quinta-feira, 6 de junho de 2013

A aposta


Vanessa Bosso
A Aposta

Colégio Prisma.
Segundo andar.
Estão me acompanhando? Pois então, é
bem provável que o barulho do tapa
desferido por Nina em Lex tenha feito o
caminho inverso, reverberando nas bordas da
galáxia, alcançando inclusive nossa vizinha,
Andrômeda. O rosto do garoto queima como
a superfície do sol e não é apenas pela dor.
Ele está enfurecido.
Seus olhos cor de mel encontram-se com os
esverdeados de Nina. Estão estreitos,
cortantes, flamejantes. Lex leva a mão ao
local estapeado, alisando a barba por fazer.
Ele não pode ver, mas Nina pode: quatro
dos dedos dela estão marcados na pele de
Lex como um carimbo para que ele se
lembre, pelo menos pelas próximas horas, de
com quem está lidando.
Um uuuhhhhhh abafado surge de todos os
cantos do corredor em azul e branco, recémpintado
com uma tinta lavável e de fácil
manutenção. O lance sobre a escolha da tinta
não vem ao caso agora, concentremo-nos no
tal tapa.
E que tapão!
Lex foi pego desprevenido e quando seu
cérebro finalmente para de zunir, avança um
passo em direção a Nina, desconcertado. Ele
não esperava por isso, ninguém imaginava
esse desfecho. Acredito que até Nina esteja
surpresa com sua atitude. Mas como toda
ação leva a uma reação contrária na mesma
intensidade, podemos supor o que acontecerá
a seguir.
— Você é louca? Qual o seu problema? –
Lex dispara, ainda alisando o rosto em
chamas.
— Meu problema é você, Alexandre
Heinrich! – Nina cospe, exaltada. – Você,
seus amigos e essas malditas apostas!
— Ah, saquei tudo. – Lex lança no ar um
sorriso debochado. – Quer saber, Nina? Nem
se o valor da aposta triplicasse, eu toparia
beijar você.
— Uuuuhhhhhhh. – outra comoção deixa a
atmosfera mais tensa.
— Seu… seu… seu cretino! Está invertendo
as coisas a seu favor! E você me beijaria sim
ou então, não teria aceito essa aposta
ridícula.
— Ri-dí-cu-la. Você tem toda a razão.
Beijar você é absurdo e eu seria patético se
levasse isso adiante. – o garoto não tem a
menor noção do perigo.
Nina se aproxima e impulsionada por uma
fúria crescente, acerta uma joelhada nas
bolas de Lex. O cara empalidece e urra de
dor, caindo ao chão. Antes que algum
engraçadinho se ajoelhe e conte até dez,
como nos ringues de luta livre, uma voz malhumorada
surge dos confins do corredor:
— Chega dessa palhaçada! Voltando para a
sala de aula agora mesmo! – o professor de
Literatura aproxima-se a passos largos,
enxotando a todos como se fossem mosquitos
irritantes. – Menos vocês dois. – aponta para
Lex e Nina. – Venham comigo. O diretor vai
adorar ouvir a empolgante narrativa que
culminou nesse momento tão ímpar.
Dois: Quem é Nina Albuquerque?
Nina é a garota nova do Colégio Prisma. Foi
transferida no mês de agosto, para concluir o
último ano do ensino médio. Mas essa não foi
uma transferência corriqueira e tranquila.
Isso porque Nina foi expulsa do colégio onde
estudava após um surto de agressividade mal
controlada.
Com notas que variavam do nove e meio ao
dez, Nina ficou possessa ao receber a prova
de História que gritava, em vermelho vivo,
um sonoro cinco. Cinco? Como esse professor
teve a coragem?
Mas a garota sabia o porquê da nota tão
baixa. Estava óbvio que tinha tudo a ver com
a festa de duas semanas atrás. Nina, dotada
de um cinismo peculiar, deu o fora mais
fenomenal de todos os tempos no filho do tal
professor, tanto que o garoto chorou a noite
toda, como um bebezinho.
É provável que a atitude dela, sem
qualquer tato ou delicadeza, tenha gerado
um trauma profundo no rapaz, a ponto do
mesmo precisar de terapia por toda uma
vida. Nunca saberemos.
Quando Nina confrontou o professor de
História, o mesmo foi irredutível com relação
à nota. A garota poderia ter se conformado,
virado as costas e continuado com sua vida,
afinal, essa avaliação em nada alteraria sua
performance no quadro geral. Mas não, ela
não é do tipo que leva desaforos para casa.
Munida de uma chave tetra, dessas com os
quatro cantos serrilhados, Nina nem piscou
ao riscar toda a lateral do Peugeot preto
reluzente, estacionado na vaga reservada
aos professores. A paixão por esse carro era
tanta, que o catedrático vivia com uma
flanela em mãos, sempre pronto para cuspir
e deixar a lataria mais brilhante ainda. Um
nojo.
Após detonar com a pintura do automóvel,
a adolescente não teve tempo para
comemorar o feito. No susto, o molho de
chaves caiu no chão quando seus olhos se
encontraram com os do diretor do colégio.
Ela havia sido pega em flagrante.
A expulsão foi consumada no mês de junho,
uma semana antes das férias escolares. Os
pais de Nina não ficaram nada satisfeitos com
a notícia e ela acabou sem mesada, sem
férias e sem sair de casa por um mês.
Após camelar em busca de um novo colégio
para a filha, Laura, a mãe da garota, decidiuse
pelo Colégio Prisma. Bem, decidiu-se não
é o termo, afinal, foi a única escola que
aceitou matricular Nina após Laura contar
sobre os motivos da expulsão.
Quando as aulas iniciaram no mês de
agosto, a jovem pensou que enlouqueceria
nas primeiras semanas. Como toda garota
nova, ela era a atração do colégio e isso
gerou ciúmes e inveja por parte das três
mais populares do pedaço. Estamos falando
de Bárbara, Suzana e Ana Paula, hoje mais
conhecidas como Kibis. Mas o assunto “Kibis”
fica para depois.
Vamos tentar entender o porquê dessas
três meninas desejarem tanto o sangue de
Nina, logo nos primeiros dias de aula:
No alto dos seus um metro e setenta e dois,
Nina Albuquerque é o tipo de garota que não
passa despercebida. Com um rosto de uma
beleza precisa, seus grandes olhos
esverdeados captam todos os detalhes de um
ambiente em segundos.
Os cílios negros e curvilíneos não precisam
de máscara ou qualquer artifício para chamar
atenção. As sobrancelhas escuras, bem
desenhadas por pinça, sofrem retoques a
cada quinze dias.
A boca volumosa já foi motivo de chacota
quando era criança. Hoje, após madame
Jolie, são os lábios mais desejados nas
clínicas de estética. As bochechas, sempre
rosadas pelo efeito do sol, são resultado das
corridas matinais e dos jogos de tênis ao ar
livre, durante as tardes enfadonhas.
O cabelo de Nina sempre foi curto, no
máximo chegando à altura do queixo. Mas
depois que seu último e terrível namorado
disse que achava sexy o tal corte, ela deixou
as madeixas crescerem, só para contrariar.
São de um castanho médio liso e bem
estruturado, que ultrapassam a linha do
sutiã.
Falemos agora das curvas, adquiridas com
muito suor e sorvete. Sim, a moça é capaz de
matar um pote de Häagen-Dazs numa
sentada. Mas como é raro ter paciência para
ficar quieta, o corpo de Nina não retém as
calorias extras dos momentos de gulodice.
Enfim, essa é Nina Albuquerque, a pessoa
com uma tremenda direita que fez o cérebro
de Lex quase sair pelo ouvido.
E foi essa garota que ao saber da Grande
Aposta, fincou as unhas em sua própria carne
e gritou no banheiro feminino do colégio:
“Quem esse tal de Lex Heinrich pensa que
é?”
Três: Quem esse tal de Lex Heinrich
pensa que é?
Ah, esse tal de Alexandre Heinrich é o tipo
de cara com a aura resplandecente. É o típico
garoto que consegue o que quer na hora que
desejar. Convenhamos, Lex é inteligente,
perspicaz, inebriante, sedutor, misterioso,
debochado e lindo, lindo de viver! Com uma
descrição dessas, nem preciso dizer que o
cara é o galinha do Colégio Prisma, preciso?
Certo, vocês querem maiores detalhes para
constatar o que acabo de dizer, então lá vai:
Lex completou dezoito anos em outubro. Já
ultrapassou um metro e oitenta e cinco de
altura. É daqueles que malham com afinco,
para que o punho da manga da camiseta
deixe os músculos saltados, como uma bexiga
sendo apertada.
No currículo esportivo, além da musculação
com uma personal trainer gostosa, ainda
temos: futebol, tênis, trilhas de bike, Krav
Magá, natação e tudo o mais que aparecer
pela frente.
Dizer que o cara possui uma barriga
tanquinho é meio redundante, não? Mas o
fato é que ele possui e adora exibi-la por aí.
Se Lex estiver vestindo uma camiseta, pode
apostar: ou é proibido tirar a vestimenta ou
ele foi obrigado a recolocá-la.
Deixemos a barriga de lado, subindo um
pouco mais, até atingir o peitoral
desenvolvido e depilado do rapaz. Acho
estranho homens depilados, mas enfim, Lex
faz o tipo metrossexual.
A barba demorou a dar as caras, mas
agora, Lex não a tira nem por decreto. É uma
barba dourada, ao estilo Indiana Jones
limpinho, bem charmosa e altamente
sedutora.
Os olhos cor de mel são hiper claros,
daqueles hipnóticos e cheios de rajadas
douradas. Os cabelos, também na cor do mel,
são volumosos e caem em cachos até a altura
da nuca. E que nuca cheirosa… desculpem,
não pude deixar de citar o fato.
E respondendo a pergunta de Nina “Quem
esse Lex Heinrich pensa que é?”, deixarei
que o próprio a responda:
— Eu sou o cara e não há como negar.
Quatro: Um fruto cabeçudo
Para entendermos o que está acontecendo
nessa história, precisaremos voltar uma
semana no tempo. Prontos?
Em três, dois, um...
Estamos agora no quarto de Alexandre
Heinrich e sempre que entro por aqui, tenho
vontade de passar um aspirador de pó e dar
uma ajeitada nas roupas espalhadas. Mas sou
só uma narradora, então, nada feito.
O quarto está uma zona, com CDs e DVDs
espalhados por todos os lados, roupas usadas
jogadas em qualquer lugar e um forte cheiro
de incenso. O que posso dizer? O garoto
curte um incenso, de todos os tipos,
tamanhos e aromas.
Um pacote de bolachas recheadas está
aberto e esquecido em um canto, bem ao
lado do iPad com a bateria zerada, plugado
na tomada.
Nesse momento, Lex está com os olhos
vidrados no Xbox, muito puto por ter tomado
quatro tiros de Gancho, seu melhor amigo e
muito melhor jogador no que diz respeito a
games.
— Azar no jogo, sorte no amor. É o que eu
sempre digo. – Lex joga o controle sobre a
cama desarrumada, na maior indiferença.
— É o que você sempre diz quando perde,
ou seja, sempre! – Gancho lança uma
gargalhada no ar, batendo firme no ombro do
amigo.
— Vamos fazer outra coisa da vida, beleza?
– Lex se levanta do puff, disperso, deixandose
cair na cadeira estofada em frente ao
computador. A tela acende e a página do
Facebook é carregada.
— Já mandou a moto para o conserto? –
Gancho desliga o vídeo-game e se atira na
cama, como se o colchão fosse uma piscina.
— Meu pai disse que não dará nem um puto
de um centavo para arrumar o estrago da
moto. – realmente o velho disse isso, aos
gritos.
— Poxa, cara, você tá mesmo ferrado. Sua
mãe proibiu a Zulmira de arrumar o seu
quarto, passar a sua roupa e o que mais
mesmo?
— Proibida de me acobertar. – Lex gira a
cadeira para encarar Gancho. – Cara, tô
cheio disso.
— Calma, um problema de cada vez.
Primeiro, precisamos conseguir uma grana
para você arrumar a moto. Sem a sua
motoca, somos dois otários de bicicleta.
— E como descolaremos uma grana? Seu
pai não o proibiu de vender bagulhos piratas?
Não disse que mandaria prender você ou algo
pior?
— É, estou sem grana também. Minha
mesada não dá para nada. – Gancho suspira
alto, entrelaçando as mãos atrás da cabeça.
— O que sugere, Cabeçudo?
Nesse exato segundo, uma semente é
regada, começa a crescer e a frutificar na
gigantesca cabeça de Gancho. Quando um
fruto maduro cai do pé e chacoalha o cérebro
do cara, a ideia surge como uma trilha
sonora perfeita, reproduzida no momento
crucial da trama.
— Já sei como conseguiremos a grana, Lex.
Mas só me dê um soco depois que eu
terminar de contar.
Cinco: A grande aposta
Ainda naquele mesmo quarto bagunçado,
Lex está boquiaberto e não tem certeza se
Gancho está de brincadeira ou não. A
perplexidade é tamanha, que o garoto altera
o tom de voz:
— A Nina? Você bebeu e bateu com a
cabeça?
— Qual é cara!? A mina é uma gata. –
Gancho incita, divertindo-se.
— A garota mais parece um cavalo
selvagem! Ela é intocável, Gancho.
Não que Lex não esteja louco para beijar
aquela boca de lábios volumosos, não é isso.
O problema é que Nina é uma garota arredia,
difícil e não deixa nenhum garoto se
aproximar. Os que tentaram se
arrependeram amargamente.
— Qual é, Lex, nada é impossível para
você. – Gancho inicia a persuasão.
— Não tenho tanta certeza disso. Viu o que
ela fez com o Edgard? Com o Hulk no
Halloween? E as Kibis então? Cara, eu tô
fora!
— O lance das Kibis foi bem maneiro. –
Gancho balança o cabeção. – Lex, a questão
é que se não for uma aposta impossível,
nunca conseguiremos a grana para arrumar a
sua moto. De quanto precisa? Quatro paus?
— Seis mil. E quer saber? Logo o meu
velho voltará atrás e aí terei a grana para
arrumar a moto. – Lex mira o chão enquanto
a incerteza reverbera pelas quatro paredes.
— E até lá?
— Dois otários de bicicleta, fazer o quê? –
Lex suspira alto e acende outro incenso.
Mas Gancho não se dá por vencido.
Aliás, deixe-me contar um pouco sobre o
melhor amigo de Lex. O apelido não é de
hoje, surgiu lá pelo oitavo ano do Ensino
Fundamental. Desde aquele tempo, Arthur –
o capitão Gancho – é um pirata da melhor
categoria.
O garoto pirateia tudo o que vê pela frente:
de jogos a filmes que ainda estão nos
cinemas. Para ele, a informação é livre e
deveria ser distribuída de graça. Como não o
é, Gancho trata de faturar algum em cima de
pessoas que não estão a fim de pagar uma
fortuna por um jogo de Xbox, por exemplo.
Além disso, o cara também é um
falsificador dos bons. Quase levou a
lanchonete do colégio a falência quando
vendeu a um real, tickets de salgadinhos e
refrigerantes falsificados por ele. Esse é um
garoto que vai longe.
Gancho, fisicamente, não é um cara
bonitão. Mas é charmoso ao extremo. Seus
cabelos negros escorrem lisos até a altura do
pescoço e a franja, sempre na lateral,
costuma cair sobre os olhos escuros e
indecifráveis.
A cabeça grande, motivo de zoação dos
amigos, não incomoda Gancho. Para ele,
quanto maior a cabeça, maior o cérebro. E o
cara tem toda a razão.
Mas, voltando à história da tal aposta,
Gancho não se deixa abalar pela resolução de
Lex. Soprando a franja para o alto, preparase
para deixar o amigo sem alternativas.
Envia e-mails, mensagens instantâneas e
DMs no Twitter para todos os machos
apostadores do Colégio Prisma. E isso é
muita coisa, só para constar. A mensagem é
sucinta e marketeira ao extremo, como é o
estilo de Gancho. Na íntegra, o texto diz:
“A Grande Aposta será lançada.
Lex x Nina.
Amanhã, no pátio do colégio.
Venham com a carteira recheada de notas
altas.
Gancho.”
Nem preciso dizer que a galera comparece
em massa, preciso? Enfim, todos aparecem,
até mesmo os que não foram chamados.
Como grana é grana, nesses momentos não
faz a menor diferença. Quanto mais
apostadores, melhor.
Gancho se posiciona no meio da roda de
garotos, expondo a Grande Aposta
maquinada por ele. Quando termina de falar,
encara um por um daqueles caras. Se
Gancho não vê, eu vejo: alguns garotos
suam, outros se entreolham e uns poucos
riem, abrindo as carteiras.
— Só tem um problema nessa história.
Temos que convencer o Lex a entrar na
jogada. – Gancho solta a bomba no centro do
círculo e sai andando.
— Como é? O Lex vai amarelar? – Nando, o
garoto dos cabelos espetados, pergunta,
incrédulo.
— Pois é, meus caros. Só uma grana alta o
seduzirá. – Gancho tomba a cabeça para
trás, fitando as nuvens escuras através do
seu Ray-Ban.
— Essa vai ser a Grande Aposta de todas as
apostas! – um gorducho empolgado, com
pasta de dente na lateral da boca, gesticula
como se fosse um líder de torcida. – Vamos
galera, abrindo as carteiras aí!
Gancho liberta um sorriso satisfeito quando
notas de cinquenta e cem reais começam a
pular para suas mãos. Lex não terá como
recusar.
— Temos que triplicar esse valor, rapazes.
Precisamos deixar o Lex sem saída. – Gancho
conta o dinheiro, os olhos negros brilhando
em excitação.
— Temos que conseguir mais apostadores.
Temos que espalhar a notícia! – o gordinho
empolgado grita.
E não é que a notícia se espalhou?
Seis: Na sala do diretor
Lex e Nina estão sentados, lado a lado, nas
elegantes poltronas vitorianas da diretoria.
Esse é um escritório rebuscado, repleto de
objetos de arte, livros, enciclopédias e um
imenso globo que gira sem parar, plugado
numa tomada. A sala possui claridade
natural, provinda de duas imensas janelas
que ficam localizadas atrás da altiva mesa do
todo poderoso diretor.
Mas não é isso o que a maioria dos
estudantes vê quando entra aqui. Oh, não. E
como a versão deles é muito mais divertida,
narrarei o que aquele garoto gorducho, com
pasta de dente na lateral da boca, viu certa
vez:
No quinto ano, Fabiano – o gorducho
apelidado de Bola – sem nada melhor para
fazer da vida, resolveu roubar uma caixa de
giz da sala dos professores. E, ainda sem ter
o que fazer, resolveu triturá-los,
transformando o giz em pó.
Para que isso serviria?, eu lhes pergunto.
Bem, quando não se tem nada melhor para
fazer da vida, ideias estranhas invadem a
mente. E um bizarro plano surgiu na cabeça
de Bola.
Horário do intervalo, ninguém na sala de
aula. Uma escada de quatro degraus
esquecida em um canto do corredor. Ah, Bola
não teve dúvidas.
Com uma risada malévola estampada no
rosto e uma aura nada santa, o garoto pegou
a escada, subiu os degraus e depositou,
calmamente, todo o giz triturado sobre as
pás do ventilador de teto. O dia estava
quente e Bola suava em bicas.
Terminado o serviço, guardou a caixa de
giz dentro da mochila antes de devolver a
escada. O resultado da brincadeira não
poderia ter sido outro: quando a professora
de matemática ligou o ventilador, foi merda…
ops, quero dizer, foi giz para todo o lado.
Estava literalmente nevando na sala trinta.
Não foi tão difícil descobrir o autor da
traquinagem e a diretoria já aguardava por
Bola, ansiosamente.
Com passos incertos e as pernas bambas,
Bola tocou a maçaneta da porta, sentindo
choques elétricos percorrendo o corpo todo.
Podia ouvir risadas macabras vindas de todo
o lugar e de lugar algum.
Quando a porta se abriu com um ruído
engasgado, Bola agitou-se, assombrado. O
lugar era cavernoso e exalava um forte
cheiro de enxofre. Nas prateleiras, vários
livros de poções e bruxaria se remexiam,
inquietos. Um imenso globo terrestre girava,
pegando fogo. O diretor possuía tentáculos e
dois cães do inferno mostravam os dentes e
babavam.
Uma semana de suspensão e Bola jurou de
pés juntos, que nunca mais pisaria na sala do
diretor.
Mas Lex e Nina não estão vendo nada
disso.
Reprimindo sua ira, Nina observa tudo em
vermelho sangue, como se estivesse em um
filme de terror, daqueles com seríssimas
restrições orçamentárias. Já Lex vê o cenário
em preto e branco, talvez o tapa tenha
afetado os seus sentidos.
— Então é isso? Uma aposta? – o diretor
endireita o polvo de cerâmica sobre a mesa.
Com uma irritante mania de arrumação,
também ajeita os dois cachorros de cerâmica,
de modo que fiquem bem alinhados.
— É, é isso. – Nina cruza os braços em
frente ao corpo, trincando o maxilar de tanta
raiva.
— Alexandre? – o diretor tira os óculos do
rosto, jogando-os sobre uma pilha de papéis
muito bem arrumados.
— Eu não concordei com essa aposta. – Lex
está seguro de si e isso deixa Nina mais
furiosa ainda.
A garota apruma-se, desconfortável. Finca
os dentes no lábio, segurando-se para não
voar no pescoço de Lex. Tenta parecer
indiferente ao assunto, mas sabe que sua
expressão enfezada lhe escapa ao controle.
— Não é a primeira vez que você e seus
amigos lançam uma aposta dessas. – o
diretor recosta na cadeira estofada, girando
de um lado para outro, pensativo.
— Dessa vez sou inocente. – Lex entrelaça
os dedos, numa estabilidade que deixa Nina
perturbada.
— Se eu souber que vocês continuam a
fazer apostas, a coisa vai ficar bem feia,
Alexandre. Não me importam as notas,
reprovarei todos vocês, ficou claro?
— Claríssimo. – Lex faz menção em
levantar-se, mas o diretor lança um olhar
reprovador em sua direção.
— Eu não terminei, garoto. – e então, seu
olhar recai sobre Nina. – O que quer fazer a
respeito?
— Quero que ele mantenha distância de
mim. – ela responde, na lata.
O diretor pesa o pedido enquanto ajeita,
pela milésima vez, os dois cachorros de
cerâmica. Com o mau humor que Nina está é
bem capaz que pegue os enfeites e os jogue
pela janela. Mas ela se contém, contando até
dez mentalmente.
— Feito. – o diretor recoloca os óculos. –
Alexandre Heinrich, a partir de hoje, não se
aproxime de Nina Albuquerque. Não lhe dirija
a palavra, não peça um lápis emprestado,
não olhe para ela, estamos entendidos?
— Perfeitamente. – Lex concorda, doido
para se mandar dali.
— Voltem para a sala de aula. E parem de
criar problemas ou serei obrigado a cancelar
a viagem de formatura. – o diretor lança,
num tom tedioso.
— O quê? – Lex arregala os olhos,
surpreso.
— Você ouviu.
Sim, ele ouviu. Apesar do tapa de Nina ter
tirado o garoto de órbita, Lex ainda não ficou
surdo.
Sete: A viagem de formatura
Dentro de uma semana, a tão sonhada
viagem de formatura para a Ilha Inamorata
mexerá com os ânimos de trinta e quatro
estudantes e dois professores.
Segundo o folheto publicitário que Nina
carrega na mochila, o lugar é simplesmente
paradisíaco. Mar e céu que se fundem num
azul profundo. Cachoeiras e grutas de tirar o
fôlego. Areia branquinha, daquelas que
afundam até o calcanhar. Um hotel cinco
estrelas repleto de atividades ao ar livre.
Quadras de tênis, vôlei de praia, campo de
futebol gramado e muita, muita natureza ao
redor.
Para as meninas do Prisma essa é uma
oportunidade única, talvez a última chance
de engatarem um romance com algum dos
garotos do colégio. Para os meninos, esse
também é um momento ímpar,
desesperadamente aguardado. Garotas de
biquíni dando o maior mole? Juro para vocês
que apesar da Ilha Inamorata ser um local
onde a natureza é preservada, a mente
poluída desses caras, fatalmente, poderá
gerar um desastre ambiental. E dos grandes.
Nina não cogita a possibilidade de desistir
da viagem, mesmo sabendo sobre a aposta
que está rolando. E se por acaso ela pensasse
em desistir, suas melhores amigas, Nathália
e Lais, não permitiriam.
— Jura mesmo que não vai desistir? –
Nathália anda em círculos em volta de Nina.
Seus longos cabelos castanhos estão presos
por um rabo de cavalo que chacoalha para lá
e para cá.
— Está me deixando tonta, Nathi. – Nina
está dispersa.
— Sério mesmo, Nina, você não pode
desistir. – Lais muda a mochila de ombro, o
troço está pesando toneladas. – Promete? Por
favor?
— Prometo, já falei! – Nina estressa e
dispara, um tanto ríspida.
As três estão no estacionamento do Colégio
Prisma. Nina, agora com dezoito anos, já
possui a tão sonhada habilitação e uma moto
novinha em folha. Ela optou por uma
Kawasaki Concours 14, preta e prata, com
1.352 cilindradas, 4 tempos, 4 cilindros em
linha com refrigeração líquida, 16 válvulas
VVT, 155 cavalos de potência, com sistema
de ignição digital, injeção eletrônica e partida
elétrica. Não que eu saiba o que isso quer
dizer, mas Nina sabe.
Antes que Nathi e Lais retomem o assunto
“viagem de formatura”, eis que surgem Lex e
Gancho, caminhando
descompromissadamente rumo ao
bicicletário.
A garota lança um olhar fulminante na
direção de Lex. Ela estremece de raiva só de
se lembrar da tal aposta e dos sorrisinhos
abafados nos corredores do colégio. Se o
garoto se aproximar, é morte certa.
— Bela motoca. – Gancho assobia e Lex lhe
dá uma cotovelada nas costelas.
— Obrigada, Gancho. – Nina sorri,
presunçosamente. – E suas bicicletas
também são bem bonitinhas… tiraram até as
rodinhas laterais, que gracinha.
— Rá, rá. – Lex negligencia a própria vida.
— Ei, não pode falar comigo, lembra-se? –
Nina brada, agressivamente.
— Estamos fora do colégio, aqui é local
neutro. – Lex retruca, numa frieza
congelante.
— Não abuse, Alexandre. – Nina monta
sobre a moto e dá a partida. – Meninas, até
mais tarde. – baixando o visor do capacete e
acelerando ao máximo, ela deixa apenas
poeira para trás.
Oito: Uma aposta perigosa
Lex observa Nina desaparecer do seu
campo de visão. Que garota intragável! Essa
aposta está fora de cogitação, sem chance.
Gancho interrompe os devaneios do amigo
quando pergunta para Nathália e Lais:
— Como aguentam o mau humor dessa
garota?
— A Nina? Qual é, Gancho, ela é legal. –
Nathália parte em defesa da amiga.
— Sei. – Lex revira os olhos.
— É verdade, a Nina é muito gente boa. –
Lais confirma. – Deveriam tentar conhecê-la
melhor.
— Qual o problema dela com pessoas do
sexo masculino? – Gancho indaga,
interessado.
— Longa história e, sinceramente, não
contarei a nenhum de vocês dois. – Lais não
vacila. – Vamos, Nathi.
— Vamos. – Nathália concorda em ir, mas
não se move. Essa paixão platônica por
Gancho já está tirando Lais do sério. Ela
precisa praticamente arrastar a amiga dali.
— Até mais. – Gancho se despede,
indiferente ao fascínio que exerce sobre
Nathália. A maioria dos homens é cego.
Quando as meninas se afastam o bastante,
Lex fuzila o amigo com o olhar. Gancho dá de
ombros, sem saber o porquê do olhar
cortante.
— Certo, o que foi?
— Você levou a aposta adiante sem o meu
consentimento. Cara, eu disse que estava
fora.
— Man, consegui três mil reais. – Gancho
gira o boné na cabeça, deixando a aba para
trás. – Três paus, cara! Qual é, vai amarelar?
— Não vai rolar, Cabeçudo. E outra, três
mil é só a metade do que preciso. Mesmo se
eu decidisse prosseguir com isso, ainda
teríamos que pagar aos apostadores.
— Lex, meu camarada, se você vencer essa
aposta, os três mil são seus, limpinhos.
— O que está dizendo? – Lex confronta,
franzindo o cenho.
— O que quero dizer é que todos
apostaram na Nina, ou seja, se você ganhar,
a grana é toda sua, sem divisões.
— Mas que merda! Ninguém apostou em
mim? – Lex replica, pasmo. – Nem você,
cara?
— Só estou tentando ajudar. – Gancho dá
um tapa no ombro de Lex.
— Gancho, é sério, devolva o dinheiro para
os apostadores e esqueça essa merda de
Grande Aposta. O diretor está de olho em
mim, cara!
— Era com vocês mesmos que eu queria
falar. – o tom arrogante não deixa dúvidas
de quem se trata: Bárbara.
Ela se aproxima embalada numa calça
jeans skinny, dessas que se agarram ao
corpo de maneira impossível. Rebola sobre as
sapatilhas com padronagem de oncinha e
requebra o quadril ao fitar Lex e Gancho.
A camiseta do colégio sofreu
transformações significativas após uma
sessão de customização. Está tão curta que
deixa parte da barriga a mostra,
desrespeitando a regra básica de etiqueta da
escola.
— O que quer, Kibi? – Gancho suspira
antes de remedar: – Desculpe. O que quer,
Babi?
Bárbara é a ex-namorada de Lex. Bem, exnamorada
é subjetivo, já que a coisa toda
não passou de uma aposta. E como toda
garota orgulhosa e vingativa, Bárbara ainda
não se esqueceu do que aconteceu no ano
passado, mas contarei os detalhes sórdidos
mais tarde.
A loirona oxigenada gira a cabeça
teatralmente, lançando os cabelos
desbotados para o ar. Apesar de nutrir uma
paixão avassaladora por Lex, jamais admitirá
o fato. Amor e ódio, uma combinação
explosiva. E a garota é pura TNT.
— Gancho, vou relevar a piadinha, mas só
porque tenho uma proposta para o Lex. –
Bárbara recosta na mureta azul, dirigindo-se
ao ex-namorado. – Soube que não vai levar
a aposta adiante, é verdade?
— Soube corretamente. – Lex admite, certo
de que algo bombástico sairá dos lábios
vermelhos de Bárbara.
— Que tipo de proposta é essa? – Gancho
estimula a garota a continuar.
— Soube que precisa de seis mil reais para
arrumar a sua moto. Bem, eu tenho o
dinheiro, Lex. – Bárbara verifica as unhas cor
de fogo, preguiçosamente.
— É como eu disse, não vou levar isso
adiante. – Lex se mantém impassível.
— O que quer do Lex, Babi? – Gancho a
encara, desconfiado.
— Vocês dois sabem o que aquela vadia da
Nina aprontou comigo. Só estou querendo
dar o troco, nada de mais.
— E quer a minha ajuda? – Lex adivinha,
acertadamente. – Esqueça de mim nesse seu
lance. Estou fora, qualquer que seja a
proposta.
— É o seguinte, Alexandre: ou você me
ajuda nessa ou então, mostro para o seu
velho o vídeo que está no meu celular. – ela
estressa e tira o aparelho do bolso traseiro
da calça, balançando-o na altura dos olhos de
Lex. – E nem preciso dizer que fiz milhões de
cópias, certo?
— Você disse que não iria mostrar a
ninguém. – Lex se abala, sentindo o sangue
ferver.
— E não vou! – Bárbara se faz de rogada. –
Mas veja bem, se não me ajudar, como posso
ajudá-lo, Lex?
— Você é uma Kibi filha da mãe. – Gancho
vocifera, entredentes.
— Cale a boca, Gancho. – Lex nunca tinha
sido chantageado antes. A boca seca e ele
umedece os lábios, nervosamente.
— O que me diz? – Bárbara finge não ouvir
o que Gancho acaba de dizer. Mira Lex e seus
olhos castanhos se estreitam perigosamente.
— O que quer que eu faça? – Lex foi
ameaçado abertamente e não acredita que
esteja cogitando a possibilidade de ajudar
Bárbara. Mas no momento, não encontra
alternativa. Não pode permitir que seu pai
saiba a verdade sobre o “acidente” com a
moto.
— Deixe a Nina pensar que você desistiu da
aposta, mas a verdade é que você não
desistirá, entendeu?
— Não, não entendi. O que pretende com
isso? – Lex tenta se manter calmo, apesar da
situação.
— Não interessa o que pretendo. É só fazer
a Nina acreditar que a aposta acabou.
Aguarde novas instruções quando chegarmos
na ilha. Assim que eu conseguir o que quero,
você terá a sua grana. – Bárbara acaricia o
rosto de Lex com o celular. – Bom, é isso.
Até mais, lindão. E tchau para você,
Cabeçudo. – armada do melhor rebolado,
Bárbara deixa dois amigos embasbacados
para trás.
Nove: A breve vida amorosa de Nina
Vamos tentar entender o porquê de Nina
ser tão avessa a garotos. Tudo está no
psicológico, Freud elucidaria. Talvez a garota
enlouquecesse o neurologista antes do
mesmo se explicar.
O fato é que ela, até hoje, teve apenas dois
namorados. O primeiro foi aos doze anos de
idade...
Nina estava brincando com as amigas na
calçada de sua casa, num condomínio
fechado de alto padrão na cidade de São
Paulo. A Barbie Noiva estava a bordo do
possante cor-de-rosa, a caminho do salão de
beleza. Após os cuidados com o visual, as
Barbies fariam uma festa de arromba na
mansão de três andares e os Kens já
estavam convidados.
A garota não sabia, mas estava sendo
observada por Maurício, que morava a uma
distância de oito casas da sua. Supertímido,
deixou a bicicleta incrementada de lado e
invadiu o jardim florido de Dona Estela,
colhendo flores coloridas para que Nina
pudesse enfeitar a festa das Barbies.
Timidez é uma droga.
Maurício estava agitado, tenso e tremia da
cabeça aos pés. Não conseguia se aproximar
daquela linda menina com um corte Channel,
de olhos grandes e esverdeados. O que ele
fez? Tocou a campainha do amigo Danilo e
implorou para que o garoto levasse as flores
para Nina.
— Quer que eu leve as flores? – Danilo
perguntou, maldizendo o momento que
atendeu a campainha.
— Por favor? Leve as flores e peça a Nina
em namoro para mim? – Maurício suplicou,
com olhos marejados.
— Não acredito nisso. – o amigo bufou e
revirou os olhos. – Dê aqui, eu levo.
Danilo, um ano mais velho que Maurício,
pegou as flores e respirou fundo, caminhando
a passos largos até a festa das Barbies. E que
festão! Tinha até jatinho cor-de-rosa
estacionado na entrada da mansão.
O lance foi que, um nervoso Danilo,
entregou as flores para Nina e a pediu em
namoro. A garota, com um risinho contido,
olhou para as amigas buscando uma
resposta. As três balançaram a cabeça,
afirmativamente.
A confusão estava armada. Nina acreditava
estar namorando Danilo. Danilo jurava ter
pedido Nina em namoro para seu amigo. Por
sua vez, Maurício estava certo de que Nina
agora era sua namorada. Aff.
A menina de doze anos estava muito feliz.
Contou para todos na escola que estava
namorando, apesar de nunca ter trocado
mais de duas palavras com Danilo. Para
detonar de vez com a situação, o garoto
mudou-se de bairro três semanas depois,
deixando Nina completamente arrasada.
Poxa, nem um tchau?
Ali começava o problema de Nina com
garotos. Como poderia confiar neles?
Como toda pré-adolescente, Nina sofreu
por Danilo, chorou por ele, arrancou os
cabelos e disse para as amigas que nunca
mais amaria ninguém como o amava. Adoro
dramas juvenis, são tão intensos!
Querem saber o que aconteceu com
Maurício? Bem, hoje o garoto faz terapia e
nunca beijou uma garota. Depois que viu sua
namorada Nina dando o maior amasso em
outro cara, o mundo ruiu para ele.
Esse outro cara chamava-se Bruno.
Bruno foi o segundo namorado de Nina.
Eles se conheceram no colégio e o garoto era
dois anos mais velho do que ela. Nina tinha
quinze anos naquela época.
Como toda filha superprotegida por pais
malucos, Nina era a inocência em pessoa.
Não conhecia Bruno o suficiente, mas ainda
assim era apaixonada pelo cara desde que
Danilo a deixou, sem dizer um tchau.
O namoro durou exatos seis meses e, pela
pouca idade de Nina, os pais resolveram
cercar esse relacionamento, permitindo que
só acontecesse debaixo de seu teto. Ou seja,
o namoro se dava em casa e os telefonemas
eram supervisionados. Internet? Nem
pensar! Toda e qualquer comunicação com o
mundo externo era grampeada pela analista
de tecnologia da família: Laura, a mãe de
Nina.
Bruno era o tipo de garoto experiente e
estava doido para colocar suas mãos
calejadas sobre a garota virgem. Ela era
tímida, estonteantemente linda e estava
completamente apaixonada… droga, Nina
estava perdida! Era chantageada
emocionalmente sempre que estavam juntos
e a garota começou a cogitar a possibilidade
de finalmente se entregar a Bruno.
Quando o garoto, já com dezoito anos,
pegou sua carteira de motorista, as coisas
saíram do controle. Bruno aparecia na casa
de Nina sem avisar, sempre que os pais dela
e o irmão mais velho não estavam. Como ele
sabia? O vizinho da frente era seu amigo e
comparsa.
Nina já tinha completado dezesseis anos
quando aconteceu o inevitável. O Mustang
amarelo estacionou na porta de sua casa,
reluzindo como um diamante. Bruno
carregava um imenso buquê de rosas
vermelhas, pronto para dar o bote. Ela
estava sozinha naquela tarde.
Paixão e inocência. Essa é uma combinação
perigosa.
Nina se entregou no sofá da sala, após seis
meses de tentativas infrutíferas por parte de
Bruno. Ele jurou amor eterno. Garantiu que
ela era única. Disse que se casariam. Afirmou
até que era virgem, por Deus!
Depois daquela tarde, Bruno não ligou
mais.
Nina, agora sem medo de vasculhar a
internet, logou-se num tal de Facebook.
Através dessa ferramenta mais poderosa do
que uma investigação policial, descobriu
todas as mentiras de Bruno, inclusive que
não era a namorada oficial do cara. Naquele
momento nascia a nova Nina Albuquerque, a
garota que seria temida por todos que
usassem cuecas.
— Doc, preciso falar com você. – Nina
entrou no quarto do irmão mais velho,
faiscando de tão puta da vida.
— Nina, cai fora. – Douglas, o irmão, nem
se dignou a olhar para a garota.
— O Bruno me enganou e eu quero o
sangue dele. – Nina arrancou os fones dos
ouvidos de Doc.
Aquelas palavras surtiram efeito imediato.
O irmão levantou-se da cama, pronto para a
briga. Abriu o guarda-roupas e pegou o taco
de beisebol que não usava desde a
adolescência.
— Ele zoou você? O que ele fez, Nina?
— Ele me usou. – ela estava constrangida,
mas queria a ajuda dele. Apesar de serem
como cão e gato, Nina sabia que Doc faria
qualquer coisa por ela, a protegeria.
— Como? Como ele usou você? – o olhar do
irmão era colérico.
— Ele conseguiu o que queria e sumiu. –
Nina se segurava para não chorar.
— Filho da puta! Ele machucou você? Nina,
me diz! – Doc gritava, sacudindo a irmã pelos
ombros.
— Ele não me forçou, se é o que quer
saber. – agora sim Nina chorava,
copiosamente. Doc a abraçou, acariciando
suas costas. – Não acredito que deixei
acontecer, como pude ser tão burra?
Rangendo os dentes, Doc passou a mão no
celular e ligou para alguns amigos. Meia hora
depois, quatro deles já estavam na porta da
casa de Nina, com seus tacos de beisebol a
tiracolo.
— Você fique aqui, está entendendo? – Doc
instruiu.
— O que vai fazer? – Nina nunca tinha
visto o irmão tão alterado.
— Deixe comigo.
Com todas as coordenadas passadas por
Nina, Doc sabia onde encontrar Bruno. Pelo
horário, ele deveria estar na última aula do
cursinho.
O Mustang amarelo, com uma faixa preta
no capô, nem precisava gritar por atenção
em meio a carros comuns. Com um sorriso
lateral e a mão pulsando de raiva, Doc
fechou os dedos em volta do taco de beisebol
e nem olhou para os lados.
Os quatro amigos fizeram o mesmo, sem
saber ao certo o porquê de estarem metidos
naquilo. Doc explicou apenas que o dono
daquele carro havia aprontado com a Nina e
quem mexe com a irmã de um deles, mexe
com todos.
O carro foi destruído em minutos. A polícia
chegou pouco depois, antes que Bruno e Doc
se atracassem. O barraco estava armado e
Nina aguardava em casa, andando de um
lado para o outro, embolando o tapete da
sala sob os pés.
Ninguém, nunca mais, a faria de idiota.
Doc e seus amigos foram presos, mas não
por muito tempo. O pai de Nina, um
advogado figurão, ameaçou Bruno, acusandoo
de aliciamento de menores, o que na
prática era a mais pura verdade. Bruno já
tinha dezoito anos e Nina apenas dezesseis.
Nesses casos o veredito é um só: cadeia.
O pai de Bruno acabou por convencer o
filho a retirar a queixa contra Doc e sua
turma, afinal, um empresário do nível dele
não poderia ter um filho na prisão. E assim
foi feito: os garotos foram soltos naquela
mesma madrugada, numa noite insone para
todos da família Albuquerque.
Nina ouviu um sermão de mais de duas
horas, tanto do pai, quanto da mãe. Doc
assistiu a tudo, com os braços cruzados e um
olhar matador. Ninguém zoa a sua irmã e sai
ileso. Ele se imaginava com uma bazuca,
estraçalhando o corpo de Bruno, o sangue se
espalhando pela calçada, escoando para o
bueiro entupido mais próximo… desejo que
nunca foi realizado.
Quanto a Nina? Bem, ela aprendeu a lição
da pior maneira. E foi um ensinamento que a
marcou fundo, redesenhou sua
personalidade, mudou sua visão de mundo e
aniquilou qualquer ilusão encantada. Homens
não prestam, a voz interna gritava. Meu
único foco serão os estudos, quero distância
de namorados, a cabeça latejava.
A única coisa bacana nessa história toda foi
que Nina e Doc, finalmente, estreitaram o
laço familiar que os unia. Desde esse dia,
nunca mais brigaram.
Dez: A contra-aposta
O pátio do Colégio Prisma é um espaço
como todos os outros. Quadras
poliesportivas, árvores frutíferas, bancos de
cimento, uma lanchonete que só vende
trash-food… um lugar bem comum.
Nina, Lais e Nathália estão debaixo de uma
árvore, debatendo sobre o livro que estão
lendo. Desde que se tornaram amigas, elas
fazem isso: leem o mesmo livro, um capítulo
por dia, para depois discutirem sobre a
leitura. É como um Clube do Livro diário,
sempre no intervalo das aulas.
Nathália é uma leitora compulsiva. Desde
que se entende por gente, gasta toda sua
mesada em livros. É claro que, no vestibular
que se aproxima, prestará para a faculdade
de Letras, um sonho desde criança.
Ela é alta, bem magra, com cabelos
castanhos longos que estão sempre presos
em um rabo de cavalo volumoso. Os óculos
com aro vermelho são só para leitura, algo
que lhe confere um ar cult.
Nina disse, certa vez, que ela deveria
aposentar os óculos de leitura, afinal, eles
escondem os belíssimos olhos amendoados da
amiga. Nathi nem cogita a possibilidade, ela
adora parecer mais velha, mais inteligente.
Já Lais é o oposto. Baixinha, com curvas
bem acentuadas, cabelos avermelhados
curtos e um par de olhos azuis que são uma
afronta. A garota faz um estilo hippie chique,
é vegetariana e adora brincos e colares
gigantescos. E só para constar, está sempre
de chinelos. Ela possui de inúmeras cores, de
todos os jeitos e marcas.
Lais demorou a escolher a faculdade que
gostaria de cursar. Estava entre Moda e
Nutrição. Depois de pesar os prós e contras,
Nutrição ganhou em disparada.
Nina, como já descrevi anteriormente, faz o
tipo esportista. Hoje ela está com uma
bermuda preta de lycra, camiseta branca e
azul do Prisma e um par de tênis para
corrida. Pega na bolsa uma maçã, lustrandoa
na camiseta antes de dar a primeira
mordida. É quando avista Camila, correndo e
saltando obstáculos, seus cabelos dourados
esvoaçando como uma capa de super
heroína. Aproxima-se, esbaforida, vomitando
as palavras:
— Nina, eu vi os caras na quadra de tênis.
Estão falando sobre a Grande Aposta.
— O que você ouviu? – Nina brada, jogando
a maçã mordida de volta na bolsa.
— O Lex desistiu, está devolvendo o
dinheiro para a galera. Os caras estão
tentando convencê-lo a manter a aposta.
Parece que o Lex precisa de seis mil reais
para arrumar a moto dele. Bom, foi o que
entendi.
— O Lex desistiu da aposta? Não acredito. –
Nathi tira os óculos, erguendo as
sobrancelhas.
— O Lex não é cara de desistir. – Lais
encara Nina, como se tivesse escutado algo
absurdo.
— Vou até lá. – Nina fecha a cara e o livro.
— Acho que não deveria, vai acabar
rolando a maior confusão. – Nathi odeia
barracos, ainda mais quando suas amigas se
envolvem neles.
— Por que não? Se fosse comigo, eu iria. –
Lais incentiva.
— Eu também iria. Sério, não aguento mais
essas apostas. – Camila já caiu em três delas
e ainda não sabe, mas cairá uma quarta vez.
— Vou acabar com isso agora mesmo. –
Nina se levanta num salto, estalando o
pescoço lateralmente. Seu olhar já diz tudo.
Lex Heinrich está com os minutos contados.
As amigas a seguem até a quadra tênis.
Lais jura ter visto faíscas saindo dos ouvidos
de Nina. Ela está irada e com cara de quem
vai socar alguém. Bem, não seria a primeira
vez.
Nina avista os garotos numa imensa roda
no centro da quadra. Abre a portinhola
lateral com um estalido e caminha sobre o
saibro, deixando pegadas pesadas ao passar,
sustentando uma expressão de dar medo.
A notícia se espalha como vírus de filmes
de ficção científica. Não demora muito e
parte do colégio se acotovela para assistir ao
grande espetáculo. Ou grande barraco, como
queiram chamar.
— Pensei que essa palhaçada já tinha
terminado. – Nina aponta o dedo na direção
de Lex, em tom de acusação.
— Gancho, diga para essa garota que estou
proibido de falar com ela dentro do colégio. –
Lex olha para o chão, traçando um círculo
com a ponta gasta do tênis.
— Pare de ser otário, Lex. – Nina se
aproxima e o cara, temendo outro tapa ou
chute, recua instintivamente.
— Escute, eu não aceitei essa aposta, tá
legal? E não vou levar isso adiante, ponto
final. – Lex faz uma pausa e finalmente
encara Nina. – Ou você está bravinha porque
quer que eu tope?
Ele tinha mesmo que soltar uma dessas? É
o que basta para o circo pegar fogo. A galera
urra, pessoas gesticulam, um murmurinho
incessante toma conta do cenário.
Por um instante, Nina fica desconcertada.
Mas é uma sensação tão breve que passa
despercebida à plateia. O sorrisinho
debochado de Lex a deixa incrivelmente
irritada. Ah, ela não vai se deixar humilhar.
— Você curte apostar, não é, Lex? Gosta de
se dar bem? – Nina leva as mãos à cintura,
fuzilando o garoto.
— O cara é campeão de poker, apostar é a
vida dele. – Gancho passa o braço nos
ombros de Lex, provocando-a.
