sábado, 27 de julho de 2013

Tentação em Hollywood

Tentação em Hollywood
Distant worlds
Monica Barrie
Momentos Íntimos nº. 10
Joe Michaels, um homem que faz enlouquecer
O peito largo e musculoso daquele desconhecido de olhos verdes pressiona Elaine contra a parede. Ela vira o rosto, mas não consegue fugir dos lábios que se apoderam dos seus com fúria selvagem.
Pouco a pouco, a resistência de Elaine vai diminuindo: entreabre os lábios e corresponde apaixonadamente ao beijo.
“Você é tão linda!”, ele sussurra. “Não! Por favor...”, ela suplica, embora seu corpo inteiro agora anseie pelo corpo viril daquele homem fascinante...
Digitalização e Revisão: Nelma
DISTANT WORLDS
© 1985 Monica Barrie
Originalmente publicada pela Silhouette Books, Divisão da Harlequin Enterprises Limited
Tentação em Hollywood
© 1985 para a língua portuguesa
ABRIL S.A. CULTURAL
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Intimate Moments e o colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B. V.
Tradução: Maria Helena Caliendo Marchesan
NOVA CULTURAL — CAIXA POSTAL2372 — SÃO PAULO
Esta obra foi composta na Artestilo Compositora Gráfica Ltda. e impressa na Editora Parma Ltda.
CAPÍTULO I
O ar frio da noite roçava as faces de Elaine, trazendo consigo os variados odores da cidade, lembrando-a das outras vezes que estivera em Nova York com os pais. Os anos haviam passado, mas a metrópole continuava a exercer o mesmo fascínio sobre ela.
Deu um profundo suspiro, atravessou o cruzamento conhecido como Confucius Square e caminhou na direção da Brooklyn Bridge. Acabara de deleitar-se com uma refeição no Hung Loo's, um dos melhores restaurantes de Chinatown, e sentia necessidade de caminhar, não apenas para fazer a digestão, mas também para refletir. Talvez um pequeno passeio a pé a ajudasse a colocar as idéias em ordem. Nunca se sentira tão confusa antes.
As ruas estavam movimentadas, mas não o suficiente para dificultar a passagem de Elaine. Assim, pouco depois, ela já estava bem próxima da Brooklyn Bridge, um dos mais famosos símbolos de Nova York. Ao alcançar a entrada da ponte, percebeu que a passagem mais procurada pelos turistas já estava às escuras. Consultou o relógio de pulso e verificou, surpresa, que era bem mais tarde do que havia imaginado. Evitou aquela área e dirigiu-se para o caminho cimentado, que os pedestres costumavam utilizar para atravessar a ponte histórica.
Não tinha intenção de passar para o outro lado do rio; pretendia apenas chegar até o meio da ponte e admirar a vista.
Àquela hora, a calçada estava deserta, mas o movimento de carros ainda era intenso.
Quando alcançou o ponto desejado, Elaine parou e apoiou-se na amurada. Diante de seus olhos descortinava-se o indescritível horizonte de Manhattan. Uma profusão de luzes multicoloridas, vindas de edifícios que a cada ano aproximavam-se mais do céu, piscava ao longe. A exuberância do cenário era a própria definição da cidade de Nova York. Que outra metrópole no mundo ofereceria um espetáculo tão majestoso, tão imponente quanto o que ela apreciava naquele momento?
Estava mais frio na ponte do que nas ruas, e Elaine envolveu-se melhor no suéter de lã. Aos poucos, as luzes foram perdendo o brilho aos olhos dela, e as preocupações voltaram a ocupar-lhe a mente.
Havia chegado a Nova York há pouco mais de quatro horas. Instalara-se no InterContinental, dera alguns telefonemas urgentes e, quando o estômago havia começado a reclamar por comida, tomara um táxi até Chinatown.
Desde que se formara pela U.C.L.A., Elaine trabalhava para os Estúdios Trion como assistente de produção, participando ativamente da realização de nada menos do que cinco filmes. Mas, há três dias, tudo havia mudado.
Em seu escritório, no estúdio, Elaine havia atendido ao telefone e, em seguida, dera um profundo suspiro. A secretária de David Leaser, o presidente dos Estúdios Trion, comunicara-lhe que o patrão desejava vê-la com urgência.
Apreensiva, Elaine perguntou-se se aquele chamado teria alguma coisa a ver com o último filme de que participara. Mas, na noite anterior, ela assistira à versão editada e tudo lhe parecera em ordem. Não, com certeza o assunto era outro.
Levantou-se, mas antes de sair foi ao pequeno banheiro anexo ao escritório, e estudou com atenção o seu reflexo no espelho. A maquilagem não precisava de retoques, e a roupa continuava impecável. Com as pontas dos dedos, ajeitou melhor os cabelos. Admirou, satisfeita, as mechas naturais que davam um lindo reflexo dourado aos seus cabelos castanhos. Depois de vários fins de semana na praia, sua pele adquirira um belo bronzeado, que realçava ainda mais o azul de seus olhos.
Depois de certificar-se de que sua aparência estava correta, dirigiu-se, decidida, para o escritório de David Leaser. Sua fisionomia estava calma, mas o coração parecia saltar dentro do peito. Nos quatro anos em que trabalhava lá, só estivera duas vezes na sala do homem mais poderoso dos Estúdios Trion. E lembrava-se bem de que não haviam sido experiências muito agradáveis. Na primeira delas, Elaine e o produtor com quem trabalhava haviam estourado a verba destinada ao filme; na segunda, o patrão estava furioso com o atraso das filmagens.
Elaine sorriu diante daquelas lembranças. Não que fossem passagens muito divertidas, mas sabia que faziam parte de seu aprendizado para se tornar uma grande produtora um dia. Não era tão grave cometer erros, desde que não os repetisse. E Elaine tinha certeza de que isso nunca aconteceria com ela.
Sabia que ainda precisaria trabalhar muito para provar do que era capaz. Ser filha de um dos maiores produtores de Hollywood, Lawrence Rodman, não a ajudava muito. Pelo contrário. As pressões podiam ser bem maiores do que sobre qualquer outra pessoa que iniciava uma carreira na indústria do cinema. Elaine sentia que todos a observavam com olhos críticos, aguardando o menor deslize para crucificá-la sem piedade. Mas ela era competente e dedicada, e tomava o maior cuidado para que isso não acontecesse.
Desde pequena, Elaine desejava fazer carreira no cinema. Quando criança, costumava imaginar-se uma atriz famosa, mas, ao entrar na adolescência, percebera que sua criatividade só poderia expandir-se totalmente no trabalho atrás das câmeras.
Durante aqueles quatro anos nos Estúdios Trion, trabalhara duro, sempre interessada em aprender, em tornar-se uma profissional completa. Estava cada vez mais convicta de que um bom produtor deveria ser capaz de dominar todas as fases das filmagens.
Parou diante de uma porta maciça e, antes de abri-la, respirou fundo. Só então entrou na sala de Jennifer Dalton, a secretária de David Leaser.
— Estou em apuros? — perguntou, antes mesmo de fechar a porta.
Jennifer sorriu e sacudiu a cabeça.
— Ontem ele estava de péssimo humor, mas hoje chegou assobiando.
— Não foi isso o que eu perguntei.
— Eu sei, mas você terá que descobrir por si mesma. Vá em frente. O Sr. Leaser está à sua espera.
— Obrigada. — Já estava com a mão no trinco, quando a voz da secretária a deteve.
— Lanie — chamou. — Boa sorte.
As palavras de Jennifer só conseguiram deixá-la confusa. Deu duas batidas na porta antes de entrar no escritório simples, mas elegante, que David Leaser ocupava.
— Bom dia — cumprimentou-a David, e apontou para uma das poltronas que ficavam diante de sua mesa.
— Bom dia — respondeu Elaine, sentando-se,
— Pelo que ouvi, Office Girl vai nos render alguns milhões de dólares.
— O filme ficou mesmo muito bom.
— Ron me contou que você não estava muito entusiasmada no final das filmagens.
— Eu fiz o meu trabalho corretamente — replicou Elaine com calma.
— Lanie, Lanie... — Ele falava com delicadeza, mas havia uma clara nota de recriminação em sua voz. — Depois de quatro anos, você já deveria ter aprendido a conviver com os seus colegas.
Elaine deu um profundo suspiro, e suas mãos crisparam-se sobre os braços da poltrona.
— Não é tão simples como você pensa, David. Não importa o que eu faça, todos apontam para mim e dizem; "Aquela é a filha de Larry Rodman".
— Você é filha de um homem muito famoso, Lanie, e já deveria ter aprendido a conviver com isso — recriminou-a com brandura.
— Não é fácil, David. Sempre que um colega olha para mim, sinto que ele pensa que só consegui o meu emprego porque sou filha de um grande produtor.
David observou-a atentamente, e depois balançou a cabeça.
— Nós dois sabemos, Lanie, que o fato de ser filha de Larry lhe abriu as portas, mas também sabemos que elas se fechariam na sua cara se você não correspondesse às expectativas. Acho que já é tempo de você tentar ignorar o que imagina que os outros pensam a seu respeito. — Fez uma pausa antes de prosseguir: — Lanie, já está na hora de você passar por cima disso e dar um verdadeiro impulso na sua carreira.
— Impulso?
— Exato. O que você acha de produzir um filme para mim?
Lanie olhou-o boquiaberta e só alguns segundos depois conseguiu respirar outra vez.
— Você acha que estou pronta?
— Nós não estaríamos discutindo o assunto se eu não tivesse certeza disso — afirmou David secamente.
— Qual é o filme? — indagou, tentando controlar a excitação que a notícia começava a provocar nela.
— Distant Worlds. As primeiras providências já foram tomadas. Nós só precisamos da sua resposta para darmos início às filmagens.
Elaine não respondeu de imediato. Já ouvira comentários sobre o filme, e achara o argumento muito bom. Mas sabia também que a equipe já havia sido definida.
— Pensei que tudo estivesse acertado para que Tom Sellert fosse o produtor.
— E estava, mas mudei de idéia. Ele e eu temos algumas "diferenças artísticas" — disse, de forma enigmática. — Como é? Aceita ou não?
Elaine apressou-se em confirmar.
— Ótimo — falou David. — Só mais uma coisa, Lanie: você conseguiu a produção de Distant Worlds por merecimento, e não pela minha amizade com Larry.
— Obrigada, David.
Naquela noite, Elaine levou o pai a um restaurante para celebrarem juntos o grande acontecimento. Larry estava muito feliz pela filha, mas não procurou dar-lhe qualquer conselho, e Elaine sentiu-se grata por isso. Depois do jantar, deixou o pai no clube e foi para a casa onde morava, na praia de Malibu. Passou a maior parte da noite lendo o script e preparando-se para o primeiro dia de trabalho como produtora de Distant Worlds.
Na manhã seguinte, mudou-se para o seu novo escritório, que era amplo, bem mobiliado. e onde contaria com os serviços de uma secretária particular. O primeiro passo foi tomar conhecimento de tudo o que Thomas Sellert havia feito antes de ser demitido do cargo.
Todos os contratos com os atores já haviam sido assinados. Elaine exultou ao ver que sua amiga Cindy Reed fora escolhida para interpretar a principal personagem feminina. Todas as providências relacionadas aos cenários e escolha de locações para as cenas externas já haviam sido tomadas. Livre da primeira parte do trabalho. Elaine dedicou-se aos aspectos mais técnicos da produção.
No segundo dia, o assistente de produção, Jason Heller, entrou no escritório dela levando más notícias: Allen Marshall, o protagonista do filme, sofrera um acidente de moto que o manteria afastado do trabalho durante alguns meses.
Elaine conhecia Allen, e imediatamente mandou-lhe um enorme buquê de flores acompanhado de um cartão, onde desejava um pronto restabelecimento do ator. Feito isso, voltou a concentrar-se no filme. Precisava encontrar um substituto
para Allen. Pelo interfone, pediu à sua secretária que marcasse uma hora com David Leaser.
As cinco horas, estava sentada diante da mesa de David, esperando que ele terminasse uma conversa ao telefone. Depois de recolocar o fone no lugar, ele olhou para Elaine e sorriu.
— O que você sabe sobre Joe Michaels? — perguntou David.
— Nada. Quem é ele? — Pela expressão de David, percebeu que era inadmissível nunca ter ouvido falar de Joe Michaels.
— Ele é um dos monstros sagrados do teatro em Nova York. No ano passado, ganhou o Tony de melhor ator coadjuvante pelo seu desempenho numa comédia.
— No ano passado eu trabalhei como assistente de produção em dois filmes, e passei nove meses na Europa. Não tive oportunidade de ir à Broadway, e nem ao menos de assistir à entrega do Tony. Ele já participou de algum filme? — quis saber, atenuando o sarcasmo de suas palavras com a pergunta.
— Você esteve na Itália e na França e. que eu saiba, qualquer um pode encontrar facilmente jornais americanos nesses dois países. E, em resposta à sua pergunta, Joe Michaels nunca fez cinema. Pelo que ouvi, ele se considera um ator "sério", e tem resistido ao fascínio de Hollywood.
— Então por que estamos falando nele?
— Michaels vai trabalhar como protagonista numa peça que estréia a semana que vem na Broadway, Lifelines. Por coincidência, o autor da peça é Simon Arnold, o homem que adaptou Distant Worlds para o cinema, Arnold queria Michaels para o papel principal, mas ele recusou o convite.
— E agora mudou de idéia?
— Quando soubemos do acidente de Allen, eu conversei com Arnold, que prometeu insistir com Joe Michaels para que aceitasse o papel principal em Distant Worlds. Meia hora mais tarde, ele me comunicou que havia convencido Michaels.
— E como ele conseguiu essa proeza?
— Os dois são amigos, e Arnold prometeu a Joe Michaels que a adaptação para o cinema refletiria exatamente a filosofia do autor.
— Você está falando sério?
— Estou. Assumi o compromisso de que não faremos qualquer mudança durante as filmagens sem o consentimento prévio dos dois.
Elaine custou a acreditar no que ouvira. Um roteirista e um ator desconhecidos ditariam as regras no estúdio?
— Mas por quê?
— Simples, minha cara: eu tenho um carinho especial por esse projeto. Acredito nesse filme, e farei o que estiver ao meu alcance para que se torne um grande sucesso.
— Foi por isso que você tirou Tom Sellert da produção? Ele não se submeteria facilmente, não é?
— Lanie. — A voz e o olhar de Leaser avisavam-na para que não avançasse o sinal.
— Eu o conheço desde garotinha, David, e sempre o considerei um homem franco, que diz o que pensa. Foi por esse motivo que quis trabalhar para você. Acho que tenho o direito de pedir uma resposta à minha pergunta.
— Você é tão cabeça dura quanto seu pai. Muito bem, a resposta é sim. Sellert e eu discordamos acerca de vários aspectos do projeto, e eu pedi a ele que desistisse da produção de Distant Worlds e aceitasse outro filme.
— Pediu ou ordenou?
— Na minha posição, o limite entre uma coisa e outra é praticamente imperceptível. Mas por que isso é tão importante para você?
— Porque todos estão falando a respeito. Dizem que eu manobrei para conseguir o lugar de Sellert.
— No meio onde trabalhamos, há sempre alguém disposto a espalhar rumores sem fundamento. Lanie, o que as pessoas dizem só poderá magoá-la se você permitir. Acho que tudo se resolverá se você produzir um filme bom o suficiente para calar os invejosos.
— É fácil para você...
— Não se desgaste com bobagens, Lanie, apenas mostre ao mundo do que é capaz, certo?
Elaine encarou o melhor amigo de seu pai durante um longo momento antes de concordar.
— Ótimo — falou Leaser. — Amanhã você vai tomar um avião para Nova York. Os contratos estarão prontos pela manhã, e eu quero que você veja o nosso novo astro em ação.
— O quê?
— Isso mesmo. Quero que você compareça à noite de estréia de Lifelines. Observe o trabalho de Joe Michaels, e depois me conte o que achou do desempenho dele.
— Mas isso é mesmo necessário? — protestou. — Você já decidiu dar a ele o papel, e eu tenho um milhão de coisas para providenciar antes do início das filmagens.
— Isso é necessário, Lanie — insistiu David, e seu tom de voz deixou bem claro que não admitiria réplicas.
No dia seguinte, logo cedo, Elaine estava a caminho de Nova York para descobrir como era o protagonista de seu primeiro filme.
Uma buzina estridente interrompeu os pensamentos de Elaine, trazendo-a de volta ao presente. Mais uma vez, o esplendor das luzes de Nova York chamou-lhe a atenção, mas agora as preocupações impediam-na de desfrutar tranqüilamente aquele cenário soberbo.
Respirou fundo e sacudiu a cabeça. Não, não permitiria que nada abalasse sua autoconfiança. Ela trabalhara duro e havia lutado muito para conseguir a chance de produzir seu primeiro filme. Talvez David a houvesse escolhido por considerá-la mais maleável do que Tom Sellert, mas ele também sabia que ela era competente. David não faria a loucura de colocar-lhe nas mãos um projeto que envolvia milhões de dólares se não confiasse nela. E Elaine estava disposta a provar ao mundo que não chegara àquela posição apenas por ser a filha de Lawrence Rodman.
Deu um profundo suspiro, e já se preparava para voltar, quando a impressão de ter ouvido uma voz a deteve. Virou-se para o lado oposto, mas não viu ninguém. Deu alguns passos, e só então vislumbrou um vulto um pouco mais adiante. À medida que se aproximava, a voz tornava-se mais nítida, e Elaine percebeu que se tratava de um homem. Com as mãos apoiadas na amurada, ele olhava para as águas escuras do rio e falava em voz alta. A cena era tão insólita que Elaine não resistiu à tentação de se aproximar e ouvir o que ele dizia.
— Você é linda e ao mesmo tempo triste. Vejo-a todos os dias, mas não consigo entender a sua realidade. Você me encara com olhos frios e cruéis, e me desafia a amá-la. Mas não me oferece nada em troca.
Elaine estremeceu ao ouvir aquelas palavras que pareciam brotar do fundo do coração. O timbre profundo e o tom melodioso daquela voz elevavam-se acima do ruído do tráfego na ponte. Petrificada pela surpresa, Elaine continuou a ouvir.
— Não há sentido em continuar. Por que me arrastar por mais um dia se o que me espera é apenas outra noite fria e solitária?
Um calafrio percorreu a espinha de Elaine, e ela sentiu que o que estava ouvindo não era uma representação. Subitamente percebeu o que estava acontecendo, mas teve medo de dizer alguma coisa. A magia daquela voz a mantinha cativa, dominada por uma emoção intensa.
— Talvez eu encontre refúgio nas águas do rio. Elas me chamam como uma sereia de braços abertos. Sim. a sereia das águas me convida a unir-me a ela. Quero encostar a cabeça em seu peito, e descansar por toda a eternidade. Por que continuar a viver se já disse adeus às ilusões, e tudo o que me resta é a solidão?
Elaine sentiu o sangue gelar nas veias. Seus músculos estavam entorpecidos, e os pés pareciam colados ao chão. A voz do homem tocara as fibras mais profundas de seu coração; seu sofrimento fizera reviver lembranças que ela imaginava sepultadas para sempre. Ela também havia conhecido a desilusão e a
solidão. Só depois de três anos, as feridas, que julgara incuráveis a princípio, haviam começado a cicatrizar. Mas agora sentia-se cheia de esperança, e não podia permitir que ninguém, nem mesmo aquele desconhecido, tomasse a atitude extrema de dar fim à própria vida. Seria um crime deixar que aquela voz profunda se calasse para sempre nas águas que passavam por baixo da ponte.
Mas, ainda assim, Elaine tinha receio de interferir. Seria mais sensato procurar ajuda, um guarda que soubesse enfrentar aquele tipo de situação. Mal havia dado um passo, e a voz do homem, vibrante de mágoa, a deteve novamente.
— Sim, eu vou ao seu encontro. O momento é agora, se esperar mais, perderei a coragem. Abra os braços para mim, maravilhosa escuridão.
Dominada pela necessidade urgente de fazer alguma coisa. Elaine voltou-se. A intensidade daquele momento a distanciava de tudo e de todos, exceto do dono daquela bela voz.
— Não! — gritou, e precipitou-se na direção do homem. — Você não pode fazer isso!
— O quê?
Elaine sabia que o pegara de surpresa e que isso podia ser muito perigoso.
— Você não tem o direito de fazer isso — insistiu, sem conseguir conter uma nota desesperada na voz. Na penumbra não podia distinguir as feições do homem. De repente, o riso dele ecoou na noite.
— Eu tenho o direito de fazer o que bem entender.
— Não, você não tem! — Ao ouvir a réplica do desconhecido, uma raiva absurda misturara-se ao receio de não ser capaz de impedi-lo de cometer aquela loucura.
— Vá embora. Me deixe em paz.
— Não. — Seu coração batia furiosamente, e Elaine se perguntou por que estava agindo daquela forma. Se o desconhecido pretendia acabar com a própria vida, ela não tinha nada a ver com aquilo. Mas havia alguma coisa na voz dele que a impressionara. A intuição lhe dizia que estava diante de uma pessoa invulgar. — Você não pode! — insistiu com mais veemência ainda,
— E por quê?
— Porque seria uma grande tolice.
— Você não está entendendo. Eu não...
— Pelo contrário. Entendo muito bem, já passei por isso, mas aprendi que não existem situações irremediáveis na vida. Por favor, afaste-se da amurada.
— Você. acreditaria se eu dissesse que não pretendia me suicidar? — perguntou o homem.
— Pois então prove — desafiou-o Elaine.
— Não preciso provar nada a você.
— Você não disse que não pretendia se matar? — Sabia que ele estava mentindo, e tentava ganhar tempo na esperança de fazê-lo afastar-se da amurada. — Então prove.
— Está certo — concordou, finalmente, e caminhou na direção dela, as mãos nos bolsos do casaco.
Elaine não conteve um suspiro de alívio. Estava certa de que o perigo havia passado. O desconhecido parou diante dela, que o observou com interesse. Devia ter um metro e noventa; seu rosto era bonito, de traços bem masculinos. Os cabelos eram escuros, e estavam revoltos por causa do vento na ponte, o que lhe dava um ar displicente que contribuía para deixá-lo ainda mais atraente. Seu corpo, forte e musculoso, emanava uma energia que destoava do ato que estivera prestes a cometer. Constrangida, Elaine tentou, sem sucesso, desviar os olhos.
— Por que você me deteve? — perguntou o homem com aquela voz profunda que tanto a impressionara.
— Por que você queria morrer? — ela quis saber, ignorando a pergunta dele.
— Há muitas razões para que uma pessoa tente acabar com a própria vida, mas não acredito que nenhuma delas seja da sua conta. Ainda assim, eu agradeço o seu interesse — acrescentou, atenuando um pouco o efeito desagradável de suas palavras. Sem dizer mais nada, deu-lhe as costas.
Elaine compreendeu que quando ele desaparecesse na escuridão da noite, desapareceria de sua vida também. E de uma forma absurda e irracional, essa perspectiva pareceu-lhe insuportável.
— Espere!
O homem parou e olhou para ela outra vez.
— Pelo menos diga-me o seu nome — murmurou Elaine.
— Talvez não seja sensato. Os chineses têm um modo especial de encarar o que aconteceu agora há pouco. Tem certeza de que quer saber o meu nome?
— Por favor.
— Paul.
Elaine deu uma risada nervosa. Por uma razão inexplicável sentia-se tensa outra vez.
— Paul... — repetiu, pensativa. — Esse nome não combina com você.
— Pois pode acreditar: esta noite, mais do que em qualquer outra, eu sou Paul.
— E qual é a interpretação que os chineses dão ao que aconteceu?
— Eles dizem que quando você salva uma pessoa, torna-se responsável por ela pelo resto da sua vida.
— Mas antes você tem que saber o nome da pessoa?
— Não. Eu quis apenas lhe dar a chance de escapar.
Elaine percebeu o ridículo da situação: estava na Brooklyn Bridge, gracejando com um homem que estivera prestes a se matar. Mas ele despertara sua curiosidade, mais ainda, o seu interesse, e ela não podia recuar agora.
— Paul — começou, mas interrompeu-se quando seus olhares se encontraram. Só agora notara como os olhos dele eram verdes. — Você não vai tentar de novo, vai?
— Isso a preocupa de verdade?
Elaine enfrentou o olhar dele, e, lentamente, concordou, porque era verdade.
— Não tenho intenção de fazer duas tentativas na mesma noite — brincou Paul. — Mas...
— Nada de mas — interrompeu-o Elaine, estendendo-lhe a mão. — Meu nome é Lanie.
— Oi, Lanie.
A mão que apertou a dela era grande e forte, e, ao seu contato, um arrepio percorreu o corpo de Elaine. Fechou os olhos, tentando entender por que aquele homem a impressionara tanto. Olhou para ele outra vez, e forçou um sorriso.
— Já que agora eu sou responsável pela sua vida, posso lhe pagar uma xícara de café?
— Por quê?
Ele a observava com indisfarçável interesse, e Elaine teve a impressão de que se passara uma eternidade antes que finalmente conseguisse articular as palavras.
— Bom, eu nunca salvei a vida de uma pessoa antes, e acho que estou precisando me sentar um pouco e tomar uma xícara de café bem forte.
Paul puxou-a de encontro ao peito e abraçou-a carinhosamente.
— Você está tremendo — falou, consternado. — E acho que a culpa é minha.
Elaine nunca imaginara antes que um dia permitiria que um estranho a abraçasse daquele jeito. Mas, naquela noite, tudo parecia tão fantástico que ela não tentou fugir, nem se surpreendeu ao descobrir o conforto que sentia entre os braços dele.
— Vamos. — Paul segurou a mão dela e a puxou para o lado da ponte que levava a Nova York.
Caminharam em silêncio. Elaine tinha consciência apenas do calor que se irradiava da mão que segurava a sua. Mas, quando alcançaram a rua, sentiu que readquirira, pelo menos em parte, o controle de suas emoções.
— Onde você mora? — perguntou Paul, enquanto tentava avistar um táxi.
— Em Los Angeles.
— Você viajou quase cinco mil quilômetros só para me salvar? — Sorriu, deixando à mostra dentes muito brancos e regulares.
— Não exatamente — respondeu ela, sorrindo também.
— Em que hotel você está hospedada?
— No Inter-Continental.
Ele fez sinal para um táxi que passava. Fizeram o percurso em silêncio, e quando o motorista estacionou diante do hotel. Paul deu-lhe uma nota de dez dólares.
— Ainda quer um café? — perguntou ele, quando estavam na calçada.
— Acho que estou precisando de alguma coisa mais forte.
— É uma boa idéia. — Segurou-a pelo braço, e entraram juntos no luxuoso hotel.
CAPÍTULO II
— Obrigado — falou Paul, quando a porta do elevador se abriu.
— Você não precisa me agradecer — sussurrou Elaine, hipnotizada por aqueles olhos tão verdes e misteriosos. Usando toda sua força de vontade, desviou os seus e procurou a chave de seu quarto na bolsa.
— Lanie — chamou Paul, quando ela lhe deu as costas.
— Foi um prazer conhecê-lo. — Precisava dizer qualquer coisa para impedi-lo de falar. — Boa sorte. Paul. — Sua voz estava quase inaudível, e, com um movimento rápido, Elaine entrou no elevador. Ainda uma vez, o olhar de Paul atraiu o dela como ímã, e o manteve cativo até que a porta se fechou.
Quando entrou em seu quarto, Elaine apoiou-se contra a porta e deu um suspiro de alívio. Depois de tantas emoções, estava precisando de uma boa noite de sono.
Abriu o guarda-roupa, onde estavam penduradas poucas peças: um vestido e dois conjuntos de saia e blazer. Era mais do que o suficiente para os dois dias que passaria em Nova York. Abriu uma das gavetas e pegou um robe de seda, presente de seu pai ao voltar do Japão no ano anterior.
Depois de tomar um banho reconfortante, vestiu o robe e sentou-se numa larga poltrona, próxima à janela. Bastou fechar os olhos para visualizar o rosto bonito de Paul. "Pare", ordenou a si mesma. Por que acrescentar aos seus próprios problemas os de outra pessoa, principalmente os de um homem que não desejava mais viver?
No bar do hotel, havia feito o possível para não mencionar o que acontecera na Brooklyn Bridge. A conversa restringira-se a assuntos superficiais, mas a tensão entre ela e Paul era quase palpável. Quando seus olhares se cruzavam ou as mãos se tocavam casualmente sobre o balcão, um tremor agitava o corpo de Elaine.
Mas ela havia jurado nunca mais se envolver com outro homem. Uma decepção já era o bastante; não pretendia passar por outra. Não depois de ter levado três anos para recuperar o equilíbrio de suas emoções e reunir os cacos de seu coração.
Na ponte, Elaine falara a verdade ao afirmar que entendia o que Paul estava sentindo. Embora nunca houvesse tentado o suicídio, um dia chegara a pensar que não lhe restava nenhum motivo para viver.
Fora um lindo caso de amor, pelo menos enquanto havia durado. Estava há um mês nos Estúdios Trion quando conheceu Malcolm Stewart. Começaram a sair, e, três meses mais tarde, ele a pediu em casamento. Ela aceitou, radiante, e o mundo lhe pareceu um paraíso até aquele dia fatídico.
Malcolm era um diretor principiante, mas sua carreira prometia ser brilhante. Seu primeiro filme fora muito bem recebido pela crítica. Elaine ainda engatinhava como assistente de produção. Um dia, durante um intervalo das filmagens, ela decidiu fazer-lhe uma surpresa. Comprou sanduíches e refrigerantes na lanchonete do estúdio e foi procurá-lo em seu escritório.
A sala da secretária estava deserta, e Elaine foi para a porta de Malcolm. Tentava ajeitar os pacotes nos braços para abri-la, mas parou ao perceber que ele não estava sozinho. Não demorou mais que um segundo para identificar a voz da mulher que estava com o seu noivo.
— Confie em mim, meu amor. Vai dar tudo certo.
— Ela não é estúpida, Malcolm — replicou Jeannie Daniel, que trabalhava como figurante até que Malcolm a convidara para fazer uma pequena ponta em seu filme.
— Que bobagem, querida. Eu prometo que, em menos de três meses, conseguirei um contrato para você. Vou transformá-la numa grande estrela.
— E se ela descobrir tudo antes disso?
— Impossível. Lanie está louca por mim. Daqui a dois meses estaremos casados, e eu serei o genro de Larry Rodman. Você sabe o que isso vai representar para a minha carreira — afirmou, orgulhoso de si mesmo. — Agora, chega de conversa. Venha cá. Eu quero você.
A vista de Elaine escureceu, e ela precisou apoiar-se ao batente da porta para não cair. Com as palavras do noivo repetindo-se como um eco em sua cabeça, jogou os pacotes sobre a mesa da secretária e saiu correndo dali. Consciente das lágrimas que lhe escorriam pelo rosto, entrou no primeiro banheiro que encontrou. Depois de trancar a porta, chorou convulsivamente durante um bom tempo.
Quando saiu, trazia a fisionomia recomposta, e só um bom observador poderia afirmar que ela havia chorado.
Voltou para o escritório e trabalhou arduamente durante o resto do dia. Quando foi para casa, atirou-se sobre o sofá, exausta, e por várias horas ficou naquela posição, recusando-se a atender aos chamados insistentes do telefone. Sabia que era Malcolm.
Naquela noite, Elaine prometeu a si mesma não se envolver com outro homem até que houvesse atingido o ponto máximo de sua carreira. Daquele dia em diante, concentraria sua energia e seu interesse apenas no trabalho e jamais permitiria que a fizessem de tola novamente.
Uma vez tomada essa decisão, sentiu-se com forças para colocar um ponto final em seu relacionamento com Malcolm. Na manhã seguinte, logo cedo, vasculhou nos armários e gavetas de seu quarto, e foi jogando sobre a cama, um a um, os presentes que recebera dele. Quando achou que não faltava nada, colocou todos os objetos dentro de uma caixa e foi para a casa de Malcolm.
Ele não estava, e Elaine decidiu deixar a caixa diante da porta. Voltou para o carro, e preparou-se para enfrentar mais um dia de trabalho e os comentários sobre o rompimento de seu noivado, que a essa altura já deviam estar correndo por todas as salas dos Estúdios Trion.
Conseguiu evitar Malcolm durante todo o dia, mas quando a compainha de sua casa tocou, à noite, compreendeu que ele só desistiria quando ela lhe dissesse claramente que estava tudo terminado entre eles.
Malcolm tentou demovê-la de sua decisão com caricias e palavras de amor, que só conseguiram provocar o desprezo de Elaine.
— É inútil, Malcolm. Está tudo acabado entre nós.
— Você está cometendo um grande erro, Lanie. Não destrua um amor tão bonito como o nosso.
— Não há nada a destruir, Malcolm. Você já se encarregou disso. Boa noite... e adeus.
Não havia mais nada a ser dito entre eles. Voltou para dentro e fechou a sua porta para sempre para Malcolm Stewart.
Aquela despedida representou o alicerce do muro que Elaine começou a construir à sua volta para se proteger contra qualquer sofrimento. Pedra por pedra, ela solidificava suas defesas a cada dia.
Elaine sacudiu a cabeça como para afastar aquelas recordações amargas. Ainda não havia tirado o relógio de pulso, e espantou-se ao ver que já era meia-noite.
Apesar do adiantado da hora e das emoções daquele dia, não sentia sono. Mas estava num quarto de hotel, e não tinha muitas opções para passar o tempo. O melhor que podia fazer era deitar-se e distrair-se com um livro até que o sono chegasse.
Estava ajeitando as cobertas, quando ouviu duas batidas discretas na porta. Envolveu-se melhor no robe sem pensar duas vezes, colocou a mão no trinco. Só então percebeu a sua imprudência. Aquela não era sua casa, e seria perigoso abrir a porta antes de saber quem estava do lado de fora,
— Quem está aí? — perguntou.
— É Paul, Lanie.
— Paul? Mas o que... — Estava surpresa com aquela mudança súbita no rumo dos acontecimentos e, mais ainda, com as batidas aceleradas de seu próprio coração.
— Preciso falar com você.
— Mas eu já estava indo para a cama, Paul.
— Por favor, Lanie. É importante.
Elaine hesitou por um momento. Nada na voz dele lembrava a loucura que estivera prestes a cometer naquela noite, Não havia motivo para ter medo, ponderou, e abriu a porta.
— Obrigado — falou ele com um sorriso que lhe iluminou singularmente a fisionomia.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Elaine.
Desde o momento em que abrira a porta, os olhos de Paul fixaram-se nos dela, e não desceram nem uma vez em direção ao corpo esbelto que o robe de seda fazia ainda mais atraente. Elaine não deixou de se sentir aliviada ao notar isso.
— Lanie, não sou o tipo do homem que faça rodeios quando tem algo importante a dizer, já estava a meio caminho de casa, quando percebi que precisava voltar e lhe explicar o que eu estava fazendo na ponte,
— Você não me deve explicações, O que aconteceu pertence ao passado agora. É melhor deixarmos as coisas como estão Paul,
— Lanie...
A forma como ele pronunciou o nome dela foi um alerta para Elaine. Por que aquele homem a perturbava tanto? Que estranho poder possuíam aqueles olhos verdes que a impediam de desviar os seus?
— Paul, não... por favor — sussurrou.
— Você é tão linda — falou em voz baixa, mas vibrante de admiração.
Elaine ouviu-o com a respiração suspensa. Os olhos dele pareciam acariciá-la, e as defesas que ela construíra com tanto cuidado e empenho transformaram-se em ruínas em poucos segundos. Não havia como negar o impacto que o encontro com Paul provocara nela, nem a intensa emoção que a presença dele lhe inspirava.
— Eu... — Não conseguiu dizer mais nada. O rosto de Paul estava tão próximo que sua respiração alcançava as faces de Elaine. No instante seguinte, os braços dele rodearam-lhe a cintura e puxaram-na contra o peito largo, de músculos
bem desenvolvidos. Quando seus lábios se encontraram, Elaine entendeu que o desejo que sentia era maior que o medo de sofrer outra vez.
— Eu quis beijá-la desde o primeiro instante em que a vi na ponte.
— Paul...
— Deixe-me terminar. Sei que você não quer explicações sobre o que houve esta noite, mas, um dia, eu ainda lhe contarei tudo. Esta é uma noite especial para mim, Lanie; representa um novo começo. E quero dividi-lo com você. — Soltou-a tão subitamente quanto a havia abraçado antes. — No entanto, posso ir embora agora mesmo, se você quiser.
Elaine sabia que a decisão seria dela. E que difícil decisão! Passara os últimos três anos evitando qualquer emoção que pudesse magoá-la mais tarde, mas agora... Adivinhava que, no momento em que Paul a tocasse novamente, ela não conseguiria mais ser racional. Ele, porém, não parecia disposto a tentar qualquer aproximação antes que ela dissesse alguma coisa.
Mas as palavras recusavam-se a sair de sua boca. Ou talvez não houvesse mesmo necessidade de dizer nada. Lentamente, ergueu as mãos e acariciou o rosto de Paul. No momento em que tocou sua pele, percebeu que estava perdida. Paul segurou uma das mãos dela e beijou-lhe a palma, sem desviar os olhos dos de Elaine.
E então a paixão explodiu, tão repentina e violenta quanto uma tempestade de verão. Suas bocas se encontram num beijo profundo e arrebatador, que deixou Elaine quase sem forças. As mãos de Paul moviam-se em suas costas, e ela podia sentir-lhes o calor através do tecido fino do robe.
Sem pensar em mais nada, entregou-se às sensações que o beijo e a forte masculinidade de Paul despertavam. Quando ele afastou o rosto, Elaine não conteve uma exclamação abafada de decepção. Mas, quando ele a ergueu nos braços, carregando-a na direção da cama, a dúvida e o medo voltaram a assaltá-la. Era loucura permitir que aquilo fosse adiante. Tentou dizer alguma coisa, mas ainda dessa vez a voz faltou-lhe, e ela escondeu o rosto no ombro de Paul.
Em lugar de deitá-la na cama, ele a colocou no chão, mantendo-a bem junto ao corpo, as mãos explorando as curvas perfeitas de Elaine.
— Paul... eu... eu preciso lhe dizer... uma coisa — murmurou, atordoada com as carícias dele. Havia acabado de conhecê-lo e já estavam a ponto de ir para a cama.
— Não, não diga nada — suplicou ele entre um beijo e outro.
Suas mãos subiram lentamente pelos braços de Elaine, alcançaram-lhe os ombros e afastaram o robe. Os lábios moveram-se com sensualidade, explorando-lhe a curva delicada do pescoço, a maciez da pele. As mãos dele procuraram as alças da camisola, puxaram-nas para o lado e, no instante seguinte, robe e camisola escorregaram para o chão.
