosidade em excesso que haviam recebido. Pela tradição de família, que vinha de diversas gerações, Laura nasceu em uma choupana no Camboja onde seus pais, ele médico e ela enfermeira, cuidavam de crianças órfãs. Embora mais tarde, quando ela e o irmão chegaram à idade escolar, eles tivessem se transferido para a Austrália, os dois continuaram a se dedicar às obras assistenciais nas horas em que não estavam trabalhando pelo ganha-pão no hospital de Brisbane. No momento, os pais de Laura estavam trabalhando no Timor Leste e o irmão, Phil, cursando o último ano da faculdade de Medicina, já dava claros sinais de que iria seguir os passos da família. Por mais que os admirasse e valorizasse seus altos ideais humanitários, Laura não abraçou a área da Medicina como carreira. A ovelha negra, como se considerava, preferiu os livros e se formou em Biblioteconomia para desapontamento dos pais cujo único consolo foi ela não ter optado por uma profissão completamente inútil, segundo eles, como a música ou a arqueologia. Assim mesmo, Laura não conseguiu se livrar totalmente de sua herança genética, motivo pela qual se dirigia ao hospital todas as quartas-feiras para se dedicar à leitura de histórias para as crianças internadas. Já Susie, sua amiga e colega de trabalho, se dedicava a ajudar as pessoas de uma outra maneira. Voltada para o sexo como era, Susie separava os romances mais picantes e garantia esse tipo de leitura a todas as interessadas, em geral senhoras. Dez minutos depois, mais calma e serena, Laura checou se o vestido estava no lugar e resolveu finalmente se reunir às demais convidadas. Mas ao ver Susie cochichando com Nick, ela mudou de idéia e decidiu acompanhar o movimento de longe. Não foi possível, entretanto, permanecer incógnita. Duas ou três das amigas de Susie se aproximaram dela e lhe ofereceram bebidas e canapés. Laura se serviu apenas de suco de laranja, depois de se certificar de que não se tratava de um coquetel. Novamente sozinha, Laura viu Nick se dirigindo ao centro da sala com passos lentos. Uma música latina vibrava no ambiente. Ao ritmo sensual, o mulherio se pôs a aplaudir, a gritar e a dançar. Ela engoliu em seco. De onde estava, apoiada contra a parede, podia ver Nick sem ser vista. Ele
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parecia calmo e indiferente ao que estava acontecendo ao seu redor. Deveria ser assim que ele conseguia se apresentar: mantendo uma distância mental da audiência. Essa deveria ser a postura de todo dançarino profissional. — Minha nossa! — Laura ouviu uma das primas de Susie exclamar para a outra. — Acabo de encontrar minha outra metade. Você acha que ele sentirá o mesmo quando seus olhos encontrarem os meus no meio dessa multidão? Laura tornou a olhar para Nick. Ele estava começando a ondular o corpo ao som da música. Virou-se de costas e se moveu primeiro para um lado, depois para o outro com gestos essencialmente masculinos. As garotas quase uivaram quando ele, em uma manobra dos quadris, fez uma pose de oferecimento. Uma desconhecida deixou escapar um gemido. Laura sentiu um frio no estômago. Nick era bom no que fazia. Todas as mulheres presentes estavam adorando o show. Agora ele estava erguendo os braços e a camiseta branca saiu de dentro do jeans. Mais gritos. De repente, ele começou a tirá-la e o branco foi sendo substituído por pele bronzeada e pêlos pretos em abundância. — Tira! Tira! Laura precisou respirar fundo. Por mais que se esforçasse não conseguia afastar os olhos daquele homem. — Sou capaz de apostar que ele é tão bom de cama quanto de dançar... — murmurou outra das garotas. O suco de laranja acabou. Laura estava morrendo de calor. Fazia muito tempo que não se interessava por um homem o suficiente para olhar de perto para ele. Ainda mais, quando ele estava tirando a roupa! Bem, como diziam, olhar não tirava pedaço. Ela não estava fazendo nada de mal. Não era como as outras convidadas que já estavam pensando em cama só porque Nick era bonito. Agora ele estava sem a camiseta. Rodava-a sobre a cabeça com a ponta de um dedo. Os ombros e o peito eram tão largos quanto Laura suspeitara ao vê-lo na entrada do shopping. A pele seria tão quente e sedosa quanto parecia? Perplexa com o rumo que seus pensamentos estavam tomando, Laura se obrigou a olhar para cima. Não esperava que no movimento em direção ao teto seus olhos fossem se encontrar com os dele. Menos ainda que ele fosse lhe dar uma piscada! Em um movimento sincronizado todas as cabeças viraram à procura daquela que havia conseguido atrair a atenção daquele deus em forma humana! Laura sentiu o rosto em chamas. Um burburinho se misturou à música. Sussurros desagradáveis a fizeram baixar os olhos, envergonhada. Nick Farrell era desprezível. Ela não havia feito nada para merecer aquele vexame. Seguiu imediatamente para a porta. Não queria mais fazer parte daquele show vulgar. Não conseguiu deixar de ver, contudo, pelo canto dos olhos, quando Nick atirou a camiseta para uma loira no centro da sala. O que havia com ela? Deveria estar satisfeita por ele ter desviado sua atenção para outra. Aquela piscada indecente deveria ter sido um alerta definitivo para que ela fosse embora de uma vez por todas. Na segurança do jardim, Laura respirou fundo para tentar se recompor pela segunda vez aquela noite. Lá dentro, o vozerio alcançou o auge. Não havia dúvida de que Nick estava
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chegando ao final da apresentação. Ao fim da picada, melhor seria dizer. Como alguém podia, como Nick podia ganhar a vida daquela maneira só porque era dono de um belo corpo? Nick havia se agarrado à esperança de que Rob fosse surgir a qualquer minuto para salvá-lo daquela situação. Mas o tempo estava passando e ele estava começando a recear que estava naquela festa por sua própria conta e risco. Sem a camiseta e sem o cinto da calça, não lhe restava mais nada a fazer exceto soltar o botão e descer o zíper. Suas mãos estavam tremendo. Duas garotas chegaram perto dele e lhe sorriram. Uma delas sussurrou: — Não se preocupe em recolher a calça, meu lindo. Eu cuido disso para você. Naquele exato momento, Nick teve certeza de que havia chegado a seu limite. Pela primeira vez estava cogitando fugir a um desafio. Nada no mundo o faria mostrar à noiva de seu melhor amigo como era seu padrinho de casamento sem roupa. Ele parou de dançar e soltou os braços ao longo do corpo. Viu Susie sentada em uma banqueta, observando-o, e lhe fez um movimento negativo com a cabeça. — O show acabou — avisou-a, sem imprimir voz à declaração. Com a mesma forma de comunicação, Susie o fez entender que não lhe dava permissão para parar. Nick sentiu a testa porejar de suor. Por mais que se esforçasse não conseguia se lembrar da cueca que escolhera para vestir aquela noite. Desceu a metade do zíper e descobriu, aliviado, que era a preta de algodão, sem nenhuma transparência. Ok. Ele poderia ir mais um pouco em frente e deixá-las vê-lo de cueca. Nada mais. Nervoso, Nick tirou o jeans. Não estava mais dançando, mas isso não fez nenhuma diferença. As mulheres pareciam estar ainda mais entusiasmadas. Aplaudiam e gritavam freneticamente. Quem estivesse passando pela rua poderia pensar que estava acontecendo uma Olimpíada naquela casa e que ele havia batido um recorde mundial. Susie se dirigiu a ele com um sorriso que se apagaria assim que se aproximasse dele o suficiente para ouvi-lo. Aquilo era tudo. — Não irei além disso — Nick afirmou, de cenho franzido, segurando a calça diante do corpo. — Eu sei — Susie concordou. — Tudo bem? — Sim, claro. Você irá ao meu casamento no sábado e a maioria de minhas convidadas estará na igreja. Precisamos manter o decoro, não acha? Longe de nós arruinar a reputação de um amigo, principalmente quando ele é promotor público. Nick pestanejou. — Quer dizer que foi uma armação? Outra das pegadinhas do Rob? — Por que não fala diretamente com ele? — Susie sugeriu, maliciosa. — Essas mulheres... Elas sabem que não sou um stripper! — Sabem. Espero que não nos leve a mal, Nick. Você foi fantástico. Nick estava se sentindo uma porção de coisas, menos fantástico, ao vestir o jeans. Seu melhor amigo e um bando de mulheres haviam lhe pregado uma peça. Não era a primeira vez que ele levava a pior em uma brincadeira e, certamente,
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não seria a última, mas nenhuma conseguira acabar com seu humor de uma maneira tão absoluta. — Laura Goodman estava a par do que vocês estavam preparando para mim? — Nick quis saber enquanto afivelava o cinto. — Laura? — A que me apanhou no shopping e me trouxe para cá. Aquela vestida como um espanador, de cabelos vermelhos e pernas longas. — Ah, então você reparou nas pernas? — Susie fez um movimento de aprovação com a cabeça. — Laura é a pessoa mais sensacional que conheço. O que mais você reparou nela? Nick não respondeu. Não entendia o porquê de ter mencionado Laura Goodman. Muito menos suas pernas. — Para ser franca, eu não contei a Laura sobre a brincadeira de Rob. Ela não teve nenhuma culpa. A propósito, Laura é minha amiga e será... — Não é preciso explicar mais nada — Nick a interrompeu. — Só quero sair daqui e ir para a festa de seu noivo. Ele não perde por esperar. Mais cedo ou mais tarde eu o pegarei de jeito. — Por favor, Nick, não brigue com ele — Susie implorou, subitamente séria. — Se eu soubesse que você ficaria tão zangado, não teria concordado em participar do plano. Rob me garantiu que vocês vivem aprontando um com o outro, mas que nunca perdem a esportiva. — Susie se colocou na ponta dos pés e deu um beijo no rosto de Nick. — De qualquer modo, obrigada. Você foi demais. Fez de minha festa um sucesso. No jardim, Laura adivinhou que o show havia acabado. A algazarra havia diminuído. Os gritos haviam sido substituídos por assobios e murmúrios de expectativa. Ela iria aproveitar para se despedir de Susie. Tinha certeza de que a amiga entenderia sua pressa quando lhe explicasse sobre o problema que estava enfrentando para substituir o palhaço que costumava trabalhar com ela no hospital. Mas quando tentou entrar, Laura encontrou a porta bloqueada por Nick no processo de vestir uma camiseta. — Oh, é você — disse Laura, sem saber como agir quando o rosto dele apareceu e a camiseta cobriu o peito. — Imagino que esteja precisando de uma carona para sair daqui. — Não — ele recusou. — Vou chamar um táxi. — Fui nomeada sua motorista — Laura lembrou-o e desejou afundar no chão em seguida. Por que estava tão ansiosa pela companhia daquele homem mais uma vez? — Posso contar que serei levado para a festa do noivo desta vez? — Nick perguntou enquanto ajeitava a camiseta dentro do jeans. — Você fará um show de strip-tease para eles também? — Laura não conseguiu disfarçar seu espanto. Ele pareceu demorar um século para responder. — Você realmente tem uma péssima opinião a meu respeito, não? O modo, mais do que as palavras que ele respondeu, a encheu de remorso. Quem ela era, afinal, para julgar os outros? — Sinto muito. O que você faz não diz respeito a mim nem a ninguém.
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Naquele momento, Nick precisou se esforçar para não rir. Laura, em contrapartida, estava certa de que o havia magoado e sua herança genética se pôs a trabalhar em ritmo acelerado para que ela consertasse o erro. De repente, ocorreu a Laura que poderia estar em suas mãos a oportunidade de colocar Nick Farrell no caminho certo. Com um pouco de tato e de paciência, ela poderia elevar-lhe a auto-estima e incentivá-lo a procurar um emprego digno. Um sorriso lhe assomou aos lábios ao mesmo tempo em que uma idéia lhe vinha à mente. — Entre no carro — Laura ordenou e ele, felizmente, obedeceu sem discutir. Antes que chegassem à festa de Rob, Laura já estava com o plano de reabilitação de Nick delineado. — Você tem muito talento para entreter as pessoas — ela iniciou a conversa. — Obrigado — Nick se limitou a dizer. — Já lhe ocorreu a possibilidade de empregar esse talento em outros tipos de apresentações? — Outros tipos? — Nick estranhou. — A que outros tipos de apresentações você está se referindo? — Existem outras maneiras de distrair pessoas. Maneiras mais construtivas. — Laura hesitou. — E você poderia defender seu sustento da mesma forma. Bem, talvez não da mesma forma. Imagino que um stripper ganhe um cachê mais alto, mas... Laura precisou parar em um semáforo e aproveitou para olhar para o homem a seu lado. Ele parecia estar tão desconfortável que ela não conseguiu dizer mais nada. Em vez de incentivar Nick, acabara magoando-o outra vez. A seu lado, Nick escondeu o rosto com as mãos. Alarmada, Laura ouviu-o respirar fundo e em seguida soluçar. Oh, céus. O peito estava se movendo convulsivamente. Laura estava prestes a encostar o carro quando Nick pareceu se acalmar e tornou a olhar para ela. — A que tipo de trabalho você está se referindo? — Tenho um em vista para amanhã de manhã. Estão precisando de um palhaço para substituir o habitual em uma seção de entretenimento na ala pediátrica do hospital onde colaboro como voluntária. Não deu para Laura avaliar a reação de Nick à proposta. O farol mudou e ela precisou prosseguir. — O que você acha? — ela perguntou assim que surgiu uma chance. — De me apresentar em um hospital? Estou sem palavras. — Você daria um ótimo palhaço — Laura afirmou, ansiosa, embora não quisesse deixar transparecer que precisava tanto que Nick assumisse aquela tarefa quanto ele precisava de trabalho. — Não tenho certeza se me sinto bem à idéia. — Você se sentiria gratificado por alegrar a vida daquelas pobres crianças ao menos por uma ou duas horas — Laura insistiu. — Como palhaço? — Você estaria usando seu talento para ajudar o próximo. — Você estará lá? Eles haviam chegado ao Royal Hotel onde estava acontecendo a festa de
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despedida de solteiro de Rob. Laura desligou o carro e olhou para Nick. — Sim. Eu estarei lá para ler histórias para elas. Você só teria de improvisar brincadeiras... como improvisou o show de hoje. Eu arrumaria as roupas e a maquilagem. Diante da hesitação de Nick, Laura tentou uma última cartada. — Vamos, diga sim. Eu o desafio a mais essa tarefa. — Você me desafia? — Sim — Laura declarou. — Você aceita? Laura não esperava que um sorriso tão sexy fosse acompanhar a resposta. Muito menos que ele fosse fazer seu coração bater em alta velocidade. — Ok, eu aceito o desafio se você me der um beijo. CAPÍTULO III Pedir um beijo foi uma tolice, mas as palavras saltaram da boca de Nick antes que ele pudesse colocar um freio em sua libido. Durante quase todo o trajeto para o local da festa de Rob ele fora forçado a reprimir o riso enquanto Laura Goodman se empenhava em salvar a alma dele como uma boa professora de catecismo. Ela nem sequer podia imaginar como estava sexy com aquela fantasia de plumas. Mas mesmo que Laura não tivesse a menor idéia de quem ele era e continuasse a tomá-lo por um dançarino profissional, parecia impossível que uma mulher com aqueles olhos azuis e aqueles cabelos vermelhos magníficos se comportasse como se nenhum homem houvesse lhe pedido um beijo antes. Ela estava completamente chocada! A mensagem em seus olhos não poderia ser mais clara. Laura Goodman não concordaria com um beijo nem sequer se ele fosse o último homem sobre a face da Terra. A princesa não queria beijar o sapo! Talvez fosse melhor assim. Laura Goodman era uma mulher tão séria que poderia se tornar uma ameaça na vida dele. Além disso, sua reação lhe proporcionara a desculpa perfeita para escapar ao desafio sem ter de se estender em complicadas explicações. Ele estendeu a mão para abrir a porta. — Nick? — Posso entender porque me pediu um beijo. Para você é uma troca justa. — Foi sem pensar — Nick tentou corrigir. — Esqueça. — Não! — ela protestou com tanta veemência que o manteve no lugar. E o deixou ainda mais perplexo quando se inclinou para ele. — Quero que aceite o trabalho, portanto vou lhe dar o beijo. Mas com uma condição... Laura parecia não saber como terminar a frase e Nick estava surpreso demais para tentar adivinhá-la. Ao se inclinar ainda mais para ele, Laura o fez sentir novamente aquele delicioso perfume de rosa e de jasmim. Saia desse carro, Nick ordenou-se, mas não conseguiu dar ouvidos à sensatez. Laura Goodman deveria ter se diplomado na arte da sedução. Sua aparente inexperiência, sua autoridade e sua beleza eram uma combinação envolvente e
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explosiva. Nenhuma mulher tivera o poder de excitá-lo tanto e com tão pouco. Estava na ponta da língua de Nick voltar atrás em sua chantagem e dispensá-la do beijo, mas ele simplesmente não conseguia impedir que sua cabeça se movesse e que seus olhos observassem os lábios macios e vermelhos chegarem perto dos dele. Os lábios de Laura o tocaram de leve e se afastaram, mas o calor que subiu pelo corpo dele foi tão intenso que o assustou. — Eu não estava perto o suficiente — Laura se desculpou. — Vou tentar novamente. Sem respirar de expectativa, Nick fechou os olhos. Dessa vez Laura pousou a boca com firmeza nos lábios dele em um beijo doce e suave. Em questão de segundos, porém, a atitude dela mudou. Sua respiração tornou-se rápida e os lábios entreabriram. O que mais ele poderia fazer, homem normal que era, exceto corresponder? Deveria ser um beijo casto. Afinal, Laura se chocava com facilidade. Mas ela estava tão receptiva que foi impossível não evoluírem para um beijo de língua. E, por incrível que pudesse parecer, em vez de protestar, Laura emitiu pequenos sons que ele entendeu como um sinal para continuar. Nick sabia que aquilo era uma loucura, mas as mãos de Laura estavam se movendo com ansiedade pelos ombros dele e seus lábios e sua língua correspondiam a todas as carícias. Aquele não era o momento, portanto, de avaliar se ele havia ou não perdido o juízo. Mas sim de deslizar as mãos por aqueles cabelos deslumbrantes e constatar se eram tão macios quanto pareciam. Eram. Nick não se lembrava de ter gostado tanto de um beijo. Sentia necessidade de abraçar Laura com força, de pressionar aquele corpo lindo ao seu, de afastar aquelas plumas e... Ele afastou as mãos como se as plumas o tivessem queimado. A rispidez do movimento fez com que ambos voltassem à realidade. A realidade de que estavam dentro de um carro diante do hotel onde estavam reunidos um punhado de seus amigos. Eles estavam arfantes. Nick estava constrangido e podia apostar que Laura se encontrava ainda mais. Mas nada o faria se desculpar pelo beijo. Aliás, talvez o melhor fosse não tocar mais naquele assunto. — Bem, eu diria que você venceu o desafio. Em que endereço deverei me apresentar amanhã? Com as faces coradas e os olhos brilhantes, Laura respirou fundo. — Conhece o Hospital Glenwood na entrada da rua Casey? Nick fez que sim. Que Deus o ajudasse! Ele tinha um coração de manteiga. Ou seria uma cabeça de manteiga? Primeiro um show de strip-tease, agora um espetáculo circense. Duas vezes em uma mesma noite ele havia sido coagido a fazer o que não queria, mas como poderia faltar ao compromisso quando a adorável Laura Goodman havia tido a coragem de enfrentar seu desafio em nome de uma enfermaria cheia de crianças doentes? Ele só teria de se apresentar no tribunal às onze horas. Não havia nenhum motivo sério realmente que o impedisse de praticar aquela boa ação.