Se Gancho quer incitar a garota, ele
consegue. Algo se inflama dentro dela e o
sangue corre como ácido dentro das veias.
Sente um gosto amargo no fundo da
garganta e o raciocínio se perde quando o
ego explosivo assume o comando.
Mira Lex no fundo dos olhos, numa cólera
inconsequente.
— Ah, é assim? Então eu vou lançar uma
aposta de gente grande para você, seu baba-
ca. Já me disseram que precisa de grana
para arrumar aquela sua porcaria de moto.
Pois bem, se vencer essa aposta, eu dou o
dinheiro.
A galera grita, em polvorosa. Lex recua
dois passos e Gancho o segura pelo braço,
temendo que o amigo saia correndo dali na
primeira oportunidade. Essa situação já saiu
do controle: Lex está sendo chantageado por
Bárbara, a Kibi; seus amigos não querem
voltar atrás na aposta, não aceitaram o
dinheiro de volta; e agora isso?
— Dê o seu lance, Nina. – Gancho grita
acima da multidão. Imediatamente todos se
calam, aguardando o desfecho, ansiosos.
— Nina, o que está fazendo? – Nathália
sussurra. – Não piore ainda mais a situação.
Nina e Lex se encaram como naqueles
duelos da antiguidade. Uma folha de papel
amassado rola pelo chão, sendo levada pelo
vento. O silêncio é sepulcral e os estudantes
prendem a respiração. Nina toma fôlego e se
apruma, antes de soltar a bomba:
— Me conquiste, faça eu me apaixonar por
você, Lex. Se conseguir essa proeza, terá o
dinheiro que precisa.
What? Vocês estão gritando aí? Porque eu
estou surtando por aqui. Essa sim é a Grande
Aposta do ano, folks!
Onze: Façam suas apostas
Paremos um instante para analisarmos o
porquê de Nina ter lançado uma aposta
dessas no ar.
Acredito que, inconscientemente, a garota
esteja tentando quebrar a carapaça criada
por ela própria após o episódio com Bruno.
Talvez Nina realmente queira se apaixonar. A
vida já é um mar de incertezas e sem amor,
pode se tornar insuportável.
Analisando agora a parte consciente, a
garota acredita que esteja humilhando Lex
com a tal aposta. Afinal, se o cara aceitar, é
certo que perderá. E se recusar, será tachado
de medroso e sua reputação de galinha não
sairá ilesa.
Lex recusaria essa aposta, sem ao menos
pensar. Mas não é isso o que acontece. No
meio da balbúrdia, ninguém além de Lex e
Gancho veem quando Bárbara – a Kibi –
levanta o polegar direito em sinal de
aprovação. Os garotos entendem a deixa
quando a garota, além do polegar, ergue
também o celular na altura dos olhos,
sacudindo-o como se fosse uma passista de
escola de samba. Lex está ferrado.
Contrariando seu sexto sentido, o garoto
precisa aceitar a contra-aposta. A galera vai
ao delírio e Lex resolve piorar um pouco mais
a situação, cuspindo na palma da mão,
estendendo-a para Nina.
— Como você é nojento! – ela recua em
repulsa.
— Para selar esse acordo, nada melhor do
que nossas próprias salivas. – Lex solta uma
gargalhada debochada e muito arriscada. Seu
olhar busca o de Bárbara e a Kibi parece
estar em êxtase. O que quer que esteja
planejando, a tal aposta de Nina só veio a
somar em sua estratégia.
— Que seja. – Nina cospe em sua mão e o
acordo é selado.
Nathália e Gancho são designados para
redigirem um contrato, com todas as
cláusulas da aposta. Nesse documento, deve
constar tudo o que será permitido e proibido
assim que Nina e Lex pisarem à Ilha
Inamorata, o palco selecionado para o início
da Grande Aposta do ano.
Gancho também será “o banqueiro”. Ele é
quem receberá e gerenciará todas as apostas
da turma. Nathi acompanhará de perto o
processo, já que Nina a nomeou como seu
braço direito.
Faltando apenas dois dias para a tão
esperada viagem de formatura, Lex, Nina e
Bárbara estão recolhidos em seus quartéis
generais, estudando o oponente, traçando as
melhores estratégias de ataque.
Sim, meus caros, a brincadeira
transformou-se numa guerra. Façam então
as suas apostas, porque o jogo de sedução
está prestes a começar.
Doze: As Kibis
Lex é o tipo de cara que saca as pessoas
numa primeira olhada. E o que percebeu,
quando Nina Albuquerque foi apresentada à
sala pelo diretor, gritava aos quatro ventos:
“Não se aproxime, eu mordo”.
Como todo garoto inteligente, Lex
entendeu a mensagem. Apesar de estar
babando na carteira, Nina não era para o seu
bico. O fato se comprovou semanas depois,
quando a garota, de saco cheio das Kibis,
resolveu dar o troco.
Nesse ponto, Nina, Nathália e Lais já eram
amigas inseparáveis. Lais possuía no celular
uma foto comprometedora do acampamento
passado. Na imagem, Bárbara, Suzana e Ana
Paula se fingiam de bêbadas e as três
levantaram a camiseta até o pescoço, o que
revelou que não usavam nada por baixo.
Com os seios à mostra, as três posaram para
a câmera de Lais.
Nina sorriu ao ver a tal foto.
Com o auxílio do Photoshop, a garota não
precisou de muito tempo para criar o layout.
Gravou a imagem em CD e correu para a
gráfica expressa mais próxima de sua casa.
Cem cartazes ao todo e várias mãos
femininas dispostas a ajudar na empreitada.
Afinal, nenhuma garota do último ano vai
com a cara das Kibis. Elas roubam
namorados, beijam todos os garotos e ainda
destroem a autoestima das meninas sempre
que podem. Alguém precisava fazer alguma
coisa e essa pessoa finalmente havia
aparecido: Nina.
A mulherada do último ano chegou mais
cedo ao colégio naquela manhã nublada.
Nathália havia desligado as câmeras de
segurança e Nina distribuiu os cartazes
autoadesivos. Cem cartazes foram colados
nas paredes do segundo andar do colégio e
vou dizer: era impossível arrancar aquilo
sem detonar com a pintura. Quando as Kibis
chegaram ao Prisma, o tempo fechou.
Os cartazes eram gigantescos e Nina não é
tão má quanto vocês imaginam. Ela poderia
ter usado a foto na íntegra, mas não o fez.
Estrelinhas mínimas cobriam as partes
íntimas das três garotas. A fotografia estava
centralizada num fundo preto, destacando
bem a imagem. Acima, em letras garrafais, o
título gritava: “KIBISCATES”. O termo foi
inventado por Lais e Nina, numa dessas
tardes em que não há nada para se fazer.
— Sua vaca! Foi você, não foi? – Bárbara
gritava, apontando o dedo de unhas douradas
na direção de Nina, enquanto Susana e Ana
Paula choravam, descompensadas.
— Prove. – Nina mantinha um sorriso
desafiador nos lábios.
— Eu sei que foi você! – Bárbara
aproximou-se, pronta para estrangular a
garota.
— Nem pense nisso. – Lais tomou a frente
de Nina. Foi o que bastou para as outras
meninas fazerem o mesmo. – Para chegar
até ela, terá que passar por cima de todas
nós.
Ops. A coisa ficou feia para as Kibis. Treze
garotas contra três? Quem compraria uma
briga dessas?
Os garotos apenas riam, doidos para que o
quebra-pau começasse. Mas não houve nada
além de insultos e xingamentos. E isso
também acabou quando o diretor,
acompanhado de vários professores, entrou
no corredor do segundo andar.
— Se você não me deixar em paz, libero a
foto original para todos os celulares do
colégio, entendeu? – Nina sussurrava para
Bárbara, entredentes.
Bárbara não respondeu. Suas bochechas
estavam vermelhas e não era pelo excesso
de blush.
A passos largos e irritados, o diretor acabou
logo com a balbúrdia. Os professores
interpelaram os estudantes, mas felizmente,
não havia provas contra Nina e ninguém a
dedurou. Nem os garotos tiveram coragem
para tanto.
Após um tempo longo demais, ficou
acordado que os cartazes seriam retirados –
com espátula – por todos os alunos do último
ano e o corredor seria repintado, também por
eles. E assim foi feito, num fim de semana
para lá de divertido. Não para as Kibis,
obviamente.
Bárbara poderia ter chamado os pais, mas
recuou só de pensar na cara do seu velho
tendo que encarar aquela foto. Como ela iria
se explicar? Não, isso seria humilhante
demais. Mas essa história não terminaria
naquele corredor cheio de cartazes
autoadesivos. Oh não.
E Bárbara, com a ajuda de Lex, dará o
troco à altura.
Treze: O quartel general de Nina
Estamos no quartel general de Nina, ou
melhor, em seu quarto. Você pode até pensar
que com a personalidade forte da garota, o
quarto não seja um lugar feminino e
aconchegante. Engano seu.
Esse é o reduto de uma garota de dezoito
anos que, apesar de ter se convencido de que
finais felizes não existem, lá no fundo do seu
ser acredita sim em príncipes encantados. Só
não contem que eu a dedurei, ok? Ou o meu
rostinho sofrerá as consequências.
O quarto não é rosa ou lilás. É azul, com
lambris brancos até a metade da parede.
Vários pôsteres de Romero Britto estão
finamente emoldurados, dispostos de
maneira linear na imensa parede que leva ao
banheiro.
O guarda-roupas possui portas de correr
brancas, vazadas em acrílico transparente.
As roupas penduradas nos cabides dão um
colorido todo especial ao ambiente.
Do teto, pende um imenso lustre de ferro,
daqueles rústicos com pintura em pátina.
Pranchas de snowboarding fazem as vezes de
prateleiras, pregadas uma sobre as outras,
sustentando todos os livros já lidos por Nina.
No lugar da cabeceira da cama, um nicho
de acrílico foi confeccionado para exibir a
imensa coleção de óculos de sol e relógios de
pulso, duas paixões da garota. Sobre a cama
box, uma colcha prateada está estendida,
com várias almofadas em formato de
instrumentos musicais para decorar.
Numa outra parede, a guitarra e o violão
estão pendurados em ganchos sobre a
poltrona de fuxicos multicoloridos. Na
bancada da janela, o notebook está aberto e
a foto de Lex berra em cores.
Nina, sentada em uma cadeira laranja de
rodízios, analisa detalhadamente a tal foto.
Nathi e Lais estão jogadas sobre almofadas
coloridas espalhadas pelo chão.
— Sério, qual foi o seu intuito ao lançar
essa aposta? Ainda não me convenceu sobre
o lance de humilhar o Lex. – Nathi ajeita os
óculos de aro vermelho sobre o pequeno
nariz.
— Ah, qual é, Nathi. Não seja estraga
prazeres. A diversão só está começando. –
Lais brinca com as franjas da almofada.
— O cara precisa de uma lição. É um
babaca com o ego inflado. – Nina recosta na
cadeira, imaginando o rosto na tela como
sendo um alvo. Ainda fantasiando, ela lança
uma flecha invisível bem pontiaguda no meio
da testa de Lex. – Certo, Nathi, releia o
contrato. – pede Nina, com o olhar glacial
fixo na tela do computador.
— Vamos lá. – Nathi pega o papel e limpa a
garganta, iniciando a leitura:
“Pelo presente contrato, fica acordado que
Nina Albuquerque e Alexandre Heinrich,
ambos maiores de idade, aceitaram participar
da Grande Aposta do Colégio Prisma.
“Cláusula Primeira: Nina e Lex firmam o
presente contrato, tendo como objeto a
aposta Jogo de Sedução, em que Lex fará de
tudo para conquistar Nina em um período de
sete dias, tendo como cenário a Ilha
Inamorata.
“Cláusula Segunda: É expressamente
proibido seduzir através de substâncias
ilícitas ou mesmo sob efeito de álcool. Em
qualquer um dos casos, a aposta será
encerrada e Nina será a vencedora.
“Cláusula Terceira: A aposta estará valendo a
partir do momento em que Nina e Lex
pisarem as areias da Ilha Inamorata e seu
término acontecerá quando a ilha for deixada
para trás.
“Cláusula Quarta: Caso Lex vença a aposta,
receberá o valor de R$ 6.000,00 de Nina
Albuquerque. O cheque preenchido já está
com o banqueiro Arthur Gancho e será
entregue ao vencedor apenas quando
retornarem de viagem.
“Cláusula Quinta: Caso Nina seja a
vencedora, a humilhação pública de Lex será
o seu pagamento.
“Sem mais, as assinaturas reconhecidas em
cartório tornam o contrato válido.”
— Juro por Deus, ainda não acredito que
isso está acontecendo. – Nathi finaliza a
leitura, tirando os óculos.
— Isso vai ser tão divertido! – Lais bate
palminhas afetadas. – Entre no clima, sua
chata! – ela bate no braço de Nathi, que
mantém a expressão fechada e preocupada.
— Vencerei essa aposta, Nathi. Então, qual
é o problema? – Nina coloca o computador
para dormir e gira a cadeira para encarar as
amigas.
— O Lex é um tipo irresistível, Nina. Acha
mesmo que será fácil? Ele vai usar todas as
armas de sedução que conhece, o que não
são poucas. – Nathi balança a cabeça, certa
de que a amiga está em apuros.
— Acha mesmo que eu posso me apaixonar
pelo Lex? Enlouqueceu? – Nina se altera.
— Acho sim. Esse é um jogo perigoso e
você está brincando com fogo. – Nathi
dispara.
— Pare com isso, Nathi. Eu aposto todas as
minhas fichas na Nina. E, sinceramente, acho
que essa será uma viagem hilária. – Lais
solta uma sonora gargalhada.
— Depois não diga que não avisei, tá legal?
– Nathália se levanta, guardando o contrato
dentro de uma pasta transparente.
— Não vai acontecer, Nathi, eu juro. Depois
do que passei com aquele cachorro do Bruno,
estou imune. – Nina entrelaça as mãos atrás
da cabeça.
— Será mesmo? – a dúvida de Nathi
reverbera no ar.
Quatorze: O quartel general de Lex
Estamos no quartel general de Lex, aquele
mesmo quarto zoado com cheiro de incenso e
garotos. Hoje Lex acendeu um bastão de
pimenta e Gancho não para de espirrar.
As duas janelas estão escancaradas e uma
brisa fria sopra as cortinas, derrubando o
contrato no chão laminado.
Gancho está fuçando nas prateleiras feitas
com shapes de skate. Notaram alguma
semelhança com o quarto de Nina? Sinistro.
Eu poderia dizer que se trata de uma mera
coincidência, mas não me parece correto, até
porque não acredito em acaso. Algo me diz
que esses dois combinam mais do que podem
imaginar.
Lex se abaixa e recolhe o contrato,
colocando-o sobre a bancada. Um peso de
papel, no formato de guitarra, não deixa o
papel sair voando novamente.
— O que está procurando? – Lex pergunta,
jogando-se na cama e pegando o violão ao
lado. Começa a dedilhar um som do Deep
Purple.
— Aquela sua caixa de alfinetes. – Gancho
faz uma pausa. – Ah, aqui está.
— Para que você quer isso?
Gancho não responde. Caminha até o
quadro de cortiça de Lex, com vários post its
colados. Arranca todos e deixa a cortiça nua.
Em seguida, saca algo do bolso e alfineta no
quadro. Quando se afasta, Lex dá um pulo na
cama.
— Onde conseguiu essa foto?
— O Bola me arrumou. – Gancho pega uma
cartela de adesivos sobre a bancada, descola
um alvo e fixa-o sobre o peito de Nina, na
altura do coração. – Precisamos descobrir
tudo o que pudermos sobre ela. Esse é o
único caminho para o coração da gata.
Gancho se afasta alguns centímetros,
tombando a cabeça de lado. Deixa um sorriso
escapar ao analisar a foto. Foi tirada pelo
celular do Bola, no Halloween. Na imagem,
Nina empurra Hulk sobre um balde de
bebida. O cara, com quase dois metros de
altura, da largura de uma jamanta, está
congelado no ar, prestes a cair sobre pedras
de gelo. A expressão da garota é o retrato da
irritação desmedida. Ao se lembrar da cena
em detalhes, um arrepio sobe pelas costas de
Gancho e ele se vira para encarar Lex, com
cara de pânico.
— Certo, essa é uma missão impossível.
— Agora que você sacou isso? – Lex joga as
mãos para o ar. – É tudo culpa sua, só para
constar. – ele mira o indicador na direção de
Gancho.
— Man, eu não queria estar na sua pele. –
Gancho provoca.
— Vá se ferrar! Você me colocou nessa
enrascada e vai me tirar dela, Cabeçudo.
— Precisamos arrancar da Nathi e da Lais
qualquer coisa sobre a Nina. Eu já vasculhei
a internet e a garota não está em nenhuma
rede social, nem no Facebook. Nunca vi uma
garota que não está no Face.
— Estamos falando de Nina Albuquerque,
Gancho. Ela não é uma garota, é o diabo
encarnado.
— É, pode crer. – Gancho observa as
estrelas piscantes do lado de fora da janela.
Bem que uma ideia poderia cair do céu nesse
exato momento. – A Nathi e a Lais nunca
contarão nada sobre a Nina para nós.
— Cara, você é tão esperto para umas
coisas e tão burro para outras.
— Do que está falando? – Gancho eleva o
tom de voz.
— A Nathi está caidinha por você, seu
otário. – Lex desliza para fora da cama e
bate com a mão espalmada na testa de
Gancho. – Só você ainda não percebeu isso.
— Como é? – Gancho engasga, soltando um
espirro quando Lex acende outro incenso. –
Porra, apaga isso!
— Esse é de camomila, para acalmar. – Lex
joga o isqueiro sobre a bancada,
displicentemente. – O fato é que a Nathi está
apaixonada por você e acho que ela contará
tudo o que queremos saber, se você largar de
ser um trouxa, obviamente.
— Tem certeza disso? Man, como eu não
percebi antes?
— É como eu disse: você é um otário.
Quinze: O quartel general de Bárbara
As Kibis estão reunidas no quarto de
Bárbara, a Kibi Mor.
Confesso, esse é um ambiente que eu não
imaginaria nem em mil anos. O quarto é corde-
rosa, daqueles enjoativos e
extremamente chatos. Barbies de
colecionador estão em pé sobre pedestais na
prateleira mais alta que, por uma escolha
infeliz na cartela de cores, é de um pink
berrante.
Eu diria que esse é um reduto de princesas
mimadas, daquelas que se acham as mais
belas entre as mortais. O dossel balança
quando Bárbara deita na cama, abraçando
uma almofada em formato de coração. A
mala rosa chiclete está aberta ao seu lado.
— Acho que está fazendo besteira, Babi. E
se o Lex acabar se apaixonando pela Nina? –
Suzana levanta a questão.
— Qual é. – Bárbara dá uma gargalhada
gutural. – Isso é impossível!
— Hum, não sei não. – Ana Paula abre o
saco de mini cenouras e puxa uma para fora,
roendo-a.
— Fiquem tranquilas, sei o que estou
fazendo. – Bárbara apanha algo na mala. É
uma câmera digital profissional, com o zoom
óptico mais potente do mercado. Alisa a
máquina com um olhar sombrio.
— Não vai nos contar qual é o plano? -
Suzana está curiosíssima.
Essas três amigas são daquelas que se
vestem da mesma forma, usam o mesmo
corte de cabelo e já planejam a lipoaspiração
e o silicone assim que completarem dezoito
anos.
Das três, Ana Paula é a única que não
nasceu com a genética boa e, com qualquer
alface a mais, costuma engordar. Por isso,
mantém uma dieta rígida, à base de frutas,
verduras e legumes. De vez em quando,
escondida de todos, come uma caixa de
chocolates sozinha.
Sempre que sofre de ataques de
compulsão, Ana coloca tudo para fora
minutos depois. Ninguém sabe sobre isso e
ela não contará, nem sob tortura. Seus
cabelos ao natural são castanhos, mas nem
mesmo ela se lembra da cor oficial. Hoje
estão tão loiros quanto os de Bárbara e
Suzana. Para que o contraste não seja
gritante, costuma descolorir as sobrancelhas
também.
Suzana é a única loira natural dentre as
três. Ainda assim, costuma ir ao salão a cada
quinze dias para retocar as mechas mais
claras. Não é alta, mas também não é baixa.
O corpo é esguio e apesar de não ter
facilidade para ganhar peso, prefere se
abster de comer. Coisa estranha.
Já Bárbara possui um corpo fenomenal. As
curvas são bem desenhadas e não sustentam
um buraco de celulite sequer. Malha duas
horas por dia, sete dias na semana. Para ela,
imagem é tudo.
Mas Bárbara não é o que chamaríamos de
mulher bonita. É um mulherão construído à
base de suor, truques de maquiagem e
plásticas faciais. Sabe aquela figura que se
destaca no meio da multidão? Aquela para
quem os pedreiros assobiam e os
motoqueiros quase se matam no trânsito?
Essa é Bárbara, a Kibi Mor.
— O plano é fotografar a vadia em cenas
calientes protagonizadas com Lex Heinrich. –
Bárbara sorri altiva, certa da vitória. – Darei
o troco a altura, tenham certeza disso.
— Como pensa em conseguir algo assim? –
Ana pega só mais uma cenoura. Qualquer
coisa, ela sempre pode vomitar.
— Teremos sete dias para isso na ilha e o
Lex está disposto a ajudar. – Bárbara alisa a
câmera como se fosse um bichinho de
estimação.
— Isso é demais até para o Lex. – Suzana
mira Bárbara, com um tom preocupado. –
Acha mesmo que ele levará isso adiante?
— Dará certo, vocês vão ver. – Bárbara se
levanta e inicia a arrumação da imensa
necessaire.
— Algo me diz que você nunca vai parar de
chantagear o Lex, estou enganada? – Ana
fecha o pacote de mini cenouras e o joga
para Suzana. – Mantenha essas cenouras
longe de mim!
Com um sorriso maligno, Bárbara gira no
salto alto e encara as amigas. Seus olhos
castanhos se estreitam de forma
assustadora:
— Esse vídeo do Lex surgiu no momento
perfeito. Nos vingaremos da vagaba da Nina
e de quebra, conseguirei meu namorado de
volta.
Dezesseis: Um dia para a viagem de
formatura
Nina está de malas prontas.
Ajeita a bainha de tule do vestido preto e
calça as sapatilhas coloridas com strass.
Nathália e Lais aguardam no andar de baixo,
na companhia de Doc e sua turma
barulhenta.
A galera toda irá na inauguração do
Aquarium, uma boate na Vila Olímpia, em
que um dos sócios é amigo de Doc. Os
convites para a ala VIP foram disputados à
tapa e o irmão de Nina conseguiu dez deles,
na faixa.
A garota borrifa o perfume nos pulsos e
também atrás das orelhas. Dá uma última
olhada no espelho antes de descer para
encontrar as amigas.
Os pais de Nina foram ao cinema e a turma
de Doc está espalhada nos sofás e sobre a
bancada de mármore travertino da cozinha.
Várias latas de cerveja se empilham na pia e
sacos de amendoim e batatas fritas estão
abertos sobre as mesinhas de apoio.
Lais e Doc conversam num canto, próximos
demais. Nina os encara com curiosidade. Já
tinha percebido um clima, mas não faz ideia
do que esteja rolando entre esses dois.
— Pronta? – Nathi dá um pulinho ao ver
Nina. – Uau, Nina, esse vestido é um arraso.
— O seu também. – Nathália está usando
um vestido azul de alça única, na altura dos
joelhos, de um tecido bem estruturado. O
rabo de cavalo foi feito bem alto e algumas
mechas castanhas escapam, emoldurando
seu rosto cheio de sardinhas fofas.
— Todo mundo por aqui? Podemos ir? – Doc
recolhe os sacos de salgadinhos espalhados.
Nina observa Lais que permanece recostada
na parede, no outro canto da sala. A amiga
está deslumbrante num vestido estilo
indiano, com a cintura marcada por um cinto
de camurça. Um imenso colar prateado pende
de seu pescoço e nos pés, chinelos com
miçangas pretas. O cabelo avermelhado, bem
batido na nuca, sustenta duas presilhas
laterais que prendem a franja. Nina nota que
Lais está usando o bracelete de níquel
envelhecido que compraram juntas, na feira
de antiguidades da praça Benedito Calixto,
na Vila Madalena.
— É impressão minha ou a Lais e o Doc
estão…? – Nina se vira para Nathi e não
termina a frase.
— É, eu também percebi um clima. –
Nathália balança a cabeça em concordância.
— Hum. Acha que devemos perguntar?
— Deixe ela nos contar. – Nathi tira um fio
de cabelo do vestido de Nina. –Não ficaria
chateada?
— Por que eu ficaria chateada? – Nina
franze o cenho, confusa.
— Sei lá, é seu irmão e sua amiga. – Nathi
dá de ombros. – Não que isso seja grande
coisa, não é traição nem nada.
— Eu acharia muito legal, de verdade.
~~***~~
O quarteirão do Aquarium está tomado por
carros de todas as marcas e modelos. Com
isso, é óbvio que o trânsito está um caos.
Uma imensa fila se forma do lado de fora da
boate e a maioria das pessoas não faz nem
ideia de que sem um convite, nada feito.
As três amigas caminham juntas, de braços
dados, vencendo os dois quarteirões que
separam o único estacionamento com vagas
da entrada do Aquarium. Lais não toca no
assunto Doc. Nina e Nathi fingem não terem
visto nada.
Doc e sua turma vem logo atrás e como
todo bando de garotos, começam a se bater e
empurrar a caminho da danceteria. Nesse
interim, uma Pajero recheada de meninas
surtadas para ao lado dos garotos. Doc dá
trela e Lais fecha a cara no mesmo instante.
Nina sente as unhas da amiga fincarem em
seu braço com força.
— Ei, não precisa arrancar a minha pele. –
Nina estremece e Lais se sobressalta.
— O quê?
— O que está rolando entre você e meu
irmão? – droga, Nina tinha prometido a si
mesma não perguntar.
— Nada. – Lais olha de esguelha para trás.
Seus olhos azuis ficam opacos quando veem
Doc e sua turma se derretendo para cima das
meninas da Pajero.
— Por sua causa ou por causa dele? – Nathi
se mete no assunto.
— Não está rolando nada, é sério. – Lais
suspira tristemente.
— Se um dia rolar, saiba que dou todo o
apoio. – Nina sente o aperto de Lais afrouxar
de seu braço.
— Obrigada, Nina. Mas é como eu disse:
Não está rolando nada.
Finalmente chegam à entrada da boate e
Doc e os caras se livram das garotas
oferecidas, para alívio de Lais. Pepino saca os
convites do bolso e entrega ao segurança. O
engravatado confere a autenticidade dos
mesmos e libera a entrada, carimbando os
pulsos com uma tinta néon.
O Aquarium, como o próprio nome diz, é
um imenso aquário, repleto de plantas
aquáticas e animais marinhos diversificados.
A danceteria é circular e cercada por paredes
de vidro curvas, que tomam toda a extensão
do lugar.
Nina fica boquiaberta quando vê uma
imensa arraia flutuando sobre sua cabeça,
ainda não tinha percebido que o aquário
também se estende por todo o teto da boate.
As garotas seguem Doc por um corredor
largo, no ponto mais alto do Aquarium. É o
único acesso para a ala VIP que não está
congestionado. A outra opção seria pelo meio
da pista de dança que, no momento, está
abarrotada de cabeças saltitantes.
A música techno rola solta em meio aos
efeitos especiais que vem de todos os cantos
imagináveis. Uma névoa colorida sobe pelo
chão, abraçando as pessoas até a cintura.
A ala VIP está bem mais tranquila, com
seus sofás imensos, mesas largas, um bar
privativo e garçons circulando com bandejas
repletas de bebidas coloridas. Nina aproximase
do parapeito de aço e dá uma sacada no
lugar. O Aquarium é simplesmente
fenomenal.
— Animada para a viagem de formatura? –
Doc precisa falar alto para se fazer ouvir.
— Acho que será legal. – Nina responde, ao
pé do ouvido do irmão.
— Está finalmente deixando a adolescência
para trás, Nina. É agora que a ralação
começa e a vida adulta vai massacrar você de
todas as formas.
— Ah, obrigada pelo incentivo! – Nina dá
um tapa no ombro de Doc.
— Já sabe o que fazer caso algum
engraçadinho resolva se meter a besta nessa
viagem? – Doc pergunta, vincando a testa.
— Joelhada nas bolas, soco no nariz e… o
que mais mesmo?
— Acerte no pomo de adão.
— Ok, fique tranquilo, ninguém vai se
meter a besta comigo.
— Ei, Nina, vamos para a pista? – Nathália
chama. Nina percebe que Doc e Lais trocam
olhares demorados e uma urgência em
ajudar inflama a garota.
— Vamos, Doc? – Nina convida, deixando a
bolsa sobre um dos sofás.
— Vamos para a pista, galeraaaaa?! – Doc
grita e Nina revira os olhos, tapando os
ouvidos.
~~***~~
Chegar à pista é uma maratona suada,
apertada e acotovelante. Com alguns
empurrões, os amigos de Doc conseguem
abrir espaço para dançar.
O olhar de Nina é atraído para cima a todo
o momento, o colorido do aquário sobre sua
cabeça é inebriante.
Gente bonita e suada pula ao som do DJ.
Nina corre os olhos pela pista, observando
rostos descontraídos e maquiagens
escorrendo. Não é do tipo que curte baladas
como essa, mas adora uma novidade. Ela não
perderia essa inauguração por nada.
Quatro músicas depois e a garganta
queima, ressequida. Voltar à ala VIP está
fora de cogitação. O bar mais próximo fica a
uns seis metros de onde estão. Grita nos
ouvidos de Nathália e Lais, doida por
qualquer coisa líquida. As amigas concordam,
seguindo na frente.
— Onde vão? – Doc pergunta.
— Pegar água. Quer? – ela oferece, por
sobre o ombro.
— Não, valeu. Já sabe, hein… pomo de
adão. – Doc recomenda.
— Pode deixar. – Nina ri e segue para o
bar.
Passar entre pessoas pulantes e bêbadas
não é tarefa das mais fáceis. Nina desvia, tira
o pé do caminho, é empurrada e empurra
também. O lugar está claustrofóbico e a boca
de Nina está tão seca que nem a língua é
capaz de umedecer os lábios.
Uma mão toca em seu ombro e a puxa para
trás.
— Ei, pensei que sereias não existissem. –
um garoto sardento e até bem bonitinho
exclama. Mas a cantada é tão demodê que
Nina dispara a rir.
— Sereias costumam afogar garotos como
você, sabia? – ela rebate.
— Faria isso comigo, sereia? Qual o seu
nome, hein?
— Se eu disser o meu nome, terei que te
matar. – Nina tenta se desvencilhar, mas o
garoto sardento aperta seu braço com força.
– Será que dá para me soltar?
— Pague o pedágio que eu solto. É só um
beijo, você vai gostar.
Quando o garoto sardento aproxima-se
perigosamente, uma mão forte surge em
cena, agarrando Nina pela cintura.
Ok, congelemos o momento para uma
análise mais profunda.
São Paulo é uma cidade gigantesca e as
chances de encontrar alguém conhecido
numa balada são nulas, correto? Engano seu.
Apesar de Sampa ser uma megalópole, as
baladas são sempre as mesmas, divididas em
bairros, classes sociais e estilos. As chances
de encontrar alguém conhecido numa
inauguração desse porte são imensas. Nem
vou entrar nos méritos do destino em ação,
porque sei lá, tem isso também.
Descongelemos o momento em 3, 2, 1…
— Dá o fora, mané! – Lex empurra o
sardento.
— Não me disse que estava acompanhada,
sereia. – o garoto fecha a cara e solta Nina.
— E não estou! – o tom dela é agressivo,
metralha Lex com um olhar irado.
— Nesse caso, dê o fora você, manezão! –
o sardento vira homem, pega o braço de Nina
e a puxa para si.
O sangue de Lex sobe nas alturas e ele
empurra novamente o sardento, com mais
força dessa vez. Nina nota que Gancho se
aproxima. O sardento quer briga e Lex
parece querer o mesmo. Ela está entre eles e
resolve apaziguar os ânimos.
— Pare com isso, Lex! – Nina precisa gritar
ao pé do ouvido do garoto, o que se mostra
uma péssima ideia. O aroma dele é uma
mistura de mistério e sedução que faz suas
pernas bambearem.
— Dê o fora, eu já falei! – Lex fecha o
punho no colarinho do sardento.
— Ei, ei, ei! – Gancho finalmente chega. –
Vamos deixar disso, beleza? – Gancho é da
turma do “deixa disso”, mas, quando
provocado, é da turma do “vamos matar todo
mundo”. – Leve a Nina daqui, Lex!
— Não vou com você a lugar algum! – Nina
tenta se livrar de Lex, mas o garoto é mais
forte. E da forma como ele a está abraçando
no momento, nem joelhada, nem soco, nem
pomo de adão surtirão efeito.
Nina procura as amigas no meio da muvuca
e as encontra. O bar fica um nível acima e
ambas estão acompanhando o que está
acontecendo na pista de dança, atônitas. Lais
levanta as duas mãos para o teto, não
entendendo nadinha do que está rolando.
— Ande logo, sem reclamar. – Lex passa
Nina à frente, prendendo-a como se fosse um
escudo protetor, obrigando-a a andar em
direção ao bar.
— Me solte, Lex!
— Quietinha, Nina, ou não ganha sorvete.
– Lex sussurra em seus ouvidos e ela sente o
hálito de Mentos de frutas do garoto. Mentos
de frutas é golpe baixo.
— Isso não vai ficar assim!
— Já disse, fique quietinha.
— Me larga! – ela grita e cerra os punhos.
— Pronto, sã e salva. – Lex finalmente
afrouxa e Nina gira sobre as sapatilhas,
pronta para socá-lo. Mas algo a detém. Os
olhos dele, tão dourados quanto o sol. Tão
brilhantes como lavas de um vulcão em
erupção.
— Eu sei me defender sozinha! – ela
exclama, inflamada de ódio.
— Eu vi. – Lex debocha.
— E aí, galera! – Gancho chega num pulo e
passa o braço sobre ombros de Lex.
— Deu um jeito no sardento? – ele
pergunta, sem desviar os olhos de Nina.
— O cara vai ficar sussa. – Gancho elucida,
soprando a franja para cima.
— Oi, Gancho. – se Nathi fosse uma
geleira, já estaria derretida no chão.
— Oi, Nathi, oi, Lais. – Gancho
cumprimenta.
— Pegaram água? – Nina sustenta o olhar
de Lex com sua famosa expressão “vou matar
você” impressa no rosto.
— Pegamos. – Lais responde. – Vamos
voltar para a pista?
— Fique longe de mim, Lex, eu estou
falando sério. – quando Nina tromba no
ombro dele ao abrir passagem, o garoto
sussurra em seu ouvido:
— Alguém já disse que você fica linda de
preto?
Nina não se dá ao trabalho de responder.
Range os dentes e continua a caminhar, sem
olhar para trás.
Dezessete: O jogo começa no Aquarium
As amigas estão dançando lado a lado,
embaladas pelo ritmo frenético da batida
eletrônica. O olhar de Nina se perde lá no
teto, acompanhando um peixinho amarelo se
esgueirar entre as folhagens. Como ele é
fofinho.
— O que aconteceu lá atrás? – Nathi
pergunta, aos gritos.
— Um babaca queria me beijar. – Nina
grita em resposta, sem tirar os olhos do
peixinho.
— E o Lex chegou para salvar você? – a
amiga surta.
— Menos, Nathi. Menos. – Nina revira os
olhos, sacudindo a cabeça e voltando a
atenção para o peixe que agora xereta uma
pedra lodosa.
Gancho chega sem aviso, tomando uma das
mãos de Nathália, puxando-a para dançar
com ele. Só então Nina percebe que do seu
lado direito, Doc e Lais estão dançando
juntos, tão colados que ela não sabe precisar
onde começa um e termina o outro.
— Oi, Nina. – Lex chega por trás. Seu
sussurro aos ouvidos é quente e deixa
rastros, arrepiando-a.
— Tchau, Lex. – Nina dispara, sem parar de
dançar e sem olhar para trás.
— Como tchau? Acabei de chegar. – Lex
acompanha Nina com o corpo, para lá e para
cá, tomando o cuidado de não tocá-la. Ela
prende a respiração por alguns segundos
antes de dar o aviso:
— Não se aproxime mais ou vou soltar o
pitbull do meu irmão em cima de você.
— Quem é o seu irmão?
— Bem ali. – ela aponta na direção de Doc
e Lais.
— Hum, acho que seu irmão está ocupado
demais. – o nariz de Lex toca o pescoço de
Nina, inalando-a profundamente. – Cara, que
perfume está usando?
— Lex, se manda. – Nina volta seu olhar
para o aquário sob o teto. E o que acaba de
ver é o peixinho amarelinho fofinho sendo
devorado por um peixe com o quíntuplo do
tamanho. A natureza pode ser muito cruel.
— Me diga o nome do perfume e eu me
mando. – Lex, ainda às costas de Nina,
encosta os lábios nos cabelos dela,
prendendo-a pela cintura.
Nina bufa, irritada. Sofrendo pelo peixe
amarelo, gira nos calcanhares para encarar
Lex. Aquele sorriso debochado está firme em
seus lábios rosados e bem desenhados.
— Tire as patas de mim, a aposta só
começa amanhã. – ela cerra os punhos e
soca os braços de Lex. Ele a solta, mas não
recua.
— Só quero saber o nome do perfume. –
ele tomba a cabeça de lado, exalando seu
charme característico.
— Hipnose. Está satisfeito? – os braços de
Nina tombam ao lado do corpo, vencidos. Ser
uma muralha o tempo inteiro cansa, é muita
energia despendida.
O risinho debochado de Lex dá lugar a um
sorriso lateral, desses em que apenas um dos
cantos do lábio se erguem. Aproxima-se,
vagarosamente, seus olhos dentro dos de
Nina, os narizes quase se tocando.
A garota não se move, não ainda.
Lex mira aquela boca volumosa e por um
momento, Nina sente vontade de fechar os
olhos, as pálpebras custam a obedecer ao
simples comando para permanecerem
abertas.
A barba por fazer de Lex pinica a pele
levemente e seus lábios roçam à orelha
direita dela. Nina estremece com a
aproximação, mas não age impulsivamente.
Aguarda.
Sente o calor de Lex envolvendo-a, inala
seu inebriante perfume, seus corpos
próximos demais. Ele a inspira novamente e
deixa um gemido escapar da garganta. Num
sussurro melodioso, quente e destemido, Lex
anuncia:
— Conseguiu o seu intento, Nina. Estou
completamente hipnotizado por você.
Punhos cerrados.
Sangue fervendo.
Dentes trincados.
Respiração alterada.
Uma joelhada nas bolas.
E, com passos para lá de decididos, Nina
caminha de volta para a ala VIP.
Dezoito: No avião
Depois da cena deprimente em que Nina
acerta Lex entre as pernas, de novo, os dois
não voltaram a se cruzar fisicamente no
Aquarium.
Ela o observou à distância e trocaram
olhares durante a noite. Mas algo estranho
aconteceu quando Nina, dependurada no
parapeito da ala VIP, viu duas garotas se
aproximarem de Lex. Ele estava sozinho no
bar.
Gancho e Nathi ainda dançavam no meio
da pista. Lais e Doc estavam em um canto,
agarrando-se no maior dos amassos. Ela
jurou ter visto a língua de seu irmão, mesmo
daquela distância. Eca. Mil vezes eca.
Mas o lance é que Nina, ao se deparar com
a cena em que Lex e as duas garotas
engataram uma conversa animada, fincou os
dentes no lábio, agarrando-se fortemente ao
aço gelado que a separava da pista lá
embaixo. O que estava acontecendo com ela,
afinal?
Foi então que dois garotos da turma de Lex
chegaram e Nina sentiu um estranho alívio.
Por que ela se importava? Por que seu
coração batia de forma descompassada?
Nina fingia estar olhando para outro lugar,
mas definitivamente ela não estava. De
esguelha, a garota acompanhava todos os
movimentos de Lex enquanto o tempo se
arrastava, cansado de correr.
Num determinado momento da noite, Lex a
mirou, descaradamente. Sorriu abertamente
sacando algo do bolso da calça. Era um
celular.
Segundos depois, o iPhone de Nina que
estava sobre a bolsa vibrou, saltitante. Ela o
pescou, deslizando o indicador sobre a tela.
Uma mensagem de texto havia acabado de
chegar. Quando a abriu, precisou segurar o
riso. Uma carinha feliz piscava um dos olhos
para ela, incansavelmente. Nathi tinha toda a
razão sobre Lex: o cara é um sedutor de
primeira.
~~***~~
O aeroporto de Congonhas já não
comporta, faz muito tempo, o fluxo de
pessoas que por ele passam. O check in está
lotado e os estudantes fazem fila para
despacharem suas bagagens.
Nina, Lais e Nathália despedem-se dos pais,
ouvem sermões e pedidos incessantes para
que tomem cuidado com tudo e com todos.
Quem vive em cidades grandes costuma
temer a própria sombra. E no caso de Nina,
as preocupações dos pais não são nada
infundadas.
As garotas prometem mundos e fundos.
Lais procura, por sobre os ombros de Nina,
algum sinal de Doc. Mas ele não está ali, não
veio se despedir.
— O Doc estava dormindo quando saímos.
– Nina esclarece.
— Tudo bem. – Lais morde o lábio,
entristecida. – Não pensei mesmo que ele
fosse aparecer.
— Meu irmão é um cara legal, Lais. Se
vocês engatarem algo sério, juro que ele será
fiel até o fim.
— Bem, foram só uns beijos, nada demais.
– Lais tenta se convencer disso, mas o fato é
que a garota está de quatro.
— Não sofra por antecipação. – Nina
conforta a amiga.
— Olha quem fala!
— Faça o que eu digo, mas não faça o que
eu faço. O ditado é válido. – Nina passa o
braço sobre os ombros de Lais e as duas se
juntam a Nathália. ~~***~~
Trinta e quatro estudantes e dois
professores acabam de completar o check in.
O diretor está atento a tudo, enquanto
responde a mesma pergunta feita por quinze
pais diferentes desde que chegou ao
aeroporto.
Quando termina de atender a todos, volta
seu olhar para o encrenqueiro Fabiano, o
Bola. O garoto é mestre em armar confusões
nos locais mais inusitados. Os professores já
estão avisados e o diretor nem imagina do
que ele será capaz em um local isolado como
a Ilha Inamorata. Se eu fosse esse diretor,
teria dado uma de alfândega, revistando a
bagagem do garoto com cachorros,
detectores de explosivos e tudo o mais.
Enfim, o diretor não pensou nisso. Pior para
ele.
Nina caminha, de braços dados com os pais,
até as portas que a levarão ao embarque
doméstico de Congonhas. Mais beijos e
abraços e quando ela finalmente cruza o
portal, a liberdade é uma promessa
convidativa. Essa é a primeira vez que ela
viaja sem os pais ou o irmão mais velho.
No colégio em que estudava, viagens assim
foram proibidas quando um garoto explodiu o
banheiro de um hotel. Nem posso dizer isso
em voz alta, para não dar ideias ao Bola.
Uma voz metálica surge dos auto falantes,
anunciando que o embarque do voo de
número 711 terá início imediato. Trinta e
quatro estudantes sorriem. Dois professores
tremem nas bases. ~~***~~
O avião já está no ar há uma hora e meia.
Nina joga Mário no Nintendo 3DS. Lais
quebra a cabeça com o sudoku no celular.
Nathália lê um livro de novecentas e doze
páginas, avançando rapidamente na história.
Aviões são tão claustrofóbicos como latas
de sardinha e o humor de Nina começa a
oscilar. Não suporta ficar parada, é como se
formigas mordessem a sua bunda. Desliga o
vídeo-game e se levanta, doida para esticar o
corpo todo. As amigas nem percebem, de tão
entretidas que estão em seus afazeres.
— Se você se apaixonar por mim, saiba que
não poderei lhe dar filhos. – Lex tem essa
irritante mania de chegar por trás,
sussurrando no cangote.
Nina gira nos calcanhares e seus olhos
esverdeados se encontram com os raios
solares de Lex. A garota sente um
desconforto no estômago e não é enjoo.
— Não bati tão forte assim. – ela franze os
lábios, levando as mãos à cintura.
— Você não faz ideia da força que tem.
— Se é assim, por que ainda está parado aí
na minha frente? – Nina estufa o peito e
lança seu melhor olhar fuzilante .
— Ops. Já estou indo. – Lex cruza as mãos
à frente do corpo, como jogadores de futebol
fazem ao montar uma barreira.
Nina não vê, mas eu vejo. Alguns bancos
atrás, Bárbara imagina-se com uma granada
em mãos, prestes a tirar o pino e jogar a
bomba em direção à garota. A Kibi Mor rosna
baixo quando Lex passa por ela, sustentando
um sorriso debochado nos lábios. As palavras
de Suzana ecooam em sua mente: “E se o
Lex acabar se apaixonando pela Nina?”. Não,
isso não pode acontecer. Não vai acontecer!
A caneta que Bárbara segura com as duas
mãos se quebra ao meio, espalhando a tinta
entre os dedos. Joga as duas metades no
chão, desistindo de completar o teste
amoroso da revista de fofocas. Suzana e Ana
Paula se entreolham, assustadas. Vem
chumbo grosso por aí.
Dezenove: No ônibus
Duas horas depois do desembarque,
finalmente o ônibus está pronto para deixar o
aeroporto a caminho da balsa. Nathi e Lais
sentaram-se juntas e quando Nina ameaçou
sentar-se com Camila, Lex a empurrou para
o banco de trás.
Ele praticamente a jogou em direção à
janela fechando a passagem. Para sair dali,
Nina teria que pular por cima dele, o que
estava fora de cogitação. Até pensou em
gritar, mas os professores já estavam
irritados demais com a zona, não seria
prudente.
— Você me paga, Lex. – Nina murmura,
num rosnado selvagem.
— Relaxe e curta a paisagem. – Lex
entrelaça os dedos atrás da cabeça, o
sorrisinho debochado já se desenhando
naquele rosto de traços perfeitos e perigosos.
Ela bufa e cruza os braços, deitando a
cabeça no vidro. Lex se esparrama ao lado,
invadindo o seu espaço. Nina aperta a
mandíbula com força e tenta se afastar.
Impossível. A perna do garoto roça na sua de
forma irritante.
Nina então cruza as pernas, colando-as na
lateral do ônibus. Escuta a risadinha abafada
de Lex e tem muita vontade de pular no
pescoço do cara e asfixiá-lo.
— A aposta ainda não está valendo, seu
babaca. – Nina insulta, furiosa.
— Eu sei. – Lex fecha os olhos e a inspira,
como fez na boate. – Você me hipnotizou,
agora aguente.
Nina sente um ardor subir pelas costas,
mas não tem nada a ver com calor. O ar
condicionado está bem acima de sua cabeça,
lançando jatos gelados em sua direção. Lex
se remexe, espalhando-se ainda mais. Está
tentando provocá-la, mas ela não cairá no
jogo.
Gancho se aproxima, com um violão em
mãos. O ônibus dá uma sacudidela e o garoto
precisa se segurar para não cair.
— Ei, Lex, meu camarada, toque algo para
nós. Ainda temos uma hora dentro desse
busão.
— Manda aí. – Lex estende a mão e Gancho
lhe passa o violão.
— Toque algo para agitar essa galera. O
que querem ouvir? – Gancho pergunta, aos
gritos.
— Heavy metal! – alguém dos fundos
responde.
— Num violão? Tá chapado? – Gancho
revira os olhos.
— Classic rock!
— Aí já começa a melhorar. – Gancho
concorda, num meneio de cabeça.
— Pagode!