— Você é linda — sussurrou, fascinado pelas formas esculturais de Elaine.
Continuaram a olhar um para o outro, até que Elaine não pode mais controlar o impulso de rodear-lhe o pescoço com os braços e oferecer-lhe os lábios entreabertos. Dessa vez, o beijo foi ainda mais profundo e apaixonado que antes.
Sem parar de beijá-la, Paul empurrou-a delicadamente para a cama. Deitando ao lado dela, a mão vagando pelo corpo esbelto, ele beijava-lhe o rosto, os cabelos, o colo. Elaine não pensava em nada. Tinha consciência apenas do calor dos lábios de Paul em sua pele, das sensações há tanto tempo adormecidas, que as carícias dele despertavam.
De repente, Paul se sentou na cama, e Elaine olhou-o confusa. Mas ele sorriu, acariciou-lhe o rosto e, levantando-se, começou a se despir. Com a respiração suspensa, ela acompanhou cada movimento das mãos dele. Quando Paul abriu a camisa, Elaine não conteve um suspiro diante da visão daquele peito largo e bronzeado, coberto de pêlos escuros. Fechou os olhos, o corpo trêmulo de excitação.
Alguns segundos depois, ainda de olhos fechados, sentiu que Paul se deitava ao seu lado outra vez. Os lábios dele acariciaram-lhe a testa, desceram pelo rosto e alcançaram a boca macia, num beijo ansioso e apaixonado.
A mão de Paul fechou-se sobre um dos seios e acariciou-o delicadamente, para então ceder a vez aos lábios. Com um gemido rouco, Elaine enterrou os dedos nos cabelos de Paul.
Aquilo estaria mesmo acontecendo? Tudo parecia tão irreal. O tempo havia parado; a importância do mundo lá fora se extinguira, e o aqui e agora passou a ser tudo o que importava. Nos braços de Paul, era impossível ser racional, e esquecendo as dúvidas e o medo de sofrer Elaine correspondeu com ardor às carícias dele. Suas mãos deslizaram pelas costas másculas, explorando cada músculo, comprimindo os ombros largos. O coração dela batia furiosamente e o sangue fluía mais rápido em suas veias.
Os lábios de Paul procuraram os dela novamente, os braços rodearam-lhe o corpo, e eles rolaram pela cama. Elaine tinha consciência do desejo que crescia dentro dela com uma força assustadora, que as mãos de Paul estimulavam com carícias cada vez mais ousadas.
Com um movimento ágil, Paul deitou-se sobre Elaine, as mãos segurando-lhe as faces, e os olhos, perdidos nos dela. Quando suas bocas estavam a poucos centímetros, ela lhe enlaçou o pescoço e, rodeando-lhe o corpo com as pernas, acomodou-se melhor sob ele.
Paul movia lentamente os quadris, penetrando com cuidado o corpo de Elaine, e controlando a custo o desejo que o consumia. Ao ouvir um gemido abafado, ele parou. Sua boca cobriu a de Elaine, e suas línguas travaram um dueto cheio de sensualidade. Quando percebeu que ela estava menos tensa, Paul, com delicadeza e cuidado, levou-a para uma viagem que tinha por destino o prazer.
Seus corpos pareciam moldar-se um ao outro; os corações batiam em uníssono. Elaine permitiu que ele a guiasse naquela jornada de descobertas. Agora,
Paul não procurava controlar a intensidade de sua paixão, e, com movimentos cada vez mais impetuosos, arrebatou-a para alturas que ela nunca alcançara antes.
As mãos de Elaine crisparam-se nas costas dele; as unhas arranharam-lhe a pele. Então, como um vulcão ao entrar em erupção, o prazer de Elaine explodiu, escapando ao seu controle. Paul, que só aguardava aquele momento, seguiu junto com ela.
Durante um longo tempo, continuaram nos braços um do outro, exaustos, a respiração arquejante. Paul deitou-se ao lado dela e puxou-a mais para perto. Não disseram nada, o que foi um alívio para Elaine. Com a cabeça apoiada no ombro de Paul, aquecendo-se com o calor do corpo dele, ela procurava não pensar em nada. As mãos dele subiam e desciam em suas costas, acariciando-a suavemente. Aos poucos, as pálpebras de Elaine foram ficando pesadas, e, sem que pudesse evitar, acabou adormecendo entre os braços de Paul.
Elaine abriu os olhos, ainda sonolenta, e, na escuridão do quarto, avistou apenas os números luminosos do rádio-relógio ao lado da cama. Quatro horas da manhã. Tentou lembrar-se de onde estava. Então virou a cabeça para o outro lado, e viu, deitado a poucos centímetros, o homem com quem havia feito amor há apenas algumas horas.
Uma onda de ternura invadiu-a, extinguindo as dúvidas que lhe cruzavam a mente. Nada poderia apagar o que havia acontecido mas a intuição lhe dizia que tudo estava bem. Aproximou-se dele e deu-lhe um beijo suave na boca.
Ele moveu a cabeça, e, em seguida, abriu os olhos.
— Acho que peguei no sono — sussurrou Elaine.
— Nós dois, você quer dizer.
— Sinto muito. Paul. Eu não... — Viu um sorriso formar-se nos lábios dele e corou. Felizmente, o quarto estava às escuras e ele não podia ver aquela prova do embaraço dela.
— Está tudo bem, Lanie. Foi uma noite cheia de emoções, e acho que nós dois estávamos cansados.
— Como você descobriu o número do meu quarto?
— Simples: quando nós nos despedimos no elevador, você estava segurando a chave, e eu vi o número na plaqueta.
— Oh!
— Como vê, não precisei usar de meios inconfessáveis para descobrir — brincou, e deu-lhe um beijo leve na boca.
Apoiou-se num braço e, segurando-a pelo ombro com a outra mão, deitou-a outra vez. Quando suas bocas se uniram, Elaine fechou os olhos, sentindo o desejo despertar dentro de si. Novamente, a paixão voltou a arrebatá-los, e parecia não haver limites para o prazer que encontravam juntos.
Faltava uma hora para o sol nascer, quando Elaine adormeceu. Suas pálpebras pesavam, e ela ainda estava naquele estado de semi-inconsciência que antecede o sono, quando um pensamento cruzou-lhe a mente: estaria apaixonada? Durante três anos fugira de qualquer envolvimento emocional, e agora, no espaço de poucas horas, esquecera a promessa que havia feito a si mesma de não se apaixonar outra vez.
"Não!" A palavra ecoou como um grito em sua mente. Uma noite nos braços de um homem não significava necessariamente uma relação de amor, pensou.
Mas o sono não lhe deu trégua e, apesar daquela hipótese assustadora que teimava em insinuar-se em seu pensamento, Elaine acabou dormindo.
CAPÍTULO III
Raios de sol, que penetravam pelas frestas das venezianas e já alcançavam a cama, despertaram Elaine. Ela abriu os olhos, espreguiçou-se languidamente e consultou o relógio. Já era quase meio-dia. Virou-se para o outro lado à procura de Paul.
Uma exclamação de tristeza escapou-lhe dos lábios e ela se sentou na cama. Ele não estava mais lá. Mas, quando olhou para as marcas que a cabeça dele deixara no travesseiro, percebeu que havia alguma coisa ali. Bem no centro, estava uma rosa de cabo longo e pétalas rubras.
Elaine segurou-a e aspirou-lhe o perfume suave. Levou-a aos lábios e uma absurda sensação de perda insinuou-se em seu coração. Paul fora embora e ela não sabia nada sobre ele, nem mesmo o seu sobrenome. As lembranças da noite anterior voltaram-lhe à mente, tingindo suas faces de uma tonalidade semelhante à das pétalas da rosa. Como podia explicar a forma irrefletida com que se entregara a Paul naquela noite?
"Como pude fazer isso?", perguntou a si mesma, apertando a flor entre as mãos até quase partir-lhe o cabo. "Louca! Estúpida!", pensava a cada detalhe que recordava. Como havia sido capaz de se envolver até aquele ponto com um desconhecido?
Levantou-se da cama, deixando a rosa abandonada entre os lençóis. Mas a imagem de Paul, seus traços viris, os expressivos olhos verdes teimavam em permanecer na sua mente. Com um suspiro, passou as mãos pelos cabelos e aproximou-se da janela. A raiva diminuíra e uma sensação de melancolia invadiu-a. A noite passada fora perfeita. Por que ele havia ido embora? Tudo parecia estar tão bem entre eles...
Assustava-a a forma como agira. Não fazia parte de sua natureza entregar-se tão sem reservas a um homem que acabara de conhecer. Tentando analisar o que havia acontecido, compreendeu que o dia anterior havia sido tão repleto de emoções, que a deixara completamente vulnerável. À decepção de não ter escolhido o elenco de seu primeiro filme juntara-se o pânico, que havia passado na Brooklyn Bridge, quando impedira Paul de cometer aquela loucura. Não, se estivesse com suas emoções sob controle, não teria agido de forma tão insensata.
"Pare de racionalizar!", ordenou a si mesma. Desde que se tomara uma mulher adulta, adquirira o hábito de ser honesta consigo mesma e nunca esconder-se atrás de falsos pretextos. Embora a linha de seu raciocínio estivesse correta, nada desculpava o que havia acontecido na noite anterior.
Mas, por mais que tentasse pensar em outra coisa, a imagem de Paul teimava em aparecer diante de seus olhos. Nunca outro homem a impressionara tanto. O que estaria acontecendo? Precisava ser sensata. Aquilo não era um filme, mas a vida real.
— Não posso estar apaixonada por ele — sussurrou. — Não tão rápido. — Estendeu o braço e alcançou a rosa. Girou-a entre os dedos, observando-a com tristeza. — Além disso, nunca o verei novamente.
Sabia que era verdade. Paul fora embora sem ao menos deixar um bilhete. Aquela flor solitária não passava de um gesto delicado depois dos momentos que haviam passado juntos. E, no fundo do coração, Elaine sabia que ela representava o ponto final de seu breve, mas intenso relacionamento com Paul.
Às seis e meia da tarde, Elaine desceu de um táxi e entrou no luxuoso saguão do Inter-Continental. Foi até a portaria pegar a chave de seu quarto e perguntar se havia algum recado. Não esperava nenhum, mas depois de trabalhar durante quatro anos em locações, adquirira aquele hábito. Mais de uma vez, ao voltar das filmagens, encontrara recados importantes e inesperados onde estava hospedada.
A recepcionista desapareceu por alguns instantes, e quando retornou trazia na mão um envelope fechado. Elaine não tinha tempo de abri-lo. Caminhou apressada para o elevador, consciente de que tinha apenas uma hora para tomar um banho, trocar de roupa e chegar ao teatro antes que as cortinas se abrissem.
A tarde fora agitada no escritório dos Estúdios Trion em Nova York. Elaine tinha uma série de coisas a resolver e passara quase duas horas ao telefone, conversando com o seu assistente de produção. Havia surgido uma série de problemas com o local escolhido para a filmagem das primeiras cenas externas e o rapaz queria a orientação de Elaine para encontrar uma alternativa. Mal havia acabado de resolver aquele problema, fora chamada para uma reunião, onde seria apresentada aos distribuidores da costa leste.
Saiu-se muito bem e cada um dos presentes pareceu bem impressionado com a mais nova produtora dos Estúdios Trion. Após a reunião, Elaine ficara durante mais de uma hora na sala do diretor de operações, Sy Margold, discutindo não
apenas o mais recente projeto do estúdio, Distant Worlds, mas também os dois últimos filmes em que ela atuara como assistente de produção. Quando a conversa aproximou-se do fim, Margold perguntou-lhe se ela não estava entusiasmada com a perspectiva de trabalhar com Joe Michaels.
— Para falar a verdade, não estou familiarizada com o trabalho dele — admitiu. — Nem ao menos o conheço por fotografia.
— E eu que pensei que nesse meio todos se conhecessem — brincou Margold. — Mas, se não me engano, tenho uma foto dele aqui, em algum lugar — afirmou, abrindo uma das gavetas da escrivaninha.
— Não se preocupe, Sy. Hoje mesmo terei uma oportunidade de ver o famoso Joe Michaels em ação. Tenho uma entrada para assistir à estréia de Lifelines.
— Ah! — exclamou Margold, separando uma foto dentre várias outras que estavam em uma pasta. — Infelizmente, por esta foto, você não terá chance de vê-lo exatamente como é. Ele está caracterizado para interpretar o papel do Rei Arthur em Camelot. A foto foi batida durante uma das cenas do segundo ato. Michaels esteve perfeito — comentou. — A peça foi o maior sucesso da Broadway no ano passado.
Elaine pegou a fotografia e estudou-a cuidadosamente. Joe Michaels usava um traje de época, que o cobria dos pés à cabeça, e uma peruca escura, que chegava até a altura dos ombros. A barba e o bigode acentuavam a aparência viril, bastante própria para o período em que a história se passava.
Elaine deu outra rápida olhada para o perfil do ator antes de devolver a foto. Alguma coisa naquele rosto parecia-lhe familiar, embora ela não soubesse definir bem o quê. Com certeza, já havia visto uma foto de Joe Michaels em algum jornal ou revista.
— Esta barba é verdadeira? — perguntou.
— É. Ele fez questão de deixá-la crescer.
— Ele é realmente um ator "sério" — comentou Elaine, com uma ponta de ironia.
— É um dos melhores também, pode acreditar. No ano passado, David e eu tentamos, sem sucesso, atraí-lo para o cinema. Fizemos propostas irrecusáveis, mas Michaels, pelo jeito, não dá grande importância ao dinheiro.
— Bem, esta noite eu terei uma oportunidade de julgar por mim mesma o desempenho dele.
Sy Margold deu uma rápida olhada para o relógio em seu pulso.
— Isso se você chegar antes que as cortinas se abram. Já são seis horas.
Surpresa ao descobrir como era tarde, Elaine agradeceu a atenção do diretor de operações e saiu apressada do escritório, tomou um táxi e, meia hora depois, já estava no hotel.
Com o envelope em uma das mãos, Elaine abriu a porta de seu quarto e entrou. A camareira havia deixado tudo na mais perfeita ordem. Sobre o criado-mudo, dentro de um copo d'água, estava a rosa vermelha. Aquilo foi suficiente para trazer-lhe à lembrança o rosto de Paul e os momentos de prazer que haviam compartilhado naquele mesmo quarto.
Sentou-se na cama e abriu o envelope com cuidado, retirando de dentro uma folha de papel. Seu olhar bateu na assinatura e ela soltou uma exclamação de espanto. Era de Paul.
"Lanie, você estava tão linda e tranqüila em seu sono, que não tive coragem de acordá-la. Quando você puder, por favor, telefone para 555-23-54".
— Por quê? — perguntou em voz alta, olhando a folha de papel como se pudesse encontrar a resposta naquelas poucas linhas. Amassou o bilhete e jogou-o sobre a cama. — Por que você não me acordou?
Começou a desabotoar a blusa, mas parou de repente e, durante um longo momento, ficou olhando para o papel amassado. Num impulso irresistível, pegou-o novamente e alisou-o com cuidado. A mão que estendeu para o telefone estava trêmula, porém, após discar os dois primeiros números, Elaine recolocou o fone no lugar. Não, não iria bancar a tola pela segunda vez em sua vida. Além disso, o que diria a ele? Não, seria mais sensato deixar as coisas como estavam.
Mas a noite anterior fora especial demais, e não poderia ser colocada de lado tão facilmente. Fechou os olhos, recordando cada traço do rosto viril de Paul. Algum dia esqueceria o sabor dos beijos dele e o calor de seu corpo?
Deu um profundo suspiro, discou o número do telefone e aguardou, ansiosa, que alguém atendesse do outro lado da linha. Reconheceu imediatamente a voz de Paul quando o ouviu dizer alô.
— Alô — respondeu, sentindo os lábios subitamente secos.
— Aqui é 555-23-54. Você tem três minutos para deixar o seu recado, e eu lhe telefonarei assim que possível. Obrigado.
— Odeio secretárias eletrônicas — murmurou, desapontada. Mas, ao ouvir o sinal para o início da gravação, falou:
— Paul, aqui é Lanie. São seis horas, e eu estou de saída para o teatro. Acho que só estarei de volta lá pela meia-noite. Se você puder, telefone para mim neste horário.
Recolocou o fone no lugar, perguntando-se se havia conseguido falar em tom casual. Em seguida, imaginou se não tinha usado um tom casual demais. Nervosa, terminou de se despir e foi para o banheiro.
As noites de estréia costumavam ser um grande acontecimento, e as pessoas vestiam-se com o esmero que a ocasião exigia. Olhando-se no espelho, Elaine ficou satisfeita com o que viu. O vestido preto, de uma elegância sóbria, tinha um corte perfeito e revelava as linhas esculturais de seu corpo, sem contudo parecer
provocante demais. Seus cabelos, macios e brilhantes, estavam soltos como de hábito, e caíam até os ombros.
Ao consultar o relógio, percebeu que levara mais tempo para se vestir do que havia imaginado. Tinha apenas vinte minutos para chegar ao teatro. Apressada, pegou a bolsa e o casaco, que estavam sobre a cama. Sem saber bem porque, tirou a rosa vermelha de dentro do copo. Com um sorriso, decidiu que e levaria também.
A três quarteirões do teatro, Elaine pagou o táxi e seguiu caminhando. A rua estava congestionada, e ela chegaria mais rápido indo a pé. Ao se aproximar, parou para ver o anúncio luminoso. O nome da peça vinha em primeiro lugar, logo abaixo, em letras um pouco menores, estava o nome de Joe Michaels. Na Broadway, isso significava que o protagonista da peça era um astro de primeira grandeza. Poucos eram os atores contemplados com essa distinção.
Com o ingresso em uma das mãos, Elaine juntou-se à pequena multidão que entrava no teatro. Era uma típica noite de estréia, concluiu, ao olhar em volta. Atores, críticos, celebridades juntavam-se às pessoas comuns para assistir à primeira apresentação de Lifelines. Não faltavam nem mesmo as câmeras das maiores redes de televisão.
Elaine olhou em volta, à procura de algum conhecido, mas não encontrou nenhum. O ruído de vozes no saguão era semelhante ao das ondas do mar quebrando-se contra as rochas.
— Lanie — chamou-a uma voz conhecida.
Ela se voltou e reconheceu Philip Casey, um dos distribuidores do estúdio, que conhecera na reunião daquela tarde.
— Que surpresa — exclamou, estendendo-lhe a mão.
O aperto de mão de Philip era firme e seu sorriso, franco.
— Comprei minha entrada para esta noite há dois meses — contou ele. — Não perderia a estréia de Lifelines por nada deste mundo. Onde é o seu lugar?
— Fila C, poltrona oito — afirmou Elaine, depois de consultar o ingresso.
— É um ótimo lugar. — Uma campainha soou enquanto ele falava. — É a última chamada. Se você não tiver programa para depois da peça, eu adoraria levá-la ao Sardi's.
— Obrigada, Philip, mas eu já tenho outro compromisso — afirmou, disfarçando a mentira com um sorriso. — Foi um prazer encontrá-lo.
O saguão já estava quase vazio, e Elaine seguiu as últimas pessoas que entravam. Localizou rapidamente a sua poltrona e ficou satisfeita ao ver que Philip estava certo: daquele lugar, tinha uma visão privilegiada do palco. Abriu o programa que havia comprado, porém, antes que encontrasse a página onde estavam as fotos do elenco, as luzes se apagaram e a platéia ficou em silêncio.
Lentamente, as cortinas se abriram e um foco de luz iluminou dois atores, parados no meio do palco. O cenário estava na penumbra, e Elaine custou a
identificá-lo. Parecia-lhe familiar, todavia ela não conseguia descobrir por quê. Tentou concentrar-se nas falas dos atores, mas, novamente, seu olhar percorreu a armação montada no fundo do palco, e, dessa vez, teve a impressão de que havia alguém sobre ela. De repente, reconheceu o que estava vendo. O cenário fora projetado de forma a parecer-se com a Brooklyn Bridge. Que estranha coincidência, pensou, procurando prestar atenção aos diálogos.
— Espero que ela chegue a tempo — falou um dos atores.
— Ela virá — afirmou o outro, com uma nota de desespero na voz. — Por Deus! Ela tem que vir.
Um outro foco de luz incidiu sobre uma mulher, parada na outra extremidade do palco. Elaine reconheceu imediatamente Elizabeth Sandor, a atriz que interpretava a principal personagem feminina. Todas as peças de que participara haviam sido verdadeiros sucessos de crítica e bilheteria, e, no ano anterior, Elizabeth conquistara seu segundo Tony. Logo atrás dela, surgiu outro ator.
— Sandra! — exclamou o primeiro homem. — Graças a Deus!
—- É melhor que isto não seja uma brincadeira — replicou ela, rudemente.
— Você considera a morte uma brincadeira?
— Ora, Steve. Você não está falando sério, está? — Apontou para o homem que a seguia. — Quando este criado chegou ao meu apartamento e me contou o que estava acontecendo, eu me recusei a acreditar. Mas ele praticamente me forçou a vir.
— Forçou? — repetiu o primeiro ator.
— Foi o que eu disse — confirmou a mulher, irritada.
— Ela não queria vir — contou o criado. — Disse que os problemas do Sr. Paul não a interessavam.
— Você é a mulher mais insensível e fria que já conheci — disse o segundo ator.
Paul? Elaine não podia crer no que ouviu. Aquela série de coincidências começava a intrigá-la.
— Se eu fosse tão fria como você diz, não estaria aqui. Onde ele está?
Elaine acompanhava com interesse o desenrolar da peça, embora ainda não pudesse compreender bem a trama. Os dois homens apontaram para o fundo do palco, e ela quase deu um grito quando uma voz profunda e expressiva emergiu da escuridão.
— Sim, Sandra, você é fria. Mas é linda e, ao mesmo tempo, triste. Vejo-a todos os dias, e nem assim consigo entender a sua realidade. Você me encara com olhos frios e cruéis, e me desafia a amá-la. Porém não me oferece nada em troca.
Elaine sentiu o estômago convulso e por um momento teve receio de passar mal. Suas faces estavam quentes, e as palmas das mãos, úmidas. Entretanto seus
olhos não se desviavam do palco, e ela acompanhava atenta, como que dominada por um encanto, a cena da qual tomara parte na noite anterior.
— Nós vivemos um belo caso de amor — continuou a atriz.
— Mas agora está tudo acabado, Paul. Deixe-me em paz! Eu sou jovem e quero viver intensamente. Por que você não faz, o mesmo?
— Não há sentido em continuar a viver. Por que me arrastar por mais um dia, se o que me espera é apenas outra noite fria e solitária?
— Pare de bancar o mártir! — gritou Sandra. — Está tudo acabado entre nós e nada pode mudar isso.
— Talvez eu encontre refúgio nas águas do rio — continuou Paul, como se ela não houvesse dito nada. — Olhe para a água, Sandra.
Vários focos de luz iluminaram o fundo do palco, no exato local onde estava o ator que falava. A platéia estava em silêncio, totalmente envolvida pela trama. Não se ouviu o menor murmúrio, nem mesmo quando as luzes incidiram sobre o astro da peça.
Sentada a poucos metros do palco, Elaine viu Joe Michaels pela primeira vez. Fechou os olhos. Um suor frio cobriu-lhe o corpo, e uma horrível sensação de náusea dominou-a. Então Joe Michaels era Paul!
"Estúpida! Mil vezes estúpida!" Amassou o programa que estava em seu colo, até que sentiu uma dor aguda na mão. A rosa estava no meio do papel e um dos espinhos lhe ferira o dedo. Deixou que a flor escorregasse para o chão e esmagou as pétalas sob a sola do sapato. Já não ouvia a voz de Joe Michaels. Conscientemente, obstruíra todos os seus sentidos para o que estava acontecendo no palco. Uma única coisa ocupava-lhe a mente: sair dali o mais rápido possível.
Levantou-se e saiu apressada, pedindo licença para as pessoas sentadas ao lado, e ignorando as suas manifestações de aborrecimento. No saguão, apoiou-se em uma das paredes e fechou os olhos.
— Não está se sentindo bem, senhora? — perguntou, solícito, um funcionário do teatro.
— Não, eu... eu estou bem. Obrigada.
Sem dar atenção à expressão de curiosidade do rapaz, correu para a calçada e fez sinal para um táxi que passava. Só depois de sentar-se no banco de trás e dar o endereço ao motorista, percebeu, o filete de sangue que escorria de seu dedo, onde a rosa a picara. "Isto não importa", pensou, os olhos embaçados pelas lágrimas. "Isto é o que menos importa".
Os dez minutos que levou para chegar ao Inter-Continental pareceram-lhe um século. Estava ansiosa para refugiar-se em seu quarto.
Uma vez lá, procurou controlar os nervos e descobrir o que deveria fazer. Ele a fizera de tola. Conquistara-a com mentiras, para depois deixá-la. Agora tinha
certeza de que ele nunca telefonaria. Quando chegasse do teatro, Paul, ou melhor, Joe ouviria o recado dela e daria boas risadas.
De repente, Elaine percebeu que a situação era mais complicada do que havia pensado a princípio. Tudo seria mais simples, se aquele caso se encerrasse ali. Mas ela teria que trabalhar com Joe Michaels durante meses.
Olhou para a cama e um tremor agitou-lhe o corpo, Não conseguiria passar outra noite naquele quarto. Abriu sua maleta e começou a jogar as roupas dentro dela com pressa, sem se preocupar em dobrá-las. Agia como se fosse uma fugitiva que precisasse abandonar com urgência aquele quarto de hotel. Trocou o vestido que usava por uma calça comprida, blusa e blazer. Depois de fechar a mala, foi para o telefone e reservou um lugar no vôo da meia-noite para Los Angeles.
Quarenta minutos depois de ter abandonado o teatro, Elaine pegou a mala e deixou o hotel. O porteiro providenciou-lhe um táxi, e só quando estava a caminho do aeroporto ela conseguiu respirar aliviada.
Na manhã seguinte, bem cedo, chegaria à sua casa, e estaria a salvo lá. Mas a salvo de quê?, perguntou-se. Mesmo longe daquele homem que abusara da sua confiança, ela não poderia sufocar a dor que lhe esmagava o peito. Quantas e quantas vezes, nos últimos três anos, prevenira-se contra a possibilidade de se envolver sentimentalmente. E bastara uma única noite nos braços de Joe Michaels para que reencontrasse as decepções e os sofrimentos que o amor provocava.
A agitação nos bastidores do teatro era intensa após o término da peça. Joe Michaels estava exultante com o seu desempenho e pela certeza de que tudo havia corrido bem. A platéia ovacionara o elenco durante mais de dez minutos. Quando as cortinas se fecharam pela última vez, os atores e toda a equipe que trabalhara para que Lifelines se constituísse num grande êxito cercaram Joe, cumprimentando-o com entusiasmo pela sua magnífica atuação.
Elizabeth Sandor beijou-o no rosto, e Simon Arnold, autor da peça e amigo de Joe, abraçou-o, emocionado.
Mas, assim que o elenco deixou o palco, Joe foi para o camarim, trocou de roupa e deixou o teatro pela porta dos fundos.
As noites de estréia constituíam-se num estranho fenômeno. A maioria dos atores entrava em pânico antes da primeira apresentação, mas, como verdadeiros profissionais, controlavam-se antes de entrar em cena. Desse momento em diante, deixavam de ser atores preocupados com o próprio desempenho e passavam a encarnar as personagens que representavam. Após o espetáculo, ficavam horas à mesa de um restaurante, aguardando, ansiosos, as críticas dos jornais matutinos.
Joe aprendera desde o início de sua carreira a não se deixar apanhar por esse tipo de apreensão. Preferia recolher-se à tranqüilidade de seu apartamento e não pensar em mais nada até o dia seguinte. Seu condicionamento era tão perfeito que ele conseguia dormir muito bem. como se não tivesse a menor preocupação na cabeça. Só na manhã seguinte, após o café, consultava os jornais para saber dos comentários sobre a peça,
Aquela noite não foi muito diferente. Joe tinha uma habilidade especial para adivinhar se uma peça faria sucesso ou não. Quando as cortinas se fecharam, ele não tivera dúvidas de que Lifelines seria outro grande êxito de sua carreira. Dessa vez, porém, estava disposto a quebrar o hábito de se isolar após a estréia e à dividir sua alegria com alguém. Mas estava interessado em ver uma única pessoa naquela noite, e sabia muito bem quem era. Decidiu telefonar-lhe antes. Não queria cometer a indelicadeza de simplesmente aparecer no hotel, sem que ela o esperasse. Devia algumas explicações a Lanie, e era a primeira coisa que pretendia fazer ao encontrá-la.
Fez sinal a um táxi que passava e, depois de dar seu endereço ao motorista, distraiu-se observando as ruas através da janela. Quando o carro estacionou diante de um imponente edifício no Central Park, Joe tirou uma nota de dez dólares da carteira e entregou-a ao motorista. O homem olhou para ele e sorriu.
— Como foi a estréia, Sr. Michaels?
— Muito bem, obrigado — respondeu, enquanto aguardava o troco.
— O senhor faria a gentileza de me dar o seu autógrafo? Minha mulher e eu somos seus fãs.
— É claro que sim — concordou Joe com um sorriso. Pegou o caderninho e a caneta que o motorista lhe ofereceu e, depois de perguntar o nome dele e da mulher, rabiscou algumas palavras e assinou embaixo. O assédio dos fãs não o incomodava. Sabia que era um dos preços a pagar pela fama.
— Obrigado, Sr. Michaels. Nós o veremos na próxima semana. Comprei os ingressos para Lifelines há dois meses.
— Ótimo. Uma boa noite para você.
Desceu do táxi, atravessou a rua e entrou no edifício,
— Boa noite, Sr. Michaels — cumprimentou-o o porteiro,
— Boa noite, Peter.
Entrou no elevador e apertou o botão que levava à cobertura. O apartamento era o seu refúgio, um mundo particular escondido nas alturas, acima da cidade que sempre fora tão generosa com ele.
Atravessou a sala de estar, decorada em tons suaves, sem lançar um único olhar para a vista magnífica que a enorme janela envidraçada oferecia. Também não parou para admirar, como gostava de fazer a gravura de Cézanne, Water Lily, que adquirira recentemente, foi direto para a biblioteca, verificar se havia algum recado gravado na secretaria eletrônica.
Desde que deixara Lanie naquela manhã, poucas vezes ele saíra de seu apartamento. Ele precisara fazer um grande esforço para concentrar-se nos preparativos para a noite de estréia. Às onze horas, havia saído do quarto, para voltar poucos minutos depois com a rosa vermelha, que depositou no travesseiro ao lado do dela. Depois de deixar um bilhete na portaria, saíra apressado para uma reunião no teatro com os outros integrantes do elenco.
Joe apertou o botão do gravador e preparou-se para ouvir os recados. A maioria restringia-se a votos de boa sorte, mas o sétimo foi justamente o que aguardava com ansiedade. Ao reconhecer a voz de Lanie. sentiu o pulso acelerar.
Olhou para o relógio e viu que eram apenas onze horas. Teria que esperar até a meia-noite para falar com ela. Voltou para a sala, tirou o casaco e deitou-se num dos sofás. De olhos fechados, recordou cada detalhe do rosto de Lanie: os olhos azuis, os lábios cheios e bem desenhados, as covinhas que lhe davam um ar tão brejeiro.
O timbre suave da voz dela, a maciez dos lábios e a forma como o olhara na noite anterior eram lembranças tão vivas na mente de Joe que ele se sentiu incapaz de esperar ainda uma hora para tomar Lanie nos braços outra vez. Nunca imaginara que o amor surgiria de uma forma tão estranha em sua vida. Mas Joe era um tipo raro de pessoa, capaz de aceitar o inesperado com naturalidade.
As imagens da noite anterior surgiram diante de seus olhos, límpidas e claras como um cristal. Foi como se tudo estivesse acontecendo outra vez. Recordou o choque que levara ao ouvir o grito de Lanie ecoar na noite. Sorriu ao se lembrar de sua falta de habilidade para contar a ela quem era realmente e o que estava fazendo lá. Só depois de terem compartilhado momentos tão intensos de amor, percebeu que não queria levar adiante a farsa que, de forma tão irrefletida, representara ao conhecê-la. Mas qual seria a reação de Lanie?, perguntou-se, apreensivo. Não, tinha certeza de que ela compreenderia que ele vivia tão intensamente a profissão que, às vezes, quase se esquecia de quem realmente era, ou do que fora antes de decidir ser um ator.
Aos vinte e três anos, Joe havia dado uma guinada em sua vida ao decidir aventurar-se na carreira artística. Rico de nascimento, Joseph Wislow Michaels III parecia destinado a substituir o pai na presidência das empresas da família. Contudo acabou descobrindo que só seria feliz se abrisse seu próprio caminho e seguisse a inclinação natural que o levava para as artes, e não para a presidência de um conglomerado de empresas.
Desde o momento em que entendera que representar era a sua verdadeira vocação, Joe dedicara-se de corpo e alma ao seu intento. Na escola de arte dramática aprendera que, para tomar parte numa peça, precisaria assimilar a forma de pensar e o estilo de vida da personagem que interpretasse. Muitos atores seguiam esse mandamento, mas Joe, um perfeccionista, levava isso mais longe ainda, a ponto de quase adotar a personalidade do personagem para melhor compreendê-la.
Mas Lanie compreenderia? Precisava encontrar um jeito de lhe explicar que não era Paul, o homem que ela "impedira", de cometer suicídio. Na noite anterior, decidira ensaiar suas falas na ponte, para sentir melhor o clima da trama. Havia feito isso pelo menos umas dez vezes durante os ensaios da peça.
Joe abriu os olhos e consultou o relógio. Dez para a meia-noite. Saltou do sofá c foi para o telefone. Depois de dar o número do quarto de Lanie para a
telefonista do hotel, aguardou, ansioso, o momento em que ouviria a voz dela novamente.
Após o terceiro toque, um homem atendeu, e Joe sentiu o corpo retesar-se.
— É do quarto da srta. Lanie? — perguntou.
— Não, Você está com o número errado.
— Esse não é o quarto 728? — insistiu Joe.
— É — confirmou o homem, um tanto impaciente.
— Eu...
— Olhe, amigo, eu acabei de chegar de Detroit, e estou louco para tomar um banho e ir para a cama.
— Você acabou de chegar?
— Faz exatamente dez minutos. Adeus.
Joe recolocou o fone no lugar, lentamente, tentando entender o que havia acontecido. O alívio que sentira ao descobrir que aquele homem não fazia parte da vida de Lanie transformara-se em angústia quando compreendeu que ela havia partido.
Mas o que teria acontecido com ela? Por que fora embora? Por quê? E ele nem ao menos sabia o seu sobrenome.
— Droga! — A palavra explodiu de seus lábios com uma ira quase selvagem, que não era comum nele. Não sabia nada sobre ela, exceto que se chamava Lanie e morava em Los Angeles. Desesperado, percebeu que com tão poucos elementos jamais conseguiria- localizá-la.
CAPÍTULO IV
Tímidos raios de luz surgiam no horizonte, afugentando aos poucos a escuridão da noite. Caminhando pela praia, Elaine tentava ignorar o dia que nascia e que colocaria um ponto final na segurança em que vivera nos últimos quatro meses.
Desde o momento em que o avião descera em Los Angeles, há quatro meses, levando-a para longe das mentiras de Joe Michaels, Elaine mergulhara no trabalho e esforçara-se para não pensar mais nele. As horas de seus dias eram totalmente preenchidas com atividades estimulantes e intensa concentração. Cada minuto era dedicado aos preparativos para o início das filmagens de Distant Worlds.
Então, finalmente chegara o dia da primeira reunião do elenco. Os nervos de Elaine estavam à flor da pele. Sabia que precisaria de toda a sua força de vontade para agir com naturalidade e não deixar transparecer seus verdadeiros sentimentos por Joe Michaels.
Não daria a ele a satisfação de saber que, desde que ela deixara Nova York, cada noite parecia arrastar-se por uma eternidade, Joe nunca descobriria o quanto conseguira feri-la.
Entrou na pequena casa onde morava e foi preparar o café. Só conseguiria levar adiante os próximos meses de filmagem se fosse capaz de encarar Joe como a outro ator qualquer do elenco. Se falhasse nesse propósito, colocaria em risco o futuro de sua carreira como produtora.
"Você vai conseguir, Lanie". Não fora isso o que seu pai havia dito ao jantarem juntos há duas semanas? Aproximou-se da janela da cozinha, o olhar perdido nas ondas que se quebravam na praia, e relembrou os conselhos que ouvira do pai naquela noite.
Larry Rodman morava em uma linda casa no elegante bairro de Beverly Hills. Embora grande e confortável, a residência não tinha o luxo pretensioso das outras construções que a cercavam. O serviço doméstico ficava a cargo de um único empregado. Chester, que há anos servia fielmente o Sr. Rodman. Chester estava de folga naquela noite, e Larry encarregara-se de preparar o jantar pessoalmente.
— Estou na cozinha — gritou, ao ouvi-la abrir a porta da frente.
Elaine entrou na cozinha, espaçosa e bem equipada, o orgulho de Chester, e deu um beijo carinhoso no pai.
— O cheiro está ótimo — comentou. — O que vamos comer?
— Lombo, farofa e batatas coradas — anunciou Larry com orgulho. — Mais alguns minutos e o jantar estará pronto. Que tal um drinque enquanto espera?
— Agora não, papai.
— Nesse caso, por que você não abre a garrafa de Merlot que está na mesa, enquanto eu sirvo o jantar?
Durante a refeição, falaram de assuntos variados, e Larry evitou mencionar qualquer aspecto do trabalho de Lanie. Quando terminaram, ela ajudou o pai a tirar a mesa, e insistiu em fazer o café.
Ao entrar com a bandeja na biblioteca, encontrou Larry ocupado em acender o cachimbo, hábito que ele mantinha desde a juventude.
— Estive com David na semana passada — falou Larry, olhando diretamente para a filha. — Ele me contou que você está realizando um excelente trabalho.
— Faço o que me permitem, papai — afirmou num tom seco que não lhe era habitual.
— O que permitem?
— Ora, papai! Distant Worlds é um projeto de David. Às vezes, acho que sou um tipo de testa-de-ferro — desabafou.
— Por quê?
— Eu sinto que não tenho muita voz ativa nesse produção.
— Como não? Que eu saiba, você é a produtora do filme.
Por um momento, Elaine não disse nada. Deu alguns passos pela biblioteca e parou diante da estante, onde ficavam os três Oscars de seu pai. Olhou-os demoradamente e, só então, voltou-se para ele.