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— Estarei lá. Obrigado pela carona. Nick saltou e entrou no hotel antes que pudesse mudar de idéia. — Você parece contente — Susie parou de escrever por um momento à chegada de Laura. — Deu tudo certo lá no hospital? Laura não imaginava que sua felicidade fosse tão evidente. — Correu tudo bem — ela admitiu com dificuldade para aparentar indiferença. — As crianças adoraram as brincadeiras. Nick foi brilhante. Ele fez, inclusive, números de magia. Não esperava que um homem que ganha a vida... — Ei, você disse Nick? — Susie a interrompeu. — Sim. Nick Farrell, o sucesso de sua festa ontem à noite — Laura especificou. — Eu o convenci a ampliar seus talentos. Susie pestanejou e gaguejou em uma tentativa de humor. — Você não chama sempre a mesma pessoa para animar as crianças? Laura sorriu. — Não deu para te contar ontem, mas recebi um telefonema de Moe, ontem, avisando que não poderia se apresentar hoje porque apanhou uma gripe. Mas não houve nenhum problema. Nick foi no lugar dele e fez sucesso com a fantasia de palhaço que lhe arrumei. — Ele o quê? — Dessa vez, Susie ficou realmente perplexa. — Você conseguiu que Nick Farrell fizesse as vezes de um palhaço? — Sim — Laura respondeu na defensiva. — Não vejo o porquê de tanta perplexidade. Justo você que o contratou para se despir diante de suas amigas. Eu simplesmente lhe ofereci um serviço de caráter humanitário. Ele fez grande diferença à vida daquelas crianças, ao menos por algumas horas. Susie continuava boquiaberta. — Mas como você o convenceu a fazer esse trabalho? Duas senhoras se aproximaram do balcão naquele instante e Laura aproveitou a oportunidade para se esquivar de responder. Nada no mundo a faria fornecer os detalhes de como eles chegaram a um entendimento. Não que ela acreditasse que o beijo fora o fator determinante para Nick aceitar sua proposta. De qualquer modo, não queria pensar no que acontecera dentro de seu carro. Mas Susie não seria facilmente descartada, Laura percebeu. Na primeira oportunidade que surgiu ela voltou a bombardeá-la com perguntas. — Não consigo acreditar que você tenha persuadido Nick a ir com você ao hospital como palhaço. Para começar, como ele arrumou tempo se nesse horário ele sempre está no tribunal? — No tribunal? — Laura repetiu com um fio de voz. Teria se atirado nos braços de um criminoso? — Ele está respondendo algum processo? — Lógico que não, sua tola. — Susie balançou a cabeça. — Oh, céus, você não pensou que ele era realmente um stripper, pensou? — Claro que pensei! Ele tirou a roupa diante de uma porção de mulheres! Vários pares de olhos pousaram sobre as duas. Algumas pessoas pediram silêncio, outras deram risadinhas significativas. Laura se encolheu. — Desculpe Laura, acho que eu deveria ter explicado a você. Não o fiz porque
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temi que você não fosse aceitar o encargo. — Susie se inclinou para Laura e lhe deu uma rápida mas completa explicação sobre quem Nick Farrell era e o que o forçara a fazer na noite anterior. — Promotor público! — Laura exclamou, agoniada. — Você me deixou passar a noite em claro tentando encontrar uma forma de salvar aquele homem da imoralidade de seu trabalho e ele desempenha a função de defensor da lei e da justiça? Laura quase deixou escapar um grito de protesto. Fizera um papel de tola com T maiúsculo e Nick Farrell se divertira à custa dela. Em pagamento à apresentação ela lhe dera vinte e quatro dólares aquela manhã quando o cachê normal era de dezoito. E ele havia se comportado como se ela realmente estivesse lhe fazendo um grande favor. O miserável! Na certa, ele deveria embolsar mil dólares por dia! Quando conseguiu voltar ao presente, Laura percebeu que Susie não havia parado de falar e que estava comentando, naquele momento, sobre o charme e a beleza do amigo de seu noivo. — Ele não é meu tipo — Laura resmungou. E não era verdade? Nick Farrell era um exibicionista e um farsante. — Pena! — Susie exclamou com um sorriso carregado de malícia. — Por que diz isso? — Laura franziu o rosto. — Porque vocês tornarão a se encontrar no sábado. — Não me diga que ele irá ao casamento? — Não só irá como será o padrinho de Rob. Ou seja, ele ficará a seu lado no altar, minha cara. Laura deveria ter ficado ainda mais vermelha, se possível. Aquilo não podia estar acontecendo! Para canalizar as energias que ameaçavam explodir, ela se virou para uma pilha enorme de livros e colocou-a no carrinho, toda de uma vez, para devolver os volumes às prateleiras. Como ela faria para encarar Nick Farrell? Conhecê-lo fora o início de uma série de equívocos. Se pudesse, não tornaria a vê-lo pelo resto de seus dias. Primeiro ela lhe fez um sermão moralista, depois se atirou nos braços dele como se fosse uma ninfomaníaca e naquela manhã lhe pagou para fingir que era um palhaço. Quisesse ou não, era preciso ter calma. Não havia saída. — Nick será o padrinho? Tudo bem. Nós mal teremos de olhar um para o outro. Estarei ocupada com a cauda de seu vestido, com o véu e com o buquê. — Veremos — Susie murmurou e beliscou a bochecha de Laura. — Duvido que esteja tudo bem e que Nick não seja seu tipo. Por que, então, você estaria mais vermelha do que um pimentão? Tudo que dizia respeito ao casamento deveria ser proposital para abalar os nervos do homem, Nick decidiu ao se colocar ao lado de Rob no sábado seguinte. O aluguel de smokings e de fraques, os acordes do órgão, os olhos lacrimejantes dos parentes nos primeiros bancos e o silêncio do restante da congregação. A cerimônia nada tinha a ver com a folia da festa acontecida algumas noites antes. Rob esfregava as mãos a todo instante e consultava o relógio de pulso. — Você trouxe as alianças? — ele perguntou, subitamente. — Que alianças? Rob empalideceu.
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— Eu as dei a você ontem à noite. Lembra? — Tem certeza? — Nick bateu no bolso do paletó e verificou os bolsos da calça. — Oh, meu Deus! — Rob olhou para Nick e depois levou as mãos à cabeça. — Não acredito. Isso não pode estar acontecendo. No instante seguinte, Nick tirou um estojo do bolso do outro lado do paletó. — São essas as alianças? Os dois se entreolharam em silêncio. Os lábios de Nick curvaram em um sorriso. Rob estreitou os olhos e acabou sorrindo também. — Eu tinha certeza que você daria um jeito de me dar o troco. O padre os chamou naquele momento para avisar que a noiva havia chegado. Mal ele acabou de falar, o organista começou a tocar a Marcha Nupcial, de Mendelssohn. Rob se virou imediatamente para a entrada da igreja. Nick imitou-o. Gostaria de não estar tão emocionado. Não havia com o que se preocupar. Seu amigo estava no sétimo céu. Em poucos instantes ele faria da mulher por quem estava completamente apaixonado sua esposa. Ele deveria estar se preocupando consigo próprio. Porque, de repente, seus olhos haviam se afastado da noiva, emoldurada pelas flores que enfeitavam a igreja, para se fixarem em uma ruiva vestida de azul. Em Laura Goodman. E ele sentiu algo estranho no peito que o impediu de respirar. Por um segundo ou dois, parecia haver somente uma pessoa na igreja. Ela. As plumas haviam desaparecido. Ela estava usando um vestido fino e esvoaçante em delicado tom de azul. Nick endireitou os ombros e piscou várias vezes para ter certeza de que não estava sonhando. De que aquela cena não fazia parte da noite anterior. Laura continuava caminhando pela nave central, com passos lentos, carregando um buquê de botões de rosas. Seus cabelos incríveis estavam presos de cada um dos lados da cabeça por pequenos buquês, mas a partir deles, as mechas caíam em ondas sobre os ombros alvos e perfeitos. No pescoço, ela usava um colar de pérolas. Laura Goodman parecia uma princesa de contos de fada! Seu rosto refletia emoção e suavidade. Ela olhava para frente, o tempo todo. Não lhe dirigiu o olhar nem sequer uma vez. Para grande alívio dele! No altar, Laura se colocou ao lado de Susie. Ela se comportava como se eles mal se conhecessem. Céus, eles mal se conheciam! No entanto, apesar do breve e vexatório encontro, eles haviam se beijado com uma paixão que o colocara em órbita. Não havia exagero. O beijo de Laura fora mais quente do que uma noite de verão. Mais doce do que uma manhã primaveril. Mais sensual do que qualquer outro que ele recebera. Sair daquele carro fora o maior sacrifício de sua vida. Por causa daquele beijo, os sonhos das últimas noites poderiam ser considerados proibidos para menores. Mas o porquê daquele encontro surpreendente permaneceria como um dos vários mistérios sem solução do novo milênio. O padre já estava dando início à cerimônia quando Nick voltou a si. Ele estava feliz pelos noivos. Desejava-lhes felicidade. Não tivera sorte com o próprio
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casamento. Mas isso era a última coisa que Nick queria pensar naquele dia. Laura achava que tinha ido bem. Se continuasse a manter distância mental de Nick Farrell chegaria ao fim da cerimônia com orgulho de si mesma. Tentou se concentrar em Susie. Ela estava maravilhosa com aquele vestido de cetim branco e véu longo. Rob também estava lindo. E feliz. Nunca vira um noivo mais ansioso. O amor de Susie e de Rob parecia envolver todos os presentes em uma atmosfera de paz e de alegria. Laura viu Nick, é claro. Mas cada vez que seus olhos teimavam em procurá-lo, obrigava-se a se concentrar nas músicas, nas flores da decoração e nos noivos. Tudo foi bem até que o padre os declarasse casados. Ela parou de respirar quando Nick se posicionou de forma a lhe oferecer o braço. Mais uma vez, Laura se obrigou a se portar com serenidade. Permitiu que Nick a segurasse pela mão, embora continuasse com os olhos voltados para as outras pessoas, distribuindo sorrisos. — Boa tarde, Laura. Ela não podia ceder à tentação de retribuir o cumprimento. Se olhasse para ele acabaria corando e se traindo! Resolveu responder com um aceno de cabeça. Faltavam poucos passos, enfim, para saírem da igreja. Laura não via a hora de poder se afastar e se misturar aos convidados. Mas antes que chegassem à porta, duas meninas se puseram a acenar para eles com grande entusiasmo. Pareciam irmãs, embora não fossem exatamente parecidas. Mas estavam usando vestidos idênticos. Verde escuro com renda ao redor do decote e dos punhos. Laura sorriu e elas sorriram ainda mais. Foi uma surpresa descobrir que era para Nick que estavam olhando com tanta adoração. — Elas não são lindas? E tão simpáticas! — Laura observou, fascinada, quando notou que Nick também estava sorrindo para as meninas. — Sou obrigado a concordar com você — Nick concordou com um sorriso espontâneo de que Laura não o sabia capaz. E antes que ela pudesse se recuperar da surpresa, a menina menor se levantou do banco e correu em direção a eles. — Papai! Papai? Laura pestanejou. Ela havia trocado beijos ardentes com um homem casado? Não, não podia ser! Não outra vez! CAPÍTULO IV Nick percebeu o modo assustado como Laura olhou para ele e para as filhas. A caçula, que ele pegou no colo, era sua versão feminina: cabelos pretos, olhos cinzentos e o mesmo nariz. — Esta é Fliss, minha filha número dois — Nick apresentou. — Meu nome verdadeiro é Felicity — a menina explicou com cuidado para não errar a pronúncia. Uma sombra fez os olhos azuis escurecerem. Ele não saberia dizer que tipo de emoção estava vendo dentro deles. — E esta é Kate. — Nick deu um beijo na filha mais velha que era loira e clara
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como a mãe. Laura custou a retribuir o sorriso tímido de Kate. Mal conseguiu o feito, foi levada a apertar a mão da senhora que acompanhava as garotas. — Minha sogra, Heather Cunnington. — Como vai? — Eu a conheço, da biblioteca — a sogra de Nick declarou. — As meninas fizeram questão de assistir ao casamento — Nick explicou. — Mas elas não irão à recepção. Ficarão com Heather esta noite. Laura se limitou a sorrir, mas as filhas dele não estavam dispostas a ficar em silêncio. — Adorei seu vestido — disse Kate com o tom de voz admirado de quem se sentia diante de uma atriz de cinema. No colo do pai, Felicity não primou pela discrição. — Gostei desta moça, papai. Ela é bonita. Vocês também irão casar? Antes que Nick pudesse tentar colocar um fim naquela situação constrangedora, ele precisou dar assistência a Laura que de um momento para outro pareceu incapaz de permanecer de pé. — Você está pálida. Por que não se senta um pouco? Laura negou com um movimento de cabeça. Nick ficou sem ação. O que Laura deveria estar pensando a seu respeito? Provavelmente estava chocada com o destino daquelas pobres crianças cuja mãe não estava por perto, e que dependiam de um pai stripper. Ele precisava elucidar a situação sem perda de tempo. Era sempre rápido e preciso quando se apresentava no tribunal. O problema era sua falta de coragem quando precisava falar sobre Miranda. Subitamente ele viu lágrimas nos olhos azuis e os lábios tremerem. Sentiu vontade de chorar naquele momento. Oito anos antes ele havia se casado tão jovem e apaixonado como estava Rob e pela primeira vez naqueles oito anos ele estava confuso por causa de outra mulher. Para conter a emoção, Nick esfregou a ponta do nariz no nariz de Felicity. — Papai, você escutou? Eu tive uma ótima idéia. Você podia casar com essa moça bonita. — Não hoje, Fliss. — Ele endereçou a Laura um olhar de desculpa. — Hoje só o Rob e a Susie podem casar. — Você cativou minhas netas à primeira vista, Laura — Heather Cunnington disse com um sorriso forçado. Sua sogra estava certa, Nick pensou. Felicity deixara bem clara sua posição e Kate olhava para Laura como se ela fosse uma deusa. Ele nunca vira a filha mais velha tão impressionada com alguém. Por causa do vestido que Laura estava usando, provavelmente. Ele deveria ser o sonho de todas as meninas. Se Kate tivesse conhecido Laura de avental, com os cabelos presos em um coque, na biblioteca onde trabalhava, ela não teria prestado tanta atenção. E Felicity não teria feito comentários tão embaraçosos. As meninas se recusaram a ir embora quando Nick sugeriu que estava ficando tarde, mas concordaram de imediato quando Laura prometeu que lhes mandaria o buquê pelo pai. Assim que as filhas se despediram depois de darem um beijo em Laura, ela se
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virou para Nick. Naquele momento, não era mais surpresa que seus olhos continham, mas um protesto. — Não posso acreditar que aquelas meninas sejam suas filhas! — Mas são. — Elas mereciam um pai mais responsável. — Olhe, posso não ser o melhor pai do mundo, mas responsabilidade não me falta. — O que falta é senso de moral. — Senso de moral? — Você pode não ser um stripper, mas... — Laura hesitou e respirou fundo. — Pare de fingir que não sabe do que eu estou falando. Nick olhou ao redor e sentiu alívio ao constatar que a atenção estava focada nos noivos, não neles. — Não é fingimento. Estou falando sério. Não estou entendendo porque você está brava comigo. — Você me desafiou a beijá-lo. — Isso é ser imoral? Por causa de um simples beijo? — Não foi um simples beijo — Laura retrucou. — Um beijo no rosto é simples. Qualquer outro tipo de beijo deveria ser reservado a sua esposa. Os olhos azuis estavam frios como gelo. Nick decidiu cortar o mal pela raiz. — Minha esposa morreu. Laura vacilou. Sua mão estava trêmula ao tocar os lábios. — Oh, Nick. Eu sinto muito. Você é tão jovem. Não me ocorreu... — Aconteceu há muito tempo. Fliss ainda era bebê. Havia compaixão e remorso, agora, nos olhos de Laura. Nick não queria isso. Vira aquela mesma expressão sentimental nos olhos de todas as mulheres que estiveram à frente dele nos últimos anos quando descobriam seu estado civil. Mas ele não queria outra mulher e as filhas não precisavam de outra mãe. Ele, Felicity e Kate estavam bem sozinhos. Eles se bastavam. Laura foi invadida por uma desagradável sensação de tontura quando se reuniu a Susie e Rob para tirarem fotos na frente da igreja. Sua impressão era de que acabara de descer de uma montanha-russa. Sua primeira reação ao descobrir que Nick era pai foi sentir as pernas amolecerem e se lembrar do romance que teve com Oliver e que havia acabado cinco anos antes, quando chegou ao conhecimento dela que ele tinha uma esposa e filhos. A carga de decepção foi tão grande que Laura adoeceu. Como fora tola! Acreditara que Oliver estivesse tão apaixonado por ela quanto ela por ele. Sonhara que poderiam se casar um dia. Porque ela acreditava no amor e no casamento. O golpe foi tão grande que Laura nunca mais se sentiu atraída por um homem. Até conhecer Nick. Nick despertou seu interesse mesmo antes de saber que ele não era um stripper. E o modo como tratou as crianças no hospital a deixou enternecida. De repente, ele lhe apresentava aquelas meninas adoráveis como suas filhas. Não. Ela não podia estar apaixonada. Não em apenas dois dias e um único beijo. O que estava acontecendo, simplesmente, era que não conseguia parar de pensar
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em Nick. A presença de Nick a distraía tanto que não conseguia se concentrar em nada do que fazia. Tinha uma vaga noção de ter posado para as fotos do álbum, de ter saboreado todos os pratos que foram servidos ao jantar, de ter ouvido os discursos e participado dos brindes. Susie se colocou ao lado de Laura na primeira oportunidade que surgiu. — Espero que Nick não queira dar o troco por causa da brincadeira que Rob fez com ele. — Ele seria capaz diante de todos os convidados? Tanto Susie quanto Laura descobririam que sim. Nick era esperto e inteligente e sabia usar de uma sutil malícia. Rob, é claro, acabou corado até as orelhas! Quem seria o verdadeiro Nick?, Laura pensou. O pai dedicado, o brilhante promotor público ou o piadista ousado? — Vamos dançar? A voz máscula a despertou do transe e a trouxe de volta à recepção. A valsa dos noivos já havia terminado e os casais começavam a invadir a pista. Era de esperar que os padrinhos dançassem ao menos uma vez. Laura se levantou e acompanhou Nick por entre as mesas. A mão em suas costas lhe provocava arrepios. Até que chegassem à pista e se colocassem nos braços um do outro, ela tinha dificuldade para respirar de tão forte que seu coração batia. — Estava contando os minutos para dançar com você. Laura não respondeu. Estava preocupada que Nick pudesse notar que ela estava tremendo. Os pensamentos haviam lhe fugido ao controle. Sua mente estava de volta à festa de despedida de solteira de Susie quando Nick dançara para as convidadas com o torso nu. Aquela pele, aquele calor, todo aquele corpo agora estava ao alcance dela... Aos acordes da música, o peito largo pressionou-lhe os seios e a coxa musculosa deslizou por entre suas pernas. A impressão de Laura foi a de ter se transformado em uma bomba-relógio, ou então, em um vulcão prestes a entrar em erupção. Quando a música terminou sem que Nick a soltasse, Laura agradeceu mentalmente. Porque não se responsabilizaria pela firmeza de suas pernas. — O que acha de tomarmos um pouco de ar? — ele propôs. — Não creio que darão por nossa falta se sairmos apenas por alguns minutos. Incapaz de falar, Laura concordou com um gesto de cabeça. Mas mesmo que sua voz estivesse normal, ela não teria como responder com sinceridade. Porque não estava nem um pouco preocupada com a possibilidade de as pessoas virem a reparar em sua ausência. Mal podia esperar para que Nick a beijasse outra vez e isso só poderia acontecer quando eles se afastassem daquela multidão. Portas de vidro separavam o salão de festas do terraço. A vista do rio era esplêndida. Nick a conduziu até o extremo do terraço onde a luminosidade era menor. Laura fechou os olhos para melhor sentir o frescor da brisa. Depois, ainda sem condições de encará-lo, ela se apoiou na balaustrada e ficou olhando para a ponte sobre o rio e para as luzes refletidas na água. — Assim está melhor — Laura o ouviu murmurar a seu lado e se virou atraída demais por ele para fingir desinteresse. Nick estava fitando-a. Seu olhar ardente parecia avisá-la de que um novo beijo estava por acontecer. Também podia ser que Nick tivesse lido a mensagem nos
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olhos dela de que um beijo era tudo o que ela queria naquele momento. Porque sem dizer nada, ele a abraçou com ímpeto. Não foi um beijo rápido nem possessivo. Nick saboreou seus lábios bem devagar com movimentos suaves e ao mesmo tempo sensuais. Laura sabia que estava sendo beijada por um homem experiente. Porque a delicadeza era acompanhada por insistente pressão. Quase como se Nick estivesse lhe fazendo amor com a boca. Pouco a pouco, Nick a fez entreabrir os lábios. Ela sentiu um prazer imenso. Nunca em sua vida fora beijada por um homem que sabia exatamente como pedir e como conseguir o que queria. Nick não invadiu apenas sua boca. Seu calor invadiu-lhe também os sentidos. Ela correspondeu com paixão, sem se importar que estivesse revelando a ele suas mais íntimas emoções. Quando o beijo terminou, Laura abriu lentamente os olhos e fitou-o. Mas em vez de ganhar um sorriso, viu-o franzir a testa, como se algo o tivesse perturbado. Essa desconfiança tornou-se certeza quando Nick recuou um passo e colocou as mãos nos bolsos. Como se, de repente, tivesse feito frio, Laura cruzou os braços para se proteger. — Algum problema? — Eu não tinha intenção de beijá-la desse jeito. — Você tinha intenção de me beijar de que jeito? — Laura estranhou. — Essa é a questão. Eu não tinha nenhuma intenção de beijá-la. Laura precisou respirar fundo antes de continuar. — Você costuma planejar essas coisas? — Oh, sim — Nick respondeu. — Sempre. — Isso não parece muito romântico, não acha? — Talvez não — Nick concordou. — Mas um homem em minha posição não pode se permitir arroubos. Laura tornou olhar a distância. A filosofia de Nick lhe parecia triste. Ela planejava sua agenda de trabalho. Ela planejava o que iria comprar no supermercado para a semana. Ela planejava o que iria escrever para a avó na carta seguinte. Mas nunca planejava um romance. Por não ter o que planejar nesse aspecto? Provavelmente. Fazia cinco anos que romance não fazia parte de sua vida. — Como costuma planejar seu próximo beijo? — Laura quis saber, para se arrepender no mesmo instante por sua tola curiosidade. — Eu recorro a dois itens de excepcional utilidade: a lista telefônica e minha agenda de telefones. Que pergunta! Um homem como Nick, lindo, viril, bem-sucedido e viúvo! Lógico que não faltavam mulheres dispostas a sair com ele. — Quer dizer que nunca há lugar em sua vida para a espontaneidade? — Laura perguntou sem conseguir disfarçar a decepção. Nick passou uma das mãos pelos cabelos. — O que estou tentando lhe dizer, Laura, é que não quero que você tenha uma idéia errada do que houve. Você é uma mulher linda e por demais desejável, mas... A pausa teve o efeito de um choque no coração de Laura. Poucos minutos antes,
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ela havia recebido um beijo tão maravilhoso que chegara a esquecer o próprio nome. Depois, tivera sua feminilidade e sua sensualidade elogiadas. Que mulher não se sentiria nas nuvens quando um homem bonito e charmoso lhe proporcionava esse tipo de experiência? Principalmente depois de ter sofrido um trauma amoroso? Um mas, naquele instante, não era bem-vindo. Na verdade, era algo odioso... — Mas eu não acho que seria prudente repetirmos um beijo como esse. Laura sentiu os músculos se transformarem em pedra. Como Nick podia beijá-la como nenhum homem a beijara e em seguida dizer que fora um erro? — Por que não seria prudente? — Laura retrucou com a voz deliberadamente fria. Ao menos ela sentiu a satisfação de vê-lo constrangido. Nick olhou para o céu e pareceu ficar estudando as estrelas durante vários segundos até tornar a fitá-la. — A questão, moça bonita, é que um terceiro beijo poderia significar... Olhe, Laura, eu não estou procurando um amor. Para conter o súbito pânico que ameaçou tomá-la, Laura engoliu em seco. — Quem é que falou em amor? Nick estreitou os olhos. — Pelo pouco que conheci você, sei que não é o tipo de mulher que vai para a cama com um homem sem estar apaixonada. E sem sentir que é correspondida. Furiosa, mais do que zangada consigo mesma, Laura virou-se para que Nick não pudesse ler seus olhos. Porque Nick Farrell, o brilhante advogado, estava três passos a sua frente. — O fato de eu ter deixado que você me beijasse não... — O modo como você me beijou me disse tudo. — Foi apenas um beijo! — Laura tentou protestar. — Não, Laura. Um beijo nunca é apenas um beijo. Ele tem uma linguagem própria. — A expressão de Nick tornou-se séria. — Corrija-me se estou enganado, mas sua atitude me leva a crer que não é adepta do sexo casual. Laura fechou os olhos para não ter de olhar para Nick ao admitir que ele havia adivinhado a verdade. — Você está certo. Eu não sou desse tipo. — Entende, agora, porque não formamos um bom par? Nick se deteve por um instante antes de dar o golpe fatal. — Não estou a fim de um relacionamento sério. — Convenhamos que não é um quadro ideal para suas filhas vê-lo desfilando com uma sucessão de amantes. — Isso é problema meu — Nick retrucou. — Mas posso lhe garantir que sou discreto. Discrição, planejamento. Nick poderia ser um homem bem-sucedido em sua carreira e um pai exemplar, mas na vida amorosa ele mais parecia um robô. — Eu só me apaixonei uma vez na vida. — Por sua esposa? — Laura perguntou, embora já soubesse a resposta pela dor contida naquela confissão. — Ela se chamava Miranda. Nunca me recuperei da perda. Não quero amar mais ninguém tão completamente. Laura sentiu um frio intenso envolvê-la. Nick ainda sofria pela perda irreparável. Agora estava tudo claro. Ele não suportaria expor seu coração ao risco de outro sofrimento.