Nem preciso dizer que quem grita essa
barbaridade é o Bola, preciso? Gancho nem
tem o trabalho de responder. Vários papéis
amassados voam pelos ares, acertando o
gordinho encrenqueiro.
Nina não tira os olhos da estrada. Árvores
passam, lagos passam, carros passam, o
asfalto corre para lugar algum. De rabo de
olho ela nota que Lex a encara,
insistentemente.
— O que foi? – ela metralha.
— O que quer ouvir? – Lex está afinando as
cordas do violão.
— Quero ouvir você dizer que vai desistir
da aposta.
— Hum… peça algo possível, Nina. – ele faz
uma pausa. – Qual sua banda preferida?
— Não interessa.
— Quero tocar algo para você. – Lex tomba
a cabeça de lado, falando de forma mansa, só
para irritá-la ainda mais. – Peça uma música,
qualquer uma.
— Não quero ouvir você cantar. – ela
rosna, entredentes.
— Vai, Nina, qual sua banda preferida?
Você deve ter uma.
Nathália, incrivelmente irritada com o bate
boca entre Nina e Lex, tira os olhos do livro e
grita, sem olhar para trás:
— Creedence! A Nina curte Creedence, pô!
Agora será que dá para vocês dois calarem a
boca?
— Valeu, Nathi! – Lex comemora. –
Creedence Clearwater Revival. Quem diria,
não? Você tem bom gosto.
— Seu tosco. – Nina gira a cabeça com
raiva, seus cabelos acertando o rosto de Lex.
— Anda logo com isso, Lex, ou a galera vai
destruir o busão antes de chegarmos na
balsa. – a emergência no tom de Gancho faz
o garoto se levantar. Apesar dos gritos
insistentes dos professores, Bola continua a
ser atacado por uma enxurrada de papéis
amassados e chicletes mastigados.
Lex coloca os pés no banco e se senta no
braço da poltrona, um tanto torto. Ajeita o
violão da melhor maneira, testando o som.
— Ok, pessoas, essa música eu dedico a
Nina, a garota selvagem. – quando Lex
profere essas palavras, a galera vai ao delírio
e o ônibus sacode ameaçadoramente. Os
professores voltam a gritar e a turma se cala,
mas não por causa dos gritos professorais e
sim pelos acordes de Lex.
Nina engole lavas no lugar da saliva. Sente
uma vontade imensa de pegar o violão das
mãos dele e quebrá-lo em sua linda cabeça
de cabelos cacheados. Antes que possa dar
cabo de seu desejo inflamado, a voz de Lex
invade seus ouvidos, fazendo com que seu
coração pare por um instante.
Meu Deus, a voz do cara é perfeita!
Rouca, grave, sublime. Se Nina não
soubesse que era Lex quem cantava
“Fortunate Son”, poderia jurar estar ouvindo
o próprio John Fogerty. Ela não consegue se
conter e olha para o cara.
Os dedos do garoto deslizam pelas cordas,
tão suaves, envolvendo os fios como se
estivessem acariciando o instrumento. Lex
parece estar possuído por uma força mágica,
mística, invisível. Se Nina pudesse ver auras,
estaria vendo a de Lex se expandir nesse
exato momento. Tão à vontade, inteiro,
divino.
A forma como ele joga os cabelos
encaracolados para trás, a maneira como
segura o violão, o jeito com que mexe os
lábios…
Lex empolga a galera e quem conhece a
letra, canta com ele, as vozes se fundindo
numa só.
Os olhos de Nina não querem se desviar da
cena, as pálpebras não estão a fim nem de
piscar. Os ouvidos querem escutar mais e
mais e mais. Completamente hipnotizada, é o
que ela está.
Que droga, pensa Nina. Vencer essa aposta
será mais difícil do que ela imaginava.
~~***~~
Boa parte da turma já desceu do ônibus a
caminho da balsa. Nathália e Lais pegam as
malas de mão no bagageiro acima de suas
cabeças. Nina tenta fazer o mesmo e, ainda
que na ponta dos pés, não consegue alcançar
a raqueteira lá no fundo. Quando faz menção
em subir no banco, Lex a breca.
— Deixe que eu pego. – com vários
centímetros a mais, ele pesca a alça da bolsa
facilmente.
— Eu posso me virar. – ela rebate,
visivelmente enfurecida pela ajuda.
— Largue de ser orgulhosa. – ele puxa a
raqueteira e comenta: – Hum, você joga
tênis?
— Eu não jogo, eu humilho! – Nina, em sua
arrogância típica, arranca a raqueteira das
mãos de Lex.
— É sério? Bom, nesse caso, eu desafio
você para uma partida de gente grande.
Quem ainda está dentro do ônibus não se
contém ao ouvir o desafio. Gancho, após
soprar a franja para cima, solta o famoso
grito de guerra:
— Apostaaaaaa!
Se as pessoas pegassem fogo ao seu bel
prazer, o ônibus teria ido pelos ares nesse
momento. Quem está do lado de fora, corre
para dentro. Quem está dentro, não sairá
nem a pau dali.
— Está me desafiando, Lex? Perdeu a
noção? – Nina o encara, destemida.
— Você disse que humilha no tênis, então,
qual é o problema? – Lex escancara um
sorriso debochado, sua marca registrada.
— Não sabe onde está se metendo. – ela
estreita o olhar. – Vou acabar com você.
— Aposto que não. – Lex cruza os braços e
lança uma piscadela no ar.
— O que vão apostar? – Bola pergunta
acima do murmurinho, limpando o resto de
chocolate dos cantos da boca.
— É! O que vão apostar?
— Tem que ser algo quente!
— Aposta aí, Nina!
— Vai mesmo se arriscar? – Nina empina o
nariz, numa superioridade intrépida.
— Adoro me arriscar. – Lex revida, num
tom sedutor daqueles abrasadores.
— Já que é assim, se eu vencer o jogo você
corta os pulsos, que tal? – Nina replica.
— Poxa, peça algo que não envolva a
minha morte.
— Ok, deixe eu pensar… hum, certo. Se eu
ganhar, você será meu escravo por um dia
inteirinho. O que acha disso? – Nina arranca
gritos estimulantes da turma.
— Seu escravo? Um dia inteiro? – Lex finge
pesar a aposta. – Muito bem, se você vencer,
serei seu escravo, farei tudo o que mandar.
— Aêêêêêêêêêêêêêêêê! – a manifestação
dos estudantes arranha os ouvidos.
— E se o Lex vencer? – Gancho fixa Nina
com o olhar, por cima dos ombros do amigo.
— Ele pode pedir o que quiser, porque esse
jogo eu já ganhei. – Nina mantém uma
postura triunfante.
Antes de responder, Lex umedece os lábios,
deixando a expectativa no ar. O cérebro do
cara pensa rápido e seus lábios repuxam para
os lados com a brilhante ideia. Talvez ele
leve um soco. Ou um chute. Ou as duas
coisas.
— Se eu vencer, você vai me beijar. De
língua. Por um minuto. Contados no relógio.
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!
É isso o que todos gritam ao ouvir a
proposta de Lex. Nathi e Lais se entreolham,
perplexas. Gancho dá tapas no ombro do
amigo, empolgadíssimo. Será que Nina
aceitará?
— Como você é babaca. – ela bufa e
estende a mão. – Negócio fechado.
Vinte: Na balsa
É óbvio que o assunto em todas as
panelinhas formadas na balsa é a nova
aposta do momento. Lex e Nina se
enfrentarão amanhã, num jogo de tênis de
vida ou morte.
A garota está tranquila, certa da vitória.
Nathi e Lais estão temerosas e cercam a
amiga na proa, com os olhares arregalados.
— O que foi que você fez? Acha mesmo que
pode vencer o Lex? – Nathi se enfeza com a
frieza de Nina.
— Você cavou a sua sepultura. O Lex é
campeão paulista de tênis. – Lais alisa a
franja cor de fogo para trás, abalada com a
calma da amiga.
— E daí? Sou campeã interestadual. – Nina
dá de ombros, inclinando o corpo para a
frente, apoiando os cotovelos no parapeito da
embarcação. Seus cabelos castanhos voam
com o vento, emaranhando-se.
— Tá, mas o Lex é homem. Ele é mais forte
e mais rápido. – Nathália pondera. –
Caramba, Nina, essa aposta já está perdida.
— Ninguém é mais rápido do que a Nina na
quadra. – Lais parte em defesa da amiga. –
Quanto a ser mais forte, nisso você tem
razão, Nathi. Ainda mais o Lex, com aqueles
músculos saltados.
— Tênis não é nem força, nem velocidade.
É estratégia. – Nina bate com o indicador na
têmpora. – Eu vencerei, fiquem tranquilas.
— Droga, Nina, e se você perder? Já
pensou na humilhação? Essa galera não
perdoa. – Nathi recosta no parapeito,
contrariada.
— Como não vou perder, nem pensarei
nisso. E fim de papo.
~~***~~
Na popa da balsa, os garotos estão reunidos
em um círculo bem fechado. Até a brisa foi
proibida de entrar. Gancho toma a palavra,
inclinando-se para frente como se fosse
contar um segredo:
— Galera, finalmente as apostas terão
início. São quatro no total. – ele puxa o
celular do bolso e começa a leitura. – Nando
versus Camila. – Nando faz sinal de positivo.
– Edgard versus Suzana. – Edgard assente. –
Hulk versus Ana Paula. – Hulk solta um
rugido contido. – E a grande aposta do ano:
Lex versus Nina.
Lex meneia a cabeça, negativamente.
— O que foi, man? – Gancho une as
sobrancelhas.
— São cinco apostas no total, Cabeção.
— Ah, claro. O jogo de tênis. – Gancho bate
com a mão espalmada na testa.
— Não é dessa aposta que o Lex está
falando. – Bola intervém.
— E de qual aposta ele está falando? –
Gancho mira Lex, aguardando que o amigo
se manifeste.
— Gancho versus Nathália! – é Hulk quem
elucida a questão.
— Vocês estão de sacanagem? – Gancho
recua dois passos, cambaleante. – Eu não
apostei nada!
— Mas nós apostamos. – Bola dá uma
risadinha irônica, balançando a cabeça como
um rapper em processo criativo. – E outra, a
Nathi está gamadona em você. Essa aposta
vai ser moleza.
— Seu bando de otários! – Gancho fecha a
cara, irritado. – Não vale!
— Já era, Cabeçudo, a aposta está valendo.
~~***~~
Terra à vista!
Uau. Mil vezes uau. O folheto publicitário
não fez jus a esse lugar. As três amigas estão
boquiabertas, assim como todos os
estudantes do Prisma. Lex perde o ar e
Gancho tira o celular do bolso, fotografando
todos os ângulos de visão.
Deixe eu acotovelar essa galera para me
posicionar melhor.
Ah, agora sim. Vamos começar com a
descrição do mar: hoje as águas estão
calmas, de um azul tão claro e cristalino que
é possível ver os peixes e as tartarugas
abrindo espaço para a embarcação passar.
De uma ponta a outra, a praia Inamorata
deve ter em torno de dois quilômetros, ou
seja, é praticamente um reduto particular. As
areias são brancas e fofas, num contraste
perfeito com os imensos coqueiros que
arranham o céu.
Recifes de corais se espalham pelos cantos
e rochas gigantescas, talhadas pelas ondas,
despontam para fora d’água.
Por detrás das árvores, é possível ver a
entrada do Hotel Inamorata e sua absurda e
estonteante piscina com duas cascatas. O
hotel cinco estrelas possui portas e janelas
imensas, com os batentes pintados em um
vermelho queimado. As paredes são brancas
como as areias e o colorido fica por conta dos
diversos jardins, que sustentam flores
multicoloridas.
Três elevações tomadas por um tapete
verde podem ser vistas da balsa e a natureza
inspira uma única certeza nesses estudantes:
essa será a melhor viagem de formatura de
que o Colégio Prisma já teve notícia.
O píer se aproxima. Sobre ele, monitores
do hotel acenam para a balsa, vestindo
camisas floridas. Gancho puxa Lex para um
canto. O amigo o segue, a contragosto.
— O que é, Cabeçudo? – Lex pergunta,
arrancando a camiseta e prendendo-a na
bermuda.
— Sobre esse jogo de amanhã, é lógico que
deixará a Nina ganhar, certo? – Gancho se
senta sobre o parapeito da embarcação.
— É o lógico a fazer. – Lex concorda,
jogando a cabeça para trás.
— Não é não. – de onde essa Kibi saiu?
Bem, não faço a menor ideia, mas o fato é
que ela está ali, com o celular em mãos, sem
conseguir tirar os olhos do peitoral
desenvolvido e depilado de Lex.
— Ah, meu Deus, era só o que faltava. –
Gancho eleva as mãos aos céus.
— O que quer? – Lex pergunta, impaciente.
– E dá para tirar os olhos do meu material?
Bárbara, desconcertada, desgruda os olhos
do tórax de Lex, mirando-o no fundo dos
olhos.
— Quero que você ganhe o jogo, Lex.
Quero ver a Nina humilhada. – Bárbara
estreita o olhar, franzindo os lábios e
trincando o maxilar.
— Qual o seu intento, o que você ganha
com isso? Satisfação pessoal? Vingança? –
Lex recosta na parede da embarcação,
cruzando os pés e os braços.
— Não importa. Você cumpre a sua parte e
eu cumpro a minha. – Bárbara ajeita o short
jeans que mais parece uma calcinha de tão
curto. E então, sacode o celular nas vistas de
Lex.
— Tá, já sei, vai mostrar o vídeo para o
meu velho. – Lex revira os olhos, bufando. –
Essa chantagem já está cansando, de
verdade.
— Ganhe o jogo, Lex. – Bárbara avança
para cima dele, como um cachorro raivoso.
Ele não se move, aliás, nem estressa com a
aproximação.
— E se a Nina ganhar de forma limpa? Ela
parece jogar bem.
— Estarei assistindo e saberei se você
entregou o jogo ou não. – Bárbara encosta a
mão num tonel sujo e faz cara de nojo. –
Estamos entendidos? – ela limpa a mão no
peito de Lex.
— Ei, olhe mas não toque! – Lex se afasta e
encara a Kibi com desdém. – É só isso o que
quer? Que eu ganhe o jogo?
— No momento é só.
— Então sai andando. – Gancho desce do
parapeito e começa a enxotar Bárbara, como
se fosse um bicho asqueroso. – Vaza logo,
anda!
— Não sabe com quem está mexendo,
Gancho. – ela aponta o indicador para o nariz
do cara, como se fosse uma arma.
— Sei sim, uma escrota de uma Kibi!
Bárbara parte para cima de Gancho, mas
antes que algo aconteça, Suzana e Ana Paula
a seguram. De onde foi que elas surgiram
mesmo? Enfim, isso não importa. O que
realmente tem importância é o fato de
Gancho ter entrado para a lista negra da Kibi
Mor, o que o torna mais um alvo a ser
abatido.
Vinte e um: A Ilha Inamorata
— Bem-vindos a Ilha Inamorata! Serão
sete dias de praia, sol, aventuras e muita
diversão. Façam os seus check ins e vistam
suas roupas de banho para inaugurarmos
essa estadia em grande estilo. Daqui meia
hora, nos encontraremos à beira mar. – um
dos monitores dá as boas vindas, munido de
um megafone.
Nina, Lais e Nathália dividirão um mesmo
quarto. As garotas estão em êxtase, sem
saber para onde olhar. O quarto é
supercharmoso, com três camas box
revestidas com colchas de retalhos coloridos.
Há muita madeira, bambu e peças náuticas
decorativas.
Nina abre as portas duplas e descobre uma
varanda fenomenal, com duas redes e uma
vista capaz de fazer o tempo parar. Estão no
segundo andar do hotel e possuem uma visão
privilegiada da praia e da piscina.
Nina abre a mala e escolhe um biquíni
frente única. A parte de cima é em tons
pasteis, com formas geométricas. A parte de
baixo é lisa, num verde pálido. A vestimenta
possui uma espécie de cinto acoplado, com
franjinhas arrematando o visual.
Ela vasculha a bagagem em busca de uma
saída de banho e encontra uma perfeita. Foi
confeccionada em crochê, num tom de verde
mais forte que o do biquíni. A peça foi
adquirida há três meses, em sua última visita
ao Embú das Artes.
Nathi escolhe um biquíni azul royal,
supercomportado e de um tecido brilhante.
Por cima, veste uma camisa de seda branca,
com os botões parcialmente fechados.
Lais opta por um maiô preto bem diferente,
todo aberto no abdômen e nas costas. As
fendas laterais são bem pronunciadas e ela
está um arraso. Uma canga indiana arremata
o figurino.
— Querem chinelos para combinar? Eu
trouxe uma mala cheinha. – Lais abre a mala
azul sobre a cama e zilhões de chinelos
saltam às vistas.
— Sério, Lais, você tem problemas. – Nathi
comenta, procurando um chinelo para
combinar com seu biquíni.
— Eu também quero. – Nina encontra um
chinelo verde, quase da mesma cor da saída
de banho.
Vestidas à caráter, as três seguem as
instruções do monitor-chefe e caminham
rumo a praia, descompromissadas. O passeio,
todo de pedras brancas, é ladeado por
tulipas, jacintos, narcisos e várias outras
flores que Nina não reconhece. O aroma é
inebriante e as garotas podem sentir a vida
pulsando ao redor.
Lex está de costas e quando cutucado por
Gancho, se vira para olhar na direção em que
o amigo aponta. Aos olhos do garoto, a cena
transcorre em câmera lenta:
três beldades caminham, graciosamente,
pelo passeio de pedras brancas. Do lado
direito, Lais com seus cabelos cor de fogo e
um maiô para lá de provocante. Do lado
esquerdo, Nathi com seu rabo de cavalo a
dançar e a camisa branca caída de lado,
revelando um biquíni azul brilhante e sardas
para lá de sensuais. Caminhando ao meio, eis
que vem Nina, trajando um biquíni
incrivelmente sexy, que deixa à mostra a
barriga extremamente lisa, as pernas bem
torneadas e um par de seios fartos, daqueles
capazes de mandar um cara para a lona.
Gancho se apoia sobre o ombro de Lex,
babando como um cão. Talvez o cara até
uivasse, se realmente fosse um cão.
As três estão sorrindo e conversando,
totalmente alheias aos olhos que as
acompanham até a praia. Quando finalmente
alcançam as areias, arqueiam o corpo para
frente, tirando os chinelos.
A brisa do mar sopra com mais força e Lex
pode ver maiores detalhes do corpaço de
Nina. Ela leva a mão aos cabelos, sacudindoos.
Quando retoma o caminho com o par de
chinelos à mão, seus cabelos a seguem,
esvoaçantes e altamente sugestivos. Lex se
imagina tocando aqueles fios, embrenhandose
naquele pescoço, sentindo o aroma
daquela pele que o atrai como um imã
poderoso.
— Caras, estamos no paraíso. – Bola
comenta e toma um tapão na nuca, desferido
por Gancho.
— Não ouse olhar para a Nathi, sacou?
— E nem pense em colocar os olhos na
Nina, entendeu? – Lex arremata, sentindo
um calor infernal subir pelas costas.
Bárbara está se mordendo de inveja,
ciúmes e algo mais. Engole Nina com o olhar
e não percebe quando arranca sangue do
próprio lábio ao fincá-lo com os dentes.
Observa a reação de Lex à distância e o cara
só falta cair de joelhos e rastejar. Patético.
Isso não vai ficar assim, mas não vai mesmo!
Vinte e dois: O mergulho de inauguração
Nina desliza os óculos de sol para o alto da
cabeça. O olhar vagueia pela praia, detendose
numa elevação distante, perfeita para
escalar. Talvez amanhã, em sua corrida
matinal, dê uma olhada mais de perto no
local.
Nathália não tira os óculos espelhados,
somente assim consegue fitar Gancho sem
que o garoto perceba. Eles quase ficaram
juntos no Aquarium, mas não rolou. Lex
precisava voltar para casa mais cedo e os
dois foram embora, deixando Nathi chupando
dedo.
Lais não tem olhos para ninguém. Sua
mente está em São Paulo, relembrando os
beijos de Doc. Um suspiro saudoso escapa de
sua garganta. É quando Camila e as outras
garotas se aproximam.
— Ei, Lais, viu aquilo? – Camila sussurra,
apontando a cabeça para as Kibis.
— Fio dental? É sério mesmo? – Lais
comenta, boquiaberta.
— Essas três são completamente sem
noção. – Nathi entra na conversa. – Elas não
percebem que são ridículas? Que os caras
tiram sarro e só querem aproveitar?
— Não. Elas não percebem. – Nina julga,
acertadamente.
— Muito bem, meninos e meninas! – o
megafone se faz ouvir. – Aqui temos bolas de
vôlei, óculos de mergulho e até boias de
braços com formato de bichinhos. – o
monitor aponta dois baús na areia. – Com
esse mergulho inaugural, vocês estarão
sendo batizados por Poseidon e as férias na
Ilha Inamorata oficialmente terão início.
Aproveitem sem moderação!
Garotos arrancam as camisetas e
bermudas, correndo desesperados para o
mar. As garotas são mais comedidas e
precisam de mais tempo para tirarem todos
os acessórios e adentrar as águas cristalinas.
Nina deixa os chinelos na areia, dobra a
saída de banho e verifica se tirou o par de
brincos. Caminha ao lado das outras
meninas, sem qualquer ansiedade aparente.
A água está morna e o sol começa a descer
no horizonte. A cena é linda, digna de um
Oscar de melhor fotografia. Por um breve
instante, Nina se sente una com o todo. Mas
o momento passa e ela começa a se sentir
incrivelmente só, apesar de estar cercada de
pessoas.
Os dois pés de Nina tocam a água. Ela
observa as pequenas ondas se formando,
suaves e contínuas. A brisa sopra com força,
acariciando a pele. É então que seus olhos se
encontram com os de Lex.
Ele está de bermuda e sem camisa. Nada
que Nina ainda não tenha visto, já que Lex
adora se exibir. Mas ver assim tão de perto é
a primeira vez.
Os cabelos cor de mel estão molhados e
gotas salgadas escorrem pelo rosto, pescoço,
tórax e braços. Lex chacoalha a cabeça e
gotículas brilhantes voam para todos os
lados. Ele segura um par de óculos de
mergulho. Nina se detém, como se seus pés
estivessem enraizados na areia.
— Não vai entrar? A água está ótima. – Lex
se aproxima, vencendo a força das águas.
— Não com você. – ela se mantém na
defensiva, observando as amigas se
afastarem.
— Qual é, eu entro com você.
— Não. Fique longe, está bem?
O olhar de Lex vai descendo pelo corpo de
Nina. Ela nota que a respiração dele está
acelerada. As gotas de água o alisam de
maneira fascinante e por um mísero
segundo, ela gostaria de ser uma dessas
gotas. Um arrepio lhe percorre a espinha
quando se dá conta desse pensamento.
— Tem medo de se apaixonar? – Lex
murmura, como se estivesse lendo a mente
dela.
— Rá, rá! Vá sonhando. – Nina, resoluta, se
coloca a caminhar. Ficar ali parada com Lex
não é uma boa opção.
O garoto não desgruda. Segue ao lado dela,
provocando-a. Ele sabe exatamente como
irritá-la e ela está irritada por ele saber como
irritá-la. Conseguiram entender?
— Ali é um ótimo lugar para mergulhar. –
ele aponta para algum local à esquerda. – Dá
para ver uns peixinhos bem legais.
— Lex, me dê um tempo, tá legal? – a água
já bate na altura da cintura. Apesar do mar
estar calmo, Nina sente a correnteza
empurrá-la para cima de Lex. Hum, seria
mesmo a correnteza?
— Você é quem sabe. – ele suspira e
recoloca os óculos. Grita qualquer coisa para
Gancho e mergulha, nadando para longe
dela.
Novamente a sensação de solidão, de
abandono. Nina fecha os olhos, buscando
entrar em foco. Lex não é nada para ela e
nunca será. Então por que está se sentindo
assim? Por que essa vontade louca de que ele
volte para encher o seu saco?
Lex não volta e ela se sente um lixo.
Vinte e três: O jantar de boas-vindas
Estamos agora à beira da piscina.
Candelabros presos nos galhos das árvores,
criam uma atmosfera aconchegante e
incrivelmente romântica. Uma grandiosa
mesa foi posta lindamente, com trinta e seis
lugares marcados.
O primeiro dia da viagem chega ao fim. A
lua está alta no céu e a trilha sonora vem de
um violão elétrico solitário e uma voz
melodiosa de um cara que não deve ter mais
do que vinte anos.
Nina senta-se entre Nathália e Lais. Come
uma salada de alface com tomates e
morangos. A garota só percebe estar com
fome quando leva a primeira garfada à boca.
Lex está do outro lado da mesa, a
pouquíssimos centímetros de distância. Vez
ou outra seus olhares se encontram, mas ele
não parece ser o mesmo Lex. O que está
havendo?
— Lançou mão da nossa estratégia do dia?
– Gancho sussurra no ouvido do amigo.
— Fiz o que você disse. Não elogiei o
biquíni nem o corpaço. Não foi nada fácil.
— E ela? – Gancho pergunta, um tanto
afoito pela resposta.
— Não sei dizer. Acho que ela ficou, tipo…
— Decepcionada? – ele se apressa em
arrematar.
— Essa é a palavra. Decepcionada.
— Bom, muito bom, meu camarada! –
Gancho dá um tapa dolorido no ombro de
Lex. – Vamos levar essa estratégia adiante
até o jogo de amanhã.
O jantar transcorre sem incidentes e até
Bola está tranquilo. A única traquinagem do
dia foi jogar na piscina todas as cuecas de
Nando e Edgard, seus colegas de quarto. Mas
o garoto foi pego, como sempre. E foi ele
quem caiu na água, de roupa e tudo, para
resgatar as tais cuecas.
— Certo, pessoal. Depois do jantar,
teremos torneios de poker e sinuca na sala
de jogos. Espero todos vocês por lá. – o
monitor lança o convite.
Nina dispensa a sobremesa. Há uma
urgência em ficar a sós para pensar na vida.
Nathália e Lais se entreolham, preocupadas.
Nina jura que está tudo bem e segue para a
praia, sozinha.
— O que acha que está rolando? – Lais
debate com Nathália, observando Nina
caminhar entre o passeio florido.
— Algo que eu já suspeitava. – Nathi
sustenta uma expressão endurecida.
— Acha que ela está, tipo, ela está…? – Lais
se sobressalta com a possibilidade.
— Sim. Acho que ela está começando a se
apaixonar.
— Não! Isso não pode acontecer! – Lais
arregala os olhos, chacoalhando Nathália
pelos ombros. – Não podemos deixar!
— O problema nessa história toda é que eu
acho que a Nina ainda não percebeu o que
está havendo.
Lex, sem camisa como sempre, observa
Nathi e Lais de longe. Procura por Nina entre
os alunos do Prisma e não a encontra.
Gancho também não a viu.
— Ela deve ter ido para o quarto. – o pirata
se apoia num taco de sinuca, aguardando a
vez de jogar.
— Vou procurar por ela, beleza? – Lex
avisa.
— Man, lembre-se do que conversamos.
Mantenha a estratégia. – Gancho aponta o
taco para o nariz do amigo.
— Beleza, Cabeçudo.
O garoto demora um bocado para localizar
Nina. Quando a vê, sozinha, sentada na areia
da praia, algo de muito ruim toma conta de
seu peito. É um sentimento estranho, quase
de infelicidade. Lex ignora a sensação e se
encaminha para o local onde ela está.
Nina não percebe a aproximação. O uivo da
brisa é alto e contínuo. Seus cabelos estão
presos por um elástico colorido, esvoaçando
com o vento. Veste um short preto e uma
bata branca, caída na lateral do ombro,
revelando parte do colo e das costas. O olhar
se perde em algum lugar do oceano.
Vazio.
Nina nunca havia sentido o vazio antes.
Nem quando seu primeiro namorado partiu
sem dizer um tchau. Nem quando Bruno a
enganou. Até o dia de hoje, ela não havia se
deparado com essa sensação.
Mas o vazio está ali e incomoda. Sufoca-a
de forma intermitente. Um desespero toma
conta de Nina, uma ânsia que ela não sabe
de onde vem. Algo importante está faltando,
algo essencial que preencha o vazio.
Lex senta-se ao seu lado, sem dizer
palavra. Nina não se vira para ver quem é e
nem precisa. Já reconhece o cheiro dele a
distância.
Abraçada aos joelhos, Nina permanece
calada por um longo tempo. Além do ruído da
brisa do mar, pode ouvir a respiração
cadenciada de Lex ao seu lado. Ela não tem
nada para dizer, está com preguiça até de
pensar. Mas, por incrível que pareça, o
silêncio não incomoda. Ele é bem-vindo para
ambas as partes envolvidas.
Após um tempo que não sei determinar,
Lex corta o silêncio com sua voz rouca e um
tanto preocupada:
— O que está havendo?
— Hum? – Nina está perdida em seu vazio
interior, apenas existindo.
— O que está acontecendo com você?
Nunca a vi assim. – Lex refaz a pergunta.
— Não está acontecendo nada. – Nina
abraça as pernas com mais força.
— Você está triste. – ele conclui.
— É só… deve ser TPM.
— TPM? Isso é um pleonasmo. – Lex ri da
própria piada, mas ao perceber que Nina nem
se move, fica sério novamente. – Desculpe.
— Você tem razão. Não precisa se
desculpar.
Ok, parem tudo. Estrelas: parem de piscar.
Mundo: pare de girar. Tempo: pare de correr
agora mesmo!
— Está concordando comigo? Está doente?
Com febre? – Lex leva a mão à testa de Nina.
Antes de tocá-la, ela gira a cabeça para
encará-lo. O garoto recua, instintivamente,
temendo um tapa, um soco, um cuspe, ou
qualquer coisa que envolva violência física.
Nada disso acontece.
— O que está fazendo aqui, Lex? Tem um
torneio de poker rolando lá dentro. Por que
não vai até lá? – o tom de Nina é um poço
sem fundo.
— Escute, quer dar uma volta? – Lex faz
uma pausa para pensar. – Acabo de me dar
conta de que não sei nada sobre você.
Estudamos juntos há quanto tempo? Seis
meses? – Nina confirma com a cabeça. –
Pois, então, só sei que você curte Creedence,
odeia pessoas que usem cuecas e é uma CDF.
— Lex, me poupe dos seus jogos essa noite,
tá legal? Eu realmente não estou no clima,
não estou a fim de me esforçar para
humilhá-lo.
— Pensei que era natural, que não
precisasse se esforçar para me humilhar. –
Lex pega um punhado de areia, observando–
a escapar por entre os dedos.
— Só essa noite, está bem? Prometo que
amanhã voltarei a odiá-lo com todas as
minhas forças.
Lex deixa o restante da areia se esvair.
Bate uma mão na outra e se levanta num
pulo. Encara Nina antes de lhe estender a
mão.
— Uma volta na praia, sem jogos, sem
aposta. – Lex aguarda, na mesma posição.
— Por que está fazendo isso? – ela hesita.
— Venha.
Contrariando todos os avisos mentais que
gritam “perigo extremo”, Nina aceita a mão
de Lex. Enquanto levanta, livra-se da areia
no short e nas pernas, seguindo-o até a beira
do mar.
Vinte e quatro: Um passeio à beira mar
A água vem e vai, molhando os pés de Nina
e Lex. Ela carrega os chinelos com uma das
mãos e a outra está no bolso. Os dois
caminham preguiçosamente, apenas ouvindo
suas respirações. O ruído da brisa finalmente
dá uma trégua.
Nina estranha suas sensações. Ao invés de
se sentir tensa com a situação, está bem à
vontade, como se caminhasse ao lado de um
velho amigo. Lex se abaixa e pega uma
concha fechada, jogando-a de volta ao mar.
— Qual faculdade vai fazer? – ele pergunta,
limpando as mãos na bermuda.
— Medicina. – ela responde, um tanto
dispersa.
— Sério? Vai se especializar em quê?
— Cardiologia.
Lex não consegue segurar o riso. Nina
percebe, mas não se altera. Sabe em que ele
está pensando e torna isso público.
— Acha que não tenho coração. É isso, não
é? – o tom de Nina soa um tanto deprê.
— É claro que você tem coração. Talvez ele
só esteja meio congelado. – Lex tenta
guardar o sorriso, mas é mais forte do que
ele. O garoto aguarda uma reação de Nina,
qualquer uma. Mas a reação não vem e ela
demora um pouco a falar.
— E você? O que vai fazer?
— Música. Apesar do meu velho querer
muito que eu assuma seus negócios.
— O que seu pai faz? – Nina tira o elástico
do cabelo, soltando as madeixas.
— Ele compra e vende empresas. Falidas,
na maioria. Reestrutura o negócio e depois
vende por um preço exorbitante. Não quero
isso para mim.
— Você é bom. Digo, tem uma voz incrível
e manda muito bem no violão.
— Você acaba de me elogiar? Cadê o
cinismo? – Lex toma a frente de Nina,
encarando-a nos olhos. – Certo, você foi
abduzida, só pode ser.
— Lex, estou sem forças para cinismo essa
noite. Só isso, nada demais. E não, eu não
fui abduzida. Acha mesmo que eu deixaria
um extraterrestre me zoar? Pense bem.
— O ET iria se dar bem mal.
Nesse momento, cercados por um cenário
cinematográfico, com a lua e as estrelas
como testemunhas, Lex entreabre os lábios,
deixando um suspiro escapar. Algo naquela
garota mexe com ele de uma maneira
diferente de todas as outras. Suas mãos são
tomadas por uma urgência em tocá-la, uma
pressa que ele não consegue controlar. Lex
toma coragem, elevando uma das mãos em
direção ao rosto de Nina. Ela aguarda, sem
se mover.
— Ei, vocês dois!
Observação 1: Sempre tem um mala para
atrapalhar momentos perfeitos.
Observação 2: Poxa, é sério mesmo? Não
dá para voltar depois?
Margareth, a troncuda professora de
educação física se aproxima, aos pulos. A
mão de Lex recua, no susto.
— O que estão fazendo aqui sozinhos? –
ela finalmente alcança os dois. – Nina! Você
e o Lex juntos? Ele a obrigou a isso? – a
professora une as sobrancelhas, segurando
Nina pelo braço.
— Qual é, Mags, só estamos conversando. –
Lex tem essa mania de dar apelidos a todas
as pessoas.
— Garoto, você me irrita. – a professora
vocifera, entredentes. – Nada de passeios
noturnos, já conversamos sobre isso. Se não
querem ir para a sala de jogos, irão para
seus respectivos quartos, estamos
entendidos? Não estou a fim de voltar com
nenhuma adolescente grávida para casa.
— Não iria acontecer nada. É como o Lex
disse, só estávamos conversando. – Quem
Nina quer enganar? A si mesma, obviamente.
Essa não era apenas uma conversa, Lex
estava jogando o tempo todo. Ele iria beijá-la
e a trouxa cairia, como uma pata manca. Ao
se dar conta da realidade, Nina finalmente
acorda do estranho sonho no qual estava
metida.
— Que seja. – Margareth, com seu bafo de
café e dentes amarelados, mira bem o rosto
de Lex, apontando o dedo indicador como se
fosse atirar. – Estou de olho em você, garoto.
— Mags, eu não fiz nada. – Lex levanta os
braços, desacreditando na reprimenda.
— Coloque uma camiseta, moleque, pelo
amor de Deus! Venha, Nina, eu a acompanho
até o quarto.
E assim, Nina é escoltada até o seu quarto
e um resignado Lex vai para a sala de jogos.
Contrariando todas as projeções, o garoto
perde todas as partidas no jogo de poker.
Vinte e cinco: Antes do desafio
Bárbara confere as fotos que já conseguiu
de Nina e Lex. Suzana pluga o celular no
computador, descarregando os vídeos.
Ana Paula está no banheiro, com o
chuveiro ligado. Na verdade, ela está
vomitando o café da manhã e não quer que
ninguém a ouça. Nem comentarei o fato de
tão absurdo que é.
— Droga, não temos nada realmente
quente. – Bárbara deixa a câmera de lado.
— Escute, estou de saco cheio de ficar
espionando por entre arbustos. Poxa, vamos
aproveitar a viagem! – Suzana suspira
tristemente, mirando o céu azul do lado de
fora do dormitório.
— Não viemos passear. Viemos para nos
vingar. – Bárbara relembra. – E o nosso
informante? Alguma novidade?
— Nada ainda. Você vai mesmo cumprir o
que prometeu a ele? Um beijo? – Suzana faz
cara de nojo.
— É claro que não! Surtou? – Bárbara leva
o dedo à boca, como se fosse provocar o
vômito. – Olhe, se não fosse a bafuda da
Margareth, nós teríamos um bom material
em mãos. O Lex estava prestes a beijar a
vagaba e então, a coisa poderia evoluir para
um tirar de roupas e tal.
— Babi, deixe essa vingança para lá.
— Nem pensar! Se esqueceu da nossa
humilhação? Fala sério, Suze! – Bárbara se
levanta num pulo, colérica.
— Não, eu não esqueci.
— E tem outra: se não fosse o informante
que descolei, nós não saberíamos que você e
a Ana são apostas. Eu salvei vocês duas, de
novo. – Bárbara joga na cara de Suzana, de
forma abrasadora.
— É, eu sei. – Suze abaixa a cabeça,
submissa.
— Então, nada de desistir da vingança!
— Tudo bem, você tem razão.
— Eu sempre tenho razão!
~~***~~
Nina, Lais e Nathália estão deitadas nas
espreguiçadeiras da piscina em companhia
das outras garotas. O sol queima a pele com
violência e Nina passa uma segunda camada
de protetor solar.
Se vocês tivessem visto a garota na hora
em que acordou, vislumbrariam olhos
brilhantes em vermelho sangue e um sorriso
perigoso nos lábios. Sim, Nina Albuquerque
está de volta! Adeus deprê!
— O que aconteceu ontem? – Nathi
pergunta, fechando o livro. – Quando
voltamos para o quarto, você já estava
dormindo.
— Sei lá. – Nina dá de ombros.
— Hormônios são uma merda. – Lais pega
um chapéu da bolsa, ajeitando-o sobre a
cabeça.
— Não são hormônios. – Nathália discorda.
– Você está sucumbindo, Nina.
— Sucumbindo a quê? – o mau humor de
Nina dá as caras e uma sombra transpassa
seu olhar. – O que acha que está
acontecendo, dona Sabe Tudo?
— Não me ataque, não sou sua inimiga. –
Nathália, apesar de conhecer Nina há apenas
seis meses, sabe lidar bem com o gênio
explosivo da amiga.
— Desculpe. – Nina relaxa os ombros e se
desarma. – Não sei o que aconteceu ontem.
Eu fiquei um pouco triste, sem qualquer
motivo.
— Tem a ver com o Lex, não tem? – Lais se
levanta, sentando-se aos pés de Nina. – Pode
contar para nós, somos suas amigas.
— Não tem nada a ver com o Lex. O cara é
um babaca presunçoso e arrogante.
— Tome cuidado, está bem? Estamos
preocupadas com você. – Lais franze os
lábios, observando a reação de Nina.
— Eu sei, prometo me cuidar.
Nesse momento, um bando de garotos sem
noção começa a correr em direção à piscina.
Atiram-se como bombas para dentro da água.
Apesar de terem se protegido, as garotas
ficam ensopadas.
— Seu bando de idiotas! – Nathi vocifera,
segurando o livro molhado em mãos. – Vocês
não tem nada melhor para fazer da vida,
seus ridículos?
— Ei, Nathi, relaxa. – Gancho, com uma
baita facilidade, ergue o corpo e sai da
piscina.
— Poxa, meu livro. – os olhos de Nathi se
umedecem.
— Desculpe, Nathi. – Gancho se aproxima,
arrependido pelo salto mortal. Joga a franja
de lado no maior charme. Nathi deveria estar
babando na cena, mas a verdade é que está
muito puta por causa do livro. – Escute,
quando voltarmos para casa, lhe dou um
novinho.
— Não quero um livro novo, quero
continuar a leitura, pô. E olha só! – ela
suspende o livro e as páginas pingam, como
lágrimas.
— Que livro é esse? – Gancho o toma das
mãos da garota. – Caraca, ou você tem muita
sorte ou estamos em sintonia. Peguei esse
emprestado com o meu irmão, ainda nem
comecei a ler.
— Brincou? Você está com esse livro aí? –
os olhos de Nathália brilham e um pequeno
sorriso surge em seus lábios retesados.
— Vamos lá no meu quarto que eu pego.
— Sabe que não posso entrar na ala dos
meninos. – Nathi leva as mãos à cintura,
batendo um dos pés no chão,
cadenciadamente.
— Tudo bem, subo agora e pego para você.
Só me descole uma toalha, beleza?
— Valeu, Gancho. – Nathi alcança a toalha
e a coloca sobre os ombros do cara.
Nina e Lais estão abafando risadinhas.
Nathália gira nos calcanhares, com cara de
quem comeu e não gostou.
— O que foi? – ela bufa.
— Precisa de um babador? – Lais dá uma
gargalhada.
— Humf! – Nathi se senta na
espreguiçadeira e finalmente descontrai,
contagiada pelas amigas.
~~***~~
Quando o almoço chega ao fim, o monitor
sobe em uma cadeira, limpa a garganta e faz
a pergunta, como um anúncio:
— Soube que hoje teremos um desafio de
tênis, é isso mesmo galeraaaaaa?
— Yeahhhhhhhhhhhhhh!!!! – a turma grita
em resposta.
— Nesse caso, a Caça ao Tesouro ficará
para amanhã. – o monitor busca Lex e Nina
entre os estudantes. – Vocês dois estão
prontos? O jogo começará às quatro da tarde.
Ambos fazem que sim com a cabeça. Seus
olhos se cruzam e Nina, com o indicador,
passa o dedo em seu próprio pescoço como
quem diz: “Vou degolar você”. Lex solta uma
gargalhada de deboche no ar, feliz por Nina
ter voltado ao seu estado normal.
Vinte e seis: O jogo de tênis
Quatro da tarde.
Um dos monitores se aproxima de Gancho
e Lex, trazendo bolas de tênis e raquetes
sobressalentes. Despeja tudo sobre um banco
localizado na lateral da quadra e dá as
instruções:
— Os monitores desafiaram os professores
para um jogo de vôlei de praia. E, como
vocês estarão aqui, o jogo vai rolar agora.
Ficarão de boa?
— Com certeza. – Gancho pega uma das
bolas e joga para o ar. – Fique tranquilo.
— Precisarão de um juiz, juízes de linha e
boleiros. – o monitor continua.
— Já está tudo acertado e eu serei o juiz. –
Gancho pega mais duas bolas e dá uma de
malabarista.
— Certo. Qualquer quebra pau, você me
chama. Bom jogo para vocês. – e batendo
nas costas de Lex, o monitor sai andando.
Nina, com a raqueteira pendendo do
ombro, cruza com o monitor que lhe deseja
um bom jogo. Ela responde, afirmando que
acabará com Lex e o monitor solta uma
sonora gargalhada, antes de retomar o seu
caminho.
Seguida pelas garotas do Prisma, com
exceção das Kibis, Nina traja um vestido lilás
da Nike, desses bem curtinhos, especiais para
jogar tênis. Por baixo, está usando um
biquíni rosa. Nos pés, os tênis desenvolvidos
para saibro são tão brancos que chegam a
ferir os olhos. Nos pulsos, Nina sustenta duas
munhequeiras brancas e na cabeça, uma
testeira também branca.
Conforme vai passando, os garotos lhe
batem às costas, desejando sorte. Nina fará
melhor, jogará como se sua vida dependesse
disso. E depende, se pararmos para analisar.
Ela entra em quadra e não se digna a olhar
para o adversário. Os estudantes tomam
assento na pequena arquibancada, buscando
o melhor ângulo para assistirem ao confronto
do ano.
Nina abre o zíper da raqueteira, puxando
duas raquetes lá de dentro. Analisa ambas,
pesando-as de forma impassível. Escolhe a
Babolat por ser mais leve e guarda a outra.
Confere as cordas e o overgrip. Tudo certo,
aparentemente.
Nathi e Lais estão organizando o banco de
Nina, deixando duas toalhas de rosto sobre a
bancada e conferindo o estoque de água no
isopor.
Só então Nina se permite olhar para Lex.
Ele está usando um short azul, meias
soquete e um Nike preto detonado para
saibro. Como não trouxe raquetes, confere as
trazidas pelo monitor, optando por uma da
marca Wilson. O cara está sem camisa, para
variar.
— Não vai jogar sem camiseta, vai? – Nina
vence a distância que os separa e o encara
de frente.
— Por que não? Ou meu tórax malhado vai
desconcentrar você?
— Rá! Seu tórax depilado vai me fazer rir,
seu babaca. – Nina arranca risadas de Nathi
e Lais. Até Gancho curtiu a tirada da garota.
— Vá rindo. Lembre-se de que quem ri por
último, ri bem mais gostoso.
— Coloque a camiseta, Lex. – Gancho joga
a vestimenta por sobre o ombro do amigo.
Ele a veste. É branca, cavada e deixa o cara
incrivelmente sexy.
— Que vença o melhor. – Lex estende a
mão para Nina, lançando uma piscadela no
ar.—
Ou seja: eu. – Nina rebate com força e
olhem que o jogo ainda nem começou.
Gancho assume posição. Nando e Edgard
seguem para a linha, serão os juízes
assistentes. Bola e Hulk estão atrás dos
jogadores, trabalharão como boleiros durante
o jogo.
Nina perde no cara ou coroa e a bola é do
adversário. Ela então escolhe o lado da
quadra. O sol está às suas costas, o que
facilitará muito a visão de jogo. Lex se
posiciona, verificando as cordas da raquete
uma última vez.
— Certo. Terão dez minutos para se
aquecerem. Competidores, batendo bola! –
Gancho autoriza.
O bate e rebate é tranquilo, como deve ser.
Na arquibancada, cabeças vão para lá e para
cá, num movimento robotizado e hipnótico.
As mãos de Nina suam mais do que o normal
e ela busca o autocontrole através da
respiração abdominal, algo que aprendeu nas
aulas de judô.
Nina não deveria desviar a atenção da bola,
mas vez ou outra, ela se pega olhando para
os olhos do adversário. Ele é bom
estrategista? Será que possui alguma falha
da qual ela possa se aproveitar? Bem, Nina
precisará esperar o jogo começar para
detectar possíveis falhas no jogo de Lex.
Aproveitar-se dos erros do adversário é uma
ótima estratégia. Ainda assim, ela acredita
que o ataque é sempre a melhor defesa.
Quando o aquecimento chega ao fim, Nina
precisa urgentemente de um gole d’água.
Tira o elástico do cabelo, prendendo-o
novamente, bem firme dessa vez. Nathália e
Lais acenam da arquibancada e Nina
permanece inalterada, totalmente
concentrada.
Gancho conversa com os jogadores
deixando claro que as regras do tênis são
válidas. Serão 3 sets de 6 games cada. O
pirata jura a Nina que não vai roubar.
Lex respira fundo, batendo a bola no chão.
Ele mira a adversária, lançando um beijo no
ar. Nina finge cuspir e esmagar o beijo com a
ponta do tênis. O cara não se aguenta e cai
na risada.
Nina arqueia as costas e ginga para lá e
para cá, aguardando. Lex continua batendo a
bolinha amarela no chão. Uma, duas, três
batidas. Seus olhos vagueiam pela
arquibancada e se detém em Bárbara. Ela
acena com a cabeça e a máquina fotográfica
balança em seu pescoço cheio de colares.
Concentração, Lex!
Certo, o garoto volta sua atenção para a
bola. Esse movimento de vai e vem da pelota
o mantém focado, desanuviando os
pensamentos de qualquer outra coisa que
não seja o jogo que está prestes a ser
iniciado.
Lex está pronto. Agora é para valer.
Ele lança a esfera amarela para cima e
respira fundo ao mesmo tempo. Quando a
bolinha começa a cair, o garoto solta o ar de
uma só vez, batendo com força, colocando a
bola em jogo.