— David Leaser tem um carinho especial por este projeto. Quando colocou a produção de Distant Worlds nas minhas mãos, o elenco já estava escolhido. Ele não disse claramente, mas deu a entender que não veria com bons olhos qualquer alteração.
— Você substituiu Tom Sellert na produção, encontrou o elenco definido, mas isso não significa que não tenha voz ativa como produtora.
— Eu não gostei da escolha de Joe Michaels para protagonista.
— E por quê?
Elaine não teve coragem de enfrentar o olhar do pai, e voltou-se outra vez para as três estatuetas.
— Ele não me parece adequado para o papel.
— Mas o departamento de elenco dos Estúdios Trion discorda de sua opinião, e isso a aborrece, certo?
— Certo. É o meu primeiro filme como produtora, e quero que tudo saia perfeito.
— Então, sugiro que você se esforce para que tudo saia perfeito. E se o desempenho de Joe Michaels não lhe agrada, cabe a você e ao diretor garantirem que a interpretação dele em Distant Worlds corresponda às expectativas.
— Papai...
— Não! Foi você quem decidiu ser uma produtora. Eu nunca a influenciei na escolha da sua profissão. Agora que conseguiu a sua grande oportunidade, está pensando em desistir diante do primeiro obstáculo? Onde está a sua fibra, Lanie?
Elaine baixou os olhos, embaraçada. Era tão raro ver o pai zangar-se que, quando isso acontecia, ela sentia vontade de sumir.
— Não estou pensando em desistir, papai — defendeu-se.
— Então o que há? Lanie, você tem muita capacidade e foi por isso que David lhe entregou a produção deste filme. Em lugar de tentar convencer o mundo
de como você é talentosa, dê o melhor de si e deixe que o seu trabalho fale por você.
Elaine olhou para o pai e, um tanto hesitante, balançou a cabeça concordando. Ele estava certo, e seu conselho fora muito oportuno. Não podia esmorecer diante da primeira dificuldade. Mas o que seu pai diria se soubesse do verdadeiro motivo que a deixava tão insegura diante daquela produção?
— Ótimo. Faça-me um favor, Lanie.
— Qual?
— Nunca fiz segredo do quanto me orgulho de você. Seja lá quais forem os problemas que encontre, enfrente-os, Lanie, para que também se sinta orgulhosa de si mesma. Você tem talento. Você vai conseguir!
Emocionada com a confiança que o pai depositava nela, Elaine sentiu os olhos encherem-se de lágrimas.
— Eu vou conseguir — repetiu com a mesma convicção de Larry.
"Eu vou conseguir", repetiu em pensamento, afastando-se da janela dá cozinha. Aos poucos, sentiu que a confiança em si mesma voltava. Tomou o café às pressas e, depois de trocar de roupa, tirou o carro da garagem e foi para o estúdio.
Meia hora mais tarde estava em sua sala, lendo atentamente as anotações que o assistente de produção deixara sobre a sua mesa na noite anterior. Estava assinando algumas requisições quando o interfone tocou.
— Sim?
— O Sr. Hart está aqui e deseja vê-la — comunicou-lhe sua secretária, Bonnie Walsh.
— Mande-o entrar. — Recostou-se na cadeira e deu um suspiro de desânimo. O que seria agora?
Uma trégua inesperada havia sido decretada entre ela e seu diretor, John Hart. Tom Sellert e ele eram amigos há anos, e Hart ficara profundamente aborrecido com a troca de produtor. Mas a ordem partira de David Leaser, e o diretor sabia que não teria outra saída a não ser aceitá-la.
Hart entrou, deixando a porta aberta. Elaine ofereceu-lhe uma cadeira e o observou atentamente enquanto ele se sentava. John Hart era magro e não devia ter mais de um metro e setenta. Possuía mãos pequenas, delicadas, o tipo de mãos que as pessoas classificariam como artísticas. Seu rosto era bonito, e os olhos, brilhantes e expressivos. Era um profissional competente e, apesar da mútua antipatia, Elaine estava satisfeita por tê-lo como diretor.
— Você sabe por onde anda Michaels? — perguntou Hart.
— Não — afirmou Elaine, aliviada por conseguir falar com naturalidade e desenvoltura.
— Bom, parece que ninguém sabe. A temporada de Lifelines na Broadway se encerrou há duas semanas, e ele desapareceu.
— Desapareceu? — perguntou.
Suas mãos crisparam-se na borda da mesa e ela sentiu que seu autocontrole se evaporava.
— Foi o que eu disse — confirmou Hart, sarcástico.
— Mas, até o início da reunião do elenco, ele não pode ser considerado oficialmente desaparecido.
— Olhe, eu liguei para o agente dele ontem à noite. O homem disse que desconhece o paradeiro de Michaels desde o encerramento da peça. Se ele não aparecer, as filmagens vão ficar atrasadas.
— Este é um problema meu, não seu — advertiu Elaine.
— Escute aqui, srta. Rodman, este filme é minha responsabilidade.
— E minha também! Nós estamos no mesmo barco, concorda?
— Não, não concordo. Este filme pode dar um impulso na minha carreira ou destruí-la para sempre, mas você pode recorrer ao seu pai.
Dominada pela raiva, Elaine não conseguiu controlar-se.
— Meu pai não tem nada a ver com este filme nem com a minha carreira — explodiu. — Se você não consegue aceitar o fato de que eu sou a produtora aqui, sugiro que abandone o meu escritório e a equipe de filmagem.
— Quem diabos você pensa que é?
— Sou Elaine Rodman, a produtora deste filme. E é melhor que não se esqueça disso. Você tem mais algum assunto para discutir? — perguntou, lutando consigo mesma para recuperar a calma.
John Hart levantou-se, o rosto rubro de raiva.
— Espero, Sra. produtora, que o seu astro chegue a tempo e...
Elaine interrompeu-o antes que ele fosse longe demais e a situação se tornasse insustentável:
— Joe Michaels vai chegar a tempo, Sr. diretor, e eu espero que a sua parte já esteja pronta para o início das filmagens. Agora, se você não tem mais nada a me dizer...
Hart olhou-a durante um momento, e depois marchou para fora do escritório, batendo a porta atrás de si.
— Que maneira de se começar um filme! — murmurou Elaine, apoiando a testa numa das mãos.
As palavras do diretor haviam conseguido perturbá-la. Não as insinuações que ele havia feito sobre seu pai, mas o que dissera a respeito de Joe Michaels. Decidiu ligar para o agente dele, e já estava com o fone na mão, quando desistiu.
Seria melhor esperar para ver o que aconteceria. Embora não tivesse motivos para confiar nele, a intuição lhe dizia que Joe era um ator sério e dedicado, que não faltaria ao compromisso assumido.
À luz resplandecente do sol, o azul do Oceano Pacífico era comparável ao de uma safira. Ondas quebravam-se contra as rochas, lançando para o alto incontáveis gotículas, cintilantes como jóias.
Para Joe Michaels, o cenário diante da casa que alugara em Topanga Beach era tão espetacular quanto o que se avistava da sua cobertura em Nova York.
Estava lá há dez dias, gozando a paz e a tranqüilidade do lugar. Havia escolhido aquela praia, que ficava ao norte de Malibu, não só pela pequena distância que a separava de Los Angeles, mas também porque ali encontraria o sossego necessário para descansar e concentrar-se no papel que deveria interpretar em seu primeiro filme. Topanga Beach não era tão freqüentada ou badalada quanto a praia de Malibu.
Resolvera recolher-se durante aqueles dias, isolando-se deliberadamente do resto do mundo. Mas seu breve período de descanso havia terminado; naquela mesma tarde, deveria estar nos Estúdios Trion para conhecer a equipe que trabalharia em Distant Worlds.
Fechou os olhos por um momento, para melhor recordar o rosto de Lanie. Sabia que estava bancando o tolo, mas recusava-se a tentar esquecê-la. Ainda podia vê-la dormindo tranqüila, os cabelos espalhados sobre o travesseiro, a expressão serena, que lhe dava um ar quase infantil.
Tentara descobrir o sobrenome de Lanie por intermédio da recepcionista do hotel, mas tudo o que conseguira fora uma fria comunicação de que a hóspede do quarto 728 deixara instruções expressas para que não fossem dadas informações a seu respeito.
Joe teria ido atrás dela até o fim do mundo, se necessário, no entanto, com os poucos elementos de que dispunha, jamais conseguiria descobrir o paradeiro de Lanie. A última esperança que lhe restava era encontrá-la em Los Angeles. Mas tinha consciência de que, numa cidade grande como aquela, só por um golpe de sorte os caminhos deles se cruzariam.
O ruído do motor de um carro trouxe-o de volta ao presente. Joe levantou-se e, descendo os degraus da entrada, acenou para o motorista.
— Bom dia, superstar — cumprimentou-o Simon Arnold em tom brincalhão.
— Bom dia, grande escritor.
— Que tal? — perguntou Simon, apontando para o Mercedes 450 LS no qual chegara. — Gostou?
— Lindo. Tentando adaptar-se ao esquema de vida de Hollywood, Simon? — brincou.
— Eu sempre quis um carro como este, e agora posso me dar a esse luxo, por que não?
— Se é para realizar um antigo sonho, não vejo nenhum problema. Só espero que a convivência com os grandes astros de Hollywood não o transforme.
— Este seu receio sem fundamento parte o meu coração, Joe — falou Arnold em tom afetado, levando a mão ao peito num gesto teatral.
— Só não quero que você se machuque, Arnold. — A voz de Joe estava séria agora.
— Isto só vai acontecer se eu permitir. Penso o mesmo que você a respeito da indústria do cinema, Joe, mas isso não paga as contas. Já que está aqui, meu amigo, não tente tornar as coisas mais difíceis.
Antes que Joe pudesse replicar, Simon subiu os degraus da entrada.
— Tem café nesta casa? — perguntou do terraço.
Meia hora mais tarde, estavam outra vez no terraço, sentados nas cadeiras de vime, olhando o mar.
— Fale-me deles, Simon — pediu Joe, quebrando o silêncio.
— De quem?
— Simon...
O tom de voz de Joe fez o amigo sorrir,
— Eles transpiram profissionalismo. John Hart, o diretor, me pareceu um rapaz inteligente e agradável.
Joe olhou de relance para o amigo, Não lhe passara despercebida uma estranha inflexão na voz de Simon.
— Mas...
— Oh, nada especial. Eu apenas o achei um tanto presunçoso. Hart parece ter a própria capacidade em grande conceito. Mas acho que a maioria dos diretores é assim,
— O que ele quis mudar no script?
— Nada de importante. Ele só queria testar até onde poderia esticar a corda.
— E você?
— Eu lhe mostrei a exata extensão da sua liberdade para mudar o texto: a mínima possível.
— Ótimo. E o que me diz da produtora?
— Já estive várias vezes com Elaine Rodman, e ela parece muito competente e meticulosa. Depois dos comentários que já tinha ouvido sobre ela, isso me surpreendeu.
— Que comentários? — quis saber Joe, um tanto impaciente. Gostaria que o amigo fosse mais objetivo, em lugar de se perder em tantos detalhes. Mas, depois de cinco anos de convivência, aprendera a aceitar aquele jeito de ser dos escritores.
— Ela é filha de Lawrence Rodman.
— E daí?
— Ouvi alguns boatos de que ela usou a influência do pai para conseguir a produção de Distant Worlds.
— No entanto você acabou de dizer que ela parece competente.
— Certo, mas quem pode ter certeza? De qualquer forma, não tardaremos a descobrir isso. Vamos? Temos exatamente meia hora para chegar aos Estúdios Trion para a reunião.
Simon parou o carro diante dos portões do estúdio. Um guarda aproximou-se e pediu os passes dos dois.
— Bem-vindo aos Estúdios Trion, Sr. Michaels. Por favor, Sr. Arnold, estacione na ala B, à sua esquerda.
Simon dirigiu o carro para o lugar que o homem indicara. Enquanto ele procurava uma vaga, Joe observou atentamente os prédios do estúdio. De repente, seus olhos se estreitaram e ele endireitou o corpo. Não podia acreditar no que via: uma mulher que poderia ser a irmã gêmea de Lanie desceu de um Datsun 260 Z e caminhou na direção de um dos prédios.
— Pare! — ordenou a Simon.
— Mas eu preciso achar uma vaga antes.
— Droga! Pare este carro!
Sem entender o que estava acontecendo, Simon obedeceu, Joe saltou para fora e correu para o prédio onde a mulher havia entrado. Cruzou a porta giratória da entrada a tempo de vê-la dobrar um corredor. Foi atrás dela e deu de cara com um escritório. Sem se preocupar em ler a placa no vidro, abriu a porta e entrou.
Uma moça estava sentada atrás de uma mesa, os dedos martelando com incrível rapidez o teclado da máquina de escrever.
— Em que posso ajudá-lo? — perguntou, interrompendo o serviço.
Joe respirou fundo, tentando recuperar o fôlego. Sua pulsação estava acelerada pela corrida e também pela emoção de ter visto Lanie.
— Uma mulher acabou de entrar aqui...
— O senhor é muito observador — comentou Bonnie, com um sorriso condescendente.
— Preciso falar com ela — afirmou, ignorando a ironia da secretária.
— Por acaso o senhor tem hora marcada?
— Hora marcada? Não... Eu apenas quero falar com Lanie.
— Sinto muito, mas a srta. Rodman está muito ocupada.
— Srta. Rodman? Lanie Rodman?
— Elaine Rodman — falou a moça, olhando com curiosidade para a fisionomia perturbada de Joe.
De repente, as peças do quebra-cabeças se encaixaram com perfeição. O enigma do desaparecimento súbito de Lanie estava resolvido. Atordoado pela descoberta, ele ficou olhando para a secretária, mas não a via nem ouvia o que ela estava dizendo. A moça precisou repetir a pergunta:
— O senhor poderia me dizer o que deseja exatamente?
— A srta. Rodman é a produtora de Distant Worlds, não é?
— É. Agora, se o senhor me disser o que quer com ela, eu posso marcar-lhe uma hora para amanhã.
Joe olhou para a secretária, imaginando qual seria a reação dela quando lhe dissesse quem era.
— Por favor, diga à srta. Rodman que Joe Michaels está aqui e deseja vê-la.
A mudança de expressão de Bonnie foi imediata: seu rosto ficou escarlate e a arrogância desapareceu de seu olhar. Depois de levar alguns segundos para digerir aquela informação, balbuciou:
— Só um instante, Sr. Michaels. Sente-se, por favor — falou, apontando para o pequeno sofá a um canto da sala.
Estava a ponto de apertar o botão do interfone, mas mudou de idéia. Ouvira a discussão entre Elaine e o diretor através da porta aberta, e decidiu que seria melhor anunciar pessoalmente a presença do astro do filme.
— Alguma coisa errada, Bonnie? — perguntou Elaine, ao ver a secretária entrar.
— Não, está tudo bem. Agora você vai poder calar a boca de John Hart. Joe Michaels está aqui.
— Aqui? Nos estúdios? — perguntou, o coração batendo em ritmo acelerado.
— Não, aqui, do outro lado desta porta.
— Oh, não! — sussurrou Elaine. "Ainda não estou pronta," pensou. Deu um profundo suspiro e ensaiou um sorriso: — Diga ao Sr. Michaels que o verei em dez minutos na reunião com o resto do elenco.
— Mas Lanie, eu...
— Por favor, faça o que lhe pedi, Bonnie.
— Como quiser.
Quando a porta se fechou. Elaine cobriu o rosto com as mãos. Se ficara tão perturbada ao saber que ele estava na sala ao lado, o que aconteceria quando o visse cara a cara? Precisava recuperar o equilíbrio a qualquer custo. Durante quatro meses temera aquele momento e, agora que ele havia chegado, não se sentia preparada para enfrentá-lo.
Na outra sala, Bonnie, com o rosto vermelho de embaraço, transmitiu o recado de Elaine. Apesar do choque, Joe conseguiu manter a fisionomia imperturbável. Embora sua vontade fosse invadir o escritório de Lanie e esclarecer tudo, apenas agradeceu à secretária e saiu. Precisava ficar sozinho para pensar no que faria.
Só quando descobrira que Lanie e Elaine Rodman eram a mesma pessoa, havia entendido o que acontecera em Nova York. O recado que ela deixara gravado só dizia que iria ao teatro naquela noite, mas não mencionava a peça. Agora Joe tinha certeza de que Lanie comparecera à noite de estréia de Lifelines. Podia imaginar o que ela havia sentido ao descobrir quem era "Paul".
— Estúpido! — murmurou entre dentes.
— Joe!
Simon caminhava ao encontro dele, acompanhado por uma linda loira. Joe reconheceu-a imediatamente e estendeu-lhe a mão.
— É um grande prazer conhecê-la, srta. Reed — falou. Estava sendo sincero. Conhecia o trabalho de Cynthia Reed no cinema, e sempre a considerara uma excelente atriz. Além disso, a expressão franca e o sorriso simpático de Cynthia lhe diziam que não estava diante de uma típica estrela de Hollywood. Poucos instantes bastaram para que Joe adivinhasse que seria um prazer trabalhar com ela.
— O prazer é meu — respondeu a atriz. — Já que vamos trabalhar juntos, acho que podemos dispensar as formalidades, certo, Joe?
— Claro que sim, Cynthia.
— Joe, o que houve com você? Por que saiu correndo daquele jeito?
— Eu a vi, Simon.
— Quem? A mulher da ponte?
— Dá para acreditar? Depois de tantos meses tentando imaginar como encontrá-la, ela simplesmente apareceu diante dos meus olhos.
— Do que vocês estão falando? — quis saber Cynthia. — Isso mais parece uma charada.
— É o passatempo favorito de Joe — brincou Simon, mas, ao ver a expressão do amigo, achou melhor mudar de assunto. — É uma história muito comprida, e nós temos dois minutos para chegarmos à reunião.
A atriz compreendeu que o assunto devia ser particular e não insistiu. Enquanto caminhavam juntos pelos corredores do estúdio, imaginou se mais tarde
Simon lhe contaria do que se tratava. Olhou furtivamente para o escritor e sorriu. Desde que o conhecera numa festa, há três semanas, sentira-se atraída por aquele homem alto, loiro e simpático. Seu sexto sentido lhe dizia que não era indiferente a Simon. E se ele a convidasse para sair naquela noite, como esperava que fizesse, poderia descobrir se estava certa ou não.
Ao encontrarem o salão onde seria realizada a reunião, Cynthia parou e apontou para o fundo do corredor.
— Chegamos bem a tempo. Lá vem Lanie.
— Lanie? — repetiram Simon e Joe em uníssono.
— Elaine Rodman. nossa produtora.
— Você a conhece, Cynthia? — perguntou Simon, lançando um rápido olhar para o amigo.
— É claro. Nós crescemos juntas... Por quê?
— Mais tarde eu lhe explico — sussurrou Simon.
— Esta noite? — sugeriu Cynthia, sem pestanejar. Uma de suas qualidades era ser objetiva.
— Esta noite — concordou ele.
Sorriu e, durante um longo momento, os dois se olharam como se não houvesse mais ninguém ali.
— Oi, Cyndy. Boa tarde, Sr. Arnold.
A voz de Lanie trouxe-os de volta à realidade. Simon olhou em volta à procura do amigo, mas, durante o breve instante que durara seu diálogo com Cynthia, Joe havia entrado no salão.
CAPÍTULO V
O vento que vinha do Pacífico soprava com rigor na praia de Malibu, e tornava a noite ainda mais fria. Sentada no tapete da sala de sua casa, Elaine tentava aquecer-se junto o fogo da lareira, e diminuir a tensão com um copo de vinho.
O dia havia sido longo e difícil, e a deixara esgotada física e emocionalmente. Primeiro, a discussão com John Hart, depois, a inesperada aparição de Joe em seu escritório, e, para completar, a reunião com o elenco e a equipe técnica de Distant Worlds, que durara quase quatro horas.
Enquanto falava ao grupo, podia sentir o peso do olhar de Joe. Só com grande esforço conseguira concentrar-se no que precisava dizer.
Depois de comunicar que todos deveriam estar no estúdio de filmagem no dia seguinte, às sete horas, para o início dos ensaios, Elaine passou a palavra ao diretor, para que este desse suas instruções à equipe. Quando Hart terminou, todos se levantaram e começaram a conversar em grupos pequenos.
Aproveitando aquele momento de relativa confusão, Elaine foi para a saída. Quando viu Joe desligar-se do grupo onde estava e segui-la, instintivamente apertou o passo. Ao alcançar o corredor, correu para o banheiro das senhoras e escondeu-se lá. Apenas dez minutos mais tarde aventurou-se a sair. Espiando para fora, viu o corredor deserto e caminhou apressada para o seu escritório.
Agora, olhando para as chamas que crepitavam na lareira, Elaine compreendeu como havia sido infantil o seu comportamento naquela tarde. Fugir de Joe não era a solução. Mais cedo ou mais tarde, seria obrigada a enfrentá-lo. Mas não queria que ele a pegasse desprevenida. Quando sentisse que estava em condições de falar com ele, procuraria fazê-lo entender que preferia esquecer aquela noite em Nova York e deixar o passado onde estava.
"Como pude me apaixonar assim numa única noite?" Mas sabia que não havia resposta para essa pergunta. No primeiro instante em que seus olhares se cruzaram naquela tarde, ela havia compreendido que, por mais que tentasse negar, estava irremediavelmente apaixonada por Joe.
Ao ouvir o relógio bater onze horas, Elaine ficou surpresa. Não havia notado como já era tarde. No dia seguinte, bem cedo, começariam os ensaios. Espreguiçou-se e, depois de apagar as luzes, foi para o quarto. Para ter certeza de que dormiria sossegada, desligou a tomada do telefone. Mal havia começado a desabotoar a blusa, a campainha tocou.
Tentando imaginar quem poderia ser àquela hora da noite, voltou para a sala e abriu a porta, para arrepender-se logo em seguida. Parado no terraço, os cabelos revoltos pelo vento, estava Joe Michaels. Elaine engoliu em seco e apertou o trinco com força. Que estranho poder tinham aqueles olhos verdes? Por que conseguiam perturbá-la tanto, a ponto de deixá-la sem fala?
— Pensei que você tivesse entendido que eu não quero vê-lo — falou, lutando desesperadamente para manter a voz firme.
— Por acaso você se esqueceu de que teremos que trabalhar juntos durante os próximos meses?
— Não, é claro que não. Mas eu não quero encontrá-lo fora do estúdio.
— Elaine, deixe-me entrar.
— Para quê? — perguntou, sem se abalar com a súplica que havia no olhar dele.
— Nós precisamos conversar. Você merece uma explicação.
— Eu merecia uma explicação naquela noite em Nova York, que agora prefiro esquecer.
— Se você pensar bem, vai perceber que está sendo injusta. Afinal, você fugiu de mim. e não me deu a menor oportunidade de lhe explicar nada.
— Eu não fugi — replicou, irritada.
— Por favor, Elaine. Posso entrar?
Mais uma vez, aqueles olhos verdes prenderam os dela, e Elaine sentiu sua resistência enfraquecer pouco a pouco. Mesmo sabendo que estava cometendo um erro, afastou-se e deu-lhe passagem.
Joe entrou e sentou-se no sofá que ela lhe indicou. A decoração simples dava um aspecto elegante à sala, e o fogo na lareira tornava o ambiente acolhedor.
— Meus parabéns — cumprimentou-a Joe, olhando ao redor com aprovação. — Você tem muito bom gosto.
— Suponho que você não tenha vindo para discutir a decoração da minha casa — comentou friamente, sentando-se no sofá em frente ao dele. — Gostaria que fosse mais objetivo, Joe. O que tem para me dizer?
Ele não se deixou abalar pela frieza de Elaine.
— Eu sei que a magoei muito e...
— Você me magoou? — perguntou, interrompendo o pedido de desculpas dele. — Quem lhe disse tal absurdo? O seu ego?
— Não, o meu coração.
Elaine sentiu o corpo retesar-se. A resposta de Joe deixara-a mais abalada do que gostaria de admitir, e ela preferiu não dizer nada.
Joe olhou para a mulher que durante tantos meses não saíra de seu pensamento e, mais uma vez, sentiu-se cativo de sua beleza. Quantas e quantas vezes recordara cada traço de seu rosto. Ainda custava a acreditar que estivesse diante dela, quando já havia perdido as esperanças de reencontrá-la. Nem a agressividade da voz de Elaine conseguiu quebrar a magia daquele momento.
— Você não calcula o quanto eu relutei em deixá-la aquela manhã, no hotel. Queria ficar, mas era impossível, e então deixei a rosa no meu lugar. Eu precisava tomar uma série de providências antes da estréia de Lifelines. — Falava devagar, escolhendo bem as palavras. Precisava fazê-la entender que, por ele, as coisas nunca teriam tomado aquele rumo. — Depois que as cortinas se fecharam, abandonei o teatro às pressas e fui direto para o meu apartamento. Ouvi o seu recado, e esperei até meia-noite para lhe telefonar. A primeira coisa que pretendia fazer era lhe contar o meu verdadeiro nome e lhe explicar o que estava fazendo na ponte naquela noite.
— Divertindo-se às minhas custas — Elaine antecipou-se, sarcástica.
— Por favor, deixe-me terminar — Joe pediu em voz baixa.
Esperou um momento, e então continuou seu relato, como se ela não o houvesse interrompido.
— Algumas pessoas me julgam um excêntrico, e talvez eu o seja mesmo, mas o meu objetivo é apenas dar o máximo de veracidade à minha interpretação. Eu estava na ponte para entender melhor os sentimentos do meu personagem. Precisava sentir o vento contra o rosto, olhar para as águas e imaginar como seria mergulhar nelas para a morte. O desejo de acabar com a própria vida é uma coisa que nunca me passou pela cabeça. Eu precisava me colocar na situação de Paul, com o máximo de realidade possível, para descobrir o que sente uma pessoa à beira do suicídio.
Elaine olhou para ele. e depois para as sombras que a dança das chamas formavam na parede. Não podia duvidar da sinceridade que sentia na voz de Joe. Mas ainda não estava tudo explicado,
— E depois? Por que você não disse nada quando estávamos no hotel?
— Eu tentei, mas você não quis me ouvir.
— Eu o quê?
— Procure se lembrar do que me disse na ponte e, depois, no hotel. Eu tentei lhe explicar tudo, mas você me interrompeu, imaginando que eu fosse contar os motivos que me haviam levado a pensar no suicídio. Até parece que posso ouvi-la dizer: "Você não me deve explicações. Isso agora pertence ao passado. É melhor deixarmos as coisas como estão".
— Eu só disse isso porque acreditava realmente que você não pensaria outra vez em se matar, e que o melhor seria esquecer aquele momento de loucura. Você é mesmo um grande ator, Joe. capaz de convencer a platéia em qualquer circunstância.
— Elaine... Lanie, poucas pessoas seriam capazes de agir como você naquela noite — falou, emocionado, ignorando o ressentimento dela. — A solidariedade do seu gesto me impressionou muito.
— O bastante para tentar me seduzir, não é? — Mal terminou de falar, arrependeu-se desse comentário irrefletido.
— Fui até o seu quarto apenas porque não podia sair da sua vida, e também para lhe explicar tudo. Passei os últimos quatro meses tentando localizá-la. Quantas vezes voltei à Brooklyn Bridge na esperança de reencontrá-la.
Elaine tentou falar, mas não conseguiu. As explicações dele pareciam plausíveis, e sua voz tão sincera! Mas ainda havia uma coisa que ela precisava saber.
— E por que você queria me encontrar?
— Porque eu te amo.
Uma bomba não teria causado um efeito mais devastador na mente de Elaine.
— Joe, foi apenas uma noite — replicou, tentando ocultar a emoção.
— E onde está escrito que é preciso mais tempo? — ele perguntou, subitamente exaltado.
Na luta para recuperar o equilíbrio de suas emoções, Elaine conseguiu alguns resultados. Endireitou o corpo no sofá, e balançou a cabeça devagar.
— Não vai dar certo, Joe — afirmou, sem encará-lo.
— Repita isso olhando nos meus olhos.
— Por favor, Joe. Para que tudo isso?
— Se o que aconteceu em Nova York não significasse nada, você não teria fugido. Também não me expulsaria do seu escritório, nem desapareceria ao final da reunião. — Ele estava de pé agora, e falava com uma veemência que contrastava com a calma anterior.
— Talvez eu seja um pouco excêntrica — murmurou Elaine, assustada com o tom inflamado de Joe.
— Não, mas você é linda — sussurrou ele.
— Joe...
— O que lhe contei é a pura verdade. Você acredita em mim, Lanie?
A pergunta pegou-a desprevenida, e, no primeiro instante, ela não soube o que dizer. Ergueu lentamente os olhos e, ao ver a ansiedade de Joe, percebeu que só poderia dizer a verdade.
— Sim — afirmou num fiapo de voz.
— Mas...?
— Mas o que eu disse naquela noite vale para hoje também. Vamos esquecer o passado e deixar as coisas como estão, Joe.
— Não vou aceitar isso, Lanie. Eu te amo, e sei que você também me ama.
— E o que lhe dá tanta certeza? — perguntou, chocada ao perceber como eram transparentes os seus sentimentos por ele.
— O seu olhar, a sua voz, suas atitudes, tudo enfim. Aquela noite no hotel não foi um relacionamento fortuito entre dois estranhos. Foi algo muito mais sério e bonito, destinado a durar. Que droga, Elaine! Você sabe disso tão bem quanto eu.
Elaine fechou os olhos, disposta a negar as palavras dele. Mas não podia mentir para si mesma. Ele estava certo, mas ela sabia o perigo que representava admitir isso. Joe observava-a, desolado. Precisava convencê-la de que estava sendo sincero, mas não sabia o que dizer mais.
— Lanie...
— Não! — gritou, dominada pela necessidade urgente de impedi-lo de falar. — Vá embora, Joe, por favor.
— Está certo, Lanie. Você venceu. Eu não sei mais o que fazer para convencê-la. É uma pena que tudo termine assim. Até amanhã.
Sem coragem de sair do lugar, Elaine olhou-o caminhar para a porta. Pela segunda vez, desde que o conhecera, Joe estava a ponto de sair de sua vida. E então, a frieza que a dominara durante toda a conversa foi estilhaçada pelo desejo cruel de ferir, de humilhar. Levantou-se de um salto, e começou a bater palmas.
— Bravo! Que interpretação pungente! Mais uma vez, o grande Joe Michaels conseguiu arrebatar a platéia.
A mão dele já estava no trinco, quando as palavras de Elaine o atingiram como uma agressão física. Com os braços estendidos ao longo do corpo, as mãos crispadas, o olhar falseante de raiva, Joe se voltou lentamente.
— É isso o que você pensa?
Elaine não recuou diante da cólera no olhar dele. Pelo contrário. Ergueu os ombros com pouco caso e talou com fingida indiferença:
— O que mais eu poderia pensar? O seu lado da história é comovente. Você é um ator dos diabos, Joe. Convenceu-me em Nova York, e quase conseguiu novamente agora.
— Quase? — perguntou, sarcástico.
— É, quase — confirmou. — Ensaie melhor da próxima vez.
Um tapa na cara não conseguiria agredi-lo tanto. Perdendo todo o controle, Joe avançou e agarrou-a pelos ombros. Naquela hora, Elaine descobriu o que era ser beijada com raiva e violência, uma experiência inédita em sua vida. Tentou libertar-se, mas os braços dele eram como um círculo de ferro ao redor de seu corpo. Os lábios, tão suaves em Nova York, machucavam os dela agora, num beijo onde não havia carinho, mas apenas a vontade de punir. Mãos espalmadas no peito dele, procurou empurrá-lo, mas o efeito foi o mesmo de tentar mover uma rocha. A força de Joe era muito superior à dela, e anulava todos os seus esforços para se libertar. Porém, quanto mais tentava resistir, crescia dentro dela o desejo irracional de ser dominada.
De repente, os lábios de Joe moveram-se com mais suavidade e, sem refletir, Elaine correspondeu àquela caricia, consciente apenas do quanto desejava aquele homem.
Joe afastou o rosto, mas seus braços continuaram a enlaçar o corpo de Elaine. Durante um longo instante, olharam-se em silêncio. Ela não tinha coragem de falar. Como poderia? Qualquer coisa que dissesse daria a ele a exata noção de como aquele beijo a afetara. Lágrimas subiram-lhe aos olhos e rolaram pelo seu rosto. Como odiava sentir-se tão vulnerável, incapaz de resistir ao fascínio de Joe. Num último esforço, tentou soltar-se.
Aquelas lágrimas silenciosas trouxeram-no de volta à realidade, e Joe censurou-se por ter ido tão longe.
— Sinto muito, Lanie — sussurrou. Seus braços abandonaram a cintura dela. — Não sei o que deu em mim. Daria tudo para que isto não tivesse acontecido.
— Eu também. — Consciente da tensão que havia no ar, Elaine percebeu que, se não tomasse a iniciativa de encerrar a noite naquele momento, não poderia impedir o que viesse a seguir. — Joe... o que aconteceu em Nova York foi uma loucura que nós não devemos repetir. Temos um grande trabalho pela frente, e o nosso relacionamento precisa ser apenas profissional.
— Nós não podemos ignorar o que sentimos.
— Eu posso — ela replicou. — Eu preciso ignorar — insistiu com veemência. — Este filme é muito importante para mim. Trabalhei arduamente durante quatro anos para ter o direito de produzi-lo. Há muitas pessoas nos Estúdios Trion que dariam tudo para me ver fracassar. E eu não vou permitir que isso aconteça.
— Você está querendo dizer que a carreira é a coisa mais importante da sua vida?
— Estou, mas...
— Nada de mas, Lanie — interrompeu-a, zangado. — Você tem que decidir o que vem em primeiro lugar na sua vida.
— E você pretende encabeçar a minha lista de prioridades, certo? — perguntou, irritada pela forma como ele a colocara contra a parede.
— Eu te amo, Lanie, e quero ficar ao seu lado. Não entendo como isso pode prejudicar a sua carreira.
— Pode, e muito. Se esta produção redundar num grande fracasso, minha carreira estará encerrada. Preciso de toda a minha concentração, e não quero me envolver num relacionamento que nem ao menos sei se pode dar certo.
— Vai dar certo, Lanie — garantiu, segurando o rosto dela entre as mãos. — Desista de resistir, e admita que também me ama.
Elaine fugiu daquele contato, e ficou de costas para ele.
— Você é um excelente ator, Joe, e sabe colocar a emoção exata em cada palavra. Mas a vida não é um filme, e eu prefiro encarar os meus problemas com um pouco mais de objetividade.
— Objetividade? Pare de racionalizar os seus sentimentos, Lanie, e fale de coração aberto. Eu sei o que você sente por mim.
— Joe, já é tarde, e amanhã você terá que enfrentar um longo dia de ensaios. Por que não vai embora e tenta dormir um pouco?
— Lanie...
— Boa noite, Joe.
— Eu não vou desistir, Lanie.
Não havia irritação em sua voz, nem qualquer outro sentimento. Estava apenas fazendo uma comunicação.
— Por favor, Joe, vamos esquecer tudo isto e trabalhar como amigos.
— Nós nunca seremos amigos, Lanie. Não, depois do que houve entre nós. Boa noite e até amanhã.
Durante alguns instantes, Elaine continuou olhando para a porta fechada.
— Eu te amo, Joe — falou, agora que ele não estava ali para ouvi-la.
Sentou-se diante da lareira, olhando para as chamas que começavam a se extinguir. Teria cometido um erro? Joe afirmara que a amava, mas como podia acreditar, se ele já mentira uma vez? Contudo, não estaria dando um pontapé na felicidade apenas por medo de sofrer? Apoiou a cabeça na almofada do sofá e olhou para o teto. Lágrimas amargas deslizaram lentamente por seu rosto. Algum dia conseguiria confiar outra vez em alguém?
Já era quase meio-dia, e o primeiro ensaio aproximava-se do fim.
Ao contrário da maioria dos diretores, John Hart preferia dedicar-se aos ensaios apenas o tempo necessário para que cada ator se familiarizasse com o seu personagem. Na opinião do diretor, os atores, como profissionais conscientes, deveriam comparecer aos estúdios com suas falas já decoradas.
Elaine concordava com ele. Acompanhando os ensaios a distância, ficou satisfeita ao notar que Joe, Cynthia e os atores coadjuvantes sabiam suas falas sem precisar recorrer ao script.
— Pelo jeito, as coisas estão caminhando bem — comentou uma voz familiar atrás dela.
Elaine voltou-se e deu de cara com Tom Sellert.
— É o que parece — afirmou, sem esticar a conversa.
E voltou a olhar para o lugar onde estavam Hart e os atores.
— Por que você fez isso?
— Isso o quê? — perguntou, indiferente, sem olhar para ele.
— Você usou a influência de seu pai para me tirar a produção de Distant Worlds.
Dessa vez Elaine levantou-se e o encarou com frieza.
— Você sabe muito bem que não foi isso o que aconteceu, Sellert. — Seu rosto estava quente, mas ela fez o possível para manter a voz firme.
— Por acaso pensa que eu sou algum idiota? Você quer subir rápido, e para isso passa por cima de quem estiver no caminho, pessoas muito mais competentes, mas que, ao contrário de você, não contam com ninguém a não ser elas mesmas. Se eu tivesse um pai tão influente como Larry Rodman, você não estaria na produção desse filme.
— Você sabe muito bem que foram as suas divergências com David que o afastaram da produção — replicou, conseguindo, por um milagre, falar com tranqüilidade.
— Você não perde por esperar, srta. Rodman. Eu ainda lhe darei o troco.
— Sellert, esta é uma área restrita. Só a equipe de Distant Worlds tem autorização para ficar aqui. e, como nós dois sabemos, este não é o seu caso. Quer fazer o favor de se retirar?
— Você gosta de mandar, de se sentir superior aos outros, não é?
Elaine preferiu ignorar aquela última agressão. Tom Sellert estava lá para arranjar uma briga, mas ela não lhe daria essa satisfação.
— Chick, quer vir até aqui, por favor. — O contra-regra atendeu-a prontamente. — O Sr. Sellert está de saída, Chick, e, até ordem contrária, quero que seja barrada a entrada de qualquer um que esteja sem passe.
— Certo, Lanie — concordou Chick. Olhou para o outro homem e apontou para a porta. — Sr. Sellert...
Tom não teve outra saída senão abandonar o estúdio. Já estava na porta quando parou e, lentamente, olhou para trás. Elaine sentiu um calafrio ao ver o ódio estampado no rosto dele.
Voltou para o seu lugar, tentando concentrar-se outra vez no trabalho dos atores. Pouco tempo depois já não pensava no incidente com Sellert.