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Por um momento, ela se sentiu tentada a contar a Nick que ele não era a única pessoa a ter amado e perdido seu amor. Mas sua intuição lhe disse que não valeria a pena. Não ainda. — Sinto muito por sua dor — Laura murmurou. — E obrigada por ter sido franco comigo. — Ela se forçou a ser valente e dar um sorriso. — Não sei de onde tirou a noção de que eu queria que você se apaixonasse por mim, mas concordo com sua idéia de que a verdade é o melhor caminho. Fique tranqüilo. Eu não espero nada de você. Agora, se me dá licença, preciso ir ter com Susie. Ela deve estar precisando da madrinha para ajudá-la a trocar de roupa.
CAPÍTULO V Na terça-feira seguinte, a secretária de Nick estava em horário de almoço, quando ele chegou ao escritório após uma sessão prolongada no tribunal e o telefone começou a tocar com insistência. Era Diane Forrest, a professora de Felicity. Nick empalideceu diante da identificação. Quatro anos antes, um telefonema como aquele o havia informado que sua esposa havia sofrido um acidente e que estava sendo socorrida. — Aconteceu alguma coisa com ela? — Nick indagou com uma calma que estava longe de sentir. — Nada daquilo que o senhor está pensando. Apenas tenho estranhado o comportamento de sua filha. O alívio o fez suspirar. — Ela tem apresentado dificuldades na aprendizagem? — Oh, não. Não se trata disso. Felicity é uma menina muito esperta e inteligente. Mas eu noto que algo a está incomodando ultimamente. Nick ouviu a professora pigarrear do outro lado. — Espero que não me leve a mal por dizer isto, Sr. Farrell, mas Felicity parece bastante preocupada com seus planos de tornar a casar. — O quê? — Nick perguntou, atônito. — Isso é impossível! — Pode parecer impossível para o senhor, mas houve um incidente esta manhã que leva a crer o contrário. — A razão por eu estar afirmando que isso é impossível é que eu não tenho planos de tornar a me casar. Não sei o que aconteceu que a fez tirar essa conclusão, mas posso lhe garantir que não há nenhum casamento em vista. E que eu nunca nem sequer mencionei essa possibilidade em casa. — Nick emudeceu à lembrança da sugestão da filha para que ele se casasse com Laura, quando a conheceu no casamento de Rob e Susie. — Sobre o incidente desta manhã. O que foi que aconteceu exatamente? — Nós estávamos conversando em classe sobre o que cada uma das crianças fez no fim de semana e Felicity se mostrou entusiasmada como há muito não se mostrava. Ela se levantou e se dirigiu a todos com a notícia de que o pai iria se casar com uma moça bonita. Parecia alegre e feliz no início. — Parecia? — Nick franziu o rosto — Quando deixou de parecer? — Bem, o senhor sabe como são as crianças. De repente, a classe inteira se pôs a lhe fazer perguntas sobre a nova mãe. Qual sua idade, como ela era, se sabia
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fazer bolo de chocolate, esse tipo de coisa. Assim que notei que Felicity estava ficando perturbada, pedi que parassem com as perguntas e ela se pôs a chorar. Ao telefone, Nick fechou os olhos com força. Entendia o porquê de sua filha ter começado a chorar. Ela havia caído em si sobre o que estava fazendo e sentiu-se culpada por ter contado uma mentira perante uma platéia. O que Nick não entendia era a razão para as filhas terem mergulhado de uma hora para outra nessa história de casamento. Fazia dias que elas vinham desfilando ao redor da casa, em momentos alternados, com um mosquiteiro sobre a cabeça e carregando o buquê que Laura lhes dera de presente. — Ocorreu-me — a professora continuou — que poderia haver dúvidas na cabeça da menina sobre ela querer ou não uma nova mãe, mas se o senhor afirma que não há ninguém e que não pretende tornar a casar, acredito que estamos lidando com um outro tipo de problema. — É o que parece, Sra. Forrest — Nick concordou com um suspiro. — Obrigado por ligar. Eu já entendi a situação. Nós assistimos a um casamento no sábado e Felicity deu asas à imaginação. Garanto que depois da conversa que teremos esta noite, ela não a preocupará mais. — Oh, Felicity nunca me deu preocupações... — Folgo em saber, mas peço que, por favor, me avise caso perceba novamente algo de estranho em suas atitudes. — Certamente. Tenha uma boa-tarde, Sr. Farrell. — Boa tarde e obrigado mais uma vez. — Nick estava prestes a desligar quando a curiosidade o deteve. — Só mais um detalhe. — Pois não? — A respeito da moça. Felicity, por acaso, a descreveu? — Oh, sim. Ela foi bem específica. Felicity realmente tem muita imaginação. Ela contou que a nova mãe tem lindos cabelos ruivos, que sorri com os olhos mais azuis que ela já viu e que os vestidos dela são longos e esvoaçantes como os das fadas. As outras crianças ficaram impressionadas. — Obrigado — Nick agradeceu, mais sério do que nunca. — Era o que eu precisava saber. Nick desligou, mas não conseguiu sair do lugar. O que, afinal, estava se passando na cabeça de sua filha? Fora um erro permitir que Heather as levasse ao casamento de Rob. Ele daria tudo para voltar no tempo e impedir que elas com-parecessem. — Meninas adoram casamentos — Heather havia insistido e ele não pensou em se opor. Respeitava a sogra e costumava seguir suas orientações porque ela realmente conhecia a fundo as necessidades e as preferências das crianças, em especial das netas. Se isso não bastasse, suas filhas eram grandes fãs de Rob. Verdade fosse dita, Rob era como um tio para elas. No entanto, no dia do casamento, ele não pôde deixar de notar que as meninas mal olharam para ele e para Susie. Um olhar para a madrinha e elas se puseram a construir castelos de areia. E ele, se fosse honesto consigo mesmo, admitiria que a mesma ruiva, dona daqueles castelos, também lhe virará a cabeça. De que outra forma, afinal, poderia explicar aquele segundo beijo que trocaram no terraço? Com outro suspiro, Nick se afundou na cadeira e ficou olhando para o teto. Após
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um longo tempo, endireitou o corpo e puxou uma folha de papel de cima da mesa. Ela continha anotações que não seriam mais necessárias. Amassou-a e atirou-a no cesto. Errou. Não deveria ter saído da cama aquele dia, Nick resmungou consigo mesmo. Enfrentara, aquela manhã, um dos casos mais complicados de sua carreira. Ele sabia, desde o começo, que o acusado era culpado, mas tivera uma dificuldade enorme para conseguir incriminá-lo. Quando ele poderia imaginar que, ao chegar em casa, teria de travar uma batalha ainda mais penosa? Porque ao contrário do que acontecera com os jurados, ele duvidava que iria conseguir convencer suas filhas a esquecer Laura Goodman. Laura percebeu uma movimentação na mesa ao lado, mas manteve seus olhos firmemente voltados para a tela do computador. Todas as quartas-feiras ela trabalhava até mais tarde para atualizar os arquivos e teria conseguido também aquela noite se Heather, a sogra de Nick Farrell, não a tivesse procurado. — Oh, olá. — Desculpe interrompê-la, Laura, mas trouxe minhas netas para escolherem alguns livros. Como não estou a par dos lançamentos, você poderia sugerir alguns? Laura olhou por cima do ombro de Heather e viu Kate e Felicity, de uniforme, junto à seção de livros infantis, olhando em direção a ela. Seu coração pareceu dar um salto. Tanto que estava tentando não pensar em Nick... Laura salvou o trabalho que já havia efetuado, deu um sorriso e se levantou. — Vejamos o que poderemos encontrar. — Preciso lhe dizer algo, Laura, antes de nos aproximarmos das meninas. Elas estão deixando o pai de cabelos brancos por sua causa. O coração de Laura bateu ainda mais forte. — O que aconteceu? — Aconteceu que aquele buquê de noiva que você mandou a elas fez com que passassem a pensar em casamento vinte e quatro horas por dia. — Heather contou em detalhes o caso de Felicity que a professora passou a Nick por telefone. — E ontem à tarde — Heather continuou —, Kate separou suas economias e pediu que eu a levasse à cabeleireira para tingir os cabelos de vermelho. — Oh, céus! — Nick teve de passar boa parte da noite de ontem tentando convencê-la a desistir da idéia porque cabelos loiros também são bonitos. — Claro que sim! — Laura exclamou e olhou para a menina que, cansada de esperar, lia um livro de sua própria escolha. — Quando eu era da idade de Kate a escola inteira caçoava da cor de meus cabelos. Eu teria dado tudo por uma cor menos chamativa. Heather suspirou. — Ela sempre gostou da cor de seus cabelos porque eram iguais aos da mãe. Kate é a imagem viva de Miranda. Então Miranda era magra, tinha doces olhos castanhos e cabelos lisos e loiros, Laura pensou. O que não importava, uma vez que a idéia que Nick Farrell fazia de sua aparência era irrelevante. Ele não poderia ter sido mais claro a esse respeito. Aborrecida com a situação, Laura não conseguiu fingir.
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— Se estou causando problemas entre Nick e suas filhas, por que a senhora as trouxe aqui? — Porque elas me imploraram — a velha senhora confessou após um momento de evidente desconforto. — Mas eu acho que teria vindo de qualquer forma para poder avisá-la. — Para me avisar? — Sim. Para que não perca seu tempo sonhando com um futuro com Nick. Os olhos de Laura brilharam de raiva. — Não sou mais uma jovem, Sra. Cunningham. Não fico me entregando a fantasias românticas. Tenho mais o que fazer. — Você não seria a primeira a fazer planos sobre um homem viúvo, especialmente se ele é bonito e bem-sucedido como Nick. Para não correr o risco de ofender a mulher, Laura optou pelo silêncio. E por ir direto ao assunto, em seguida. — Que tipo de leitura a senhora quer que eu indique às garotas? Heather Cunningham suspirou. — Contos de fadas não me parecem indicados. Creio que será preferível separar alguns sobre animais ou sobre viagens. Laura tentou não dar demasiada importância aos sorrisos que as filhas de Nick lhe deram quando passou perto delas para separar os livros. — Oi, Laura. — Felicity sorriu ainda mais. — Você poderia me arrumar um livro que conte de onde vêm os bebês? No final da tarde de quinta-feira a secretária de Nick avisou-o que havia um homem ao telefone que pedia para lhe falar com urgência, mas que se recusava a se identificar. — Coloque-o na linha — Nick solicitou. Estava especialmente cansado aquele dia e o que mais queria era ir para casa e tomar um banho. — Estou falando com o Dr. Farrell, o famoso promotor público? Nick hesitou ao ouvir a voz debochada. Por um instante ele havia pensado que a pessoa do outro lado da linha fosse Rob, seu velho amigo, pronto para lhe passar um trote. Só depois lhe ocorreu que a essa altura Rob estava em plena lua-de-mel em uma ilha paradisíaca e que a última coisa que lhe ocorreria seria pregar peças em amigos. — Sim. Quem está falando, por favor? — Quem eu sou não importa. O importante é o que tenho para dizer. Ocorreu a Nick interromper a ligação, mas a pessoa do outro lado poderia ser um informante que pretendia permanecer anônimo e ele não poderia perder a chance de receber uma colaboração que o ajudasse a fazer justiça. — Muito bem. Diga. Estou ouvindo. — Se está saboreando o gosto da vitória no caso Stokes, trate de aproveitar enquanto está durando. — Stokes? — Nick estreitou os olhos. — O que houve? — Warren Stokes era o sujeito que ele havia acabado de condenar, a grande custo, por tráfico de drogas. Agora, quem lhe falava, só poderia ser o irmão dele que o ameaçara à saída do tribunal. — Quem é você? O que quer? — Só quero informá-lo de que não descansarei enquanto não o fizer pagar caro por sua perseguição. Você e sua família já estão sob minha mira.
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Um suor frio cobriu a testa de Nick. — Não se atreva a me ameaçar ou a minha família... Antes que Nick pudesse terminar a linha foi cortada. Por fim o sábado chegou! A uma hora, Laura começou a fechar a biblioteca para ir para casa. Fazia pouco mais de uma semana que conhecera Nick Farrell. Mais algumas e ele seria apenas uma lembrança. Era o que ela esperava. As manhãs de sábado costumavam ser movimentadas e aquela fora especialmente agitada. A cabeça de Laura estava latejando. Susie ainda não havia voltado de viagem e sua substituta tivera de sair mais cedo para levar os filhos a uma competição esportiva. Ao desligar as luzes e apanhar a bolsa, contudo, Laura pensou ter ouvido um som abafado. Aguçou os ouvidos e tentou espiar por entre as prateleiras de uma estante próxima. Com as luzes apagadas ficava difícil enxergar, mas Laura tinha quase certeza de que havia alguém quase junto ao chão. Ficou atenta. Cerca de vinte segundos depois, ela notou um movimento. A figura não apenas se mexeu, mas cresceu. — Quem está aí? — Laura perguntou. Ela tornou a ouvir um som abafado. — Saia daí! — Laura ordenou, sem sair do lugar. Se fosse um assalto ao menos ela teria alguma chance de correr para a porta. De repente, a figura se tornou dupla. Eram duas formas e pequenas. Elas se moveram por trás das fileiras de livros. Laura adivinhou quem elas eram antes de vê-las. — Kate e Felicity! Um par de olhos castanhos e outro de olhos cinzentos a fitaram com timidez. — O que vocês estão fazendo aqui? — Laura pestanejou. — Vieram sozinhas? As duas concordaram com um gesto de cabeça. — Por que se esconderam? — Estávamos esperando até que você ficasse desocupada — Kate explicou. — Como fizeram para chegar até aqui? — Aturdida, Laura não conseguia parar de interrogá-las. — Pegamos o ônibus — disse Felicity com orgulho. — O ônibus? — Foi fácil — Felicity continuou, entusiasmada com a aventura. — Nós fomos até o ponto e esperamos pelo ônibus com a placa de Glenwood. Demos um dólar cada uma pela passagem e pedimos que o motorista nos avisasse quando descer. — O pai de vocês sabe que estão aqui? A alegria de Felicity pareceu evaporar ao olhar para a irmã mais velha. — Não — Kate respondeu, cabisbaixa. — Nós não contamos ao papai. Ele não deixaria... — Mas, meninas, se ele já deu pela falta de vocês, deve estar louco de preocupação. Onde ele estava quando vocês saíram? — No jardim de trás da casa, consertando o sistema de irrigação. — E sua avó? Ela está sabendo? Laura ficou boquiaberta ao ver as meninas moverem a cabeça em sentido
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negativo. Ao que tudo indicava, Kate e Felicity haviam fugido de casa para irem ao encontro dela. — Por que vocês vieram? — Laura passou uma das mãos pelos cabelos e deu um suspiro. Elas se entreolharam. A pergunta deveria ter sido difícil demais porque nenhuma das duas conseguiu responder. — Vocês querem retirar mais livros? — Laura indagou embora já soubesse que não se tratava disso. — Não, obrigada — Kate respondeu. Felicity mordeu o lábio. — Nós queríamos visitá-la. A bondade inerente a Laura a fez se abaixar para falar com as meninas de igual para igual. — Queridas, eu adorei vê-las. — Laura segurou as mãos das crianças. — Mas seu pai deve estar morrendo de aflição com o desaparecimento de vocês. Kate fez que sim e Laura tornou a se levantar. — Acho que vou ligar para ele e avisá-lo de que vocês estão bem. Laura se dirigiu ao telefone e as meninas a seguiram. — Qual é o número? Enquanto digitava, Laura torceu para não ter de falar com o próprio Nick. A última coisa que desejava era ser a responsável por lhe transmitir aquele tipo de notícia. Rezou por inspiração sobre o que dizer quando ouviu o telefone dar o primeiro sinal de chamada. Mas foi a secretária eletrônica que atendeu e Laura não teve alternativa exceto deixar um recado. — O pobre deve estar vasculhando a cidade inteira atrás de vocês — Laura censurou-as. — Precisam voltar imediatamente para casa. As duas concordaram. — O que acham de eu acompanhá-las ao ponto de ônibus? — Não temos dinheiro. Acabamos de gastar nossas últimas moedas. Laura olhou para Kate com ar de acusação. A menina tinha apenas sete anos de idade, mas francamente! — Kate, se você é grande o suficiente para trazer sua irmã nessa pequena aventura, já deveria saber que nunca podemos sair de casa com o dinheiro suficiente apenas para a passagem de ida. Duas grossas lágrimas deslizaram pelo rosto da criança. Laura respirou fundo. Oh, céus. O que ela estava pensando? Não tinha escolha. Não podia simplesmente colocar as filhas de Nick dentro de um ônibus e lavar as mãos. Teria de levá-las até em casa. A idéia de ter de enfrentar a fera em sua própria toca aumentou sua dor de cabeça. — Não se preocupem, está bem? — Laura deu um rápido sorriso. — Vou levá-las de carro. As duas só faltaram dar pulos de alegria. Laura se esforçou por ignorar suas suspeitas de que aquelas duas estavam tramando alguma coisa. Durante o trajeto, Kate e Felicity não pararam de falar nem sequer por um instante. As duas pareciam empenhadas em lhe contar as particularidades do pai. Como se ela quisesse saber! — Vocês não precisam me contar seus segredos nem me informar sobre os
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costumes de seu pai — Laura tentou protestar. Mas elas não fizeram conta. — O prato favorito de papai é truta com salada tailandesa — Kate contou. — Ele gosta de ouvir música de adultos — Felicity continuou. — Principalmente de orquestras. — Ele sempre toma seu café puro e sem açúcar. Laura procurou mudar de assunto, mas não adiantou. Depois de darem respostas breves e desinteressadas sobre os livros da biblioteca que a avó havia retirado para elas, contaram que o pai nadava todos os dias para se manter em forma. — Ele cozinha para nós de vez em quando. Prepara riachos como ninguém. — E ele faz milkshakes de morango com morangos frescos. Uma delícia! O relato durou todo o tempo do trajeto. Por mais que Laura tentasse não se envolver, ela acabou pensando ainda mais em Nick. Viu-se ao lado dele ouvindo música clássica à noite. Ela adorava música clássica. Viu-o na cozinha, rindo com as filhas, jantando riachos com queijo fundido. Ela adorava comida mexicana. Podia visualizá-lo saltando na piscina, apenas de sunga. Ela adorava... — Falem-me mais sobre vocês — Laura sugeriu. — Nós passamos todos os Natais com o vovô e com a vovó Farrell — Kate contou. — Eles moram em uma fazenda e têm uma porção de amigos — Felicity acrescentou. — E seu pai também possui muitos amigos? — Laura perguntou antes que pudesse refrear a curiosidade. O silêncio tornou-se pesado e Laura, ainda mais arrependida por seu impulso, tentou desanuviar o ambiente. — Sinto muito. Eu não deveria ter feito essa pergunta. Vocês não precisam responder. — Não. Está tudo bem — disse Kate em seguida. — Na verdade, papai não tem amigos. — Ele é muito só — completou Felicity. —Ele precisa da companhia de uma boa mulher — Kate declarou com a solenidade de um palestrista. Laura tentou brincar. ' — Ei, de onde vocês tiraram essa idéia? — Todo mundo diz isso — contou a pequena. Todo mundo menos o homem em questão, Laura pensou. — Meninas, meninas! Vocês não estão tentando bancarem as casamenteiras, estão? Dois pares de olhos pousaram em Laura com estudada inocência. — O que é bancar a casamenteira? — Kate se adiantou. — Deixem para lá. — A dor de cabeça estava ainda pior, se possível. Elas estavam se aproximando da casa. Laura diminuiu a velocidade e parou no número indicado. Deveria ter imaginado que a casa de Nick Farrell seria grande e luxuosa. A construção belíssima era realçada ainda mais pelo jardim. — Acho que papai não está — Kate anunciou.