O primeiro set finalmente começa.
Nina recebe e rebate de leve. Lex devolve.
Ela precisa correr, mas alcança a bola e
manda uma cruzada. O garoto é pego no
contrapé e Nina vibra ao garantir o primeiro
ponto da partida.
Lex se posiciona e bate a bola no chão
novamente. Segundo saque. Preciso. Nina
rebate mandando a bola para o fundo da
quadra. Ele devolve. Ela rebate. Ele devolve.
Ela rebate.
O ponto é disputado a raquetadas e Lex
vira o jogo mandando uma bomba. Juro, nem
vi a cor da bola. Mas Nina vê e com uma
velocidade surpreendente, se estica toda e
recupera, devolvendo uma bola alta para a
quadra de Lex.
O garoto, juntando toda a sua força e fúria,
dá uma cortada fenomenal, um smash
perfeito que tira Nina da jogada. Ponto para
Lex.
É nesse clima de disputa acirrada que o
game continua. Nina salva bolas incríveis e
Lex possui uma técnica apurada. Fica difícil
definir um vencedor, pois nesse ritmo, tudo
pode acontecer.
Nina joga a raquete longe quando Lex
acerta um poderoso e cheio de efeito topspin.
O garoto ri, deixando Nina desconcertada.
Ela mostra o dedo do meio e recebe uma
advertência do árbitro por abuso de
equipamento. Pela primeira vez na partida,
Nina não tem certeza de que poderá vencer
Lex.
Ele inicia o quarto round – sei que não é
luta livre, mas estamos bem próximos disso –
com um ace que desconcentra Nina. Antes
que destrua uma nova raquete, ela trinca os
dentes e cerra os punhos em torno da
empunhadura, enfurecida. Ela precisa ganhar
esse jogo, custe o que custar.
A garota se concentra quando o segundo
serviço de Lex chega, cheio de efeito. Nina
não consegue virar o jogo e faz um approach
fora de hora. Por sorte, o voleio é perfeito e
Nina converte.
Não está nada fácil, vou dizer isso a vocês.
Nina sua em bicas. A camiseta de Lex está
colada ao corpo e o sol começa a dizer
“tchau, galera, até amanhã”. Mas o ocaso
está tão demorado que, sinceramente,
acredito que o astro esteja doido para saber
quem será o vencedor da partida.
O vôlei entre monitores e professores já
terminou. Deram uma passada na quadra de
tênis antes de se dirigirem para os quartos.
Esse jogo de vida ou morte promete avançar
até a noite.
Entre backhands, topspins, forehands,
smashs, volleys, aces e quebras de serviço, o
jogo se desenvolve ferozmente. Se Lex
vencer o próximo game, será o vencedor.
A água desce queimando pela garganta
ressequida de Nina. O restante da água, ela
joga na nuca e molha a testa. Nathi está
fazendo um curativo no dedão da amiga, que
está bem esfolado. Lex, do outro lado da
quadra, não está muito diferente. Ele luta
para respirar e se manter em pé. O desafio já
dura quase duas horas e seus músculos estão
gritando por descanso.
— É a hora da verdade. – Gancho
massageia os ombros tensos de Lex.
— Se eu não ganhar agora, não conseguirei
continuar jogando. Teremos que deixar para
amanhã, sério. – Lex geme quando Gancho
afunda os dedos em seu ombro direito.
— Essa partida termina hoje, beleza?
Concentração, meu camaradinha!
Voltando ao outro lado da quadra, Nathi
arremata o curativo no dedão de Nina. A
garota está um trapo, um lixo ambulante.
— Eu vou perder, não acredito. – ela leva a
mão à testeira, arrancando o acessório.
— Não perderá coisa nenhuma. Foco, Nina.
Entre nessa quadra para ganhar! – Lais
incentiva.
— Lei da atração. Busque forças sei lá eu
onde e acabe com o Lex. – Nathália estende
uma toalha para Nina. – Você precisa vencer,
entendeu? Diga que entendeu!
— Certo, entendi.
Nina e Lex se encaram. Os holofotes da
quadra já estão acesos. As pessoas começam
a se inflamar nas arquibancadas com a
possibilidade do fim do jogo. Para entreter
essa turma, a cozinha do hotel descolou
baldes de pipoca e refris trincando de tão
gelados.
Nina sacode os braços, passando a raquete
de uma mão à outra. Ela precisa ganhar,
precisa! O acordo foi que se Lex perdesse, a
escravidão seria imediata. E se Lex ganhasse,
bem, nesse caso, o beijo também seria
imediato, na frente de todos. Só de pensar
nisso, Nina xinga baixinho.
O jogo recomeça.
A cada bola que rebate, Nina sente que o
corpo vai se quebrar ao meio. A cabeça
lateja, os braços estão queimando e o dedo
esfolado incomoda muito.
Lex solta o braço e manda uma bola curva,
daquelas indefensáveis. Nina não deixa
barato. Se joga no chão e recupera, mas não
é o suficiente. Quarenta a quarenta. Iguais.
Nina precisa da vantagem a qualquer custo.
O jogo continua. O ar está tenso, úmido e
raios riscam o céu. Vem chuva por aí. Nina
manda uma paralela veloz, mas Lex não
deixa por menos, devolvendo de bate-pronto.
Bate............................Rebate
Bate............................Rebate
Bate............................Rebate
Bate............................Rebate
Bate............................Rebate
Ai, cansei. E não sou só eu. Nina hesita
quando a bola volta para sua quadra, as
pernas não respondem. Lex está com a
vantagem e nem assim comemora, ele não
tem forças para isso.
E Gancho quer jogo!
Os boleiros já foram trocados três vezes.
Os caras estão mortos, literalmente falando.
A galera na arquibancada está tensa. Alguns
estudantes já foram e voltaram e o jogo
desenrola.
A possibilidade do match point deixa Lex
desperto. Nina respira de forma rápida e
imprecisa. Ela está apavorada! Precisa tirar a
vantagem de Lex ou então, game over.
A pequena bolinha amarela apanha muito!
De lá para cá, de cá para lá, de lá para cá.
Lex bate colocado e Nina não deixa barato,
virando o jogo a todo o momento. Vai e vem,
vem e vai, vai e vem e então, Lex avança e
ao invés de dar uma porrada na bola, dá uma
deixadinha, um drop shot.
Acabou, galeraaaaaa! Lex é o vencedor!
Vinte e sete: Pagando a aposta
Finalmente a chuva prometida despenca
dos céus, mas ninguém arreda o pé da
quadra, todos aguardam ansiosos pelo
desfecho do desafio. E que disputa meus
amigos!
Lex luta em busca de ar. Não ousa
comemorar a vitória para não piorar ainda
mais a situação. Imagina que Nina esteja
furiosa e não quer acordar o furacão que
existe dentro dela.
Do outro lado da quadra, a garota olha para
o nada, apática. Seus braços estão caídos
rentes ao corpo, a cabeça da raquete tocando
o saibro. Inconformada, ela solta o
equipamento e arranca as munhequeiras.
A chuva é fininha e morna, mas não lava a
alma de Nina. Desconsolada, ela mira as
mãos trêmulas após o vigoroso esforço. Não
se conforma por ter perdido o jogo.
A turma invade a quadra, cobrando o
pagamento da aposta. Nina ouve o
murmurinho lá longe, como se estivesse a
quilômetros de distância. Bem que ela
gostaria de estar.
Nathália estende uma garrafa d’água.
— Não acredito que perdi. – Nina solta a
frase num tom de desabafo.
— Você lutou até o fim, nunca vi um jogo
desses na minha vida. – Lais toca o ombro da
amiga, consolando-a.
— Beba essa água. É para dar coragem. –
Nathi incentiva.
— Nathi! – Lais estressa. – Você não está
ajudando!
— A Nathi tem razão. Agora terei que
pagar a aposta. – sem parar para respirar,
Nina mata todo o conteúdo da garrafa. Ainda
não teve coragem de olhar para Lex. Sente
como se o mundo estivesse em suspenso,
aguardando. Bem, se o mundo está
aguardando eu não sei, mas eu e toda essa
galera estamos!
— Acabe logo com isso. – Lais pega a
garrafa vazia das mãos de Nina. – Vá lá e
pague logo essa aposta.
Vencida, destroçada e humilhada, Nina se
põe a caminhar, cabisbaixa. Lex do outro
lado da rede, joga a cabeça para trás e deixa
a água da chuva eliminar o excesso de suor
do rosto. Ele sente como se tivesse sido
atropelado por um Hummer.
Nina se aproxima e lhe estende a mão,
como adversários costumam fazer. O
cumprimento de Lex é frouxo. Assim como
Nina, ele também está com todos os
músculos enfraquecidos.
— Nunca vi ninguém jogar como você. –
Lex afirma, apoiando-se no ombro de
Gancho.
— Não foi o suficiente. – ela faz uma força
descomunal para não sair correndo. Bem,
como poderia? Suas pernas não obedeceriam
ao comando “corra, agora”.
— O que querem fazer? A aposta precisa
ser paga e a galera está impaciente. –
Gancho limpa a garganta, temeroso com a
reação de Nina.
— Aposta é aposta. E eu costumo cumprir
minha palavra. – Nina deseja que um raio
lhe caia na cabeça nesse exato momento.
— Tem certeza disso? Olhe, se você não
quiser, por mim tudo bem. – Lex se apressa
em dizer.
— Eu tenho palavra, Lex. Fiz a besteira de
apostar, não foi? Agora cumprirei minha
parte no acordo.
Nathália puxa Gancho de lado. A chuva
pinica a pele e todos estão ensopados. Um
raio abre o céu em duas partes, iluminando-o
de maneira fantasmagórica. Logo o barulho
do trovão se faz ouvir, retumbando fundo e
sacudindo as estruturas.
— Dê espaço a eles. Mantenha essa galera
fora da quadra. – Nathi sussurra no ouvido
do pirata.
— Concordo. – Gancho então providencia o
que Nathália pediu.
Nina e Lex se encaram, demoradamente.
Ela sente como se seus ossos tivessem se
transmutado em gelatina. O rosto pega fogo
e as mãos estão geladas, ainda trêmulas. O
coração batuca acelerado e os joelhos
bambeiam quando ela pensa no que
acontecerá nos próximos minutos.
— Se não quiser pagar a aposta, não
precisa. – Lex reitera.
— Se eu tivesse ganhado o jogo, você
pagaria a aposta, certo? E olhe que eu pensei
em fazer barbaridades com você. – Nina
força um sorriso.
— Sério mesmo? Bom – Lex faz uma pausa
–, eu aguentaria a pressão.
— Também aguentarei. Não quebro fácil,
Lex, acho que já provei isso.
Após enxotar a turma para fora da quadra,
Gancho mira o relógio de pulso. Meninos e
meninas permanecem de pé na
arquibancada, num entusiasmo que não foi
visto durante o jogo. Esse pessoal adora um
babado forte.
— Vai mesmo levar isso adiante? – Nathi
pergunta para uma abatida Nina.
— Não sou de fugir, você me conhece. – a
amiga responde, tristemente.
— Um minuto, correto? – Gancho aperta
uma tecla no relógio de pulso, acendendo o
cronômetro.
— Um minuto. – Nina confirma, sentindo-se
fraquejar.
— Ok. Em suas marcas. – Gancho aguarda.
Nina se aproxima de Lex o suficiente. –
Preparar. – Lex abaixa a cabeça e sente um
frio esquisito na barriga. Os lábios estão tão
próximos que Nina inspira a expiração dele. –
Já!As bocas se tocam. No início, de maneira
tímida, comportada. Os lábios de Lex a
envolvem com doçura e Nina sente choques
elétricos percorrerem toda a extensão da
pele.
A barba por fazer massageia o rosto de
Nina, sem arranhar. Passados alguns
segundos, a garota é tomada por uma força
do além e ela deseja mais, anseia por tudo.
Lex sente o mesmo frenesi. As mãos que
estavam ao lado do corpo, rasgam a chuva e
se enlaçam à cintura dela, trazendo-a para
mais perto. Nina envolve o pescoço dele,
seus dedos se agarrando fortemente aos
cabelos ensopados do garoto.
É para ser um beijo de língua, confere?
Sim! As línguas invadem a cena num duelo
intenso e Nina vasculha cada centímetro da
boca de Lex, sentindo-se preenchida,
completa.
O cara está maluco, a ponto de entrar em
combustão espontânea. Arqueia o corpo para
frente e tomba a cabeça de lado, buscando
aplacar a sede intermitente. Ávido,
selvagem, inflamado.
E os segundos vão passando.
Nina se esquece por completo da plateia.
Neste momento só os dois existem. A chuva
continua a cair, tão fininha que não chega a
atrapalhar. Lex investe mais fundo e Nina
sente o corpo em chamas. O coração
enlouquece dentro do peito e ela se dá conta
de que está frágil, entregue, completamente
perdida.
Lex a segura como se não fosse soltar
nunca mais. Ele não quer que acabe, não
quer que o minuto passe. Mas passará e tudo
voltará a ser como era antes. Ou não?
— Ok. Aposta cumprida! – Gancho grita e a
galera vaia, querendo mais, muito mais!
É difícil pararem de se beijar. Nina precisa
se afastar um pouquinho e Lex, ainda de
olhos fechados, arfa em busca de ar. Ela
ouve um gemido? Sim, ele deixa um gemido
escapar da garganta.
Quando seus olhos finalmente se abrem,
encara Nina, desconcertado. O melhor beijo
da vida dele acaba de acontecer. E se
fizermos uma continha básica, Nina está com
tudo hein! O cara já beijou trinta e duas
bocas até hoje.
Finalmente a ficha cai e a garota retorna
para a Terra. Seus olhos se umedecem e ela
cambaleia, abalada. Ainda com os braços
entrelaçados ao pescoço de Lex, Nina
esconde o rosto no ombro dele. Ele a abraça
mais forte quando a escuta soluçar.
— Gancho, tire essa galera daqui. – Lex
cola os lábios à testa de Nina, cerrando as
pálpebras.
— Considere feito, man. – Gancho parte
para o alambrado, aos gritos. – Acabou o
show, moçada, todos voltando para os
quartos! Tomem banho direitinho que já é
hora do jantar, beleza? Bora, galera,
mexendo esses traseiros aí. E, Bárbara, pare
de fotografar, o show acabou, não ouviu?
— Vá se ferrar, Cabeçudo!
Nathália e Lais se entreolham, petrificadas.
Não sabem o que fazer para ajudar a amiga.
Talvez não haja nada a ser feito.
Nina e Lex continuam abraçados, ela
soluçando e ele apertando-a com mais força
contra o peito, sentindo um nó na garganta.
— Me desculpe. – ele sussurra.
— Eu fui humilhada. – ela diz para si
mesma, o som de sua voz abafado pela
camiseta dele.
— Não foi humilhada. – ele discorda.
— Não acredito que deixei isso acontecer. –
Nina se afasta e soca o peito de Lex.
— Pare com isso. – ele segura as mãos
dela, delicadamente.
— Você foi cruel, Lex. – Nina se
desvencilha daqueles braços fortes,
enxugando as lágrimas com raiva. – Eu odeio
você.
Nina assume uma postura endurecida, mas
a verdade é que está se sentindo vulnerável.
Lex a prende com os olhos e ela precisa fazer
uma tremenda força para se soltar.
Nathália se aproxima, enganchando-se no
braço da amiga, puxando-a para longe de
Lex:
— Venha, vamos sair daqui.
— Foi uma aposta, Nina, mas você tinha
escolha. – desolado, ele afirma acima do
barulho da chuva.
— É, eu sei, sou uma idiota. – Nina fala por
sobre os ombros, dirigindo-se para a saída da
quadra.
O garoto pega a raquete do chão e encara o
equipamento fixamente. O olhar matador do
cara já diz tudo e Gancho recua alguns
passos, não quer correr o risco de tomar uma
raquetada nas ideias.
— Lex?
— Ela vai me odiar para o resto da vida. –
ele divaga num balbucio.
— É claro que não. Foi uma aposta, cara. E
você deu alternativas, ela beijou porque quis.
— Não é bem assim, eu peguei pesado. –
Lex passa a raquete de uma mão para a
outra.
— Na boa, essa aposta não foi nada do
outro mundo. Amanhã isso já estará
esquecido, confie em mim. – Gancho tenta
confortar.
— Tudo isso é culpa dessa maldita Kibi dos
infernos. – trincando os dentes e reunindo a
pouca força que lhe resta, Lex lança a
raquete longe. O objeto gira no ar e a
ponteira finca como uma estaca no
alambrado verde.
— Puta merda! Que tiro certeiro, meu
irmão!
— Não serei mais chantageado, Cabeção.
Essa história termina hoje mesmo!
Vinte e oito: O contra-ataque
Nina está de banho tomado, com o corpo
todo moído. Nathália traz um Dorflex e um
copo d’água. Nina joga o comprimido no
fundo da garganta e sorve todo o conteúdo
do copo.
Seus olhos estão inchados de tanto chorar,
a humilhação foi demais para ela. Resolveu
não descer para o jantar e não há Cristo que
a faça mudar de ideia. A única coisa que quer
é se enfiar debaixo dos lençóis e hibernar,
para só acordar no dia de ir embora.
Com exceção das Kibis, todas as garotas do
Prisma estão atulhadas no quarto de Nina,
consolando-a, dizendo palavras de incentivo.
Nada parece adiantar, a garota está
irredutível: ela desistirá da Grande Aposta.
— Ah, Nina, não faça isso. – Camila ajeita
uma mecha loira atrás da orelha.
— Concordo, você não pode desistir agora.
– Nathália toma uma posição. – Eu disse que
você não deveria ter feito essa aposta, mas
agora que fez, não pode simplesmente sair
fora. Não pode deixar o Lex vencer.
— Você ainda não contou como foi o beijo.
– Lais para de lixar as unhas e encara Nina.
— Lais! – Camila bufa.
— Quê? – Lais dá de ombros e interpela
Nina: – O beijo tirou você do eixo, não foi?
A garota morde o lábio, pensativa. Só de se
lembrar da boca dele contra a sua, das mãos
em seus cabelos, da conexão que surgiu
entre os dois… Nina perde o chão, o eixo
como Lais disse.
— Nina? – Lais aguarda.
— Foi incrível. – Nina revela para espanto
das meninas.
— Eu sabia! – Nathália bate a mão
espalmada na própria perna, furiosa. – Ai,
meu Deus, você está se apaixonando pelo
Lex. Isso se já não estiver apaixonada.
— Eu não estou! – Nina dá um salto na
cama. – Quer dizer, eu não sei, não faço
ideia do que está acontecendo comigo.
— O que isso quer dizer? Que o Lex venceu
a aposta? – Camila pergunta, tensa. – Ele
não pode vencer. Esses caras já passaram
dos limites e essas apostas me dão nos
nervos.
— Sei de algo que poderia reverter o jogo a
seu favor. – Lais toma a palavra, livrando-se
da lixa de unha.
— Você não está entendendo, Lais, eu não
quero mais jogar. Vou desistir dessa aposta,
preciso acabar com isso antes que… antes
que eu…
— Antes que você se apaixone? – Lais
termina a frase. – Ok, Nina, me parece tarde
demais.
Tarde demais. Lais terá razão? Será que o
beijo de Lex despertou o congelado coração
de Nina? Não, não pode ser. Ela saberia, não
é? Bem, a única coisa que sabe é que Lex
mexe com ela de uma maneira que nem
Bruno conseguiu.
— Qual é o seu plano, Lais? – Nathália
pergunta e o quarto mergulha num silêncio
cheio de expectativa.
— A Nina vai reverter o jogo dando em
cima do Lex. Ela precisa deixar o cara tão
doido, que é ele quem vai se apaixonar. –
Lais expõe seu plano, com uma expressão
diabólica no rosto.
— Como é? – Nina engasga. – Você ficou
louca?
— Ei, não é má ideia. – um sorriso se
desenha no rosto de Nathália. – Na verdade,
essa é uma ideia genial! Lais, mandou muito
bem!
— Isso não pode ser sério. Vocês estão
mesmo cogitando essa possibilidade? – Nina
entreabre os lábios, incerta.
— Ao invés de ficar trancada no quarto o
restante da viagem, você vai virar esse jogo
e nós vamos ajudar. – Lais é a segurança em
pessoa.
— Nina, o plano é perfeito! Por favor,
considere a possibilidade. Faça isso por todas
as garotas que já foram apostas no Prisma. –
Camila une as mãos, suplicante.
— Você não pode deixar o Lex levar a
melhor. – Nathi ruge.
— Até você, Nathi? – Nina choraminga,
sentindo-se acuada.
— Não pode desistir da aposta, não a essa
altura do campeonato. Essa é a minha
opinião. – Lais se senta na beirada da cama,
mirando Nina.
— É a opinião de todas nós. – Camila dá
voz ao que todas estão pensando.
— E se as coisas só piorarem? Eu fui
humilhada naquela quadra hoje. – Nina
rebate, um tanto cansada de discutir.
— Por isso mesmo você precisa virar esse
jogo. – Lais assume a voz de comando e
continua: – Lex Heinrich ficará de quatro por
você, escute o que estou dizendo.
— Pense sobre o assunto, Nina. – Camila se
levanta, seguida pelas outras meninas. –
Amanhã você nos dá uma resposta.
Vinte e nove: A Kibi mor
Lex, assim como Nina, acaba de tomar um
Dorflex. O cara sente como se tivesse sido
preso em uma cama sadomasô e esticado de
forma impossível. Não descerá para o jantar,
não está em condições.
Gancho chega com Hulk, trazendo um
sanduba de dois andares e refris. Lex geme
de dor ao se levantar para comer.
Mata o sanduba em tempo recorde,
sorvendo uma Coca gelada para arrematar.
Ele precisava mesmo é de uma cerva, mas o
pessoal do hotel é incorruptível, segundo
Gancho.
— Tentarei de novo. Aquela loirinha da
cozinha ficou me encarando… quem sabe eu
não descolo umas três latinhas? – Hulk se
levanta, pega a carteira e sai do quarto.
— E a Nina? – Lex pergunta, um tanto
deprimido.
— Nem sinal dela, da Nathi ou da Lais.
Tentei subir escondido até a ala das meninas,
mas a Margareth barrou a minha passagem.
– Gancho elucida.
— O que eu devo fazer, Cabeça? Me
ilumine aqui!
— Se você encarar a Kibi, ela vai liberar o
vídeo para o seu velho. E aí, meu
camaradinha, vai feder para o seu lado.
— Meu pai só está esperando algo assim
para barrar a minha faculdade. Ele já avisou,
cara, não vai pagar as mensalidades se eu
aprontar. E o acidente com a moto pode ser
chamado de aprontar, não pode?
— Se fosse meu filho naquela moto, eu
arrebentava a cara dele. – Gancho faz piada,
mas o assunto é sério. Lex poderia ter
morrido naquela brincadeira insana. –
Mantenha a aposta. Agora só faltam cinco
dias.
— Não posso continuar com isso sem saber
qual o plano da Bárbara. – Lex geme ao se
ajeitar na cama. O pescoço e os braços estão
queimando.
— Vamos descobrir. Amanhã cedo pegamos
ela de jeito.
~~***~~
A manhã nasce nublada, com previsão de
chuva no final da tarde. Depois de tomar um
café-da-manhã cheio de carboidratos,
Bárbara segue para o quarto e descarrega as
fotos e vídeos. Ana Paula está no banho, para
variar. Bem, vocês sabem o que isso quer
dizer.
— Não temos material suficiente. Isso aqui
não dá para nada! – Bárbara soca o
travesseiro.
— Foi só o que conseguimos. – Suzana
tenta colocar panos quentes na situação. Mas
como a coisa está fervendo, ela deveria
colocar panos congelantes.
— Que droga! – Bárbara explode.
— Eu não queria tocar no assunto, mas… –
Suzana teme terminar a frase.
— O que é?
— Aquele beijo de ontem, não foi um mero
pagamento de aposta. Sei que não fui a única
a notar isso. – Suzana engole em seco, mas
continua. – Eu realmente acho que você não
vai conseguir seu namorado de volta, nem
com chantagem. O que está rolando entre o
Lex e a Nina já ultrapassou a linha de
segurança e você é a culpada disso. – mesmo
com a possibilidade de um tapa na cara ou
uma vingança desmedida, Suzana fala tudo o
que pensa. Aguarda uma reação exacerbada
pela parte da Kibi Mor, mas essa reação não
vem. Bárbara encara a parede branca por um
longo tempo antes de responder.
— Você tem razão, as coisas saíram do meu
controle. Eu sabia que isso poderia
acontecer. Enfim, terei que mudar de
estratégia. Não que isso seja ruim, só não é o
ideal.
— O que pretende? – Suzana se apruma
sobre os lençóis.
— Minha vingança contra a vagaba vai
continuar. E quanto ao Lex, bem, vou fazer o
cara sofrer como ele me fez sofrer. Se ele
realmente se apaixonar pela Nina, não
deixarei que fiquem juntos.
A história de Bárbara e Lex não é nada de
tão anormal. O problema foi que o cara
mexeu com a Kibi errada. Depois de ficarem
juntos numa festa, a Kibi Mor cercou o garoto
de todas as maneiras, seguindo-o em todas
as baladas da cidade. Eles ficaram juntos por
mais duas vezes depois disso.
Os amigos – entenda Gancho no topo da
lista – desafiaram Lex a namorar a mesma
garota por mais de quinze dias. E o cara, que
não suporta ser desafiado, topou a aposta.
O alvo já estava marcado: Bárbara, a Kibi.
Bem, nessa época o termo Kibi ainda nem
existia. Uma pena, facilitaria muito o meu
trabalho narrativo. Mas vamos em frente.
Bárbara sempre foi louca pelo Lex. Se não
me engano, desde o quinto ano do
fundamental. O tempo passou e ela
finalmente ficou com o cara, na tal festa
citada. Babi realmente acreditava ter fisgado
Lex, para todo o sempre.
Como se fazia antigamente, ele pediu
Bárbara em namoro. Foi uma situação tão
esdrúxula que prefiro não entrar em
detalhes. A garota aceitou, aos pulinhos. O
que ela não sabia é que esse namoro estava
com os dias contados. Ou sabia?
Enfim, nos quinze dias de namoro rolou:
lanchonete, cinema, shopping, cinema,
shopping, lanchonete, cinema, sorveteria…
bem, vocês já entenderam. No décimo sexto
dia, Bárbara chegou na casa de Lex sem ser
convidada. O dia estava chuvoso, escuro e
com trovões que faziam as janelas tremerem.
Naquela tarde, Lex estava sozinho jogando
vídeo-game.
A funcionária deixou Bárbara entrar e
apontou a escada para o andar de cima. Os
pais de Lex estavam no trabalho e a garota
poderia colocar seu plano em prática.
O rapaz nem imaginava o que estava para
acontecer.
Atirando em aliens malvados na tela, Lex
se mantinha alheio ao que rolava do lado de
fora do quarto. Pensava em uma maneira de
terminar o namoro com Bárbara, sem causar
qualquer trauma à menina. Ele já não
aguentava mais o grude e os papos fúteis
que ela gostava de dividir.
Lex ansiava por sua liberdade e a aposta
havia sido cumprida.
Os beijos e amassos não eram de todos
ruins. O que Lex odiava era a garota no seu
pé, dia e noite, ligando de meia em meia
hora para saber onde ele estava. E não só
isso. Ela começou a dar palpites em suas
roupas, corrigir sua postura e a pentelhar
para que ele a levasse a um restaurante de
verdade, sem ser o McDonald’s ou o Burguer
King.
Lex estava a ponto de explodir. Precisava
terminar logo com esse namoro.
A porta do quarto foi aberta e o garoto
quase teve um surto quando Bárbara,
vestindo apenas um robe de seda
transparente, cruzou o umbral e se segurou
no batente, desenvolvendo uma performance
a lá Pole Dance. Ela sustentava um olhar
esmagador, daqueles só vistos em filmes
proibidos para menores de dezoito anos.
Vocês imaginam a cara embasbacada do
Lex?
Juro, o garoto não sabia onde se enfiar.
Arrancou o lençol da cama e correu para
cobrir Bárbara. Mas ela não aceitou ser
coberta e muito menos deixou Lex falar.
Pegou o cara pelo colarinho, jogando-o sobre
a cama.
Bárbara caiu sobre ele que, mesmo
desnorteado, tentou escapar. Bem, qualquer
homem numa situação dessas sucumbiria
facilmente. Mas não Lex. Ele não conseguiria
enganar Bárbara e conviver com isso depois.
Lex apostava sim, até ludibriava, mas nada
desse porte.
Bárbara não parava de beijá-lo, de apertálo,
de sei lá mais eu o quê. Lex rolou para o
lado e segurou os braços da garota acima da
cabeça. Ela precisava ouvi-lo, por Deus! O
problema é que ela não queria ouvir!
Ele até pensou em dar uns tapas na cara
dela, quem sabe assim chamasse a atenção.
Felizmente, não foi preciso dar umas
bofetadas e ele conseguiu falar o que
precisava ser dito, inclusive sobre a aposta.
Bárbara implorava para que Lex não
terminasse com ela. Suplicava por outras
coisas também. A cena foi deprimente. A
garota, nua, vestindo apenas um hobby
transparente, aos prantos. É claro que Lex
ficou comovido, mas foi irredutível. O namoro
estava acabado e ponto final.
Não pensem vocês que Bárbara ficou
chorando por Lex. Oh não. O chororô durou
dois dias, no máximo. Depois disso, a garota
voltou a sua habitual rotina: beijar todos os
caras e infernizar a vida das meninas do
Prisma.
Analisando o fato friamente, acredito que
Bárbara esteja se enganando quanto ao amor
que sente por Lex. Ela pode até ser doente
pelo cara, mas amor? Está bem longe disso.
~~***~~
As Kibis descem para a piscina. Apesar do
dia estar nublado, um forte mormaço toma
conta da ilha. Ana Paula e Suzana estão
dentro da água com um bando de garotos e
quando Lex e Gancho se aproximam, a Kibi
Mor está sozinha lendo uma revista, estirada
na espreguiçadeira. Ela levanta a cabeça,
olha para os garotos com desdém e retoma a
leitura. Gancho arranca a revista das mãos
dela, nada simpático.
— O que querem? – Bárbara interpela,
deslizando os óculos de sol sobre a cabeça. –
Aliás, excelente performance a sua ontem,
Lex. Uau, fiquei sem fôlego. – ela se abana
com as mãos.
— Precisamos conversar. – o tom de Lex é
indecifrável.
— Se é sobre o vídeo ou a aposta, esqueça,
não voltarei atrás. – a Kibi recoloca os óculos
sobre os olhos. – Aliás, você está se saindo
muito bem, nem precisei passar as
instruções.
— O que está pretendendo? Qual o seu
plano diabólico? Se quer se vingar de mim,
tudo bem, mas deixe a Nina fora dessa. – Lex
se senta na espreguiçadeira ao lado.
— Veio defender a vagaba? Sério mesmo,
Lex? – Bárbara se ajeita, numa frieza glacial.
– Eu quero o sangue da Nina. Quero
humilhar a garota, vê-la chorar como
aconteceu ontem.
— Pronto. Já conseguiu a sua vingança. O
que mais pretende? – Gancho joga a revista
no colo de Bárbara.
— Cumpra a sua parte no acordo que eu
cumprirei a minha, Lex. Aliás, a internet aqui
do hotel funciona bem que é uma beleza. Dê
um passo em falso e mando o vídeo para o
seu pai.
— Não tem conversa com você, não é? –
Lex retesa os lábios, irritado.
— Nope. E vão andando, estão estragando
o meu dia.
Trinta: Virando o jogo
Nina olha para o próprio reflexo no
espelho. Precisou tomar outro Dorflex para a
dor. Finalmente o remédio começa a fazer
efeito.
Lais entra no quarto, trazendo o café-damanhã
numa bandeja: uvas, pãezinhos e um
copo de suco de laranja. Nina se senta para
comer e já tem uma resposta para dar.
— O que decidiu? – Lais pergunta, abrindo
sua mala de chinelos.
— Vou virar o jogo, você tem razão.
Desistir da aposta seria mais humilhante
ainda. E como quero vencer, preciso mudar a
minha estratégia.
— Grande garota! Agora sim é a Nina que
eu conheço. – Lais comemora. – Sugiro
começar a virar esse jogo já. Provoque e ao
mesmo tempo despreze o Lex. Pareça estar
feliz, sorria o tempo todo. Você vai pegar o
cara no contrapé, como fez ontem na quadra
de tênis.
— E o que mais?
— Bem, precisamos dar um tapa no seu
visual. Tire essa roupa de ginástica. Darei um
up em você agora mesmo.
~~***~~
Gancho dá um cutucão tão forte em Lex
que o cara se desequilibra. Nina e Lais
passam pela piscina, arrancando assobios dos
garotos e olhares fuzilantes das Kibis.
Nathália acena para as duas, que vão ao seu
encontro.
— Uau, vocês duas estão um must. – Nathi
elogia, ajeitando os óculos de sol. Nota
Gancho e Lex com os olhos vidrados nelas. –
As meninas estão na praia, nos esperando. E
só para constar, o Lex está olhando para cá.
— Ah, é? – Lais dá um sorrisinho divertido.
– Ok, Nina, hora da ação.
— O que eu faço? – Nina congela, sem
reação.
— Tire a canga. Deixe a boca do Lex no
chão. E então, vamos para a praia, como se
esse fosse o dia mais feliz da sua vida.
Nathália e Lais se entreolham e desatam a
rir. Nina nunca fez algo assim antes, nunca
provocou um cara. Talvez seja até
engraçado.
Ela age conforme as instruções de Lais.
Nathália é a única que consegue ver os
garotos e quando meneia a cabeça
positivamente, Nina e Lais sabem que o alvo
foi atingido, num tiro certeiro, à queima
roupa.
— Vamos? – Nina, com a canga pendurada
no ombro, estende os dois braços para as
amigas.
— Demorou! – Lais e Nathi se atrelam à
Nina e as três vão seguindo saltitantes, para
o caminho que leva à praia.
~~***~~
Gancho precisa fechar a boca de Lex, que
ainda está entreaberta. Como sempre
acontece quando se trata de Nina, o garoto
acompanhou cada detalhe em câmera lenta:
ela desamarrando a canga da cintura de
forma sensual, deixando o tecido escorregar
por sua pele vagarosamente, numa
provocação explícita. A cena foi como um
soco no estômago, deixando Lex sem ar.
— Aquilo foi golpe baixo. Ela está
provocando na cara dura! – Gancho se
pendura no ombro de Lex. – E eu que pensei
que não veríamos a Nina tão cedo.
— Mudança de planos, Cabeça. Vamos para
a praia.
— Vai levar a aposta adiante? Não
tínhamos combinado fingir para a Kibi? – o
tom de Gancho é incerto.
— Não é mais uma aposta, agora é questão
de honra. – Lex tira a camiseta, enche o
peito de ar e se arma do seu melhor sorriso
sedutor.
~~***~~
O mar, pós-chuva, está mais revolto do que
de costume. Nina e as garotas jogam vôlei,
logo depois da zona de arrebentação. As
ondas iniciam a formação onde elas estão,
chegando a um metro de altura. Lex e
Gancho mergulham quando uma onda se
quebra.
— Não olhe para trás, mas o Lex e o
Gancho estão se aproximando. Você vai
flertar com o cara e quando ele chegar junto,
vai desprezá-lo, entendeu? – Lais dá as
instruções à Nina.
— E isso funciona? – Nathi pergunta, em
dúvida.
— Funciona que é uma loucura. Vá por
mim. – Lais confirma, já usou a técnica
zilhões de vezes.
— É sério, preciso ter umas aulinhas com
você. – Nathália vê a bola se aproximar e dá
um toque para cima.
~~***~~
Gancho e Lex vão vencendo as ondas,
mergulhando. Finalmente alcançam as
garotas e entram no jogo. Lex se posiciona
entre Nina e Lais.
— Pensei que estaria dolorida hoje. – ele
começa.
— E estou. – Nina confirma. – E você?
— Estou quebrado. – Lex devolve a bola.
— Vou querer uma revanche qualquer dia
desses. – Nina não olha para o lado, foca
toda sua atenção na bola vôlei.
— Não me odeia mais? – ele pergunta, num
tom divertido.
— Não.
— Nesse caso, será um prazer. – Lex
arremata.
O jogo vai rolando, sem incidentes. Os
monitores entram no mar e se juntam ao
bando, trazendo pranchas de surf e
acessórios para mergulho. O jogo de vôlei
chega ao fim e a turma cai matando sobre os
apetrechos trazidos para a água.
— Onde você disse que é um bom lugar
para mergulhar? – Nina fita Lex,
descompromissadamente.
— Quer mergulhar?
— Está se oferecendo para me
acompanhar? – Nina entra no jogo proposto
por Lais. E não é que a garota começa a
gostar?
— Fique aqui. Vou pegar as máscaras.
Lais, que estava próxima dos dois, levanta
o dedo polegar em sinal de aprovação. Nina
bate continência para a amiga: A operação
“Virando o Jogo” tem início imediato.
Trinta e um: O mergulho e a caça ao
tesouro
Nina e Lex nadam, lado a lado, até o local
indicado pelo monitor. Eles até poderiam ter
apostado uma corrida, mas o corpo não
corresponderia. As dores do jogo de ontem
são latentes.
Chegando ao local, Lex desliza a máscara
de mergulho para o rosto. Nina faz o mesmo.
Não estão em zona de perigo nem nada, mas
o local não dá pé para nenhum dos dois.
As ondas começam a se formar mais a
frente, ainda assim, a correnteza os empurra
em direção à praia. Para se manterem no
lugar, é preciso bater as pernas e pés com
vigor.
Os dois mergulham.
No silêncio das águas do mar, Nina sente a
paz transbordar por todas as suas células. É
um silêncio que a aproxima do todo, que a
conecta à Terra, que a lembra, por um
milionésimo de segundo, de que todos somos
um só.
O recife de corais é surpreendente. A
biodiversidade naquele pedacinho de mar,
deixa Nina boquiaberta. Ela precisa subir e
respirar. Quando retorna, Lex estende a
mão, puxando-a mais para baixo.
Mesmo após a chuva, a visibilidade é boa.
Apesar da água estar um tanto turva, é
possível ver os mínimos detalhes, numa
miscelânea de cores que se fundem de forma
surreal.
Um cardume passa em frente aos olhos de
Nina. São peixinhos pequenos, rajados e
multicoloridos. Lex aponta para uma rocha e
ela sorri quando reconhece uma estrela do
mar.
Nina precisa de ar novamente. Lex a
acompanha para cima. Um monitor, que está
na praia, aponta para o relógio de pulso e o
garoto entende o recado. O horário do
almoço se aproxima.
— Temos que voltar. – Lex desliza a
máscara para o alto da cabeça.
— Mas já? – Nina soa decepcionada.
— Podemos voltar amanhã. Topa?
— Fechado.
~~***~~
Os estudantes do Prisma estão espalhados
pelo restaurante do hotel, separados por
níveis de afinidade.
Nina, Lais e Nathália dividem uma mesa e
já estão na sobremesa. Lais deixa o talher
sobre o prato e arqueia o corpo para a frente,
em direção à Nina. Num sussurro, ela diz:
— Não sei o que você fez, mas conseguiu.
O Lex não tira os olhos daqui.
— Mentira! – Nathi engasga, precisando de
um gole de suco para desentalar.
— Eu não fiz nada, nós só mergulhamos no
recife. – Nina leva uma colherada de mousse
de maracujá à boca.
— Bom, o que posso dizer? Você está
virando esse jogo bonito! – Lais ergue o
guardanapo do colo e limpa os cantos da
boca. – E quanto a caça ao tesouro…
— O que é? – Nina arregala os olhos
quando nota que as duas amigas estão
abafando risinhos com as mãos. – O que
vocês fizeram?
— Nós descobrimos que a caça será
realizada em duplas, previamente sorteadas.
Nesse caso, eu e a Nathi aqui, convencemos
o monitor a colocar você e o Lex juntos.
Agora é a vez de Nina engasgar. Ela cospe
a sobremesa de volta no prato e pega o copo
de suco, virando de uma só vez.
— Vocês fizeram o quê? – Nina arfa,
lutando para recuperar o ar.
— Qual é, vai ser divertido. E lembre-se:
mantenha a estratégia. Dê em cima do Lex e
na hora H, salte fora. Combinado?
— Lais, não acredito que isso vá dar certo.
– Nina joga o guardanapo na mesa,
descrente.
— Dará certo, confie em mim.
~~***~~
Conforme instruções dos monitores, todos
vestem roupas confortáveis e tênis nos pés.
As três amigas estão sentadas na areia da
praia, aguardando.
O monitor explica como será a Caça ao
Tesouro. Passa das duas da tarde e um sol
tímido dá as caras por trás de nuvens
escuras.
— A Caça ao Tesouro será realizada em
duplas, sorteadas pela manhã. Na primeira
etapa, os competidores estarão atrelados
pelos pulsos, a essas algemas aqui. – o
monitor levanta as algemas, o que já causa
um murmurinho entre os estudantes.
“Um mapa será fornecido à dupla que
deverá adentrar à mata e procurar por uma
caixa como essa aqui. – uma monitora
levanta uma pequena caixa de bambu. –
Dentro da caixa, vocês encontrarão as chaves
das algemas e outro mapa.
“O segundo mapa os levará para outra
parada, ainda dentro da mata. Vocês
encontrarão uma garrafa e um novo mapa
que os levará ao tesouro. – a professora de
educação física levanta a garrafa. –
Lembrem-se de que o xis marca o lugar.
“Caso alguém se perca ou algo aconteça na
mata, vocês estarão munidos de apitos e
localizadores. Só usem em caso de
emergência, estamos entendidos?
“Monitores e professores estarão
aguardando por vocês no local onde está o
tesouro. A chegada dos vencedores é prevista
para as quatro e meia da tarde. E nem
preciso dizer que a dupla que chegar
primeiro, levará o prêmio, certo? Boa sorte a
todos, tenham cuidado na mata e vamos
descobrir quem são as duplas!”
O monitor chama as equipes sorteadas pela
manhã. Nathi e Lais fazem um sanduíche de
Nina, chocando seus ombros contra os dela,
esperando que a amiga dê uma risada ou
esboce qualquer reação. Mas Nina está tensa
demais para isso. Ela e Lex sozinhos no meio
da mata? Por duas horas inteiras?
— Nina e Alexandre. – o monitor lê em voz
alta. Nina já sabia, mas finge espanto. Lex,
ao contrário, está realmente surpreso.
Ambos seguem até a mesa de apoio. Nina
oferece a mão direita e Lex a esquerda e
então, os dois são algemados e recebem um
mapa das mãos de Margareth.
— Certo, crianças, cuidem-se na mata. – a
professora entrega um apito, um localizador
e um cinturão para cada um. – Posicionem-se
no ponto de partida. – ela aponta uma linha
no chão, onde outros estudantes já se
acotovelam.
— Alguém armou para nós? – Lex sussurra
a pergunta. Com a cara mais cínica do
mundo, Nina responde:
— Não faço a menor ideia.
Trinta e dois: A primeira etapa da caça
Algemados. Sim, esses dois se embrenham
no meio da mata atrelados pelos pulsos, as
peles se tocando. Um perigo!
Lex está com os localizadores no bolso de
trás da bermuda e Nina segura o mapa
aberto em mãos. Os apitos balançam
pendurados ao pescoço, sustentados por um
fio de nylon.
Ambos receberam um cinturão com alguns
apetrechos e um cantil de água. Lex dá uma
olhada rápida no bolso da pochete e
descobre: uma mini lanterna, duas barras
energéticas e um canivete suíço. Dá para o
gasto.
Nina vai guiando Lex pela trilha aberta na
mata. Percebem que os mapas não são iguais
quando Nathi e Nando tomam outro caminho.
Eles se mantém na mesma trilha que Gancho
e Lais, Bárbara e Bola, Camila e Edgard e
outras duplas que vem logo atrás.
— Temos que virar aqui. – Nina para e
aponta algo no mapa.
— Certo.
Os dois saem da pista principal, avançando
por um terreno um tanto inclinado, ladeado
de árvores e plantas rasteiras. Estão por
conta própria a partir de agora.
Estudando o mapa, Nina acredita que logo
alcançarão a rocha demarcada com um xis
vermelho. Quando chegarem a esse ponto,
deverão pegar um caminho adjacente e
seguir em frente, até cruzarem com o riacho.
É lá que encontrarão a caixa com a chave e o
segundo mapa.
Nina estaca de repente. Lex, desavisado,
leva um tremendo puxão para trás. Vira-se
para encarar a garota, irritado.
— Custa avisar que vai parar de andar?
— Desculpe. – Nina pede silêncio, levando
o indicador aos lábios. – Acho que ouvi
alguma coisa.
— Fala sério. – Lex bufa. – Estamos no
meio da mata. É óbvio que você vai ouvir
coisas.
— Não é isso. Tenho a estranha sensação
de que estamos sendo seguidos. – Nina está
séria, compenetrada. Aguarda mais um pouco
antes de retomar o caminho. – Devo estar
enganada.
— Não somos os únicos nessa mata. – Lex
revira os olhos, doido para chegarem logo ao
riacho.
Eles voltam a caminhar. É Lex quem vê a
rocha com um xis marcado. Ao alcançarem o
local, viram à esquerda, numa trilha estreita
e com o mato mais fechado.
— Tem cobras aqui? – Nina não tinha
pensado sobre o assunto até então.
— Com certeza. Mas fique tranquila, elas
não vão se aproximar.
— Nem vou perguntar se o que acabou de
dizer é uma ironia. – Nina acelera e Lex
toma um tranco violento no pulso.
O mapa é preciso. Pouco tempo depois,
escutam o barulho de água. Devem estar
próximos ao riacho. Nina segue em frente,
segurando-se nos troncos das árvores. Nesse
ponto, o terreno está lamacento, resultado
da chuva de ontem.
— Estou ouvindo o barulho de água. – Lex
fala o óbvio.
— Não estou surda.
— Deus, que garota difícil! – ele chacoalha
as mãos e por consequência, uma das mãos
de Nina balança junto.
— Se não quiser tomar uma joelhada, pare
de balançar a minha mão.
— Se me der uma joelhada, vou cair e você
vai precisar me arrastar. – Lex retruca,
parando de andar. Nina sente o solavanco e
fuzila o garoto com o olhar.
— Não precisarei arrastá-lo. Quebro o seu
dedão e tiro a algema.
— Que coisa macabra. Você me dá medo às
vezes. – Lex a encara, recostando num
tronco grosso e cheio de falhas. Pega o cantil
do cinturão e dá uma golada. – Quer?
— Não. Só quero chegar logo nesse riacho
e me livrar de você. – Nina ergue o braço
atrelado a Lex, com a cara amarrada.
— Por que quer se livrar de mim? – ele
guarda o cantil e dá um puxão em Nina. A
garota bate contra o peito dele e usa a mão
livre para se afastar.
— Faça isso de novo e eu juro que quebro a
sua cara. – Nina resmunga, impaciente.
— Já disse que você fica extremamente
sexy quando está brava? – o cara curte
brincar com fogo.
Nesse caso, a velha Nina daria um bom
chute no meio das pernas dele, correto? Mas
a pedido de Lais, usará outra estratégia com
Lex.
— Ah, é? Você acha isso mesmo? – Nina
entreabre os lábios e com o dedo indicador,
traça um caminho perigoso que desliza pelo
peito de Lex até o rosto. Ela se aproxima
mais, prendendo os olhos dele aos seus. O
rapaz é pego no contrapé, a respiração falha
e o coração bombeia o sangue num ritmo
alucinante.
— O que está fazendo? – ele balbucia, a
voz entrecortada.
A mão livre de Nina está na nuca de Lex.
Os olhos não se desgrudam nem um instante.