Meia hora mais tarde, os ensaios foram interrompidos para o almoço, e os atores c técnicos começaram a se dispersar em pequenos grupos.
Elaine foi ao encontro de Hart, que falava ao telefone, e aguardou que ele terminasse a conversa.
— Todos estavam com as falas na ponta da língua — comentou. — Parece que tudo está caminhando bem.
— Por enquanto — foi a resposta lacônica do diretor.
— O que houve? Algum problema com o elenco?
— Com o elenco não — afirmou Hart, olhando fixamente para ela.
— Fale, Hart — exigiu, adotando o mesmo tom seco do diretor.
— Este set de filmagem é meu território, e gostaria que você se lembrasse disso. No futuro, quando quiser expulsar alguém daqui, procure saber antes se não é um convidado meu. Sra. produtora.
Controlando a raiva, Elaine forçou um sorriso.
— Acontece, Sr. diretor, que, como produtora deste filme, sou responsável por tudo o que se passa aqui. E a entrada do Sr. Sellert está terminantemente proibida. Será que falei claro?
— Muito.
Joe estava por perto, aguardando uma oportunidade de falar com Elaine, Discussões entre produtores e diretores não eram novidade para ele, e tinha por norma nunca interferir. Mas o tom ríspido de Hart aborreceu-o, e ele decidiu terminar com aquela conversa,
— Com licença, Elaine, será que posso falar com você um minuto?
Elaine disfarçou muito bem a surpresa, e afastou-se na companhia dele. A interrupção oportuna de Joe fora um alívio, mas assim que ele tocou seu braço, a tensão retornou,
— O que aconteceu? — perguntou ele, quando estavam distantes de Hart.
— Conflito de personalidades.
— Você está bem?
— Ótima. Obrigada por me salvar.
— Quer almoçar comigo?
— Sinto muito, Joe — desculpou-se com um sorriso pálido. — Tenho uma reunião com o diretor de fotografia daqui a dez minutos.
— E o que me diz de jantarmos juntos, então?
— Sinto muito Joe. mas a resposta é não.
— Não faz mal, Lanie. Eu sou um homem paciente, Você não vai conseguir fugir de mim para sempre.
CAPÍTULO VI
A primeira semana de filmagem era sempre a mais agitada para Elaine. Antes de Distant Worlds, ela nunca percebera a exata extensão do que significava ser a produtora. Como assistente de produção, recebia uma lista de incumbências, mas, como produtora, era responsável por cada etapa do filme.
Depois daquele primeiro dia, ela não compareceu mais aos ensaios. Passava os dias em seu escritório, de onde comandava o trabalho da equipe, e verificava cada detalhe para que tudo estivesse providenciado e em ordem quando as câmeras começassem a rodar.
Elaine estava acompanhando a filmagem das primeiras cenas, quando foi convocada para uma reunião na sala de David Leaser, para tratar das estratégias de publicidade que seriam adotadas.
Quando a reunião se aproximava do final, os ânimos começaram a ficar exaltados. O diretor de publicidade, contrariando as normas habituais, queria dar
início imediato a uma intensa campanha para a promoção de Distant Worlds. Era um velho truque, às vezes usado para despertar o interesse do público e fazer do filme um grande negócio antes mesmo da sua distribuição. Elaine declarou-se contra essa estratégia, por considerar que a pressão sobre os atores e a equipe técnica seria excessiva e levaria todos a um desgaste tão prejudicial quanto desnecessário.
A discussão entre Elaine e o diretor de publicidade estava chegando a um ponto perigoso, então David Leaser decidiu interferir. Tentando encontrar um meio termo que satisfizesse a todos, declarou que, só quando estivessem no meio das filmagens, tomariam uma decisão definitiva sobre a estratégia a ser adotada para a promoção e o lançamento de Distant Worlds.
Quando ficou a sós com David, Elaine declarou abertamente como aquela reunião a desagradara. Ele sorriu e balançou a cabeça devagar.
— Lanie, isto é um jogo, onde todos nós arriscamos alguma coisa.
— Como assim? — perguntou, sem entender onde David pretendia chegar.
— Não se esqueça nunca de que isto é um negócio, Lanie, e, como outro qualquer, deve dar lucro. Você e eu cuidamos da parte criativa, e as pessoas que investiram na nossa companhia têm o direito de fazer as exigências. Nossos investidores querem um lucro maior a cada filme, e uma campanha publicitária bem conduzida é a melhor forma de se conseguir isso.
— Mas isto é um absurdo! — protestou Elaine.
— Nada é absurdo quando dezoito milhões de dólares estão em jogo.
David julgou desnecessário acrescentar que esta estimativa não seria ultrapassada se Elaine mantivesse o ritmo das filmagens rigorosamente dentro do prazo estabelecido. Ela sabia muito bem disso.
— É, acho que entendo o que você quer dizer — afirmou, sem outra saída senão aceitar o argumento de David. Se os investidores não tivessem o lucro que desejavam, a verba seria cortada, e sem verba não haveria filme.
— Suponho que tudo esteja caminhando bem na produção — comentou David, em tom casual.
— Quanto a isso não se preocupe. Antes de vir para cá, assisti à primeira seqüência de filmagens.
— E o que achou de Joe Michaels?
— Só daqui a alguns meses estarei em condições de responder a esta pergunta — replicou, procurando falar com naturalidade.
— Elaine, já lhe disse uma vez o quanto este filme é importante para mim. Sei como você se sente por não ter opinado na escolha do elenco. Faça um bom trabalho, e prometo lhe entregar o controle total do seu próximo filme.
— Mesmo sem essa promessa, eu daria o melhor de mim, David. Ainda assim, fico grata pela perspectiva de um próximo filme.
Quando voltou para o seu escritório, encontrou Bonnie ao telefone. O rosto da secretária estava vermelho e ela parecia nervosa. Elaine aguardou ao lado da mesa, imaginando que, na certa, surgira algum problema.
Não estava enganada. Depois de desligar, Bonnie contou-lhe que estavam com problemas para encontrar acomodações para a equipe em Death Valley, onde seriam feitas algumas externas.
Depois de dizer à secretária que tomaria providências a respeito naquela mesma tarde, Elaine entrou em seu escritório. O telefone tocou, e ela teve a intuição de que os problemas estavam apenas começando. Não errou em sua previsão, e só às nove horas da noite conseguiu ir para casa.
No dia seguinte, Elaine conseguiu algum tempo livre, e voltou ao set de filmagem. Sentou-se numa cadeira de lona, a poucos metros de John Hart. As câmeras acompanhavam cada movimento dos atores, e os olhos dos técnicos de som não se desviavam dos medidores. As únicas vozes que se ouviam eram as de Joe Michaels e Cynthia Reed.
O diálogo entre os dois personagens era denso, pontilhado de insinuações e palavras dúbias. John Hart acompanhava a cena atento, imóvel, e Elaine, mal se sentou, também deixou-se absorver totalmente pela força da interpretação dos atores.
— Corta! — gritou o diretor. As luzes de trás se acenderam, e os dois atores consultaram Hart com o olhar. — Foi perfeito — comentou o diretor. — Tenho certeza de que não será necessário repetir a cena.
Joe olhou para Cynthia e sorriu.
— Mais alguma coisa, Hart? — perguntou.
— Não, por hoje é só. Mas amanhã estejam aqui às seis horas em ponto. Quero começar pela cena da morte. Não faça a barba, Joe — recomendou.
— Certo. Até amanhã, então. — Passou pelo diretor, e parou subitamente ao ver Elaine.
Desde que Elaine se recusara a almoçar com ele, Joe fazia o possível para evitá-la. Mas vê-la todos os dias estava levando sua capacidade de resistência ao ponto máximo. Desde que não conseguia tirá-la do pensamento, ponderou, devia lutar por ela, fazê-la entender que a amava de verdade.
Ao ver Joe caminhar na sua direção, Elaine sentiu o corpo ficar tenso. Não havia ninguém por perto, e ela teria que enfrentá-lo sozinha.
— Podemos conversar? — pediu Joe.
— Algum problema?
— Sim.
— Verdade? O que aconteceu? O tamanho do seu camarim não o satisfaz? Ou será que você está precisando de uma limusine? — sugeriu, sarcástica.
— Eu só preciso de um pouco de cortesia.
Elaine compreendeu que havia ido longe demais, e mordeu o lábio, embaraçada. Agredi-lo fora a única forma que encontrara para disfarçar a perturbação por estar a sós com ele.
— Elaine, não agüento mais esta situação. É intolerável vê-la todos os dias e não poder lhe dizer sequer uma palavra.
— Nós podemos tentar ser amigos, pelo menos durante os próximos meses — sugeriu, ignorando a súplica no olhar dele.
— Por que você tem tanto medo de si mesma?
— Não é de mim que tenho medo.
— Das suas emoções, então?
Elaine olhou em volta e viu que não havia mesmo mais ninguém lá. Era incrível! Há poucos minutos, quase cem pessoas circulavam por ali, e agora o set estava completamente deserto.
— As minhas emoções não são da sua conta, Sr. Michaels. Agora, se me der licença, tenho alguns papéis para assinar. Levantou-se mas, antes que desse um passo, Joe agarrou-a pelo pulso. Durante alguns instantes, encararam-se como se estivessem prestes a travar uma batalha. E então, com um suspiro, ele a soltou.
— Sei que você me ama — sussurrou.
Os lábios de Elaine curvaram-se num sorriso.
— Eu tive uma aranha de estimação, uma tarântula enorme e peluda. Eu a amava, mas precisava mantê-la fechada numa caixa para que não me picasse. Até logo, Joe.
Ignorando o olhar espantado dele, deu-lhe as costas e foi para a saída.
Cynthia Reed estacionou seu carro diante da casa de Elaine. Desligou o motor, porém não desceu em seguida. Precisava falar com ela, mas não sabia como faria para abordar o assunto. Simon confiara-lhe o que se passara entre Joe e Elaine em Nova York, no entanto ela não podia invadir a privacidade da amiga dizendo-lhe que sabia de tudo.
Cindy conhecia Elaine muito bem, e não deixava de notar sua perturbação sempre que Joe estava por perto. Era óbvio que Elaine estava terrivelmente apaixonada e lutava para sufocar esse sentimento. Mas por quê? Só quando soubesse a resposta, Cindy estaria em condições de ajudá-la. Tocou a campainha, porém Elaine não apareceu. Ela então desceu os degraus da entrada e foi até a praia. Não demorou a distinguir, ao longe, uma mulher que caminhava pela areia. Calculando que fosse a amiga, Cindy foi ao seu encontro,
Elaine estava tão distraída que não ouviu os passos de Cindy. Havia parado perto da água, as mãos nos bolsos da jaqueta do jeans, e acompanhava com o olhar o ritmo sincronizado das ondas.
— Linda tarde para um passeio pela praia — comentou Cindy logo atrás dela.
Elaine deu um pulo ao ouvir a voz da amiga e olhou para ela.
— Se você não gosta de mim como produtora, pode falar, mas não tente me matar do coração. Que susto!
— Sinto muito, não era essa a minha intenção. Quanto ao seu trabalho, você sabe muito bem que é uma das melhores. Poucos profissionais são tão competentes e dedicados.
— Meu ego está nas nuvens — brincou. — Mas o que a trouxe aqui?
— Você — afirmou Cindy, sem maiores rodeios.
— Estou lisonjeada. — Falava em tom despreocupado, embora estivesse intrigada com a expressão séria da outra.
— Tem que estar mesmo. Afinal, eu percorri um longo caminho para chegar aqui.
— Três quilômetros. É realmente um longo percurso — ironizou.
— Falando sério, Lanie: faz muito tempo que não batemos um bom papo, e por isso vim visitá-la.
Elaine conhecia bem a amiga, e adivinhou que aquela visita tinha algum motivo importante. Mas não fez qualquer comentário, preferindo esperar para ver o que Cindy tinha a dizer.
— Fica para o jantar? — convidou.
— Eu adoraria.
— Cindy...
— Sim?
— O que eles estão comentando sobre mim?
Cindy sabia quem eram "eles". Durante alguns instantes fixou o olhar no horizonte.
— Isso importa? — perguntou, por fim.
— Se não importasse, você não estaria aqui e eu não teria perguntado.
— Eu diria que a equipe está dividida, entre os que apreciam você e o seu trabalho, e os que não a vêem com muita simpatia.
— E, é claro, Hart lidera o último grupo.
— Ele é amigo de Sellert, Lanie, e não gostou da forma como você o tratou.
Elaine ficou em silêncio. Assumia a responsabilidade por seus atos e não estava arrependida de ter expulsado Sellert.
— Mas isso não é tudo, certo? — arriscou.
— Bom, não é segredo para ninguém que você é filha de Larry Rodman.
— E todos acreditam que cheguei onde estou usando a influência de meu pai.
— Todos não, mas eles estão de olho em você.
— Aguardando com ansiedade o meu fracasso.
— Nunca imaginei que você fosse pessimista — afirmou Cindy, com um ligeiro tom de reprovação na voz.
— E o que mais eu poderia ser nessas circunstâncias?
— O que sempre foi: uma mulher inteligente e segura de si. Lanie, preocupe-se apenas em fazer um bom trabalho. Você não precisa provar nada a ninguém.
— Gostaria que fosse tão simples.
— Esqueça o antagonismo de Hart, Lanie. Droga! Você sabe muito bem que está à altura da confiança de David.
— Tem razão, Cindy. Estou me desgastando com coisas que não têm a menor importância.
Durante alguns instantes, não disseram mais nada, cada uma perdida em seus próprios pensamentos. Apenas o ruído das ondas que se quebravam na praia cortava o silêncio daquele fim de tarde.
— Lanie — começou Cindy, um tanto hesitante. — O que você acha de Simon Arnold?
— Ele me parece um homem inteligente, agradável e não tem o ar pedante da maioria dos escritores.
— Mas o que você acha dele como pessoa? — insistiu Cindy.
— Eu o conheço muito pouco, Cindy, mas tenho a impressão de que é um homem franco e em quem se pode confiar.
— É o que eu acho também. Nós temos saído com certa freqüência, e... bom, gosto muito dele.
— Gosta?
— Por enquanto não passa disso. Vamos ver o que acontece no futuro. E já que estamos falando nisso...
— Sim?
— Não quero me intrometer na sua vida particular...
— Cindy, nós somos amigas há muito tempo, e você tem liberdade para me dizer tudo o que quiser. Vamos, fale — encorajou-a.
— Está certo. — Deu um longo suspiro antes de continuar. — É sobre Joe e você.
— Sobre mim e... Como assim? — Pelo modo como a amiga pronunciara o nome dele, Elaine percebeu que ela adivinhara o seu segredo.
— Lanie, eu notei muito bem o jeito que você olha para ele, quando pensa que ninguém a está observando. É óbvio que vocês se sentem atraídos um pelo outro, mas que, por algum motivo, as coisas não estão caminhando como deveriam. Você quer falar sobre isso? — perguntou, em voz baixa.
Elaine olhou para a sua melhor amiga, a única capaz de adivinhar sempre o que se passava com ela. De repente, o sofrimento, a raiva e a insegurança dos últimos meses voltaram à tona, e Elaine começou a contar tudo o que se passara entre ela e Joe.
Cindy ouviu-a em silêncio, não demonstrando em nenhum momento que já conhecia uma parte da história. Simon pedira-lhe segredo, e ela não podia trair a confiança dele.
Quando Elaine terminou, o sol já caía no horizonte, tingindo o céu de púrpura. De mãos dadas, as duas amigas entraram na casa para preparar o jantar.
Elaine passou toda a quinta-feira fechada em seu escritório, participando de várias reuniões, e não teve tempo para voltar ao set de filmagem. A sexta-feira não foi um dia menos cansativo. Felizmente ela contava com o apoio de Jason Heller, o assistente de produção, um profissional responsável e em quem confiava totalmente.
Elaine sabia que a sua função como produtora era ficar fora do caminho do elenco e da equipe de filmagem. O seu papel era o de tomar todas as providências para que o trabalho do grupo transcorresse sem problemas. Nesse sentido, julgava estar se saindo bem.
O interfone tocou, interrompendo o trabalho de Elaine. Ela assinou a requisição, que acabara de examinar e depois apertou o botão.
— Eles estão prontos para a exibição das primeiras tomadas na sala de projeções, Lanie — comunicou Bonnie.
— Já estou a caminho.
Na entrada da sala de projeções, encontrou Hart, Jason e o assistente de direção.
— Podemos começar? — perguntou Jason, quando a viu chegar.
Hart nem se deu ao trabalho de cumprimentá-la e entrou na sala. Elaine trocou um olhar de entendimento com Jason, mas não fez qualquer comentário.
Tentando esquecer a animosidade do diretor, concentrou-se na projeção, na qualidade do som e da fotografia, e no desempenho dos atores.
Meia hora mais tarde, quando as luzes se acenderam, estava emocionada com o que vira. David Leaser estava certo quando insistira na contratação de Joe. O carisma do ator e a força de sua interpretação arrebatariam qualquer platéia.
— Não está mau — comentou Hart.
— Está muito bom — afirmou Elaine. — A última cena, então, foi magnífica.
— Fico sensibilizado com a sua aprovação — falou Hart, com um sorriso que sublinhava a ironia de sua voz. — Mais alguma coisa ou estamos liberados para o fim de semana?
Elaine conteve uma resposta mal-humorada e esforçou-se para sorrir.
— Por hoje é só.
— Então boa noite — falou Hart, e saiu acompanhado pelo assistente de direção.
— Você também está dispensado, Jason.
— Até segunda-feira, Lanie.
Elaine continuou sentada e fechou os olhos. Em poucos instantes não pensava mais na indelicadeza de Hart, e apenas as cenas que acabara de ver ocupavam-lhe a mente.
— Ainda vai precisar de mim. srta. Rodman? — perguntou-lhe o funcionário encarregado da projeção.
— Não, obrigada — respondeu Elaine sem se mover. — Pode deixar que eu mesma apagarei as luzes quando sair.
A porta atrás dela se abriu e tornou a fechar-se, mas Elaine não ouviu nada. Seu pensamento voou para longe dali, e ela recordou cada passagem do que acabara de assistir. No momento em que o rosto de Joe havia surgido na tela, e ela ouvira aquela voz profunda e musical, voltara-lhe à mente a noite que havia passado com ele em Nova York. A lembrança era tão real que precisou fazer um grande esforço para se concentrar apenas nos aspectos técnicos do filme.
Quando Joe beijou Cindy, Elaine fechou os olhos, recordando a suavidade dos lábios dele, as caricias que a haviam arrebatado para um mundo de sensações desconhecidas. Numa fração de segundos, compreendeu que nunca haveria lugar para outro homem em sua vida. Se ao menos não tivesse tanto medo de sofrer! Mas se ele mentira em Nova York, quem poderia garantir que não voltaria a fazê-lo? "Não tenha tanto medo da vida, Lanie", fora o conselho de Cindy. "Dê um voto de confiança a ele. Talvez Joe tenha errado, mas ele disse que te ama, não disse? Não seja tão exigente com as pessoas. Aprenda a confiar."
Talvez Cindy estivesse com a razão, pensou. No entanto, a barreira que a separava de Joe parecia quase intransponível. Uma barreira que ela mesma erguera, feita de medo, insegurança e ressentimento. Deu um suspiro e reclinou a cabeça na poltrona. Suas emoções alternavam-se com a mesma inconstância das imagens de um caleidoscópio, e Elaine duvidava de que um dia chegasse a compreendê-las.
Alguém abriu a porta com cuidado, sem que ela se desse conta disso.
— Lanie — chamaram baixinho.
Ela teve a sensação de que a haviam chamado a quilômetros de distância dali. Lentamente, afugentou seus pensamentos o voltou-se na direção daquela voz,
— Gostou das cenas? — perguntou Joe.
— O que você está fazendo aqui? — quis saber, sem conseguir ocultar o nervosismo. Se ele adivinhasse como ela estava vulnerável naquele momento, com toda certeza tiraria partido disso,
— Aproveitando uma oportunidade inesperada.
Elaine levantou-se e ficou cara a cara com ele.
— Por que você não pode aceitar o que eu lhe disse?
— Porque não faz parte do meu temperamento aceitar a derrota — afirmou, imperturbável, sem desviar os olhos do rosto dela.
Elaine lutava para não se deixar envolver mais uma vez pelo fascínio de Joe.
— Não, é claro que não — falou com sarcasmo. — Você é daqueles que desejam vencer a qualquer preço, não é?
Joe sorriu e deu dois passos na direção dela. Num impulso irresistível, ergueu a mão e tocou-lhe o rosto, mas Elaine fugiu daquele contato como se ele tivesse o poder de queimá-la.
— Não! — suplicou.
— Ainda com medo?
— O que há, Joe? Uma vez não foi o suficiente para satisfazer o seu ego? Você espera que eu caia mais uma vez nos seus braços, ansiosa por reviver aquela noite em Nova York? — Agredi-lo foi a única forma que encontrou para encobrir a perturbação que sentia.
— Você está errada, Lanie...
Elaine olhou para ele e depois para a porta fechada.
— Não se preocupe — falou Joe, irritado, — A porta está trancada, e estas paredes são à prova de som. Ninguém vai descobrir o seu segredo.
— Joe, o que você quer ainda?
— Você já respondeu, simplesmente.
Elaine sentiu as pernas fraquejarem e apoiou-se numa cadeira.
— Por quê? — perguntou, num sussurro.
— Eu já lhe disse uma vez. — Joe ergueu a mão, e seus dedos percorreram-lhe a pele macia do rosto e delinearam lentamente o contorno dos lábios.
Elaine fechou os olhos para que Joe não visse neles a chama do desejo que começava a consumi-la. De repente, sentiu-se enlaçada pela cintura, e, antes que pudesse esboçar qualquer reação, estava presa num forte abraço.
— Joe... — começou, mas ele a calou com um beijo. Ao sentir os lábios dele contra os seus e a língua invadir-lhe a boca, Elaine percebeu que não queria mais
resistir, e, se possível, gostaria que aquele beijo se prolongasse para sempre. Mas Joe afastou o rosto, trazendo-a de volta à realidade.
— Até quando você vai tentar enganar a si mesma? — perguntou, baixinho. — Até quando, Lanie?
Ela baixou os olhos, e recuou até libertar-se dos braços que a envolviam.
— Você está errado. Sei muito bem o que sinto. — Respirou fundo antes de prosseguir: — Eu te amo, Joe, como nunca pensei que fosse capaz de amar um dia. Mas já tracei um caminho para a minha vida e pretendo seguir por ele sozinha.
— Semântica, Lanie. Você está apenas jogando com as palavras. — Seu rosto estava tenso, e ele controlava a custo o impulso de segurá-la pelos ombros e sacudi-la.
— E você sabe tudo sobre esse jogo, não é? — retrucou, desafiando-o com o olhar.
— Também sei muito sobre o amor.
— Sedução seria uma palavra mais apropriada.
Joe perdeu o controle, e sua raiva explodiu.
— Você está certa. Como pude esquecer de que a levei para a cama à força? — perguntou, num tom rude. Naquele momento, faria qualquer coisa para feri-la.
O rosto de Elaine ficou escarlate. Humilhação e revolta misturaram-se em seu coração, e ela chegou a odiar Joe.
— Vá para o inferno! — gritou.
Joe passou a mão pelos cabelos, transtornado. Recriminou-se por ter ido tão longe, mas a teimosia de Elaine o deixara exasperado.
— Lanie, será que você não pode esquecer as circunstâncias em que nos conhecemos e tentar recomeçar?
— Eu não sei...
— Olhe, por que não jantamos juntos? Vamos conversar como duas pessoas normais, e não como dois inimigos. Será que isso é pedir demais?
Pela primeira vez desde que ele entrara na sala de projeções, Elaine sentiu-se mais relaxada.
— Apenas jantar e conversar? — perguntou, cautelosa.
— Eu prometo.
— Então está certo — concordou, e sorriu ao ver o brilho de felicidade no olhar de Joe.
CAPÍTULO VII
A terceira semana de filmagem passou com a rapidez de um final de férias. Elaine estava surpresa com a transformação radical de seu relacionamento com Joe. Haviam jantado juntos três vezes naquela semana, mas não se comportavam mais como dois inimigos no campo de batalha e sim como duas pessoas que pretendiam aproveitar ao máximo a companhia uma da outra. Era incrível que pudessem sentar-se frente a frente e conversar sobre assuntos gerais, trocar confidências, rir de fatos engraçados da infância de cada um. Mais surpreendente ainda era que, ao final de cada noite, Joe a deixasse na porta de casa apenas com um beijo de despedida. Parecia haver entre eles um acordo tácito de esperar o momento oportuno para demonstrar o que sentiam.
Mas quando esse dia chegaria?, perguntava-se Elaine. Agora tinha certeza de que o amava de verdade, porém as cicatrizes que as experiências do passado haviam deixado em seu coração continuavam a impedi-la de entregar-se sem reservas a esse sentimento. Nunca mais permitiria que um homem a fizesse de tola. No entanto, tão forte quanto o medo de sofrer era o desejo de fazer amor com Joe. Respirou fundo e tentou concentrar-se na intensa atividade à sua volta.
Técnicos de som e iluminação testavam os equipamentos para ver se estava tudo em ordem e os maquiladores davam os últimos retoques nos rostos dos atores ali mesmo, no cenário.
Sentada na cadeira que levava o seu nome, Elaine lia o script da próxima cena e, de quando em quando, erguia a cabeça para acompanhar a movimentação frenética da equipe.
O assistente de direção pediu silêncio. Colocando o script de lado, Elaine observou com atenção o cenário. Era uma réplica exata da biblioteca da casa que haviam escolhido para as cenas externas, uma sólida mansão vitoriana.
Joe já estava a postos, abaixado ao lado da lareira, pronto para acender o fogo. Pelas rugas na testa dele, Elaine adivinhou que estava concentrado, totalmente entregue aos sentimentos de seu personagem.
— Cena doze, tomada um, Distant Worlds, e... ação! — gritou o assistente de direção, anunciando o início da filmagem.
Joe riscou um fósforo e atirou-o na lareira. Ergueu-se no exato momento em que Cynthia entrou na biblioteca, e deu um passo na direção dela.
Nesse instante, o caos tomou conta do set de filmagem. O ruído de uma explosão seguido de um clarão ofuscante transformou a cena numa seqüência de horrores. Paralisada pelo pânico, Elaine viu Joe caído no chão, cercado pelas chamas, que, correndo pelo carpete, já alcançavam as cortinas.
Petrificada pelo choque, Cynthia apenas olhava para o fogo cada vez mais próximo. Com um salto, Joe alcançou-a e, abraçando-a, procurou protegê-la com o próprio corpo.
A primeira pessoa a recobrar-se do susto foi Elaine. Consciente do perigo a que os dois atores estavam expostos, olhou em volta, desesperada, tentando localizar um extintor. Felizmente, havia um a poucos metros e, sem hesitar, Elaine correu para o cenário. Chick seguiu-a com outro extintor e, enquanto apagavam as chamas, outros membros da equipe começaram a puxar os móveis para impedir que o fogo se alastrasse.
Um último jato de dióxido de carbono extinguiu o que restava das chamas.
— Joe... Cindy — chamou Elaine com voz trêmula. — Vocês se machucaram?
Os dois ainda estavam abraçados, e em seus rostos havia uma expressão de incredulidade. Simon, que chegara ao set minutos depois da explosão, aproximou-se também, muito pálido, e abraçou Cindy, que parecia prestes a desmaiar.
— Eu estou bem — murmurou Joe. — Apenas um pouco assustado. Mas Cindy... — Olhou para a moça, que, apoiada em Simon. tremia de forma incontrolável.
— Só estou com um pouco de falta de ar — falou Cindy — Deve ter sido a fumaça...
— É melhor você ir para o seu camarim descansar um pouco — sugeriu Simon, preocupado.
Elaine não sabia dizer onde encontrara forças para vencer o medo e tentar salvar aquelas duas pessoas que lhe eram tão caras. Mas. uma vez passado o perigo, essa mesma energia a abandonou, e ela daria tudo para refugiar-se nos braços de Joe.
— Droga! — Todos olharam para Hart ao ouvir aquela exclamação de raiva. — Agora teremos que reconstruir o cenário.
— Mas pelo menos não teremos que recomeçar as filmagens com outros atores — replicou Lanie, irritada com aquela falta de sensibilidade.
Hart virou-se para ela, as feições contraídas numa expressão de raiva. Porém, quando percebeu a clara acusação que havia no olhar de todos à sua volta, caiu em si.
— Desculpem-me — falou, embaraçado. — O que importa mesmo é que ninguém se machucou.
Todos começaram a se dispersar, comentando o que havia acontecido e levantando hipóteses sobre a causa do acidente. Joe e Chick estavam ajoelhados, examinando os destroços da lareira.
— Qual é a sua opinião, Chick? — perguntou Elaine, juntando-se aos dois.
— Não sei, Lanie. Preciso investigar um pouco mais, antes de arriscar um palpite.
— Talvez seja melhor chamar a segurança — sugeriu Elaine.
— Não é preciso. — Joe ergueu-se, segurando um pedaço de metal que embrulhara em um lenço, para não se queimar. — Parece que alguém não foi bastante cuidadoso nos preparativos da cena e deixou uma lata de querosene junto à lareira. Quando as primeiras chamas a atingiram, aconteceu a explosão.
Chick olhou atentamente para o pedaço de metal.
— Pode deixar. Vou verificar isso pessoalmente — prometeu.
Elaine olhou em volta, tentando avaliar a extensão dos estragos.
— Você acha que o seu pessoal pode retirar toda esta sujeira até amanhã de manhã?
— Claro que sim, Lanie — garantiu Chick.
— Ótimo. Mande cada membro da equipe verificar o seu equipamento. Assim que você tiver uma lista dos estragos, mande-a para o meu escritório. Por hora, todos estão dispensados. Vamos recomeçar as filmagens amanhã, às sete horas.
Teriam que interromper o trabalho, pois todos estavam abalados com o acidente. No dia seguinte, começariam com as cenas externas, e, assim que o cenário estivesse reconstituído, voltariam a filmar no estúdio.
Elaine respirou fundo e. num gesto desanimado, passou a mão pelos cabelos. Podia imaginar a reação de Hart quando ela lhe comunicasse aquela alteração nos planos. O diretor fazia questão de filmar em seqüência, e orgulhava-se de, graças a esse método, ter sempre conseguido terminar seus filmes rigorosamente dentro do prazo previsto. Mas ele precisaria entender que, naquelas circunstâncias, não lhes restava outra saída.
— Jason. — O assistente de produção deixou o que estava fazendo e aproximou-se de Elaine. — Marque uma reunião com Hart e o assistente dele para daqui a uma hora.
— Na sala de reuniões?
— Não, é melhor usarmos o meu escritório.
Só quando Jason se afastou, Elaine foi até Joe.
— Tem certeza de que está bem?
— Não fique preocupada. Eu estou ótimo.
— Por que você não vai ao ambulatório do estúdio? Apenas por precaução — insistiu.
— Eu lhe garanto que não é necessário. No momento, estou mais preocupado com você.
— Obrigada — sussurrou Elaine.
— Sou eu quem deve agradecer. Todos pareciam paralisados pelo choque e, se não fosse a sua rápida intervenção, eu poderia estar...
— Não! — Elaine colocou a mão sobre os lábios dele para impedi-lo de continuar. — Não diga isso, por favor. É horrível pensar que... — Calou-se, sem coragem de concluir a frase.
Joe segurou a mão dela e beijou-lhe as pontas dos dedos.
— Não vamos mais falar nisso. — Sorriu, e Elaine corou sob a intensidade do olhar dele. — Mas, de certa forma, agora não lamento o que houve. Só assim pude ter certeza de que você se importa de verdade comigo.
— E você ainda tinha dúvidas? — Puxou a mão, nervosa com o rumo que a conversa estava tomando. — Agora preciso ir. Tenho uma reunião com Hart.
— Podemos continuar a conversa à noite, na minha casa? Você ainda não a conhece.
— Por que não? — Naquele momento, não seria capaz de negar nada a ele. — Até mais tarde. — Reprimindo a vontade de abraçá-lo e beijá-lo, caminhou lentamente para a saída.
— Sr. Michaels...
Joe olhou para trás e viu Chick parado a poucos passos.
— Quero que saiba, Sr. Michaels, que...
— Está tudo bem, Chick. Afinal, ninguém se feriu. — Sabia que o homem estava assumindo a responsabilidade pelo acidente. Como contra-regra, uma de suas funções era cuidar para que tudo estivesse em ordem no set.
— O que estou tentando dizer, Sr. Michaels, é que eu mesmo joguei o querosene na lareira. — Fez uma pausa e olhou fixamente para Joe antes de acrescentar: — E não deixei a lata lá — afirmou, com convicção.
— Tem certeza?
— Absoluta.
Durante alguns instantes, Joe observou o rosto do contra-regra e concluiu que ele estava falando a verdade.
— Faça-me um favor, Chick: não comente isso com ninguém.
— Mas, Sr. Michaels...
— Por favor, Chick.
— Como o senhor quiser. — Olhou para os escombros da lareira e depois para Joe. — Esta história está muito estranha. Mas talvez tenha sido mesmo um acidente.
— É possível — concordou o ator sem muita convicção.
No terraço da casa de Joe, Elaine admirava o céu, pontilhado de estrelas. A brisa que vinha do Pacífico agitava-lhe os cabelos, e apenas o ruído das ondas quebrava o silêncio da noite.
Mas a paz e a tranqüilidade daquele momento não conseguiram acalmar a agitação interior de Elaine. Uma estranha tensão permanecia entre ela e Joe desde que haviam chegado à casa que ele alugara em Topanga Beach.
Ela fizera o possível para não pensar no acidente daquela tarde. Sabia, mesmo antes de Joe ir buscá-la, que aquela noite seria especial. Por pouco não o perdera para sempre, e esse fato bastara para convencê-la de que não havia sentido em prolongar aquela indefinição no relacionamento deles. Quando a campainha tocara Elaine estava pronta para recebê-lo.
Ela abriu a porta e uma intensa emoção dominou-a ao ver o olhar de aprovação de Joe. Não se enganara ao decidir que o vestido branco seria perfeito para um encontro tão importante como aquele. A cor acentuava o bronzeado da sua pele, e o modelo "tomara-que-caia", deixando à mostra os ombros e os braços, dava-lhe um ar atraente e sensual.
No primeiro instante, Joe não disse nada. O olhar desceu pelos contornos do corpo esbelto de Elaine, para depois fazer o caminho inverso e deter-se nos olhos azuis como turquesas.
Agora, recordando a forte impressão que sua aparência provocara nele, Elaine imaginou se não teria sido mais sensato escolher uma roupa menos provocante. Forçando o pensamento a tomar outro rumo, lembrou-se de como ficara encantada ao entrar na casa dele.
— É linda, Joe — afirmara, com sinceridade. — Como você conseguiu alugá-la?
— Nada é difícil quando se conhece as pessoas certas. Um amigo de meu pai tem uma imobiliária nesta região, e bastou um simples telefonema para que o sonho de conseguir uma casa num lugar sossegado se transformasse em realidade. Eu odiaria ter que morar em alguma praia badalada enquanto durassem as filmagens.
A arquitetura era funcional, valorizando ao máximo o espaço interno. Não havia paredes e a divisão entre os ambientes era feita através dos diferentes níveis do piso. Era incrível como as linhas arrojadas da construção harmonizavam-se com o material rústico empregado. O aspecto despojado da decoração tornava o ambiente acolhedor e repousante.
O grito de uma ave noturna tirou Elaine de seus pensamentos.
Joe voltou para o terraço com dois copos de uísque, que colocou sobre a mesa. Antes de se aproximar de Elaine, gastou alguns minutos observando os contornos de sua silhueta, que se destacavam contra a escuridão da praia. O tecido leve do vestido agitava-se ao sabor da brisa, bem como os fios dos cabelos, que lhe pareceram mais sedosos e brilhantes do que nunca. Ele sentiu um nó na garganta ao se lembrar do risco que correra naquela tarde. Se o acidente tivesse tido um desfecho trágico, nunca mais poderia estreitar nos braços a única mulher que amara na vida.
Sacudindo a cabeça, como para espantar aqueles pensamentos lúgubres, foi até ela. Quando estava bem próximo, enlaçou-a pela cintura com os dois braços e mergulhou o rosto nos cabelos dela.
Elaine não se assustou, pois sentira a presença de Joe antes mesmo que ele a tocasse. Apoiou a cabeça no ombro dele e cobriu-lhe as mãos com as suas.
Ficaram em silêncio durante alguns instantes, aproveitando o sossego da noite e o prazer de estarem juntos.
— Você está feliz? — sussurrou Joe ao ouvido dela.
— Acho que sim.
Joe virou-a com delicadeza até ficarem frente a frente.
— O que é preciso para que você se sinta segura do meu amor?
Elaine olhou-o longamente antes de responder. Com a ponta da língua, umedeceu os lábios, subitamente secos.
— Tempo.
— Eu quero você, Lanie — afirmou, em voz baixa, mas vibrante de emoção.
Elaine engoliu em seco, sentindo os músculos retesarem-se de repente. O calor do corpo de Joe atravessava o tecido fino do vestido, e aquela proximidade impedia-a de raciocinar.
— Joe, eu...
— Por que você insiste em lutar contra si mesma? Por acaso tem medo de assumir um compromisso? É isso, Lanie? — insistiu.
Elaine olhou-o perplexa. Entre todos os argumentos, ele escolhera o mais capaz de atingi-la.
— E deveria ter? — perguntou, com um brilho de desafio no olhar.
— Só se não puder confiar em si mesma.
— Eu... — Os lábios de Joe pressionaram os dela, impedindo-a de concluir a frase.
A resistência de Elaine evaporou-se como por encanto. Sabia que estava caminhando por um terreno perigoso, mas agora não poderia mais recuar. Queria apenas corresponder ao arroubo apaixonado de Joe e oferecer-lhe o seu amor.
Ele sentiu o corpo de Elaine menos tenso, e a súbita paixão com que ela correspondeu ao beijo avivou-lhe o desejo.
Quantos meses esperara por aquele momento. Pela primeira vez desde que a reencontrara, não havia mais barreiras entre eles.
Joe segurou o rosto dela entre as mãos e olhou-o longamente, admirando-lhe a suavidade dos traços, a maciez da pele. Inclinando a cabeça, saboreou mais uma vez a doçura daqueles lábios que se entreabriram de forma tão convidativa.
Quando se separaram, não houve necessidade de palavras. Joe segurou-lhe a mão e levou-a para dentro.