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Laura verificou a garagem e constatou que estava vazia. — Vocês têm chave para entrarem? No mesmo instante, Kate tirou um chaveiro de prata do bolso da blusa. — Entre conosco. Vou lhe preparar um refresco — Kate ofereceu com ares de dona da casa. O hall era amplo e dava para uma sala aconchegante com vidro do chão ao teto e um cenário que lembrava uma floresta tropical. A mobília se restringia ao necessário, mas era de muito bom gosto e de aparência cara. O lugar refletia paz e tranqüilidade. Não se ouvia ruídos, apenas cantos de passarinhos. — Por que não se senta enquanto preparamos o refresco? — Kate se pôs a rir, subitamente, e ela e Felicity se afastaram, aos pulos, em direção à cozinha. Laura recostou-se no sofá e fechou os olhos. Os músculos dos ombros e das costas estavam tensos. Não era de admirar que estivesse com dor de cabeça. Antes que pudesse relaxar, as meninas voltaram com uma jarra de suco e três copos em uma bandeja. O suco deveria ser de cereja ou framboesa a julgar pela cor. Laura esperava que dois comprimidos tomados com o suco resolvessem o problema. Havia quase de tudo em sua bolsa: lenços de papel, pó compacto, batom, pente, grampos de cabelo e chaves. O envelope com os comprimidos, como não poderia deixar de ser, foi o último item a ser encontrado. E Laura estava erguendo a cabeça para pegar o copo quando sentiu o impacto que a desnorteou. As meninas gritaram, mas não houve tempo. Laura não sabia se sua cabeça havia batido na bandeja ou se havia acontecido o contrário. A sensação de frio e de molhado veio a seguir conforme o refresco escorria por seus cabelos, pela nuca e pela blusa. — Oh, eu sinto muito! — Kate se desculpou. Por sorte, os copos eram inquebráveis porque os três foram para o chão. — Sua blusa! — exclamou Felicity. Laura franziu o rosto ao ver sua linda blusa branca manchada de vermelho. A cabeça estava explodindo. As meninas não paravam de falar e de se desculpar. — Não tem importância — Laura tentou tranqüilizá-las. — Você precisa tomar um banho — Kate sugeriu. — Não é preciso. Basta vocês me arrumarem um pano para eu limpar a blusa. — Mas você quer que o papai a veja desse jeito? — Felicity apontou para a blusa suja e transparente por estar molhada. Laura mordeu o lábio ao perceber que dava para adivinhar até mesmo o padrão da renda do sutiã. — Acho que vou aceitar a sugestão. Preciso realmente dar um jeito nessa roupa. — Além disso, seus cabelos estão grudentos — Felicity avisou. Convencida a acompanhar Kate e Felicity até o banheiro, Laura tomou os dois comprimidos de uma só vez. Desejaria tomar um copo d'água por cima do refresco, de tão melado que estava, mas não teve coragem para decepcionar as meninas. O banheiro era bonito e espaçoso com piso terracota e paredes azulejadas. Atrás da porta havia um cabide com uma velha camisa de Nick. Ela imaginou que ele a usava quando cuidava do jardim. Do lado da pia, Laura encontrou um cesto com a roupa a ser lavada. Havia uma
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cueca no chão. Nick deveria ter errado o alvo, Laura deduziu e se apressou a olhar em outra direção. Uma toalha branca e aveludada estava pendurada no local apropriado. Nick deveria ter saído do banho havia pouco tempo porque ela ainda estava úmida. Laura balançou a cabeça para afastar a imagem de Nick. A presença dele ainda era forte no ambiente. Ela quase podia vê-lo ali, completamente nu. — Posso pegar uma dessas toalhas? — Laura indicou a porta aberta do armário. Kate escolheu a mais bonita e entregou a Laura antes de deixá-la à vontade. Laura se colocou sob a ducha para que a água quente levasse consigo a dor e a tensão. A sensação de que estava sendo manipulada por duas garotinhas era incômoda. Não podia ser, podia? Sua imaginação andava trabalhando demais. Afinal por que Kate tramaria para que ela tivesse de tomar um banho no banheiro de Nick, com o mesmo sabonete que ele havia usado pouco antes? Oh, céus!, Laura censurou-se. Precisava parar de pensar em Nick e se concentrar no que iria dizer a ele. Porque nunca era fácil enfrentar quem perdia o controle de preocupação. Alguns minutos depois, Laura estava fechando o registro quando ouviu a voz alterada de Nick. O leão havia retornado à toca! Precisava se enxugar e se vestir depressa para poder explicar a ele. Mas ainda estava na metade do processo quando a porta do banheiro foi aberta por um Nick branco como uma folha de papel. — Kate? Felicity? Onde vocês estão? — ele gritou. O som de passos no corredor o fez largar a porta e desistir de entrar naquele local.
— Papai!
Sem lembrar de seu estado, Laura saiu do banheiro.
Nick precisava se encostar à parede devido ao choque. Mas a recuperação foi rápida e ele se abaixou para abraçar as filhas.
Os olhos de Laura se encheram de lágrimas diante da comovente cena. Mas a ternura de Nick foi de curta duração. Em seguida ele se virou para ela e seu olhar se tornou implacável.
— Pode me explicar o que está acontecendo por aqui?
CAPÍTULO VI Nick precisou se lembrar de relaxar os punhos. Suas mãos estavam tão fechadas que chegavam a doer. Graças a Deus suas filhas estavam ilesas. A ruiva responsável por suas noites insones, no entanto, parecia estar de volta não apenas a sua vida, mas em seu banheiro! E estava completamente nua a não ser por uma toalha. — O que andou fazendo com minhas filhas? — Não é o que parece — Laura se apressou a se defender. — Eu não invadi sua casa nem seu banheiro. — Não? — Nick ironizou. Primeiro plumas, agora uma toalha. O que havia com Laura? Ela passava seus
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dias tentando impressioná-lo? E conseguindo? Porque Laura estava ainda mais irresistível com a pele úmida e perfumada do banho e seus cabelos estavam mais vermelhos ainda! — Se me der um minuto para que eu me vista, explicarei tudo. — Quero saber tudo agora. — Papai, por favor, não brigue com ela — Kate implorou, mas Nick não lhe deu ouvidos. — Vão para o quarto! Preciso conversar com a Srta. Goodman e não quero ser interrompido! — Mas, papai, ela não teve culpa — clamou Felicity. Claro que ele tinha de brigar com Laura e de culpá-la. Comera o pão que o diabo amassou aquela manhã. Após a ameaça por telefone, o que mais ele poderia ter pensado quando passou três horas de angústia e desespero à procura das filhas que pareciam ter desaparecido no ar? — O que estão esperando? — Nick insistiu. — Eu não mandei que fossem para o quarto? — Mas, papai, ela não tem o que vestir — Kate avisou. — Não tenho? Onde estão minhas roupas? — Laura quis saber. — Eu as coloquei na máquina de lavar — Kate informou, solícita. — Nós derramamos refresco de cereja na blusa dela — Felicity explicou. — Sem querer — Kate acrescentou com um ar de falsa inocência que deixou Nick ainda mais perturbado. Aquela situação estava se tornando mais insustentável a cada minuto. — Espero que tenha uma boa explicação para me dar — ele tornou a ameaçar Laura. Apesar de zangada, Laura conseguiu demonstrar inteira calma. — É assim que trabalha um promotor público? Berra acusações primeiro e pergunta depois? O tom de voz diminuiu consideravelmente. — Não estou berrando. — Estava sim, senhor. E antes de me acusar de um crime, talvez deva considerar as evidências. — As evidências? — Nick esbravejou. — Comece a anotar. Primeiro, você não foi convidada para vir a minha casa. Segundo, usou meu banheiro e ficou com minhas filhas durante três horas enquanto eu corria a cidade, louco de preocupação. Não preciso de mais evidências. Laura deu um suspiro tão forte que fez voar uma mecha de seus cabelos que havia caído no rosto. Nick precisou olhar para o outro lado porque o gesto lhe pareceu pura sensualidade. — Faça o que seu pai está pedindo, Kate — Laura disse por fim —, e leve Felicity com você. Eu explicarei a ele o que houve. Nick ficou ainda mais zangado ao descobrir que Laura tinha mais autoridade do que ele sobre as filhas. — Espero que a explicação seja boa e rápida — Nick esbravejou. — Não posso acreditar que esteja nesse estado só porque suas filhas estavam comigo — Laura desabafou após um instante. — Não sou uma criminosa, Nick. Não sou nem sequer uma estranha. Caso tenha se esquecido, fui madrinha no
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casamento de seu melhor amigo há uma semana. Suas filhas estavam perfeitamente seguras comigo. — Laura respirou fundo. — Elas pegaram um ônibus até a biblioteca e eu não poderia permitir que voltassem sozinhas, por isso as trouxe de volta em meu carro. — Elas foram à biblioteca? Por quê? — Realmente não sei o porquê. Elas disseram que queriam me ver. Nick resmungou. Ele achava que as filhas haviam conseguido superar aquela obsessão por Laura e por casamento. Fazia duas noites que elas não tocavam naquele assunto. — Por que não pergunta diretamente a elas? — Laura sugeriu. — E o que farei — Nick declarou. — Por que não acaba de se enxugar enquanto eu falo com elas? Laura indicou a camisa pendurada atrás da porta. — Posso usá-la? Nick fez que sim e Laura fechou a porta do banheiro antes que ele tivesse chance de se afastar pelo corredor. Passados dois minutos, ele tornou a voltar. Laura abriu a porta antes que Nick batesse. Ele ficou sem fôlego ao vê-la apenas com uma toalha amarrada ao redor da cintura como um sarongue. — O que as meninas disseram? — O mesmo que você — Nick admitiu, relutante. — Nesse caso, não acha que me deve uma desculpa? — Você está certa — Nick tornou a admitir. — Peço desculpas. Enquanto falava, Nick acabou cedendo à tentação de tocar uma mecha dos cabelos de Laura. — O que você está fazendo? — ela perguntou com um fio de voz. — Pedindo desculpas. — Você já pediu — Laura murmurou. Nick afastou a mão, obviamente aborrecido consigo mesmo. Laura não pôde conter um suspiro. — Quero deixar bem claro que não estou atrás de você, se foi por isso que quis me acusar. Nick se limitou a fazer um movimento negativo com a cabeça. — Não precisa se preocupar sobre eu não ter entendido seu recado — Laura prosseguiu. — Não estou tentando me intrometer em sua vida. Sei muito bem que você cometeu um erro quando me beijou. Nick respirou fundo. Teria sido um erro? De repente, ele não estava conseguindo mais se lembrar do porquê desse julgamento. Estar diante de Laura quando ela estava praticamente sem roupa não lhe permitia raciocinar com clareza. A raiva poderia ter esfriado, mas seu corpo estava aquecendo de maneira perigosa. — Não estou interessada em você — Laura declarou. — Se dependesse de mim, nunca mais nos veríamos. Nick sabia que uma resposta deveria ser dada, mas ele não conseguiu fazer nada além de encolher os ombros e continuar em direção ao hall. Às costas dele, Laura não havia parado de falar. — Se você quer que eu seja sincera, não lhe dou a mínima. Ocorreu a Nick, naquele momento, que Laura estava sendo veemente demais em seus protestos e isso lhe serviu de alívio. Porque o forçava a se concentrar no que
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estava realmente acontecendo. Nenhum dos dois podia se permitir arroubos de atração. Laura não era do tipo com quem um homem podia se divertir e ele não estava disponível para se tornar o homem dos sonhos dela. Essa era a razão por Laura ter ficado tão zangada quando ele a tocou. — Que tal um café enquanto esperamos que a máquina termine de lavar sua roupa? — Esqueça o café — Laura resmungou. — Eu engasgaria com ele provavelmente. — Se não se importa, farei um para mim. — Fique à vontade. O telefone tocou. Laura estava perto e estendeu a mão automaticamente para atender. Nick tomou-o como que movido por um pressentimento. A voz que ele ouviu do outro lado da linha confirmou seus piores receios. — E um prazer tornar a lhe falar, Sr. Farrell. Está lembrado de mim, é claro. — Sei o que pretende, Stokes — Nick respondeu —, e não funcionará comigo. Vá ameaçar outro ou fale comigo cara a cara. — Não seja melodramático — o homem caçoou. — Não quando passei uma tarde tão agradável observando sua querida sogra. Gostaria de saber o que ela está fazendo neste instante? O estômago de Nick deu uma reviravolta. — Você está seguindo minha sogra? Deus do céu! Por quê? — Ela cuida de suas filhas todos os dias depois do colégio, não? Os olhos assustados de Nick se encontraram com os olhos preocupados de Laura. Ele se sentiu tão mal que precisou se apoiar na pia. — Neste momento, a Sra. Cunningham está podando as roseiras do jardim. Terei muita satisfação em ver as rosas de perto na semana que vem quando voltarei aqui para levar suas filhas para darem uma volta de carro comigo. — O que está fazendo não ajudará seu irmão — Nick esbravejou e não pôde continuar porque um estalido interrompeu a ligação. Nick bateu o telefone com raiva. Seu coração batia mais forte ainda e seu corpo todo estava tremendo. Ele se sentou e afundou a cabeça nas mãos. — Nick? Ele levou um minuto para reagir. — Tenho recebido ameaças por parte do familiar de um criminoso que condenei na semana passada; — Que tipo de ameaças? — Ele está ameaçando sequestrar minhas filhas e minha sogra. — Isso é terrível! — Laura murmurou, pálida. — O que pretende fazer? — Vou recorrer novamente à polícia, embora ninguém possa fazer nada contra simples ameaças. — Mas o tal homem já está vigiando sua família! Nick engoliu em seco. — Acho que a melhor medida seria eu tirá-las daqui por algum tempo. — E a longo prazo? — Não adiantaria — Nick admitiu, cabisbaixo. — De que eu realmente preciso é de um lugar seguro para escondê-las. O sujeito conhece nossa rotina. Ele sabe que elas vão para a casa de Heather todos os dias após as aulas. Pensei em mandá-las para a casa de meus pais, em Atherton Table-land, mas meu pai precisa se internar por alguns dias para realizar uns exames e minha mãe irá
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acompanhá-lo. Laura assentiu em silêncio. — Rob e Susie voltarão amanhã da lua-de-mel. — Já pensou? Em vez de carregar a esposa pela soleira da porta, Rob encontraria duas crianças a sua espera? — Bem, não creio que seja a melhor opção, mas tenho certeza de que Rob e Susie não se recusariam a ajudá-lo. Nick olhou para Laura quando o silêncio se prolongou. Ela estava profundamente compenetrada. — Não queria que você se preocupasse... — Não é de admirar que você tivesse ficado fora de si esta manhã quando suas filhas desapareceram. — Aquele sujeito realmente me assustou. Ele conseguiu o que queria: levar-me ao pânico. Não creio que se atreva a cumprir suas ameaças, mas não estou disposto a correr o risco. Naquele instante, Laura encarou Nick. — Ele não deve saber nada a meu respeito, não é? — Não, você pode ficar tranqüila. — Nick reconheceu um brilho determinado no olhar de Laura que o fez franzir o cenho. — O que você está pensando? De repente, Nick se lembrou da boa samaritana que o levara a se apresentar como um palhaço para um grupo de crianças em um hospital. — Não é em sua segurança que está pensando, certo? — Certo. — Oh, não! Nem sequer comece a falar o que está pensando... Laura deu um sorriso. — De que adianta ser bom em teoria quando não colocamos nosso amor ao próximo em prática? — O que lhe ocorreu? — Nick quis saber apesar dos protestos. — Ocorreu-me levar as meninas para minha casa. — Mas, Laura... — Amanhã é domingo e tenho folga às segundas-feiras. Serão dois dias a mais para a polícia tentar encontrar o responsável pelas ameaças. A serenidade de Laura o impressionou. — Mas você não tem filhos. Tem alguma idéia sobre como cuidar de duas garotinhas? Elas dão um bocado de trabalho. — Estou acostumada a lidar com crianças. — Laura cruzou os braços para reforçar sua autoridade. — Além disso, eu também já fui uma garotinha. Nick forçou um sorriso, mas logo tornou a franzir a testa. Ele mal conhecia Laura. Meia hora antes estivera a ponto de expulsá-la de sua casa. — Não seria direito colocar tanta responsabilidade sobre seus ombros — Nick resolveu dizer. — A decisão é sua, Nick. E pegar ou largar, mas fique certo de que eu não teria oferecido ajuda se não fosse de coração... Nick olhou para Laura e procurou ignorar a toalha amarrada ao redor daqueles belos quadris. A verdade era que o oferecimento de Laura significava uma solução mais do que satisfatória para seu dilema. — Kate e Felicity estão correndo perigo — Laura insistiu. — Minha casa não é
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muito grande, mas eu tenho um quarto de hóspedes com duas camas e a rua onde moro é tranqüila. Minha casa, aliás, tem acesso por duas ruas: uma na frente e a outra nos fundos. O fato de gostarmos umas das outras resolverá o problema de adaptação, com toda certeza. Nick fez uma rápida lista mental das outras alternativas. Seus colegas advogados? Fora de cogitação. As esposas deles assim como as colegas de trabalho não teriam tempo para Kate e para Felicity. Quanto as outras mulheres que ele conhecia... Pior ainda! Elas poderiam interpretar as intenções dele como uma chance de casamento no futuro. Algo estava lhe dizendo que Laura Goodman era sua opção mais segura. — Posso compreender que você prefira deixar suas filhas com alguém que conheça melhor — Laura admitiu. — Mas minhas filhas confiam em você, Laura — Nick retrucou. — Elas não teriam medo de ir para sua casa. — Nick esfregou a nuca para aliviar a tensão. — Só precisamos pensar em uma desculpa convincente. Se fosse sincero consigo mesmo, Nick admitiria que suas filhas seguiriam com Laura de bom grado quer eles dessem ou não dessem uma desculpa. — Além disso, existe um outro problema... Kate e Felicity estão com umas idéias bobas a nosso respeito. Nos últimos dias elas.... — Estiveram tentando nos colocar no caminho um do outro. Eu notei, Nick. — Com você também? — Oh, sim. Elas deram um jeito para que eu soubesse qual é sua comida favorita, qual sua preferência musical e me contaram que você nada todos os dias para manter a forma. Ah, e me contaram também que você se sente só e que precisa de uma companheira. — Elas disseram tudo isso? — Nick indagou, boquiaberto. — Disseram — Laura confirmou com um sorriso. — Mas eu não acreditei. — Nem sequer na parte sobre eu ter de malhar para manter a forma? Laura não respondeu. Sua mente estava ocupada demais com outro pensamento. — Olhe, Nick, eu só levarei as meninas para minha casa se ficar bem claro para você que estou apenas querendo ajudá-los e não tentando ganhar sua afeição. — Claro. — Não conseguiremos, provavelmente, impedir que suas filhas se entreguem a fantasias a nosso respeito, mas entre nós não deverá pairar nenhuma dúvida. — Eu concordo. Aos poucos, nós dois faremos com que parem com essas idéias absurdas. — Nick balançou a cabeça. — Foi um erro deixar que fossem ao casamento de Rob e de Susie. — Se você decidir deixá-las comigo, farei tudo que puder para mostrar a elas que somos apenas amigos. — Obrigado — Nick agradeceu, aliviado. — Imagino que queira ver suas filhas nesse período. — Sem dúvida. — Poderia ser à noite. — Laura anotou o endereço. — Para despistar, não vá direto e não pare na frente da casa. Entre pela porta do fundo. — Certo — Nick respondeu. Mas não era certo. Ir todas as noites à casa de Laura seria a repetição do sonho que o acompanhara aquela semana inteira.
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CAPÍTULO VII Na segunda-feira pela manhã, Rob retornou ao trabalho. Nick surpreendeu-o parado à porta de sua sala, com uma xícara de café na mão e um sorriso nos lábios. — Como vai, parceiro? Posso dizer que nunca o vi mais abatido nem mais radiante? — Nick caçoou. O sorriso de Rob aumentou. — Não estou me sentindo nem um pouco cansado, amigo. Para ser franco, a vida de casado não é tão ruim quanto dizem por aí. Rob se sentou na cadeira em frente à mesa de Nick. — As coisas não parecem estar mal para você tampouco. Susie me contou que suas filhas se mudaram para a casa de Laura Goodman. Nesse passo, você baterá meu recorde e de Susie que resolvemos nos casar praticamente à primeira vista. — Não é o que parece — Nick se apressou a explicar. —Conte outra história — Rob retrucou. — Laura é espetacular. Confesso, entretanto, que fiquei surpreso com a simplicidade com que tudo aconteceu. — De que você está falando? — Nick franziu a testa. — Você não costuma ser tão previsível. Padrinho e madrinha de um casamento resolvem testar a experiência consigo mesmos? Nick olhou para o amigo com ar de quem ouvira o maior absurdo. — Use a cabeça, Rob. Você está falando de Laura Goodman, a mulher que poderia ser comparada a Pollyanna ou a Florence Nightingale. Ela só está empenhada em fazer mais uma de suas boas ações. — Chame como quiser — Rob respondeu com um sorriso de malícia. — Está falando com a pessoa errada, meu caro — Nick tentou desconversar mas entendia o ceticismo de Rob. Qualquer homem que olhasse para Laura, e que não a conhecesse, pensaria imediatamente em ter um caso com ela. Aqueles cabelos de fogo, aqueles olhos incríveis e aquelas curvas de virar a cabeça. Era difícil acreditar que dentro daquele corpo houvesse tanta inocência e seriedade. Ou não? Ele passara o fim de semana inteiro refletindo sobre Laura. Ela era como um enigma a ser decifrado. O caso do beijo era um exemplo. Laura se portava como se nunca tivesse sido beijada, mas ao receber o beijo dele, provara saber exatamente o que fazer. Pensamentos como esse vinham atormentando Nick com freqüência cada vez maior. Ele não queria nem sequer imaginar o que poderia ter acontecido se não tivesse decidido falar a Laura sobre Miranda. — Não está querendo me dizer que o príncipe encantado foi desprezado, está? — Rob insistiu. — O que eu estou querendo dizer, mas você se recusa a escutar, é que está perdendo seu tempo comigo, Rob. O amigo se recostou na cadeira e continuou a falar. — O problema, Nick, é que você não está acostumado com mulheres difíceis de conquistar porque a maioria delas sempre se atirou a seus pés. Mas vale a pena
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lutar. As que dizem não, são as melhores. O segredo é se abrir com elas e esperar para ver o que acontece. Nick encolheu os ombros. — Trate-a com respeito, mas não se esqueça de que as mulheres gostam de homens que ainda conservam traços dos tempos das cavernas. Após um longo suspiro, Nick decidiu que estava na hora de colocar um fim na inútil seqüência de conselhos. — Agora, ouça-me você, Rob. Tenho recebido telefonemas ameaçando a segurança de minhas filhas. E por essa razão que elas foram para a causa de Laura. O sorriso de Rob desapareceu instantaneamente. — Elas aceitaram a idéia sem contestação? — Eu disse que teria de estudar um processo difícil e que a avó estaria trabalhando em uma instituição de caridade nos próximos dias. Elas não se importaram. Para elas, Laura é o máximo. Satisfeito com a explicação, Rob não tornou a mencionar Laura. Aliviado, Nick aproveitou para trocar idéias sobre as estratégias que a polícia e ele estavam seguindo para tentar deter o responsável. O telefone tocou assim que Laura colocou as meninas para dormir. — Fiquei preso em uma reunião — Nick se desculpou. — Kate e Fliss ainda estão acordadas? — Acabei de colocá-las na cama. Sinto muito, mas elas pegaram no sono quase de imediato. Só precisei contar uma história. Ontem, foram três. — Elas estavam excitadas ontem à noite quando as levei para aí. — Sim, e ficaram desapontadas por você não ter vindo vê-las esta noite. — Foi uma pena realmente. — Nick fez uma pausa. — Como foi o dia de vocês? — Fizemos biscoitos pela manhã e roupinhas para as bonecas à tarde. — Laura esperou que Nick dissesse alguma coisa. — Nick? — Eu estava pensando que elas devem ter se divertido fazendo essas coisas de menina. Comigo é muito diferente. — Seria estranho se fosse o contrário, não acha? Tenho certeza de que elas gostam das brincadeiras que fazem com você. Além disso, você deixa que participem do preparo das refeições, quando pode fazê-las. Isso é um fator positivo na harmonia do lar. — Quando Miranda se foi precisei me inscrever em um curso de culinária. Não sabia fazer nada além de ferver água. A cena de Nick em uma cozinha com as filhas, pela primeira vez sem a esposa, provocou um nó na garganta de Laura. — Nick, as ameaças pararam? — Por enquanto — Nick informou com um movimento de ombros. — O sujeito certamente adivinhou que a polícia está rastreando minhas chamadas. — Acha que ele pode ter desistido? — Eu não teria tanta certeza. Mas, apesar do risco, minhas filhas deverão voltar para o colégio amanhã. Você precisa ir trabalhar e elas precisam retornar à rotina. Eu avisei as professoras e a diretora. O pessoal da escola prometeu vigilância extra. — Isso é bom. Eu as deixarei no colégio pela manhã e irei buscá-las à tarde.