As bocas se aproximam, mas ela desvia na
hora H, alisando a barba dele com os lábios,
chegando até o lóbulo da orelha. Ela
mordiscou? Sim, ela mordicou a orelha dele!
Lex solta um gemido abafado, fecha os olhos
e sente um arrepio cortante subir pelos
braços.
E então, para arrematar com chave de ouro
esse momento, a garota murmura, com a voz
mais provocante que consegue fazer:
— Se me irritar novamente, vou mostrar o
quanto sua morte por afogamento pode ser
sexy. – dito isso, ela se afasta para o mais
longe que as algemas permitem.
Lex abre os olhos. No lugar daqueles
pontos luminosos que brilham como raios
solares, duas bolas de fogo faíscam na
direção de Nina. Um tanto violento, Lex a
joga contra outra árvore, prendendo-a pelos
braços.
— Se me provocar desse jeito de novo, não
respondo por mim. – ele arfa.
— E o que vai fazer? – Nina mantém o tom
insinuante.
— Está avisada!
E arrancando o mapa das mãos da garota,
ele retoma a trilha, arrastando uma
triunfante Nina que vem logo atrás.
Trinta e três: A segunda etapa da caça
Lex localiza a caixinha de bambu. Está
posicionada sobre uma rocha branca,
próxima às margens do riacho. A corredeira é
feroz e se os dois entrarem na água, poderão
ser levados. A melhor opção é um deles se
agarrar a uma árvore e o outro resgatar a
caixa.
— Eu vou. – o tom alterado de Lex não
deixa opção.
— Tudo bem, vá lá. – ela dá de ombros,
analisando as árvores ao redor. Um galho
grosso e forte o bastante poderá ajudar na
estratégia.
— Acha que consegue nos segurar? – ele
pergunta.
— Acho que sim.
— Se for soltar, me avise. – Lex entra na
água.
— Tá legal.
A operação é executada com maestria. Lex
pega a caixa de bambu e volta para a
margem, encharcado da cintura para baixo.
Só então percebe que Nina morde o lábio,
olhando para algum lugar próximo.
— O que foi? – ele olha para trás. – Que
merda! Corremos risco à toa.
Sobre um tonel cinza, uma corda foi
deixada pelos monitores, propositalmente.
Realmente Lex estava achando aquela
operação de resgate muito arriscada.
— Agora já foi. – ela diz, indiferente. – Por
favor, nos solte logo.
Lex abre a caixa e pega a chave. Sem
qualquer dificuldade, consegue livrá-los das
algemas. A garota sacode o braço, avaliando
se o pulso está ferido. Não está. Lex
desenrola o mapa envolto em um saquinho
transparente.
— Para onde agora? – Nina enche o cantil
de água.
— Tem uma trilha mais à frente. – Lex
aponta para algum lugar além das árvores.
— Ok, vamos lá.
~~***~~
Eles caminham – na verdade se arrastam –
pela nova trilha. Nina está cansada e não
consegue absorver a beleza da mata. Desvia
de folhas, arbustos, galhos e nem sequer
nota os micos que pulam acima de suas
cabeças.
Lex segue logo atrás, tomando o último
gole de água do cantil. Abre uma barra
energética e manda para dentro em três
dentadas. Já passa das três e meia da tarde.
— Esse tesouro tem que valer a pena. –
Lex comenta para si mesmo.
— Se não valer a pena, vou socar alguém.
– Nina rosna, enxugando o suor da testa.
O caminho ziguezagueia entre outras
trilhas. Mas o mapa é perfeito, cheio de
marcações, impossível de se perderem. Nina
ainda está com aquela forte sensação de
estar sendo seguida e não é por Lex. Olha
para trás uma vez. Mais outra. E mais outra.
— O que foi? – ele finalmente pergunta,
olhando também para trás.
— Juro, acho que estamos sendo seguidos.
— Nina, você está paranoica.
— Não estou não. Tenho quase certeza
disso.
— Tudo bem, vou ficar atento. Agora anda,
ainda temos chão pela frente. – Lex mira o
mapa e confere se estão no caminho certo. –
De acordo com as instruções, vamos
encontrar a garrafa logo ali.
Ele aponta para um conjunto de árvores
que formam um semicírculo. Vasculham a
área a procura do objeto. No mapa, uma
árvore está marcada com um xis vermelho.
Nina olha em volta, mas é Lex quem
encontra o tronco pintado.
A garrafa está presa nos galhos mais altos,
balançando com o vento. Nina olha para Lex.
Lex olha para Nina. Alguém precisará subir.
— Certo, eu vou. – ele decide.
— Nada disso. – ela interpõe. – Você
resgatou a caixa, nada mais justo que eu
pegue a garrafa.
— Está alto demais!
— Está duvidando da minha capacidade?
Quer apostar? – Nina leva as mãos à cintura.
— Pensei que nunca mais apostaria algo na
vida. Não depois de… bom, deixe para lá. –
Lex está em dúvida se deve permitir ou não
que Nina escale a árvore.
— Eu subo. Fique aqui – ela o posiciona –
para o caso de eu despencar lá de cima.
— Por favor, não despenque, é sério.
Nina analisa a árvore detalhadamente.
Possui ranhuras no tronco, o que facilitará a
escalada. Lex une as duas mãos,
entrelaçando os dedos. Ela se posiciona e
toma impulso.
Tranquilamente, Nina encontra pontos de
apoio para os pés. Cautelosa, chega aos
primeiros galhos e tudo fica mais fácil ainda.
Seus dedos já podem tocar a garrafa. O
objeto está preso a um galho grosso e
pesado. Nina se segura e corta a corda, com
a ajuda do canivete suíço. Olha para baixo e
vê quando Lex a pega ainda no ar.
— Agora desça daí, com cuidado.
Uma brilhante ideia pisca no cérebro de
Nina como um painel de neon. Quando inicia
a descida, lembra-se das palavras de Lais e
resolve colocar o plano em prática. Se algo
der errado, ela poderá se machucar. Será
que os fins justificam os meios? Bem, só
testando para descobrir.
Engolindo em seco, Nina finge colocar o pé
em falso e despenca da árvore. Lex a
alcança, mas não consegue se equilibrar. Os
dois desabam no chão.
A antiga Nina teria levantado num pulo,
afastando-se de Lex. A nova Nina, criada por
Lais, não faz nada disso. Permanece onde
está, por cima do garoto. Os olhos estão
cravados um no outro. Lex está arfando? Oh
sim, ele está. Não consegue controlar a mão
que rasga o ar, tocando os cabelos dela.
A sensação é de que o tempo parou. Com
os polegares, ele traça o desenho dos lábios
de Nina, suavemente. Ela não se afasta
quando a mão dele desliza para sua nuca,
puxando-a para mais perto.
Ela sente o hálito quente de Lex. As bocas
já estão entreabertas e as pálpebras
semicerradas. Se a garota precisa agir, o
momento é agora.
Tomada por uma urgência, Nina se
desvencilha das mãos de Lex. Levanta-se
sobressaltada, sustentando uma expressão
que denota surpresa e algo mais. Lex nem
imagina que a cena foi premeditada.
— É melhor irmos andando. – Nina bate as
mãos na bermuda, livrando-se das folhas
secas e da terra.
— Nina. – Lex se senta, tentando domar a
respiração.
— Vamos, Lex. – ela pega a garrafa do
chão, puxa o novo mapa para fora e retoma a
trilha, sem olhar para trás.
Trinta e quatro: A terceira e última etapa
da caça
— Não vai rolar. – Nina recua, balançando
a cabeça. – Minhas pernas não aguentarão
nem a metade dessa subida.
— A escalada é bem punk mesmo. – Lex
analisa o mapa, buscando uma rota
alternativa.
O morro é um tanto íngreme, cheio de
rochas, pedras soltas e vegetação rasteira.
Nina observa quatro cordas que vem do cume
até o sopé.
— Estou podre, o efeito do Dorflex já
passou faz tempo. Acho melhor desistirmos.
— De jeito nenhum. Qual é, não sou cara
de desistir fácil. – Lex analisa as cordas e o
terreno. – Mas você tem razão, também
estou quebrado.
— Vamos voltar então. – Nina recosta em
uma rocha, esvaziando o cantil de água na
nuca.
— Podemos dar a volta e contornar o
morro. Veja o mapa. Se caminharmos rente a
montanha, não iremos nos perder.
— Má ideia. Não sabemos onde a trilha vai
nos levar. – Nina discorda.
— Já disse, não vou desistir. Se quiser
voltar, volte.
— O quê? E deixar você contar vantagem
depois? Nada disso! Começamos juntos e
vamos até o fim. – Nina se põe de pé, pronta
para encarar o desafio. – O que estamos
esperando?
Lex deixa um sorriso debochado emoldurar
sua face, iluminando-o de maneira
transcendental. Dá uma olhadela no relógio
de pulso e se sobressalta:
— Vamos andando, já são quatro da tarde.
~~***~~
Quando Lex e Nina desaparecem na trilha
secundária, Bárbara e Bola finalmente saem
de trás das árvores. Ainda estão algemados e
a Kibi o puxa com brutalidade.
— Você é muito mole! – Bárbara estressa.
— Chega disso. Você já conseguiu várias
fotos por hoje. Eu quero voltar.
— Cale a boca e ande logo. – Bárbara dá
um tranco em Bola, colérica.
— Pare! Não vou mais seguir você. Seu
plano é idiota, sabia? Você está tão cega de
ódio que nem se deu conta disso. – o garoto
estaca.
Notando que Bola não ajudará, Bárbara
resolve mudar de estratégia. Com lábios de
mel, aproxima-se do cara, docilmente.
— Não quer ganhar um beijo meu? Não foi
esse o nosso acordo? Se você for até o fim
nisso comigo, é o que vai ganhar como
prêmio.
Bola, que nunca beijou uma garota na vida,
começa a repensar. Mesmo sabendo que pode
apanhar a qualquer instante, solta a bomba:
— Me dê um beijo agora ou nada feito.
Trincando de raiva e com os punhos
cerrados, Bárbara se vê num beco sem saída.
Na verdade, ela possui várias alternativas,
mas opta por se manter no plano original.
— Você quer um beijo meu, Bolinha? E
então fará tudo o que eu mandar? – a Kibi
vai se aproximando, gingando, levando as
mãos aos braços de um Bola todo arrepiado.
— Me dê um beijo de verdade que eu sigo
você até o inferno.
Reunindo coragem e imaginando que Bola
se trata de Lex, Bárbara sussurra no ouvido
do cara antes de lhe tascar um beijo:
— Que assim seja.
~~***~~
A mata é fechada e a trilha sumiu das
vistas. Lex e Nina estão caminhando há
quase uma hora e nada de chegarem a lugar
algum.
— Já passamos por aqui, Lex. Estamos
andando em círculos. – nesse momento, um
raio risca o céu. – E está para cair uma
chuva daquelas! – Nina faz uma pausa
dramática, levando as mãos à cintura. – Que
horas são?
— Cinco da tarde. – Lex responde num fio
de voz. Odeia a cara arrogante que Nina faz
quando tem razão.
— Me dê os sinalizadores. – ela estende a
mão, batendo um dos pés no chão.
— Espere. – Lex fecha os olhos, buscando
escutar os sons da mata. – Está ouvindo?
— O quê? Só escuto a chuva se aproximar.
— É barulho de água. – Lex abre o mapa. –
Se for o mesmo riacho, podemos seguir a
trilha até chegarmos ao local onde
encontramos a caixa. Aí ficará fácil voltar
para a praia.
— Lex, estamos perdidos e já são cinco da
tarde. Os monitores e os professores devem
estar preocupados.
— Confie em mim. – Lex passa por Nina,
seguindo o som da água.
— Mas que droga! – irritada, ela soca o ar e
não vê alternativa a não ser seguir Lex.
~~***~~
O garoto tinha razão, parece ser o mesmo
córrego. Existe uma trilha larga ladeando as
margens. Nina completa o cantil com água
fresca e Lex faz o mesmo. A chuva começa a
cair, um tanto tímida ainda.
Relampeja e a escuridão se aproxima. Nina
segue Lex de cabeça baixa e não nota
quando ele para abruptamente. A trombada
desconcentra-a.
— Ai, o que foi agora? – pergunta, olhando
por cima do ombro dele.
— A trilha acaba aqui. – Lex rosna.
Uma imensa rocha interrompe a trilha e
não parece haver outro caminho. Nina
esbraveja e ataca Lex:
— Eu falei que deveríamos ter voltado, seu
cabeça dura! Agora está escuro, estamos
perdidos e demorarão séculos para nos
acharem! – ela bate a mão espalmada na
rocha, estressada. – Que droga, por que eu
fui ouvir você?
— Quieta! Estou tentando pensar. – Lex se
altera.
— Quieta? Quieta? Está mandando eu ficar
quieta? – Nina urra, mais alto que o barulho
da chuva.
— Eu mandei calar a boca!
— Ah, é? Vem calar se você for homem,
seu babaca!
Ai, ai, ai. Aí a garota mexeu com o brio do
cara. Num ímpeto, Lex parte para cima de
Nina, segurando firme os ombros dela contra
a rocha lodosa. Gotas de chuva escorrem
pela face, levando o suor e a sujeira embora.
Lex não retruca. Seu peito – descamisado
obviamente – movimenta-se num ritmo
inconstante, acompanhando as batidas do
coração. Esses dois estão próximos demais.
Lex se esquece de onde está e para onde
deveria ir. Não se importa com a chuva, a
trilha interrompida ou mesmo por estarem
perdidos. A única coisa que ele quer é calar
aquela boca.
E ele a cala, sentindo um choque térmico
ao tocar os lábios de Nina. Tão sedosos,
saborosos, sedutores. Ao invés de se afastar,
ela corresponde, agarrando-se a ele,
cravando as unhas em suas costas e
descendo.
Lex fica louco quando ela apalpa sua bunda
redonda e bem definida, demora a entender
o que ela pretende com isso. Quando Lex se
dá conta, não há mais tempo para impedi-la.
Nina acaba de iluminar o céu com um dos
sinalizadores.
Ele se afasta, limpando a boca como se
tivesse pedido sorvete de chocolate e na
verdade, a sobremesa fosse feita de jiló.
— Por que fez isso? – interpela, lançando
um olhar abrasador na direção de Nina. – Por
um milionésimo de segundo, pensei que
estávamos nos entendendo.
— Pensou errado. – Nina rebate. – Estou
com fome, com frio, debaixo dessa chuva e
ainda por cima perdida com você. O que eu
deveria fazer?
Um farfalhar no meio da mata atrai a
atenção dos dois. Entreolham-se, sem saber
o que pensar. O barulho torna-se mais
intenso, algo aproxima-se rapidamente.
Lex segura Nina contra a rocha, selando
seus lábios com o indicador. Tira o canivete
do bolso e com um aperto de botão, libera a
faca.
O farfalhar continua. O que mais pode dar
errado no dia de hoje? Nina está apreensiva,
aguardando. Um instinto protetor desperta o
homem das cavernas que existe em Lex.
Assume uma posição de ataque, protegendoa
com o próprio corpo e a lâmina em punho.
— Ah, são vocês. – uma cínica Bárbara
finge surpresa. – Não somos os únicos
perdidos, viu Bolinha?
— Ei, Lex, vai nos matar? – Bola aponta
para o canivete. Lex fecha a faca e guarda o
acessório no bolso, relaxando.
— O que estão fazendo aqui? – Nina
pergunta, por sobre o ombro de Lex.
— Estamos perdidos, como vocês. Vimos o
sinalizador e viemos para cá. – Bola,
acostumado a mentiras, nem precisa se
esforçar.
— Vocês ainda estão algemados. – Lex
observa, intrigado.
— Longa história. – Bárbara leva as mãos
aos cabelos molhados, sacudindo-os a seguir.
– Não deveríamos usar outro sinalizador?
— Eu solto, eu solto! – Bola empolga e
aponta o cano vermelho para cima, liberando
a luz a seguir. A noite se ilumina de
imediato.
— Agora temos que esperar. – Lex se vira
para Nina que, como ele, também sente a
mentira no ar.
Bárbara e Bola iniciam uma discussão
irritante sobre onde sentarão. Apesar de
ensopada, a Kibi não quer sujar o minúsculo
short. Enquanto eles brigam, Nina aproximase
de Lex e sopra em seu ouvido:
— Não é mega estranho estarem
algemados ainda? Acha que estavam nos
seguindo?
Lex suspira alto. Nina tinha razão, estavam
sendo seguidos. A Kibi quer vingança e pelo
visto, mantém algum plano diabólico em
mente que envolve espionagem e sabe-se lá
mais o quê. Mas Lex descobrirá, afinal, Bola
está metido nisso de alguma maneira.
— Nina, eu não faço ideia. – ele puxa o
sinalizador do bolso traseiro da bermuda,
encarando o tubo por algum tempo. – Bola,
vocês tem mais um aí, certo?
— Sinalizador? É, temos mais um.
— Vamos disparar um a cada cinco
minutos, beleza?
— Beleza, Lex. – Bola concorda,
desequilibrando-se e caindo quando a Kibi o
puxa para baixo.
Lex vai até o riacho e pega algumas
pedrinhas no chão. Começa a jogá-las, uma a
uma, no meio da corredeira, na intenção de
fazer com que o tempo corra mais depressa.
Bola e Bárbara não param de discutir um
segundo. Lex olha para Nina de esguelha. Ela
está se abraçando, trêmula. A chuva é
pesada, fria e a sensação térmica cai alguns
graus.
Tomado por uma força maior, ele caminha
até a rocha, arrancando a camiseta presa à
bermuda, torcendo-a para tirar o excesso de
água. Aproxima-se de Nina, colocando a
camiseta sobre os ombros dela. Os dois se
encaram.
— Logo estaremos no hotel. – Lex ajeita
uma mecha úmida do cabelo de Nina atrás da
orelha.
— Preciso de um banho fervendo. – ela
fricciona as mãos contra os braços, tentando
em vão se aquecer.
— E depois, um cheeseburger duplo com
maionese. – o estômago de Lex dá as caras
quando pensa em comida.
— Com batatas fritas. – ela sorri,
penetrando mais fundo nos olhos de Lex.
— E milk shake de chocolate.
— Com caramelo.
Uma nuvem elétrica cerca esses dois,
prendendo-os de maneira sobrenatural. Lex
sente uma vontade irresistível de tocá-la,
mas é Nina quem diminui a distância,
afundando o rosto em seu peito. Ela arfa
quando se sente abraçada, seu corpo se
arrepia quando a temperatura começa a
subir.
— Já devem estar chegando. – Lex
pressupõe, tocando a testa de Nina com os
lábios.
— Hum, hum. – ela já não sabe se quer ser
resgatada. Por um breve momento, a
segurança que sente nos braços de Lex
parece bastar.
— Não está na hora de soltarmos outro
sinalizador? – Bola pergunta, acima das
reclamações de Bárbara.
— Manda lá, Bolota. – Lex responde, sem
olhar para trás.
Trinta e cinco: Passeio de escuna
Depois do resgate e de ouvirem um baita
sermão dos professores, os quatro estudantes
ensopados seguiram para seus respectivos
quartos. Nina toma um banho fervendo, com
Nathi e Lais sentadas no chão, ouvindo toda
a narrativa.
— Ainda não entendi o que a Bárbara e o
Bola estavam fazendo ali. Isso está muito
estranho. E você disse que teve a impressão
de estarem sendo seguidos. – Nathi
conjectura.
— Também achei muito estranho. E como
eu disse, eles estavam algemados. – Nina
abre a tampa do condicionador, espalhando o
conteúdo nos cabelos. – Que eles estavam
nos seguindo, disso eu tenho quase certeza.
A pergunta é: por quê?
— A Kibi é louca pelo Lex, acho que ela
faria qualquer coisa para tê-lo de volta. Ou
então, abriria as portas do inferno para que
ninguém pudesse ficar com ele. – Lais
recosta no azulejo frio do banheiro.
— Ela estava seguindo o Lex e a Nina para
ver o que iria acontecer entre eles, é isso? –
Nathi lança a pergunta em meio à névoa
esbranquiçada.
— É a única explicação. – resume Lais.
— Eu sei lá e pouco me importa. A única
coisa que quero é comer, estou morta de
fome.
~~***~~
O dia nasce com um sol brilhante, em meio
à nuvens esparsas. Camila e Edgard foram os
vencedores da Caça ao Tesouro e
acompanhados por dois instrutores,
executam manobras radicais a bordo de jet
skis, fazendo inveja para todos os estudantes
do Prisma.
Nina, Lais e Nathália já estão com suas
bolsas de praia a tiracolo, aguardando a
escuna chegar ao píer. O almoço da galera
acontecerá em uma ilha próxima, a meia
hora da Ilha Inamorata.
Lex e Gancho estão posicionados,
aguardando Bola chegar à praia. Quando
finalmente dá as caras, os garotos se jogam
em cima dele, arrastando-o para um local
longe das vistas curiosas.
— O que está aprontando, Bolota? – Lex
interpela, impaciente.
— O quê? Do que você está falando?
— Não se faça de besta. Ande logo, conte o
que está aprontando com as Kibis. – Gancho
aperta o pescoço do garoto com força. – Está
dando uma de agente duas caras, é isso?
Leva e traz? Moleque de recados?
— Qual é, Gancho, eu nunca faria isso com
vocês. – Bola está ficando vermelho e sem
ar.—
Você e a Bárbara estavam nos seguindo
na trilha ontem, não estavam? – Lex
pergunta, com cara de quem vai matar
alguém. – Anda, responde!
— Estou sem ar. – a voz do garoto é
apenas um sopro.
— Solte ele, Gancho. – Lex toca o braço do
amigo, fazendo-o soltar o pescoço de Bola.
— Galera, juro, eu não fiz nada. – Bola
choraminga.
— Meu irmãozinho, desde que chegamos na
ilha você aprontou muito pouco. E isso só
quer dizer uma coisa: você está ocupado com
algo mais importante. – Gancho faz pausa
para respirar. – Das duas uma: ou você virou
um maricas ou está de conluio com as Kibis.
— Gancho, Lex, caras… eu não fiz nada
errado, juro para vocês!
— Resposta errada. Você sempre está
aprontando alguma. – Lex chega mais perto
e Bola recua dois passos. – Se eu souber que
você está metido com as Kibis, juro por Deus,
encho você de porrada!
— Caramba, Lex, pega leve. Tô falando,
podem confiar em mim, juro por Deus. – Bola
cruza os dedos às costas. Nem Lex, nem
Gancho percebem a manobra.
— Ei, vocês, a escuna chegou! – Hulk grita
na direção dos três.
— Se tem algo para nos contar, que seja
agora. – Gancho ruge, enfurecido. – Estou
dando uma chance a você, Bola.
— Já disse, sou inocente.
Lex e Gancho se entreolham. Nenhum dos
dois acredita em Bola, mas a partir de agora,
ficarão espertos com o garoto.
— Vai, vaza. – Gancho dá um tapa na nuca
de Bola e o garoto sai correndo.
— Não acreditei em uma palavra. – Lex
lança um olhar matador para o nada.
— Nem eu, man. De agora em diante,
ficaremos de olho nele.
~~***~~
A bordo da escuna, as meninas fritam no
sol e os garotos jogam truco. Nina está
afastada da turma, sentindo o vento nos
cabelos e uma liberdade gostosa, dessas que
poucas vezes sentimos.
Lex se aproxima, sem ser notado.
— Um milhão pelos seus pensamentos.
— Um milhão de quê? Me disseram que seu
pai cortou a sua mesada. – Nina ironiza, sem
olhar para trás.
— Que tal um milhão de beijos? É a única
moeda de troca que tenho no momento.
Lex arranca uma gargalhada de Nina. Ela
gira nos calcanhares para encará-lo, já
sabendo o que irá encontrar: um sorriso
debochado naqueles lábios altamente
sugestivos.
Mesmo com os óculos de sol, Nina precisa
colocar o braço à frente do rosto para fitar
um Lex sem camisa. O mal tempo foi embora
e a previsão afirma que é em definitivo, até o
final da viagem.
— E então? Em que está pensando? – ele
insiste.
— Nos lugares que ainda não conheço, nas
viagens que quero fazer. – Nina faz uma
pausa, olhando para os chinelos coloridos que
Lais emprestou. – Por que isso importa?
— Tudo o que diz respeito a você é
importante para mim.
— Rá! Você realmente quer perder os
dentes, não é? Pare de me zoar, tá legal?
— Não estou brincando. – Lex chega mais
perto e Nina dá um passo atrás, batendo com
as costas no parapeito da embarcação. – Me
diga, que lugar quer muito conhecer e ainda
não conhece?
— Paris. – ela responde, com ar distraído.
— Paris? La ville lumière?
— Ah, não. Você fala francês. – Nina revira
os olhos, com desdém.
— É a linguagem do amor, sabe como é.
— Como você é óbvio, Lex. – ela rebate,
estalando a língua no alto da boca.
— Je ne suis pas pardi. D’ailleurs, tu sais
que tu es très belle, aujourd’hui?
— Acha que estou linda hoje? Sério
mesmo? – Nina manda muito bem no
francês.
— Putz grila! – o cara é pego no contrapé.
– Fala francês? Por que não me disse?
— Tu ne m’as pas demandé, con.
— Hahahahaha. Nina, você é uma caixinha
de surpresas.
— E como eu disse, você é o cara mais
óbvio que conheço. – ela gira sobre os
chinelos e suspira profundamente. Lex
entende a deixa, mas não desiste de
aporrinhar.
— Que lugar mais a atrai em Paris? – ele
pergunta, entre os cabelos esvoaçantes de
Nina.
— Podemos até conversar civilizadamente
se você largar de ser um otário.
— Tudo bem. O otário sai e o legal entra
em cena. Pronto, podemos conversar. – ele
faz uma pausa. – E então? O que quer
conhecer em Paris?
Nina bufa alto antes de responder, num
rugido:
— O Louvre.
— Tantas coisas para conhecer em Paris e é
o Louvre que chama a sua atenção? – Lex se
posiciona ao lado de Nina. Alisa os cachos
para trás e aguarda uma resposta à
provocação.
— Quero ver a pirâmide de vidro de perto.
Pode até ser que eu chore de emoção. – Nina
entra em devaneios, afastando os cabelos
que teimam em voar para o rosto. – Algo me
diz que o Louvre é um lugar mágico. – então,
se dá conta de com quem está dialogando e
completa: – Vai me zoar?
— É claro que não. Aliás, poderíamos ir
juntos a esse lugar mágico. Prometo enxugar
suas lágrimas. – Lex sorri, acompanhando a
reação de Nina de rabo de olho.
— Poxa, não dá mesmo para manter uma
conversa normal com você. – ela se inflama
de raiva.
— Estamos tendo uma conversa normal. –
ele retruca, indignado.
— Não estamos não. E quer saber? Dê o
fora daqui antes que meu joelho de ferro
entre em ação!
— Ei, Lex, venha tocar algo para nós! –
Gancho grita, com o violão em mãos.
— Bem, fui salvo pelo gongo. – curvandose
perante Nina, finaliza de maneira teatral:
- Ma chérie, enchantée de te parler. Au
revoir.
~~***~~
A Ilha da Sereia é um lugar mágico,
cercado por uma atmosfera aconchegante e
rústica. As principais atividades da pequena
ilha são a pesca, o artesanato e o turismo.
Um dos únicos restaurantes do lugarejo
localiza-se à beira-mar. Esse é um local alto
astral, bucólico e supercolorido. É o típico
lugar em que você se sente abraçado ao
entrar.
Após o almoço, Nina dá de cara com o
violão de Lex sobre uma mesa e tomada por
uma urgência do além, toca as cordas com a
ponta dos dedos, sentindo-se arrepiar. A
energia de Lex emana do instrumento. Lais e
Nathi se entreolham, aos pulinhos.
— Toque para nós, Nina. – Nathália pede,
com olhos brilhando em excitação.
— Não na frente dessa galera. – Nina
recua.
— Podemos ir ali, naquele cantinho. – Lais
aponta para um lugar mais distante, uma
espécie de bangalô sobre um tablado de
madeira.
— Ah, Nina, por favor! – Nathi implora.
— Ei, Gancho! – Nina chama. – Posso pegar
o violão do Lex emprestado?
— Vai quebrar na cabeça dele? – o pirata
arregala os olhos.
— Não, Cabeçudo! Ela vai tocar para nós. –
Nathi intervém. – Acha que o Lex ficará
bravo?
— Bom, se a cabeça do cara ficar inteira,
acho que não tem problema algum. – Gancho
libera o violão e as amigas se encaram,
sorrindo.
~~***~~
Quando Lex sai do mar, leva as mãos aos
cabelos, livrando-se do excesso de água. Com
os olhos cerrados, sente uma vibração chegar
aos ouvidos: uma voz melodiosa acima de
duas outras. São vozes femininas, ao som de
um violão.
As pálpebras de Lex se abrem, procurando.
Petrifica no lugar quando vê a cena, para
variar, em câmera lenta:
Nathi e Lais estão sentadas sobre futons,
elevadas por um tablado. Seus corpos vem e
vão, acompanhando o ritmo ditado pelo
violão. Nina, sentada ao meio, toca com uma
palheta em punho, os acordes tomando vida
a cada batida.
E a voz, o que dizer da voz? Seria Nina
uma sereia disfarçada? Lex está sentindo um
chamado quase insuportável, um clamor que
grita para que ele se aproxime. Antes que
comece a caminhar, quase flutuar em direção
à voz, Gancho dá um tapa no ombro do cara,
trazendo-o de volta à realidade.
— Tudo bem eu ter emprestado o violão
para as meninas? – é a segunda vez que
Gancho faz a pergunta.
— Oi?
— Se liga, Lex! Está com a cabeça onde,
meu camarada?
— Desculpe, Cabeçudo. O que foi?
— Tudo bem eu ter emprestado o seu
violão? Quer que eu faça mímica?
— Ah, isso. Sem problemas. – Lex
responde, de forma casual. Seus olhos
retomam o caminho até o tablado e ali se
fixam, vidrados.
— Lex? Você está de boa? – Gancho corta a
visão do amigo com a palma da mão. – Ai,
meu bom God! O que é isso que eu vejo?
— Hum? – Lex ouve a voz de Gancho lá
longe.
— Meu irmão, você está gamadão! Cara,
não acredito nisso! Como eu não percebi
antes?
— O quê? – Lex se sobressalta. – Cale a
boca, Cabeça, não é nada disso.
— Alexandre Heinrich, você está
perdidamente apaixonado, meu camaradinha.
Juro que não imaginei que viveria para ver
essa cena.
— Gancho, enlouqueceu? – Lex sussurra,
olhando para os lados.
— Qual é, Lex, eu sou seu brother! Se não
contar para mim, vai contar para quem?
— Não estou apaixonado, tá legal? – Lex
sustenta uma expressão nervosa, quase
desesperada.
— Lex, sabe que pode me contar qualquer
coisa, não sabe?
— Gancho, no dia em que eu me apaixonar,
você será o primeiro a saber.
Trinta e seis: Véu de Noiva
Lá pelas duas da tarde, os monitores
reuniram a turma num local chamado Canto
da Sereia. De lá partirá a comitiva a caminho
da Cachoeira Véu de Noiva. Antes da saída, o
monitor-chefe dá as instruções:
— A trilha é de quinze minutos,
supertranquila e plana. Aqueles que
quiserem, poderão descer a cachoeira de
rapel ou tirolesa. Os que não forem adeptos
dos esportes radicais, poderão seguir por
outra trilha. Permaneçam juntos e vamos em
busca de aventuras!
O caminho é ladeado por árvores frondosas
de copas largas, carregadas de um colorido
suntuoso. Apesar do forte calor, a sombra
das árvores refresca os estudantes e o aroma
de natureza intocada é revigorante.
Nina, Lais e Nathi puxam a fila,
caminhando logo atrás dos monitores. Um
deles vai nomeando as espécies nativas ao
redor. Um passeio para lá de cultural, já que
Nina não conhece a metade da flora que lhe
é apresentada.
Numa bifurcação, os estudantes se dividem
em dois grupos: os Pés no Chão e os
Amantes de Adrenalina. Óbvio que Nathi
segue entre os Pés no Chão e Nina e Lais
optam pelos Amantes de Adrenalina. Ambas
escolheram a tirolesa e já se preparam para
saltar, numa queda de trinta e seis metros de
adrenalina na veia.
Lais é a primeira da fila e dá um grito
quando salta. O monitor checa o
equipamento de Nina, posicionando-a. Ela
será a próxima. O coração quer sair pela
boca, mas a garota é corajosa. Lex se
aproxima, com um sorriso de deboche.
— Vai mesmo encarar?
— Não conheço o medo, Lex.
— Encontro com você lá embaixo. – o tom
dele muda, denotando apreensão. Lex está
com medo por ela? Pouco provável. Ou estou
enganada?
— Está pronta? – o monitor termina a
checagem do equipamento, atrelando-o à
corda.
— Prontíssima. – Nina fita Lex por um
segundo. Cadê o sorriso debochado? O que
ela vê é uma expressão receosa e um olhar
sério. – Ei, eu não quebro, lembra?
— Chegue inteira lá embaixo, está bem? –
Lex testa o equipamento de Nina, dando
pequenos trancos para verificar se ela estará
em segurança.
— Quer apostar?
Lex morde o lábio e não responde a
provocação.
— Ok, Lex, fique tranquilo. Vejo você lá
embaixo. – dito isso, ela se joga em direção
ao nada, sentindo tudo ao mesmo tempo. –
Uhuuuuuuuuuuuuuuuu.
~~***~~
Caramba, o que dizer sobre a cachoeira? O
lugar é um pedaço do paraíso na Terra, com
um lago esverdeado e límpido, cercado por
formações rochosas e muito verde. A água
cai aos montes lá de cima, abrindo-se num
véu que bate com força no deck natural de
pedra calcária.
Nina e Lais nadam até a margem, onde
Nathália está sentada com um livro em mãos.
O mesmo livro que Gancho cedeu quando o
seu ficou ensopado.
— Nathi, venha nadar! – Lais chama.
— Ah, gente, vocês sabem que eu não
curto esse tipo de coisa. O fundo é lamacento
e tem bichos estranhos aí dentro. – Nathi
marca a página do livro e o fecha. – Eu
prefiro ficar aqui, sendo comida pelos
borrachudos.
— Você deve ter o sangue doce. Os
borrachudos não ousam se aproximar de
mim. – Nina brinca, saindo da água.
— Certo, pessoal, para aqueles que se
aguentam nas próprias pernas, atrás da
queda d’água existe uma gruta incrível. São
quatro câmaras desenhadas pela natureza.
Quem estiver a fim, que me siga! – o monitor
mergulha e poucos o seguem. Nenhuma das
meninas encara passar por debaixo da queda
d’água.
— Lais? – Nina aponta com a cabeça para a
cachoeira.
— Ai, será? Não sei não. – Lais não está
muito disposta a encarar a fúria da natureza.
— Sozinha eu não vou. – Nina está muito a
fim de conhecer a tal gruta.
— Vou com você. – a voz de Lex se faz
ouvir quando ele sai da água.
— Não, obrigada. – Nina rebate, com
descaso.
— Qual é, vamos lá, será divertido. –
Gancho se aproxima, colocando pilha nas
garotas.
Lais topa ir com Gancho, mas só depois de
Nathália dar um ok com a cabeça. Lex espera
por uma resposta de Nina.
— Vá lá, Nina. – Nathi incentiva.
— Talvez não seja boa ideia. A força dessa
água vai arrancar o meu biquíni e eu deixei a
camiseta na praia.
— Sinceramente, adoraria que a água
arrancasse o seu biquíni. Quanto à camiseta,
pode usar a minha. – Lex tira a camiseta
ensopada da cintura, estendendo-a para
Nina.
— Como você é engraçadinho. – ela
estreita os olhos, metralhando-o.
— Vá logo, Nina. – Nathi empurra a amiga
para cima de Lex.
— Dê logo essa camiseta aqui. – ela puxa a
vestimenta, analisando os prós e contras.
— Não pense, apenas vá. Ou depois, vai se
arrepender de não ter ido. – Nathi então
retoma a leitura.
Vestindo a camiseta de Lex, ela o segue a
nado até a cachoeira. A força da água é
surpreendente e Nina tem dificuldades para
respirar. Lex sobe no deck com uma
facilidade extrema e lhe estende a mão.
A água pesa toneladas e massageia
ferozmente os ombros e a cabeça. Nina sente
os joelhos arquearem e Lex a puxa de uma
só vez para dentro da gruta.
O chão está escorregadio e ela se apoia no
ombro dele. Lex a enlaça pela cintura e os
dois avançam com muito cuidado. Lais e
Gancho seguem mais a frente, um
amparando o outro para não caírem.
— Está escorregando muito. – Nina
caminha com cautela.
— Enquanto estiver nos meus braços,
estará segura. – ele solta a pérola.
— Rá, rá! Como você é presunçoso.
— Olha quem fala.
Avançando vagarosamente, finalmente
chegam a uma segunda câmara. O monitor
explica como aquela gruta foi formada e Nina
não consegue prestar atenção, sua mente
não processa as mais simples palavras.
Lex está próximo demais.
O toque dele em sua cintura, o calor que
ele emana, as gotículas de água que
escorrem pelo seu tórax, a forma como ele
tomba a cabeça de lado, os olhos da cor do
sol, a barba dourada por fazer, os dentes
brancos que agora mordem o lábio.
Nina se pega relembrando o gosto que ele
tem, a forma como ele a segura ao beijá-la,
aquele sorriso debochado nos lábios… ele
nem imagina, mas ela se derrete por dentro
quando ele sorri.
O monitor leva a turma para outra câmara
e ao invés de seguir o pessoal, Nina estaca,
sentindo que precisa sair correndo dali agora
mesmo. Há uma ânsia que abre caminho por
suas veias, uma vontade absurda e
incontrolável de sentir os lábios de Lex
contra os seus.
— O que foi? – ele pergunta quando
percebe que há algo errado.
— Nada. – Nina acaba de corar, abaixando
a cabeça para que Lex não perceba.
— Está tudo bem?
— Tudocerto. – ela responde tão rápido que
o “tudo certo” pareceu uma palavra só. –
Eu… eu vou voltar.
— Por quê? – Lex suspende o queixo de
Nina com o polegar. – Não fiz nada errado,
fiz?— Não. – ela se apressa em responder. –
Por incrível que pareça, você não fez nada
errado.
— Então?
— Não é nada, só quero voltar. – ela
desliza os pés pelo chão rochoso e vai se
arrastando, sem conseguir se firmar.
— Tudo bem, eu ajudo você. – ele a segura
pela cintura e os dois seguem rumo à saída
da gruta.
Avançando sem prudência, Nina dá um
passo maior do que deveria. O pé de apoio
não a sustenta e Lex a ampara, usando a
parede rochosa para escorá-la. Tão próximos,
tão perigosamente próximos!
Eles se encaram por alguns segundos. Nina
sente o coração pulsar mais rápido e teme
cometer uma loucura a qualquer momento. E
não é que ela comete?
Indo contra sua natureza congelante, Nina
agarra o rosto de Lex num ímpeto
desenfreado, trazendo-o para si, para sua
boca. A garota perde o controle, o chão, a
noção. Lex não se afasta, pelo contrário. Ele
a gruda no paredão, num desespero
causticante.
A conexão entre os dois é imediata. Tudo
ao redor perde a importância, o significado.
Nina sabe que deveria se afastar, mas não
consegue, os sentimentos gritam e tomam
espaço com uma força avassaladora.
As mãos de Lex ganham terreno, subindo
pelas curvas de Nina, levantando a camiseta
molhada até o meio das costas. Ele tomba a
cabeça de lado e se agarra aos cabelos dela,
completamente ensandecido.
Esses dois estão pegando fogo e Nina não
consegue apagar o incêndio. Uma de suas
pernas se enlaça aos quadris de Lex e o
garoto está a ponto de entrar em ebulição.
Infelizmente eles não veem, mas eu vejo:
Bola, escondido nas sombras, lança mão da
câmara a prova d’água de Bárbara e clica
esse momento tão íntimo. Com um sorrisinho
lateral, o cara se afasta, doido para ganhar
mais um beijinho.
Trinta e sete: Voltando para a Ilha
Inamorata
Nina afasta Lex brutalmente. Ela arfa. Ele
também. Os dois se fitam por um período
indeterminado e Nina está envergonhada.
Em que diabos ela estava pensando ao
agarrar o cara dessa maneira?
Bola já se mandou faz tempo, esgueirandose
para dentro da gruta, juntando-se aos
outros. Lex e Nina estão sozinhos, ao lado da
queda d’água. O sol incide de maneira a
formar um lindo arco-íris, mas nenhum deles
aprecia o espetáculo.
— Desculpe, não sei o que me deu. – ela
mira os pés, sentindo-se ruborizar.
— Quando um não quer, dois não beijam. –
Lex se aproxima novamente, mas Nina o
bloqueia com a mão espalmada, mantendo-o
à distância. – Precisamos conversar sobre
isso.
— Não, Lex. Não há nada o que conversar.
– segurando-se na parede rochosa, a garota
vai se equilibrando, deslizando os pés para
chegar a saída da gruta.
— Nina, por favor.
— Não quero conversar. – ela balança a
cabeça, sentindo-se ruir por dentro.
— Espere, eu ajudo você.
— Não. Eu me viro sozinha.
Lex estaca. Observa Nina se afastar, passar
pela parede de água e sumir das vistas. Alisa
a franja para trás e mira o teto cavernoso,
com lábios trêmulos e a mente confusa.
Tomado por uma fúria crescente, desfere um
soco no paredão rochoso. Lex está pego e
sabe disso, apesar de não querer acreditar
em seus próprios sentimentos.
~~***~~
Já passa das seis e o céu sustenta os
últimos raios do sol, numa aquarela belíssima
de degradês. Nina, Nathália e Lais debatem,
sentadas em um banco acolchoado na proa
da embarcação. Nina acaba de contar o que
aconteceu na gruta e as amigas estão
boquiabertas, sem saber o que dizer.
— Eu acho que perdi a aposta. – Nina
prende o cabelo num rabo de cavalo
improvisado. Os olhos estão marejados e os
sentimentos são confusos e intensos. – Você
estava certa, Nathi. É impossível resistir ao
Lex.
— Odeio sempre estar certa. – Nathália
tomba a cabeça para trás, fitando as
primeiras estrelas que surgem no
firmamento.
— Não é só atração? – Lais especula. – De
repente você está confundindo sensações
com sentimentos. Acontece com mais
frequência do que se imagina.
— Eu não sei. Nunca estive tão perdida na
minha vida. – Nina confessa, desanimada.
Nathália suspira alto, tinha certeza de que
isso aconteceria. Lex é um cara sedutor, dos
mais gabaritados. Ninguém, em sã
consciência, resistiria aos seus encantos.
— O que eu posso dizer? – Lais segura as
mãos de Nina entre as suas. – Antes de
decretar a vitória do Lex, tenha certeza dos
seus sentimentos. Coloque-os à prova.
Enquanto isso, mantenha a nossa estratégia.
— Não tenho mais forças para continuar
com isso. Estou cansada. – Nina revela, aos
choramingos.
— Faltam só três dias para voltarmos.
Espere até lá antes de dar fim à aposta. –
Nathi finaliza e deita sobre o banco
acolchoado, admirando os brilhos piscantes
no céu.
~~***~~
Bola ganhou um beijo daqueles desferido
pela Kibi Mor. Mais um. A foto de Lex e Nina,
aos amassos, atrelados como dois selvagens,
ficou fantástica. A luminosidade, o cenário, o
clima “homem das cavernas”… tudo ficou
perfeito.
Mas Bárbara quer mais, algo realmente
quente. Uma imagem que grite “Nina é uma
biscate”. Essa foto, a Kibi ainda não obteve.
Mas ela conseguirá, independente do que
precise fazer para isso.
~~***~~
O clube do bolinha está reunido após o
jantar, conspirando na sala de jogos do hotel
e não parece haver ninguém a espreita.
As únicas apostas cumpridas até o
momento foram o jogo de tênis, em que Lex
venceu, e Nando versus Camila. A garota,
sem saber de nada, caiu na rede de Fernando
lá na cachoeira. Deram uns amassos e Nando
venceu a aposta. Coitadinha da Camila, é a
quarta vez que cai numa aposta. Mas, ao
contrário das outras vezes, o garoto está
interessado e resolve investir pesado. Ponto
para Camila.
A aposta Gancho versus Nathália não anda
muito bem das pernas. O cara ficou puto e
não quer levar isso adiante. Não que não
esteja interessado em Nathi, longe disso. O
que ele não quer é que ela seja uma aposta
e, por isso, decide-se manter distante,
preservando-a.
As apostas Edgard versus Suzana e Hulk
versus Ana Paula não vingaram. As Kibis
parecem saber que são apostas, como se
alguém houvesse delatado. Sempre que os
garotos se aproximam, elas rugem, ferozes.
Coisa estranha.
Bem, para nós não é nada estranho, afinal,
Bola deu com a língua nos dentes, contando
para Bárbara sobre as apostas. Garoto mau,
muito mau.
A única aposta sem um final definido é Lex
versus Nina. Os garotos querem saber
detalhes e ele se limita a dizer que já perdeu
essa. Não conta sobre os beijos nem sobre
seus sentimentos com relação à garota.
Gancho abaixa a cabeça e dá uma
risadinha. O Cabeçudo é o único que sabe
sobre os beijos roubados e tudo o que está
rolando entre esses dois. Apesar do amigo
jurar que não, Gancho tem certeza de que
ele está apaixonado.
Trinta e oito: O início do quinto dia na
ilha
Lex e Nina não conversaram depois do que
rolou na gruta. Ela esquiva-se, não quer
confrontá-lo de maneira alguma. Sente como
se estivesse no olho de um furacão, sem
saber para onde correr.
Nina teme enfrentar seus sentimentos, não
considera a possibilidade de descortinar o
que está por trás das sensações que invadem
seu corpo quando Lex está por perto. Não
quer descobrir que Nathália estava certa, não
suporta a ideia de estar apaixonada.
Justamente ele?
Depois do café-da-manhã, os monitores
reúnem os estudantes na praia, com uma
disputa para lá de divertida. Será uma
espécie de Iron Man, onde as mesmas duplas
da Caça ao Tesouro deverão cumprir várias
tarefas, a fim de cruzarem no menor tempo a
linha de chegada. O desafio inclui: caiaque,
mergulho, corrida, escalada, arborismo e
outras coisinhas mais.
Nina olha para o céu, pedindo socorro.
Agora não terá como escapar de Lex. Até
pensa em não participar do desafio, mas por
sorte, ela tem Nathi e Lais como amigas.
Ambas não permitem que ela desista e Lais é
mais contundente ainda:
— Como saberá se está apaixonada se não
encarar a situação de frente?
— Talvez seja melhor eu não saber. – Nina
reflete.
— Ah, fala sério! Você é uma mulher ou
uma barata? – Nathi incita. – Você não tem
medo de nada, lembra? Cadê a sua coragem?
Ou tudo não passa de encenação?
— Estou com a Nathi. Você vai participar do
desafio sim. Se fugir, juro que lhe dou um
soco. – Lais sacode Nina pelos ombros. –
Esconder-se não ajudará em nada. Enfrente
a situação, coloque seus sentimentos à
prova, descubra o que está havendo entre
vocês.
— Eu amo vocês duas, já disse isso alguma
vez? – Nina as puxa para um abraço grupal.
— Não, você nunca disse isso. – Nathi
responde, um tanto emocionada. – E, por
favor, pare de ter medo de ser feliz.
~~***~~
A primeira parte do desafio é a seguinte: a
dupla pegará um caiaque e remará até o
local indicado com uma imensa boia
vermelha. Nesse ponto, um dos competidores
mergulhará para resgatar uma bandeira com
o logotipo do hotel. Feito isso, as duplas
voltam para as areias e a segunda parte do
desafio será liberada.
— Para deixá-los com água na boca, o
prêmio será um almoço inesquecível
preparado pelo Chef Louis, com direito à
camarões gigantes, lagosta, risoto de salmão
e tudo o mais que puderem imaginar.