Elaine olhou para a cama e um tremor percorreu-lhe o corpo. Era estranho como, de repente, não tinha mais dúvidas nem sentia medo. Pelo contrário. Os braços dele ao redor de sua cintura transmitiam-lhe uma reconfortante sensação de segurança e, se estava trêmula, era apenas de ansiedade.
Joe a abraçava por trás, beijando-lhe a nuca, os ombros e os cabelos, macios e perfumados. De repente, as mãos dele subiram em direção ao zíper do vestido, e abriram-no lentamente. Quando a roupa deslizou para o chão, Joe virou-a para que ficassem frente a frente.
Não haviam dito nada desde que deixaram o terraço, mas nenhum deles parecia disposto a quebrar a magia daquele momento com palavras. Mais uma vez suas bocas se uniram e o desejo, durante tantos meses refreado, explodiu naquele beijo.
Alguns instantes depois, um tanto relutante, Joe soltou-a. Seu olhar, porém, continuou a acariciá-la, enquanto ele se desvencilhava de suas próprias roupas. As lâmpadas estavam apagadas; apenas a luz da lua, que entrava pela janela aberta, iluminava o quarto, criando um clima de romântico envolvimento.
O brilho intenso do olhar de Joe era o bastante para aumentar a excitação dela. Quando ele a beijou, e seus corpos nus se encontraram, Elaine percebeu que, nos últimos meses, vivera à espera daquele momento. Nunca desejara tanto um homem, mas sabia que o que sentia por ele era algo muito mais profundo que uma simples atração física.
De repente, ele a ergueu nos braços, colocando-a delicadamente sobre a cama. Beijou-a com paixão, enquanto as mãos moviam-se com sensualidade pelo corpo dela. De olhos fechados, Elaine sentiu aqueles lábios ardentes descerem pelo seu pescoço, explorarem a maciez do colo, e, em seguida, deterem-se mais longamente sobre um dos seios. Mordeu o lábio para conter um grito de prazer. As mãos e a boca de Joe trabalhavam em conjunto para despertar as mais alucinantes sensações. Era como se ele precisasse tocar e beijar cada centímetro daquele corpo para aplacar o desejo que durante tantos meses o atormentara.
Elaine estremecia ao contato daquelas mãos fortes e experientes, daqueles lábios que se moviam sobre os seus com fúria e paixão.
A luz do luar, os cabelos dele adquiriam reflexos prateados. Joe era um amante perfeito, pensou Elaine, fascinada. Ele não procurava apenas o próprio prazer, mas preocupava-se em satisfazer as expectativas dela. Tinha certeza de que ao lado dele nunca haveria desapontamento ou insatisfação.
Quando Joe a cobriu com o corpo, Elaine espalmou as mãos naquele peito vigoroso, coberto de pêlos escuros e macios. Os expressivos olhos verdes fixaram-se nos dela novamente, e Elaine entendeu o que ele estava aguardando.
— Eu te amo, Joe — sussurrou, umedecendo os lábios com a ponta da língua. — Eu preciso de você.
Joe não disse nada, mas o calor de seu beijo falou por ele. Movia-se dentro dela com delicadeza e, pouco a pouco, com mais impetuosidade. Rodeando os quadris dele com as coxas, Elaine procurou acompanhá-lo naquele ritmo alucinante, que os levava para uma viagem onde não havia limite para o prazer.
As mãos dela crisparam-se nos ombros de Joe, ao mesmo tempo em que um gemido rouco escapou-lhe dos lábios. O quarto parecia girar em torno de Elaine e, pouco a pouco, ela perdeu a noção de tudo. O mundo lá fora não existia mais. Tinha consciência apenas daquele corpo forte e musculoso que pressionava o seu, dos pêlos macios que lhe acariciavam os seios, excitando os mamilos. Não ouvia mais as palavras de amor que ele murmurava ao seu ouvido. De repente, um espasmo percorreu-lhe o corpo e ela percebeu que não poderia mais controlar a própria excitação. Um gemido rouco quebrou o silêncio e Elaine abraçou o amante com mais força.
Ao perceber que estava pronta, Joe passou um braço sob os ombros dela, puxando-a mais para perto, e seguiu-a naquela viagem arrebatadora. Seu rosto estava a poucos milímetros do dela, e ele procurou-lhe a boca. O amor era uma força poderosa que os envolvia como uma aura, e Joe imaginou se haveria alguma coisa no mundo capaz de separá-lo da única mulher que amara de verdade. Então, a paixão explodiu com uma fúria que extinguiu qualquer vestígio de lucidez e, sem pensar em mais nada, ele se deixou levar por aquela onda de indescritível prazer.
Elaine beijou-lhe o ombro, sentindo o gosto salgado da pele.
Uma deliciosa sensação de bem-estar invadiu-a, e ela acomodou-se melhor sob o corpo dele.
Como era bom estar ali com ele, amá-lo sem ressentimentos nem dúvidas. Estremeceu ao lembrar-se do acidente daquela tarde. Joe poderia ter morrido se estivesse mais próximo da lareira no momento da explosão.
— Está com frio? — perguntou ele, abraçando-a.
— Não — sussurrou e, erguendo o rosto, beijou-o, não com sensualidade, mas com amor.
CAPÍTULO VIII
Elaine estava tão concentrada na leitura de algumas página do script, que deu um pulo na cadeira ao ouvir o ruído do interfone.
— Sim? — perguntou, apertando o botão.
— O Sr. Rodman está na linha quatro — comunicou-lhe Bonnie.
— Obrigada. — Pegou o fone e apertou o botão correspondente à linha indicada. — Que bela surpresa, papai!
— Boa tarde, minha filha. Não quero tomar muito do seu tempo. Estou ligando apenas para saber como vão as coisas Faz quase duas semanas que não tenho notícias suas.
— Desculpe-me, papai — falou, recriminando-se intimamente por sua negligência. — Tenho andado tão ocupada que mal tenho tempo para respirar. Mas sei que isso não é justificativa.
— Eu entendo muito bem, Lanie. Sei como às vezes o trabalho pode ser absorvente. Como vão as coisas?
— No ritmo normal. Exceto por uma cena, nós estamos dentro do prazo, e todos estão trabalhando com dedicação.
— Por acaso essa cena é a mesma que os jornais de hoje estão comentando?
— A versão dos repórteres foi um tanto exagerada, papai. Você sabe como eles gostam de um pouco de sensacionalismo — argumentou Elaine. Agora entendia o verdadeiro motivo do telefonema do pai.
— Falei com David há pouco. Parece que foi um acidente, não é?
— Um dos assistentes do contra-regra foi um tanto descuidado. Mas não se preocupe, papai. Não vai acontecer de novo.
— E como vai o seu astro? Ele é tão difícil de se lidar quanto dizem os jornais?
— Joe Michaels? Não, ele é um profissional bastante dedicado e consciente — afirmou, sentindo as faces arderem. O que seu pai diria se soubesse o que havia entre eles?
— Fico contente com isso. Lanie, estou pensando em passar algumas semanas na fazenda. Por que você não vai para lá no próximo fim de semana?
Elaine consultou o calendário antes de responder.
— Não sei, papai. Nós estamos terminando as cenas no estúdio, e na próxima terça devemos começar as filmagens externas.
— Mas isso dá a você um intervalo de três dias. Por que não aproveita para descansar um pouco? — insistiu.
— Ê um convite tentador, papai, mas não posso lhe dar uma resposta agora. Se as últimas cenas no estúdio ficarem prontas até sexta, eu irei com prazer.
— Ótimo, meu bem.
— Posso levar alguns convidados?
— É para isso que temos quartos de hóspedes. Alguém em especial?
— Por que não espera até sexta para descobrir? De qualquer forma, eu lhe telefonarei antes de ir.
— Combinado. Continue fazendo um bom trabalho, Lanie.
Depois de desligar. Elaine ficou algum tempo olhando para o calendário sobre a mesa. Se tudo corresse bem, não teria motivos para não aceitar o convite do pai. Durante três dias os trabalhos seriam interrompidos e a equipe gozaria de um merecido descanso. Por que não fazer o mesmo?
Seu pensamento voou para Joe e os momentos de amor que haviam dividido na noite anterior. Aquela explosão de paixão fora uma experiência inédita para Elaine. Antes de adormecer nos braços dele, havia pensado como era bom amar sem desconfianças nem dúvidas.
Quando acordara pela manhã, sorrira de pura felicidade, pois ao seu lado não havia uma rosa vermelha nem bilhetes, e sim o homem com quem fizera amor de uma forma tão apaixonada. À luz dos primeiros raios da manhã, Joe a tomara nos braços e, mais uma vez, fora como se não existisse mais ninguém no mundo além deles dois.
Talvez já fosse hora de apresentá-lo ao seu pai, refletiu Elaine. E por que não aproveitar o próximo fim de semana para isso? No ambiente descontraído e sem formalidades da fazenda, Joe e Larry teriam oportunidade de conhecer melhor um ao outro e, como ela desejava, tornarem-se amigos.
Seu pai havia adquirido a fazenda há doze anos com a intenção de transformá-la em seu novo lar um dia. Mas logo descobrira que, apesar de gostar da vida no campo, seus compromissos em Hollywood e seu amor pelo trabalho jamais permitiriam que se mudasse para lá.
Elaine sacudiu a cabeça e tentou concentrar-se novamente na leitura do script. Joe e Cynthia haviam sugerido pequenas mudanças no texto e, com o aval do diretor, apresentaram suas sugestões a Simon, que prontamente fez as alterações necessárias. Enquanto lia os novos diálogos, Elaine pensava que era uma sorte que Simon Arnold não fosse suscetível como a maioria dos escritores. Qualquer outro no lugar dele torceria o nariz para a menor insinuação de mudança nas cenas.
Quando terminou de ler o script, levou-o à sala de Bonnie. As cenas seriam filmadas no dia seguinte e ela deu instruções à secretária para que mandasse cópias aos atores.
Consultou o relógio e viu que faltavam apenas dez minutos para a sua reunião semanal com David Leaser. Depois disso, precisaria passar pela sala de projeções e assistir à exibição das últimas tomadas. Só então poderia ir para casa e descansar. Apoiou o rosto nas mãos e sorriu. Não tinha a menor intenção de descansar. Seria mais agradável passar outra noite nos braços de Joe.
— A idéia me parece ótima — comentou Joe, colocando sua xícara de café sobre a mesa.
— Nesse caso, vou telefonar para meu pai amanhã mesmo e dizer-lhe que nos espere no sábado. Você se importaria se eu convidasse Cindy?
— E Simon? — ele sugeriu, com um sorriso.
— Claro! Parece que os dois se tornaram inseparáveis — comentou, e deu uma risada nervosa. Afinal, aquela afirmação valia também para ela e Joe. Nos últimos dias, as colunas de fofocas dos jornais de Hollywood estavam fervendo com os comentários sobre o romance entre um dos mais renomados autores da Broadway e a atriz que começava a se firmar como uma grande estrela.
— No que está pensando? — perguntou ele.
— Joe — começou Elaine, depois de um momento de hesitação, — eu gostaria de manter o nosso relacionamento em segredo. Pelo menos por enquanto.
— Por causa do seu pai?
— Em parte. Prefiro manter a minha vida particular longe dos jornais.
— Fico feliz em ver que você pensa da mesma forma que eu. Não gosto de misturar assuntos pessoais com a minha carreira.
— Joe... — Calou-se de repente, como que buscando forças para tocar num assunto delicado.
— Fale, Lanie.
— Você tem notado algum tipo de descontentamento no set?
— No começo, sim. Mas agora isso parece uma fase superada.
— Gostaria de ter tanta certeza — comentou, com um suspiro. — Você gosta de trabalhar com Hart?
— Gosto de trabalhar com você — replicou ele. com um sorriso.
— Estou falando sério, Joe.
— Ele é um diretor competente, e eu não tenho motivo para queixas.
— Mas...?
— Não estou fazendo qualquer tipo de restrição ao trabalho dele. Até agora Hart não teve que resolver problemas que exigissem grande dose de criatividade. Ele é um diretor correto, que segue à risca os manuais.
Joe sabia que ela estava preocupada e lamentava não poder dizer nada que pudesse tranqüilizá-la. Desde o primeiro dia de filmagem, havia notado o antagonismo entre Elaine e Hart, e sua intuição lhe dizia que aquele clima desagradável duraria até o final.
— Por que não falamos de outra coisa? — sugeriu ele.
Ela concordou, mas ainda havia uma ruga de preocupação em sua testa.
— Lanie, há alguma outra coisa aborrecendo você?
— Sim. — A tristeza em sua voz foi desmentida pelo sorriso que lhe curvou o canto dos lábios. — Faz meia hora que não ganho um beijo.
— Verdade? Por que não vem até aqui para remediarmos essa situação?
— E eu que pensei que você fosse um cavalheiro — brincou.
— E sou. Mas decidi tirar uma folga depois de um dia tão cansativo.
— Você... — Riu e jogou o guardanapo no rosto dele.
— Estou comovido com esta demonstração de amor. — Olhou fixamente para ela, um sorriso malicioso pairando nos lábios. — Como é? Você vem ou não?
Elaine levantou-se e foi até a outra extremidade da mesa. Inclinou-se e beijou-o apaixonadamente na boca. Quando sentiu as mãos dele se moverem em suas costas, pegou a jarra de água que estava sobre a mesa e virou o restante de seu conteúdo na cabeça de Joe.
— Machista! — ela exclamou, sem conseguir conter o riso ao ver as gotas de água que pingavam dos cabelos dele.
— Espere até eu pegar você!
— Não pretendo lhe dar essa chance — disse Elaine, rindo outra vez, enquanto desaparecia pela porta que levava à sala.
Com uma incrível agilidade, Joe alcançou-a em questão de segundos. Prendeu-lhe as mãos nas costas, mantendo-a imobilizada.
— Como é? Não vai tentar fugir? — desafiou-a.
— Só se eu estivesse louca — murmurou, entreabrindo os lábios para ele.
Elaine inclinou-se na sela, a face quase tocando a crina do cavalo, enquanto o instigava a correr cada vez mais rápido. O vento contra o rosto e o galope do animal davam-lhe a sensação de formar uma unidade com a terra à sua volta, de ser parte daquele lugar.
Quando achou que já ganhara uma boa dianteira, olhou para trás e sorriu diante do que viu: Joe estava a uns cem metros, seguido de perto por Cynthia. Simon estava bem mais distante, lutando com dificuldade para se equilibrar sobre a sela.
Quando estava próxima da porteira, Elaine puxou as rédeas, forçando o cavalo a parar. Desmontou e deu um tapinha amigável no dorso do animal, que, uma vez livre, correu na direção do pasto.
— Nada mau — cumprimentou-a Joe, saltando do cavalo.
— Você também se saiu bem, levando-se em conta que nunca morou numa fazenda — falou com um sorriso, onde se via uma indisfarçável expressão de triunfo.
— Quer dizer que consegui apenas um terceiro lugar? — constatou Cindy, juntando-se a eles. E, olhando para trás, acrescentou: — Bem, pelo menos não fui a última.
Os três riram abertamente do cavaleiro solitário que se aproximava com evidente dificuldade.
— Do que estão rindo? --- perguntou Simon, fingindo-se zangado. — Eu não caí. concordam?
— Apenas por uma questão de sorte — ironizou Joe.
— Bom, admito que esteja um pouco sem prática — afirmou o escritor.
— Quando foi a última vez que você subiu num cavalo? — perguntou Cindy.
Simon franziu a testa como se estivesse fazendo os cálculos.
— Há mais ou menos trinta anos.
— Trinta? — repetiu Cindy. — Mas você tem trinta e dois.
— Justamente. Quando eu tinha dois anos minha mãe me colocou sobre um pônei numa exposição de cavalos. Eu caí e nunca mais quis tentar de novo — explicou, com uma expressão tão envergonhada, que todos desataram a rir.
— Nesse caso, sugiro um longo banho quente, para que você esteja em condições de nos acompanhar no passeio de amanhã — afirmou Elaine, quando conseguiu parar de rir.
— Ridículo — protestou Simon. — Estou em ótima forma, não estou? — perguntou, dirigindo-se a Cindy.
A moça corou ao perceber a insinuação maliciosa que havia naquelas palavras.
— Está — confirmou ela, sem olhar para os outros dois. — Mas também acho que seria uma boa idéia um banho quente e reconfortante. — Desmontou e começou a puxar seu cavalo pelas rédeas na direção do pasto. — Vamos, cowboy.
Quando os dois se afastaram, Elaine olhou para Joe e sorriu.
— Simon deve estar com o corpo dolorido depois dessa cavalgada.
— Não se preocupe. Isso fará bem a ele.
— Você cavalga muito bem.
— Obrigado. — Beijou-a de leve na boca. — Eu costumo cavalgar nos fins de semana.
— Onde?
— No Central Park, mas só quando não estou trabalhando em nenhuma peça. Na sela de um cavalo, tenho a estranha sensação de não fazer parte deste mundo. Gosto de cavalgar quando estou tenso, preocupado. É uma ótima terapia.
— Eu sei — concordou Elaine. — Também sinto a mesma coisa.
— Nunca pensei que fosse gostar tanto daqui — afirmou Joe, olhando para as montanhas que cercavam o vale onde ficava a fazenda. — Estou me divertindo muito.
— Eu também. Depois de tantas semanas de agitação, é bom passar algum tempo num lugar tão tranqüilo.
Depois de soltar os cavalos no pasto, entraram em casa, ansiosos por um bom banho. Larry Rodman lia o jornal na varanda, e ergueu a cabeça ao ouvir o riso jovial dos dois.
— Como foi o passeio? — perguntou.
— Ótimo — respondeu Elaine. — Estou louca por um banho. Eu avisarei quando o banheiro estiver livre — falou, dirigindo-se a Joe. Entrou na casa. deixando-o na companhia de Larry.
— Imagino que esta saída estratégica de Lanie tenha o objetivo de dar a nós dois a chance de nos conhecermos melhor — comentou Larry com um sorriso.
— Estou às suas ordens, Sr. Rodman — afirmou Joe, tranqüilamente. — Gostaria de me perguntar alguma coisa?
Larry observou-o com atenção durante alguns segundos. Depois, levantou-se e colocou o jornal sobre uma mesinha.
— Mais tarde, meu rapaz. — Deu um tapinha no ombro de Joe ao passar por ele. — Quando eu tiver certeza de que não seremos interrompidos. — Desceu a escada da entrada e foi na direção de um carro que acabara de estacionar.
Intrigado com o tom misterioso de Larry, Joe acompanhou-o com o olhar. O motorista do carro entregou um envelope ao pai de Lanie, e os dois começaram a conversar.
Sacudindo a cabeça, Joe entrou na casa e foi para o seu quarto, onde tirou a roupa, vestiu um robe e aguardou que um dos dois banheiros ficasse livre.
Deitada na banheira, Elaine fechou os olhos. Não havia nada melhor que um bom banho de imersão para relaxar os músculos. Até aquele momento, o fim de semana transcorria de forma perfeita. Todos pareciam estar se divertindo muito, e ela até conseguira esquecer os problemas ligados ao estúdio.
A viagem até a fazenda fora rápida e agradável. Cindy já havia estado lá muitas vezes, mas Joe e Simon ficaram extasiados com a beleza da região.
Quando alcançaram a porteira que dava acesso à fazenda, Elaine pedira a Joe que parasse o carro.
— Acho melhor esclarecer algumas coisas antes de chegarmos. — Falava com hesitação e parecia pouco à vontade.
— Fale, Lanie.
Ela desviou os olhos, sem coragem de encará-lo.
— Eu quero dizer que... bem... — Respirou fundo e olhou para ele outra vez. — Nós vamos ficar em quartos separados.
Ele franziu as sobrancelhas, mas não fez qualquer comentário.
— Meu pai é um pouco antiquado — explicou Lanie, e ao ver o sorriso irônico de Joe, acrescentou em tom de desafio: — Mas eu gosto dele tal como é.
— Então por que está tão nervosa? — perguntou Joe. divertindo-se com o embaraço dela.
— Eu não estou nervosa — replicou, elevando um pouco a voz. Olhou para Simon e Cindy, que ocupavam o banco de trás, e acrescentou: —O aviso vale para vocês dois também.
— Agora que já está tudo providenciado para que seu pai não fique chocado, podemos ir? — perguntara Joe.
Elaine enrolou-se na toalha e deu um profundo suspiro. Na noite anterior, custara a pegar no sono. Era engraçado como já se habituara a dormir sentindo os braços de Joe ao redor do corpo. O desejo invadiu-a com uma intensidade renovada. Daria tudo para ir ao quarto dele e assim rolarem juntos na cama macia e antiga.
Uma batida na porta interrompeu o fio do pensamento de Elaine, que sentiu as faces arderem, como se a houvessem apanhado em flagrante.
— Sim?
— Lanie, Jason Heller está ao telefone e quer falar com você — comunicou-lhe o pai.
— Já estou indo, papai.
O que seria agora? Com movimentos rápidos, pendurou a toalha atrás da porta e vestiu um robe branco.
Ao passar pelo quarto de Joe, deu duas batidas na porta e gritou:
— O banheiro está livre.
Em seguida, foi até o fim do corredor, onde havia um telefone. Rezando para que não fosse nada de importante, colocou o fone no ouvido.
— Jason?
— Sinto interromper o seu descanso, Lanie, mas fui obrigado.
— O que aconteceu? — perguntou, perturbada com o tom grave do assistente de produção.
— Ouça, Lanie, sei que John Hart tem certos direitos como diretor, mas acho que ele está se excedendo.
— Por favor, Jason, não faça tantos rodeios. O que houve exatamente?
— O agente de Lorraine Adams telefonou hoje cedo. Ela não vai mais participar do filme.
— Por quê? — Fechou os olhos, recordando a plástica exuberante da atriz, que a tornava perfeita para o papel que representaria. Lorraine era uma atriz principiante, e faria apenas uma pequena ponta em Distant Worlds, mas sua personagem tinha uma participação fundamental no desfecho da trama.
— O agente não explicou o motivo, apenas disse que ela não trabalharia no filme.
— Era só o que nos faltava — comentou Lanie, desanimada. Aquela história estava mal contada. Lorraine ficara radiante com a oportunidade de fazer aquela ponta no filme, pois até então só trabalhara como figurante. O que a teria levado a desistir? — Continue, Jason.
— Hart só me comunicou o fato depois de ter escalado Suzanne Roland para substituir Lorraine.
— Ele o quê? Hart não tinha esse direito!
— Sinto muito, Lanie, mas Suzanne já recebeu o script, e estará no set na terça-feira de manhã.
— Isso nós veremos — sussurrou Elaine, como se falasse para si mesma. — Mais alguma coisa, Jason?
— Infelizmente, sim.
— Então fale — exigiu Lanie, sentindo um aperto no estômago.
— Hart transferiu as primeiras locações para outro lugar e disse que pretende fazer algumas modificações no script.
— Isso é o que ele pensa! — afirmou Elaine, exaltada. — Olhe Jason, eu vou voltar hoje mesmo, e então nós decidiremos o que fazer. — Se saísse logo após o jantar, refletiu, chegaria mais ou menos à meia-noite. E, logo pela manhã, trataria de cortar as asas de Hart, antes que ele fosse longe demais. — Obrigada por me avisar, Jason.
Desligou o telefone, porém continuou imóvel, o cérebro trabalhando rapidamente em busca de uma solução. A ousadia do diretor a deixara furiosa e, se ele estivesse ali, Elaine seria capaz de estrangulá-lo sem piedade. Mas precisava recuperar a calma, e encontrar um jeito de resolver aquele problema. De uma coisa estava certa: não permitiria que Hart invadisse o seu território, tomando decisões que cabiam apenas a ela.
A primeira medida a tomar, decidiu, seria telefonar para o agente de Lorraine e descobrir por que a atriz desistira do papel. Afinal, um contrato fora assinado e eles não podiam passar por cima disso sem mais nem menos.
O que teria levado Hart a escolher Suzanne? Lorraine era linda e dona de um grande talento. Não levaria muito tempo para se firmar como atriz. Suzanne, no entanto, não possuía nada além de um rosto bonito e um corpo perfeito.
Mas o que mais a incomodava eram as mudanças nos locais das externas e no script. O contrato que Simon Arnold assinara determinava claramente que nenhuma mudança seria feita sem o consentimento prévio do autor.
Decidindo que não havia tempo a perder, Elaine entrou em seu quarto para trocar de roupa e arrumar a mala. Quando estava tudo pronto, foi até a biblioteca com a intenção de telefonar para David Leaser. Sua decepção foi enorme quando a empregada informou-a de que o Sr. e Sra. Leaser estavam passando o fim de semana em Nova York.
— Problemas? — perguntou Larry, entrando na biblioteca.
— Parece que sim. — Elaine respirou fundo e olhou para o pai. — Acho que serei obrigada a ir embora hoje mesmo.
— O cargo de produtora tem as suas desvantagens.
— Mas muitos aspectos positivos também — replicou Elaine. — Não foi isso o que você me ensinou?
— Você gostaria de desabafar comigo?
— Eu ainda não sei todos os detalhes...
— Vamos, querida, sente-se aqui e me conte ludo.
Elaine ocupou um lugar ao lado do pai no sofá e, em poucas palavras, contou-lhe a conversa que tivera com Jason.
— Você está tendo problemas com Hart há muito tempo? — perguntou Larry, quando ela terminou.
— Desde o início das filmagens. Ele me odeia por eu ter ocupado o lugar de Tom Sellert.
— E o fato de você ser minha filha só complica as coisas certo?
— Certo — concordou, com um suspiro de desânimo. — E como um...
— Estigma — completou o pai por ela. — Lanie, você chegou onde está por seu próprio mérito. Isso é o que importa. Não deixe que os comentários maldosos de pessoas invejosas a atinjam. O que pretende fazer agora?
— Anular as decisões que ele tomou sem o meu conhecimento.
— Que tal fazer um acordo? — sugeriu Larry.
— Acordo? Ele está tentando tomar as rédeas do filme.
— O que é mais importante: a atriz ou as mudanças no script e nas locações?
— Não posso responder antes de descobrir até onde foram as mudanças.
— Faça um acordo, Lanie. Contente Hart com aquilo que menos afete o filme. As vezes, é preciso agir com diplomacia para se conseguir melhores resultados — aconselhou-a o pai. — Pense nisso, minha filha.
— Vou pensar — prometeu Lanie. — Quanto aos nossos hóspedes...
— Eles vão ficar?
— Não tem sentido interromper o descanso deles. Você se importaria?
— Se eles quiserem ficar, por mim está tudo bem. Já estava com saudades de Cindy, e os dois rapazes me pareceram ótimas pessoas.
— Obrigada, papai. Eu detestaria estragar o fim de semana de todos.
— Lanie, há alguma coisa mais séria entre você e Joe? — arriscou Larry, examinando atentamente o rosto da filha.
— Acho que sim — respondeu, num sussurro.
— Foi o que pensei — comentou Larry, com um sorriso. — Agora, é melhor você comunicar aos seus amigos que vai partir hoje. Eu a verei na hora do jantar.
— Eu vou com você — afirmou Joe.
— Não. Isso faz parte do meu trabalho. Você precisa descansar para estar em boa forma na terça-feira. A semana será bem desgastante.
— Tem certeza de que é só isso? — perguntou, irritado com a recusa de Elaine. — Ou será que você tem medo de que alguém descubra sobre nós?
— Você está sendo muito rude — protestou.
— Era essa a minha intenção.
— Joe, não torne as coisas ainda mais difíceis. Nós já não havíamos decidido manter o nosso relacionamento em sigilo? Se alguém da equipe desconfiar de que há alguma coisa entre nós, a notícia correrá todo o estúdio, prejudicando o meu trabalho. Por favor, entenda.
Joe olhou-a longamente.
— Eu sinto muito, Lanie. Não queria colocá-la contra a parede. — Abraçou-a pela cintura e puxou-a contra o peito. — É que estou desapontado por não poder passar todo o fim de semana com você.
— Eu também estou.
— Promete que vai me telefonar se precisar de ajuda?
— Prometo, Joe. Não vai me dar um beijo de despedida?
Logo após o jantar, Elaine deixou a fazenda, no carro que Joe alugara. Todos ficaram no terraço até perdê-la de vista, sentindo-se um tanto deprimidos com aquela partida tão repentina.
— Vamos dar uma volta, Cindy? — sugeriu Simon. — A noite está bonita demais para ficarmos dentro de casa.
— Esses dois parecem bem apaixonados — comentou Larry, quando o casal se afastou.
— Não posso falar por Cindy, mas conheço Simon há bastante tempo e nunca o vi tão caído por outra mulher — falou Joe.
— Ele me parece uma ótima pessoa, bem diferente dos escritores de hoje. É um homem consciente e um profissional sério, como os dos velhos tempos.
— Concordo — disse Joe, tentando imaginar onde Larry pretendia chegar.
— Fico contente por Cindy. Eu a conheço desde que era uma garotinha, e gosto dela quase tanto quanto de Lanie.
Joe riu com espontaneidade.
— Será que eu disse alguma coisa engraçada? — perguntou Larry.
— Não — afirmou Joe, ficando sério. — É que eu tenho quase certeza de que o senhor tem alguma coisa para me dizer, mas não sabe por onde começar.
Larry olhou-o fixamente e sorriu.
— Você é um homem perspicaz. Mas é verdade que gosto de Cindy e me preocupo com ela.
— Simon não é do tipo que brinque com os sentimentos dos outros.
— E você?
— Também não.
— Por que não entramos para conversar um pouco?
Joe seguiu-o até a biblioteca. Sentou-se num dos sofás, aguardando pacientemente que Larry acendesse o cachimbo e começasse a falar.
— Elaine é a pessoa mais importante da minha vida — principiou Larry, dando uma longa baforada.
— E da minha também.
— Ela não é como as outras mulheres de Hollywood, e... bem, eu não quero vê-la magoada.
— O senhor está tentando sugerir que eu saia da vida de sua filha? — perguntou Joe, começando a se aborrecer com aquele assunto.
— Não. Estou apenas dizendo que amo minha filha e farei qualquer coisa para que ela não sofra.
— Por favor, Sr. Rodman, vá direto ao ponto. Qual é o verdadeiro motivo de tanta preocupação?
— Os atores, as pessoas do nosso meio em geral, são inconstantes e volúveis. O que hoje lhes parece um grande amor, amanhã poderá ser apenas mais um caso do passado. Tenho receio de que minha filha represente apenas outra mulher na sua vida, Michaels.
— Em primeiro lugar, eu não sou volúvel nem inconstante. — A voz estava tensa e os olhos brilhavam de cólera. — Além disso, o meu relacionamento com a sua filha é um assunto que só diz respeito a nós dois. Eu amo Elaine e para mim é o bastante que ela acredite nisso.
Joe estava preparado para enfrentar a irritação de Larry, e surpreendeu-se ao vê-lo sorrir.
— Obrigado — falou Larry, desarmando-o completamente.
— Obrigado? — repetiu Joe, confuso.
— Por falar com tanta franqueza. Mas você está enganado se pensa que o seu relacionamento com Lanie é um assunto exclusivo dos dois. Tudo o que diz respeito à vida de minha filha, Joe, é da minha conta. — E, sem dar a ele a chance de replicar, acrescentou: — Agora que já está tudo bem claro, você não gostaria de uma partida de xadrez?
— Por que não? — A raiva passara e ele agora compreendia melhor as razões do pai de Elaine.
Larry retirou um tabuleiro da estante e, enquanto Joe arrumava as peças, serviu-lhe um cálice de conhaque.
— Diga-me, Joe, o que está realmente acontecendo no set. Eu ouvi alguns boatos e estou bastante preocupado.
CAPÍTULO IX
Elaine parou o carro no alto da montanha, para melhor apreciar o cenário magnífico que se descortinava diante de seus olhos. Lá embaixo ficava o vale onde seriam feitas as primeiras tomadas externas de Distant Worlds. De onde estava, Elaine avistou facilmente os trailers do estúdio, estacionados em círculo. Cada um tinha uma utilidade específica: servir de camarim, sala de maquilagem, escritório e laboratório. Nos dois últimos ficavam os equipamentos de filmagem.
— Lá está o carro de Hart, Lanie — falou Jason, apontando para um jaguar preto, estacionado ao lado de um dos trailers.
Elaine colocou o carro outra vez em movimento e, em poucos minutos, estava diante do trailer que Hart usaria como escritório.
— É melhor você ficar aqui mesmo, Jason.
Respirou fundo e deu duas batidas na porta antes de entrar.
— Sra. produtora! Que surpresa mais agradável — falou Hart, sem se levantar.
— Você não me esperava?
— Só amanhã. Quer uma xícara de café?
— Não. Quero apenas trocar duas palavras com você. — Sem esperar pelo convite dele, ocupou uma das cadeiras diante da mesa. — Pelo que me contaram, você fez algumas mudanças no projeto.
— É verdade — confirmou, imperturbável.
— E posso saber por quê?
— Você estava fora da cidade e, como diretor, eu tenho esse direito,
— John, eu não entendo por que você faz o possível para me contrariar, mas nós dois sabemos muito bem quais são os seus direitos e responsabilidades neste filme. Por que Lorraine caiu fora?
— Que diferença isso faz? Nós já temos uma substituta.
— Faz muita diferença. Lorraine é uma excelente atriz.
— E Suzanne Roland não?
— Você sabe muito bem a resposta — falou Elaine entre dentes.
— Não, não sei. Por que você não me diz? — desafiou.
— O estúdio queria Lorraine para o papel.
— Mas ela desistiu dele e, como diretor, eu decidi quem deveria ser a substituta.
— Você não tem o direito de escolher ninguém, mas apenas o de sugerir um nome.
— Qual é o problema, afinal? Você acha que estou tentando desmoralizá-la? Eu não seria tão louco. Seu pai destruiria a minha carreira num piscar de olhos.
Elaine sentiu que estava prestes a explodir de raiva, e só a muito custo conseguiu conter-se.
— Pois você mesmo vai se encarregar de destruir a sua carreira, se continuar agindo desse modo. Que inferno, Hart! Eu estou tentando fazer um bom trabalho.
— Pois então faça o seu, e deixe o meu por minha conta! — explodiu Hart, batendo na mesa. — Você tem mais alguma reclamação? Estou muito ocupado.
— Quero ver as modificações que você fez no script e depois submetê-las à aprovação de Simon Arnold.
— Isso é ridículo! Como posso dirigir este filme se não tenho a menor autonomia?
— E eu também quero saber para onde você transferiu as locações — continuou, sem dar atenção aos protestos dele. — É melhor que você se enquadre no meu esquema, Hart, se não quiser cair fora.
O diretor ficou muito pálido, e levou alguns segundos para conseguir replicar:
— Bem que gostaria de me ver pelas costas, não é? Mas não se iluda. Você não vai fazer comigo o mesmo que fez com Sellert.
— Eu não fiz nada a Sellert. Vamos, Hart, o script.
Ele abriu uma gaveta, tirou de dentro um maço de folhas datilografadas e jogou-o sobre a mesa.
— Agora que já conseguiu o que queria, me deixe em paz. Tenho muito o que fazer.
— Para onde foram transferidas as locações? — insistiu Elaine, imperturbável.
— Peça ao seu assistente para levá-la até lá. Ele sabe onde é.
— Ótimo. Esteja no meu escritório logo após o almoço, e então poderemos discutir as suas alterações — ordenou. E sem esperar pela resposta dele, saiu do trailer.
Ao ouvir o ruído do motor do carro, Hart espiou pela janela.
— Pode sair agora — falou em voz alta. — Eles já se foram. A porta do banheiro se abriu e um homem entrou na sala.
— Ela mordeu a isca? — perguntou.
— Exatamente como eu previ. Você vai ter a sua vingança logo, logo.
— Você está bem seguro da outra parte do plano?
— Claro que sim. Você acha que eu me arriscaria a cortar Lorraine do filme se não estivesse?
— Suzanne sabe o que tem a fazer?
— Na ponta da língua. Afinal, graças a isso ela vai se tornar uma grande estrela, não vai?
— Você é o diabo em pessoa, Hart.
Os dois homens trocaram um olhar de entendimento, e depois caíram na risada.
A tarde já estava caindo quando Elaine chegou ao motel situado ao pé das colinas de Death Valley. Ficaria hospedada ali enquanto durassem as filmagens.
Depois de tomar um banho, vestiu um abrigo de plush e foi até a janela, admirar o pôr-do-sol. Felizmente aquele dia tão cheio de complicações estava chegando ao fim.
Depois de examinar atentamente as alterações que Hart havia feito no script. Elaine compreendera que de forma alguma poderia aprová-las. O diretor alterara a concepção básica da trama, o que comprometia a coerência dos personagens.
Antes da reunião com Hart, Elaine telefonara para o agente de Lorraine para descobrir por que a atriz havia desistido de participar de Distant Worlds. O agente foi bastante franco ao dizer que havia diferenças insolúveis entre Lorraine e Hart. Outra razão para a atitude da atriz fora o clima tenso e desagradável que imperava no set, segundo comentários dos jornais.
Quando Hart entrou no trailer que Elaine usava como escritório, ela já havia decidido seguir o conselho do pai. Para não dificultar ainda mais o relacionamento com Hart, estava disposta a fazer uma concessão.
— Decidi aprovar o contrato de Suzanne Rolands — comunicou ao diretor.
— Ótimo — falou Hart, com voz inexpressiva.
— Mas não vou permitir alterações no script, e os locais para as externas serão os mesmos que havíamos escolhido antes.
— Como você quiser. Eu já esperava por isso. — E, sem dizer mais nada, saiu do trailer.
Elaine, que estava preparada para enfrentar a raiva de Hart, surpreendeu-se com aquela atitude passiva. Mas não iria perder tempo tentando encontrar razões para aquele comportamento tão pouco característico do diretor. Havia uma série de providências a serem tomadas antes do reinicio das filmagens no dia seguinte.
Elaine continuava imóvel junto à janela, mas já não reparava no magnífico espetáculo do cair da tarde. Pensava em Joe e no fim de semana que havia sido interrompido de uma forma tão precipitada. Como sentia falta dele! Há poucas semanas, teria dado boas risadas se alguém lhe dissesse que um homem ocuparia um lugar fundamental em sua vida novamente. Mas agora sentia-se incapaz de ir adiante sem o amor e o apoio de Joe.
Uma discreta batida na porta interrompeu as divagações de Elaine. Ela foi abrir e, ao ver quem estava do lado de fora, um sorriso iluminou-lhe a fisionomia.
— Pensou que fosse ficar livre de mim, mocinha?
Elaine não conseguiu dizer nada. Só o esperava na manhã seguinte. Deu dois passos para trás, as faces vermelhas, os olhos brilhantes de felicidade. No instante seguinte, estavam um nos braços do outro, beijando-se com paixão, como se estivessem separados há semanas.