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Posso perfeitamente hospedá-las por algum tempo. — Obrigado, Laura. Não sei como agradecer por tudo que tem feito por nós. — Está ligando do trabalho? — Laura quis mudar de assunto. Não podia se iludir com aquele tom de voz subitamente carinhoso. Porque dizia respeito apenas às filhas dele. — Sim. Estou de saída. Por quê? — Ainda é cedo. Se quiser passar por aqui e dar uma espiada em suas filhas, fique à vontade. — Eu gostaria muito. Ao desligar, Laura questionou seu impulso de convidar Nick para vir a sua casa sem que as meninas estivessem acordadas para distraí-lo. Esperava que ele não fosse confundir esse gesto com uma armadilha. Quinze minutos depois, a campainha soou e Nick subiu direto para o quarto onde encontrou as filhas profundamente adormecidas conforme Laura lhe avisara. Uma onda de ternura o invadiu ao ver suas pequenas. Apenas dois dias haviam transcorrido e ele estava morrendo de saudade. Fliss estava abraçada a seu velho e inseparável urso, sir Joseph, com sua elegante casaca azul. Kate não se separava e sua boneca preferida, a princesa Tina, sempre vestida de cor-de-rosa. O quarto era pequeno, com duas camas e um pequeno armário brancos. O carpete azul realçava a atmosfera de tranqüilidade. Tudo muito simples e limpo. A brisa que vinha do jardim fazia tremular a cortina branca com finas listras azuis. Pela janela redonda que ficava entre as duas camas, Nick avistou um pinheiro e a estrela da noite brilhando no céu. Por alguma razão, a sensação que ele teve foi a de ter entrado em um conto de fadas. Não era de admirar que suas filhas estivessem felizes ali. — Elas parecem estar se sentindo em casa — Nick murmurou, emocionado. Os olhos de Laura brilharam quando ela sorriu e fechou a porta antes de conduzi-lo pelo corredor em direção à sala e lhe fazer um sinal para que se acomodasse. — Você jantou? — Sim, obrigado. Fizemos um pequeno lanche durante a reunião. — Toma um café? Ou talvez um chá? — Café, obrigado. Laura deixou-o antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa. Não que ele fosse dizer. Apesar de ser sua segunda visita à casa de Laura, Nick continuava se sentindo pouco à vontade. Ao olhar ao redor, Nick percebeu que Laura gostava de objetos antigos e de tapetes artesanais. Sobre uma mesinha redonda lateral havia uma coleção de enfeites em porcelana azul e branca e vasos de cobre com plantas exuberantes estavam colocados próximos à janela. Prateleiras com livros adornavam cada uma das paredes. Ocorreu a Nick que revistas de decoração publicariam fotos do interior da casa de Laura se a descobrissem. Tudo ali era diferente da casa dele. E mais aconchegante. Seria por causa do toque feminino? Uma incômoda insegurança o invadiu naquele instante. Suas filhas estariam sentindo falta da atenção de uma mulher? De algo de vital importância que ele nunca poderia lhes dar por maior que fosse o amor que lhes dedicava?
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Esses pensamentos ainda estavam atormentando Nick quando Laura voltou para a sala com uma bandeja. — Kate e Felicity estão se comportando bem? — Nick quis saber enquanto tomavam o café. — Muito bem — Laura afirmou com um sorriso que fez surgirem covinhas em suas faces. — Elas não estão me dando nenhum trabalho. Sinceramente, estou gostando de tê-las aqui comigo. Apenas você deveria ter me prevenido para aumentar meu repertório de histórias para a hora de dormir. — Histórias de princesas, você quer dizer. — Como adivinhou? — Kate sempre pede histórias de princesas. — Você conta? Nick deu um sorriso. — Do meu jeito. Ela precisa se contentar com princesas que se perdem no espaço ou que são capazes de escalar montanhas nevadas. — Esta noite ela ouviu uma história sobre uma princesa que mora em um castelo e que adora tudo cor-de-rosa. — E quanto ao fim da história? — Não creio que você esteja interessado em ouvir. — Por que não? Eu poderia aprender alguma coisa. Não sou muito bom em compreender o funcionamento da mente feminina. Laura hesitou por um momento, mas fez o que Nick pedia. — Essa princesa mandou decorar o castelo em tons de rosa. O carpete é rosa, as cortinas são rosas, as paredes também. — Até a comida? — Oh, sim, é claro — Laura concordou, rindo. — Não pode faltar gelatina e refrescos dessa cor à mesa. Ah, nem presunto cozido! Nick fez um gesto positivo com a cabeça. Após ouvir histórias de princesas que sempre se perdiam em florestas e que arriscavam o pescoço, suas filhas deveriam ter adorado ouvir uma história mais açucarada. — O que aconteceu depois? Laura quase engasgou com o gole de café que estava tomando. — Você não quer realmente ouvir a história inteira, quer? — Claro que quero. Laura recostou na cadeira. — Um dia a princesa se cansou do rosa e mandou trocar tudo para azul. — E depois? — Nick perguntou, divertido. — Ela acabou se cansando também do azul — Laura prosseguiu, subitamente tensa. — Por acaso escolheu o amarelo? — Nick sugeriu ao se lembrar das preferências de suas filhas. — Sim. Essa foi a cor que Kate e Felicity escolheram quando eu lhes pedi uma sugestão. Perguntei de que cor seria a felicidade se pudéssemos guardá-la em um vidro. Nick ficou fascinado com a idéia singela de Laura. Capturar a alegria e lhe dar uma cor. Imaginou suas filhas rindo no aconchego do quarto branco e azul e um imenso nó fechou sua garganta. — Não vou precisar pedir outra vez para que me conte o final da história, não é? Laura suspirou.
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— O que acontece sempre que a princesa se mete em uma confusão? — Ela contrata um advogado? Laura fitou-o com censura. — Ela recorre a truques de magia? Nick se apresou a acrescentar. — Não. — Não me diga que um príncipe a resgatou e eles se casaram e viveram felizes para sempre? — O nome dele, dado por Kate, foi príncipe do Arco-Íris. — Convenhamos, Laura. Não daria para você inventar um desfecho mais atual? Nós já atuamos no século vinte e um! O protesto a pegou desprevenida. — Está dizendo que a princesa deveria continuar solteira e sozinha para sempre? Que casamentos precisam ser evitados a qualquer preço? — Por que não? — Nick fez um movimento com os ombros. — Eu não acredito no felizes para sempre. É uma promessa impossível. — Elas ainda são crianças, Nick. E preciso deixar que sonhem. Ao se dar conta de que a conversa estava enveredando por um caminho perigoso, Nick procurou encerrá-la. — Mesmo os sonhos precisam de um toque de realidade. — Tenho certeza de que as histórias que você lhes conta já contém realismo suficiente — Laura se defendeu. — Procurei fazer o melhor que podia. Sou uma bibliotecária, não uma contadora de histórias. — Você se saiu bem — Nick se apressou a elogiá-la. O que dera nele? Em vez de se mostrar agradecido, estava se desfazendo em críticas? — Peço que me desculpe. Sinto-me grato a você por ter tomado minhas filhas sob sua proteção. Tem sido muito generosa. Caso ainda não tenha notado, Kate e Felicity a consideram uma fada. Você tem mais cartaz com elas do que o Papai Noel. Laura ouviu em silêncio. Em seguida olhou para a bandeja com as xícaras vazias e cruzou os braços como se quisesse questionar a permanência de Nick em sua casa depois de terminado o café. Nick olhou para Laura e sentiu que o sangue aquecia em suas veias. Laura parecia tensa. Ela estava mordendo o lábio. Subitamente, ele também se sentiu nervoso. O que estava fazendo ali ainda? Suas filhas estavam dormindo e ele já as visitara. Também já havia tomado o café. Era hora de ir embora. Ele se inclinou para a frente e ensaiou o movimento de se levantar. Armou-se de coragem e ficou de pé. Apenas, em vez de andar em direção à porta, foi até Laura e segurou suas mãos. De repente ele sabia exatamente porque estava tão relutante em deixá-la. CAPÍTULO VIII Laura não podia acreditar que Nick estivesse tão perto e olhando para ela daquele jeito que a fazia se sentir tão feminina, excitada e indefesa. Mas era impossível ignorar a mensagem que aqueles olhos escuros lhe transmitiam. Mais impossível ainda era ignorar a vontade de ser novamente abraçada e beijada por ele. Ao mesmo tempo, Laura sabia que aquilo era uma loucura e que manter distância
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de Nick era a única maneira de não vir a sofrer depois. — Pensei que já tivesse ficado claro que não serei mais um nome em sua lista de conquistas, Nick — Laura murmurou, por mais que odiasse fazê-lo. — Foi para isso que veio? — Pensei que você tivesse me convidado. Laura moveu a cabeça com uma expressão irritada. — Na semana passada você disse que agendava sua vida social. No entanto, estamos só nós dois aqui em uma noite tranqüila de segunda-feira e você já sabia que suas filhas estavam dormindo quando decidiu vir. — Eu não planejei nada, Laura — Nick afirmou. — E isso também vale para os beijos. — Nick ergueu lentamente a mão e afagou os cabelos de Laura. — Você é tão sexy que eu não consigo resistir. — Eu, sexy? — Laura repetiu, atônita. Se Nick tivesse dito que ela era bonita talvez ela pudesse tentar acreditar, mas sexy? — Você é incrivelmente sexy! — ele confirmou ao mesmo tempo que acariciava a face de Laura com o polegar. — O contraste desse rosto angelical com os cabelos de fogo faz de você uma mulher irresistível. — Nick deslizou o olhar pelo pescoço até os seios. — E esse corpo lindo completa seu fascínio. Como única defesa, Laura pensou em fechar os olhos. Se continuasse a olhar para aqueles olhos tentadores sua força de vontade, que já estava por um fio, seria totalmente desintegrada. A qualquer segundo agora Nick iria tomá-la em seus braços e lhe dar outro beijo. Era o que ela também queria. Ele estava certo. Sempre que Nick estava perto, ela se sentia sexy. Nick a fazia querer esquecer tudo exceto seu desejo de estar nos braços dele. Nick se inclinou e pousou os lábios suavemente nos dela. Um momento depois, eles estavam se movendo, saboreando, exigindo e seduzindo... — Você é realmente demais — Nick sussurrou entre os beijos. — Você é sexy, adorável... — ele continuou dizendo ao erguer a blusa e tocar a pele quente e macia. Laura estava pronta para se entregar ao prazer daquelas carícias, mas uma voz de alerta soou em sua mente. Ela estava com Nick, o homem que não queria amar mais ninguém a não ser a esposa que perdera. O homem que lhe explicara com detalhes o porquê de não aprofundarem a relação. — O que houve? — Nick indagou, surpreso, quando Laura se afastou com um gemido. — Como pode me tratar assim? Você me disse, na semana passada, que sabia que eu não era adepta do sexo casual só de olhar para mim. Em seguida declarou com todas as letras que não está interessado em nada mais sério. Afinal, o que estava pensando quando me abraçou e começou a me beijar outra vez? Incapaz de responder, Nick fez um movimento com um ombro. — Você não devia estar me pressionando desse jeito — Laura continuou. — Se eu não o detivesse, você teria me seduzido! — Não me culpe, Laura. Foi mais forte do que eu. Você sabe que nada nunca aconteceria entre nós se você não permitisse. Laura corou naquele momento. A verdade era que ela havia gostado muito do beijo e do abraço. Mais do que isso. Ela havia adorado.
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— Isso não vem ao caso. — Não, Laura. Esse é o caso. Nós estamos levando um ao outro à loucura. O melhor que temos a fazer é ignorar nossas inibições e nos entregar a nossas necessidades básicas de uma vez por todas. — Necessidades básicas? — Laura repetiu, decepcionada. Lá estava Nick se referindo ao que podia haver de mais bonito entre um homem e uma mulher que se gostavam como se fosse apenas um processo biológico. — Seria bom, Laura. — Você realmente enlouqueceu? — Acho que não. Sou considerado uma pessoa hábil e capaz por todos. — Não é hora para brincadeira — Laura protestou. — Como pode esperar que eu olhe para você e concorde que é uma boa idéia? — Por que não? É uma boa idéia! A vontade de chorar foi tanta que um nó se formou na garganta de Laura. — Recuso-me a aceitar que você continue insistindo em fazer amor comigo como se eu fosse apenas mais uma de suas aventuras. Aonde foi parar aquela conversa que teve comigo sobre entender e respeitar meus valores? Como quer que eu me entregue a uma relação onde não existe lugar para o romance e para sentimentos nobres? Laura sufocou um soluço. Nick baixou os olhos. A impressão de Laura, naquele instante, foi a de estar diante de um menino perdido. Os olhos de Nick pareciam vazios como um céu cinzento sem esperança de tornar a ver o sol. — Desculpe. Não tornarei a tomar seu tempo. — Ele começou a se afastar em direção à porta. — Você está indo embora? — Laura perguntou, surpresa. — Sim, é claro. — Simples assim? — Laura não queria acreditar no que estava acontecendo. — Quer dizer que você estaria disponível para passar a noite aqui se eu tivesse concordado, mas como seus planos não deram certo você decidiu ir embora porque o contrário seria perder seu tempo? Nick não respondeu. — Vá de uma vez, Nick. — Laura dispensou-o com um gesto irritado. — Não perca mais seu precioso tempo comigo. Eu não poderia pagar seus altos honorários. — Não falei com essa intenção. — Nick se deteve. — Não vamos brigar quando temos assuntos mais sérios com que nos preocupar, está bem? Laura precisou segurar no encosto de uma cadeira para não vacilar. Apesar de seus protestos de firmeza, ela estava certa de que iria desmoronar. — Você não tem com que se preocupar. Estarei de pé amanhã cedo para levar suas filhas ao colégio e não me custará nada ir buscá-las à tarde. Elas poderão ficar comigo na biblioteca até o término do expediente. — É pedir demais. — Eu já lhe disse que faço isso com prazer. — Será por pouco tempo mais, Laura. Espero que não passe de mais um dia ou dois. Em breve conseguiremos agarrar aquele sujeito e tudo voltará ao normal. — Nick deu um passo para a frente como se fosse dar um beijo no rosto de Laura em despedida. Ela se preparou para recebê-lo. Mas em vez de dar o beijo, Nick
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recuou, colocou as mãos nos bolsos e disse boa-noite. Ela não o acompanhou. Permaneceu onde estava, ouvindo os passos se afastarem pelo corredor e pela cozinha. Depois ouviu Nick destrancar a porta e tornar a fechá-la. Por um minuto ou dois o silêncio foi completo. Ela sentiu as lágrimas deslizarem copiosamente. Logo depois, ouviu a porta do carro ser batida com força e o motor roncar. Quando o carro se afastou pelos fundos da casa, os soluços brotaram e pareciam não ter fim. O que havia com ela? Deveria estar orgulhosa de si mesma. Resistira à tentação de seguir por um caminho sem volta. Porque seria uma contradição a todos os valores em que sempre acreditara. Dois dias antes, Nick e ela haviam combinado que o relacionamento não iria além da amizade. De repente, ele resolveu esquecer tudo e ceder à explosão de seus hormônios. Por sorte, ela havia conseguido poupar seu coração. Por que, então, estava se sentindo tão infeliz? Por que não conseguia parar de chorar? — Nossa! Que cara! — Susie exclamou ao ver Laura na manhã seguinte. — Não há nada de errado com as meninas, há? — Oh, não. Elas estão bem — Laura respondeu com um suspiro e tentou se ocupar com o computador, mas a amiga não se deu por vencida. — E o pai delas? — Como posso saber? — Laura deu de ombros, tentando ganhar tempo. — Imagino que tenham se comunicado ao menos uma vez nas últimas vinte e quatro horas. — Ele só ligou para verificar se as filhas estavam bem — Laura respondeu com fingida indiferença. Susie recolheu a pilha dos últimos livros que haviam sido devolvidos, mas antes de devolvê-los às prateleiras, fez mais uma observação a Laura. — Você e Nick se tornaram íntimos bem depressa. Mal se conheceram e você já está cuidando das filhas dele. O que Laura mais queria naquele momento era que a amiga a deixasse em paz. Já estava com problemas o suficiente para ter de ouvir teorias psicológicas sobre seu relacionamento com Nick Farrell. — Você me conhece — Laura disse por fim. — Sempre estou em busca de grandes causas. Assim que soube sobre o problema de Nick, ofereci-me para ajudá-lo. Como é praticamente impossível que alguém nos ligue um ao outro, pois acabamos de nos conhecer, ocorreu-me que as meninas ficariam a salvo comigo. — Eu entendo, concordo e admiro sua generosidade. O único detalhe que você reluta em me contar, minha querida madrinha, é a natureza exata dessa sua ligação com Nick sobre a qual praticamente ninguém sabe nada. — A natureza exata? — Sim. — Bem, para ser exata, nossa ligação é platônica. Espero que isso responda satisfatoriamente todas suas dúvidas. — Não responde a primeira pergunta que lhe fiz. — Qual foi? — Por que você está com essa cara esta manhã. Garantiu-me que as filhas de
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Nick estão bem, mas eu jamais a vi tão abatida. Laura não conseguiu sustentar o olhar da amiga. Seria inútil protestar. A verdade estava realmente escrita em seu rosto. — E difícil explicar. — Experimente. — Oh, Susie, você não entenderia... Você não tem tantas prevenções contra o sexo oposto. Susie refletiu por um instante. — Quantas vezes você viu Nick desde meu casamento? — Algumas vezes, mas não houve nenhum encontro propriamente. Nada de sério. Susie deu um pequeno sorriso. — Não é preciso haver um encontro para explodirem fogos de artifício. Basta um olhar, muitas vezes, para despertar a atração. — Não sei. — Não sabe? — a amiga caçoou. — Eu os vi dançando na recepção. Havia eletricidade naquela pista suficiente para provocar um curto-circuito no hotel inteiro. E vocês ainda não tinham nem sequer saído para o terraço. Laura indicou a pilha de livros sobre o balcão. — Você vai ou não colocar esses livros no lugar? — Deixe comigo. Mas ouça bem, querida. Rob me contou que Nick Farrell é um ótimo sujeito. Não apenas um homem bonito, se você me entendeu. — Oh, sim, deveriam fazer uma estátua em homenagem a ele. E à esposa. Eles formavam o par perfeito. — Então é isso? — Susie franziu o cenho. — A esposa? Mas ela não faz mais parte de nosso mundo, Laura. — Tente dizer isso a Nick. — Oh... — Miranda ainda é dona de seu coração. Nick não pretende confiá-lo a mais ninguém. Para ele, só pode haver sexo sem comprometimento. — Oh! — Susie repetiu, incapaz de sair com outra observação. — E agora, qual o conselho que você me dá? Susie mordeu o lábio. — Você não o colocou em cheque ainda, colocou? — O que está querendo dizer? — Laura estreitou os olhos. — Toda essa conversa... Vocês dois já...? — Claro que não! Eu disse que era uma ligação platônica. — Nesse caso, acho que há uma boa chance de Nick mudar de idéia. Uma risada amarga brotou dos lábios de Laura. Embora fosse sua melhor amiga, Susie não seria capaz de entender a situação que ela estava vivendo. Especialmente quando acabava de voltar de uma viagem de lua-de-mel. — Esqueça, Susie. Nick e eu já chegamos à conclusão de que somos incompatíveis. Laura procurou ser firme em sua declaração, mas ao mesmo tempo que dizia aquelas palavras, ela se lembrou da tristeza que vira nos olhos de Nick quando o questionara sobre sua proposta de terem um caso. — Laura, se você está desse jeito por causa de sua incompatibilidade com Nick, talvez devesse reconsiderar sua posição. Laura fez um movimento negativo com a cabeça. Estava cansada. Não dormira a