“Um bangalô será montado na praia e os
perdedores terão que comer a gororoba do
restaurante do hotel – ok, a parte da
gororoba é uma mentira já que a comida do
lugar é fantástica.
“Os vencedores também ganharão um
passeio em volta da ilha, a bordo da nossa
lancha super ultra mega veloz. – o monitor
encara aqueles olhinhos brilhantes antes de
arrematar. – Quem quer vencer?
Uma debandada de pássaros arranha os
ouvidos quando a galera se manifesta aos
gritos de forma desordenada. Nina está
apática, não esboça qualquer reação. Ainda
não teve coragem de olhar para Lex que está
a alguns passos de distância.
Vou dizer: Se esses dois trabalharem
juntos, podem vencer a disputa com
facilidade. São atletas bem preparados,
possuem um fôlego invejável e ambos são
competitivos ao extremo. Eu aposto nessa
dupla, e vocês?
— Ok, crianças, procurem o seu par e
estejam a postos em cinco minutos. O desafio
já vai começar! – quem grita é Margareth, a
professora de educação física.
Lais e Nathi se despedem de Nina, que fica
sozinha no meio da multidão. Lex se
aproxima, um tanto temeroso, nunca sabe o
que esperar. É possível que ela o enforque.
Porventura o morda. Ou talvez ele leve outro
chute no meio das pernas.
Nada disso acontece.
— Está pronta? – ele pergunta.
— Hum, hum.
— O que acha de vencermos? Adoro
camarão. – Lex tenta quebrar o gelo.
— E eu adoro lanchas. – Nina desvia o
olhar dos chinelos trançados para fitar os
olhos dourados de Lex. – Acho que
deveríamos vencer.
— Está comigo? – Lex estende a mão.
— Estou com você. – ela bate na palma da
mão dele e o trato está feito.
~~***~~
Já sabendo do desafio de antemão, Nina
optou por um maiô preto, mais comportado e
fechado. Está usando uma saia de Tac Tel
branca, daquelas que secam bem rápido.
Passou uma generosa camada de protetor
solar na pele e da dúzia de óculos de sol que
trouxe, escolheu um esportivo da Mormaii,
perfeito para o dia de hoje.
Lex está sem camisa – oh, que novidade! –,
vestindo apenas uma bermuda preta
Billabong e um boné cinza. Ele e Nina estão
ao lado do caiaque vermelho com lugar para
duas pessoas, aguardando o apito de largada.
Lex joga o boné na areia e no lugar,
posiciona a máscara de mergulho. Os dois
combinaram que é ele quem vai para a água
quando chegarem ao local marcado.
O apito soa e a bagunça começa. Lex pega
o caiaque pela frente e Nina empurra por
trás. Quando a pequena embarcação flutua
no mar, os dois se acomodam e remam
juntos.
As remadas são sincronizadas e a canoa
desliza suave sobre as águas cristalinas. O
dia está quente, ensolarado e não há uma
nuvem sequer no céu. A boia vermelha se
aproxima e Lex mergulha quando atingem o
ponto mais próximo.
Enquanto o garoto está debaixo d’água,
Nina gira a embarcação em direção à praia.
Por sorte, já navegou antes e sabe como
manejar os remos. Outros competidores se
enrolam e uns poucos ainda nem saíram das
areias da praia.
Lex vem à tona com uma bandeira
vermelha em mãos. Nina equilibra a
embarcação para que ele suba sem derrubálos.
E então, são os primeiros a chegarem na
praia, ao som de vociferações de quem ainda
não conseguiu resgatar a bandeira.
Tiram o caiaque do mar e correm em
direção ao monitor-chefe. Ele lhes dá duas
garrafas d’água e um papel pardo, que
contém a explicação da próxima parte do
desafio. Nina lê em voz alta, enquanto Lex
sorve metade da água:
“Corram até as rochas e escalem até o cume
da montanha. Lá encontrarão um monitor e
novas instruções. Apressem-se.”
— Certo, vamos! – Lex se coloca a correr e
Nina emparelha com ele, tentando seguir o
forte ritmo que ele impõe.
Correr na praia não é tão simples assim.
Estão descalços e a areia é fofa, o que a
torna um obstáculo natural, impedindo que
aumentem a velocidade. Lex olha para trás
algumas vezes, certificando-se de que estão
abrindo vantagem sobre os outros
competidores.
Lex alcança as rochas e inicia a subida. Ele
progride fácil e Nina tem maiores
dificuldades, mas não pede ajuda, ela é
orgulhosa demais para isso.
Nas pedras, o cuidado precisa ser
redobrado. As rochas estão revestidas de
limo e escorregam um bocado. Um passo em
falso e a brincadeira poderá chegar ao fim.
Lex esbarra num ponto crítico e interrompe
a subida, estudando melhor o terreno. As
ondas batem com força nas pedras, lançando
água para todos os lados. Nina faz cara de
nojo ao detectar algumas baratas do mar.
Eca!
Lex opta por fazer um desvio e se pendura
em um rocha pontiaguda, erguendo o corpo
com facilidade. Nina nota quando os
músculos do cara se contraem, devido a força
que ele emprega. As costas dele são
perfeitas, para dizer o mínimo.
Lex estende a mão e Nina a aceita,
relutante. Ele a puxa para cima como se ela
não pesasse nada. De onde estão, ambos
enxergam uma praia vizinha, praticamente
deserta. Um barco veleiro está ancorado e
pescadores trabalham em uma rede, à beiramar.
A subida recomeça e Nina segue Lex de
perto, pisando onde ele já pisou, só por
garantia. Uma gaivota passa voando por suas
cabeças e a garota se distrai,
desequilibrando-se quando já estão quase no
alto da montanha.
Ela bate as mãos para trás, como se tivesse
asas, tentando se reequilibrar. Lex, num
raciocínio rápido, consegue segurá-la pelo
cós da saia, trazendo-a para junto de si.
— Ei, onde pensa que vai? – ele debocha,
atrelando-a pela cintura.
— Foi a gaivota! Ela tinha que gaivotar
justamente agora?
— Hahahahaha. Gaivotar foi ótimo. – Lex
umedece os lábios. – Você está bem?
— Estou. – Nina revira os olhos, tirando as
mãos de Lex de sua cintura.
— Estamos chegando, hein, seus manés! –
é Hulk quem grita, aproximando-se
rapidamente.
— Vamos em frente. – Lex deixa Nina
passar e segue atrás, vencendo os últimos
metros.
No topo da montanha, a garota engole um
suspiro. A paisagem é asfixiante de tão
incrível. Mas Lex não permite que Nina perca
o foco e a puxa pela mão, correndo em
direção ao monitor.
— Vocês são os primeiros, por enquanto. –
o monitor aponta para o alto do farol. –
Subam juntos até o topo e acenem para mim.
Só então peguem a bandeira. Quando
descerem, eu lhes direi qual a próxima etapa.
– o monitor dá uma risadinha e Lex e Nina se
apressam.
O farol, pintado em vermelho e branco,
possui uma única entrada. A porta está
aberta e eles entram, olhando para cima e
bufando. Os degraus são estreitos e a escada
vai até o alto, em forma de espiral. Nina
fecha os olhos, maldizendo a própria sorte.
— Por que não colocam um elevador nesse
lugar? É sério, terei um troço na metade do
caminho. – ela diz, arqueando o corpo para a
frente.
— Pense na lancha. Estou pensando nos
camarões.
Lex sobe os degraus de dois em dois. Nina
vai logo atrás, sentindo que a qualquer
momento os pulmões serão expelidos pela
boca ressequida. Na metade do caminho ela
começa a arfar e precisa de água,
urgentemente. Lex, que está com as duas
garrafas nos bolsos laterais, passa uma para
Nina.
Se precisam de motivação, o estímulo
chega. Quatro vozes sobem a escada e Lex
agarra o pulso dela, vencendo os degraus tão
rápido quanto possível.
Acenam para o monitor e Lex pega a
bandeira. Nina precisa de um tempo para se
recuperar. As pernas queimam, latejando.
Enxuga o suor da testa com o antebraço e
bebe mais um gole d’água.
— Como faremos para descer? Só passa um
por vez nessa escada. – Nina recosta na
grade, recuperando o fôlego.
— Podemos usar o corrimão. Só tenha
cuidado, tá legal?
— Certo.
Iniciam a descida e vou dizer: é muito mais
fácil do que subir. Hulk tenta atrasá-los, mas
Nina ameaça jogá-lo lá de cima. O cara, que
já foi atirado num balde de gelo, recua,
deixando que eles passem. E dá-lhe Nina!
Na saída do farol, esbarram com várias
duplas, mas ainda estão na frente quando
Lex entrega a bandeira ao monitor. As novas
instruções revelam:
“Pedalem pela trilha até alcançarem o Centro
de Arborismo. Lá encontrarão um monitor e
uma nova instrução. Boa viagem.”
Lex enxerga várias bicicletas ao longe. Os
dois correm em disparada, buscando manter
a dianteira. As bikes estão equipadas com
pedaleiras de borracha, ou seja, nada de pé
doendo.
A trilha é cheia de altos e baixos. Por sorte,
a maior parte é descida e não precisam
efetivamente pedalar. Nina aproveita para
relaxar, curtir a paisagem e tomar mais uns
goles d’água.
— Precisamos conversar. – Lex grita.
— Estou focada na lancha. – Nina retruca.
— Vamos vencer e teremos um almoço
inteiro para conversarmos.
Nina congela sobre a bicicleta, não tinha
pensado sobre isso. Se vencerem, almoçarão
juntos e depois, farão um passeio de lancha,
também juntos. Ela não terá mais como fugir
de Lex.
— Estamos chegando. – Lex aponta para o
Centro de Arborismo. – Preparada?
— Talvez. – Nina está em dúvida se deve
ou não vencer o desafio.
— Nina?
— Ok, vamos vencer essa bagaça!
Trinta e nove: Linha de chegada
Já passa do meio-dia. O Centro de
Arborismo, como o próprio nome diz, é um
local repleto de árvores estrondosas, de
troncos grossos e muito verde ao redor.
Pouca luminosidade solar atravessa as copas
das árvores, o que torna o clima do lugar
mais úmido e ameno.
Lex acaba de ler as instruções. Pela
primeira vez no desafio, os dois irão para
lados opostos.
Um monitor iça Nina até o topo de uma
árvore. É bem alto. Ela se agarra as laterais
da primeira ponte, caminhando sobre uma
corda grossa e inconstante. Conforme
avança, a estrutura de cordas balança para lá
e para cá, para cima e para baixo.
Nina chega a primeira parada. Agora
precisará passar por uma ponte de madeira,
dessas assustadoras que rangem a cada
passada. Pode ouvir a voz de Lex motivandoa.
Também escuta várias vozes vindas lá
debaixo. Outras duplas já chegaram ao
Centro de Arborismo.
Nina alcança o outro lado da ponte.
Seguindo as instruções, pega uma bandeira
vermelha e se dirige para o Grito do Tarzan.
Lex está na outra árvore, gesticulando para
que ela ande rápido. Nina morde a haste da
bandeira, atrelando-se aos nós da corda.
Olha para baixo e vê uma imensa tela de
proteção. Se cair, terá que engatinhar até o
outro lado, o que demorará o dobro do
tempo.
Um, dois, três e já!
Nina se joga no Grito do Tarzan,
segurando-se como pode. Lex está com uma
das mãos estendidas e a outra segura firme
num pilar de madeira. Ele a puxa pela
cintura e, como as leis da física são sempre
válidas, os dois são atirados para trás. A
bandeira cai no chão.
Ela engole em seco. Ele deixa um suspiro
escapar. Novamente tão próximos! Os olhos
de Lex percorrem o rosto de Nina, numa
ânsia abrasadora. Os olhos dela acompanham
os movimentos dele, sem perder um só
detalhe.
Lex entreabre os lábios, fixando-se na boca
dela. Antes que algo possa acontecer, Hulk
aparece para aguardar seu companheiro de
desafio.
Nina pisca de forma incessante, como se
assim pudesse cair na real. Lex arqueia o
corpo e pega a bandeira do chão. Os dois
seguem para a escada de cordas e começam
a descida.
Um monitor já os aguarda, com a última
parte da disputa em mãos. Entrega dois
broches para Nina e Lex com os dizeres:
“Sobrevivi ao desafio Inamorata”.
Nina alfineta o seu broche à saia e Lex à
bermuda. O monitor indica a trilha que
devem seguir de volta à praia. A linha de
chegada deve ser cruzada e só então, serão
os vencedores.
Ambos retomam a corrida. Nina sorve a
água como se fosse ar. O restante, joga no
rosto e na nuca, sem parar de correr.
Já é possível vislumbrarem a praia e o
hotel. Lex olha por sobre o ombro e vê duas
duplas se aproximarem rapidamente.
— Certo, teremos que dar um sprint. Você
aguenta? – Lex pergunta, num tom de
esgotamento.
— Sprint é o meu nome do meio. – ela se
vangloria.
— No três: um, dois, três.
Quarenta: Almoço no bangalô
Apenas cinco duplas completaram o desafio.
O restante da turma desistiu em vários
pontos do circuito.
Nina está sentada sobre a areia quente.
Suas pernas queimam, os joelhos gritam e o
pulmão está dando uma de coitadinho,
chiando quando o ar entra e sai.
Lex alonga o pescoço, os braços, os ombros.
A cada movimento que faz, os músculos
saltam às vistas de maneira ultrajante.
— Onde ele malha? No Olimpo? – uma das
meninas comenta.
— Estou sem palavras. – outra reitera.
Nina não deveria sentir-se assim, mas o
ciúmes chega sorrateiro, instalando-se na
boca do estômago. Várias das garotas do
último ano estão babando em Lex e isso a
deixa incrivelmente alterada.
Antes que fale alguma bobagem, o monitor
anuncia os vencedores. Lex e Nina venceram
por muito pouco.
Nathália e Lais dão pulinhos e batem
palmas. Suas duplas desistiram logo no
começo da disputa. É Lais quem aponta para
o bangalô montado na areia da praia.
A estrutura consiste num tablado de
madeira, com duas paredes laterais feitas em
bambu e cobertura de tecido tensionável.
Nina observa uma mesa baixa em estilo
japonês e futons cor de terra espalhados pelo
chão.
A mesa está posta, lindamente adornada
com flores e um candelabro no centro. Pela
forte brisa que vem do mar, Nina pensa que
será impossível acender as velas.
— Vencemos. – Lex se aproxima.
— Tudo por um camarão, hein? – Nina
prende os cabelos no alto.
— Talvez eu tenha feito isso pela lancha. –
o comentário de Lex pega a garota no
contrapé. Ela finge não ter ouvido e combina
de se encontrarem no bangalô, em meia
hora.
~~***~~
Nina está nervosa com esse almoço. Não
consegue escolher uma roupa para vestir e
Lais resolve ajudar, escolhendo pela amiga.
O vestido de tecido fluido e floral é bem
curtinho, com mangas esvoaçantes e um
decote arrematado por um laço. Lais separa
também um biquíni para Nina usar por baixo.
Nos pés, um dos chinelos da mega coleção.
Nathália está jogada na cama quando Nina
gira nos calcanhares, fazendo o vestido
flutuar ao seu redor. As amigas batem
palmas.
— Eu não sei nem o que conversar com ele.
Sobre o que vou falar? Era muito mais fácil
quando eu só precisava ser ácida e cruel. –
Nina se senta numa cadeira para que Lais
possa arrematar uma presilha na lateral dos
cabelos dela.
— Seja você mesma, fale o que der na
telha. – Nathi aconselha.
— E se eu falar besteira?
— Pare de sofrer por antecipação. – Lais
finaliza os cabelos de Nina. – Você vive me
dizendo isso.
— Não é tão fácil na prática. – ela se
levanta, fitando o reflexo no espelho. Se não
se conhecesse o suficiente, diria se tratar de
uma outra pessoa, alguém que nunca foi
enganada e que acredita em contos de fada.
~~***~~
Lex está com o peitoral escondido, é isso
mesmo produção? O cara veste uma camiseta
azul, bermuda branca e um chinelo desses de
couro, bem moderninho.
Lais tem um ataque de riso quando vê o
garoto recostado no bangalô, girando uma
flor nas mãos. Será para Nina?
Ele e Gancho conversam… na verdade,
parece que Gancho dá as instruções e Lex
concorda, meneando a cabeça.
— Agora é com você. – Lais ajeita uma
mecha do cabelo de Nina para trás da orelha.
– Nada de ficar tensa, tá legal? Aja
naturalmente e tudo dará certo.
— Não acredito no que está acontecendo.
Se me dissessem, uma semana atrás, eu
teria feito xixi nas calças de tanto rir. – Nina
está desconfortável em sua própria pele.
— Na verdade, acho mais provável que
você tivesse socado quem lhe contasse algo
assim. – Nathi olha para Gancho e suspira
alto.
— É, tem razão. Eu teria socado o infeliz. –
Nina concorda.
Os amigos param de conversar no instante
em que as garotas chegam. Lex engole Nina
com os olhos e ela se sente ruborizar. A brisa
sopra o vestido de maneira sensual e o
garoto não consegue disfarçar o fascínio que
ela exerce sobre ele.
— Seus sortudos do caramba! Bom almoço
para vocês. – Gancho se encaixa no meio de
Nathi e Lais, abraçando-as pela cintura. –
Venham, meninas, vamos comer o grude do
restaurante. – e os três seguram risinhos,
dando meia volta à caminho do hotel.
Lex gira a flor com uma expressão nervosa.
Nina olha para os pés, sentindo algo
crescente se formar em seu estômago, não
sabe como agir em situações como essa. Ou,
se sabe, desaprendeu em algum lugar do
passado.
— Você está linda. Perfeita, eu acrescento.
– o tom de Lex é formal.
— E você está vestido… uau. – o
comentário de Nina era para ter soado ácido,
mas não foi assim que saiu.
— Bem-vindos ao nosso humilde bangalô,
vencedores. Tomem seus assentos, porque a
viagem gastronômica já vai começar. – o
Chef Louis de francês não tem nada. O
sotaque é baiano, daqueles bem arretados.
Nina morde o lábio, segurando o riso. Lex
olha para o céu, respirando fundo para não
gargalhar. O Chef deposita duas casquinhas
de siri na mesa e volta para a cozinha,
seguido por um garçom.
— Primeiro as damas. – Lex curva o corpo
para a frente, permitindo que Nina passe. Ela
faz uma reverência e tira os chinelos na
entrada do bangalô, sentando-se sobre um
futon.
Lex se ajoelha perante a garota antes de
tomar o seu lugar. Ela congela, não esperava
por isso. O garoto pede permissão com o
olhar.
— Está brincando, não é? – Nina recua,
desconfiada.
— É só uma flor. – ele a gira entre os
dedos, pelo caule. – É a minha bandeira da
paz, uma trégua.
— Uma trégua? – ela pensa por um
segundo. – Tudo bem, acho que posso aceitar
isso.
Numa situação para lá de romântica, Lex
coloca a flor nos cabelos de Nina, usando a
presilha de Lais para prendê-la. Nina abaixa
a cabeça, sentindo um calor sufocante de
repente.
— Sem jogos, concorda? – eles se encaram
e Nina abafa os sentimentos que afloram,
descontrolados. Engole em seco e concorda
com os termos de Lex:
— Sem jogos. Entendido.
Os dois brindam com os talheres e
começam a comer. Nina revira os olhos, em
êxtase. Essa, definitivamente, é a melhor
casquinha de siri que já comeu na vida.
O Chef Louis volta da cozinha, trazendo
uma imensa porção de camarões graúdos
empanados e fritos, com um molho tártaro
para acompanhar.
O garçom recolhe os primeiros pratos e
serve mais água e coquetel de frutas – sem
álcool, infelizmente. Não sou a favor de
bebidas alcoólicas, mas nesse caso até que
poderia ser bem útil.
Nina não está à vontade. Teme que Lex
entre na conversa aposta e beijos roubados.
É exatamente no que ele pensa, só está
tentando encontrar uma brecha para falarem
sobre o assunto.
Esse poderá ser um diálogo perigoso,
envergando por terrenos desconhecidos. O
garoto, após devorar quase um prato de
camarões, resolve que o momento é agora.
— Temos que conversar sobre o que está
havendo.
— Você disse sem jogos. Então, será que
não poderíamos falar sobre outra coisa? –
Nina se esquiva.
— Em algum momento, teremos que falar
sobre isso.
— Não sendo agora, para mim está ótimo.
– Nina tenta parecer descontraída, mas os
músculos de sua face a entregam. Estão
tensos e sua expressão denota apreensão.
O garçom retira o prato de camarões e o
Chef Louis coloca uma imensa lagosta na
frente dos garotos, explicando, em detalhes,
a forma como foi feita. Quando a explanação
termina, Chef e garçom se retiram e Lex
retoma o assunto, tomando um outro
caminho:
— Eu tenho uma curiosidade imensa sobre
você. – ele a encara, perscrutando suas
reações: – O que aconteceu para transformála
em uma muralha? Por que parece ter tanto
medo de se envolver? – Lex entrelaça os
dedos sobre a mesa, aguardando.
— Quer mesmo falar sobre isso? – Nina
limpa as mãos em uma toalha úmida, trazida
juntamente com a lagosta. – Quer mesmo
saber o que aconteceu no meu passado? –
faz uma pausa dramática e arremata: –
Talvez não goste do que ouvirá.
— Quero muito entendê-la, conhecê-la
melhor.
— Só quer isso porque faz parte da aposta.
– Nina cruza as mãos à frente do corpo, na
defensiva.
— Não é isso. Não estou jogando. – a
sinceridade exala daqueles lábios sedutores.
Nina inspira profundamente. Poucas
pessoas sabem o que aconteceu no passado,
sua história com Bruno. Lais e Nathália são
duas delas. Mas um impulso em abrir o jogo
a assola de repente, como se esse fosse o
certo a fazer.
— Se é isso o que você quer, tudo bem.
Vou contar.
Quarenta e um: Abrindo o jogo
A alguns metros dali, escondida entre
arbustos de folhagens esverdeadas, Bárbara
aproxima o zoom da câmera e tira mais uma
foto. A Kibi Mor está fritando de raiva por
ainda não ter conseguido a fotografia que
imaginou. Vingança é a única palavra que
essa garota parece conhecer.
De todas as fotos, apenas duas são
realmente boas: a de Lex e Nina na trilha da
Caça ao Tesouro e a da gruta. A imagem do
beijo na quadra de tênis também é
fenomenal, mas não terá o efeito desejado.
Afinal, a sala inteira assistiu ao espetáculo de
camarote. Não. Ela precisa de um material
inédito e caliente. Quer provar que Nina é
uma biscate.
— Não acredito que esteja aí observando os
pombinhos. – Bola chega por trás, sem aviso.
— Cale a boca e se abaixe! – Bárbara puxa
Bola para detrás dos arbustos. – Quer
entregar a minha localização, seu idiota?
— Quem você está chamando de idiota?
— Bolinha, é sério, eu preciso muito de
uma foto quente. Então, se me der licença…
— Eu tenho o que você precisa. – Bola a
encara com uma expressão de superioridade.
– Mas o preço vai dobrar.
— Como é? Está querendo me chantagear?
Eu deveria rir, mas a situação é tensa.
Todo chantagista já passou ou passará por
um momento como esse, afinal, colhemos o
que plantamos.
Bola tem um trunfo ilícito na manga, algo
que poderá mudar o rumo dos
acontecimentos. Eu já disse que esse garoto
é mau?
— O que você tem para me ajudar? Uma
foto quente? A Nina nua? O que é? – Bárbara
é a ansiedade em pessoa ao chacoalhar os
ombros de Bola.
— Primeiro vamos determinar o preço, só
então eu lhe mostro o produto. – Bola
negocia, preguiçosamente. O cara está por
cima e sabe disso.
— Droga! – Bárbara se inflama. – Tudo
bem, qual o seu preço?
— No luau de hoje a noite, quero que fique
comigo na frente de todos. – a expressão de
Bola não se altera.
— Como é? – a Kibi sibila e levanta num
pulo.
— É isso ou nada feito. Você é quem sabe.
– Bola dá de ombros, indiferente.
— Qual é a jogada? O que você tem em
mãos?
— Aceitará o meu preço?
A garota se ajoelha na grama recémaparada,
pensativa. Seus olhos se estreitam,
ávidos por descobrir o plano de Bola.
Sentindo certa repulsa por si mesma, ela
resolve pagar para ver.
— Tudo bem, eu aceito. – Bárbara ruge. –
Agora me diga, o que você tem para a minha
vingança?
— Isso aqui. – Bola tira do bolso da
bermuda um frasco sem rótulo.
— Em que isso vai me ajudar? – Bárbara
faz cara de quem conversa com um otário.
Bem, ela realmente conversa com um otário.
— Eu roubei isso aqui do estoque do meu
irmão, sabia que seria útil em algum
momento. – ele rola o frasco entre os dedos.
– Ele e os amigos da faculdade criaram essa
droga. A batizaram de Droga da Coragem.
Quem a ingere, fica totalmente desinibido e
faz coisas que nunca faria, nem à base de
álcool.
— Isso é uma droga? – Bárbara se senta
com os olhos brilhando em excitação. – Tipo,
uma droga, droga?
— É, quer que eu desenhe? Que parte você
não entendeu?
— Bola, você é um gênio!
— Eu sei, só que ninguém parece perceber
isso. – o garoto olha para o céu, distraindose.
Bárbara pigarreia e então ele continua: –
Enfim, apenas seis gotas disso aqui e a Nina
vai fazer o que tem vontade. Sem medos,
receios ou pudores. Você finalmente
conseguirá sua vingança.
Bárbara tenta pegar o frasco das mãos de
Bola, mas num impulso, ele fecha os dedos,
meneando a cabeça em negativa.
— Nada disso. Primeiro pague, depois
receba.
— Mas amanhã é o último dia na ilha.
Temos que usar isso hoje mesmo! – a Kibi é
tomada por uma sensação de urgência, seus
lábios tremem com as possibilidades.
— Pague o que me deve hoje e amanhã eu
garanto que terá a sua foto quente.
— Esse troço é perigoso, tipo, a Nina pode
morrer e tal? – não que Bárbara esteja
preocupada com isso, a pergunta foi feita por
desencargo de consciência.
— Não é perigoso. Relaxe, vai sair tudo
como você quer. – Bola se levanta do
esconderijo. – Estamos acertados?
Com um sorriso maquiavélico e olhos
flamejantes, Bárbara chacoalha a cabeça em
concordância.
— Estamos acertados.
~~***~~
Lex quer desvendar todos os segredos
dessa linda garota de olhos esverdeados e a
estimula a continuar. Nina não acredita que
esteja a ponto de contar algo tão íntimo a
ele.
Ela se convence de que falar pode lhe fazer
bem, expurgando todo o veneno que ainda
corre em suas veias. Quem sabe o passado
de Nina mostre a Lex que o terreno no qual
pisa é perigoso e arriscado, cheio de minas
enterradas e armadilhas mortais.
Nina suspira alto, sentindo algo se remexer
dentro de si. Talvez seja a lagosta, ou seu
espírito, quem sabe?
— Quando eu tinha quinze anos, comecei a
namorar um cara dois anos mais velho. Nos
conhecemos no colégio e ele estava prestes a
se formar. Nós ficávamos naquele flerte à
distância e eu nunca tinha tido a coragem de
me aproximar.
“Alguns amigos me avisaram que ele era um
tremendo galinha, mas eu achava que estava
apaixonada e nem liguei para os
comentários. Quando a oportunidade surgiu,
eu me agarrei a ela.
“Namoramos por seis meses. Meus pais eram
contra e passaram a vigiar todos os meus
passos. Eu não podia usar a internet e os
telefonemas eram gravados. Meu pai é
advogado criminalista e minha mãe trabalha
com segurança da informação, ou seja, eles
desconfiam até da própria sombra. Hoje eu
os entendo perfeitamente.”
Nina faz uma pausa. Rememorar o passado
nunca fez bem a ela. Mas de alguma forma,
sente que quando terminar a narrativa, será
uma outra pessoa.
— O que aconteceu? – Lex reclina para
trás, escorando o corpo com as mãos.
— Durante seis meses, nós namoramos na
minha casa e às escondidas, quando eu
conseguia enganar os meus velhos. O filho
da mãe tinha uma lábia incrível e fez com
que eu acreditasse que era especial. Ele dizia
que me amava e que eu era única e perfeita.
Hoje eu sei que ele só estava preparando o
terreno para o ataque.
Os lábios de Lex se retesam. As pálpebras
tremem e ele se inclina sobre a mesa com os
punhos cerrados. Uma sombra atravessa
aquele olhar dourado e Nina continua:
— Todas as vezes que nos encontrávamos,
era a mesma história. Ele me amava, eu o
amava e nós tínhamos que elevar nosso
relacionamento a um outro patamar. Eu era
muito nova, Lex, totalmente inexperiente e,
de certa forma, inocente. Ele usou isso
contra mim, da forma mais repugnante que
se possa imaginar.
“Numa tarde, o cara apareceu na minha casa
sem aviso. Eu estava sozinha e as coisas
começaram a evoluir rápido demais... eu não
tive escapatória.”
Nina faz outra pausa e, por incrível que
pareça, não está se debulhando em lágrimas.
A expressão de Lex é matadora e o cara
trinca os dentes, mas não diz nada. Não
ainda.
— Eu não queria, juro para você. Eu só tinha
dezesseis anos e não estava pronta. Mas ele
forçou a barra, disse coisas que eu queria
ouvir. Parecia que ele podia ler meus
pensamentos, minhas vontades.
“Eu sempre fui uma tola romântica. Que
idiota. Nunca pensei que me entregaria
daquela forma, no sofá da sala, sem qualquer
preparação, sem… sem romance.
“Quando terminou e ele foi embora, eu não
me senti plena ou flutuando como dizem. Eu
me senti suja e com vontade de gritar. Não
que ele tenha sido bruto, mas não foi feito
com amor.
“Ele parou de me ligar depois disso. Eu
deixava recados no celular e nada de um
retorno. Quando eu finalmente tive coragem
e liguei na casa dele, descobri que a mãe do
cara nem sabia quem eu era. Ela disse algo
mais ou menos assim: ‘Ah, não, outra
pseudo-namorada? Esse garoto não tem
jeito. Quantos anos você tem, mocinha?’
“Foi então que eu descobri tudo. Minhas
amigas ajudaram, vasculhando a internet,
perguntando aos amigos dos amigos dos
amigos. Tudo o que eu vivi durante seis
meses, não passou de uma mentira, uma
farsa com o único intuito de me levar para a
cama. Bem, para o sofá da sala.
“Eu quis muito me vingar, eu queria o
sangue dele nas minhas mãos. Mas não foi
nada disso o que eu fiz. Eu me resignei, me
fechei para o mundo, parei de confiar nas
pessoas e me transformei no que sou hoje.
Alguém que não consegue se relacionar, que
tem medo de ser enganada e que está
permanentemente fechada para balanço.”
Quarenta e dois: A carapaça se quebra
Chef Louis traz dois pratos fundos,
recheados com risoto de salmão e cebolinhas
picadas por cima. Nina já perdeu a fome e
Lex encara o prato, ainda com o maxilar
trincado.
Quando se veem novamente sozinhos, Lex
a fita com um olhar febril e uma expressão
que Nina nunca viu antes.
— Eu vou matar esse cara.
— Não precisa. – Nina deixa um sorriso
escapar. – O Doc, meu irmão, acabou com o
Mustang novinho dele com um taco de
beisebol e a ajuda de uns amigos. E há duas
semanas eu soube que ele finalmente foi
preso, por aliciamento de menores. Na época,
meu pai até pensou em processar o cara,
mas minha mãe o fez desistir da ideia. Eu era
muito nova e o escândalo poderia ter sido
muito pior para mim. Eu aprendi uma lição,
da pior maneira, tenho que admitir. Mas hoje
ninguém me faz de idiota. Eu nunca mais vou
deixar que alguém me use dessa forma. – se
Nina estava tranquila, isso muda quando ela
profere as duas últimas frases. Um brilho
cortante surge em seus grandes olhos
esverdeados. – Consegue me entender
melhor agora?
— Não me importa se ele foi preso, ainda
quero matar esse desgraçado. – Lex sustenta
uma expressão a lá Chuck Norris. – Eu não
faria isso com você, nunca a enganaria dessa
maneira.
— Ah, Lex, qual é! – Nina zomba. – Você é
o galinha do Prisma, um apostador, um
mentiroso… conta outra, vai.
— Acha que eu chegaria a esse ponto? –
Lex faz uma pausa com o cenho franzido.
Quer provar que Nina não precisa temê-lo de
maneira alguma e ele sabe como a
convencerá: – Quer ouvir uma história?
— É sobre uma aposta? – Nina empurra o
risoto para o lado, apoiando os cotovelos na
mesa.
— É sobre uma aposta sim. E isso vai
provar a você que eu tenho caráter.
— Por que quer me provar isso? Não estou
cobrando nada.
— Ainda assim, quero contar. Vai ouvir?
Nesse ponto, Chef Louis faz cara de quem
vai chorar. Quando entra no bangalô e vê os
dois pratos intocados, o francês sai e o
baiano arretado entra em cena.
— Oxente! Vocês nem tocaram no risoto!
— Desculpe, Chef, estamos realmente
satisfeitos. E aliás, estava tudo perfeito. –
Lex não tira os olhos de Nina e vice-versa.
— Bom, nesse caso, vou trazer as
sobremesas. Vocês vão comer, certo?
— Pode trazer. – é Nina quem responde e o
Chef volta para a cozinha, choramingando
com o garçom.
Lex observa Nina com outros olhos. Apesar
do ódio que está sentindo pela história que
ouviu, sente-se orgulhoso por ela não ter se
deixado abater, como era de se pressupor.
Ela é forte e soube canalizar muito bem a
amarga experiência que vivenciou.
— Não me olhe assim, não quero que sinta
pena. – Nina se remexe, um tanto
desconfortável.
— Pena? O que sinto está bem longe disso.
— Tenho que confessar que foi muito bom
colocar isso para fora. Talvez você tenha
conseguido o que ninguém mais conseguiu.
— Derrubar o muro que você construiu
para se proteger? – Lex arrisca um palpite.
— É, algo assim. – ela faz uma pausa
lacônica antes de passar a palavra para Lex:
– Bem, sua vez de falar.
Lex se ajeita melhor, como se isso tornasse
a tarefa a seguir mais fácil. Esse é um
segredo bem guardado, que ele se sente
impelido a dividir com Nina. Assim como
agora ele a entende melhor, talvez ela o
compreenda também.
— Eu fiquei com a Bárbara no ano passado.
Nunca tinha namorado ninguém antes e não
estava interessado. Não por medo de me
envolver, entenda. Eu acho que não estava
pronto, não tinha encontrado a pessoa certa.
Lex faz uma pausa e busca os olhos de
Nina. Se ela entendeu o recado eu não sei,
mas nós entendemos!
— A galera vivia me zoando, dizendo que
eu não era bom com essa coisa de
relacionamentos. Até aí, tudo certo. O
problema aconteceu no dia em que me
desafiaram a namorar uma mesma garota,
por quinze dias.
— Você não se conteve e quis provar que
era capaz. – Nina adivinha, sabiamente. –
Vocês garotos são tão estranhos.
— Gancho lançou a aposta e…
— Sempre o Gancho. Ele é aquele diabinho
de chifres que fica sobre o ombro esquerdo,
não é? – Nina interrompe a narrativa.
— Para dizer a verdade, na maior parte do
tempo ele é o anjinho de auréola sobre meu
ombro direito. – Lex morde o lábio e o Chef
volta da cozinha.
— Esse é o trio Inamorata. Mousse de
chocolate branco, mousse de coco e mousse
de morango com calda de frutas vermelhas. –
o Chef explica e o garçom coloca os pratos
ricamente enfeitados sobre a mesa. – Se
vocês não comerem, juro que me afogo no
mar.
Nina e Lex não se aguentam e desatam a
rir. Para que o Chef não cometa suicídio,
Nina pega uma colherada e leva aos lábios. O
mousse de morango derrete na boca e ela
solta um suspiro de prazer. O Chef sorri,
orgulhoso.
— Querem um café? Um chá? Um
cappuccino? – ele oferece.
— Não, obrigada. – Nina recusa.
— Estamos bem, valeu mesmo. – Lex
também recusa e quando ficam sozinhos,
tenta retomar a linha de raciocínio: – Onde
eu estava?
— Na aposta de quinze dias lançada pelo
lado demo do Gancho. – Nina elucida e solta
outro suspiro ao levar o mousse de coco à
boca. – Cara, isso está muito bom!
— O lance foi que eu aceitei a aposta. A
Bárbara estava a fim e eu jurei levar o
namoro à sério, como namorados costumam
fazer.
— Você enganou a garota. – Nina alfineta.
— Ela queria namorar e eu dei isso a ela,
por um breve período. – Lex dá de ombros,
indiferente.
— Em que você é tão diferente do cara que
me enganou? – Nina assume uma postura de
ataque.
— Chegarei lá. – Lex faz outra pausa. –
Nós namoramos por quinze dias e eu tenho
consciência de que fui um ótimo namorado.
Eu a levava ao shopping, ao cinema, ao Mc
Donald’s, ao Burguer King, à sorveteria e
ainda escutava aquela ladainha chata de
sempre, com a maior boa vontade.
— Hum, sei.
— É sério, não foi fácil como você imagina.
No décimo sexto dia, eu já estava pronto
para terminar o namoro. Tinha vencido o
desafio e poderia ganhar minha liberdade de
volta. E como eu ansiava por ela, você não
faz ideia. A garota vivia no meu pé, me
ligando de cinco em cinco minutos, me
proibindo disso e daquilo, palpitando em
tudo, reclamando de todos os meus amigos…
enfim, foi o inferno na Terra.
“Numa tarde, ela chegou na minha casa
sem avisar. Quando dei por mim, ela estava
praticamente nua, se oferecendo
desesperadamente.”
Nina solta a colher no prato e engasga.
Precisa de água para se recuperar do choque.
Antes que possa fazer qualquer comentário,
Lex continua.
— A Bárbara armou uma emboscada e tive
que terminar o namoro com ela deitada na
minha cama, seminua, numa das situações
mais embaraçosas pelas quais já passei na
vida.
— Vocês… quero dizer… você e ela…?
— Não! Eu jamais faria algo assim! Nina,
eu não conseguiria conviver com isso.
— Lex, não me diga que é virgem?
— Claro que não! Mas eu não poderia fazer
isso com a Bárbara, você entende? Tudo não
passava de uma aposta.
Só um detalhe: quando Lex praticamente
gritou “claro que não”, Nina sentiu uma
pontada de ciúmes brotando em algum lugar
do seu ser.
— E o que ela fez? – até o tom da garota
mudou depois disso.
— Foi a cena mais deprimente que eu já
assisti. Juro que me senti um crápula, da pior
espécie. Ela se ajoelhou e implorou para que
eu voltasse atrás. Contei sobre a aposta,
deixei tudo às claras, mas nada parecia
adiantar.
— Ela implorou para você não terminar o
namoro? – Nina é pega de surpresa, não
consegue imaginar Bárbara suplicando por
nada.
— Não! Implorou para que eu transasse
com ela!
— Ai. Meu. Deus.
— Está entendendo agora? Depois desse
lance com a Bárbara, eu jurei que nunca
mais entraria em uma aposta.
— Nunca mais?
— Envolvendo mulheres, depois da
Bárbara, você foi a única. – ele a encara,
com profundidade. – Eu não queria aceitar
essa aposta, Nina.
— Por que aceitou?
Hum, terreno perigoso! Será que Lex terá a
coragem de abrir o jogo e contar que está
sendo chantageado pela Kibi Mor?
— Ei, vencedores! Como foi o almoço? – o
monitor-chefe entra no bangalô, todo
sorridente.
— Foi excelente. – Lex responde aliviado,
mais uma vez salvo pelo gongo.
— Nina?
— Foi ótimo, valeu o desafio. – ela
responde, num tom de decepção. O monitor
tinha que aparecer justo agora?
— Bem, se já tiverem terminado, a lancha
os aguarda. Vamos?
— Esse papo não termina aqui. – Nina
sussurra para Lex enquanto seguem o
monitor em direção ao píer.
~~***~~
A lancha não é grande como Nina
imaginou. É toda branca, com frisos laterais
azuis e poucos lugares à bordo. O monitorchefe
liga o motor e pede que os garotos se
segurem, porque a embarcação vai voar.
Lex e Nina se sentam no único banco de
dois lugares. Ela quer voltar no assunto da
aposta, mas quando a lancha arranca, fica
difícil falar com o barulho do vento. Nesse
caso, ela grita:
— Vai me contar, não vai? Sobre o porquê
de ter aceitado a aposta?
— Não agora!
— Lex, não me enrole.
— Nina, eu não sou o filho da puta que
você imaginava. Isso já não basta?
— Não!
A lancha percorre todo o contorno da ilha,
numa velocidade surpreendente. Em alguns
pontos, é como se a embarcação realmente
planasse sobre a água, criando ondas laterais
e assustando os pássaros.
Lex e Nina estão divagando em suas
próprias mentes. As belezas naturais passam
voando e eles nem se dão conta.
Lex está ruminando sobre tudo o que Nina
contou no almoço. Imagina-se quebrando a
cara do sujeito que a enganou, arrancandolhe
todos os dentes da boca.
Nina está pensando em Bárbara e na cena
que se desenrolou no quarto de Lex. Nem em
mil anos ela se submeteria a implorar por um
cara dessa maneira. Realmente Lex não é o
filho da puta que ela imaginava. Ao pensar
nisso, dá uma olhada de esguelha para ele.
Um sorriso tímido lhe escapa dos lábios, um
gesto que finalmente, quebra a carapaça ao
meio.
Quarenta e três: Luau
Nina não consegue conversar com Lex
quando voltam do passeio de lancha. Gancho
os aguarda no píer, parecendo um tanto
quanto desesperado. Antes que os dois
amigos sumam de vista, Nina puxa Lex pelo
braço.
— Nossa conversa não terminou.
— Eu sei que não. Nós vamos retomar, eu
prometo. – Lex está sendo disputado como
num cabo de guerra, com Nina puxando de
um lado e Gancho do outro.
— Depois vocês conversam. O que eu tenho
para tratar com o Lex é da mais alta
prioridade. – Gancho puxa o amigo com mais
força e Nina o solta.
— No luau conversamos, está bem? – Lex
grita por sobre os ombros, sendo arrastado
por Gancho.
— Você não vai escapar. – ela balbucia
para si própria.
~~***~~
No quarto, longe de ouvidos indiscretos,
Gancho anda de um lado para o outro,
deixando Lex zonzo. O cara está tentando
montar o quebra-cabeças sozinho, mas está
difícil pacas.
— Se não me disser o que está havendo,
como poderei ajudar, Cabeça?
— Man, tem treta nessa parada.
— Fala logo, brow! – Lex se irrita.
— Está rolando uma nova aposta no ar. E
juro, meu camarada, nesse angu tem um
caroção.
— Deus do céu, desembucha!
— O Bola lançou uma nova aposta hoje. É
um desafio impossível, mas o cara jogou uma
grana alta na roda, certo de que vai rolar. –
Gancho leva o indicador ao queixo. – Como
ele pode ter tanta certeza?
— Que aposta é essa?
— Bola versus Bárbara.
~~***~~
As meninas já estão prontas para o luau.
Desde que voltou do passeio de lancha, Nina
não viu Lex em lugar algum. Aliás, nem
Gancho.
Será que o sumiço deles tem algo a ver
com a aposta? Estará Nina sendo manipulada
e tudo não passa de uma farsa? Ela não
divide esses temores com as amigas, prefere
se abster em seu próprio mundo cheio de
dúvidas.
Nathália está usando um vestido
comportado, desses com florzinhas e detalhes
fofos nas mangas bufantes. O cabelo está
preso, para variar, em um rabo de cavalo.
Nos pés, chinelinhos da coleção particular de
Lais.
A viciada em chinelos está usando uma saia
longa, com estampa indiana e franjas
laterais. Por cima do biquíni, uma blusinha
canelada branca e sem mangas arremata o
visual.
Nina optou por um vestido acima dos
joelhos, com uma estampa indefinida em
tons de verde e marrom, mangas fluidas que
descem até os cotovelos e um decote V de
arrasar. Por baixo, o biquíni verde fica
visível, já que a vestimenta é um tanto
quanto transparente. Se cuide, Lex!
Vestidas para matar, as garotas seguem
rumo à praia.
São dez da noite. A lua cheia está
particularmente mágica, cercada por um halo
brilhante e azulado. O céu se completa de
forma majestosa, com milhares de diamantes
no firmamento. O mar está calmo e uma
brisa leve acaricia a pele de quem está por
ali. O clima é perfeito para um luau.
Na praia, um imenso tablado de madeira foi
transformado em pista de dança e uma banda
já está a postos, no aquecimento.
Uma fogueira foi construída no caminho
para o mar. As primeiras chamas já crepitam,
um tanto disformes por culpa da brisa. Uma
mesa de apoio foi disposta, com palitinhos de
marshmallow e queijo coalho. Nham.
Holofotes apontados para o mar estão em
funcionamento e candelabros foram dispostos
por todos os lados, fechando o cenário com
maestria.
Garçons circulam entre os estudantes com
bebidas coloridas arrematadas com canudos
psicodélicos, daqueles que brilham no escuro.
Lex e Gancho conversam, um pouco
afastados da multidão que se forma sobre o
tablado. A banda toca um reggae e a galera
dança, no ritmo do Bob Marley.
— Que bom que eu não tive que arrancar
essa informação da Nathi. – Gancho se
balança em uma rede de dois lugares, presa
nos coqueiros. – Cara, não acredito que a
Nina tenha passado por isso. Esse cara
merecia umas porradas.
Lex abriu o jogo com o melhor amigo,
contando tudo sobre Nina e o seu passado
amoroso. Ela não pediu segredo e o garoto
não consegue esconder nada de Gancho.
— E você e a Nathi? – Lex se joga na rede
e Gancho sente o solavanco, quase caindo
para trás.
— A aposta ainda está rolando, não vou
chegar junto. Cara, se ela descobrir…
— Quem contará? – Lex se altera. –
Ninguém vai contar, Cabeça, eu garanto.
Aproveite o luau, as estrelas, a música… esse
é o momento.
— Acha isso?
— Um momento perfeito como esse, nunca
mais. – Lex dá uma geral ao redor, sentindo
o clima. – Quando voltarmos para São Paulo,
teremos apenas mais duas semanas de aula e
game over.
— Eu tô afinzão dela, saca? Nós
combinamos em tudo, já percebeu? – Gancho
sussurra para que ninguém os ouça.
— Já percebi sim. – Lex enforca Gancho, na
brincadeira.
— E a Nina? Investirá nela quando
voltarmos para Sampa? – Gancho ajeita o
boné e mira o amigo.
— As possibilidades são altas.
— Eu sabia! – Gancho grita e logo abaixa a
voz. – Eu sabia, eu sabia!
— Shhhhhhh. Ninguém deve saber sobre
isso, está me entendendo? Se a Bárbara
desconfiar, já era. – Lex, um tanto temeroso,
olha para os lados, certificando-se de que
ninguém os ouve.
— E a aposta Bola versus Bárbara? –
Gancho impulsiona a rede com um dos pés. –
Eu tô preocupadão.
— Veremos no que vai dar. Conforme for,
afogaremos o Bola para arrancar dele a
história que originou isso tudo.
~~***~~
O romance está no ar. Talvez seja a praia.
Porventura a lua. Acaso as estrelas. Os
estudantes estão sentindo a vibração cor-derosa
e um aroma apaixonado se espalha
entre eles, abraçando-os, incitando-os a ir
em frente.
É nesse clima que Nando e Camila estão.