— Sentiu saudades? — perguntou Joe.
— O que você acha? — replicou, com um sorriso provocante.
— Imagino que sim, mas gostaria de ouvir isso de você.
— Oh, Joe! Eu não agüentaria nem mais um dia de separação — murmurou, abraçando-o. — Você me ama?
— É mais do que amor, Lanie. e você sabe disso.
Seus lábios se encontraram outra vez e Elaine sentiu a tensão daquele dia evaporar-se como num passe de mágica. Quando se separaram, ele a observou com atenção.
— Pelo seu aspecto, o dia não foi muito fácil. Você está tão abatida! E imagino que não tenha comido nada, certo?
— Bom, havia tanto o que fazer que...
Ele cruzou os braços, fingindo-se zangado.
— Será que não posso perdê-la de vista ao menos um dia? Felizmente voltei a tempo de evitar que você morra de inanição.
— Engraçadinho!
Uma batida na porta interrompeu-os. Elaine já ia abrir, quando Joe a deteve.
— Pode deixar — disse ele.
— Mas, Joe...
— Lanie, esse seu receio de que os outros descubram sobre nós está começando a me irritar — repreendeu-a. — Calma. Deve ser apenas o jantar que eu encomendei antes de subir.
Elaine desviou os olhos, embaraçada com a crítica que havia nos dele. Talvez Joe achasse aquele receio exagerado, mas ela não tinha coragem de, pelo menos por enquanto, tornar público o romance deles.
Joe abriu a porta e o empregado do motel entrou com uma enorme bandeja, que colocou sobre a mesa. Depois de certificar-se de que os hóspedes não precisavam de mais nada, saiu do quarto.
— Como vão os dois pombinhos? — perguntou Elaine enquanto se sentava, tentando amenizar o mal-estar que surgira entre eles.
— Muito bem. Nós chegamos juntos. Quando vi Simon pela última vez, ele estava entrando no quarto de Cindy.
— Eles parecem mesmo muito apaixonados — comentou Elaine.
— É, acho que sim — concordou joe, ainda sério. — Mas eu tenho coisas mais importantes que o romance daqueles dois para conversar com você. O que aconteceu hoje?
Elaine contou-lhe tudo, sem omitir nenhum detalhe. Era estranho como se sentia melhor depois de ter desabafado com ele, e aguardou com ansiedade a aprovação de Joe para as medidas que havia tomado.
— Você é uma produtora muito inteligente, Lanie — falou sinceramente, quando ela terminou. — Eu teria feito a mesma coisa no seu lugar. — Joe só não teve coragem de expressar a sua preocupação com a atitude de Lorraine. A explicação do agente não lhe parecia convincente. Tinha a estranha sensação de que alguma coisa não se enquadrava bem naquela história.
Mal trocaram duas palavras durante o resto do jantar. Estavam felizes na companhia um do outro e não sentiam necessidade de conversar. Não havia mais o menor traço de tensão no ambiente, e o silêncio não era opressivo.
— Joe... — falou Elaine, quando já estavam tomando café.
— O que é?
— Já está ficando tarde.
— É muito tarde. — Levantou-se, foi até ela e puxou-a com delicadeza para um abraço. — Você não está tentando me mandar para o meu quarto, está?
A resposta de Elaine foi beijá-lo apaixonadamente. Minutos depois já estavam na cama, conscientes do desejo que aquela breve separação só conseguira aumentar, e que nenhum dos dois tinha intenção de sufocar.
— Eu quero você — sussurrou Joe, quando as carícias que trocavam haviam levado a excitação de ambos a um ponto insuportável. Mal terminou de falar, compreendeu, através da intensa emoção que o dominava, que não era apenas a atração física o elo de ligação entre ele e Elaine, já não lhe bastavam algumas
horas na cama, quando havia muito mais a ser compartilhado. Só então deu-se conta da extensão de seu amor por aquela mulher.
Elaine virou-se na cama, sonolenta, tentando descobrir que ruído insistente seria aquele.
— O que é isso? — perguntou, bocejando.
— O alarme do meu relógio — explicou Joe, acendendo o abajur e sentando-se. — Cinco horas. Preciso ir.
— Agora? — Ergueu o corpo, apoiando-se nos cotovelos. — Mas é tão cedo!
Ele sorriu e beijou-a de leve na boca.
— Dorminhoca. Não se esqueça de que eu preciso estar no set às seis horas. Além disso, você não quer que alguém me veja saindo do seu quarto, quer?
— Joe, por favor... — murmurou, magoada. Quando ele compreenderia que aquela situação também não lhe agradava e que, por enquanto, as coisas não poderiam ser de outra forma?
— Está tudo bem, Lanie — ele se apressou em assegurar, quando viu o efeito que as suas palavras haviam causado nela. — Eu estava apenas brincando.
— Joe, eu daria tudo para que as coisas fossem diferentes. Mas agora é impossível. Entenda, por favor.
— Estou tentando. Droga! Tenho feito o possível, mas não é fácil. Não gosto de me esgueirar pelos cantos, de me esconder das outras pessoas sem que haja uma boa razão para isso.
— Você está errado. Se quiser, posso fazer uma lista de razões muito importantes que justificam o nosso comportamento.
Ele sustentou o olhar de desafio dela e, de repente, tão rápido quanto havia surgido, sua raiva desapareceu.
— Você está certa — falou, abraçando-a. — E talvez, pela primeira vez, eu entenda porquê.
Estava sendo sincero. A. conversa com Larry e os últimos acontecimentos fizeram-no compreender como era precária a posição de Elaine no estúdio. Ser a filha de um produtor famoso só tornava o caminho dela mais difícil. E, com toda certeza, envolver-se publicamente com o astro do filme não a ajudaria em nada.
Abraçou-a com carinho e beijou-a na testa.
— Vai dar tudo certo, Lanie, você vai ver.
— Espero que sim. Agora, vá embora ou vai acabar atrasando o início das filmagens.
— Sim senhora — falou, levantando-se e batendo continência.
Elaine riu e jogou-lhe um travesseiro no rosto.
— Vá! — ordenou.
— Você não quer que eu fique? — perguntou Joe, voltando para a cama.
— Para sempre.
— Será um prazer atender esse pedido — sussurrou, aproximando o rosto e beijando-lhe os cabelos.
— Joe, já é tarde — advertiu-o Elaine, desvencilhando-se dele, embora seu desejo fosse abraçá-lo. — Você vai perder a hora.
— Já estou indo. — Beijou-a na boca e começou a se vestir. — Afinal, você é a chefe.
— E não se esqueça disso — brincou, e deitou-se entre as cobertas outra vez.
Antes de sair, Joe certificou-se de que não havia ninguém do lado de fora, e só então foi para o seu próprio quarto em outra ala do motel. Dois homens o observavam de uma janela e. quando Joe desapareceu de vista, um deles comentou;
— Viu como eu estava certo? O outro concordou e sorriu.
CAPÍTULO X
Elaine examinava alguns documentos, quando Chick Uldridge entrou no trailer que ela usava como escritório.
— Algum problema, Chick? — perguntou e, pela expressão dele, adivinhou a resposta. Nas duas últimas semanas os incidentes se sucediam. Alguns, de menor importância, eram facilmente solucionados; outros, de conseqüências mais sérias, interrompiam as filmagens durante horas.
— O trailer onde deixamos o equipamento foi arrombado outra vez durante a madrugada. Todos os filmes virgens foram roubados. Agora só contamos com os que estão nas câmeras. Enquanto não chegar a nova remessa, não poderemos continuar.
— Mas, e os guardas? — perguntou Elaine, a voz trêmula de raiva.
— Os três juram que não ouviram nada.
— Que maravilha! Duas semanas filmando fora do estúdio e já estamos com quatro dias de atraso. Isso representa um prejuízo de dez mil dólares. Chick, precisamos dar um jeito nessa situação.
— Eu sei, Lanie. — Parecia tão irritado quanto ela. Afinal, o equipamento era uma de suas responsabilidades. — Só vejo uma saída — afirmou, passando a mão pelos cabelos. — Mas dependo da sua aprovação.
— Fale, Chick.
— Pensei em passar a noite aqui, no seu escritório, para ver se descubro alguma coisa. Mas é importante que ninguém saiba disso.
— Mas quem lhe garante que hoje vai acontecer de novo?
— É uma tentativa. Estou disposto a ficar aqui quantas noites forem necessárias.
Elaine não respondeu em seguida, limitando-se a olhar para o contra-regra, pensativa. Chick era um homem grandão, que se orgulhava de fazer bem o seu trabalho. Além disso, ela sabia que podia confiar inteiramente nele. Chick já provara mais de uma vez a sua lealdade e dedicação. Mas o que ele propunha era perigoso.
— Não sei, Chick... — falou, em dúvida. — Nós não temos idéia de quantas pessoas estão envolvidas nisso. Como você vai poder enfrentá-las sozinho?
— Deixe isso por minha conta, Lanie. Mas não se preocupe. Não pretendo fazer nenhuma loucura. Quero apenas descobrir quem está por trás disso. — Esperou alguns segundos pela decisão de Elaine e, como ela continuasse em silêncio, insistiu: — E então, Lanie? Tenho a sua permissão?
— Muito bem, eu concordo — falou, dando um longo suspiro. — Mas, pelo amor de Deus, Chick, tenha cuidado. Não vá bancar o herói. Vou providenciar para que alguém deixe comida aqui para você.
— Não, eu mesmo cuidarei disso. Prefiro que ninguém saiba do nosso plano.
Quando o contra-regra saiu. Elaine discou um número no telefone. Não podia adiar por mais tempo a conversa com David Leaser. Quando chegara ao set pela manhã, havia um recado em sua mesa: o presidente dos Estúdios Trion tinha urgência em falar com ela.
Quando desligou, seu rosto estava pálido. No dia seguinte, tomaria um avião para Los Angeles. David queria vê-la logo cedo, com o cronograma das filmagens, e ouvir todas as explicações sobre os atrasos.
— Droga! — exclamou, jogando longe a caneta.
— E foi assim que tudo aconteceu — declarou Suzanne Roland quando terminou sua história.
— Mas como você pode ter tanta certeza? — perguntou um dos extras.
— Olhe, todos sabem que este filme é a menina dos olhos de Leaser, e ele tirou Tom Sellert da produção porque os dois discordaram da linha a ser adotada no projeto — argumentou a responsável pelo guarda-roupa.
— Não é verdade. Elaine Rodman valeu-se do prestígio do pai e da antiga amizade que há entre ele e Leaser para conseguir a produção de Distant Worlds. Podem acreditar.
Joe mantivera-se à parte daquela discussão, mas a veemência de Suzanne acabou por atrair-lhe a curiosidade.
— Suzanne, para alguém que acabou de se juntar à equipe de filmagem, você parece muito bem informada.
A moça ficou lívida e seus lábios tremeram.
— Aí é que você se engana — falou, sem conseguir aparentar a mesma segurança de antes. — Este papel foi oferecido a mim antes que Lorraine Adams sequer sonhasse com ele.
— Verdade? — perguntou Joe, acentuando deliberadamente o tom de descrédito na voz.
— Claro que sim! Quando a todo-poderosa srta. Rodman tirou Tom Sellert do caminho, eu perdi o papel. Ela queria Lorraine Adams, e David Leaser atendeu a sua exigência.
— Muito bem, pessoal. Sinto interromper este bate-papo tão animado, mas é hora de trabalhar — anunciou Jason Heller, aproximando-se do grupo.
— E eu preciso passar outra vez pela sala do maquilador, certo? — perguntou Joe, com um sorriso desanimado.
— Certo — confirmou Jason. — E você também, Suzanne.
— Mas eu não estou na próxima cena.
— Vamos filmar duas ao mesmo tempo para compensar um pouco o atraso. Hart vai ficar com a de Joe, e o assistente dele vai dirigir a sua.
— Então, vamos lá — falou a moça.
Quando se levantou, todos os olhares masculinos acompanharam com atenção os movimentos insinuantes de seu corpo.
Joe estava a caminho da sala de maquilagem, quando percebeu que alguém o seguia. Virou a cabeça e viu Suzanne, que se aproximava a passos rápidos.
— Oi — disse a moça, um tanto ofegante. — Posso falar dois minutos com você?
— Por que não? — Continuaram a andar, lado a lado. — É mesmo verdade que você foi a primeira a ser convidada para o papel?
— Lógico. Rapaz, eu fiquei quase louca quando me tiraram da jogada para dar o lugar a Lorraine.
— Posso imaginar. Mas não acredito que Elaine Rodman tenha algo a ver com isso.
— Pois pode acreditar — insistiu Suzanne. — Se você quiser, mais tarde eu posso lhe contar a história com todos os detalhes — sugeriu, com um sorriso provocante.
— Pode mesmo? — perguntou Joe, com ar inocente.
— Hum, hum... — confirmou a moça, os lábios entreabertos de forma convidativa.
— Acho que vou gostar disso — sussurrou Joe, assumindo uma expressão que encheu Suzanne de esperanças.
— Por que não nos encontramos uma noite dessas num lugar sossegado, onde ninguém nos perturbe? — sugeriu, num tom cheio de promessas, o olhar fixo no dele.
"Ela sabe de alguma coisa", pensou Joe, acompanhando-a com o olhar até que a atriz desapareceu na sala da auxiliar de maquilagem. Mas Suzanne não era tola, e ele precisaria agir com muito tato para fazê-la falar.
— Vamos, Sr. Michaels?
Joe seguiu o maquilador. e sentou-se na cadeira diante de um enorme espelho. Quando já estava com um pano branco sobre o peito, apoiou a cabeça no encosto e fechou os olhos, tentando imaginar se Suzanne teria mesmo alguma revelação importante a fazer.
— Ela é uma mulher e tanto, hein?
— Quem?
— Suzanne Roland. Aquele gingado dos quadris é de deixar qualquer um louco.
— É, acho que sim — murmurou Joe, distraído, o pensamento concentrado apenas no que a atriz havia dito.
Joe e Elaine sentaram-se a uma das mesas próximas à janela do pequeno restaurante de beira de estrada. O tecido xadrez das toalhas dava um toque alegre ao salão e a música country acentuava a atmosfera tipicamente americana do ambiente.
Quando Joe lhe perguntara se gostaria de sair para jantar, Elaine aceitara com prazer, pois desejava ficar o mais distante possível do motel e das pessoas envolvidas nas filmagens.
Através da recepcionista, Joe ficara sabendo que o Dean's Place era um restaurante pequeno, onde serviam boa comida e os fregueses encontravam privacidade para conversar sem serem importunados.
Joe não apreciava muito aquele tipo de lugar, mas não queria jantar na cidade, que estava em alvoroço com a proximidade dos astros de Hollywood, e onde, com certeza, seriam alvo da curiosidade de todos.
No Dean's Place, ninguém deu maior atenção à presença deles. Enquanto se sentavam, Elaine concluiu que era uma sorte o fato de Joe não ser um ator muito famoso, e que a popularidade dele se limitasse ao círculo teatral de Nova York. Mas isso duraria apenas até o lançamento de Distant Worlds. Quando o filme estivesse nas telas de todo o país, Joe deixaria de ser apenas um ator muito bem conceituado na Broadway, para transformar-se num superstar.
— Quanto tempo você vai ficar em Los Angeles? — quis saber Joe.
— Vou fazer o possível para voltar amanhã à noite.
— Ótimo. — Alcançou-lhe a mão sobre a mesa e acariciou-a lentamente. — Eu detestaria ficar muito tempo longe de você.
— Joe, você acha que David tem a intenção de me tirar da produção? — Durante todo o dia aquela hipótese a atormentara.
— Duvido.
— Pois eu não. As filmagens estão cada vez mais atrasadas. Hoje à tarde eu fiz uma nova estimativa dos custos da produção. Se esses incidentes continuarem, o nosso orçamento vai estourar a ponto de fazer Cecil B. De Mille parecer um pão-duro.
— Pois ele não seria outra coisa nos padrões atuais — brincou Joe, tentando fazê-la relaxar. — Elaine, você está fazendo um bom trabalho. Tenho certeza de que Leaser vai entender que os últimos incidentes nada têm a ver com a sua capacidade.
— Talvez você tenha razão, mas duvido que os investidores sejam tão compreensivos — disse, tentando fazer uma análise realista da situação. — Eles querem lucro, Joe. — Balançou a cabeça e sorriu com uma certa melancolia. — Não é engraçado? Nós estamos no mesmo ramo de atividade, trabalhamos no mesmo projeto, mas estamos tão distantes um do outro no que fazemos. Você não avalia o que significa estar à frente de uma equipe de filmagem.
— Por que você está dizendo isso? — perguntou Joe, surpreso com a súbita mudança no rumo da conversa.
— Porque o nosso relacionamento está cada vez mais parecido com o enredo do filme. Distant Worlds é uma história de amor, e nós estamos vivendo um caso de amor. Como os protagonistas, estamos muito ligados um ao outro, mas existe uma grande distância entre o seu mundo e o meu.
— Essa distância só existe na sua imaginação, Lanie — replicou em voz baixa, mas firme. — Tente convencer-se disso.
— Posso tentar, mas, de qualquer forma, isso não vai resolver a minha situação nos Estúdios Trion. Tenho medo de pensar no que vai acontecer amanhã, Joe.
— Por que sofrer por antecipação, Lanie? David Leaser não vai tomar nenhuma atitude drástica.
— Gostaria de ter tanta certeza.
— Pois eu tenho por nós dois — afirmou Joe, tentando injetar-lhe confiança. — Vamos dançar? — Sem esperar pela resposta, levantou-se e, segurando-a pela mão, conduziu-a até a pequena pista de danças, onde apenas dois casais deslizavam ao ritmo suave da música.
Era quase meia-noite quando deixaram o restaurante e fizeram o percurso de trinta quilômetros até o motel. Elaine não disse nada durante o trajeto. Quando Joe lhe acariciava a mão, ela apenas sorria e, em seguida, continuava a olhar pela janela.
Ele sabia que Elaine estava tensa e preocupada. Quando entraram no quarto e foram para a cama, beijou-a demoradamente, mas não fez amor com ela. Abraçou-a e a manteve bem junto ao corpo até que ela adormecesse.
Às seis horas da manhã, Joe já estava na sala do maquilador, preparando-se para o início das tomadas daquele dia. O ruído de um jato chegou-lhe aos ouvidos, e ele imaginou se estaria levando Elaine para o seu encontro decisivo com David Leaser.
Estava seguro de que ela não seria afastada da produção. Embora fosse verdade que nunca trabalhara atrás das câmeras, Joe estava naquele meio há tempo suficiente para saber julgar o desempenho dos diretores e produtores. E Elaine era uma das melhores, pensou com orgulho. Mas, se fosse necessário, tinha meios de ajudá-la. Poucas pessoas sabiam que seu pai era amigo de vários empresários que investiam na indústria do cinema. Bastaria uma palavra de Joe para que ele intercedesse em favor de Elaine. Aquele, porém, era um recurso extremo, ao qual só recorreria em último caso. Elaine tinha um espírito independente demais para aceitar ajuda daquela natureza.
— Você está mesmo lindo — brincou Simon. sentando-se na cadeira ao lado da de Joe.
— É para isso que eles me pagam.
— Pelo menos você admite a verdade.
Simon não disse mais nada até que o maquilador terminasse o trabalho. Quando Joe ficou pronto, o escritor segurou-o pelo braço e levou-o para fora da sala.
— Eu fiz aquelas investigações que você me pediu — contou Simon em voz baixa, após certificar-se de que não havia ninguém por perto.
— E o que descobriu? — perguntou Joe com ansiedade.
— Sellert não havia sugerido o nome de Suzanne. O diretor de elenco me garantiu que, desde o início, o único nome cogitado para o papel foi o de Lorraine.
Joe ficou em silêncio durante alguns instantes, analisando aquela informação, e então tomou uma decisão.
— Acho que é o momento de dar um pouco de corda a Suzanne, concorda?
— Joe, você está brincando com dinamite.
— E por acaso tenho outra alternativa? Ela tem feito o possível para atrair a minha atenção, e estou decidido a retribuir o seu interesse. — Deu uma palmadinha amigável no ombro do outro e sorriu. — Tenho o palpite de que através da bela Suzanne posso descobrir coisas muito interessantes.
— Tem certeza de que é isso o que deve fazer?
— Tenho. E você não vai comentar nada com ninguém, nem mesmo com Cindy.
— Joe...
— Eu sei o que estou fazendo, Simon — afirmou, tentando tranqüilizá-lo.
— Pois eu acho que você vai fazer uma grande besteira. E Elaine?
— Ela só estará de volta bem mais tarde.
— Todos nos seu lugares — gritou o assistente de direção. Cercados por câmeras e pela equipe de filmagem, foram obrigados a interromper a conversa.
— Joe — gritou John Hart. — Vou apenas dar algumas instruções a Suzanne e depois começaremos a rodar.
A atriz saiu de um dos trailers, usando uma roupa que dava destaque aos seus principais atributos: jeans bem justo e um collant com um decote generoso.
Joe sorriu quando a moça passou por ele.
— Hoje à noite? — murmurou, para que apenas ela o ouvisse.
Suzanne continuou a andar, mas olhou para trás e sorriu em resposta.
Quando o trabalho daquele dia terminou, Joe voltou para o motel. Havia um recado de Elaine na portaria e, depois de entrar no quarto, ele correu para o telefone, discando o número dos Estúdios Trion.
Dez minutos mais tarde, desligou, sentindo-se reanimado pelo simples fato de ter ouvido a voz dela, mas também um tanto melancólico por ser obrigado a esperar mais um dia para vê-la. Leaser não a tirara da produção, porém havia uma série de assuntos no escritório que precisavam da atenção imediata de Elaine, por isso ela só retornaria no dia seguinte.
Aquele arranjo era perfeito para os planos de Joe. Daria a ele oportunidade de dedicar mais tempo a uma certa pessoa do elenco. Esperava ter algumas novidades para contar a Elaine quando ela regressasse.
O telefone tocou e Joe atendeu de imediato. Chick Uldridge estava no outro lado da linha e parecia muito nervoso. Precisava falar com Joe pessoalmente, e o mais rápido possível.
— Onde você está? — perguntou Joe, preocupado com o tom de ansiedade na voz do outro.
— Na locação.
— Estarei aí em vinte minutos.
Elaine assinou uma requisição e, reclinando-se na cadeira, girou-a para o lado da janela. Felizmente suas piores expectativas não se haviam confirmado. David Leaser não estava disposto a crucificá-la. Pelo contrário. Fora bastante compreensivo e não a culpara pelo atraso nas filmagens.
Depois de ouvir todos os detalhes e de assistir ao copião das tomadas já realizadas, Leaser comentara os furtos que haviam ocorrido na locação.
— Não é a primeira vez que ocorrem pequenos furtos nos locais de filmagem — ponderou.
— Não foram pequenos furtos — retrucou Elaine.
— Talvez seja conveniente reforçar a segurança — ele sugeriu.
— Já fiz isso. Estamos com três homens guardando o local durante toda a noite.
— Contrate mais dois.
— Não creio que seja necessário.
— Ê preciso evitar que esses incidentes voltem a acontecer.
— Estou fazendo o possível para isso — garantiu Elaine. Contou-lhe então o plano de Chick.
— Isso pode ajudar. Chick é uma excelente pessoa.
— Também acho.
— Como estão as coisas com John Hart? — perguntou David de repente.
— Ele ainda está muito ressentido. Mas eu tenho evitado qualquer tipo de confronto, sempre que possível.
— O problema ainda é o mesmo?
— Hart acha que eu usei a influência de meu pai para tirar Sellert da produção.
— Ora, isso é absurdo!
— Não para ele.
— Acho que é hora de Hart e eu termos uma conversinha.
— Não! — protestou Elaine, quase pulando da cadeira. — Eu sou a produtora; tenho que resolver isto sozinha.
David franziu as sobrancelhas diante daquela reação e, durante alguns segundos, ficou em silêncio.
— Muito bem, eu não vou interferir — concordou. — Mas, se surgir mais algum problema, serei obrigado a tomar providências.
— E uma delas será tirar-me da produção? — perguntou Elaine, enfrentando o olhar dele.
— Espero não ser obrigado a ir tão longe — foi a resposta evasiva de David. — Se precisar de ajuda, Lanie, não hesite em recorrer a mim. Ser uma boa produtora significa ter a exata noção da própria capacidade e não recear em procurar auxílio, quando necessário.
Com essas palavras, David colocou um ponto final no assunto e eles passaram a discutir outros aspectos da produção de Distant Worlds. Quando terminaram, já era hora do almoço e David levou-a a um restaurante em Beverly Hills, onde a freqüência era basicamente composta de pessoas ligadas ao mundo do cinema e repórteres em busca de notícias para as suas colunas nos jornais.
Depois de uma hora de cumprimentos de cabeça, acenos e sorrisos, Elaine voltou para o escritório, onde encontrou uma pilha de papéis que precisavam da sua assinatura antes de serem despachados.
Assim que viu o volume de trabalho acumulado em sua mesa, deu-se conta de que só no dia seguinte teria condições de retornar a Death Valley. Telefonou para o motel e, depois de deixar um recado para Joe, mergulhou na leitura de documentos e memorandos.
Já estava escurecendo quando Joe chegou ao local das filmagens para encontrar com Chick. O contra-regra tinha círculos escuros ao redor dos olhos e Joe percebeu como ele estava tenso e cansado.
— Sou todo ouvidos — falou, quando Chick fechou a porta do trailer que Elaine usava como escritório.
— Eu não deveria contar a ninguém o que descobri, mas acho que posso confiar no senhor.
— Ê claro que pode — assegurou Joe.
— Eu fiquei aqui durante a última madrugada, na esperança de descobrir alguma coisa sobre os furtos que vêm ocorrendo e, se possível, pegar os ladrões em flagrante.
— Você o quê? — Joe estava surpreso. — Mas por que não deixou isso a cargo dos guardas? Afinal, é responsabilidade deles zelar pela segurança do equipamento.
— Eu sei. Mas, depois do último furto, conversei com Lanie e percebi que ela estava nervosa e preocupada. Achei que precisava fazer alguma coisa para tranqüilizá-la. — Fez uma pausa e olhou fixamente para Joe antes de prosseguir: — Sr. Michaels, tenho quase certeza de que não estamos lidando com um ladrão comum.
— Como assim?
— Lembra-se daquela explosão no set?
— Como poderia esquecê-la?
— Pois acho que há uma ligação entre os dois casos. Alguém está tentando sabotar o filme.
— Mas por quê? — Joe tinha suas próprias suspeitas, no entanto queria ouvir a opinião de Chick.
— Isso eu não sei. Porém tenho quase certeza de que o responsável pelos furtos não está agindo durante a noite. E, se eu estiver certo, isso significa que o nosso homem, ou mulher, é alguém da própria equipe.
— Como você chegou a essa conclusão?
— Eu observei os guardas durante a noite passada. Eles não diminuíram a vigilância durante toda a madrugada. Quando um deles saía do seu posto para descansar ou tomar café, era imediatamente substituído por outro. Ninguém poderia ter passado por eles, Sr. Michaels. Ninguém! Além disso, antes de entrar para os Estúdios Trion, eu servi no exército. Já vi muitas portas arrombadas, e posso assegurar que quem entrou nos trailers tinha as chaves. Examinei as fechaduras e notei que todas estavam destrancadas. O estrago foi feito depois, apenas para dar a impressão de arrombamento.
— Mas por que você não procurou a polícia?
— Porque descobri uma coisa muito estranha.
Chick fez uma pausa. Joe aguardou que ele prosseguisse, o rosto aparentemente calmo, os pensamentos sucedendo-se numa velocidade vertiginosa.
— Desde aquele primeiro incidente no estúdio, foi barrada a entrada de qualquer um que estivesse sem passe ou autorização por escrito.
— E esse sistema continuou a ser adotado durante as tomadas externas. Onde você quer chegar, Chick? — perguntou Joe, sem conseguir entender a linha de raciocínio do contra-regra.
— Os guardas controlam a entrada das pessoas, mas não a saída.
Um lampejo de compreensão atravessou o olhar de Joe.
— Poucos minutos antes de lhe telefonar, vi Hart saindo na companhia de um homem — prosseguiu Chick. — Não sei quem era, e os guardas também nunca o viram antes. E eu tenho certeza de que todos, com exceção de Hart, dos três guardas e de mim mesmo, já haviam assinado a lista de saída. Hart deveria ter saído sozinho. Eu gostaria de saber quem estava com ele.
— Talvez um membro da equipe tenha voltado por algum motivo...
— Bem, de qualquer forma, decidi fazer algumas investigações por minha conta. Foi por isso que chamei o senhor.
— Estou com um mau pressentimento...
— Eu entrei no trailer de Hart.
— Ele o deixou aberto?
— Sou responsável por tudo o que seja propriedade do estúdio nesta locação, Sr. Michaels, e por isso tenho todas as chaves.
— E o que você descobriu?
— Alguém está morando lá. Havia roupa suja no banheiro e a cama estava desarrumada.
— Talvez o próprio Hart tenha dormido lá.
— Não acredito. As roupas que vi são de um homem de estatura elevada, o que, como o senhor sabe, não é o caso dele.
Os dois ficaram em silêncio durante alguns instantes, e então Joe levantou-se.
— Muito bem, Chick, já que você decidiu confiar em mim, nada mais justo que eu lhe conte as minhas próprias suspeitas.
Fez um relato simples e objetivo das discretas investigações que andara fazendo e das conclusões a que chegara.
— Vou ficar de olhos abertos, Sr. Michaels — prometeu Chick quando ele terminou.
— Estou contando com isso.
O telefone tocou e Hart apressou-se em atender.
— Sim?
Quando desligou, olhou com um sorriso de satisfação para o homem sentado na cama.
— Ela vai voltar no vôo das duas horas. Lá pelas três, já deverá estar aqui.
— Está tudo preparado?
— Claro. Suzanne sabe exatamente o que fazer. Tudo vai sair conforme planejamos.
As filmagens encerraram-se pouco antes das três horas e a equipe começou a se dispersar. Joe foi para o trailer que usava como camarim, para trocar de roupa e retirar a maquilagem.
Sentia-se bastante cansado. A noite anterior fora bem mais longa do que havia imaginado a princípio. Depois do encontro com Chick, voltara ao motel e juntara-se ao grupo de atores que descansava e conversava no salão de entrada.
De propósito, havia escolhido um lugar ao lado de Suzanne, aparentando estar muito interessado no que ela dizia. Foram juntos para a sala de jantar e, após a refeição, sentaram-se sozinhos no terraço. Durante horas, conversaram sobre suas carreiras e sobre o filme. Com bastante cautela, Joe procurava dirigir o assunto para o ponto que o interessava.
Quando praticamente não havia mais ninguém no salão, Joe sugeriu que se recolhessem aos seus quartos, pois no dia seguinte, às seis horas, deveriam estar na locação. Suzanne concordou com um sorriso, onde havia um claro convite para que a noite não terminasse ali. Joe achou mais prudente fazer de conta que não notara nada. Estava convencido de que a moça sabia muito mais do que deixava transparecer, mas que também, não faria nada que pudesse prejudicar-lhe a carreira. Suzanne ainda não estava pronta para falar e ele precisaria deixá-la em banho-maria mais algum tempo, até que a sentisse um pouco mais maleável.
— Não quer entrar? — sugeriu Suzanne, quando pararam diante de seu quarto. Apoiou as mãos no peito de Joe, o rosto bem próximo do dele.
Ele sorriu, mas balançou a cabeça, recusando o convite.
— Se eu não tivesse que me levantar cedo amanhã, nada me afastaria daqui agora — sussurrou, passando os braços pela cintura dela.
Suzanne colou seu corpo ao dele e ofereceu-lhe os lábios entreabertos. Quando julgou que o beijo já se prolongara por tempo suficiente, Joe afastou o rosto.
— Mas amanhã à noite, se o convite ainda estiver de pé...
— E você tem alguma dúvida? — sussurrou a moça.
Em seu camarim, Joe pensava no encontro que marcara com a atriz. Precisava arrumar uma desculpa convincente para dar a Elaine, e ficar com a noite livre para continuar suas manobras junto a Suzanne.
Uma discreta batida na porta tirou-o de seus pensamentos. Joe levantou-se para abri-la, e mal conseguiu disfarçar o espanto. Parada do lado de fora, um sorriso sedutor nos lábios, estava Suzanne.
— Que surpresa — murmurou Joe, tentando ocultar seu desagrado.
— Nós não marcamos um encontro? — perguntou Suzanne, entrando no trailer e forçando Joe a dar alguns passos para trás.
— Mas pensei que fosse para hoje à noite.
— Para que esperar? — retrucou com um sorriso que não deixava dúvidas quanto à sua intenção.
— É, para que esperar? — repetiu ele, tentando organizar rapidamente um plano de ação. — Sabe, Suzanne, o que você disse me deixou muito curioso. Como tem tanta certeza de que Elaine tirou Sellert do caminho?
A moça sorriu e apoiou-se na mesa. Joe aproximou-se dela, ficando de costas para a porta.
— E o que você está disposto a fazer para satisfazer a sua curiosidade? — perguntou, rodeando o pescoço dele com os braços.
Joe percebeu que seria agora ou nunca. Disfarçando a repulsa que sentia por aquela mulher, inclinou a cabeça e beijou-a na boca.
O beijo parecia interminável. Ele tentou se afastar, mas as mãos de Suzanne estavam em sua nuca, e ela o puxou para perto outra vez, pressionando os seios contra o peito dele.
— Oh, Joe... — sussurrou e, ao perceber que a porta se abria, elevou a voz. — Você me deixa louca...
Elaine havia deixado seu carro no estacionamento, que já estava quase deserto. O guarda informara-a de que as filmagens haviam terminado há meia hora, mas ela esperava que Joe ainda estivesse no camarim. Estava ansiosa por vê-lo, beijá-lo e sentir-lhe os braços ao redor do corpo.
Estava a poucos passos do camarim de Joe, quando ouviu alguém chamá-la. Voltou-se e viu John Hart, que caminhava na sua direção. A última coisa que desejava naquele momento era falar com ele, mas resignou-se diante do inevitável. De costas para o trailer, não viu Suzanne esgueirar-se para a porta de Joe.
— Fez boa viagem? — perguntou Hart, com inesperada solicitude.
— Fiz. Aconteceu alguma coisa.
— Não, está tudo em ordem. Talvez fosse bom você ir mais vezes a Los Angeles — sugeriu com ironia.
— Por que não me dá uma folga, Hart? Você adora discussões, hein?
— Eu só estava brincando — protestou o diretor.
— Você tem algum assunto importante para discutir comigo? Eu estou com pressa.
— Na sexta-feira, vamos rodar a cena do helicóptero. Pedi ao seu assistente que alugasse mais um, mas ele se recusou a me atender sem a sua autorização.
— Vou cuidar disso amanhã mesmo — prometeu, ansiosa por encerrar a conversa.
— Ótimo.
Elaine esperou que Hart desaparecesse de vista e, só então, correu para o trailer de Joe, o corpo trêmulo de ansiedade.
Ergueu a mão para bater na porta, mas percebeu que ela estava apenas encostada. Decidida a surpreender Joe, empurrou-a lentamente. O sorriso morreu em seus lábios ao ver o que se passava lá dentro: ele beijava e abraçava uma mulher que, pelos cabelos platinados, Elaine reconheceu como sendo Suzanne.
Uma intensa náusea invadiu-a, e ela apoiou-se ao batente para não cair. Passado o choque, percebeu a posição humilhante em que se encontrava. Não podia permitir que os dois a vissem tão transtornada.
Correu para o estacionamento, mal enxergando o caminho através dos olhos embaçados pelas lágrimas. Entrou no carro e apoiou a cabeça no volante. A cena que testemunhara involuntariamente não lhe saía do pensamento, e ela ainda podia
ouvir a voz rouca e sensual da atriz pronunciando o nome de Joe. Agora sabia o que acontecera durante a sua ausência.
Não saberia dizer como conseguiu alcançar o motel, no estado de espírito em que se encontrava. Uma vez em seu quarto, atirou-se na cama, deixando que as lágrimas rolassem livremente pelo rosto.
Como ela fora permitir que aquilo acontecesse de novo? "Estúpida! Cretina!" recriminou-se, dominada pelo desespero. Por que havia dado a ele uma segunda chance de magoá-la?
— Maldito Joe Michaels — murmurou entre um soluço e outro.
CAPÍTULO XI
Uma hora mais tarde, Elaine estava sentada em seu quarto, suas emoções alternavam-se, num verdadeiro caos. Decepção, mentiras, traição, seria apenas isso o que poderia esperar das pessoas? Odiava Joe por sua falsidade, e odiava mais ainda a si mesma por ter sido tão ingênua.
O tempo, porém, estava passando e ela percebeu que não podia continuar ali, sentada, lamentando a própria sorte. Precisava tomar uma atitude. Mas qual?
Levantou-se e foi até o banheiro. Acendeu a luz e aproximou-se do espelho. Seus olhos estavam vermelhos e o rosto, pálido.
— Como pude ser tão tola? — perguntou ao seu reflexo no espelho. Como não percebera antes que Joe era igual a qualquer outra pessoa do meio artístico? A ambição dos que se aventuravam naquela profissão levava-os a usar de todos os meios para alcançar o sucesso, mesmo que para isso precisassem pisar nos sentimentos dos outros.
Fora com esse propósito que Joe se aproximara dela, constatou, amargurada. Que outra razão poderia haver? Elaine era bonita, mas sabia que não podia competir com as estrelas de Hollywood. O que ela teria a oferecer a Joe que Suzanne não tivesse? Inteligência? Ele saberia valorizar uma mulher com cérebro, dinamismo e disposição para vencer através de seu próprio esforço? Aparentemente não, concluiu, vendo a cena no camarim de Joe desenrolar-se diante de seus olhos, como um filme.
— Bastardo! — murmurou entre dentes. Mas ela lhe daria uma lição. Se Joe havia imaginado que poderia pisar no seu coração e sair impune, enganara-se por completo. Endireitou o corpo e um brilho de determinação cruzou-lhe o olhar. Sabia muito bem o que tinha a fazer.
Depois de tomar uma ducha, Joe vestiu-se e saiu do seu quarto. Ficara desapontado naquela tarde, quando Elaine não havia aparecido na locação; mas, ao chegar ao motel, vira o carro dela no estacionamento. Controlando o impulso de ir procurá-la imediatamente, decidira tomar um banho antes. O perfume sufocante de Suzanne estava impregnado em suas roupas, e ele não poderia aparecer diante de Elaine naquele estado.