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noite inteira de tanto pensar em Nick. — Você realmente acha que eu deveria concordar em termos apenas um caso? — Muitas vezes é assim que começa com alguns homens e algumas mulheres. Também muitas vezes, simples casos progridem para românticos e permanentes envolvimentos. — Eu sei disso, mas com Nick é diferente. Ele me avisou desde o primeiro momento que não está preparado para voltar a amar. E eu, desde a desilusão com Oliver, aprendi a pensar mil vezes antes de me decidir a abraçar um novo compromisso. — Faz cinco anos que Oliver e você terminaram, Laura. Não acha que cinco anos de precaução bastam? Susie estava certa, provavelmente, Laura deduziu. Afinal, aqueles cinco anos não a tornaram mais feliz nem lhe trouxeram compensações. — E, cá entre nós — Susie prosseguiu —, eu tenho quase certeza de que Nick poderá mudar de idéia. Ele é um homem como os outros e todos eles fogem de relacionamentos sérios e de compromissos. — Susie se deteve e sorriu em seguida. — Até encontrarem a mulher de seus sonhos. Laura fez que não, mas Susie continuou defendendo seu ponto de vista. — E por isso que eu insisto em dizer que você deveria submetê-lo a um teste. Faça uso de seus dotes naturais e aguarde para ver o que acontece. Eu duvido que ele conseguirá se afastar de você. Laura revirou os olhos como se a amiga tivesse dito um absurdo, mas, no fundo, ela estava começando a considerar a sugestão. Deveria arriscar e agarrar a oportunidade de ser feliz com Nick embora ciente de que essa felicidade duraria pouco? Para que ela queria, afinal, toda aquela independência que já a estava cansando? Nos últimos tempos, independência passara a ter o mesmo significado que solidão. Heather Cunningham entrou na biblioteca no meio da manhã. Com expressão das mais sérias dirigiu-se ao balcão de devoluções e depois à mesa de Laura. — Olá, Sra. Cunningham — Laura cumprimentou aliviada por Susie não estar por perto. — Bom dia, Laura. Como estão minhas netinhas? Apesar do constrangimento do primeiro encontro, Laura estava determinada a ser simpática com a sogra de Nick. Contou-lhe sobre as meninas e se despediu colocando seu telefone à disposição para que a avó pudesse conversar com as netas. O modo como a mulher respondeu foi característico de quem não esperava por essa gentileza. E também o sorriso de Laura ao ser surpreendida com uma retribuição igualmente gentil. — Obrigada, Laura. Fiquei satisfeita em saber que Nick lhe confiou Kate e Felicity. Porque isso foi um bom sinal. — Um bom sinal? — Laura estranhou. — Sim. Ele não pode continuar querendo fazer tudo sozinho com relação às meninas. Sei que a preveni contra Nick na semana passada, mas se ele a escolheu para ajudá-lo nesta terrível situação, eu o apoio. Meu genro nunca permite que suas amigas se aproximem de Kate e de Felicity. — Acontece que existe uma grande diferença entre mim e as outras amigas de Nick — Laura explicou. — Não sou namorada dele. Sou realmente apenas uma
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amiga que dispõe de um quarto extra onde mora para acomodar as filhas dele. Um inesperado sorriso de cumplicidade surgiu nos lábios de Heather — Sim, minha querida. Nick também se deu ao trabalho de me explicar essas circunstâncias. Confesso que fiquei satisfeita pela ênfase que ele deu ao assunto para que não pudesse pairar nenhuma dúvida sobre a situação. Intrigada com o brilho do olhar de Heather, Laura procurou tranqüilizá-la como fizera Nick. — Nenhuma mulher poderia substituir sua filha na vida dele, é lógico. — Talvez não. — A mãe de Miranda suspirou. — Mas está na hora de Nick superar isso. A surpresa deixou Laura boquiaberta. A sogra de Nick queria que ele encontrasse outra mulher? — Laura, talvez o problema fique mais claro se eu lhe contar algo. Laura fez que sim com a cabeça, ansiosa por ouvir. — Nick precisa de uma mulher que seja firme com ele. Minha filha o conquistou quando eles ainda eram adolescentes. Ela decidiu que se casariam quando estava com dezesseis anos. Tomada essa decisão, ela nunca mais o perdeu de vista. Resolveu até mesmo cursar Direito para ser a companheira perfeita para ele. — Isso é o que chamo de devoção. — Kate nasceu após seis meses do casamento. — Heather olhou para Laura nesse momento. — Não me interprete mal, querida. Eu amava minha filha, mas ela era insegura e isso a tornou manipuladora. O problema surgiu depois que as meninas nasceram e ela precisou se dedicar à família. A partir daí a carreira de Nick deslanchou e ele começou a trabalhar até mais tarde e a viajar. — Miranda teve ciúme? — Sim, infelizmente, porque ela começou a provocá-lo. Não acredito que Miranda tenha se relacionado com outros homens, mas ela escolheu freqüentar clubes noturnos como arma. Em uma dessas noites, aconteceu aquele horrível acidente. — Sim, horrível — Laura murmurou, chocada com a verdade. — Nick se sentiu culpado? — Nick sempre diz que Miranda poderia estar viva se ele tivesse sido mais atencioso com ela. Mas não é verdade. Ele era um bom marido e todos davam atenção a ela, mas para Miranda nada era suficiente. — Confesso que não esperava que a senhora fosse me contar segredos sobre sua filha. Heather examinou Laura em silêncio por algum tempo. — Tenho acompanhado o luto de Nick por todos esses anos. Gosto daquele rapaz, Laura. Ele não é apenas o pai de minhas netas. Ele é o filho que eu nunca tive. — Não entendo porque está me contando tudo isso. — Sim, você sabe. É uma garota esperta, Laura. Pense a respeito. Heather se foi depois de dizer aquelas palavras e Laura ficou pensando que já tinha coisas demais em que pensar. Tudo estava dando errado para Nick aquela tarde. Por mais que se esforçasse ele não conseguia se concentrar no processo em que estava trabalhando. Para começar, ficava nervoso cada vez que o telefone tocava. Stokes, o sujeito que o ameaçara, estava quieto havia um longo tempo e isso estava deixando-o com os
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nervos em frangalhos. Como se não bastasse essa preocupação, ele estava perturbado com o encontro com Laura na noite anterior. Tudo porque resolvera seguir o conselho de Rob e tentar ir adiante com ela. Contra a vontade dele próprio. Porque sabia instintivamente que essa tática não iria funcionar com Laura. Mas o que mais o atormentava era o porquê de ele não parar de pensar em Laura quando sabia que ela não concordava com a opinião dele sobre relacionamentos. Para desanuviar a mente, Nick resolveu tomar um café no Victory Street, seu favorito, que ficava em frente ao escritório. O problema residia nos favores que ele devia a Laura, refletiu enquanto tomava seu expresso. Ela era uma mulher admirável em sua coragem e generosidade. Quase sem conhecer suas filhas, ela havia se oferecido para cuidar delas e ajudá-lo. Da próxima vez que se vissem a primeira coisa que ele faria seria lhe pedir desculpas. Ocorreu a Nick, ao terminar o café, que ações falavam mais alto do que palavras. Talvez devesse comprar flores e bombons para ela. Não, seria íntimo demais. Obviamente não poderia convidá-la para sair. Afinal, ela estava cuidando das filhas dele e não poderia deixá-las sozinhas. Uma súbita idéia o fez sorrir consigo mesmo. Ele se encarregaria de preparar o jantar. Seria um jeito de ajudá-la, não? E de demonstrar que estava arrependido. Com essa proposta em mente, Nick apanhou uma revista de culinária e se pôs a folheá-la. Ele queria preparar algo exótico, diferente. Truta cozida no vapor com molho de soja e ostras e risoto de cogumelos shitake pareciam uma boa pedida. Bem mais animado do que quando entrara no café, Nick comprou a revista e voltou para o escritório. Estava abrindo a porta quando ouviu o telefone tocar e sua secretária atender. — É a Srta. Goodman. Devo transferir a ligação para sua sala? O coração de Nick deu um salto. — Sim, obrigado. — Nick? É Laura. — A voz soou angustiada para Nick. — O que houve? Onde estão minhas filhas? — Elas estão bem. Estão aqui comigo. Não houve nada. O suspiro de alívio foi ouvido por Laura. — Sinto pelo modo como atendi. Cada vez que o telefone toca, eu penso que é Stokes. — Eu só liguei para mantê-lo informado de nossas idas e vindas. Estamos na biblioteca agora. Eu as trouxe para cá após as aulas. Kate está fazendo sua tarefa de casa e Felicity está brincando. — Obrigado por essa notícia, Laura — Nick agradeceu, mais calmo. Mas não totalmente. Falar com Laura nunca era relaxante. — Desculpe se o assustei — disse Laura. — Talvez eu não deva mais ligar para seu trabalho. — Em absoluto. Estou contente que você tenha ligado. — Está bem, então. Continuarei mandando notícias. — Obrigado mais uma vez, Laura. — Céus! Laura estava quase desligando e ele ainda não havia falado sobre o jantar. — As meninas podem ligar para você esta noite para conversarem um pouco? —
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Laura quis saber. — Claro que podem — Nick respondeu. Suas chances de sugerir um jantar estavam acabando. O pedido de Laura soava como um aviso para ele não ir à casa dela. — A menos que você prefira vir vê-las pessoalmente. Nick se moveu na cadeira. — E um convite? — Sim, é um convite — Laura afirmou após uma ligeira hesitação. — Confesso que adoraria ver minhas garotas. Posso me encarregar do jantar? A surpresa não permitiu que Laura respondesse de imediato. — Imaginei que você gostaria de ficar com elas enquanto eu preparava o jantar. Pensei em servir algo que elas gostam e, mais tarde, um prato mais adequado para adultos. Talvez truta à moda tailandesa com risoto de shitake? Com um franco sorriso, Nick abriu a revista que acabara de comprar. — São meus pratos favoritos. Laura mordeu o lábio. Resolvera arriscar, como Susie a aconselhara e agora não sabia como sairia daquela enrascada. Truta com risoto de shitake! Se ao menos ela tivesse oferecido um filé com fritas... — Bem, não espere demais. Não sou exatamente o que chamam de cozinheira de mão-cheia. — Nesse caso, eu proponho uma pequena mudança no esquema. Eu levo os ingredientes e preparo o jantar enquanto você as distrai com suas histórias. Minhas filhas já estão enjoadas das minhas. Fez-se silêncio do outro lado da linha. — Você tem certeza de que quer cozinhar? — Tenho. — Então, por favor sinta-se à vontade. — Será um prazer. CAPÍTULO IX A presença de Nick mudou a rotina das crianças na casa de Laura. Até que elas concordassem em ir para a cama levou um longo tempo. E outro tanto para que conciliassem no sono. Nick estava junto à pia terminando de preparar o jantar, quando Laura entrou na cozinha. Ele não percebeu sua presença. Ela aproveitou para admirá-lo, alto e másculo, de jeans e camisa azul-marinho. Ela poderia se acostumar facilmente com uma cena como aquela todos os dias... Não que Nick tivesse planos de estar ali todos os dias. A não ser que Susie estivesse certa e a situação pudesse ser modificada... A mesa estava posta para dois e a garrafa de vinho já estava aberta. — Você merece um drinque — Nick declarou com um sorriso. — E um vinho suave para preparar seu paladar para o que virá a seguir. Laura precisou umedecer os lábios com a ponta da língua ao interpretar aquelas palavras em um segundo sentido. Estava ansiosa. Suas mãos ficaram úmidas e seu coração palpitou. Nick não fazia a menor idéia do que viria a seguir. Ele não podia imaginar que ela estava planejando seduzi-lo.
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Planejar era a palavra correta porque até aquele instante, Laura não sabia realmente como iria proceder. Um estremecimento a sacudiu da cabeça aos pés. Como dizer a um homem que você havia pensado a respeito e que descobrira que queria mais do que partilhar uma refeição com ele? Incapaz de decidir o que fazer, Laura deixou que o tempo se encarregasse de lhe dar a resposta. Normalmente ela não se servia de bebidas alcoólicas, mas quando Nick lhe estendeu o copo de vinho, ela aceitou. Precisava de uma dose extra de coragem aquela noite. — O aroma está maravilhoso — Laura elogiou ao espiar a comida que Nick estava transferindo para uma travessa. — Incrível! Parece o prato que vi hoje em uma revista. Era justamente ele, Nick, que eu pretendia fazer para você. Nick olhou para ela e deu um sorriso malicioso. — Talvez tenhamos mais em comum do que imaginávamos, afinal de contas. — Ele ergueu o copo e fez um brinde. — Saúde! — Saúde! — A nós! Laura encostou seu copo ao dele e tomou alguns goles do delicioso Chardonnay gelado. Os efeitos da bebida se fizeram sentir quase que de imediato. Para se manter em controle, Laura ela tratou de se ocupar com a louça suja deixada pelas crianças. A casa era pequena e não dispunha de uma sala de jantar. Era preciso fazer as refeições na cozinha. Iluminação suave, portanto, não daria para terem. A não ser que jantassem à luz de velas. Foi o que Laura fez. No momento certo, ela acenderia a vela com essência de jasmim que havia comprado aquele dia a fim de criar uma atmosfera romântica e, talvez, lhe imprimir a coragem necessária para realizar seu plano. — O jantar está pronto — Nick anunciou. Laura sentou-se e refletiu. Por mais que se alongassem no jantar, eles teriam terminado de comer em meia hora no máximo. A seguir, ela ainda poderia contar com mais alguns minutos para o café. Mas depois disso, após o que sucedera na noite anterior, Nick provavelmente iria embora. Era preciso fazer com que ele soubesse que ela havia mudado de idéia antes! Uma sensação de frio no estômago a assaltou. Teria de mostrar a Nick que não era tão inexperiente em matéria de sexo como ele pensava. Laura provou a comida e elogiou-a com sinceridade. Em seguida tomou outro gole do vinho. — Não janto aqui com um homem desde que Oliver e eu terminamos. — Quanto tempo faz isso? — Nick quis saber. O modo como Nick a questionou pareceu a ela uma indicação de que gostaria de saber muito mais a seu respeito. Laura não esperou para lhe saciar a curiosidade. — Cinco anos. Ele costumava vir aqui duas vezes por semana para... para jantar comigo. — Oliver era seu noivo?
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— Não. Ele era meu namorado. Nós nos conhecemos em uma conferência. Ele vendia livros. Era representante de uma importante editora. Oliver tinha charme. — Entendo. Você gostava dele por seu charme? Por seu talento comercial? — Não sei. Suas visitas não se comparavam a esta. — Em que sentido? — Ele nunca cozinhou para mim e estava sempre com pressa. — Quer dizer que apesar do charme o relacionamento não durou? — Oliver saía do trabalho e vinha para cá. Estava sempre faminto por sexo. Ele não dava nenhum valor aos jantares que eu levava horas para preparar. Tanto fazia se eu servisse pizza ou coq au vin. — Laura se deteve por um instante para verificar a reação de Nick, mas sua expressão era indecifrável. — Além de nunca cozinhar para mim, Oliver nunca me levou para jantar fora. Nick resmungou algo que Laura não entendeu. — Depois eu soube o porquê de ele nunca me convidar para sair. Oliver tinha medo de ser visto comigo. Porque era casado. Tola que era, eu queria acreditar que ele mal podia esperar para ficar sozinho comigo. — Laura provou o risoto e sorriu. — Parabéns, Nick. Está uma delícia! Nick? Ele estava parado, apenas olhando para Laura. — Minha declaração o chocou, não é? — Confesso que sim. — Sinto muito, Nick. — Não se desculpe. Estou apenas assimilando os fatos. Esse Oliver cheio de qualidades, de quem você acabou de falar, a levava para a cama embora fosse casado? — Nick balançou a cabeça. — Confesso que não esperava ouvir algo assim de você. — Ou eu lhe contava tudo de uma vez, ou não contava nada — Laura explicou. — Então você resolveu contar tudo. — Nick encarou-a. — Por que achou importante que eu soubesse que teve um caso com um homem casado, Laura? A resposta deveria ser vital para Nick porque ele parou de comer e cruzou os braços. — Eu queria que você entendesse — Laura respondeu, sem coragem para fitá-lo. — Eu não sabia que Oliver era casado. Pensava que ele fosse casar comigo. Tive vontade de morrer quando descobri que ele tinha uma esposa e três filhos. — Deve ter sido terrível — Nick declarou em tom de voz mais gentil. — Se houvesse uma palavra ainda mais forte, eu a usaria. Acho que tenebroso seria um termo mais apropriado. Nick fez que sim e Laura tomou outro gole de vinho. Aquela seria a pior parte. Explicar a Nick porque ela resolvera mencionar Oliver. Agora seria preciso fazer a ligação entre o passado e o que ela sonhava para seu futuro. Precisava encontrar um meio de demonstrar a Nick, sem palavras, que ela também queria fazer amor com ele. Apesar da confusão que ela criara na noite anterior sobre esse assunto. De acordo com os planos que Laura fizera, eles já deveriam estar terminando o jantar àquela altura. No entanto, Nick ainda não estava nem sequer na metade do prato. — Sabe, Nick... Você e eu realmente temos muito em comum. Embora de maneiras diferentes, nós dois fomos afetados intimamente no passado. Você me
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contou sobre Miranda e sobre sua incapacidade de se desvincular dela. Eu lhe contei sobre Oliver porque queria que entendesse o porquê de minha relutância em concordar com um relacionamento casual. Laura parou de falar ao ouvir um ruído junto à porta. Era Felicity. Ela parecia perdida e indefesa no canto da parede, com seu ursinho predileto abraçado ao peito. — Fliss, o que você quer? — Nick perguntou. — Quero água. — Ok. Volte para a cama que eu subirei em seguida com um copo. Nick olhou para Laura e suspirou, impaciente. Laura, assim que se viu sozinha, mordeu o lábio. Quanto da conversa a menina teria ouvido? As palavras de Laura ecoavam nos ouvidos de Nick. — Papai, você gosta da Laura? — Felicity perguntou enquanto Nick ajeitava as cobertas. — Sim, querida. A filha sentou-se na cama de um salto. Nick desistiu de cobri-la e lhe fez cócegas. — E você? — Oh, papai, eu a adoro! Nick deu um beijo no rostinho da filha. Como as crianças tinham facilidade para falar sobre seus sentimentos. Como era diferente com os adultos! Nick se levantou para sair e teve a impressão de que Kate havia se mexido na outra cama. Olhou para ela, mas não notou mais nenhum movimento. Além disso, Kate continuava de olhos fechados. Voltou para a cozinha com a conversa que tivera com a filha mais nova ainda em sua mente. Sim, ele gostava de Laura. Especialmente de sua beleza e de seus cabelos. Ela parecia ainda mais bonita aquela noite, com aquela calça apertada que lhe moldava as pernas, as curvas... — Coloquei seu prato no microondas — Laura contou. — Pena que a comida tenha esfriado. — Não tem importância — Nick respondeu e tornou a encher os copos. Fizeram o resto da refeição em silêncio. Nick não conseguia parar de pensar em Laura e nas razões bem plausíveis que a levaram a ter aquela prevenção contra os homens. E também no porquê de ela ter explicado sua relutância em concordar com um relacionamento casual. Nick parou de respirar. Relutância. Essa fora a palavra que Laura usara. Relutância implicava hesitação não recusa. Seria possível que houvesse uma chance de Laura ter aceitado a idéia de terem um caso? — Felicity dormiu? — Sim. Das duas, ela sempre exigiu mais atenção. — Ela está desenvolvendo uma forte personalidade. — Espero que não me dê problemas quando chegar à adolescência. Como você era nessa época? — O que você acha? — Laura sorriu. — Uma boa menina. Laura concordou. — Sim, eu era uma boa aluna e uma boa filha. Nunca dei trabalho a meus pais. — Os olhos de Laura se encontraram com os de Nick sobre a borda do copo. — E
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você? — Eu morava no norte, em Atherton Tableland, onde meus pais continuam residindo. Cresci ao ar livre. Rob e eu aprontamos muitas molecagens por lá. — Foi lá que conheceu Miranda? — Sim. Éramos pouco mais do que crianças. Tínhamos apenas dezesseis anos. — Foram namorados desde a infância, praticamente. — Sim. Ela, Rob e eu crescemos juntos e viemos juntos para Brisbane para cursarmos a faculdade. Eles terminaram de jantar naquele instante e a tensão pareceu vibrar entre eles. Nick suspeitava de que a conversa iria abordar novamente o sexo, mas não ousava ser o primeiro a mencioná-lo. Não depois do que acontecera na noite anterior. — Nick, eu mudei de idéia sobre nós — Laura declarou abruptamente. Nick quase parou de respirar. — Posso perguntar sobre o que, exatamente, você mudou de idéia? — Sobre não lutarmos mais contra a atração que sentimos um pelo outro — Laura respondeu, corada. — Acho que você está certo. Acho que devemos nos entregar a esse desejo que nos assaltou sem que tivéssemos escolha. — Papai? Nick se virou em direção à voz. Daquela vez era Kate. — Você também ficou com sede de repente? — Nick perguntou, irritado. — Também. Nick se levantou, apanhou um copo na pia e entregou-o à filha com maus modos. — Não quero ouvir mais nenhum pio de vocês, entendeu? — Sim, papai. Nick acompanhou a filha mais velha ao quarto, esperou que ela bebesse a água e tornasse a se deitar. Felicity estava na outra cama de olhos fechados. Fechados demais. Daria para jurar que ela estava apenas fingindo que dormia. — Estou desapontado com vocês, meninas — Nick resmungou. — Deveriam ser boazinhas com Laura depois de todo o trabalho que ela está tendo para cuidar de vocês, já que ando ocupado demais. Que desculpa absurda, Nick pensou. Se ele estava ocupado demais, o que estava fazendo na casa de Laura todas as noites? E desde quando ele alegava excesso de atribulações para não cuidar das próprias filhas? O que iria responder caso Kate e Felicity lhe fizessem aquela observação? Foi um alívio ouvi-las concordar e poder se desculpar com elas com um abraço. — Prometemos não interrompê-los mais — disse Kate. — Nós estávamos apenas fazendo uma verificação — contou Felicity. — Uma verificação? — É. Nós queríamos ver vocês se bei... — Fliss! Cale essa boca! — Kate ordenou. Nick resolveu deixá-las naquele momento e saiu após um carinhoso boa-noite. Antes de se afastar pelo corredor, contudo, a voz de Felicity o alcançou. — Acho que nós deveríamos ter pedido para que ele beijasse Laura. — Nada disso — Nick ouviu Kate responder. — Eu telefonei para a vovó esta tarde e ela disse que nós deveríamos deixar a natureza seguir seu curso. — O que isso significa?