Os dois dançam juntinhos, sobre o tablado de
madeira. Camila não sabe sobre a aposta e
Nando jurou de morte quem resolvesse abrir
o bico.
Os monitores, que não são bestas nem
nada, dispuseram um vaso sobre o tablado,
repleto de lenços de seda. A garota que
quiser tirar um cara para dançar, deverá
pegar um dos lenços e colocar no pescoço do
dito cujo.
É o que Nathi fará nesse exato momento.
— O que está esperando? – Lais está a
ponto de ela mesma tirar Gancho para
dançar com Nathália. – Está com medo de
quê?
— Não estou com medo! – Nathália treme
nas bases nesse exato segundo. – É só que…
e se ele disser não? Será que eu suportaria
ser rejeitada?
— Ah, fala sério! – Nina revira os olhos. –
Por que ele a rejeitaria? Você é linda,
inteligente, divertida e ainda por cima ri de
todas as piadas dele. O que mais o Gancho
poderia querer?
— Mas, e se…
— Cale a boca. Pegue esse lenço e vá lá
agora! – Lais pesca um lenço lilás de dentro
do vaso e entrega para Nathi. – Agora, Dona
Nathália.
— Mas, mas…
— Nunca saberá se não for até lá. E outra,
se o Gancho tiver a coragem de rejeitar você,
eu quebro a cara dele. – Nina rosna.
— Quebraria a cara dele? Por mim? – o
semblante de Nathália é de pura admiração.
– Jura mesmo?
— Ah, ela quebrará sim. E eu ajudarei. –
Lais aperta os olhos e mostra os dentes.
— Respire fundo e vá até lá. Não deixe que
nada a desvie do caminho. Não olhe para trás
e nem para os lados. Apenas trace uma linha
reta e vá. – Nina dá as coordenadas,
empurrando Nathi na direção de Gancho.
Nathália vai.
O coração aos pulos.
O estômago retesado.
Os olhos arregalados.
O sangue congelado.
As bochechas queimando.
A respiração entrecortada.
A garganta fechada.
A boca seca.
Os lábios trêmulos.
As mãos frias.
As pernas bambas.
Com o lenço lilás em mãos, Nathi atravessa
o tablado um tanto cambaleante, mas não se
desvia do caminho. Seus olhos estão
cravados em Gancho que, no momento,
conversa com Lex e Hulk.
O cara, recostado num coqueiro, está
usando bermuda preta, camiseta branca e
um boné surrado da Nike, com a aba para
trás. Nathália deixa um suspiro apaixonado
escapar da garganta.
Lex é o primeiro a notar a aproximação de
Nathi. Dá uma cutucada em Gancho para o
amigo se ligar.
— Que foi, man?
— Sabe dançar, Cabeçudo? – Lex lança um
sorriso debochado no ar.
— Sei. Por quê?
— Oi, gente. – Nathi finalmente alcança os
garotos. Engole algo que não lhe parece
saliva. Está mais para um pedregulho
daqueles cortantes. Engasga ao falar, as
palavras não saem de sua boca. Percebendo
que Nathália está em apuros, Lex resolve
ajudar.
— O Gancho aqui estava doido para dançar
com você, não é, Cabeça? – Lex o empurra,
com o cotovelo.
— Verdade? – Nathi pergunta, um tanto
tímida, fazendo um círculo na areia com a
ponta do chinelo.
Ao notar que Gancho está mais perdido do
que cego em tiroteio, mais perdido do que
cachorro em dia de mudança e outros ditados
populares, Lex dá um empurrão no cara:
— Não é, Gancho, meu amigão? – Lex
morde o lábio e faz um sinal com a cabeça.
Finalmente o cara entende. Caraca, já não
era sem tempo.
— É, Nathi, eu só não sabia se você… –
Gancho se esquece do que iria dizer ao fitar
os olhos de Nathália. Tomando coragem e
algo mais, o garoto declara solenemente: –
Nathi, o negócio é o seguinte, eu adoraria
dançar com você. Me daria essa honra? – e o
cara, com todo o seu charme, ajoelha-se aos
pés de Nathália lhe estendendo a mão.
— Eu adoraria. – Nathi, delicadamente,
coloca sua mão sobre a dele. Quando o pirata
se levanta, com um sorriso que Lex nunca
havia visto antes, Nathália passa o lenço lilás
em volta do pescoço do garoto, puxando-o
como um cachorrinho para a pista de dança.
Ah, o amor!
~~***~~
Nina e Lais acompanham à distância,
enquanto Nathália puxa Gancho para o meio
do tablado. Ela está tão feliz que a alegria
reverbera ao seu redor. Uma aura cor-derosa
envolve aqueles dois de maneira
sublime.
As amigas veem quando Gancho se
aproxima de Nathi, passando uma mão em
volta de sua cintura. A outra mão está no ar,
apenas aguardando que Nathália a pegue.
Ela pega. E então, ele a puxa para si e os
corpos finalmente se tocam.
Nina olha para Lais. Lais olha para Nina. As
garotas não se contém e começam a rir, sem
conseguir parar. Conhecem esses ataques de
riso? Daqueles que nos arrancam lágrimas?
Pois é exatamente isso o que acontece.
Quando o ataque passa, após várias
tentativas para ficarem sérias, Lais tomba a
cabeça de lado e fixa seu olhar em Nina. Vem
bomba por aí.
— E você? O que ainda está fazendo aqui?
— Não farei isso. – Nina sabe do que a
amiga está falando. – Não vou tirar o Lex
para dançar.
— Por que não?
— A aposta! – Nina estreita os olhos, com
uma expressão do tipo “alô?”. – Acha que
vou dar esse gostinho para esses moleques?
— Ah, Nina, esqueça isso. Vá lá, tire o cara
para dançar. Entre uma dança e outra, ele
pode finalmente revelar o porquê de ter
aceitado a aposta. – Lais puxa um lenço azul
de dentro do vaso e estende para Nina. – Eu
desafio você.
A ficha de Nina cai, como um soco no
estômago. Assim como Lex, ela também
odeia ser desafiada. Não consegue se
esquivar, é mais forte do que ela. Como
podem ser tão iguais?
— Está jogando sujo. – Nina olha para os
chinelos verdes.
— Claro que estou. Sei que não suporta ser
desafiada. Eu conheço você, Nina
Albuquerque, ainda que há pouco tempo. –
Lais bate um dos pés no chão, num ritmo
constante. – Sei que quer isso, eu vejo nos
seus olhos.
— Está tão na cara assim?
— Desculpe, mas está. Você não consegue
mais esconder.
— E se tudo for mentira? E se o Lex estiver
jogando? Como vou saber? – finalmente Nina
dá voz as suas dúvidas.
— Os olhos não mentem, Nina. – Lais passa
o lenço em volta do pescoço da amiga. – O
Lex está olhando para cá nesse exato
momento. Aliás, ele está sempre olhando
para você, desde que chegamos à ilha. Você
mexe com ele, é visível. Só não vê quem não
quer.
— Estou com medo. – Nina jamais afirmou
isso em voz alta. Medo é uma palavra que
não faz parte do seu vocabulário. Bem, não
fazia parte até agora.
— Eu sei que está. Esse jogo de sedução
bagunçou tudo, não foi? Essa confusão
sentimental na qual está é resultado disso.
Encare de frente o Lex, enfrente seu medo. –
Lais sonda os olhos de Nina, segurando-a
pelos ombros. – Proteger-se para sempre não
é a solução. O sofrimento existe, mas o amor
também existe. Você precisa arriscar.
— Uau, você foi profunda agora.
— Vá lá e deixe acontecer. O que tiver que
ser, será.
Quarenta e quatro: Laçando Lex com um
lenço de seda
Pensativa.
Na beira do mar, Nina segura o lenço azul
entre as mãos. Ele se agita suavemente,
dançando com a brisa que vem do oceano.
Seus pés estão cravados na areia enquanto
observa, atenta, as pequenas ondas se
formarem. A água chega, tocando seus pés e
recua, para voltar logo a seguir.
Está pesando sobre o que Lais disse, essa
coisa que envolve sofrimento e amor. Se for
enganada novamente, será que suportará?
Nina não tem certeza de que sim ou de que
não. Mas assim é a vida, não é? Recheada de
incertezas.
Lais tirou Hulk para dançar. Não, ela não se
esqueceu de Doc. Está triste, um tanto
saudosa e também não tem certeza sobre
nada. Ela e Hulk não têm nada em comum,
são apenas amigos. Podemos dançar com
amigos, não podemos? É o que ela está
fazendo nesse exato momento.
O ar fresco preenche os pulmões de Nina,
relaxando-a. Não sente o vazio, não se sente
sozinha no momento. E realmente ela não
está.
Lex está parado a uma curta distância,
apenas coexistindo. Observa os cabelos de
Nina esvoaçando para trás, juntamente com
seu vestido semi-transparente. O perfume
que ela exala chega às suas narinas e ele
infla o peito, tomando coragem.
— Pensei que esse lenço me tiraria para
dançar. – a voz grave e um tanto rouca
atravessa o ar da noite.
Nina não se vira, mas sorri. É um sorriso de
lábios fechados, um tanto contido. Solta uma
das mãos do lenço e, sentindo-se livre, o
tecido se agita para trás, alcançando Lex que
o pega com a mão direita.
Nesse momento, ambos estão unidos por
um lenço azul de seda, comprido demais,
distante demais.
Lex vai enrolando o lenço na mão,
diminuindo o espaço que os separa, chegando
cada vez mais próximo. Nina sente a
aproximação às suas costas.
— Me diga que não é apenas uma aposta. –
as palavras dela são levadas pela brisa,
carregadas de insegurança.
— Não é apenas uma aposta. – o hálito
quente de Lex alcança seu pescoço. Estão tão
próximos que, talvez, nem o fino lenço de
seda consiga ficar entre eles.
Nina gira sobre a areia e seus cabelos voam
para o rosto, alcançando Lex. Com as duas
mãos, ele os alisa para trás. Ela estremece
ao simples toque, tombando a cabeça de lado
e cerrando as pálpebras. Lex sente uma
urgência em beijá-la e dá voz a essa
vontade:
— Não sabe o quanto eu quero beijar você,
aqui, agora. – Lex acaricia o rosto de Nina
com a ponta dos dedos. – Mas não posso
permitir que todos vejam, não quero que
perca a aposta.
— Eu não ligo em perder. Porque na
verdade, acho que ganharei.
— Você já ganhou.
Os olhos de Nina se abrem e se veem
orbitando os raios solares de Lex. Não, ele
não está mentindo. Será que Nina deve
confiar em sua intuição?
Uma comoção vem do tablado. Os olhares
de ambos são imediatamente atraídos para
lá. E o que presenciam, eu descrevo agora,
em detalhes:
Gancho está com as costas arqueadas para
a frente, tombando Nathi em seus braços,
como sempre acontece no final de uma
dança. Os olhos estão cravados um no outro
e as respirações se fundem numa só.
Gancho sustenta uma expressão de
admiração e Nathi está com um ar sonhador.
Os lábios se entreabrem, as pálpebras de
fecham. Num movimento sutil onde os
sentimentos assumem o comando, a boca de
Gancho envolve a de Nathi, em um momento
para lá de perfeito.
Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!
É o que todos os observadores deixam
escapar, mesmo que o grito seja silencioso.
Uma expressão incontida de felicidade
desagua no rosto de Nina. Quando Lex gira
para encará-la, o semblante dele é o mesmo.
— Finalmente a Nathi tomou coragem. –
Nina vai recolhendo o lenço enrolado na mão
de Lex.
— Posso dizer a mesma coisa do Gancho. –
Lex solta a ponta quando Nina o puxa
delicadamente. – E então, esse lenço não vai
mesmo me tirar para dançar?
— Quem disse isso? – Nina murmura e na
ponta dos pés, passa o lenço em volta do
pescoço de Lex. – Essa noite, você é meu.
Quarenta e cinco: O jogo pega fogo
Há um lenço azul no pescoço de Lex
Heinrich. De costas, Nina caminha
intuitivamente em direção ao tablado. Os
olhos de ambos não se desgrudam um
segundo sequer.
Murmurinhos começam a se formar na pista
de dança e conjecturas são atiradas para
todos os lados. Será que Nina perdeu a
aposta? Se apaixonou por Lex? Que diabos
está acontecendo?
Nina engole a saliva que se forma em sua
boca, está nervosa com essa demonstração
pública. Não que ligue para o que as pessoas
pensam, não é isso. Mas os olhares cravados
nela incomodam um bocado.
Nina dá um puxão no lenço, trazendo Lex
para mais perto. A trilha sonora não é lenta,
mas dá para dançar juntinho. As mãos de Lex
rasgam o ar, agarrando a cintura de Nina
com delicadeza. Ela solta as pontas do lenço
e entrelaça os braços ao redor do pescoço
dele.
O magnetismo entre esses dois gera uma
aura grandiosa, capaz de protegê-los contra
qualquer mal. Juntos, possuem uma força
avassaladora, dessas que evocam o poder
divino. Mas eles não sabem sobre isso. Ainda.
Nina se deixa envolver pelos sentimentos
que afloram, não se importando mais com o
que acontece ao redor. O tempo e o espaço
se fundem, deixando de existir. Arrepia-se
quando Lex acaricia seu pescoço com os
lábios úmidos.
— Está usando aquele perfume, não está? –
ele pergunta, inalando-a, inebriando-se com
o aroma.
— Hipnose? – ela faz uma pausa. – Estou
sim.
Ela sente as batidas do coração dele contra
seu próprio peito. Cerra as pálpebras quando
seu hálito quente deixa marcas por onde
passa. Nina não está mais no controle e ele a
abraça com força, fazendo-a arfar.
Um novo murmurinho toma conta do
tablado. É Lex quem percebe primeiro o que
está havendo. Troca olhares assustados com
Gancho. Bárbara acaba de tirar Bola para
dançar, utilizando-se de um lenço vermelho
sangue.
Lex para de dançar, afrouxando o abraço
em Nina. Ela percebe algo estranho e o fita,
sem entender o que está havendo. Nota que
os olhos do cara estão fixos em algum ponto
além e girando a cabeça, solta uma
exclamação.
Bárbara acaba de desferir um beijo de
língua em Fabiano, o Bola.
~~***~~
Lex está boquiaberto e uma de suas
pálpebras treme de raiva. Esse tempo todo o
Bola estava jogando contra eles, as coisas
finalmente começam a fazer algum sentido.
O cara é um agente duplo, está tão óbvio
agora. O que ele contou para as Kibis? Será
que dedurou as apostas? Ah, claro que sim,
Suzana e Ana Paula estavam agindo como se
soubessem do jogo.
E o que Bola terá contra a Kibi Mor? Por
que ela está se humilhando a esse ponto?
Terá algo a ver com Nina? Será que Bola
conseguiu algo para que Bárbara possa
finalmente se vingar?
— Bola, seu lixo humano. – Lex murmura,
entredentes.
— O que foi? – Nina escuta o lamento de
Lex. – Está com ciúmes?
— Como é? Enlouqueceu?
— É o que está parecendo! – Nina empurra
Lex com as duas mãos.
— Não é nada disso.
Gancho e Nathália, de mãos dadas, se
juntam a Lex e Nina. Os amigos se entendem
só com o olhar e Gancho está com o cenho
franzido e os olhos negros brilhando em
fúria.
Nesse ponto, Bárbara e Bola estão dando
um show – de horrores – na pista de dança.
Entre beijos e afagos, começam a dançar ao
ritmo da salsa. Agem como se não
percebessem os olhares embasbacados e as
bocas entreabertas ao redor.
— Lex, precisamos conversar. – Gancho
dispara, um tanto afoito.
— Só se for agora. – Lex concorda,
pegando Nina de surpresa.
— Como é? – ela encara Lex e Gancho. – O
que está acontecendo aqui?
— Nina, mais tarde. – Lex tira o lenço do
pescoço e entrega a ela. – Prometo que
depois conto tudo a você, mas não agora.
E antes que Nina ou Nathália possam dizer
qualquer coisa, os dois seguem em direção às
redes, distanciando-se ao máximo da muvuca
na qual se transformou a pista de dança.
Nina e Nathália se entreolham, confusas.
Logo Lais se junta a elas, tão absorta quanto
todo o mundo.
— Gente, o que está rolando aqui? O
mundo acabou e eu não estou sabendo? –
Lais sacode a cabeça, sem conseguir desviar
os olhos de Bola e Bárbara.
Confusa e com o humor oscilando
drasticamente, Nina finca as unhas nas
palmas das mãos antes de concluir:
— Eu não faço ideia do que está rolando,
mas vou descobrir. ~~***~~
Os nervos de Lex pulsam em fúria. O
sangue borulha dentro das veias enquanto
caminha em círculos na areia, tentando
entender o que está havendo.
Já está claro que Bola trabalha para as
Kibis. E o que mais? O que faria com que
Bárbara beijasse o cara na frente de todos?
Ele a está chantageando? Terá algo que a
Kibi precisa para a vingança? Ou não é nada
disso e Lex está delirando?
— Conte tudo para a Nina, man. Abra o
jogo antes que seja tarde. – Gancho
aconselha.
— Não posso fazer isso, não antes de me
entender com ela. – Lex leva as mãos à
cabeça, incerto.
— Cara, você precisa contar. Estou
sentindo uma vibe estranha, acho que vai dar
merda, meu camarada.
— Precisamos descobrir o que está rolando,
Cabeçudo. Talvez não tenha nada a ver com
a aposta e a vingança da Kibi.
— Duvido!
— Ok, estou perdido. – Lex joga as mãos
para o céu. – Não sei o que fazer.
— Vamos arrebentar a cara do Bola até ele
abrir o bico. Vamos torturar o cara! – Gancho
esmaga os dedos e soca o ar. – Que traíra
filho da mãe!
— Ei, galera. – Hulk chega seguido por
todos os garotos do Prisma. – O que está
pegando naquela pista? Como o Bola
conseguiu vencer a aposta?
— Eu não faço a menor ideia, mas
precisamos descobrir. Estão comigo? –
Gancho estende o braço com a palma da mão
virada para baixo.
— Estamos com você. – Lex repete o gesto
de Gancho, colocando a mão sobre a do
amigo.
Logo todos repetem o gesto, uma mão
sobre a outra. O que quer que Bola esteja
escondendo, esses garotos irão descobrir.
~~***~~
Nina corre atrás de Lex, que segue
apressado para a sala de jogos. Quando ouve
seu nome, estaca no lugar, sem se virar.
— Lex, o que está acontecendo?
— Nina, não posso falar sobre isso agora. –
ele não quer se virar, não pode deixar que
seus olhos temerosos o entreguem.
— É isso então? Vai me deixar assim, no
vácuo? E será que dá para olhar para mim? –
Nina avança agarrando o braço dele,
puxando-o com violência.
Olhos nos olhos. Nina percebe que algo
está muito errado. Lex não consegue
disfarçar e sabe bem disso.
— Confia em mim? – Nina não responde e
Lex refaz a pergunta. – Confia em mim,
Nina?
— Eu ainda não sei. – ela hesita.
Lex toma o rosto dela entre as mãos. Antes
que ela o afaste, os lábios se colam com
força, com vontade, com fúria. Mas não é um
beijo longo. Quando Lex abre os olhos,
segura Nina pelos ombros.
— É só o que peço, que confie em mim. –
ele então segue para a sala de jogos,
deixando uma desnorteada Nina para trás.
Quarenta e seis: Bola na mira
Na sala de jogos, os garotos começam a
lançar especulações sobre a aposta Bola
versus Bárbara. Gancho e Lex estão em um
canto, se entreolhando a todo momento.
Ninguém além deles sabe sobre a
chantagem da Kibi e a vingança para cima de
Nina. Gancho é a favor de abrirem o jogo,
mas Lex prefere deixar o restante da turma
de fora. Envolvê-los pode piorar ainda mais a
situação que já é tensa o bastante.
— Vamos pegar o Bola sozinho e prensá-lo
contra a parede. – Gancho sussurra.
— Ele não vai falar. – Lex soca o tampo de
uma mesa, enfurecido.
— Conte para a Nina, Lex, ela precisa
saber.
— Eu não faço ideia do que a Kibi esteja
armando. Antes de pegar o Bola de jeito, não
vou contar nada, não me aproximarei dela.
Protegê-la é minha única prioridade no
momento.
~~***~~
O luau chega ao fim. Os garotos não
voltaram para a praia e as garotas estão
chupando o dedo, sozinhas em volta da
fogueira. Na verdade não chupam o dedo,
estão é devorando os espetos de
marshmallow e queijo coalho, derretidos no
calor do fogo.
Nina está puta da vida. Não sabe o que
pensar e muito menos o que dizer para
Nathália e Lais.
Nathi também não está entendendo nada.
Gancho a deixou naquela pista de dança, sem
ao menos se explicar. E Hulk fez o mesmo
com Lais. O que esses garotos estão
armando? E por que parece ter tudo a ver
com Bola e Bárbara?
Aliás, esses dois já sumiram das vistas.
Bárbara voltou para o quarto e Bola idem. No
momento, os professores fazem a contagem
dos alunos, para se certificarem de que todos
estão no hotel.
As garotas vão se levantando, se
despedindo, tristes pela viagem estar
chegando ao fim. Nina não sabe se
conseguirá pregar o olho. Uma voz interna
afirma, categoricamente, que algo de muito
ruim está para acontecer. Essa voz é vidente,
só para constar.
As três amigas se levantam, sacodindo a
areia. Caminham, pesadamente, até a ala
das garotas. Nem sinal de Lex, Gancho ou os
outros garotos. Nina sente o peito se
fechando, o coração ficando pequenino.
Novamente o vazio, a sensação de perda.
Mas que droga! Pelo jeito, não obterá
qualquer resposta hoje. Mas, amanhã, o Lex
não lhe escapa.
~~***~~
Lex e Gancho convenceram os garotos a
ficarem do lado de fora do quarto, caso os
professores apareçam. Entram,
sorrateiramente, caminhando pela escuridão.
Se Bola não está dormindo, finge muito bem.
E não é que esse é o caso?
Com uma chave de pescoço, Lex paralisa
Bola. O garoto tenta gritar, mas não
consegue. Gancho acende o abajur e o
interrogatório começa, à meia luz.
— Certo. Começaremos com essa aposta
Bola versus Bárbara. – Lex inicia, de forma
casual, como se estivesse numa roda de
amigos. – Como você conseguiu?
— Sem ar, sem ar. – a voz de Bola é
apenas um sopro.
— Vou afrouxar a pegada. Se você gritar ou
tentar qualquer gracinha, eu arrebento essa
sua cara, estamos entendidos? – Lex faz cara
de mal. E a cara de mal dele é tão linda!
Bola meneia a cabeça, em concordância.
Lex afrouxa a chave de pescoço, o suficiente
para que o cara possa responder as
perguntas.
— Lex, não tem nada a ver com vocês,
caras. Eu chantageei a Bárbara, só isso. –
Bola choraminga.
— Você está trabalhando para as Kibis, não
está? – Gancho inclina o corpo, sondando os
olhos de Bola.
— Eu só segui o Lex e a Nina no dia da
Caça ao Tesouro. A Babi me pediu e eu
ganhei um beijo em troca. Que mal há nisso?
— Com o que você chantageou a Bárbara?
– Lex se altera. – Fala!
— Eu disse a ela que contaria sobre aquele
dia na mata. Disse que falaria para você e
para a Nina também. Foi isso, caras, vocês
precisam acreditar em mim.
— A Bárbara não beijaria você na frente de
todos só por isso. Tem algo grande aqui e
você está me escondendo os fatos, Bolota. –
Lex aperta novamente a chave e Bola dá um
pulo na cama, asfixiando.
— Meu camarada, se eu fosse você, abriria
o bico. Eu não tenho forças para segurar o
Lex aqui, sacou? – Gancho dá dois tapas no
ombro de Lex e em seguida, levanta a manga
da camisa do amigo. O bíceps e o tríceps
dele são um espetáculo másculo. – Imagine
tomar um soco desse cara? Você demoraria
um ano para reencontrar o caminho de casa,
acredite-me.
— Caras, eu juro que foi isso. Pelo amor de
Deus, Lex, eu tô falando sério!
Toc, toc, toc.
Ops, professores a caminho. Um toque:
tudo ok. Dois toques: monitores. Três
toques: professores.
— Lex, temos que ir. – Gancho tenta mover
o braço do cara, mas não consegue. – Porra,
man, quer se ferrar? Vamos sair daqui.
— Caras, eu tô falando a verdade, podem
confiar. – Bola está com as bochechas
vermelhas, respirando com dificuldades.
— Vamos, Lex! – Gancho se levanta,
encaminhando-se para a porta.
— Meu irmão, vou descobrir o que está
havendo. E quando isso acontecer, é melhor
você correr. – Lex dá o ultimato e segue
Gancho para fora do quarto.
Quando a porta se fecha atrás de Lex, Bola
se senta na cama, ajeitando o colarinho do
pijama. Respira fundo, colérico. Num
sussurro, ele diz para si mesmo:
— Você vai cair, Lex. E quando acontecer,
sou eu quem darei o golpe de misericórdia.
Quarenta e sete: No quarto das Kibis
Antes de invadirmos o quarto das Kibis,
contarei uma historinha para vocês. É sobre
um tal de Fabiano Bola e o ódio secreto que
ele nutre por Alexandre Heinrich.
Bola, desde que se entende por gente,
possui um sentimento profundo em seu
íntimo. Um amor sufocado e bem guardado
por sua musa inspiradora, aquela que invade
seus sonhos todas as noites. Essa garota se
chama Bárbara, a Kibi.
Quando Bola descobriu que Babi e Lex
haviam ficado, sofreu como um cão sem
dono. Apesar de saber que nunca teria a Kibi
em seus braços, Bola gostava de fantasiar
com o dia em que ela finalmente olharia para
ele com outros olhos.
É claro que isso nunca aconteceu.
Quando o garoto soube que o namoro não
passava de uma aposta, ficou completamente
doido. Na saída do colégio, puxou a Kibi para
um lugar mais tranquilo e lhe contou tudo o
que sabia a respeito. Esse era o terceiro dia
do namoro Lex versus Bárbara.
Transcrevo agora o diálogo entre os dois,
depois que o Bola contou tudinho para a Kibi
Mor:
— E daí? – Bárbara pergunta, impaciente.
— Estou dizendo que você está sendo
enganada! – Bola é mais enfático.
— Eu já sabia sobre a aposta, seu idiota. A
Suze ouviu os meninos conversando. –
Bárbara mira as unhas cor de ameixa.
— E você vai aceitar isso? – Bola está
inconformado.
— É a minha única chance com o Lex. E eu
vou agarrá-la, com as unhas se for preciso.
— Babi, você não precisa disso. Não
acredito que vá se humilhar desse jeito. –
Bola tenta tocá-la, mas a Kibi recua, em
repulsa.
— O que eu faço ou deixo de fazer, não lhe
interessa. – Bárbara diz, ríspida. – Me deixe
em paz, tá legal?
— Mas, Babi…
— Tchau, Bola.
Já sabemos o que aconteceu depois: pole
dance, Kibi seminua, Lex em perigo, fim da
aposta.
Bola assistiu a Kibi chorar na manhã
seguinte do término do namoro. Viu Lex ser
condecorado. E ouviu um papo que não
deveria ter escutado.
Lex não contou a ninguém sobre o que
realmente aconteceu naquele quarto. Mas,
como não consegue esconder nada de
Gancho, acabou abrindo a verdade para o
melhor amigo quando se viram sozinhos no
laboratório de química.
Eles não estavam realmente a sós.
Bola, escondido debaixo do balcão, fugia
dos garotos do ano anterior. Ele havia
aprontado, de novo, e estava sendo
perseguido por todo o colégio.
Encolhido e agachado no chão, Bola
acompanhou o relato detalhado de Lex sobre
a tarde anterior em seu quarto. Escutou o
cara reclamar e dizer o quanto havia sido
constrangedor. Ouviu – quase chorando –
quando Lex contou como ela havia implorado
para que transassem. A risada incrédula de
Gancho lhe arranhou os ouvidos,
principalmente quando o pirata a chamou de
vagabunda.
Naquele dia surgia a lista negra de Bola. E
Lex e Gancho encabeçavam essa lista.
~~***~~
Bárbara finge estar dormindo quando
Suzana e Ana Paula voltam para o quarto.
Ela é tão boa atriz que eu juraria estar vendo
a garota em sono R.E.M.
Suzana e Ana Paula não se conformam com
o que aconteceu pouco antes, na pista de
dança. Não entendem como Bárbara pôde
beijar Bola daquela maneira. O que a Kibi
Mor estará tramando?
— Ela deve ter seus motivos. – Ana
sussurra, vestindo a camisola.
— Que motivos? Isso é loucura, essa
vingança a cegou completamente. – Suzana
tira a colcha da cama e se enfia debaixo dos
lençóis.
— Do jeito que você fala, até parece que
não quer essa vingança. A Nina nos
humilhou, Suze. Temos que nos vingar!
— Nós aprontamos muito com ela também.
Lembra quando estouramos três tubos de
cola dentro da mochila dela? E quando
roubamos suas roupas depois da aula de
educação física?
— É, eu lembro. – Ana se recorda sim.
Chegou a ficar com dó da garota naquele dia.
— Então! – Suzana ajeita o travesseiro. –
Acho que estamos quites. Nós a humilhamos,
ela nos humilhou. Acabou. Temos que
continuar com nossas vidas.
— A Babi não pensa assim. E você sabe que
se não ficarmos do lado dela…
— Sim, eu sei. Ela continuará nos
chantageando. – Suze revira os olhos,
cansada de ser usada.
— É isso. – Ana puxa o lençol até o
pescoço. – Vamos dormir, amanhã
perguntaremos o que está acontecendo, tá
bom? Boa noite.
— Boa noite, Ana.
~~***~~
Os primeiros raios de sol atravessam as
persianas, iluminando o quarto das Kibis.
Esse é o último dia na Ilha Inamorata e
Bárbara está excitada demais para continuar
na cama.
Quando finalmente abre os olhos, Bárbara
vê Suzana e Ana Paula ajeitando as coisas,
vestindo biquínis mínimos. Ela ainda se
lembra do diálogo da noite anterior e precisa
saber se pode ou não contar com suas
amigas.
— Estão comigo ou contra mim? – Bárbara
pergunta, num tom rouco.
As duas levam um tremendo susto. Suzana
e Ana Paula se entreolham nervosamente.
Será que Bárbara ouviu a conversa
sussurrada?
— Estamos com você, mas antes terá que
nos contar o que está acontecendo. Por que
beijou o Bola daquela maneira? – Ana
penteia as madeixas oxigenadas para trás.
— O Bola tem algo para esquentar essa
vingança. – Bárbara respira fundo. – E eu
vou precisar da ajuda de vocês.
— O que teremos que fazer? – Suzana
amarra a canga em volta da cintura.
— O que fizeram até agora. Ficar à
espreita, aguardando o momento chegar.
Quero fotos e vídeos de tudo o que rolar
hoje. – Bárbara se levanta num pulo,
espreguiçando-se demoradamente.
— O que o Bola tem a ver com tudo isso? –
Suzana interpela.
— Ele tem algo que pode mudar o rumo
dessa vingança. – Bárbara abre a mala rosa
chiclete e tira de lá um fio dental branco e
não é de limpar os dentes.
— Explique para nós. – Suzana se senta
aos pés da cama, passando uma leve camada
de protetor solar nos braços.
— O Bola vai colocar algo na bebida da
Nina e se as coisas correrem como imagino,
ela vai fazer tudo o que tiver vontade. Nós
iremos fotografar e filmar cada passo da
vagaba.
— O que o Bola vai colocar na bebida dela?
Ele vai drogá-la? – Ana sobressalta-se. –
Babi, isso é absurdo!
— Absurdo, Ana? Absurdo foi o que a
vagaba fez com a gente! Já se esqueceram?
– Bárbara vinca a testa, as pálpebras
pulsando enraivecidas.
— Drogar a Nina é demais, Babi. É demais
até para você! Isso já ultrapassou todos os
limites aceitáveis. – Suzana pega sua toalha
de piscina e finaliza: – Eu tô fora.
— Não pode cair fora! Ou então vou contar
para os seus pais que…
— Pode contar! Já cansei de ser
chantageada por você. Cansei de ser
manipulada, usada, humilhada! – Suzana faz
uma pausa para respirar. – Isso não é
amizade.
Pisando duro, Suzana vai para a piscina,
batendo a porta do quarto com força ao sair.
— E você, Ana? Vai me trair também? – as
pupilas de Bárbara se dilatam de tanto ódio.
— Não, Babi. Estou com você até o fim.
Quarenta e oito: O início do último dia na
ilha
Lex e os garotos acordaram cedo para o
jogo de futebol masculino no campo
gramado. Estão todos por lá, menos Bola.
O jogo já dura vinte minutos e Lex
arrumou duas brigas nesse meio tempo. Está
nervoso, aéreo, um tremendo pé no saco. A
galera percebe e se junta ao redor do cara
quando o garoto perde um gol feito.
— Certo, o que está rolando aqui? Abra o
jogo, Lex. – Hulk é o primeiro a falar.
— Anda, Lex, fala. – Nando se pendura no
ombro de Hulk.
Gancho e Lex se entreolham. Será que
podem confiar nesses caras? Bola já se
mostrou um tremendo 171.
— Acho que deveríamos contar. – Gancho
guarda o apito no bolso, incitando o amigo.
— Tudo bem. Contarei o que está rolando.
Lex conta tudo sobre a aposta, a
chantagem e a vingança da Kibi Mor. A
galera escuta atenta a todos os detalhes e
suposições de Lex e Gancho.
— Que o Bola está do lado das Kibis, isso
está na cara. Ele é apaixonadão pela
Bárbara. – é Hulk quem elucida. – Agora,
quanto a essa vingança, não sei o que
pensar. A Babi pega pesado e ela pode estar
armando qualquer coisa.
— Entenderam o drama? – Gancho encara
cada um dos amigos. – O Lex tá ferrado.
— Não tem jeito de conseguirmos esse
vídeo? – Edgard especula. – Talvez invadindo
o computador dela, sei lá.
— Ela fez milhões de cópias, não é esse o
caminho. – Gancho gira o boné na cabeça,
displicente.
— Vocês viram o vídeo? Dá para saber que
é o Lex naquela moto? – Hulk pergunta, um
tanto tenso. – É que, bem… é que eu filmei
aquela noite. E as imagens não são boas. –
Hulk engole em seco e finaliza: – A Bárbara
ficou comigo em troca do vídeo.
— Como é? – Lex fala em uníssono com
Gancho. – Deu o vídeo à ela?
— Todos demos. – é Nando quem revela. –
Ela ficou com todo mundo em troca dos
vídeos. Lex, eu não imaginei que ela iria
chantageá-lo.
— Puta merda! Ela tem vários vídeos, de
vários ângulos do acidente? – Gancho joga o
boné longe. – Caras, eu não acredito!
— Eu tô ferrado, Cabeça. – Lex arqueia o
corpo para a frente, sentindo um tremendo
peso nas costas. – Eu pensei que a Kibi só
tivesse um vídeo, o que ela mesma filmou
naquela maldita noite.
— Lex, o que podemos fazer? – Hulk toca o
ombro do amigo, sentindo-se o pior entre os
piores. – Cara, é só pedir.
— Fiquem de olho no Bola e nas Kibis.
Relatem qualquer coisa anormal. Se algum
deles se aproximar da Nina, nos avisem. – é
Gancho quem dá as instruções.
— Ei, Gancho. – Edgard chama. – O Bola
tem algo contra você?
— Não sei. Acho que não.
— Foi ele quem lançou a aposta Gancho
versus Nathi. Acho bom você ficar esperto.
— Puta que pariu.
~~***~~
Hoje o dia será repleto de atividades na
Ilha Inamorata. Jogos de futebol, volei de
praia, aulas de surf… e à noite, as portas da
boate do hotel serão abertas aos estudantes.
As garotas estão na praia, curtindo o último
dia na ilha. Muitas já estão chorando e se
abraçando, pois quando voltarem para casa,
tudo irá mudar.
— Não acredito que isso vá acabar. Cada
uma de nós vai tomar um rumo e vamos
perder contato. – Camila chora no ombro de
Lais.
— Não deixaremos isso acontecer. – Lais
acaricia os cabelos dourados de Camila.
— Ah gente, vou chorar também. – Nathi
tira os óculos de leitura, enxugando os olhos
úmidos.
Nina pressente a aproximação de Lex. Gira
o corpo e o encontra sozinho, caminhando de
cabeça baixa em direção ao mar.
— Volto já. – ela diz, levantando-se
apressada e sem dar maiores explicações.
Seus passos são rápidos e afundam na
areia fofa. Desliza os óculos de sol para o
rosto e ajeita as bordas do biquíni cor de uva.
Lex ainda não a viu. O garoto entra no mar e
mergulha quando uma onda se quebra sobre
ele.
Nina mergulha logo atrás. Hoje as ondas
estão altas e fortes, perfeitas para aulas de
surf. Ela grita o nome dele quando sobe à
superfície. Lex mergulha novamente quando
uma nova onda se quebra. Nina respira fundo
e mergulha também.
— Lex!
Ele se vira. Seus olhos estão baixos como
se a luz do sol tivesse sido extinta. Nina
sente um arrepio rasgando suas costas.
Uma nova onda se quebra e os dois
mergulham. Lex estende a mão e Nina a
pega, deixando-se conduzir para a frente,
ultrapassando a zona de arrebentação.
— Vai me dizer o que aconteceu ontem? –
Nina pergunta, sem rodeios.
— Não agora.
— Por que não?
— Porque eu ainda não sei o que está
havendo. – Lex alisa os cachos para trás,
com a cabeça fritando.
— Do que está falando?
— Muitas coisas estão acontecendo nessa
ilha. Tem pessoas que adorariam ferrar com
a gente. – Lex sustenta o olhar de Nina. –
Você precisa manter distância de mim até
irmos embora.
— Não farei isso, a não ser que me diga o
que está rolando aqui. – Nina fecha a cara.
— Nem eu sei o que está rolando. É por
isso que estou pedindo: mantenha distância.
Nina se vê num mar de dúvidas. Deve virar
as costas e deixar Lex sozinho? Ou tenta
arrancar dele qualquer informação? Será que
o jogo ainda está rolando e ela, burra, teima
em não acreditar? Lex lê todas essas
incertezas nos olhos dela.
— Quando voltarmos para São Paulo,
contarei tudo desde o início. Mas tem algo
que você precisa saber e que eu não posso
mais esconder.
— E o que é?
Lex toma o rosto dela entre as mãos. Algo
devastador a inunda nesse instante. É uma
sensação grandiosa demais para ser
desprezada. Finalmente a névoa se dissipa e
ela tem plena clareza de seus sentimentos
por ele. Por mais incrível que possa parecer,
não está com medo, não se afasta.
— Eu estou apaixonado por você e nunca
senti isso antes, por ninguém.
As palavras que Nina tenta proferir se
perdem dentro da boca. Todo o seu corpo
reage a declaração. A garota não consegue
segurar um sorriso, é mais forte do que ela.
Seus poros se abrem, explodindo em êxtase
de dentro para fora.
— E é por isso que estou pedindo que
mantenha distância até voltarmos. Ninguém
pode saber. – Lex está louco para beijá-la,
abraçá-la. Mas não fará isso, não agora.
— Lex, eu não entendo… – Nina tenta se
aproximar e ele recua.
— Entenderá quando eu contar.
— Conte agora.
— Não posso. Não enquanto eu não souber
de tudo. – ele olha para o horizonte, um
tanto deprimido.
— Está jogando? É isso, não é? – os olhos
de Nina se umedecem e não é água do mar.
— Não estou jogando!
— Prove! – ela não queria, mas está
gritando.
— O que quer que eu faça? – ele também
grita, perdendo o controle.
— Me diga o que está havendo. Prove que
isso tudo não é só uma aposta!
— Que droga! – ele soca a água, em fúria.
— Prove, Lex.
Ele joga a cabeça para trás, fitando o céu
azul. Está pesando os prós e contras,
cogitando a possibilidade de contar tudo à
Nina sobre a vingança e a chantagem. Teme
que ela, de cabeça quente, acabe
enfrentando Bárbara num duelo nada
amistoso. Não pode permitir que isso
aconteça.
— Precisa prometer que não fará
absolutamente nada quando eu contar o que
está havendo.
— E o que está havendo? – Nina estimula,
ansiosa.
— Prometa. – Lex insiste.
— Está certo, eu prometo.
— Me encontre daqui meia hora no Centro
de Arborismo. E se notar que está sendo
seguida, volte para a praia, está bem?
— Quem iria me seguir? – Nina une as
sobrancelhas, confusa.
— Apenas faça isso. – Lex se põe a
caminhar, lutando contra a correnteza.
Nina congela no lugar, perdida. Só começa
a se mexer quando Lex finalmente alcança a
praia, encaminhando-se para o Centro de
Arborismo.
A hora da verdade chegou.
Quarenta e nove: A vingança é plena
Nas nuvens.
Flutuando.
Em êxtase.
Perdidamente apaixonada.
Esse é o retrato de Nina, no momento
exato em que volta para as espreguiçadeiras
distribuídas na praia. As garotas estão
animadas, conversando sobre vários assuntos
e apenas Nathália nota quando a amiga se
senta, em completo torpor.
— Seu suco chegou. – Nathi avisa. – O que
você e o Lex conversaram?
— Nada ainda. Mas ele vai contar o que
está havendo daqui a pouco, lá no Centro de
Arborismo. – a garota, ainda com um ar
anestesiado, completa: – Ele disse que está
apaixonado por mim.
— Como é? – Nathi se inflama e as outras
garotas param de falar, curiosas.
— Shhhhhh. – Nina pede com um sorriso
sem graça. – Não diga a ninguém. Irei até lá
e depois conto como foi. – Nina pega o copo
de suco de maracujá ainda gelado e vira o
conteúdo de uma só vez.
— Ai, meu Deus! Será que finalmente
vocês dois vão se entender? – Nathi
sussurra.
— É o que eu espero.
~~***~~
A vingança da Kibi não poderia ser mais
perfeita. Nina acaba de tomar todo o
conteúdo do copo de suco e Bola avisou que
os efeitos começariam a ser notados em
menos de quinze minutos.
Nina se levanta, veste uma saída de banho
e flutua para o Centro de Arborismo. Aos
seus olhos, tudo está mais colorido e
vibrante. Algo mudou em seu ser quando Lex
se declarou. A garota se pega rindo, numa
felicidade que nunca havia experimentado.
Antes de tomar a trilha, olha para trás
como Lex instruiu. Ninguém parece estar à
espreita. Aliás, quem a seguiria e por que
faria isso? Não importa, nada mais tem
importância.
A droga se infiltra no sistema de Nina
conforme ela caminha. Alguns circuitos
cerebrais são desligados sem que ela perceba
o que está havendo.
Durante a caminhada, ela tem algumas
sensações e pensamentos que não haviam
lhe passado pela cabeça. Imagina-se sozinha
com Lex, no Centro de Arborismo, tendo todo
o tempo do mundo. Um sorriso diferente
imprime-se em seus lábios, um sorriso de
quem não está mais no controle da situação.
Um calor infernal toma conta do seu corpo
e não é pela exposição ao sol. Não. Nina se
sente em chamas e o incêndio precisa ser
apagado agora mesmo. E só uma pessoa
pode controlar esse fogo: Lex Heinrich.
Boca seca.
Olhos ardendo.
Arrepios cortantes.
Calor extremo.
Mãos trêmulas.
Nem assim Nina se toca de que algo está
errado. Na última subida da trilha, tira a
saída de banho, jogando-a ao chão. Os
chinelos também já foram deixados pelo
caminho, assim como o elástico que prendia
seus cabelos e o relógio de pulso.
~~***~~
Bárbara, que segue por uma trilha
adjacente, dá as últimas instruções para Ana
Paula e Bola. A garota sustenta um sorriso
macabro no rosto, um semblante vitorioso.
Se tudo sair como planejado, a vingança
finalmente chegará ao fim.
~~***~~
Lex está recostado no tronco de uma
árvore frondosa, repleta de frutos verdes.
Sem camisa, veste apenas uma bermuda
cinza chumbo da QuikSilver. Ensaia,
silenciosamente, a conversa difícil que terá
com Nina. Poderá ela perdoá-lo por ser um
covarde?
Lex deixa um suspiro apaixonado escapar
quando finalmente a vê. Absolutamente
linda. Os cabelos soltos ao vento, o biquíni
cor de uva realçando a pele levemente
bronzeada, as curvas asfixiantes... espere, há
algo errado.
Os lábios de Nina estão entreabertos e as
pálpebras semicerradas, numa expressão que
não pertence a ela. A garota sustenta um
olhar desses esmagadores e Lex entra em
estado de alerta.
— Nina? – desconfiado, ele recua.
A garota se aproxima, penetrando fundo
nos olhos de Lex, jogando-o contra o tronco.
O garoto está acuado e confuso, sem saber o
que pensar ou como agir.
— O que está acontecendo? – ele pergunta,
sabendo que Nina não está em seu juízo
perfeito. Tenta, mas não consegue identificar
o que está causando essa brusca mudança de
atitude.
— Cale a boca. – ela balbucia, com um
sorriso de satisfação.
As mãos dela rasgam o ar, trilhando um
caminho sem volta. Toma o rosto de Lex de
assalto, deslizando a ponta dos dedos pelo
pescoço do cara, detendo-se demoradamente
em seu tórax salpicado por gotículas de suor
e tensão.
— Resolvi que contarei tudo desde o início.
– as mãos de Lex se atiram para dentro dos
bolsos da bermuda, aprisionando-se ali.
— Não quero conversar. – Nina agora traça
desenhos provocantes na barriga malhada de
Lex. Ele segura um gemido involuntário.
— Por que está agindo assim? – os olhos
dele se fecham em êxtase quando ela cola os
lábios em seu pescoço. Um arrepio
subsequente liberta as mãos dos bolsos,
agarrando-se à cintura de Nina. – Você está
jogando? O que está pretendendo?
Os lábios de Nina umedecem de beijos a
pele pulsante e Lex joga a cabeça para trás,
arfando. Suas mãos agora iniciam uma
subida íngreme, através das curvas perfeitas
de Nina, levantando os cabelos dela no alto,
emaranhando-se nos sedosos fios.
— Por que está me provocando dessa
maneira? – Lex pergunta entre sussurros e
gemidos.
— Eu quero você. – Nina lança, num tom
insinuante.
Lex não responde, as palavras não saem de
sua boca. Não faz ideia do que Nina pretende
e está sem forças para afastá-la. Tanto que,
tomado por uma sede enlouquecedora, atirase
àqueles lábios quentes como uma
fornalha.
Nina se descontrola quando as mãos de Lex
alisam suas costas, detendo-se em seus
glúteos firmes e curvilíneos. Passa uma
rasteira precisa no cara, caindo por cima
dele.
A garota exala sedução por todos os poros.
Lex está perdido naquele pescoço, na pele
que queima ao toque, nos sons abafados que
ela emite em espasmos.
Esses dois estão ardendo e Lex não
desconfia que Bárbara já canta vitória, a
alguns metros dali. E nem imagina que ela
acaba de engolir um grito de prazer quando
Nina desenlaça a parte de cima do biquíni.
Ah, Deus, agora a coisa vai esquentar.
~~***~~
Enquanto isso, na praia…
Garotos e garotas se espalham pelas
espreguiçadeiras na areia, batendo papo,
beliscando batatas fritas e frutos do mar,
despedindo-se do último dia na ilha.
Gancho está deitado com Nathi em uma
espreguiçadeira, acariciando seu rabo de
cavalo volumoso. Contará à ela sobre a
aposta quando estiverem sozinhos, não
correrá o risco de Bola dar com a língua nos
dentes. Seus grandes olhos negros são
atraídos para o outro lado, acompanhando
Suzana se aproximar correndo, em pânico.
— Gente, eu preciso contar! Alguém precisa
impedir!