Custara bastante a livrar-se da atriz e, no final, o sacrifício trouxera-lhe poucas compensações. As únicas informações que havia conseguido arrancar dela eram de pouca importância. Ao perceber que estava no caminho errado, inventara uma dor de cabeça para escapar do que Suzanne tinha em mente para eles. Mas não pretendia cortar o vínculo que estabelecera com a moça. A intuição lhe dizia que ela estava ligada de alguma forma ao que vinha acontecendo. E, mais cedo ou mais tarde, ele acabaria tirando aquela história a limpo.
Enquanto atravessava os corredores do motel, Joe compreendeu que só a insistência de Elaine em manter o caso deles em sigilo permitira que ele levasse adiante seu plano. E, infelizmente, tão cedo aquela situação não poderia mudar. Pelo menos até ele terminar suas investigações. Suzanne não podia desconfiar do que havia entre ele e Elaine.
— Paciência — murmurou para si mesmo, parando diante do quarto dela.
Quando Elaine abriu a porta, Joe deu-se conta da saudade que sentira. Puxou-a com carinho para um abraço e beijou-a na boca. Ao sentir que ela ficara tensa, afastou-se.
— Desculpe. Por um momento eu esqueci que... — Olhou para os dois lados do corredor e depois entrou no quarto. — Não se preocupe. Ninguém nos viu.
— Joe...
— Está tudo bem, Lanie. Já disse que entendo e aceito as suas razões. Como foi a viagem? David não a tirou da produção, tirou?
— Não — respondeu friamente. Como Joe podia mostrar-se tão apaixonado, quando acabara de sair dos braços de outra mulher? Hipócrita!, pensou com raiva, dominando a custo a vontade de dizer-lhe umas verdades.
Sem notar a frieza de Elaine, Joe abraçou-a e procurou-lhe a boca. Apesar de todo o seu ressentimento, ela não pôde impedir que o sangue fluísse mais rápido em suas veias e as batidas do coração se acelerassem. Não!, ordenou a si mesma, lutando para sufocar as sensações que tomavam conta do seu corpo.
Inconsciente do que se passava, Joe estreitou-a com mais força, os lábios movendo-se com sensualidade sobre os dela. Traída pelo próprio desejo, Elaine estava prestes a perder a batalha. Mas, para sua sorte, Joe afastou o rosto, dando-lhe oportunidade de recuperar o controle de suas emoções.
— Senti tanto a sua falta — sussurrou ele, acariciando-lhe a testa com os lábios.
Fechando os olhos, Elaine reprimiu o impulso de chamá-lo de mentiroso. Tinha consciência de que jamais conseguiria ficar indiferente nos braços de Joe, mas não permitiria que ele a usasse outra vez. Talvez fosse impossível calar a voz do instinto, porém ela tentaria varrer o amor do coração. Amor? De repente, sentiu vontade de rir. O homem que julgara amar nunca havia existido; era apenas mais um dos personagens que Joe Michaels sabia interpretar com tanta maestria.
Ele deu um passo atrás e olhou-a sorridente.
— Você está com fome? Vou pedir que nos tragam o jantar. Vamos ficar aqui e aproveitar a companhia um do outro — sugeriu, achando que assim ela ficaria mais tranqüila.
— Não — retrucou Elaine de forma um tanto abrupta. Lentamente, um sorriso formou-se em seus lábios. — Você estava certo, Joe. É um absurdo continuarmos a nos esconder como dois criminosos. A nossa vida não é da conta de ninguém. Esta noite vamos jantar com o resto da equipe, e eu não vou me importar se todos descobrirem que estamos apaixonados.
Olhou-o com atenção, deleitando-se com a súbita transformação da fisionomia dele. Muito pálido, Joe tentava encontrar um jeito de sair daquela situação.
— Talvez este não seja o momento adequado, Lanie — argumentou.
— Por quê? Não era isso o que você queria?
— Claro que sim — murmurou, embaraçado. E agora? Que desculpa daria? — Mas acho que tornar pública a nossa relação justo esta noite seria um tanto...
— Inconveniente? — interrompeu-o Elaine, desafiando-o com o olhar. Tinha a intenção de colocá-lo contra a parede e forçá-lo a juntar-se aos outros, mas a raiva acabou atropelando o plano que engendrara para se vingar de Joe. — Era isso o que você pretendia dizer?
— Lanie — protestou, surpreso com a agressividade que havia na voz dela.
— Não me chame assim! Só as pessoas de quem eu gosto têm esse direito.
— Que diabo está acontecendo com você? — perguntou Joe, irritado, e, ao mesmo tempo, confuso.
— E modere a sua linguagem quando falar comigo. — Sem lhe dar chance de reagir, Elaine prosseguiu, transformando cada palavra numa farpa capaz de feri-lo. — Você nunca mais vai ter a chance de me usar.
— Usar? Do que você está falando?
— Vai bancar o inocente agora? Vai dizer que me ama, que não pode viver sem mim? Pois fique sabendo, Joe Michaels, que as suas representações não me comovem mais.
— Lanie, seja razoável. Você está agindo como aquele bando de idiotas com quem convivemos.
— Já lhe disse para não me chamar de Lanie. E só há um idiota por aqui: você.
Joe agarrou-a pelos ombros e sacudiu-a. Elaine tentou libertar-se, mas seus esforços foram em vão.
— Agora fique quieta e me escute — ele exigiu, elevando a voz.
— Eu não quero ouvir nada. Está tudo acabado, Joe. Você nunca mais vai me enganar.
— Gostaria de saber do que você está falando. — A atitude de Elaine estava levando-o à exasperação.
— Quer fazer o favor de me soltar?
Joe respirou fundo e deixou-a em liberdade. Só então percebeu que os olhos dela estavam embaçados pelas lágrimas.
— Lanie....
Elaine olhou para Joe em silêncio, massageando os ombros doloridos pela forte pressão das mãos dele. A raiva extinguiu-se pouco a pouco, mas a mágoa continuou estampada no rosto dela. Por mais que desejasse vingar-se, sabia que não faria nada. Ainda o amava, e feri-lo seria como ferir a si mesma.
— Joe, eu te amo como nunca amei ninguém na minha vida. Basta você me tocar para que eu perca o controle. Eu lhe dei o meu coração, a minha alma, e dividi com você o meu mais precioso tesouro: a minha mente. Hoje sei que fui uma grande tola. Julgava que era amada, quando na realidade estava apenas sendo usada por você.
Joe ouviu-a com atenção, porém as palavras de Elaine ainda representavam um enigma para ele.
— Lanie, eu não sei o que aconteceu para provocar tanta amargura, mas eu te amo...
— Por favor, Joe. Não quero mais ouvir mentiras.
— Mentiras? — A palavra atingiu-o como um soco no estômago e, involuntariamente, ele deu um passo para trás. — Eu não minto! — vociferou.
Apesar da exaltação dele, Elaine continuou imperturbável. Era como se mais nada tivesse o poder de atingi-la, de deixá-la mais ferida do que já estava.
— Eu desci do avião às três horas, e quinze minutos mais tarde já me encontrava na locação. Estava tão ansiosa por ver você que quase corri do estacionamento até o seu trailer. Abri a porta com todo o cuidado, decidida a lhe fazer uma surpresa. — Seus lábios curvaram-se num sorriso melancólico. — Mas foi você que me surpreendeu.
Joe ficou lívido. Agora entendia a razão de tanta mágoa e ressentimento.
— Você viu Suzanne e...
Elaine balançou a cabeça lentamente, confirmando.
— Foi então que percebi o quanto você me ama — falou com ironia.
— Mas eu te amo, Lanie. O que você viu não era a realidade.
A risada nervosa de Elaine ecoou pelo pequeno aposento.
— É claro que não, Joe. Era apenas uma encenação, certo? Eu estou enganada agora, como estava naquela noite, em Nova York, quando acreditei que você pretendia dar fim à própria vida. Suzanne e você estavam apenas ensaiando, tentando compenetrar-se das emoções e sentimentos dos personagens do filme, não é?
— Lanie... — Calou-se ao perceber que seria inútil qualquer explicação. Ela não acreditaria em uma só palavra.
— Fale, Joe — Elaine incentivou-o com a mesma calma e controle de antes. — Você não vai tentar me convencer de que o que eu vi não era real?
— Eu poderia lhe dizer que aquela cena no meu camarim não significa nada. que estava fazendo aquilo por você. Mas de que adiantaria? Você já tirou as suas conclusões e nada do que eu disser conseguirá convencê-la do contrário. O que me dói é constatar a sua falta de confiança em mim. Ninguém pode amar sem confiar, Lanie. Um sentimento não existe sem o outro.
— De que script você tirou isso?
— Provavelmente, da sua biografia — replicou, no mesmo tom sarcástico que ela adotara. — Não, não diga mais nada. Não é preciso. Eu estou vendo nos seus olhos que está tudo acabado.
— Por que você fez isso, Joe? — perguntou, num sussurro.
— Por você, Lanie. — Deu-lhe as costas, temendo não ser capaz de conter a raiva e acabar falando mais do que deveria. Foi até a porta e, sem olhar para trás, abriu-a e saiu do quarto.
Durante uma eternidade, Elaine continuou imóvel, olhando para a porta fechada. Joe fora embora. Saíra de sua vida da mesma forma abrupta com que havia entrado. E só agora ela se dava conta de que não estava preparada para esse desfecho.
Passava da meia-noite e Elaine rolava de um lado para outro da cama sem conseguir dormir. O rosto de Joe não saía de seu pensamento, e a lembrança dos momentos de paixão que haviam dividido torturava-a. Quando a angústia atingiu um ponto intolerável, ela estendeu a mão e alcançou o telefone. A voz de Cindy do outro lado da linha transmitiu-lhe uma imediata sensação de alívio. Sabia que poderia contar com o apoio da amiga em qualquer circunstância.
— Preciso falar com você.
— Agora? — perguntou Cindy, reprimindo um bocejo.
— Por favor, Cindy, é muito importante.
— Já estou indo — afirmou, totalmente desperta agora. O que teria acontecido?, perguntou-se, enquanto vestia um robe.
Dois minutos depois, Elaine ouviu uma batida na porta. Assim que viu a fisionomia da amiga, Cindy compreendeu que alguma coisa muito grave devia ter acontecido. Abriu os braços e Elaine escondeu o rosto no ombro dela, deixando que as lágrimas rolassem livremente.
Cindy abraçou-a com carinho, aguardando que aquela onda de desespero passasse. Estava aflita, pois nunca vira Lanie naquele estado. Mas eram amigas há bastante tempo, conheciam-se muito bem, e Cindy entendeu que, naquele momento, não havia necessidade de palavras; sua presença era o bastante para confortar Elaine.
Os soluços foram diminuindo pouco a pouco e, quando cessaram totalmente, Elaine ergueu a cabeça e enxugou as lágrimas.
— Desculpe incomodá-la a esta hora — disse, com a voz ainda embargada. — Mas eu precisava falar com alguém.
— Não peça desculpas, Lanie. — Cindy afastou uma mecha dos cabelos da amiga, que caíra sobre a testa, e sorriu. — Está em condições de conversar agora?
— Eu não vou conseguir.
— Tente.
— Preciso colocar as idéias em ordem antes. Deus sabe que estou tentando isso há horas, mas a minha cabeça está um verdadeiro caos.
— É o filme ou Joe?
— Os dois, eu acho. Sei que Hart me detesta e está fazendo o possível para dificultar as coisas para mim. Eu me sinto tão pressionada por todos os lados que às vezes penso que vou explodir.
— E quanto a Joe? — insistiu Cindy, rezando para que Elaine se abrisse com ela, caso contrário, não teria como ajudá-la.
— Para mim, Joe é apenas o protagonista do filme.
— Mas o que houve?
— Não estou em condições de falar nisso, Cindy. No momento, preciso apenas da presença de uma pessoa amiga.
— Você sabe que pode contar comigo. — Segurou as mãos de Elaine e apertou-as entre as suas. — Quando você se sentir em condições de falar no assunto, eu estarei pronta a ouvi-la.
— Obrigada, Cindy.
— Agora deite-se e procure dormir. Você está precisando de uma boa noite de sono. Amanhã nós conversaremos e encontraremos juntas uma solução para o que a está preocupando.
— Obrigada por ter vindo, Cindy. Você é a melhor amiga que alguém poderia ter.
— Boa noite, querida.
— Cindy, não comente nada com Simon, por favor.
Ela concordou e saiu. Sozinha, Elaine ajeitou-se melhor sob as cobertas, o olhar vagando pela escuridão do quarto. Mas o cansaço provocado por tantas emoções num só dia acabou vencendo. Pouco a pouco, suas pálpebras foram ficando pesadas e ela adormeceu.
Simon estava diante da máquina de escrever, trabalhando no argumento de uma nova peça, quando ouviu baterem à sua porta. Se havia uma coisa que o irritava era ser interrompido enquanto escrevia.
Cindy e ele haviam passado horas agradáveis após o jantar, conversando no terraço do motel. Depois, Simon a acompanhara até o quarto, deixando-a sozinha para que ela tivesse uma boa noite de sono. No dia seguinte, logo cedo, Cindy teria uma cena bastante difícil, e precisaria estar bem descansada.
A caminho de seu quarto, Simon cruzara com Joe no corredor, e assustou-se ao ver como o amigo estava transtornado.
— O que aconteceu, Joe? Você está com uma cara!
— Ela não confia em mim, Simon — murmurou, o olhar distante. — Diz que me ama mas não confia em mim.
Simon não precisou de maiores explicações para entender o que havia acontecido.
— Suzanne?
— Elaine nos surpreendeu no meu camarim.
— Conte-lhe a verdade — aconselhou.
— Você está louco. Seria o mesmo que tentar falar com uma pedra.
— Então deixe-me tentar.
Joe segurou o braço do amigo e olhou-o fixamente.
— Se você dá valor à nossa amizade, Simon, não toque nesse assunto com ela.
— Lamento que isso tenha acontecido, Joe.
— Eu também.
Novas batidas na porta, dessa vez mais insistentes, apressaram Simon. Ao ver Cindy parada no corredor, a irritação na fisionomia dele transformou-se em espanto.
— Pensei que você estivesse...
— E estava, mas recebi um telefonema.
— Você está bem? — perguntou, preocupado. Depois que ela havia entrado, Simon fechou a porta e segurou-lhe as mãos. — O que foi? Você está tão tensa.
— Acabo de sair do quarto de Elaine.
— Então já sei por que você está preocupada — falou Simon. — Sente-se.
Cindy olhou para ele, perplexa, mas Simon não disse nada, limitando-se a conduzi-la até o sofá.
— Como você pode saber?
— Esbarrei em Joe. depois de deixá-la no seu quarto. Ele estava péssimo.
— Elaine também. Só que ela não me contou o que aconteceu.
— Joe não me deu muitos detalhes, mas, pelo que entendi, Elaine descobriu tudo sobre Suzanne.
— E...?
— Parece que ela viu o que não devia, e fez uma idéia errada do que estava acontecendo.
— Oh, não! Mas por que Joe não explicou tudo a ela?
— Ele disse que seria o mesmo que tentar falar com uma pedra.
Cindy deu um profundo suspiro e apoiou a cabeça no encosto do sofá.
— Conhecendo bem Elaine, acho que ele estava com a razão. Ela não o ouviria. Bom, agora que eu sei o que houve, posso ir até o quarto dela e esclarecer tudo.
— Não! — Sem querer, Simon elevara a voz, e Cindy olhou-o espantada.
— Joe não sabe que você está a par de tudo, e ele me fez jurar que não lhe diria uma palavra sobre o que aconteceu esta noite.
Mas...
— Por favor, Cindy. Nós não podemos interferir. Eles terão que resolver este problema sozinhos.
— Mas, Simon, Elaine está desesperada e...
— Não insista, Cindy, por favor. A amizade de Joe significa muito para mim e eu não quero trair a confiança dele.
— Oh, Simon, eles estão agindo como duas crianças. — Apoiou o rosto no peito dele. — Espero que nunca aconteça a mesma coisa conosco.
— No que depender de mim, pode ficar tranqüila — murmurou, aproximando os lábios dos dela.
Elaine teve uma noite agitada, povoada de pesadelos angustiantes. Perdida no meio de uma densa névoa, ela chamava por Joe, mas, abraçado a Suzanne, ele não ouvia seus gritos. Quando finalmente os alcançou, os dois riram do desespero dela e deram-lhe as costas, deixando-a sozinha, sem saber como sair dali.
Quando acordou, Elaine sentia-se como se não houvesse dormido nada e sem coragem para atravessar o dia exaustivo que tinha pela frente. Mas não podia deixar-se abater daquela forma. Precisava concentrar-se em seu trabalho. A carreira de produtora sempre fora a sua meta. e não iria jogar tudo fora apenas porque havia tido uma grande decepção.
Meia hora mais tarde, já estava no set. A longa mesa de refeições colocada no centro do círculo formado pelos trailers estava praticamente vazia. A maioria dos atores já havia tomado o café da manhã, e agora preparava-se para o início da primeira tomada. Aliviada por não ter que enfrentar Joe, Cindy e Suzanne, Elaine aceitou a xícara de café que Jason lhe ofereceu.
— Você está tão abatida — observou o moço. — As coisas não correram bem em Los Angeles?
— Pelo contrário. David foi bastante compreensivo e eu consegui resolver uma série de problemas que estavam pendentes. — Tomou um gole de café e percebeu que Jason a olhava com uma certa curiosidade. — Eu não dormi bem — explicou. — Só isso.
— Você está disposta a saber dos detalhes do que fizemos durante a sua ausência, ou prefere deixar isso para mais tarde?
— Vá em frente, Jason. Preciso saber como as coisas andaram por aqui enquanto estive fora.
O rapaz pegou algumas folhas que estavam sobre a mesa e fez uma exposição detalhada acerca do andamento das filmagens.
— Alugue mais um helicóptero, como Hart solicitou. Do jeito que as coisas andam, é bom mesmo nos prevenirmos para qualquer eventualidade — afirmou Elaine, quando Jason terminou. — Marque uma reunião com toda a equipe para o final da tarde. Quero me assegurar de que todos estão cientes de que a cena de amanhã é importante e um tanto arriscada.
— OK — concordou Jason.
— Para que hora Hart marcou o início da tomada com o helicóptero?
— Às duas horas, todos deverão estar a postos.
— Certo. Mais alguma coisa, Jason? — perguntou, ao mesmo tempo em que o assistente de Hart convocava a todos, pelo megafone, para o início da filmagem.
— Não — respondeu o rapaz, consultando seus apontamentos. — Acho que por enquanto é só. Se precisar de mim, estarei no meu escritório.
Elaine olhou em volta, observando a intensa movimentação dos atores e técnicos. De repente, deu de cara com Joe, que saía do camarim. Seus olhares se cruzaram e, durante um longo momento, nenhum dos dois fez qualquer movimento. O coração de Elaine batia furiosamente, mas ela conseguiu manter a fisionomia calma. Erguendo a cabeça, passou por ele sem ao menos cumprimentá-lo. Depois de entrar no trailer, apoiou-se contra a porta e cobriu o rosto com as mãos. Onde encontraria forças para enfrentar aquela situação? Como poderia
concentrar-se no trabalho, se bastava vê-lo para perder o controle de suas emoções?
— Meu Deus, o que vou fazer? — perguntou a si mesma, sem encontrar uma resposta.
Depois de trocar de roupa, Joe juntou-se ao resto do pessoal sentado à volta da mesa de refeições, aguardando a chegada de Hart e Elaine para o início da reunião.
Não lhe escapara o fato de que, durante todo o dia, ela havia feito o possível para evitá-lo. Mas, por mais penosa que fosse essa situação, ele não podia fazer nada por enquanto. Quando estivesse a par das informações que, tinha certeza, Suzanne ocultava, aí sim poderia contar a verdade a Elaine.
Sentado entre o resto da equipe, alheio às conversas ao seu redor, Joe analisava as coisas estranhas que observara durante o dia. Não eram fatos concretos, mas havia algo no ar que o deixara em estado de alerta. Como a maioria dos atores, ele possuía uma sensibilidade aguçada, e era capaz de notar nuanças no comportamento das pessoas, que, para muitos, passariam despercebidas.
Durante todo o dia, o humor de Hart andara próximo da euforia, e esse estado de espírito era tão incomum nele que deixou Joe intrigado. A leveza com que Hart dirigiu as cenas, sem a habitual inflexão ríspida e autoritária na voz, só aumentou a preocupação do ator.
Quando Elaine e Hart sentaram-se à cabeceira da mesa, quase todos já estavam lá.
— Que tal jantarmos juntos esta noite? — perguntou Suzanne, ocupando o lugar vago ao lado de Joe, e lançando-lhe seu sorriso mais provocante.
Antes que Joe tivesse chance de responder, Elaine levantou-se e deu início à reunião.
— Antes de mais nada, quero transmitir a todos os cumprimentos de David Leaser pelo excelente trabalho que vem sendo feito. Ele assistiu às primeiras seqüências e ficou muito bem impressionado. Vocês todos estão de parabéns. — Aplausos entusiásticos acolheram as palavras dela. — Esta reunião será rápida, o que, estou certa, representa um alívio para todos — afirmou, arrancando risos do elenco. — Amanhã, vamos rodar a cena do helicóptero. Quero recomendar que todos sigam cuidadosamente as instruções de Hart e o do diretor dos doubles, para que ninguém corra riscos inúteis. John também tem algumas recomendações a fazer — falou Elaine, passando a palavra ao diretor.
— Vou procurar ser o mais objetivo possível — afirmou John Hart, levantando-se. — Amanhã, trabalharemos com três câmeras no chão e outra num dos helicópteros. A ravina onde vamos filmar é um local perigoso, e ninguém, exceto os doubles. deve entrar lá. Ficou bem claro? — Olhou para o grupo à sua volta e, quanto todos concordaram, prosseguiu: — Amanhã, todos deverão dar o melhor de si quando as câmeras começarem a rodar, porque eu não pretendo repetir nenhuma cena.
Elaine concordava com o diretor. Também não queria uma segunda tomada, pois isso representaria um gasto aproximado de duzentos e cinqüenta mil dólares. Helicópteros, pilotos e doubles custavam muito, muito dinheiro. Além disso, as cenas que exigiam doubles eram sempre perigosas, e repeti-las significava dobrar o risco.
Quando Hart terminou, Elaine levantou-se e encerrou a reunião.
— A não ser que alguém queira dizer alguma coisa, vocês estão dispensados. A equipe técnica deverá estar no set às nove e meia, e o elenco, no máximo até as onze horas. Até amanhã, e aproveitem para descansar.
— Você tem certeza de que ninguém vai sair machucado? — perguntou Hart, a voz traindo um súbito nervosismo.
— Calma, foi tudo muito bem calculado. O helicóptero estará voando baixo. Eles levarão um susto, nada mais.
— Gostaria de me sentir tão seguro.
— Qual é o problema, Hart? Está querendo tirar o corpo?
— Pensei que você quisesse vê-la longe da produção.
— E quero - afirmou, com convicção. — Se ao menos Tom estivesse aqui...
— Nós dois sabemos que seria muito arriscado. Chick quase o apanhou na outra noite. É mais seguro que ele fique em l.os Angeles.
— Não vejo a hora de que tudo isso acabe.
— Calma, Hart. Depois do que vai acontecer amanhã, nos estaremos livres dela de uma vez por todas.
CAPÍTULO XII
Elaine acabara de sair do chuveiro, quando o telefone tocou. Enrolou-se às pressas numa toalha e foi até o quarto.
— Alô?
— Lanie, você já jantou? — quis saber Cindy. do outro lado da linha.
— Não, eu acabei de sair do banho. '
— Ótimo. O que acha de me fazer companhia?
— Não sei. Cindy — respondeu, um tanto hesitante. — Eu estava pensando em jantar no quarto e depois me distrair com um livro.
— Você não pode se isolar assim, Lanie — censurou-a Cindy. — Tenho certeza de que só lhe fará bem juntar-se ao resto do pessoal e passar uma noite agradável, batendo um bom papo.
Durante alguns instantes, Elaine ficou indecisa entre aceitar ou não o convite da amiga. Talvez Cindy estivesse certa, ponderou. De que lhe adiantaria manter-se isolada? Não resolveria seus problemas c acabaria ficando ainda mais deprimida. Desde que chegara a Death Valley, pouco convivera com a equipe de filmagem fora dos horários de trabalho, por causa de seu envolvimento com Joe. Mas, agora que estava tudo acabado entre eles, não havia motivo para continuar afastada do grupo, concluiu com amargura.
— Daqui a meia hora eu estarei lá embaixo, Cindy — afirmou, decidida.
— Assim é que se fala.
Com um sorriso. Elaine recolocou o fone no ^lugar. Como era bom contar com a amizade de alguém como Cindy. Nenhuma outra pessoa seria tão dedicada e atenciosa.
Sentindo-se mais animada, jogou a toalha sobre a cama e abriu a porta do guarda-roupa. Sabia que correria o risco de encontrar-se com Joe, mas nem essa possibilidade foi capaz de fazê-la recuar. Não iria ficar trancada naquele quarto, remoendo sua tristeza. Embora o futuro lhe parecesse sombrio e sem perspectivas, precisava erguer a cabeça e tocar a vida para a frente. Ainda lhe restava a carreira de produtora, o objetivo que perseguira com obstinação durante anos. Isso lhe bastaria. Tinha que bastar!
Vinte minutos depois, vestindo uma camisa de flanela e um conjunto de calça e jaqueta jeans, foi ao encontro de Cindy.
Quando entrou no restaurante do motel, foi cumprimentada por vários membros da equipe, que conversavam animadamente enquanto jantavam. Todos procuravam aproveitar a noite ao máximo, já que no dia seguinte poderiam dormir até mais tarde.
— Lanie!
Cindy entrou na sala de refeições no exato momento em que Elaine se sentava à mesa indicada pelo maître.
— Onde está Simon? — perguntou, ao ver que a amiga estava sozinha.
— Você acreditaria se eu dissesse que o grande escritor teve uma súbita inspiração e correu para a máquina de escrever? — disse Cindy, em tom de gracejo.
— Eu não ficaria aborrecida no seu lugar. Simon está decidido a levá-la para o teatro e. pelo que ele me disse, a peça que está escrevendo especialmente para você promete ser um dos melhores trabalhos que já realizou. O que você acha de estender o seu sucesso aos palcos da Broadway, Cindy?
— Emocionante — respondeu a moça, com um sorriso radiante.
— Então, um brinde a isso — sugeriu Elaine, erguendo o copo de vinho branco que o garçom acabara de servir.
Os cristais tilintaram, celebrando o novo rumo que a carreira da atriz seguiria. Embora Cindy não pretendesse abandonar o cinema, a perspectiva de pisar pela primeira vez em um palco a enchia de entusiasmo.
— Como você está, Lanie? — perguntou de repente, a fisionomia séria e preocupada.
— Sobrevivendo.
— Já é alguma coisa, Lanie...
— Agora não. Cindy. — Não se sentia em condições de discutir o rompimento com Joe. — Como é? Pronta para amanhã?
— Claro — respondeu a moça, num tom despreocupado.
— Já acertou todos os detalhes com a sua double?
— Acertei, Sra. produtora — gracejou. — Nós estivemos reunidas durante duas horas esta tarde. — E, ao perceber a tensão da amiga, acrescentou: — Relaxe, Lanie. Vai dar tudo certo.
— Espero que sim. — Abriu o cardápio que o maître deixara sobre a mesa e examinou-o sem grande interesse. — O que você vai, pedir?
— Acho que um filé grelhado e uma salada. Preciso manter a forma — comentou Cindy com um sorriso.
— Você está ótima e sabe muito bem disso. Duvido que Simon tenha feito qualquer reclamação.
— E não fez mesmo — confirmou Cindy, um brilho malicioso no olhar. — Mas com tantas atrizes lindas circulando pelo set, não quero correr riscos — brincou.
Mal terminou de falar, percebeu como fora inoportuno o seu comentário.
— Lanie, nós precisamos conversar sobre o que aconteceu — falou, mortificada por ter, ainda que sem intenção, tocado na ferida da amiga.
— Não, Cindy, por favor.
— Lanie, pare de se comportar como uma tola e me escute.
— Tola? — repetiu, sem se preocupar em disfarçar a irritação.
— Isso mesmo. Se continuar agindo dessa forma, você vai dar um pontapé na sua felicidade. Eu estou sabendo de tudo, Lanie.
— Você sabe? Então, Joe...
— Não, Joe não contou nada a Simon — explicou, adivinhando a suspeita da amiga. — Ou melhor, quase nada — corrigiu, um tanto hesitante. — Mas o que importa é que quando você viu Suzanne e Joe... Bom, o que eu quero dizer é que não existe nada entre eles. O que você deduziu não é verdade. Acredite em mim, Lanie.
— Você é a minha melhor amiga, Cindy. Por favor, não insista nesse assunto.
— Estou fazendo isso para o seu bem, Lanie, Não posso ficar de braços cruzados diante do que está acontecendo.
— Neste caso, eu vou subir — afirmou Elaine, inflexível.
Cindy segurou-a pelo pulso para impedi-la de se levantar,
— Não antes de me ouvir — falou num tom enérgico, pouco habitual nela.
Elaine sabia que bastaria puxar o braço e sair, mas não queria romper com sua melhor amiga. Respirou fundo e tomou um gole de vinho, tentando aparentar indiferença pelo que Cindy tinha a dizer.
— Lanie, você é a pessoa mais teimosa que já conheci. Sem falar que, às vezes, é também um tanto estúpida e cega. Por que se recusa a enxergar que Joe te ama de verdade?
Elaine fez o possível para ocultar a angústia que as palavras de Cindy provocaram nela.
— Você está enganada. Ontem, eu tive oportunidade de comprovar como ele me ama — retrucou com ironia.
— Ele estava fazendo aquilo por você. Joe só queria ajudá-la.
— Cindy, eu me recuso a acreditar que você esteja do lado dele.
— Lanie, tente entender a razão da minha insistência. Mesmo colocando em risco o meu futuro, não posso permitir que você jogue fora a sua felicidade.
— Como assim? — As palavras de Cindy deixaram Elaine confusa e conseguiram desarmá-la.
— Simon me contou porque Joe estava com Suzanne ontem à tarde. E eu jurei que não diria nada a você. Se ele descobrir que quebrei a promessa... — Não conseguiu terminar a frase, para disfarçar o nervosismo, tomou um gole de vinho. — Mas não me importo de correr o risco. Lanie, vocês se amam. Joe estava apenas tentando ajudá-la. Confie nele.
A veemência de Cindy, mais ainda, a aflição em sua voz conseguiram transpor a barreira que Elaine erguera ao redor de si.
— Cindy, eu... — As palavras morreram em sua garganta e ela retesou o corpo ao ver quem acabara de entrar no restaurante. — Quer dizer que Joe estava apenas tentando me ajudar, não é? — Levantou-se de uma forma tão brusca que quase derrubou a cadeira. — É incrível que você se preste um papel desses, Cindy.
— Lanie...
— Não quero ouvir mais nada — afirmou num tom ríspido.
Antes que Cindy pudesse replicar, saiu precipitadamente do salão.
Cindy fez um movimento para levantar-se e segui-la, mas sentou-se outra vez ao ver Joe e Suzanne a uma mesa próxima. De mãos dadas, pareciam bastante envolvidos, como se não houvesse mais ninguém ao redor deles.
— Droga! — exclamou Cindy, baixinho. Num gesto irritado, jogou o guardanapo sobre a mesa e saiu do restaurante.
— Sua mesa está pronta, senhor.
Joe sorriu e agradeceu ao maître. Depois, dirigindo-se ao barman, pediu a nota do que havia consumido no bar do motel em companhia de Suzanne. A soma era elevada, mas ele a assinou sem hesitar. Em seguida, ofereceu o braço à sua acompanhante e conduziu-a ao restaurante. Enquanto caminhavam, percebeu que os passos de Suzanne estavam um tanto trôpegos.
Com um sorriso, concluiu que aquele era o primeiro indício de que o seu plano daria certo. Antes que a noite terminasse, Suzanne estaria bastante embriagada e pronta a contar-lhe tudo o que ele desejava saber.
Seguiram o maître através do salão até a mesa que lhes fora reservada. Antes que se sentassem, ele avistou Elaine e Cindy. Foi com uma angústia quase intolerável que Joe viu o olhar dela deter-se neles e desviar-se em seguida.
Usando toda a sua força de vontade, tentou esquecer a presença de Elaine para se concentrar apenas em Suzanne. Não podia colocar tudo a perder logo agora, quando estava a ponto de ser bem-sucedido em suas investigações.
— Que tal um pouco de champanhe? — sugeriu Joe, depois que haviam decidido o que comer.
— Eu adoraria.
— Perrier Joulet, por favor — falou, dirigindo-se ao maître.
— Excelente escolha, senhor.
Quando o homem se afastou, Joe, inclinou-se e prendeu uma das mãos de Suzanne entre as suas.
— Suzanne — começou, dando uma inflexão sedutora à voz. — Você já tem alguma coisa em vista para depois deste filme?
— Um produtor me fez uma excelente proposta — respondeu, um tanto evasiva, o olhar perscrutando atentamente a fisionomia de Joe.
— Eu gostaria muito de trabalhar outra vez com você — ele afirmou, acariciando-lhe a mão.
— Verdade? — A desconfiança desapareceu do rosto da moça, o sorriso tornou-se insinuante e ela se inclinou um pouco para dar a Joe uma visão mais ampla do seu decote.
— Já estou com tudo acertado para participar de um outro filme e, segundo o meu agente, a atriz para o papel principal ainda não foi escolhida.
— Oh, Joe, será que... — Agora estava visivelmente interessada, e seu olhar deixava claro que faria qualquer coisa para conseguir aquele papel.
Joe sorriu, satisfeito com o andamento de suas manobras para conquistar o interesse e a confiança de Suzanne.
Ao lado deles, alguém arrastou uma cadeira. Com o coração apertado, Joe viu Elaine levantar-se e sair apressada do restaurante. Mais uma vez, ele fez um grande esforço para esquecê-la e concentrar-se apenas em seu plano.
Um garçom aproximou-se com o champanhe e. depois de abrir a garrafa, encheu duas taças de cristal.
Joe ergueu a sua num brinde silencioso e Suzanne acompanhou-o naquele gesto. Ao primeiro gole, ele prometeu a si mesmo fazer a atriz falar antes que a noite chegasse ao fim.
A noite escura facilitou o acesso dos dois homens ao local onde estava o helicóptero. Durante meia hora, trabalharam em silêncio, e então saíram tão sorrateiramente quanto haviam entrado.
No trailer de Elaine, Chick adormecera, a cabeça apoiada na escrivaninha. Mas a preocupação e a posição incômoda não permitiram que dormisse por muito tempo. Sentindo o pescoço dolorido, ele endireitou o corpo. Assustado, consultou o relógio de pulso e percebeu que se passara uma hora. Irritado consigo mesmo, deu um murro na mesa.
Foi até a janela e abriu-a apenas o suficiente para ver como estavam as coisas lá fora. De repente, todos os músculos de seu corpo retesaram-se. Teria sido apenas impressão ou ele vira mesmo a luz de uma lanterna na janela do trailer de Hart?
Nesse caso, quem estaria lá dentro? A sensação de que havia alguma coisa errada era tão forte que ele decidiu correr o risco de sair do trailer e ir até lá.
Mal havia dado alguns passos, quando uma voz autoritária chegou-lhe aos ouvidos.
— Ei, você! Pare onde está! — gritou um dos guardas. Chick obedeceu imediatamente e o facho de uma lanterna iluminou-lhe o rosto.
— Desculpe, Sr. Uldridge — disse o guarda ao reconhecê-lo.
— Por quê? Você estava fazendo o seu trabalho.
— Eu sei — afirmou o homem, aproximando-se mais. — Mas é que estou um pouco nervoso esta noite. Há alguma coisa no ar...
— Você também sentiu? — Chick apressou-se em perguntar.
— Não sei definir bem, mas alguma coisa está errada — sussurrou o guarda.
— Vamos dar uma olhada por aí.
Juntos, começaram a vistoriar as fechaduras dos trailers. Logo, os outros guardas uniram-se a eles naquela tarefa.
— A que horas o Sr. Hart foi embora? — perguntou Chick, quando se aproximaram do trailer do diretor.
— Lá pelas oito — calculou um dos guardas.
— Mas ele voltou mais ou menos às dez e foi embora meia hora depois — afirmou o outro.
Uma suspeita começou a tomar forma mais definida na mente de Chick.
— Vamos entrar e dar uma espiada — sugeriu.
— Sinto muito, Sr. Uldridge, mas o Sr. Hart trocou a fechadura e não nos deu a chave.
— Então ele trocou a fechadura, hein? — repetiu o contra-regra, mais para si mesmo do que para os guardas.
De pé ao lado da cama, Joe olhou com repulsa para a mulher deitada sobre as cobertas. Ela usava apenas um baby-doll transparente, e sua respiração regular indicava que dormia profundamente.
Joe estava vestido, e em nenhum momento durante o seu encontro com Suzanne ele demonstrara a intenção de se despir.
Quando a atriz voltara do banheiro, usando o que ela mesma definira como "uma roupa mais confortável" e dando a impressão de haver tomado um banho de perfume, Joe esforçara-se para sorrir e ocultar o desprezo que sentia por aquela mulher.
— Nós formamos uma dupla e tanto, não é? — perguntou a atriz, enlaçando-lhe o pescoço e pressionando o corpo contra o dele.
— É uma pena que você já tenha um convite para outro filme.
— Pois eu faria qualquer coisa para trabalhar com você — murmurou, naquela voz pastosa, característica de pessoas embriagadas.
— Quem fez o convite? — perguntou Joe, beijando-lhe o pescoço.
— Sheller... e Harsht. — sussurrou, aproximando os lábios dos dele.
Enquanto a beijava, Joe pensava nos nomes que ela havia dito. Suzanne estava articulando as palavras com dificuldade, em conseqüência do excesso de bebida, e ele não conseguira entender direito. Sheller e Harsht, repetiu em pensamento. Quem seriam? De repente, a coisa ficou tão óbvia que Joe sentiu vontade de rir. Como não percebera logo? Sellert e Hart.
— Foi Hart quem a convidou? — perguntou, para ter certeza de que era dele que Suzanne falara.
A moça balançou a cabeça lentamente.
— Não. Harsht vai dirigir o filme. Quem me convidou foi o Sheller.
— E eles lhe ofereceram o papel principal? — insistiu Joe.
— Hum... hum... — confirmou a atriz. — E muito dinheiro também. Eles são dois tolos, não são? — Jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada. Teria caído, se Joe não a amparasse. — Você pensa que me conquistou, não é? Mas fui eu que conquistei você. Eu disse a eles que conseguiria — vangloriou-se, com voz arrastada.