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— Que ele acabará beijando-a quando chegar o momento certo. — Acho que esse momento nunca chegará para o papai. Acho que ele não sabe que as mulheres adultas gostam de ser beijadas. Na penumbra do corredor, Nick quase tropeçou. O que, afinal, sua sogra e suas filhas andavam falando a suas costas? E o que ele deveria fazer a respeito? Não sabia se as censurava ou se achava graça da situação. A verdade era que existiam mulheres demais na vida dele! — Fiz as crianças prometerem que não sairiam mais do quarto — disse Nick devorando Laura com os olhos. — Eu não ouvi demais, Laura? Você disse realmente o que estou pensando? Laura baixou os olhos. — Você acha que Kate entendeu sobre o que estávamos falando? — Eu duvido. Eu mesmo não estou certo de ter entendido. — Nick foi até Laura, segurou-lhe o queixo e a fez encará-lo. — Ao menos eu acredito que elas não tornarão a nos importunar esta noite. Os olhos de Laura estavam cheios de emoção quando Nick a tomou pelas mãos. — Acho melhor irmos para meu quarto para garantir. — Você tem certeza? — Nick perguntou baixinho. Sem dizer mais nenhuma palavra, Laura soltou a mão e se afastou em silêncio pelo corredor. Passou pelo quarto das meninas, pelo banheiro e ao chegar a seu quarto parou à porta e olhou para trás. Nick pensou que Laura nunca estivera tão adorável. Seguiu-a quando ela entrou. Parecia um sonho. Ele mal podia esperar para tocar aquela pele. Branca como a lua. Macia e feminina. Quente de desejo. Como a boca que ele beijara. Nick fechou a porta e trancou-a. — Não queremos mais nenhuma visita esta noite, certo? — ele tentou brincar. Laura estava ao lado da cama. Ele engoliu em seco. Aquela cama não tinha nada de inocente. A colcha de cetim púrpura parecia um convite ao prazer. E também as almofadas coloridas espalhadas sobre ela. A vontade de abraçar Laura, de deitá-la e de se sentir abraçado por aquelas pernas magníficas era tão grande que ele sentiu a respiração acelerar. — Será apenas esta noite, Nick. Sem complicações, sem expectativas. Do jeito que você quer. — Sim. — Apenas sexo. Exatamente o que ele queria. Sim. Ele queria tirar as roupas de Laura, olhar e tocar aquelas formas arredondadas e adoráveis. Ele queria enlouquecer Laura de paixão. Ele queria ouvi-la gemer novamente quando a beijasse. Quando cobrisse todo seu corpo de beijos. Naquela noite Laura aprenderia quanto um homem e uma mulher podiam se divertir juntos sem terem de carregar toda aquela carga emocional. Nick a queria tanto que começou a tremer. Mal podia esperar para sentir a maciez de pétalas de rosa daqueles lábios e daquela pele. Para provar novamente a doçura de mel daquela boca. Um delicioso perfume penetrou nas narinas de Nick. Sua impressão era que Laura havia preparado os lençóis para recebê-lo aquela noite. Nada poderia ser mais
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erótico. Apenas sexo. Fantástico! Ele sentia o coração bater acelerado e acreditava que o mesmo estivesse acontecendo com Laura. Agora, a qualquer momento, ele estaria entrando naquele corpo lindo. Apenas sexo. Seria bom demais. Então afinal, o que estava acontecendo com ele? Por que estava se comportando como se fosse um adolescente em sua primeira vez? Ele deixou escapar um grunhido. — O que foi, Nick? — Não estou certo, Laura, de que você quer realmente fazer isto. — Por que está dizendo isso? — Você foi bem clara comigo ontem à noite. — Eu... repensei a situação. Nick não podia acreditar que era ele mesmo que estava falando. Laura afirmara e reafirmara que a relação não envolveria compromissos. Desde quando passar uma noite de prazer com uma mulher se tornara um dilema para ele? Desde Laura. Porque se ele fosse para a cama com Laura, por mais que quisesse afirmar o contrário, não seria apenas sexo. Laura acreditava no amor. De uma forma ou de outra, ela acabaria pressionando-o ao se julgar com direitos sobre ele. Ou, então, ele apenas estava querendo encontrar uma desculpa convincente para escapar ao risco que seria ter uma mulher como Laura em sua vida. Ele estava no quarto dela. Bastaria um abraço para eles terem, provavelmente, a melhor noite de suas vidas. No entanto, ele não conseguia dar esse passo. Porque havia descoberto, subitamente, que ter Laura em seus braços uma única vez não seria suficiente. Porque Laura não era uma mulher como as outras. Ela era amável e generosa, doce e linda. Seria impossível fazer apenas sexo com ela. Com Laura, ele estaria fazendo amor. — Nick, francamente eu não esperava ter de lhe mostrar como se faz — Laura tentou brincar. — Pensei que estivesse mais enferrujada do que você. Nick continuou imóvel. Ainda não sabia o que dizer a Laura. CAPÍTULO X A impressão de Laura era que o chão estava se abrindo sob seus pés. Nick estava no meio de seu quarto e olhava para a porta como se quisesse sair correndo. Aquele era o último tipo de comportamento que esperava por parte dele. O que ela havia feito de errado? O modo como ele olhava para ela não poderia ser mais sério. Fez com se lembrasse do instante que a filha mais velha os interrompera para pedir um copo d'água. — Isso é um erro — Nick murmurou. Os joelhos de Laura tremeram. — Agora é sua vez de mudar de idéia, não? — Laura tentou não demonstrar seu
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constrangimento. — Desculpe, Laura. Eu sinto muito. Nick sentia muito? Alguns minutos antes ele parecia ansioso para levá-la para a cama. O brilho de desejo em seus olhos fora inconfundível. Agora, no entanto, Nick estava olhando para ela como se não suportasse a idéia de tocá-la. Laura precisou respirar fundo. Susie havia se enganado. De nada adiantara ela ter seguido o conselho da amiga. Planejara a sedução em seus mínimos detalhes. Gastara uma pequena fortuna com a compra de lençóis e de travesseiros novos e também de uma colcha glamorosa. Fora tudo à toa. — O que houve, Nick? Não estou carregando uma placa de perigo nas costas, estou? — Deveria estar — ele respondeu, sem jeito. — Por quê? Não passei no teste? — Ao contrário. — Não entendi. — Não há o que entender. Isto não tem a ver com você. Tem a ver comigo. Laura suspirou. — Pensei que uma noite de sexo fosse tudo que você queria. — Eu também — Nick concordou e tornou a olhar para a porta. — Acho melhor eu ir agora. Laura ergueu os ombros. Não havia o que fazer. Não podia obrigá-lo a ficar com ela, podia? Estava se sentindo terrivelmente desapontada e envergonhada, mas não conseguiu se calar. — Faltou um desafio, não é, Nick? Ele parou antes de sair. — O que você está dizendo? — Ora, Nick, se alguém o tivesse desafiado a fazer amor comigo, nós não estaríamos conversando agora. Ele franziu o cenho. — Você acha que sou desse tipo? — Eu diria que você é capaz de qualquer coisa para ganhar uma aposta. — Quem lhe disse isso? — Eu vi por mim mesma. Você se fez passar por um palhaço no hospital e por um stripper diante de um bando de mulheres. De repente, Laura sentiu vontade de chorar. O que havia acontecido com o homem firme e decidido que a desafiara a beijá-lo naquela noite? O que havia acontecido com o homem que ainda na noite anterior tentara convencê-la a ir para a cama com ele? Aquele era o mesmo Nick que a levara a desprezar todos os valores que sempre cultivara? O que dera errado? — Aquela sala repleta de mulheres não oferecia o milésimo do perigo que estar com apenas você, Laura. Naquele momento, Laura entendeu. — Você tem medo do que poderá vir depois. Ele sorriu, quase tímido. — Sim. Laura entendeu que Nick não ousava colocar em risco suas emoções. E a vontade de chorar se tornou tão forte que ela sentiu os olhos e a garganta arderem de lágrimas contidas.
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— Você esteve brincando comigo de uma maneira cruel — Laura protestou com uma coragem que surpreendeu a ela mesma. — Sinto muito se dei essa impressão. — Claro que deu. Primeiro começou a me dizer elogios, depois se pôs a falar de sexo, e quando eu finalmente decidi corresponder, você me rejeitou. — Laura, por favor... Ela não respondeu. Estava se sentindo fraca e só. Esgotada. Sem dizer nada, encaminhou-se para a porta e abriu-a para que Nick saísse. — Acho que não resta mais nada a ser dito. Boa noite. — Boa noite, Laura. — Não esqueça de trancar a porta quando sair. — Está bem. — Nick hesitou. — Eu não deveria ter permitido que você assumisse o cuidado com minhas filhas. Tentarei encontrar um outro lugar para elas ficarem. — Eu já disse que não me custa nada hospedar as meninas por algum tempo, mas faça como quiser. Nick fez que sim e passou pela porta. Laura estava parada ali e o braço dele roçou em seus seios. Os dois pararam e se fitaram. Tudo poderia acontecer naquele instante, mas Nick apenas se afastou. Laura permaneceu onde estava como se estivesse paralisada. A colcha luxuosa já não tinha finalidade. Quanta ilusão perdida! Laura deitou-se e ficou olhando o vazio. Até o luar, aquela noite, lhe parecia frio ao se infiltrar pela janela. Sobre o risco de ele se apaixonar era preciso concordar com Nick, Laura pensou. Porque, em algum momento durante aquela semana, havia se apaixonado por ele. Ela nunca havia sentido nada igual em sua vida. Nem sequer por Oliver. Queria Nick com tanta intensidade que sentia o corpo doer. Não dava para explicar, mas a dor ultrapassava o físico. Ela amava tudo em Nick: seu sorriso, sua voz, seus olhos, o modo como criava as filhas. Embora mal o conhecesse, ela não conseguia mais imaginar sua vida sem ele. Era por isso que podia compreendê-lo. Porque saber que o amava e vê-lo se afastar fora a experiência mais assustadora de sua vida. Laura dormiu de pura exaustão, mas quando acordou seu primeiro pensamento foi novamente para Nick. Tornou a fechar os olhos. Estava se sentindo péssima e teria permanecido mais tempo na cama se não estivesse ouvindo risinhos vindos da cozinha. Grata pela distração, Laura se levantou e foi preparar o café da manhã. Até que deixasse Kate e Felicity na porta da escola, o ânimo de Laura já havia sido recuperado. Parecia ironia do destino que fossem justamente as filhas de Nick o antídoto para a mágoa que ele lhe causara. Por sorte, aquele foi um dia tão atribulado na biblioteca que não houve tempo para pensar em assuntos do coração. Por volta do meio da tarde, contudo, um telefonema trouxe o conflito de volta. — Boa tarde, Laura. — Olá, Nick. — Não quero atrapalhar. Só liguei para avisá-la que já consegui um lugar para Kate e Felicity. Um protesto quase escapou dos lábios de Laura.
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— Foi bom poder ajudar. Eu gosto... — Eu sei, Laura. Você é uma boa pessoa. — Falo com sinceridade, Nick. Realmente foi um prazer cuidar de suas filhas. Mas, talvez, seja melhor que nós... — Laura precisou tossir. — Eu entendo que a situação possa se complicar para nós. — Meu pai está melhor e voltou para casa. Minha mãe e ele estão ansiosos por ver as netas. Vou mandá-las para lá até que o problema com Stokes seja resolvido. — Acho que é uma medida sensata. — É a única possível, Laura. Mais cedo ou mais tarde, Stokes acabará descobrindo você. Eu reservei lugares no vôo desta noite para Cairns. — Está tudo certo, então? — Laura perguntou com um fio de voz. — O pessoal da companhia aérea foi atencioso. As meninas terão vigilância especializada. — Será uma grande aventura para elas. — Laura estava tremendo. Se Nick tivesse lhe dado aquela notícia em pessoa, ela não conseguiria esconder seus sentimentos. Sentiria demais a falta de Kate e de Felicity, mas, no fundo, estava contente por elas estarem indo para um lugar mais seguro. O que a perturbava era a calma de Nick. O modo como ele voltara a ser ele mesmo, firme e seguro de si. O homem hesitante que a deixara na noite anterior era uma outra pessoa agora que encontrara uma maneira de se afastar dela. Mas por mais difícil que fosse superar a tristeza, Laura não queria que Nick percebesse como estava perturbada. — Quando pretende contar às meninas sobre os novos planos? — Não ainda. Só vou poder sair daqui no final do expediente. — Quer que eu as avise quando apanhá-las à tarde na escola? — Você faria isso? Acho que elas ficarão contentes com a idéia de viajarem para a casa dos avós. Elas adoram ir para lá. — Você fará as malas antes ou passará primeiro em minha casa? — Eu irei direto para o aeroporto, Laura. Passarei na sua casa às seis e meia para apanhá-las. Laura imaginou a cena. Nick pararia o carro e as filhas correriam para ele, felizes diante da inesperada viagem. E em questão de minutos ela estaria sozinha. A participação daquelas três pessoas em sua vida estaria terminada. — Elas estarão prontas — Laura se forçou a responder. — Obrigado, Laura. Você é fora de série. — Claro! Eu sou uma Goodman — ela tentou brincar. Não podia culpar Nick pelo estado deplorável em que se encontrava. Nick não havia lhe prometido nada. Nem amizade. Suas vidas haviam cruzado por um momento e ela tivera a oportunidade de ajudá-lo. Nada mais. Os beijos, o flerte, a atração foram incríveis. Para ela. Em conseqüência, a dor também estava sendo imensa. Nick fora mais esperto. Ele havia tido o cuidado de não cometer o erro que ela cometera: o de se apaixonar. — Você irá com a gente? — Felicity perguntou assim que Laura transmitiu o recado de Nick a ela e a Kate. — Oh, não, minha querida. Eu preciso ficar e trabalhar. — E meu pai?
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— Ele também precisa trabalhar. — E ele continuará visitando-a enquanto estivermos na casa do vovô e da vovó? — Kate quis saber. — Não creio. Fez-se um súbito silêncio após a resposta de Laura. — Não tem importância se ele e eu não nos tornarmos a ver, não é? — Claro que tem! — Felicity afirmou, enfática. — Não se preocupem conosco — Laura achou melhor dizer. — Pensem apenas no quanto se divertirão com seus avós. As meninas não poderiam estar mais sérias quando desceram do carro e entraram na biblioteca. Laura balançou a cabeça. Não era aquele tipo de reação que elas deveriam ter. — Você poderia me dizer se meu pai já a beijou? — Felicity perguntou à queima roupa. Kate deu um cutucão na irmã. — Não briguem. Eu não me importo de responder. Vocês querem que seu pai me beije? As duas fizeram que sim e Laura forçou um sorriso. — Porque beijar é tão importante? Um beijo não significa muito. — Claro que significa — Kate retrucou. — Quando um garoto te beija significa que ele te ama. Quando meu pai te beijar, vocês poderão casar. — Não é bem assim que funciona, Kate — Laura foi obrigada a explicar. — Mesmo que ele me beije, não haverá casamento. — Eu acho que haverá. Sei que haverá. Você só precisa fazer com que ele a beije. Não houve tempo para Laura se estender em maiores explicações. Satisfeitas após darem seus recados, as meninas voltaram a sorrir e a ser elas mesmas e correram para dentro da biblioteca. As cinco, quando a biblioteca fechou, Laura levou as meninas para sua casa pela última vez. Não sabia o que fazer para conseguir que elas partissem animadas com a perspectiva da visita aos avós. Nick estava certo. Era perigoso contar contos de fadas às crianças. No início do trajeto, quando notou que um carro preto a estava seguindo, Laura sentiu-se irritada. O alarme soou apenas quando ela parou no mercado para comprar algumas frutas e verduras e ele estacionou mais adiante. Um sexto sentido avisou Laura para que não deixasse Felicity e Kate no carro enquanto fazia as compras. Ela escolheu a mercadoria e pagou. E o carro preto continuava no mesmo lugar. Não dava para observar os traços do motorista, mas sua figura era alta e corpulenta. Um arrepio percorreu as costas de Laura ao entrar em seu carro e se certificar de que as meninas afivelavam os cintos. Depois, quando deu a partida, notou que o outro fazia o mesmo. Não há nada de errado, Laura dizia a si mesma cada vez que olhava pelo espelho retrovisor. É apenas coincidência. Você está tão deprimida que tudo lhe parece sombrio e sinistro. Para se tranqüilizar, Laura ora acelerava, ora andava devagar como uma tartaruga. O carro preto continuava atrás dela.
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Uma onda de pânico a inundou. Mal podia respirar. O homem que a estava seguindo poderia ser o mesmo que ameaçara Nick e as meninas. Ao que tudo indicava, ele as havia encontrado. O medo fez Laura transpirar. Suas mãos escorregavam ao segurar o volante. Não podia ser! Justo agora que Nick havia resolvido seguir um novo esquema de segurança. Ela conhecia aquele bairro como a palma de sua mão. Nenhum forasteiro conseguiria alcançá-la. Acelerou ao chegar à esquina e virou abruptamente à esquerda. Tornou a virar e a virar até retornar à avenida principal. Pegou o sentido contrário, fez outra curva e passou por baixo de uma ponte. Continuou acelerando e dobrando esquinas até que ao olhar pelo espelho o carro havia desaparecido. Assim mesmo, Laura só conseguiu se acalmar após cinco minutos. Ocorreu-lhe procurar o posto policial mais próximo, mas lembrou-se de que Nick logo estaria chegando na casa dela para levar as filhas para o aeroporto. Para se orientar, Laura consultou seu relógio de pulso. Faltava menos de uma hora. A única alternativa seria continuar em frente. Estavam quase chegando e o carro preto não tornara a ameaçá-las. Mas e se o motorista já soubesse seu endereço e estivesse à espera? A mera suposição a fez tremer. Não podia correr esse risco. A segurança de Kate e de Felicity era fundamental. Em vez de entrar em sua garagem, Laura seguiu pela rua de trás e estacionou diante de uma outra casa. — Por que você parou aqui? — Kate foi a primeira a perguntar. — Seu pai logo virá buscá-las e eu quis deixar espaço para o carro dele. — Laura deu as mãos às meninas e tocou a campainha da casa vizinha. — Vou deixá-las com a Sra. Powell, está bem? — Sim, mas por quê? — estranhou Felicity. — Porque estou esperando uma pessoa para discutir um assunto importante. Assim que resolver o negócio, virei buscá-las, certo? A urgência na voz de Laura deveria tê-las convencido porque nenhuma das duas se atreveu a retrucar. Olharam para ela, confusas, por um instante, mas logo voltaram a sorrir quando Janet Powell, a simpática vizinha, ligou a televisão para elas em seu programa favorito. — Virei buscá-las assim que puder — Laura prometeu à vizinha. — Fico lhe devendo este favor. Assim que entrou em casa, Laura foi direto para a cozinha ligar para Nick. Estava prestes a pressionar a primeira tecla quando olhou mecanicamente pela janela e viu o carro preto parado do outro lado da rua. CAPÍTULO XI Nick consultou seu relógio de pulso. Havia tempo de sobra. Só faltava fechar as duas malas que ele já havia feito para as filhas e ir buscá-las na casa de Laura. Fora um imenso alívio saber que seus pais estavam disponíveis para cuidar de Kate e de Felicity por algum tempo. As meninas iriam adorar a viagem e a visita aos avós. Claro que elas também haviam adorado a hospedagem em casa de
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Laura... Por mais que tentasse Nick não conseguia tirar Laura de sua mente. Principalmente à noite. Ele não havia dormido quase nada na noite anterior. Aquele sorriso, aqueles olhos, aqueles cabelos estavam gravados em sua memória. Mas o que mais o perturbava era a visão de Laura, de pé, ao lado da cama, linda e ansiosa depois de lhe oferecer uma noite sem compromisso, sem expectativas. Como ele queria... E era justamente a razão por ter fugido, quando Laura concordara com seus termos, que ele não tinha estrutura para encarar. O celular tocou, arrancando-o dos devaneios. — Nick, é Laura — ela disse sem cumprimentá-lo. — Você não contratou ninguém para nos proteger, contratou? A apreensão na voz de Laura provocou um arrepio em Nick. — Não. — Alguém me seguiu até aqui. — Você acha que pode ser Stokes? — Acho que sim. — Onde ele está? — Dentro de um carro preto, de óculos escuros, em frente a minha casa. O que devo fazer? Nick apoiou o telefone no ombro e apanhou as duas malas. — Tranque tudo e não saia até chegar ajuda. — Ligo para a polícia? — Eu cuidarei disso. Conheço o pessoal da delegacia. Nick colocou as malas no porta-malas, entrou no carro e deu a marcha-a-ré para sair da garagem. — Como estão minhas filhas? Muito assustadas? — Elas não sabem de nada. Eu as deixei com minha vizinha caso ele tente entrar aqui. — Ótimo. Você foi esperta. Como está se sentindo? — Ficarei melhor quando você chegar. — Já estou a caminho. — É hora de rush. Espero que não leve séculos para atravessar a cidade. — Darei um jeito de cortar por ruas paralelas. E como vou avisar imediatamente a polícia, uma viatura não deverá demorar. Cuide-se, Laura. — Venha depressa, Nick. Eu preciso de você. Nick já havia desligado quando as palavras brotaram de sua boca: — Eu também preciso de você, Laura. E era verdade. A mais pura verdade. Foi uma pena que Laura não o tivesse ouvido. Com as mãos apertadas uma contra a outra, Laura se afastou do telefone e tentou refletir com calma sobre o que deveria fazer até Nick e a polícia chegarem. Não houve jeito. Ela entrou em pânico ao ouvir passos do lado de fora e precisou tapar a boca para não gritar. Com a respiração suspensa, Laura se encaminhou, pé ante pé, à cozinha e tornou a espiar pela janela. O carro continuava lá. O motorista não. O coração de Laura batia tão forte que lhe provocou uma tontura. Ela ouviu um clique vindo de algum lugar e olhou ao redor à procura de algo que pudesse usar
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como arma. Seus olhos pousaram no guarda-chuva junto à porta. Teria de servir. Com o guarda-chuva em punho, Laura percebeu que uma janela estava sendo aberta em algum lugar. Suas mãos e suas pernas tremeram. Tudo tremeu. Ela tentou se afastar, mas não conseguiu se mover. De repente, ela soube que o homem estava do lado de dentro da casa. O ruído seco dos pés batendo no chão era inconfundível. O que ela devia fazer? Esperar que ele se aproximasse e golpeá-lo com o guarda-chuva? E se não tivesse força suficiente para atingi-lo e ele a rendesse? Preciso sair daqui! Ao olhar para a porta da frente, Laura recuperou milagrosamente o controle. Mas antes que pudesse alcançá-la, o homem surgiu na sala e a encarou de um jeito que a deixou em pânico. Laura deu um grito e agitou o guarda-chuva. Ele foi parar no ombro do intruso que deixou escapar uma exclamação de surpresa e de dor. Aproveitando-se do momento de vacilação, Laura girou a maçaneta e fugiu para a rua. Mas logo tornou a ouvir passos. O golpe não fora suficiente para detê-lo. Se ela não fosse rápida, ele a alcançaria em um piscar de olhos. Incapaz de correr com aqueles sapatos de salto, Laura livrou-se de um deles. Seu perseguidor estava perigosamente próximo, mas assim que ela conseguisse se livrar do outro sapato, seria capaz de correr bem mais rápido. Nick parou atrás do carro preto que estava estacionado em frente à casa de Laura. Não havia ninguém ao volante. A casa de Laura estava às escuras a não ser pela cozinha. As cortinas estavam fechadas, mas a porta da frente estava aberta e um guarda-chuva quebrado se encontrava caído junto à entrada. Ele estava saindo do carro quando um movimento abaixo na rua lhe chamou a atenção. A noite estava caindo e quase não dava para enxergar à distância, mas ele conseguiu ver uma mulher sendo perseguida por um homem. Nick se pôs a correr. Laura estava tentando tirar um dos sapatos. O outro pé estava descalço e isso lhe dificultava a fuga. O homem estava quase a alcançando. Ele sentiu um medo tão terrível que seu peito doeu. Precisava alcançá-la antes do que Stokes, mas a chance se isso acontecer era praticamente nula. A distância entre eles era grande. — Que nada de mal lhe aconteça! — Nick se viu rezando. — Quando a alcançar, nunca mais me separarei dela! Nick agitou os braços e gritou o nome de Laura uma porção de vezes. A medida que passava pelas cercas brancas das casas e pelas cercas-vivas, luzes se acendiam nos terraços. Mas Laura não olhava para trás. Ela estava se aproximando da esquina. Um pressentimento horrível o fez gritar novamente, dessa vez para que Laura parasse. Ela estava tão assustada que poderia atravessar a rua sem ter visão. De repente, como se estivesse acontecendo em câmara lenta, Nick viu os faróis de um carro e gritou com todas suas forças. Não houve tempo para mais nada. O carro atingiu Laura e também seu perseguidor.
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CAPÍTULO XII Laura! — Um grito atormentado cortou o ar conforme Nick cobria o último trecho que os separava. Caiu de joelhos ao alcançar Laura. Ela não se movia. Estava deitada no asfalto com os cabelos espalhados, os olhos fechados e o rosto muito pálido. Nick não estava suportando vê-la naquele estado. Por culpa dele. Ele lhe entregara suas filhas para que ela as protegesse e acabara expondo-a a um perigo de morte. Pessoas começavam a se agrupar no local. — Meu Deus! — alguém gritou. — É Laura, do número trinta e dois! — Eu liguei para o resgate — disse outra pessoa. — Estão mandando uma ambulância para cá. O motorista envolvido no acidente não parava de chorar. — O que aconteceu? — um homem perguntou. O que aconteceu foi que Laura havia defendido as filhas dele como se fosse a própria mãe, Nick pensou. Desesperado, ele tentou ouvir a respiração de Laura, mas sua própria respiração estava tão ofegante que não conseguiu detectar nenhum som. Tentou, então, acompanhar o suave movimento do peito conforme o ar entrava e saía dos pulmões, mas os pensamentos desordenados não permitiam que fixasse a atenção em nada. Que Deus o ajudasse, mas não conseguia parar de pensar na noite anterior quando Laura lhe oferecera seu amor e ele o desprezara. Como pôde ser tão tolo? Uma viatura se aproximou e uma policial saltou. Com a calma e a tranqüilidade de alguém que conhecia seu trabalho, ela se ajoelhou junto a Laura e lhe tomou o pulso. — A pulsação está normal, mas não devemos tentar movê-la. A ambulância está chegando. Enquanto a policial examinava Stokes, Nick rezou para que Laura se recuperasse. Ela estava respirando e a pulsação estava normal... — Por favor, minha querida, fique boa — ele sussurrou junto ao ouvido de Laura quando ouviu o toque de uma sirene. — Eu tenho algo importante para lhe dizer. Por um momento, Nick vislumbrou aquele azul lindo dos olhos de Laura, mas antes que pudesse dizer alguma coisa, eles tornaram a fechar. Duas ambulâncias pararam junto aos feridos e outro carro de polícia. As pessoas foram afastadas. Inclusive Nick. Um policial que Nick não conhecia começou a fazer perguntas. Nick não estava em condição de respondê-las. O que importava como o acidente acontecera? O importante era salvar Laura! Subitamente, ele a viu acordar e falar com os paramédicos ao ser colocada em uma maca. Nick acenou e tentou pedir para acompanhá-la ao hospital. Ninguém deu atenção a ele. Nick tentou abrir caminho por entre a pequena multidão mas foi abordado por uma mulher. — O senhor é o pai das duas garotinhas que estavam com Laura? — Nick olhou para ela aturdido demais para tentar adivinhar o que ela estava querendo. — Acho
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melhor o senhor vir comigo. A única luz vinha de uma pequena luminária do outro lado do quarto. Laura olhou ao redor. Ela estava em uma cama coberta com um lençol branco e havia uma mesinha ao lado com uma jarra de plástico com água e um copo. Em seu pulso estava amarrada uma pulseira de identificação. Era tudo familiar. Ela visitava aquele hospital todas as semanas. Apenas nunca estivera ali como paciente. Parecia um sonho. Ou melhor, um pesadelo. Os faróis, depois as sirenes, e a consciência que ia e vinha conforme a levavam em uma maca pelos corredores sem fim... Vozes, luzes, mãos que lhe faziam sinais e perguntas. Perguntas demais. Ela também tinha uma a fazer. O que havia acontecido? — Você bateu a cabeça — alguém lhe disse. Os eventos daquela tarde começaram a voltar aos fragmentos. No início, ela só conseguia recordar que fora apanhar as meninas no colégio e as levara consigo para a biblioteca. Teria sido naquela tarde realmente ou na tarde do dia anterior? De repente, um estalo! Ela se lembrou de estar correndo. De estar fugindo de alguém! No hospital, eles a levaram diretamente para a sala de raio-X. Ninguém sabia lhe dar informações sobre Kate e Felicity. Ninguém tinha noção do que ela estava falando. — Posso lhe dizer que nasceu de novo — garantiu o médico. — Poucos conseguem sair inteiros de um acidente como o seu. Ilesos seria a palavra certa. Só não lhe daremos alta porque é de praxe manter o acidentado em observação por vinte e quatro horas ao menos. — O que aconteceu com o homem que estava me perseguindo? — Ele não teve a mesma sorte. Foi levado para a UTI. Laura suspirou ao pensar na tragédia que poderia ter acontecido com ela também. Mas antes que pudesse se deixar levar pela tristeza, a voz de Nick soou à porta. Ele parecia inseguro, talvez com receio de incomodá-la. Estava lindo como sempre. Seu olhar era terno e preocupado. Havia um sorriso hesitante em seus lábios. — Como está se sentindo? — ele perguntou, gentil. — Acho que perfeitamente bem — Laura respondeu, procurando demonstrar uma calma que estava longe de sentir. Seu coração estava batendo forte com Nick lhe segurando a mão. — Como estão Kate e Felicity? Fiquei muito preocupada com elas. Você conseguiu levá-las ao aeroporto a tempo? O movimento que Laura fez para se sentar causou uma pontada na cabeça. Ela precisou tornar a deitar. — Minhas filhas estão bem. — Nick a tocou ternamente nos ombros para que não insistisse em se mover. — Elas estão com Heather. A viagem não se justifica mais. Não há mais motivo para escondê-las e fazê-las faltar às aulas. E logo você estará bem como elas. Não se preocupe com mais nada. Apenas em agradecer a seu anjo da guarda. — Você acredita que eu tenha um? — Tenho certeza de que sim e gostaria de apertar a mão dele. Ou de lhe tocar a asa — Nick brincou e seu sorriso pareceu estranhamente misterioso. Mas o jeito como ele apertou as mãos dela, acariciou-as e beijou-as foi tão bom que Laura
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preferiu relaxar a lhe fazer outras perguntas. Principalmente quando, ao fechar os olhos, sentiu o delicioso perfume da loção após barba à medida que Nick se inclinava para lhe beijar as pálpebras. — Que gostoso! — Laura sussurrou. — Nunca ninguém me beijou assim antes. É muito suave e delicado. Eu gostei. — Alguém a beijou aqui? — Nick murmurou com os lábios encostados à têmpora de Laura. — Não. Tenho certeza de que não. — Laura não pôde evitar um sorriso. Os beijos de Nick eram tão delicados. Ele estava sendo tão carinhoso e ao mesmo tempo tão excitante. A sensação era de que sua pele estava formigando. Logo, o corpo todo de Laura participava daquela vibração. Ela se espreguiçou. Estava se sentindo feliz. Um calor agradável se espalhava por sua pele e ela queria partilhar aquele bem-estar, aquela excitação com Nick. Queria tocá-lo também... — Você acha que eu posso beijá-la na boca? — Nick inclinou-se com um sorriso. — Eu tenho certeza — Laura respondeu, incapaz de esperar mais. Nick estava diferente, especial. Seu beijo foi profundo, maravilhoso. Ela ergueu os braços e rodeou-lhe o pescoço para tê-lo ainda mais junto de si. Tudo que dizia respeito a Nick era especial. Sua voz, sua aparência e seu jeito de beijar. Principalmente seu jeito de beijar. Oh, sim. Ela adorava os beijos de Nick. Poderia fechar os olhos e mergulhar no prazer de sentir aqueles lábios ansiosos colados aos dela. Certamente seria fantástico poder passar aquela noite inteira com ele. Ou melhor, o resto de sua vida. — Laura — Nick sussurrou junto aos lábios dela. — Quero lhe dizer que... Passos se fizeram ouvir do outro lado da porta. Alguém entrou. Nick ergueu a cabeça e sorriu, sem jeito. — Boa noite, enfermeira. — Senhor, a paciente precisa descansar agora. O horário de visita terminou. Relutante, Laura soltou-o. — Você estava para me dizer algo. Nick endireitou o corpo e piscou para ela. — Trata-se de algo para ser dito em particular. Não se preocupe. Tenho boa memória. Não esquecerei o que quero lhe dizer. Amanhã estarei de volta. Durma bem. — Boa noite. Apenas quando Nick desapareceu do quarto, Laura se deu conta de que algo estava errado. No instante que a enfermeira os interrompeu, ela ainda não havia conseguido detectar qual era o problema. Sabia, contudo, que nada mais lhe parecia tão bom quanto no momento que Nick a estava beijando. Não havia motivo realmente para ela se sentir feliz. A enfermeira mediu sua pulsação e a temperatura. Ela estava lhe mostrando dois dedos para verificar sua visão e capacidade mental quando Laura se deu conta do que era. Como pudera esquecer que Nick era alérgico ao amor? A pancada na cabeça a impedira de raciocinar por um breve período. Agora ela se lembrava de que os beijos de Nick sempre foram incríveis, mas que não significavam nada. Não havia nenhum motivo para euforia.
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Na noite anterior ele a havia rejeitado e passara o dia inteiro fazendo planos para se livrar dela. — Aquele homem não está lhe fazendo nenhum bem — a enfermeira declarou ao fazer anotações na ficha. Com um suspiro de pesar, Laura teve de concordar com ela e aceitar os dois compridos para dormir. Porque certamente não haveria nenhuma chance de um sono tranqüilo! — Quero ir para minha casa — Laura disse ao médico na manhã seguinte, mas ele insistiu que ela permanecesse internada outras vinte e quatro horas como medida de precaução. Laura esmurrou o travesseiro depois que o médico saiu do quarto. Estava farta. Toda sua vida fora uma boa pessoa e acabara se tornando uma mulher solitária. Seus olhos encheram de lágrimas. Estava na hora de mudar. E a primeira mudança teria de ser com relação a Nick Farrell. Era preciso expulsá-lo de uma vez por todas de sua mente. Estava tão distraída, olhando para o teto, e tentando planejar como seria sua vida sem Nick, que não notou quando alguém entrou. Seu visitante tinha um nariz vermelho redondo e cabelos cor-de-laranja e usava sapatos grandes e compridos. Laura protegeu os olhos com as mãos. Os médicos deveriam ter errado o diagnóstico. Deveria haver algo errado porque ela estava vendo coisas. Ninguém ficava andando pelos corredores de um hospital vestido de... Palhaço. Laura sentiu o coração bater mais forte conforme tentava olhar para o palhaço mais de perto. Além do nariz e da peruca, ele estava usando maquilagem tradicional como nos circos. A camisa era larga, de listras brancas e vermelhas e a gravata borboleta era roxa com bolinhas pretas. A calça, que poderia vestir três a quatro homens iguais a ele, era azul royal. — Achei que você estava precisando se animar um pouco — disse o palhaço cuja voz ela reconheceu de imediato. — Nick, o que lhe deu para se vestir desse jeito? Sem responder, Nick sorriu e apanhou as maçãs que estavam na mesinha ao lado da cama para realizar seu pequeno show de malabarismo. Mas uma das maçãs escapou e foi parar debaixo do leito. Com um gesto tímido, Nick encolheu os ombros e devolveu as frutas ao lugar de onde as tirara. — Alguém cuja opinião eu prezo muito me disse que os pacientes apreciam este tipo de entretenimento. Mas eu conheço outros. Nick tentou plantar uma bananeira, mas o espaço era tão pequeno que a impressão de Laura era de que as pernas dele iriam bater na janela e quebrar o vidro. — Trate de se sentar antes que quebre o quarto ou você mesmo — Laura ordenou, rindo. — Ok — Nick concordou com expressão desapontada. — Vou tentar fazer a visita da maneira tradicional agora. — Ele pigarreou. — Olá, Laura, está se sentindo melhor esta manhã? — Eu estou bem, obrigada — ela mentiu. Na verdade, estava se sentindo frágil
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como cristal. O que Nick estava planejando dessa vez? Ela o viu tirar algo do bolso: um livro. — Essa pessoa especial de quem lhe falei também me disse que os pacientes gostam que leiam histórias para eles. Laura notou que os olhos de Nick estavam brilhando sob a maquilagem pesada. Subitamente, ela não conseguiu mais se conter e virou a cabeça para o outro lado. — Não faça isso comigo, Nick. — Não faça o quê? — Não me iluda. Nick apenas se aproximou mais da cama. — Posso começar? Apesar dos receios, a curiosidade a venceu. — É uma história inventada? — Sim. — Sobre uma princesa? — Sobre um príncipe. Laura fechou os olhos para não trair sua emoção. — Esse príncipe vive em um castelo ou em uma cabana na floresta? — Ele vive trancado em uma torre. — Levado para lá por uma bruxa má? — Por seu próprio medo. — O que aconteceu com ele? — Um dia, uma linda ave de plumagem vermelha voou até sua janela. Ele imaginou que ela fosse inofensiva e a deixou entrar. Laura começou a ficar inquieta. Que tipo de brincadeira era aquela? Não ocorria a Nick que aquilo era um tormento? Seus olhos encheram de lágrimas. — E ela não era inofensiva? — Se fosse, não haveria nenhum problema. — Nick precisou interromper a explicação. Passaram vários segundos até ele recuperar a voz. — Eu descobri que aquela linda ave era, na verdade, uma princesa disfarçada. Uma princesa com um coração de ouro, perfeita em todos os sentidos. A declaração fez Laura chorar. — O que está tentando me dizer, Nick? — Vim agradecer tudo que fez por minhas filhas. Com muito custo Laura não desatou a chorar ainda mais de desapontamento. Nick só estava a seu lado por gratidão. E era apenas para agradecer, ele poderia ter telefonado ou mandado flores. Era uma tola. De onde tirara a idéia de que Nick poderia estar tentando lhe dizer algo mais? Por que continuava embalando a esperança de que poderia haver uma chance de eles ficarem juntos no futuro? — Não precisava ter se dado a tanto trabalho para me agradecer — Laura murmurou. — Fazer boas ações é algo natural para mim. Está em meus genes. — Nesse caso queira transmitir meus agradecimentos a seus antepassados — Nick pediu com um sorriso que ela não conseguiu corresponder. De repente, Laura se sentiu terrivelmente cansada. — Ainda falta eu lhe dizer o mais importante — Nick pigarreou. — Quer que eu lhe empreste a chave para apanhar o resto das coisas das
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meninas? — Não. Isto é, eu terei de fazer isso uma hora qualquer, mas, no momento, o que eu quero lhe dizer é de caráter pessoal. O cansaço desapareceu como em um passe de mágica. — Estou ouvindo. Nick olhou para o chão e balançou a cabeça. — Passei o dia todo no tribunal e decidi, provavelmente, a vida de uma porção de pessoas. Mas como o que eu tenho de dizer agora será a sentença mais importante de minha vida, estou um tanto inseguro. A impressão de Laura era que seu coração palpitava como se estivesse subindo um lance de escadas em alta velocidade. — Você tem de dizer uma sentença e não consegue? — Laura murmurou. — Nesse caso, eu o desafio a dizê-la! Nick ergueu os olhos para ela. Alguns segundos depois ele estava sorrindo e se livrando do nariz de palhaço. Ficou ainda mais engraçado com o nariz normal, muito escuro, em comparação à maquilagem branca. — Ok, Laura Goodman, eu te amo! Nunca imaginei que pudesse ser possível alguém amar outra pessoa como eu amo você. — Você tem certeza? — Laura indagou, incapaz de acreditar. — Nunca tive tanta certeza de algo em minha vida. Lutei de todas as maneiras para não me apaixonar por você, mas não pude evitar. Você é irresistivelmente adorável. As lágrimas quase não deixavam que Laura visse Nick. — Fiz mal em lhe dizer? — Nick piscou. — O fato de eu estar apaixonado por você lhe traz algum problema? — Problema nenhum — Laura respondeu, rindo e chorando ao mesmo tempo. — O que o fez mudar de idéia? — Custou, mas eu me dei conta de que valia a pena eu me livrar do medo de sentir emoções. Quando isso aconteceu, eu me dei conta de que era bom estar apaixonado por você e vim aqui para lhe dizer isso. A alegria de Laura era tão grande que ela precisou conter o ímpeto de se atirar nos braços de Nick. Antes, era preciso ter certeza de que ele não estava confundindo amor com sentimento de culpa. — Você não comparou o que houve comigo com o acidente de Miranda? Não foi esse o motivo que o levou a se declarar? Nick não foi capaz de sustentar o olhar de Laura. — Sim e não. — Laura esperou que Nick prosseguisse e isso levou algum tempo. — Você precisa entender que não sou mais o mesmo garoto de dezesseis anos que se apaixonou pela garota mais bonita da escola. — Nick sentou-se mais perto da cama e afastou uma mecha dos cabelos de Laura para trás da orelha. — Eu amei Miranda, mas era imaturo e me senti culpado quando a perdi. — Comigo é diferente? — Quando saí de sua casa a outra noite, eu me senti a última criatura do mundo. Estava certo de que era apenas desejo sexual que nos ligava. Mas ontem, ao receber seu telefonema e descobrir que corria perigo, eu caí em mim. Estou apaixonado por você desde a noite que nos conhecemos e que você estava usando aquela roupa de vedete.
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A mão de Nick estava trêmula ao tocar o rosto de Laura. — Ontem à noite, quando pensei que poderia tê-la perdido, senti que não teria forças para continuar. Você não faz idéia do quanto se tornou importante para mim. Laura gostaria de dizer muitas coisas, mas a voz se recusava a sair. — Então, o que você acha? — Nick perguntou. Laura ajeitou a gravata borboleta de bolinhas. — Acho que já percebeu que eu me apaixonei por você desde aquela manhã em que o vi vestido de palhaço, não? — Fui um tolo, Laura. O que eu posso fazer para compensá-la por meus erros? Laura pegou um lenço de papel na mesinha ao lado da cama. — Quer mesmo saber? — Sim, é claro. Sem dizer mais nada, Laura esfregou o lenço na boca de Nick. Ela havia aprendido que para bom entendedor meia palavra bastava. Nick era um homem inteligente. Tão inteligente, aliás, que não a fez esperar. — Sabe o que eu acho? — Laura confessou quando ambos precisaram interromper o beijo para recuperar o fôlego. — Que eu me sinto mais atraída pelo stripper do que pelo palhaço. — Laura piscou. — Você não tiraria a roupa para mim agora, tiraria? — Aqui no hospital? — Nick perguntou, alarmado. — Você não seria o único a ficar quase sem roupa por , aqui — Laura procurou convencê-lo. — Eu não tenho andado exatamente na última moda desde que me trouxeram para cá. Além disso, nós poderemos fechar a porta. De qualquer modo, médicos e enfermeiros estão acostumados a ver gente sem roupa todos os dias. — Você não está se referindo a um strip-tease total, está? O sorriso malicioso de Laura foi a resposta. Nick teve de rir. — Está me propondo outro desafio, não é? O que acha de um espetáculo garantido assim que você voltar para casa? Laura fingiu refletir. — Está bem. Acho que a proposta é boa. — Mas faltou um detalhe. — Qual? — Antes você terá de casar comigo. Laura olhou para Nick. A maquiagem estava borrada, mas os olhos estavam cheios de amor e de promessas. Eles diziam tudo que ela queria saber. — Sim. — Sim? Sim, você se casará comigo? — Sim, Nick. Esperava que eu dissesse não? Laura desejou rir naquele momento. Nick estava tão atrapalhado que não sabia o que estava dizendo. Mas, por sorte, ela sabia bem o que deveria fazer porque lhe deu outro daqueles seus beijos repletos de paixão e de sensualidade. — Você se lembrou de que levarei duas garotinhas junto comigo para o casamento? — Claro que lembrei. Eu as amo também. Eles trocaram outro longo beijo antes de Nick olhar nos olhos dela.
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— Há mais visitas para você aguardando para entrar. Posso chamá-las? E antes que Laura pudesse responder, Nick atravessou o quarto, abriu a porta e duas adoráveis meninas entregaram um magnífico buquê de rosas para ela. — Ela disse sim? — Kate e Felicity perguntaram ao pai em uníssono. — Acabou de dizer — Nick informou-as. — O que é isso? Uma conspiração? — Laura brincou. Kate e Felicity abraçaram Laura antes de pularem no colo do pai e de dar vivas. — Eles vão se casar! — Laura vai ser nossa mãe! — Estou tão aliviada! — Kate confessou. — Disse a papai que você nunca aceitaria o pedido de casamento, se ele se apresentasse vestido de palhaço. Laura sorriu. — Acontece que seu pai sabe que eu adoro palhaços. — Você irá precisar de uma dama de honra? — Kate perguntou, ansiosa. Laura abraçou-a e chamou Felicity para que participasse do aconchego. — Para ser franca, vou precisar de duas damas. — Vestida de cor-de-rosa? — sugeriu Felicity. — Não, de azul — corrigiu Kate. — Cada uma vestida com sua cor predileta? — Nick tentou resolver o impasse. O coração de Laura estava transbordando de felicidade. Ela sentiu os olhos apaixonados de Nick sobre seu rosto e lhe sorriu com todo seu amor. — Papai já a beijou? — Felicity não poderia deixar de perguntar. Apenas daquela vez, ao contrário das outras, ela descobriu a resposta por si só. — Oh, sim. Você está com o nariz branco. Agora, tudo ficará perfeito. — Sim — Laura concordou. — Tudo ficará perfeito. Ela amava aquelas crianças e amava o pai delas que também era o stripper e o palhaço mais sensual do mundo. O que mais poderia pedir? FIM BARBARA HANNAY nasceu em Sydney, cresceu em Brisbane e passou a maior parte de sua vida adulta na tropical North Queensland, onde junto com o marido criou quatro filhos. Embora goste de viver em contato com a natureza, acampando e praticando canoagem, Barbara também aprecia as diversões urbanas como a música de câmara, a dança contemporânea, cinemas e restaurantes. Como professora de inglês, Barbara sempre adorou escrever. Agora, ao ter vários de seus romances publicados, Barbara está vendo realizado um de seus mais caros sonhos.

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