De repente, as peças do quebra-cabeças começavam a se encaixar. -Antes que Joe pudesse fazer qualquer pergunta, ela recomeçou a falar:
— Você gosta mesmo de mim, Joe?
— Claro que sim — confirmou, puxando-a contra o corpo para dar ênfase ao que dizia.
— Então prometa que não vai ficar bravo se eu lhe contar um segredo.
— Prometo. — Seus músculos estavam tensos e o pulso, acelerado.
— Eles garantiram que eu teria o papel se conseguisse seduzi-lo e afastá-lo daquela imbecil.
— De quem? — perguntou Joe, embora soubesse a resposta.
— Daquela estúpida e orgulhosa srta. Rodman.
Joe respirou fundo e usou seu mais provocante sorriso.
— Eu nunca tive nada com ela. Verdade! — afirmou, as mãos movendo-se com sensualidade pelas costas de Suzanne.
— Mas não diga isso a eles — pediu a moça. — Sheller e Harsht pensam que fui eu que consegui separá-los. Principalmente depois que ela nos surpreendeu juntos ontem.
— Não se preocupe — murmurou Joe.
A raiva transfigurou-lhe a fisionomia; porém, Suzanne estava embriagada demais para notar aquela mudança.
— Venha, Joe... Eu quero você... — Deu alguns passos para trás, puxando-o pelas mãos.
Ele se deixou levar, cheio de repugnância, tentando encontrar uma forma de sair daquela situação. De repente, Suzanne perdeu o equilíbrio e caiu sobre a cama. Como ela continuasse imóvel, Joe aproximou-se e verificou, com alívio, que a moça havia apagado. Durante as próximas horas, nada seria capaz de acordá-la.
"Como fui estúpido", recriminou-se. Concentrara suas investigações em Suzanne e, no entanto, ela era apenas uma peça no jogo de Sellert e Hart. Não sabia nada importante. E ele caíra na armadilha, fazendo exatamente o que os outros dois esperavam.
De repente, sentiu urgência em falar com Elaine. Contaria toda a verdade a ela e juntos tentariam encontrar uma forma de neutralizar a ação de seus inimigos.
Sem lançar sequer um olhar para a cama onde Suzanne dormia, Joe saiu do quarto, o rosto transformado numa máscara de determinação.
Elaine não conseguia pegar no sono e, por fim, acabou desistindo até mesmo de ficar deitada. Vestiu um robe e abriu as janelas, deixando que o ar frio da noite entrasse no quarto.
As palavras de Cindy não lhe saíam do pensamento. Sabia que não tinha motivos para duvidar da sinceridade da amiga; além disso, desejava muito acreditar em Joe. Mas como poderia, depois de tê-lo visto outra vez na companhia daquela mulher? Não, não permitiria que ele voltasse a fazê-la de tola. Na noite anterior, Joe havia jurado que não existia nada entre ele e Suzanne, mas a atitude dos dois no restaurante, a forma como se olhavam sepultara as últimas esperanças de Elaine de que ele estivesse falando a verdade.
Quando saíra do restaurante, a raiva e o ciúme misturavam-se em seu coração, e ela descobrira que o segundo sentimento era o pior deles.
— Joe... — murmurou, fechando os olhos. — Por que você fez isso? Tudo podia ter sido tão diferente!
O som de sua voz fez com que ela caísse em si. Só lhe faltava agora começar a falar sozinha. Sentindo-se ridícula, sacudiu a cabeça e voltou para a cama. Durante um bom tempo, rolou de um lado para o outro, sem conseguir pegar no sono, Elaine evitava ao máximo tomar remédios, porém, nessa noite, lamentou não ter consigo algum tranqüilizante. Faria qualquer coisa para dormir, pois só assim poderia fugir da realidade, ainda que apenas por algumas horas.
Uma batida na porta assustou-a, e Elaine sentou-se, tentando adivinhar quem poderia ser àquela hora. Só havia uma forma de descobrir, refletiu, levantando-se com um suspiro resignado.
— Sim?
— Lanie, abra a porta.
Ela engoliu em seco ao reconhecer aquela voz e, no primeiro instante, não conseguiu articular as palavras.
— Estou tentando dormir — disse, finalmente.
— Se não abrir esta porta agora, garanto que não vai dormir mais esta noite.
Elaine sentiu o sangue latejar nas têmporas de tanta raiva. Num gesto decidido, girou a chave e abriu a porta.
— Quem você pensa que é para me ameaçar?
Joe apressou-se em entrar e fechou a porta. Surpresa com a falta de cerimônia dele, Elaine não esboçou a menor reação.
— Achei que o truque daria certo.
— Não diga — afirmou, sentindo a raiva crescer diante daquela demonstração de autoconfiança.
— Eu quero falar com você, explicar tudo sobre Suzanne. Nós dois caímos numa armadilha...
— Chega, Joe! Já lhe disse que estou farta de mentiras. Não quero ouvir outra das suas histórias fantásticas.
— Lanie, seja razoável.
Elaine recuou um passo. Que estranho poder tinham aqueles olhos verdes para deixá-la tão perturbada e fazer sua vontade fraquejar diante do apelo apaixonado que havia neles? Um perfume enjoativo espalhou-se pelo quarto e, numa fração de segundo, ela compreendeu onde Joe estivera.
— Não diga nada, Joe. Não vai me convencer desta vez. Você está impregnado daquele perfume horrível que ela usa. Pelo menos esperou que Suzanne dormisse, antes de vir para cá? Ou será que ela sabe que você está aqui? Posso até imaginá-los juntos, rindo da minha ingenuidade. Seu... seu... hipócrita! Mentiroso descarado!
A raiva diante da recusa obstinada de Elaine em ouvi-lo e o amor que sentia por ela combinaram-se para anular o último vestígio de paciência de Joe.
Ao notar a súbita mudança na fisionomia dele, Elaine deu alguns passos para trás, assustada. Os olhos verdes, tão apaixonados há poucos instantes, faiscavam de cólera agora; os lábios estavam comprimidos, formando uma linha fina e reta. Não foi preciso mais nada para que Elaine compreendesse que estava em apuros.
Com uma agilidade incrível, Joe alcançou-a, o peito largo e musculoso pressionando-a contra a parede. As mãos dele eram como algemas ao redor dos pulsos de Elaine. Incapaz de se mover, ela virou o rosto, mas não conseguiu fugir dos lábios que se apoderaram dos dela com uma fúria quase selvagem.
Elaine ainda tentou lutar, porém, mais uma vez, viu-se traída pelo desejo que começava a dominá-la. Pouco a pouco, sua resistência foi diminuindo e, entreabrindo os lábios, ela correspondeu apaixonadamente ao beijo.
Joe, que só esperava aquele sinal, rodeou-lhe a cintura com os dois braços e puxou-a de encontro ao peito. Os lábios moveram-se com mais suavidade sobre os dela, num beijo profundo, instigante, que a deixou atordoada.
— Você está disposta a me ouvir agora? — perguntou, num sussurro. — Se você me ama, tem que confiar em mim. E você me ama, não é verdade?
Elaine sabia que seria inútil negar. A forma tão sem reservas com que correspondera ao beijo deixava bem claro a profundidade de seus sentimentos por Joe.
— Podemos conversar, Lanie? — insistiu, ao ver que ela permanecia em silêncio.
— Não — sussurrou Elaine.
Com uma exclamação irritada, Joe libertou-a.
— Eu te amo, Joe. Agora, mais do que nunca, tenho certeza disso. Mas estou cansada de mentiras. — Sem coragem de encará-lo, desviou os olhos para o chão. — Eu te amo tanto, Joe, que estou disposta a passar por cima de tudo. Só lhe peço
que não me conte outra história. Em troca, prometo não... não fazer perguntas embaraçosas.
— Do que você está falando? — perguntou, confuso diante daquela súbita mudança.
— Você não precisa me dar explicações sobre o seu relacionamento com... — Calou-se de repente, sentindo-se incapaz de pronunciar o nome da outra mulher.
— Olhe para mim — ele ordenou em voz baixa, mas firme. Elaine estremeceu ao perceber aquele acento autoritário.
— Você está se comportando como uma criança teimosa e cheia de vontades, Lanie. Por que se recusa a me ouvir? Eu tenho tantas coisas importantes para lhe dizer.
— Eu não suportaria outra mentira — explicou baixinho. — Pois acho que o motivo é outro. Você tem medo de acreditar em mim.
— Como eu poderia acreditar depois...
— Depois do quê? — explodiu Joe. — Depois de me negar uma única oportunidade de lhe explicar o que viu no meu camarim? Sabe o que eu penso? — perguntou, de repente. — Você não tem maturidade para um relacionamento verdadeiro entre um homem e uma mulher. Você não sabe o significado do amor.
— E por acaso você se julga qualificado para me ensinar?
— Chega, Elaine. Já estou cansado desse seu jogo de palavras. Eu te amo, mas não vou ficar aqui e implorar. Quando estiver pronta a confiar em mim, sabe onde me encontrar.
Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Joe deu-lhe as costas e saiu, batendo a porta atrás de si.
Durante alguns instantes, Elaine continuou imóvel, olhando para a porta fechada. As palavras de Joe repetiam-se em sua mente como um eco, torturando-a. Se ao menos pudesse confiar nele.
O ruído de um motor atraiu-lhe a atenção, e ela chegou à janela ainda a tempo de ver o carro de Joe afastar-se em velocidade.
— Eu te amo, Joe — sussurrou.
CAPÍTULO XIII
A tensão de Elaine alcançou o limite quando três dos quatro helicópteros alugados começaram a deixar a locação. O ruído que provocavam era
ensurdecedor, obrigando as pessoas que ainda estavam no set a se comunicarem aos gritos.
Quase toda a equipe técnica partira para a ravina há vinte minutos. Nos helicópteros seguiam dois câmeras, Joe e o seu double, além do último grupo de atores.
Elaine não conseguia identificar a razão da sua ansiedade. Protegendo os olhos com as mãos, acompanhou o vôo dos helicópteros até perdê-los de vista. Uma estranha sensação, uma espécie de mau pressentimento, incomodava-a, e ela não via a hora de que as tomadas daquele dia terminassem. Só então, poderia respirar aliviada.
Tirou uma folha de papel do bolso e releu-a pela terceira vez. Aquele bilhete de Cindy só conseguira deixá-la mais nervosa ainda.
Elaine chegara ao set às oito horas. Apenas alguns membros da equipe estavam lá, ocupados em selecionar o equipamento que seria transferido para o local das tomadas daquele dia.
A noite anterior fora longa e penosa. Elaine atravessara insone a madrugada, pensando no súbito aparecimento de Joe em seu quarto, nas palavras amargas que haviam trocado. As primeiras luzes da manhã encontraram-na tão confusa quanto antes. Sentindo-se física e emocionalmente esgotada, saíra da cama e, depois de um longo banho, deixara o motel em direção ao set.
A caminho de seu trailer, avistara Joe saindo do camarim. Seu rosto estava abatido e as roupas, amarrotadas. Era óbvio que havia passado a noite ali. Diminuindo o passo, Elaine deixou que ele se distanciasse. Aquele não era o momento oportuno para mais uma de suas freqüentes discussões.
Com um suspiro, entrou em seu trailer e mergulhou na leitura de alguns papéis que tinham urgência de sua assinatura. Estava tão concentrada no trabalho que não percebeu o tempo passar. Só quando Jason apareceu para lhe comunicar a partida da equipe, Elaine deu-se conta do adiantado da hora.
— Eu vou esperar a saída dos helicópteros, Jason. Vá na frente e fique de olho em tudo.
Da porta, Jason sorriu e acenou para ela.
— Até mais, Lanie. Não se preocupe, está tudo sob controle.
Depois que ele saiu, Elaine reclinou-se na cadeira, pensativa. Jason havia dado conta do recado muito bem. Nenhum outro assistente teria sido mais dedicado e competente: nunca dava a impressão de achar que estava trabalhando demais. Seria uma boa medida requisitá-lo para o seu próximo filme — refletiu Elaine.
— Se houver um próximo filme — sussurrou para si mesma.
De repente, a porta se abriu e Cindy apareceu diante dela.
— Isto é para você. — Jogou um pequeno envelope sobre a mesa. — Leia com atenção, se é que dá algum valor à nossa amizade. — E, antes que Elaine
pudesse perguntar do que se tratava, saiu da mesma forma abrupta com que havia entrado.
Hesitante e também um tanto confusa com a agressividade de Cindy, Elaine abriu o envelope e retirou de dentro uma folha de papel.
Quando terminou de ler o bilhete, as lágrimas desceram lentamente pelo seu rosto. Em poucas linhas, Cindy explicava que Joe só se aproximara de Suzanne para investigar os fatos estranhos que estavam acontecendo no set. Ele se prestara àquele papel apenas para ajudá-la. E Cindy não fora menos generosa ao colocar em risco o seu relacionamento com Simon, apenas para contar a verdade à amiga e abrir-lhe os olhos.
Enxugando as lágrimas, Elaine jurou que Joe e Simon nunca saberiam de nada. Decidiu procurá-lo no final do dia, desculpar-se por seu comportamento e, então, dar-lhe a chance de explicar o que havia entre ele e Suzanne, tomando cuidado para não demonstrar que já sabia de tudo.
Seu problema com Joe estava praticamente resolvido. Elaine só esperava que ele ainda estivesse disposto a lhe dar uma oportunidade, e, se o fizesse, jamais voltaria a desconfiar dele. Cindy estava com a razão quando a chamara de tola e cega.
Consultando o relógio, verificou que já estava atrasada. Se saísse naquele momento, chegaria ao local de filmagem pouco depois do início da primeira tomada. Lavou o rosto para apagar os vestígios das lágrimas, penteou os cabelos e deixou o trailer.
As hélices já estavam girando e, pouco a pouco, os helicópteros ganharam altura. Acompanhando-os com o olhar, Elaine desejou estar no controle de um deles. Há vários meses não pilotava o helicóptero da fazenda. Os três já estavam longe agora, transformados em pequenos pontos escuros contra o céu azul. Sem saber bem por que, Elaine continuou imóvel até perdê-los de vista. Nunca dera importância a pressentimentos e chegava a taxar de tolas as pessoas que o faziam. Mas, agora, uma inexplicável sensação de medo crescia dentro dela. sem que encontrasse uma forma de combatê-la.
— Lanie!
O grito de Chick e a ansiedade de sua voz assustaram Elaine. O contra-regra estava no local de onde os helicópteros haviam partido e agitava freneticamente os braços. Um calafrio percorreu o corpo de Elaine, e ela correu ao encontro dele.
— O que foi?
— Eu não sei. Durante toda a noite, senti que havia alguma coisa estranha no ar. Quando os helicópteros decolaram, eu vim até aqui dar uma olhada e encontrei isto — afirmou, apontando para uma mancha escura no chão.
Elaine abaixou-se para examinar melhor aquela marca.
— Os mecânicos trabalharam em algum dos helicópteros hoje?
— Não. A última vistoria foi feita ontem de manhã. — Comunicou-lhe Chick com segurança.
Enquanto ele falava, Elaine passou o dedo indicador pela pequena poça. O líquido era denso demais, e não fora absorvido pela areia. Aproximando a mão do nariz, tentou identificar algum odor característico. O cheiro daquela substância oleosa lembrava o do alcatrão, o que a deixou ainda mais confusa. Quando seu olhar bateu na mancha escura que ficara em seu dedo, uma cena que vira pouco antes voltou-lhe à mente, adquirindo agora um novo significado.
Esforçando-se para controlar o pânico que começava a dominá-la, Elaine procurou recordar o que aprendera sobre helicópteros durante os verões que passara na fazenda. O de seu pai era um modelo mais antigo, mas, como os que haviam sido alugados para o filme, era movido a turbina. E qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento do assunto sabia que o combustível usado em motores a turbina não podia conter impurezas. Se isso acontecesse, o canal de passagem de gasolina para o motor ficaria obstruído e as conseqüências seriam desastrosas.
— Você sabe qual dos helicópteros estava exatamente neste local? — perguntou, sem ocultar o nervosismo.
Chick não precisou pensar antes de responder.
— O que- vamos usar no filme — afirmou, sem hesitar. A angústia que durante toda a manhã a perseguira transformou-se em desespero. Aquele era o helicóptero que levava Joe e o seu double.
— Oh não! Meu Deus, não é possível!
Estava tão desnorteada que, sem dar maiores explicações a Chick, levantou-se e correu na direção do carro.
— Que bobagem! De carro nunca chegarei a tempo — constatou, nervosa, e voltou para junto do contra-regra.
O helicóptero que Hart solicitara para o caso de alguma eventualidade serviria bem ao propósito de Elaine. "Eventualidade", pensou, furiosa. Só agora entendia a verdadeira intenção do diretor.
— Vamos, Chick! — chamou, correndo para o helicóptero.
Sentada no assento do piloto, verificou se o cinto do contra-regra estava bem afivelado, enquanto aguardava, impaciente, que o motor se aquecesse.
— Lanie... — murmurou Chick, assustado, olhando para as mãos dela, que pressionavam uma série de botões no painel de controle.
— Eu explico tudo em um minuto — falou, enquanto pisava os pedais e puxava a alavanca de comando.
Chick engoliu em seco quando o helicóptero começou a ganhar altura, e rezou em silêncio para que ela soubesse o que estava fazendo.
— Está gostando do passeio? — perguntou, sorridente, o piloto do helicóptero.
Joe desviou os olhos da paisagem lá embaixo. Os rochedos e a areia davam um aspecto árido ao lugar.
— É emocionante — respondeu. — Você acreditaria se eu dissesse que nunca havia entrado num helicóptero antes?
— Pois garanto que você vai querer repetir a experiência muitas vezes. — Balançou a cabeça e sorriu. — Nada se compara à sensação de estar aqui em cima. Eu acho que...
Um tremor agitou o aparelho durante poucos segundos, e o piloto apertou alguns botões no painel.
— O que foi isso? — perguntou Joe.
— Nada de mais. Provavelmente alguma impureza no combustível — explicou, para tranqüilizá-lo. — Não há motivo para alarme — afirmou, sublinhando suas palavras; com um sorriso.
— Ótimo — falou Joe, respirando fundo. Sentiu um tapinha no ombro e voltou-se para o double.
— Acho bom revermos cada passo da cena, para termos certeza de que tudo está bem claro. — Joe concordou e, então, o homem continuou a falar: — Os outros dois helicópteros vão estar bem próximos de nós, para que as câmeras filmem você olhando pela porta e depois vestindo o equipamento de segurança. Em seguida, você se inclina para fora.
Joe franziu as sobrancelhas e o double caiu na risada.
— Não tenha medo — falou, dando-lhe um tapinha amigável no ombro. — Eu vou segurá-lo pelo equipamento. Depois que você entrar, tomarei o seu lugar. Precisamos fazer isso com todo o cuidado porque eles estarão dando um close no helicóptero.
— E então eu fico escondido atrás do banco, certo?
— Isso mesmo — confirmou o double. — Para finalizar a tomada, eu vou sair do helicóptero por um cabo e salvar a moça.
— Não seria mais simples se eu fizesse tudo sozinho? — perguntou Joe em tom de brincadeira.
— E acabar com a minha chance de aparecer no cinema? Negativo — retrucou o double, com um sorriso.
Mesmo que Joe insistisse em fazer a cena, o estúdio nunca permitiria. Os protagonistas dos filmes não podiam correr riscos desnecessários. Os orçamentos não incluíam passagens por hospitais.
— Já estamos no local — o piloto avisou.
Joe e o double olharam para fora. Logo abaixo ficava a ravina onde seriam realizadas as tomadas. Mais adiante, avistava-se o ônibus que transportaria a equipe. Todos já estavam em seus lugares, prontos para o início das filmagens.
— Podemos começar? — perguntou John Hart pelo rádio.
— É só dar o sinal — declarou o piloto.
— Eu estou no helicóptero à sua direita, rapazes. — Agora era o diretor dos doubles, Wally Mason, quem falava. — Prontos para a contagem? Então, vamos lá. E, três, dois, um!
Joe ficou em pé e começou a vestir o equipamento, tomando o cuidado de ficar de frente para o helicóptero onde estava uma das câmeras.
— Está ótimo — afirmou Wally, quando ele terminou. — Agora, Joe, aproxime-se da porta aberta e olhe para fora. Mickey, não o segure ainda. Nós vamos dar um close antes.
Joe ficou bem próximo da porta, as mãos apoiadas nas laterais. O vento provocado pelas hélices agitava-lhe os cabelos e as roupas.
— Agora, segure-o firme, Mickey. — Foi a ordem do diretor. — Vamos lá, Joe.
Evitando olhar para os dois helicópteros à sua frente, Joe concentrou-se no que se passava lá embaixo, Cindy e sua double já estavam sobre as rochas, dentro da ravina.
— Agora acene para elas.
Joe respirou fundo, preparando-se para seguir as instruções do diretor, Com todo o cuidado, tirou uma das mãos da lateral do helicóptero e acenou para baixo.
— Troque de lugar com Mickey. Rápido.
Joe foi para trás do banco e o double ficou em pé diante da porta.
— Prenda o seu equipamento no cabo, Mickey.
Joe, escondido atrás do banco para ficar fora do alcance das câmeras, acompanhou os instantes de concentração do double através do espelho na lateral do helicóptero. De repente, um novo tremor agitou a cabine, mas passou quase que instantaneamente.
— Que diabo foi isso? — gritou Mickey.
— O que foi? — perguntou o diretor pelo rádio.
— Calma, está tudo bem agora — garantiu o piloto, reajustando os controles.
— Vocês querem fazer uma pausa? — sugeriu Wally.
— Não é necessário — garantiu o piloto. — Foi apenas algum problema com o combustível. Está tudo OK.
— Então, vá em frente, Mickey — falou o diretor.
Joe esperou ate que o double estivesse fora do helicóptero e só então saiu de seu esconderijo. Lentamente, aproximou-se da porta e espiou para fora. Preso ao cabo, Mickey continuava a descer.
— Agora, Bill, gire o helicóptero bem devagar, como se você estivesse no meio de uma ventania.
Joe acompanhou os movimentos do piloto, que seguia as instruções do diretor, conseguindo o efeito necessário para a cena.
— Ótimo, Bill. Muito bom mesmo — falou Wally com entusiasmo. — Mickey está balançando como se fosse o Tarzã.
Joe olhou para fora e viu que o double estava próximo do chão.
— Suba uns dez metros, Bill, e aproxime-se da ravina conforme combinamos.
O piloto deu maior impulso ao aparelho, e já estava ganhando altura quando o motor começou a falhar.
— Wally, estamos com problemas! — gritou, ao mesmo tempo que lutava com os controles para manter o helicóptero nivelado. — Volte, Mickey! Rápido!
Joe levantou-se e, apoiando-se nas paredes para manter o equilíbrio, espiou para fora. tentando descobrir se Mickey estava bem. O helicóptero movia-se de forma irregular, e o double quase se chocou contra a encosta da ravina. Mas, poucos segundos depois, Joe respirou aliviado ao ver que ele estava subindo.
— Ele está voltando — comunicou ao piloto. — Rápido — Joe ouviu Bill sussurrar.
Nova pane no motor sacudia o aparelho. Joe sentiu o estômago revirar-se enquanto o helicóptero mergulhava em velocidade na direção da ravina. Bill lutava com os controles, tentando desesperadamente recuperar o equilíbrio e ganhar altitude. Conseguiu desviar-se do enorme obstáculo à sua frente, mas não pôde evitar que o cabo se chocasse contra a encosta da ravina.
"Mickey!" O nome ecoou com a intensidade de um grito na mente de Joe. O double teria sobrevivido à colisão?
— Droga, Mickey! Onde você está? — gritou o piloto.
— Alguma coisa está errada — falou Joe, ao olhar para fora. Mickey estava girando na extremidade do cabo e parecia inconsciente. — O molinete não está funcionando,
A mão do piloto alcançou um interruptor no painel e pressionou-o diversas vezes.
— O cabo está emperrado. Deve ter sido a colisão — falou o piloto, — Meus Deus! O que vamos fazer agora?
Wally Mason interferiu imediatamente através do rádio.
— Bill, você tem que sair daí. Veja se consegue subir e alcançar o outro lado da ravina.
Joe olhou para o piloto e, pela expressão dele, adivinhou que seria impossível seguir as instruções do diretor. A gravidade da situação não permitia que se perdesse um só segundo, e ele tomou a decisão de agir antes que fosse tarde demais.
— Eu vou descer — afirmou. — Talvez consiga puxá-lo para cima.
— Não. É muito perigoso — replicou o piloto.
— O que mais podemos fazer?
Bill estava tão atordoado que não encontrou nada para dizer, limitando-se a olhar, incrédulo, para Joe.
— Não faça isso, Joe! — gritou o diretor.
Ignorando a ordem de Wally, Joe aproximou-se da porta. Estudando com cuidado cada movimento, pendurou-se para fora do helicóptero, as mãos segurando com força nas bordas. Balançou as pernas até encontrar o suporte de metal. Quando sentiu que seus pés estavam firmes, ele se agachou bem devagar, agarrando-se ao suporte até encontrar uma posição que lhe permitisse se movimentar.
A primeira coisa que fez foi examinar o cabo. Bem na junção, notou sulcos e pontas que impediam o mecanismo de funcionar. Em seguida, prendeu o equipamento que levava ao redor do peito no suporte e, segurando o cabo de metal com as duas mãos, começou a puxá-lo para cima. Felizmente, estava usando o mesmo tipo de luvas que o double.
Mal havia iniciado aquela manobra, o helicóptero perdeu mais altitude e o cabo deslizou entre as mãos de Joe.
Elaine levou poucos minutos para se familiarizar com as particularidades daquele tipo de helicóptero. Quando sentiu que tinha o domínio do aparelho, dirigiu-se a toda velocidade para-a ravina, onde estava reunida a equipe de filmagem.
— Relaxe, Chick — recomendou, ao notar a expressão tensa do contra-regra.
— Afinal, Lanie, o que está havendo?
— Espero estar enganada, Chick, mas acho que alguém sabotou um dos helicópteros.
— Mas por quê? — perguntou, custando a acreditar naquilo.
— Pelo mesmo motivo que deixou a lata de querosene na lareira e roubou várias peças importantes do equipamento. Chick eu...
Calou-se de repente ao avistar os três helicópteros. Com dedos trêmulos, sintonizou o rádio até conseguir ouvir claramente a voz dos homens que estavam
lá. Horrorizada, viu o double pendurado no cabo, e ouviu o diretor ordenar a Joe que não saísse. Consciente de que cada segundo era precioso, Elaine tentou contato pelo rádio.
— O que está acontecendo? — perguntou, o olhar acompanhando cada movimento de Joe fora do helicóptero.
— O motor está com problemas e o mecanismo que suspende o cabo não funciona — respondeu Wally.
Elaine fez uma rápida análise da situação e, em seguida, dirigiu-se ao piloto do helicóptero avariado.
— Você acha que pode subir uns cinco metros e sair da ravina?
— Eu não sei. O esforço pode ser fatal para o motor.
— Tente! — gritou Elaine, sem conter o desespero na voz.
— Afinal, quem é você? — quis saber Wally.
— Elaine Rodman, a sua chefe — respondeu em tom rude. — Agora, a não ser que você possa ajudar de alguma forma com os seus helicópteros, fique fora disso.
O suor escorria-lhe pelo rosto. Enquanto buscava uma forma de evitar que o acidente se transformasse em tragédia, voltaram-lhe à mente as palavras de Joe na noite em que o conhecera. Se o salvasse, seria responsável pela vida dele dali para a frente. Esse pensamento redobrou-lhe o ânimo e ela prometeu a si mesma que o tiraria daquela situação, ou morreria tentando. Se o helicóptero agüentasse mais alguns minutos, ainda haveria uma chance.
— Joe, você pode me ouvir?
Passado o primeiro instante de surpresa, ele respondeu que sim, sem desviar o olhar do cabo, o rosto contraído pelo esforço que estava fazendo.
— Antes de mais nada, Joe, prenda o seu equipamento de segurança no cabo. Depois, deslize para junto de Mickey. É a nossa única chance. — Esquivou-se de dizer que era uma chance em um milhão. — Quando alcançar Mickey, Joe, agarre-se a ele. Nós vamos fazer um número de circo. Eu... eu vou tentar aproximar o helicóptero o máximo que puder. Chick vai ficar no suporte de metal e balançar o nosso cabo na direção de vocês. Tente alcançá-lo. Segure-o firme e prenda o segundo gancho do equipamento de Mickey nele, Quando sentir que estão em segurança, solte o outro cabo. E então reze, Joe.
— Obrigado, chefe — falou secamente, a poucos centímetros de Mickey, que continuava inconsciente.
— Joe, confie em mim — ela implorou.
— Eu sempre confiei.
— Está pronto, Chick? — perguntou Elaine.
— Estou. Antes, porém, quero que você me prometa uma coisa.
— O quê?
— Quando descobrirmos o responsável por isso, ele será meu.
— Eu já sei quem é. Agora vá, e tome cuidado.
O contra-regra deslizou pela porta aberta. Uma vez lá fora, esticou o braço para alcançar o cabo, os pés movendo-se com cuidado e precisão sobre o suporte. Quando conseguiu, começou a balançá-lo, tentando dar-lhe um impulso que o levasse até Joe.
— Mantenha a altitude, Bill! — gritou Elaine.
— Estou tentando, mas não sei por quanto tempo vou conseguir.
— Quase — gritou Joe. Seus dedos chegaram a tocar o cabo e, por muito pouco, ele não conseguiu agarrá-lo.
Elaine notou o desespero na voz dele, e decidiu interferir.
— Droga, Joe! Se você me ama, segure este cabo de uma vez. — Tinha a estranha sensação de que seria agora ou nunca.
Num supremo esforço, Joe inclinou-se o quanto pôde, esticou o braço e, dessa vez. foi bem-sucedido. A primeira providência que tomou foi prender o segundo gancho de segurança do equipamento de Mickey ao cabo. Todos os músculos de seu corpo protestavam pelo esforço que estava fazendo. Depois de se certificar que tanto ele como o double estavam bem seguros, soltou o cabo avariado.
A operação não levara mais do que quarenta segundos, mas, para Joe e todos os que acompanhavam os movimentos dele, foi como se tivesse durado uma eternidade.
— Pode descer agora, Bill — falou Elaine pelo rádio.
O piloto só aguardava aquele sinal. Com um suspiro de alívio, manejou os controles e tentou alcançar o chão com o máximo cuidado. Apesar das péssimas condições do motor, o pouso foi suave, no entanto, teria sido fatal para quem quer que estivesse abaixo do helicóptero.
Chick voltou para dentro e Elaine tratou de se afastar da ravina.
— Acho que jamais conseguiria fazer isso de novo — desabafou o contra-regra.
— Nem eu — confessou Elaine.
E, então, com bastante cautela, começou a descer.
— Pronto, Lanie — Chick avisou. — Eles já estão no chão. Vários membros da equipe já cercavam Joe e Mickey, tentando ajudá-los a retirar o equipamento de segurança.
Passado o perigo, Elaine sentiu os olhos encherem-se de lágrimas. Manejando os controles, foi pousar um pouco mais adiante. Durante alguns instantes, continuou sentada, sem forças para sair do helicóptero.
— Srta. Rodman...
Ela virou a cabeça e viu o diretor dos doubles, parado do lado de fora.
— Sim?
— Meus parabéns. Foi um trabalho dos diabos — falou, simplesmente.
CAPÍTULO XIV
Elaine tirou o capacete e saiu do helicóptero. Foi então que viu Joe correndo na sua direção. Sentiu um nó na garganta e seus olhos encheram-se de lágrimas. Quase o perdera de novo e, dessa vez, para um inimigo contra o qual não poderia lutar.
— Lanie...
— O que é, Chick?
— Quem foi?
— Ainda não, Chick. No momento adequado você vai saber. Praticamente todo o pessoal da equipe corria na direção dos dois. Hart tentou esgueirar-se, mas acabou sendo levado por aquela massa humana, compacta. Entre técnicos, atores e figurantes, havia ali mais de cem pessoas.
O primeiro a chegar foi Joe. Sem uma palavra, tomou-a nos braços, e seus lábios se encontraram num beijo que dizia tudo o que Elaine desejava saber.
— Eu te amo, Joe — sussurrou.
— Eu sei.
— Joe... — Depois de tanta tensão, as palavras pareciam recusar-se a sair de sua garganta. — Eu me comportei como uma tola. Eu...
— ...confio em você — murmurou, completando a frase que ela começara.
— Como pude ser tão cega, Joe? Agora sei que você nunca mentiria para mim. — Suspirou e baixou os olhos. — Eu fui muito injusta com você e só lamento ter aprendido a lição em circunstâncias tão horríveis.
— Esqueça isso, Lanie. O que realmente importa é que nada mais será capaz de nos separar. — Beijou-a de leve na boca. — Agora, preciso ter uma conversinha com uma certa pessoa.
— A inflexão apaixonada de sua voz desapareceu de repente, dando lugar ao ódio.
Elaine seguiu a direção do olhar dele, que vagava pela multidão à frente. De repente, as feições de Joe se contraíram, as mãos crisparam-se e ele caminhou decidido até John Hart.
O diretor viu a raiva estampada na fisionomia de Joe, e fez menção de tentar escapar.
— Não o deixem fugir! — gritou Joe, apontando para Hart.
As pessoas olharam-no surpresas, sem entender o que estava acontecendo. Mas Wally Mason, sem pestanejar, segurou-o com força pelo braço.
Todas as atenções estavam voltadas para o que estava se passando entre Joe e Hart. Foi então que Elaine viu um outro homem tentar sair furtivamente do meio do grupo, aproveitando-se daquele momento de confusão.
— Chick — sussurrou Elaine para o contra-regra, que estava ao seu lado. — Pegue-o — ordenou, apontando o homem.
Com uma agilidade incrível para uma pessoa do seu tamanho, Chick saiu correndo atrás dele.
Joe caminhava na direção de Hart, os olhos faiscantes de raiva. As pessoas abriam caminho para ele, surpresas com o que estava acontecendo e, ao mesmo tempo, curiosas pelo desfecho daquele caso.
— Seu bastardo! — vociferou Joe, agarrando-o com uma das mãos, a outra pronta para desferir um soco. Mas a expressão aterrorizada do homem que quase o matara fez com que ele parasse.
— Onde está Sellert? — perguntou Joe.
— Sellert? — repetiu Hart.
— Não banque o estúpido comigo. Eu sei que você e Sellert estão por trás do que aconteceu hoje e de todos os incidentes que atrapalharam a filmagem. Suzanne me contou tudo.
— Você está delirando — reagiu Hart. — Solte-me — exigiu, dirigindo-se ao diretor dos doubles.
Ao ver que o homem estava indeciso, Joe interferiu com firmeza:
— Continue a segurá-lo.
— Você não vai sair dessa, Hart — falou Elaine. Sua raiva crescera ao ouvir Joe mencionar o nome de Sellert. Agora as coisas começavam a fazer sentido.
Hart ficou lívido ao ver Chick aproximar-se, puxando um homem alto e magro pelo braço.
— Foi ele, Lanie? — perguntou o contra-regra, empurrando o homem para o meio do grupo.
Elaine encarou Jason Heller, que, por sua vez, sustentou-lhe o olhar com arrogância.
— Por que, Jason? — Ainda custava a acreditar que seu assistente fosse cúmplice de Hart.
O olhar de Joe foi do rosto de Elaine para o de Jason. De repente, a voz de Suzanne, alterada pela bebida, voltou-lhe à mente. Sheller e Harsht, a atriz havia dito. E então tudo ficou claro. Heller e Hart, e não Sellert e Hart, como ele deduzira a princípio.
Aquela descoberta foi a gota d'água. Sem conseguir conter-se, Joe partiu para cima de Jason. Mas Elaine percebeu a intenção dele e segurou-o pelo braço.
Jason continuava impassível, como se o ódio de Joe não significasse nada para ele.
— Não me arrependo — declarou. — Se fosse necessário, faria tudo outra vez,
— Mas por que, Jason? — repetiu Elaine.
— Por sua causa. Você roubou o lugar de Sellert.
— Sellert? E o que você tem a ver com ele? — perguntou, confusa.
— Ele é meu irmão adotivo, e é um excelente produtor! — gritou Jason, o rosto transfigurado pelo ódio.
— Eu não posso acreditar que você e Hart estivessem dispostos a matar alguém, apenas para me afastar da produção.
— Vocês vão para a cadeia — afirmou Joe.
— Não! — gritou Hart, perdendo o controle. — Nós não sabotamos o cabo. Foi um acidente. Droga, Jason! Você garantiu que ninguém sairia machucado.
— Nós não pretendíamos machucar ninguém — confirmou o assistente, num sussurro, baixando os olhos. — Nós contaminamos o combustível para que o helicóptero sofresse uma pequena pane. Mas isso deveria ter acontecido antes que o double estivesse no cabo.
Não havia mais nada a ser dito. Joe passou um braço pelos ombros de Elaine e afastou-a da multidão, enquanto o ruído de sirenes indicava a chegada da polícia.
— Elaine, agora que está tudo esclarecido, você vai voltar para mim, não vai? — perguntou, enlaçando-lhe a cintura.
— E vamos ficar juntos para sempre.
— Isso é uma proposta de casamento?
— Acho que você pode encarar dessa forma — confirmou, com um sorriso malicioso. — Mas sob uma condição.
— Qual?
— Quero saber como você desconfiou de Heller. Droga! Eu passei as últimas semanas quebrando a cabeça para descobrir o responsável por aqueles incidentes. E você já sabia quem era.
— Você está enganado. Só hoje eu percebi que o culpado era Jason. — Ergueu a mão e mostrou as manchas escuras que havia nela. — Jason trabalha com afinco, mas, como um típico produtor, gosta apenas de dar ordens. Quando ele acenou para mim hoje de manhã, antes de vir para cá, eu notei que as mãos dele estavam sujas, mas não dei maior importância àquilo.
Porém, depois de tocar as manchas escuras que havia no local onde os helicópteros passaram a noite e ver o estado em que ficou a minha mão. compreendi que o responsável por tudo só poderia ser Jason.
— Lanie, você é uma detetive e tanto — murmurou, encantado com a lógica do raciocínio dela.
— Não, apenas uma mulher apaixonada.
— Então podemos marcar a data?
— Agora é a minha vez de impor uma condição.
— E qual é?
— Você vai prometer jamais conversar com desconhecidas na Brooklyn Bridge — sussurrou, aproximando os lábios dos dele.
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Edição 11
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Edição 12
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