— O que foi, Suze? – é Edgard quem
pergunta.
— A Bárbara e o Bola drogaram a Nina. Ela
está doidona!
— Como é? – Lais dá um pulo da
espreguiçadeira, agarrando Suzana pelo
braço. – O que você está dizendo?
— Não temos tempo agora, precisamos
impedir!
— Onde ela está? Onde está a Nina? –
Camila está aos gritos.
— No Centro de Arborismo. – é Nathi quem
revela, se levantando num salto e disparando
a toda velocidade, de mãos dadas com
Gancho.
~~***~~
O ponto de observação é fantástico. O
zoom óptico da câmera de Bárbara capta
todos os detalhes. Bola e Ana Paula filmam
tudo o que está rolando entre folhas e beijos
escandalosos.
Bárbara já possui fotos e vídeos suficientes
para uma excelente vingança. Mas ela quer
mais, quer que Nina protagonize cenas
pornográficas com Lex. Se ela sente ciúmes?
Pode até ser. Mas o sentimento de vingança
é mais forte e sobrepuja qualquer outra
coisa. Vingança. Doce e perfeita vingança.
~~***~~
Louco. Alucinado. Lex não consegue mais
raciocinar, está entregue as vontades de seu
corpo.
E Nina? Bem, a garota está ensandecida. A
droga atinge o ápice e ela desfere uma
mordida prazerosa no lábio inferior de Lex. É
o que basta para ele ser tomado por uma
força do além, rolando-os sobre o tapete de
terra e folhas secas que estalam sob os
corpos em chamas.
Os cabelos dela se espalham revoltos pelo
chão e mesmo sem qualquer controle da
situação, Lex consegue se afastar, arqueando
as costas para trás:
— Nina, algo não está certo aqui. Não
quero você assim, nesse lugar. Está me
testando, é isso?
Com uma expressão provocante, o olhar de
Nina é vidrado e as pupilas estão dilatadas.
— Não me quer, Lex? – a voz dela o
envolve em nuvens escaldantes.
— Não faz ideia do quanto eu quero você. –
ele responde, prendendo as mãos dela acima
da cabeça. – Mas estou sentindo que há algo
errado.
— A única coisa errada aqui é você ainda
estar vestido. – Nina semicerra as pálpebras,
lançando um sorriso desafiador no ar.
Entrelaça as pernas em torno da cintura de
Lex, desarmando-o.
A mente do garoto luta para assumir o
controle do corpo e vice-versa. Ele é um
bravo guerreiro, mas está vencido. Ondas
elétricas atravessam esses dois e qualquer
outra coisa perde a razão de ser.
— Eu preciso de você e será agora. – as
palavras de Nina, ditas num sussurro quente
em seus ouvidos, libertam as amarras
invisíveis que ainda prendiam Lex a
sanidade. Ele está possuído e agora tudo
poderá acontecer.
Nina inicia uma luta ferrenha com a
bermuda dele, usando os pés para livrar-se
do tecido. Lex está entregue e dará qualquer
coisa que ela pedir. E ela pede mais, arfando.
Ele a beija com mais intensidade, suas
mãos vigorosas se agarram àquela pele
fervendo, deixando rastros avermelhados por
onde passam. O fogo consome esses dois e
Lex está por um fio, na verdade, por um
cordão. Cordão esse que Nina acaba de
desatar, afrouxando o calção de banho do
cara, levando-o a loucura.
Oremos para que a ajuda chegue logo.
— Nina! Lex! – Nathália leva as mãos à
boca ao notar que Nina está sem a parte de
cima do biquíni.
— Cubra a Nina com a sua canga. – Gancho
arranca o tecido da cintura de Nathi. – Eu
cuido do Lex.
Os dois correm na direção dos amigos e Lex
escuta a voz de Gancho e Nathi se
aproximarem. Gancho e Nathi? Num
sobressalto, ele se dá conta de que Nina está
praticamente nua.
— Deixe comigo, Lex. – Nathi passa a
canga nas costas da amiga. – Venha, Nina,
nós vamos resolver isso.
— Resolver o quê? Saiam daqui agora! –
ela grita, tentando se desvencilhar de
Nathália e da canga colorida.
— O que está acontecendo? – Lex
pergunta, atordoado.
— A Nina foi drogada. – Gancho se ajoelha
e pega a bermuda do garoto entre as folhas.
– Vista-se.
Cinquenta: Completamente chapada
Bárbara e Bola se encaram: ele em pânico,
ela tranquila e radiante. A Kibi desliga a
câmara e sorri, sentindo o êxtase da vitória
correr por suas veias. A vingança está quase
completa.
— Droga, como eles descobriram? – Bola
soca a própria perna com o punho fechado.
— Foi a Suzana, não é óbvio? – Bárbara
não estressa, Suze pagará caro pela
intromissão. A ex-amiga se arrependerá até
o último fio de cabelo descolorido.
— Acha mesmo que a Suze teria coragem?
– Ana arregala os olhos, temendo pelo futuro
de Suzana.
— Bola, livre-se do conteúdo do frasco.
Ana, vá para o quarto e descarregue as
imagens e os vídeos. Mande para o meu
email e depois apague tudo, entendeu? – a
Kibi Mor dá as coordenadas, como um
general.
Ana Paula se apressa. Levanta do
esconderijo e corre para o hotel o mais
rápido consegue. Bola já se livrou do frasco e
da droga. No momento, encara a Kibi
abertamente, sem saber o que esperar.
— E agora? O que faremos? – Bola teme
serem descobertos.
— Você eu não sei. Mas eu estou pensando
em uma maneira de detonar de vez com o
Lex.
~~***~~
Nina trava uma luta ferrenha com Nathália.
Não quer a canga, não quer ajuda, só quer o
Lex. E ela grita isso, em alto e bom som.
Lais e Hulk se aproximam, cautelosos. Nina
está descontrolada e Nathália a segura como
pode. Hulk tira a camiseta e estende para
Lais.
— Vista isso nela.
Nathália e Lais dominam Nina, vestindo a
camiseta praticamente a tapas. Nathi tenta
conversar amigavelmente, mas Nina
cantarola alto só para irritar, tirando Lais do
sério:
— Olhe para mim. – Lais segura firme nos
ombros da amiga. – Você escutou o que eu
disse? Está chapada, drogaram você!
— Não estou drogada! – Nina rebate,
visivelmente alterada.
Não distante dali, Lex irrompe em lágrimas
nervosas nos ombros de Gancho. Seus lábios
se retesam quando escuta Nina gritar com as
meninas.
Monitores e professores finalmente
alcançam o Centro de Arborismo. Margareth
se aproxima das garotas, fitando Nina com
preocupação.
— O que está acontecendo aqui, afinal? – a
professora toma o pulso de Nina e nota que o
coração está acelerado. Um monitor checa os
olhos da garota com uma pequena lanterna,
confirmando a suposição. Nina está drogada,
com direito a pupilas dilatadas e opacas.
Pelo rádio, outro monitor pede à recepção
do hotel que encontre o único médico
disponível na ilha. Margareth toma o rosto de
Nina entre as mãos, encarando-a com
seriedade.
— Acha que pode caminhar até o hotel?
— Eu já disse que estou bem. Aliás, nunca
me senti tão bem na vida. – Nina desata a
rir, sem conseguir parar.
— O médico foi encontrado e já está a
caminho do hotel. – o monitor avisa, com o
olhar recaído sobre Nina. – Margareth, isso
nunca aconteceu aqui antes e olhe que
trabalho nesse ramo há anos.
— Ainda não acredito que isso esteja
acontecendo. – a professora concorda,
pesarosa. – Venha, Nina, vamos para o hotel.
— Não vou a lugar algum sem o Lex. – ela
cambaleia e segue ao encontro do garoto.
Lex a toma nos braços quando Nina deixa o
corpo cair sobre ele. A garota não consegue
parar de rir, mesmo quando escuta a voz
embargada de Lex aos ouvidos:
— Nina, você ficará bem. Precisamos voltar
ao hotel.
Ela não responde. Agarra-se aos cachos de
Lex e lhe desfere um beijo arrebatador,
daqueles que arrancam suspiros inclusive de
coisas inanimadas. Ele se afasta com
dificuldades, abraçando-a bem forte.
— Pare com isso, está bem?
— Por quê? – Nina o encara com um olhar
torturante, umedecendo os lábios de forma
provocante. – Poderíamos ir para a praia,
tenho altas fantasias que envolvem areia e
mar.
— Escute o que está dizendo, essa não é
você. – ele murmura, demolido por dentro.
— Nina, precisamos voltar ao hotel. –
Margareth dá o ultimato, tomando um dos
braços da garota.
— Já disse, sem o Lex não vou a lugar
algum! – Nina estressa e se agarra ao
pescoço de Lex, sufocando-o.
— Precisamos voltar, o médico saberá o
que fazer. – Lex conversa com calma, como
se Nina fosse uma criança. Ela se afasta,
trançando as pernas.
— Não quero voltar ao hotel, só quero
retomar do ponto em que paramos. – Nina
morde o lábio, fitando Lex como se o garoto
fosse uma sobremesa irresistível.
Mas então, um sopro invisível a faz tremer
da cabeça aos pés. Nina sente as pernas
fraquejarem e os olhos saem de foco, como
se a pressão sanguínea tivesse caído aos pés.
O corpo perde as forças e Lex e Gancho a
seguram no ar, antes que desabe no chão.
— Ai, meu Deus. – Nathi entrelaça os dedos
acima da cabeça, enquanto todos correm
para ajudar.
— Nina, fale comigo. – Lex se desespera.
— Hum. – ela balbucia, abrindo os olhos.
— Olhe para mim. O que está sentindo? –
Margareth checa o pulso de Nina novamente.
— Estou zonza. Acho que quero dormir.
— Não durma, por favor. – Lex a pega nos
braços, juntando todas as forças que possui e
não possui. O corpo dela está amolecido,
entregue.
— Se não aguentar carregá-la, trocamos no
caminho. – Gancho oferece, desferindo um
tapa no ombro de Lex.
Na trilha de volta para o hotel, Lex
conversa com Nina para que ela não durma.
Os garotos se oferecem para carregá-la, mas
Lex não permite. Sente-se em dívida com
Nina por não ter percebido o que estava
acontecendo. Bem, ele sabia que havia algo
errado, mas não fez absolutamente nada
para contê-la.
— Já disse que você é lindo? – Nina
sussurra preguiçosamente, como se estivesse
bêbada. – Não, é sério, você é um dos caras
mais bonitos que já conheci.
— Não diga isso, pode se arrepender
depois. – Lex ensaia um sorriso, sem desviar
os olhos da trilha.
— Não me arrependerei. – ela rebate,
alisando a barba dourada do cara com a
ponta dos dedos. – Aliás, já disse que você
mexeu comigo desde a primeira vez em que
nos vimos?
— Não, você nunca disse. Também acho
que se arrependerá disso mais tarde. – Lex a
encara, com o ego transbordando. – Tenho
que confessar que você também mexeu
comigo.
— Verdade?
— Você nem imagina o quanto. – Lex
finalmente avista a entrada do hotel.
~~***~~
Com as costas arqueadas e os joelhos
gritando, Lex alcança o dormitório das
meninas. Auxiliado por Lais, deita Nina sobre
a cama, sentindo-se culpado pela situação
em que ela se encontra. Deveria ter previsto
algo assim, ainda mais em se tratando da
Kibi Mor.
Uma galera se amontoa no quarto, todos
querendo fazer algo para ajudar. Nada pode
ser feito no momento e Nina começa a se
irritar com a algazarra.
— Mande todos embora e feche a porta. –
ela puxa Lex pela nuca e balbucia,
insinuante.
— Sabe que não posso fazer isso. – ele
acaricia o rosto transfigurado de Nina.
— Não pode ou não quer? – ela incita,
traçando formas geométricas no peito dele.
— Não posso. – ele responde, sentindo
arrepios por todo o corpo. – Pare com isso.
— Nina, você tem consciência do que
aconteceu? Sabe que está drogada? – Lais se
senta aos pés da cama.
— Não estou drogada! Por que fica
repetindo isso? – Nina se apruma. – Gente,
que calor infernal é esse? Ligue esse arcondicionado,
por favor.
— A Bárbara e o Bola armaram para você,
colocaram algo no seu suco, entendeu? –
Nathi liga o ar-condicionado, regulando a
temperatura.
— Ok, crianças, o médico chegou. Todos
saindo, circulando, vamos. – Margareth
enxota os estudantes, afirmando que Nina
ficará bem.
O médico alto, grisalho e um tanto bicho
grilo, entra no quarto com uma maleta preta
à tiracolo. Margareth pede que Lex se retire,
mas Nina inicia um escândalo, agarrando-se
a ele como se o mundo fosse acabar.
— Tudo bem, deixe que ele fique. – o
médico abre a maleta sobre a cama,
retirando alguns instrumentos de lá. –
Sabem qual substância foi ingerida?
— Não sabemos, a-i-n-d-a. – Margareth
frisa.
— Precisarei colher uma amostra de sangue
para análise. – o médico abre uma caixa
metálica, retirando de lá uma seringa.
— Eu estou ótima. – Nina bufa e cruza os
braços, fechando a cara.
— Deixe ele tirar o seu sangue, está bem?
– o tom de Lex é manso, cuidadoso. – Estarei
com você, não irei a lugar algum.
— Nesse caso. – Nina dá de ombros e
estende o braço, finalmente disposta a
colaborar.
~~***~~
Médico, exames, testes, um banho bem
quente… as horas passam e o corpo de Nina
sofre os efeitos ruins da droga que ingeriu.
Um frio cortante a assola e Lex a abraça
como um cobertor quente e seguro.
A garota passou a tarde toda dormindo e
acordando, num sono agitado e repleto de
sonhos estranhos. Lex foi o único que não
arredou o pé do quarto, nem para almoçar.
Nathi e Lais estão atônitas, olhando para o
nada. Margareth está sentada sobre a cama
de Lais, balançando a cabeça em negativa. O
relógio de pulso marca cinco da tarde.
Ainda não encontraram Bárbara ou Bola.
Ana Paula, que estava no quarto das Kibis,
disse não saber nada sobre eles e desmentiu
quando a acusaram de fazer parte do plano.
O professor de literatura e os monitores
estão reunindo a turma toda na sala de
jogos. A verdade precisa vir à tona e o
diretor do Prisma já foi informado sobre o
acontecido na ilha, por telefone. Cabeças vão
rolar.
Cinquenta e um: A vingança nunca é
plena
O dia correu como se estivesse em uma
maratona. O sol já se esconde no horizonte e
os últimos raios solares pintam o céu em
vários tons alaranjados.
Duas batidas na porta e alguém enfia a
cabeça dentro do quarto. É o monitor-chefe:
— Margareth, a turma já está reunida na
sala de jogos. Mas nem sinal do Fabiano e da
Bárbara.
— Onde esses dois se enfiaram? – a
professora rosna a pergunta. – Em algum
momento eles terão que aparecer.
— Estamos esperando por vocês para a
reunião começar. – o monitor avisa.
— Quero ir também. – Nina abre os olhos e
se remexe, num despertar preguiçoso.
— Não. Você não está bem. – Lex não
permite que ela se levante. – E outra, você
não precisa passar por isso.
— Eu quero ir. – Nina esfrega os olhos e se
senta, tomando o cuidado de não encarar Lex
nos olhos. Apesar das imagens serem um
borrão, se lembra do suficiente para ficar
com vergonha pelo resto da vida.
— Ela precisa estar presente. – Nathália vai
em favor de Nina.
— Concordo. – Lais está com os punhos
cerrados desde que viu a amiga naquela
situação constrangedora.
— Que seja. – Margareth concorda.
~~***~~
Um murmurinho incessante toma conta dos
ouvidos de Nina. São acusações, conjecturas,
especulações das mais diversas. Quando ela
e Lex entram na sala de jogos, o silêncio
recai como um meteoro.
— Não me olhem assim. – Nina pede,
encarecidamente. – Não é uma droga que vai
me derrubar. – os olhares são dos mais
diversos e Nina tenta não se fixar ninguém
em especial, não está a fim de decifrar as
expressões de pena nos rostos da turma.
Gancho se levanta do sofá de dois lugares,
dando lugar para Nina e Lex. Ela se senta
com dificuldades e ele toma lugar ao seu
lado, abraçando-a quando o corpo dela se
agita, tremendo de frio.
Nathi estende a mão para Gancho e eles se
recostam na parede, aguardando que a
reunião comece.
— Se não se sentir bem, promete falar? –
Lex sussurra, entrelaçando seus dedos aos de
Nina.
— Prometo. – ela deita a cabeça no ombro
dele.
— Ok, pessoal, o negócio é o seguinte:
Ninguém sairá dessa sala hoje até que a
verdade apareça. – o professor de Literatura
toma a palavra. – A amiga de vocês foi
drogada. O sangue já seguiu para análise e
os culpados terão que aparecer.
— Nós queremos a verdade e queremos
agora! – Margareth ruge com voz altiva.
— Querem a verdade? Pois eu direi a
verdade. – teatralmente, Bárbara faz sua
aparição, emoldurada pelo batente das portas
duplas da sala de jogos. O show está prestes
a começar.
~~***~~
O quebra pau tem início. Acusações voam
como flechas pela sala de jogos. Os
professores e monitores tem dificuldades
para colocar a casa em ordem. E o circo pega
fogo quando Bola entra na sala. Aí a coisa
fica feia. Todos os garotos querem socar o
cara e ele precisa ser protegido pelos
professores.
— Calem a boca todos vocês! – Margareth
grita, a plenos pulmões. – Ouviremos a
Bárbara primeiro.
— Vai ouvir essa vaca? – Nathi se joga na
direção da Kibi, querendo muito socar aquela
cara de vadia. Mas Gancho a segura,
abraçando-a por trás.
— Ora, ora, ora… a Nathália se revela, não?
– Bárbara requebra o quadril, levando as
mãos à cintura. – Sua idiota, você não faz
ideia, não é?
— Não faço ideia do que, sua biscate? – ela
luta para se desvencilhar de Gancho, mas o
cara é mais forte.
— Você é uma aposta, meu benzinho. Uma.
Aposta. – Bárbara degusta cada palavra,
vingando-se de Gancho. – Gancho versus
Nathi, uma das apostas do ano! – Bárbara
gargalha alto, deliciando-se com o momento.
Nathi não consegue engolir. A garganta se
fecha, arranhando. Está atordoada, não
acredita que isso esteja acontecendo. Ela é
uma aposta?
— Eu não concordei com isso, Nathi, você
precisa acreditar em mim. – Gancho sussurra
em seu ouvido.
— Eu sou uma aposta? – ela se vira para
encará-lo.
— Sim, você é uma aposta! – Bárbara
desdenha. – Aliás, a Camila ali também é
uma aposta, não é, Nando?
— O quê? – Camila se levanta num
sobressalto. – De novo? – os olhos da garota
se enchem de lágrimas. – Seu desgraçado!
Camila precisa ser contida pelas amigas.
Nando tenta se explicar, mas as palavras se
dissolvem no calor da discussão. Todos
voltam a falar ao mesmo tempo e Margareth
dá um berro para conseguir silêncio.
— Parem já com isso!
O professor de Literatura retoma a palavra,
com sua voz ensebada e um tanto
presunçosa:
— A Suzana nos contou que você e o
Fabiano drogaram a Nina. Isso procede? – o
professor se dirige à Kibi Mor.
— Suzana… ah, Suzana. Eu avisei que se
não estava comigo, estava contra mim. –
Bárbara mira as unhas violeta. – A Suzana é
tão boazinha, não é?
— Babi, por favor. – Suze sabe o que
Bárbara pretende revelar. – Isso é um
assunto meu.
— É seu, é? Pensei que era um assunto do
Edgard também. – Bárbara aponta aquelas
unhas compridas na direção do garoto.
— Vamos focar no assunto central dessa
reunião. – o professor tenta retomar as
rédeas, sem sucesso.
— Espere, professor. Eu quero ouvir o que
ela tem a dizer. – Edgard se levanta do chão,
já aguardando a bomba.
— A Suze aqui engravidou de você no ano
passado. E eu, como uma boa amiga –
Bárbara olha para Suzana e volta a encarar
Edgard –, a levei para fazer o aborto.
Posso falar um palavrão? Essa Kibi é uma
biscate da pior categoria!
Pronto. É o que basta para a sala de jogos
explodir em mil pedaços. Mais gritos, mais
acusações, muita choradeira…
Nathália desaba em lágrimas nos braços de
Lais. Hulk consola Gancho que acaba de
socar a parede com toda a força. Camila bate
em Nando toda a vez que ele tenta se
aproximar. Suzana cai prostrada no chão,
levando as mãos à cabeça. Edgard olha para
o nada enquanto os amigos tentam confortálo.
Nina está com o rosto escondido no peito
de Lex. O que virá agora? Qual a próxima
bomba que Bárbara jogará na turma? Como
ela pode ser cruel a esse ponto?
Lex afaga os cabelos de Nina, beijando sua
testa. O corpo dela ondula de frio e o garoto
a enlaça de forma vigorosa, buscando mantêla
aquecida. Apesar do lugar estar ruindo, é
como se esses dois estivessem em uma outra
dimensão, em segurança.
— Parem! – Margareth sobe em uma
cadeira para se fazer ver e ouvir. – Não
chegaremos a lugar algum assim!
— Bárbara, conte logo por que você e o
Fabiano drogaram a Nina e que tipo de
substância utilizaram. – o professor pega a
garota pelo braço, irritado. – Agora!
— Certo, eu já iria chegar lá. – a Kibi Mor
sustenta um sorriso perigoso nos lábios. O
momento máximo da vingança acaba de
chegar.
— Quietos! – Margareth desfere o grito,
como um golpe. Finalmente o silêncio é
retomado, em meio aos soluços de três
garotas: Nathi, Camila e Suzana.
— Eu chantageei o Lex para que ele
aceitasse a aposta da Nina. – Bárbara faz
uma pausa, aguardando a reação da principal
interessada. E a reação vem. Nina levanta o
rosto do peito de Lex e seus olhos trêmulos
encaram os triunfantes da Kibi. – Eu o
chantageei com um vídeo detalhado, em
vários ângulos, mostrando a verdade sobre o
acidente com a moto. Vocês se lembram do
acidente, não é? Pois bem, o Lex mentiu para
o pai dele, dizendo que um caminhão havia
passado por cima da motinho novinha. Não
devemos mentir, não é Lex? Acho que
aprendeu a lição.
— Continue, Bárbara! – Margareth cruza os
braços à frente do corpanzil. – E se atenha
apenas ao que lhe for perguntado.
— Bom, o fato foi que o Lex aceitou a
aposta de Nina mediante a minha
chantagem.
— O que você pretendia com isso? – o
professor pergunta, intrigado.
— Vingança! – ela ruge, entredentes. –
Todos vocês se lembram do que essa vagaba
aprontou comigo, não se lembram? Eu só
queria me vingar.
— O lance dos cartazes. – o professor se
lembra. – E nessa vingança você fez uso de
substâncias ilícitas? Você drogou a Nina?
— Não fui eu. Foi o Bola ali. – Bárbara sorri
ao apontar o culpado.
— Como é? – Bola dá um pulo da cadeira. –
Ei, eu não fiz isso sozinho!
Ai, meu Deus. O caos retoma a sala de
jogos. Enquanto as acusações inflamam ainda
mais o ambiente, Nina e Lex se entreolham.
— Por que não me disse? – ela o encara
tristemente.
— Eu iria contar, lá no Centro de
Arborismo. Mas então, deu tudo errado. – ele
se defende.
— Se o seu pai assistir a esse vídeo, o que
acontecerá? – Nina pergunta e os dois
conversam baixinho, como se o mundo não
estivesse acabando ao redor.
— Ele não vai pagar a minha faculdade de
música. Serei obrigado a trabalhar com ele e
desistir da carreira. – Lex morde o lábio,
fazendo força para não chorar.
— Então foi encenação. Tudo o que
aconteceu aqui foi porque você estava sendo
chantageado. – Nina afirma em voz alta,
para si mesma.
— Eu realmente estou apaixonado por
você, Nina.
— Desde quando? – ela engole o choro.
— Eu não sei dizer. Talvez tenha
acontecido no jogo de tênis ou depois disso.
Eu realmente não sei.
O silêncio recai após a tempestade de
acusações. Bárbara então retoma a palavra:
— O Bola, achando que iria me ajudar com
a vingança, dopou a Nina com uma
substância chamada Droga da Coragem. Ele
só me contou que fez isso depois que ela
havia ingerido o negócio, diluído no suco de
maracujá.
— Mentira! – Bola e Suzana gritam em
uníssono.
— Isso é mentira. A Bárbara ficou com o
Bola ontem no luau para que ele dopasse a
Nina hoje! – Suzana abre a verdade.
— Suzana, o que a Bárbara queria com
tudo isso? – o professor pergunta, quando a
turma finalmente faz silêncio.
— Ela passou a viagem inteira fotografando
e filmando a Nina e o Lex. Eu ainda não sei
onde ela usará as imagens, mas ela tem fotos
realmente boas para destruir a reputação da
Nina. – Suzana faz uma pequena pausa para
respirar. – E não é só isso: Ela quer acabar
com o Lex também.
— Isso é caso de polícia. – o professor
sussurra no ouvido de Margareth que meneia
a cabeça em confirmação. – O diretor vai
enlouquecer.
— Nem me lembre disso. – Margareth
sacode a cabeça e quando dá por si, uma
nova confusão está armada.
Gancho parte para cima de Bola. Suzana se
agarra aos cabelos da Kibi Mor. Camila morde
Nando, arrancando-lhe sangue. Nathi está
chorando, compulsivamente.
Nina olha para o nada. Lex olha para ela.
A garota está imóvel, inconsolável. A
tristeza deságua sobre ela como um tsunami.
Nina sente o brilho próprio se apagando,
como uma estrela prestes a desaparecer.
Fazendo um tremendo esforço para se
erguer, ela se desvencilha dos braços de Lex.
— Onde vai? – os lábios do garoto tremem.
— Me deixe em paz. – ela lança um olhar
áspero em sua direção.
— Nina...
— Já disse, me deixe em paz.
Nina busca o apoio de Lais que precisa se
dividir em duas, amparando as melhores
amigas. Bárbara percebe que Nina está
prestes a sair de cena e não perde tempo:
— Vai fugir, sua vagaba? Quem é a biscate
agora, hein? Aquela droga só mostra quem
você realmente é! – Bárbara brada,
empurrando Suzana sobre uma mesa. – Ah,
e só para você saber, fui eu que mandei o
Lex levar você para o Centro de Arborismo!
Euzinha aqui! E ele cumpriu as minhas
ordens! – a Kibi está vermelha de tanto
gritar.
— É mentira! – Lex se desespera. – Nina,
isso é mentira! – o garoto tenta conversar,
mas Lais não permite.
— Vem, vamos sair logo daqui. – Lais
enlaça as amigas pelos braços e as três
deixam a sala de jogos para trás.
Cinquenta e dois: Antes da volta para
casa
Quando Lex faz menção em ir atrás de
Nina, Hulk bloqueia o caminho do cara. Nessa
cena, objetos voam por cima das cabeças,
móveis são quebrados, rostos socados,
cabelos puxados… e tudo isso em meio à
histeria coletiva.
— Deixe a Nina pensar, Lex. Falar com ela
agora não vai ajudar. – Hulk desvia o rosto
de um vaso que vem em sua direção. O
objeto se quebra em mil pedaços ao dar de
encontro com a parede.
— Hulk, ela me odeia. – Lex leva as mãos à
cabeça, alheio ao fato do vaso. – E se ela
acreditou na Bárbara? Cara, a Kibi não me
mandou levar a Nina até o Centro de
Arborismo! Acredita em mim?
— É claro que eu acredito, Lex. – Hulk
respira fundo. – Deixe as coisas esfriarem e
então você procura a Nina. Ela vai ouvi-lo
quando estiver de cabeça fria.
Bola precisa ser carregado para fora da sala
de jogos. O nariz sangra como uma torneira
aberta e Lex se sente vingado pelas mãos de
Gancho. Ele mesmo gostaria de ter dado
aquele soco, mas não está em condições de
entrar numa briga agora. A tristeza o
massacra como uma jamanta.
A gerência do hotel chamou a polícia. Com
medo de serem processados pelo lance da
droga, acharam por bem fazer um boletim de
ocorrência dos fatos. Uma precaução mais do
que válida.
Margareth está ao telefone com o diretor.
Após contar tudo o que descobriram, escuta,
com o aparelho a metros de distância do
ouvido, os gritos e vociferações cavernosas
que vem de São Paulo. Como eu disse,
cabeças vão rolar.
Camila acaba de desferir mais um tapa no
rosto já vermelho de Nando. Não é que o
cara estava mesmo amarradão na garota?
Kibi filha da mãe!
Suzana e Edgard conversam em um canto.
Ele diz que não é um moleque e que ela
deveria tê-lo procurado quando soube da
gravidez. O papo está profundo, sombrio e
incrivelmente adulto.
Gancho está sentado em um canto,
recostado de qualquer maneira ao lado de
um janelão de vidro estilhaçado. Lex se
aproxima, arrastando os pés. Senta-se ao
lado do amigo, pesadamente.
— Acabou, man. As férias perfeitas caíram
num buraco negro. – Gancho desabafa.
— Você tinha razão, eu deveria ter contado
para a Nina quando tive oportunidade. – Lex
se lamenta, enxugando uma lágrima teimosa.
— A Nathi nunca mais vai olhar para a
minha cara. – Gancho afunda o rosto nas
mãos. – Cara, eu vou matar aquela Kibi dos
infernos. Vou matar o Bola também. E
depois, farei necromancia para trazê-los de
volta à vida. E aí, meu camarada, matarei os
dois novamente, com requintes de crueldade.
— Se isso fizer você se sentir melhor… –
Lex não tem forças nem para conversar.
O dia, que havia começado bem, já virou
madrugada. Poucos estudantes voltaram para
os quartos e a polícia interroga os indicados
pelos professores e monitores. Apenas Nina,
Nathi e Lais foram poupadas. O relatório
médico fala por si só e em breve, terão o
resultado do exame de sangue de Nina.
Margareth sobe as escadas enquanto a
polícia ainda interroga os estudantes. O
estrago foi grande no hotel e alguém terá
que arcar com os prejuízos. Isso Margareth
não contou ao diretor. A cobra vai fumar, só
para constar.
Nina finalmente pega no sono. Nathi e Lais
estão com ela, observando se algo muda no
quadro da amiga. Elas contam à professora
que Nina vomitou logo depois de tomar a
sopa preparada especialmente para ela.
— Vomitar é bom nesses casos. –
Margareth faz uma pausa, certificando-se de
que Nina está respirando. – Meninas, como a
situação chegou a esse ponto? Eu não
consigo entender.
— A Bárbara é louca, só pode ser. – Lais é
quem responde. Nathi está quietinha,
encolhida na cama, olhando para algum lugar
além de Lais.
— Olhe, eu nunca vi isso em toda a minha
vida. E eu lido com estudantes há mais de
trinta anos. – Margareth checa a
temperatura de Nina, tocando sua testa.
— Foi uma sucessão de acontecimentos. O
que eu posso dizer? – Lais abraça os joelhos.
– O que acontecerá agora?
— O Bola e a Bárbara serão expulsos, isso
já está decidido.
— De que isso vai adiantar? Só temos mais
duas semanas de aula mesmo. – Lais rebate,
incerta.
— Bem, isso manchará o currículo escolar
de ambos.
— E quanto ao estrago no hotel? – Lais
encara fixamente a professora.
— Teremos que arcar com as despesas,
Lais. Ainda não sei como será feito. Será uma
sorte se o hotel não nos processar. Mas o
diretor dará um jeito nisso, como ele sempre
faz. Agora, viagens de formatura?
Sinceramente, acho que nunca mais no
Prisma.
— E a droga? Encontraram? – Lais coça o
olho, sentindo o sono a abater.
— Nada ainda.
— E a Ana Paula? Ela também ajudou no
tal plano.
— A Ana é pau mandado da Bárbara. Ainda
não sei qual será o fim dela. Estou
preocupada é com essas imagens da Nina e
do Lex. Você sabe de alguma coisa? –
Margareth faz uma pausa. – Nós
vasculhamos o quarto delas e não
encontramos nada. A câmera fotográfica
estava vazia e os celulares também.
— Só sei o que a Suzana contou. Talvez a
Ana tenha enviado as imagens por email e
depois deletado as pistas. Acho que ainda
teremos grandes surpresas quando voltarmos
para casa.
Cinquenta e três: A volta para casa
A manhã chega, com cara de ressaca. Nina
está sendo examinada e aparentemente o
quadro é bom. Como prescrição, o médico lhe
pede que faça refeições leves com muitas
frutas e sucos naturais. O estômago de Nina
revira quando ele faz menção à sucos.
O laudo do exame de sangue de Nina ficará
pronto em dois dias. Somente com isso em
mãos o médico poderá traçar um plano de
desintoxicação, se for esse o caso. Ele se
despede, deixando uma Margareth mais
tranquila para trás.
As garotas tomam o café-da-manhã no
quarto, enquanto arrumam as malas. Nina
está se sentindo debilitada e não sabe dizer
qual é o motivo da fraqueza. Possivelmente
seja um dos efeitos da droga, talvez a falta
de uma alimentação mais substanciosa ou
quem sabe seja o estrago que Bárbara fez
em sua vida. Acredito que as três
alternativas anteriores sejam válidas.
Nathi enxuga as lágrimas, jurando que não
derrubará mais nenhuma por Gancho. Lais a
abraça forte, um abraço de urso, que faz com
que a amiga se sinta amada e um pouco
melhor.
— Teremos uma viagem longa pela frente.
Nina, fique longe da Bárbara. Não entre na
provocação ou você perderá a razão,
compreendido? – Margareth está à porta do
quarto das meninas.
— Pode deixar. – a voz de Nina é só um
fiapo.
— Lais, você fica responsável por cuidar
dessas duas, está bem? – a professora delega
e Lais aceita prontamente a incumbência. –
Darei uma passada nos outros quartos.
Qualquer mudança no quadro da Nina, me
avise.
~~***~~
A balsa está ancorada no píer. Da sacada
do quarto, Nina acompanha os primeiros
alunos se dirigindo para lá. Olha em volta,
recapitulando tudo o que aconteceu nesses
últimos sete dias. E não foi pouca coisa.
Lais e Nathi se unem a Nina na sacada.
Nenhuma das três diz palavra, afinal, o que
há para ser dito?
A brisa marítima acaricia o rosto das
garotas, jogando seus cabelos para trás. O
aroma e o som que vem do mar trazem uma
sensação de quietude e paz, tão necessárias
nesse momento.
Uma lágrima solitária escorre pelo rosto de
Nina. Não há um motivo específico. Por mais
que as férias tenham terminado da forma
mais catastrófica possível, Nina sentirá
saudades dos momentos fantásticos que
viveu na ilha. Esses também foram muitos e
serão memoráveis por toda a vida.
— Está na hora. – Lais avisa, já sentindo
saudades do mar e da boa vida.
— Seremos amigas para sempre, não
seremos? – é Nathi quem faz a pergunta.
— Depois de tudo o que vivemos? Seremos
amigas pela eternidade. – Lais deixa uma
gargalhada gostosa escapar e Nina se
contagia, sorrindo também.
— A única coisa boa do Prisma foi ter
conhecido vocês duas. – Nina revela,
puxando as amigas para um abraço grupal.
~~***~~
A balsa está silenciosa. Fora o barulho dos
motores e hélices, nenhum piu é ouvido. As
expressões são sérias, tristes, perdidas. Se o
dia anterior pudesse ser apagado da linha
temporal, essa balsa seria uma festa e não
um velório.
Os professores circulam a todo o momento,
evitando que os alunos com rixas a resolver
se encontrem e o pau volte a comer solto.
Desde que Suzana dedurou a Kibi Mor, a
garota foi aceita no grupo das meninas e até
dormiu no dormitório de Camila na noite
passada. Não havia clima para dividir o
quarto com Ana Paula e Bárbara. E querem
saber? Suzana está se sentindo muito melhor
agora.
Lex e Gancho estão na popa da balsa,
observando a ilha se afastar lentamente.
Sentem como se o dia anterior não tivesse
passado de um sonho macabro e distante.
Infelizmente, os dois sabem que foi bem real.
Nina está na proa com as meninas. Não
quer olhar para trás, não quer ver a ilha se
afastar. O negócio agora é olhar para a
frente, para o futuro, para o desconhecido.
Bárbara, Bola e Ana Paula estão na parte
interna da balsa, sendo vigiados de perto por
Margareth. Ela já avisou que se algum deles
sair da linha, os abandona onde quer que
seja e sem remorsos.
E assim, a balsa viaja tranquila até
finalmente aportar no continente.
~~***~~
O ônibus está à espera quando a balsa
ancora. Os estudantes vão descendo um a
um e se dirigindo para a condução num
silêncio mórbido. O motorista do ônibus – o
mesmo da vinda – não entende nada e dá de
ombros, feliz por, aparentemente, ter uma
viagem tranquila pela frente até o aeroporto.
Quando Lex entra no ônibus, seguido por
Gancho, vai passando pelas fileiras de
assentos e estaca quando vê Nina sentada
sozinha. Antes que ele possa pensar em dizer
ou fazer qualquer coisa, Camila dá um
empurrão de leve no cara e se senta ao lado
de Nina, não deixando qualquer outra opção
a Lex a não ser seguir em frente. Nina sabia
que ele estava olhando para ela, mas nem
assim tirou os olhos do asfalto.
~~***~~
O avião decola no horário, sem maiores
transtornos. Já estão voando há uma hora e
Bárbara pede para ir ao banheiro. Margareth,
que está sentada ao seu lado na vigia, ruge
para a Kibi Mor:
— Se abrir essa boca ou causar algum
tumulto, juro que jogo você desse avião,
compreendido?
— Já entendi. – a Kibi devolve, com
desdém. Tira o cinto e caminha para a parte
traseira do avião.
Quando Bárbara cruza com Lex e Gancho,
não resiste a soltar um sorriso de deboche.
Uma lágrima escorre pelo rosto de Lex e ele
não consegue enxugar a tempo. Num
movimento rápido, a Kibi Mor a toma de
assalto, provando a lágrima com satisfação.
— Saborosa como a vitória. Ah, Lex, agora
sim minha vingança está completa.
— Vaza! – Gancho rosna, entredentes.
Bárbara solta uma sonora gargalhada,
jogando os cabelos oxigenados para trás.
Retoma seu caminho e Gancho faz menção
em se levantar, mas Lex não permite. Os
amigos se entendem só com o olhar.
— Cara, o que eu posso dizer? – Gancho
quer muito confortar Lex.
— Não diga nada. Não vai adiantar.
~~***~~
O avião finalmente pousa no aeroporto de
Congonhas, em São Paulo. O clima é ameno
e a temperatura está em vinte e cinco graus,
com céu parcialmente nublado.
Os estudantes desembarcam, seguindo por
um longo corredor até o acesso as escadas
rolantes. As malas estarão disponíveis na
esteira de número três.
Nina já está com suas bagagens sobre o
carrinho. Lais idem. Só falta chegar uma das
malas de Nathi.
Lex a observa de longe, sentindo o coração
apertar. Será que a garota frequentará as
últimas semanas de aula? O que estará se
passando na cabeça dela nesse exato
momento? Por que Lex está sentindo essa
forte sensação de perda? Não, ele não pode
acreditar que perdeu Nina para sempre, isso
não pode ser verdade.
De posse de suas bagagens, os estudantes
seguem os professores em direção a saída do
terminal de desembarque. Do lado de fora,
ao invés de pais sorridentes, encontram pais
desolados, cabisbaixos, envergonhados. O
diretor fez a lição de casa direitinho, pelo
visto.
— Nina. – a mãe a puxa para um abraço. –
Minha filha, o que foi que aconteceu?
— Em casa eu conto, tá bom? O que o
diretor já adiantou? – Nina engole em seco,
procurando pelo pai. – Onde está o papai?
— Está em casa com o Doc. Nós soubemos
do que aconteceu na ilha hoje de manhã.
Seu pai está preparando um processo contra
a Bárbara e o Fabiano.
— Não, mãe. Eu não quero processar
ninguém. Essa história já causou problemas
demais e eu só quero esquecer. Eu preciso
esquecer.
— Em casa conversaremos sobre isso.
Os pais de Nathália e Lais se juntam a mãe
de Nina e um debate se inicia. Falam sobre o
telefonema que receberam do colégio e a
reunião marcada para amanhã à noite.
As amigas aproveitam para se despedirem.
Nesse momento, as três ouvem uma briga
no saguão. Reconhecem a voz de Lex e
olham em volta, procurando. Ele e o pai
estão discutindo, gesticulando, se atacando.
Bárbara deve ter enviado o tal vídeo de Lex
para o velho.
— O Lex está ferrado. – Lais comenta.
— É, ele está. – Nathi concorda.
— Vocês viram esse vídeo? O que contém?
– Nina pergunta.
— Lembra quando o Lex foi desafiado por
um garoto do segundo ano? – Lais começa a
explicar.
— Um racha de motos. – Nina se recorda
do ocorrido.
— Isso. – Lais continua. – Todo o pessoal
do colégio foi lá para assistir, tá lembrada?
Nós não fomos porque tínhamos aquela festa
na casa do Pepino e também porque não
somos idiotas.
— É, eu tenho uma vaga lembrança disso.
– Nina puxa pela memória.
— Lembra do acidente?
Sim, Nina se lembra do acidente de Lex,
afinal, essa história foi contada e recontada
milhões de vezes nos corredores do Prisma.
Lex, a mais de cento e cinquenta
quilômetros por hora, corria emparelhado
com um garoto do segundo ano do colégio.
Algo foi jogado no asfalto e o garoto fez uma
manobra evasiva que resultou no acidente.
O veículo capotou várias vezes e o corpo de
Lex deslizou pela avenida, por mais de
trezentos metros.
— Sim, eu me lembro. – Nina meneia a
cabeça.
— O Gancho achou que ele tinha morrido.
– Lais confirma. – Todos acharam isso. E eu
vi um dos vídeos e foi realmente
impressionante. Se Deus existe, ele estava
ali naquele momento.
— A roupa especial o protegeu, não foi? –
Nina sente um arrepio cortante ao pensar
que Lex poderia ter morrido naquele racha.
— A roupa e Deus… não se esqueça de
Deus nessa história. – Nathi toma a palavra e
respira fundo. – O problema foi que o Lex
mentiu sobre isso para o pai. Disse que um
caminhão havia passado por cima da moto,
que estava estacionada no meio fio. Os
policiais que fizeram o boletim de ocorrência,
disseram ao pai de Lex que a história não
batia com o estrago da moto. E foi por isso
que ele perdeu a mesada e sei lá mais o quê.
— Como sabe disso? – Lais franze o cenho.
— O tal que não quero dizer o nome me
contou. – Nathi revela, olhando para o chão.
— Meninas, vamos? – os pais chamam.
— Vejo vocês mais tarde? – Nina pergunta,
um tanto deprimida.
— Com certeza.
Cinquenta e quatro: Nina encara Doc e
os pais
Quando Nina e a mãe estavam saindo do
aeroporto, o olhar da garota não se conteve.
Ela e Lex se entreolharam e, naquele
momento, Nina sentiu como se o mundo
estivesse em suspenso, suspirando alto e
profundamente.
O olhar dele se jogou dentro do dela como
uma âncora. Para Nina, foi difícil pacas
conseguir se soltar e retomar o seu caminho,
mas a garota conseguiu o impossível.
No caminho para casa, ouviu o sermão de
sempre: “As pessoas são más, devemos ter
cuidado com o que bebemos e blá, blá, blá”.
Nina já nem estava mais ouvindo o que a
mãe dizia.
Agora, afundada no sofá da sala, sente
como se tivesse voltado no tempo, naquela
madrugada insone em que ouviu um sermão
de mais de duas horas dos pais. Aquela
mesma noite em que Doc e os amigos foram
soltos da prisão.
Nina conta, parcialmente, o que aconteceu
desde que chegaram à ilha, inclusive sobre a
contra-aposta que lançou para Lex. Se Doc já
estava puto, agora o irmão mais velho está
irado, querendo o sangue de Lex. O pai de
Nina quer justiça a qualquer custo, não
arreda o pé quanto a processar Bárbara e
Bola.
— Você deveria fazer uma viagem. Não
acho que esteja preparada para iniciar uma
faculdade agora. – a mãe recosta no sofá,
cruzando as pernas. – Eu liguei para a minha
prima em Paris e ela disse que será ótimo ter
companhia por algum tempo.
— Paris? – os olhos de Nina brilham, mas
seu coração se apaga.
— Você queria tanto passar algum tempo
em Paris para treinar o seu francês. O
momento chegou. – o pai de Nina arqueia o
corpo para a frente, apoiando os cotovelos
nos joelhos. – Essa é uma excelente
oportunidade. E depois de tudo o que
aconteceu...
— Quando a faculdade começar, você ficará
presa por quanto tempo? Seis anos? Talvez
mais? – Doc abre uma lata de Coca e se joga
na poltrona. – Não terá outra oportunidade
como essa por um bom tempo.
— Concorda com isso? – Nina fixa Doc com
o olhar.
— Acho uma ótima ideia, se quer saber.
Talvez em Paris você não arrume tantas
confusões. – Doc revira os olhos.
— Eu posso pensar ou já está decidido? –
Nina pergunta, esmagando uma almofada
contra o peito.
— Não iremos impor nada a você, Nina. – a
mãe esclarece. – Essa é uma oportunidade
única e nós a bancaremos por seis meses, um
ano, quanto tempo desejar.
— Mê deem alguns dias para pensar nisso,
está bem? – No momento, Nina só consegue
pensar em Lex.
— Tudo bem, filha. O que decidir, nós
apoiaremos. – os pais de Nina entrelaçam os
dedos e fitam a garota, com ares de
preocupação.
~~***~~
Em seu quarto, Nina fita o teto branco.
Fragmentos de memória vão se encaixando e
ela assiste as cenas que protagonizou com
Alexandre Heinrich. As imagens tornam-se
nítidas, o som da voz dele ecoa em seus
ouvidos, o aroma inebriante de seu pescoço
invade o ambiente, impregnando suas
narinas.
— Posso entrar? – Doc enfia metade do
corpo pelo umbral da porta.
— Claro. – Nina não desvia o olhar do teto.
Doc se aproxima, sentando-se na cama. Ele
a encara por algum tempo, pensando no que
dizer. Finalmente encontra algo inteligente:
— Eu ainda tenho aquele taco de beisebol.
— Eu sei que tem. – Nina deixa um sorriso
escapar.
— Se quiser…
— Não será preciso. – Nina se senta,
cabisbaixa. – Não se preocupe, vou superar.
— Está apaixonada pelo cara?
— Não consigo disfarçar, não é? – Nina
pega a mão de Doc e começa a estalar os
dedos dele, como fazia quando eram
crianças.
— Não.
— E você e a Lais? – ela muda de assunto.
— Acha que devo ligar para ela? Tipo, acha
que tenho alguma chance? – Doc franze o
cenho, em dúvida.
— Ela não ficou com ninguém na ilha. Aliás,
sempre que podia, tocava no seu nome. –
Nina revela.
— Isso quer dizer que tenho chances.
— Todas as chances do mundo.
— Vou ligar então. – Doc puxa o celular do
bolso e Nina toca o rosto do irmão.
— Faça isso. Pelo menos uma de nós
precisa de um final feliz.
Cinquenta e cinco: Volta às aulas
Após a reunião com os pais dos alunos do
último ano, ficou acordado que Bárbara e
Bola estavam expulsos. Os pais dos garotos,
extremamente envergonhados, pediram
desculpas aos presentes e resolveram
assumir sozinhos os encargos da destruição
do hotel.
O pai de Nina, nessa mesma reunião,
decidiu acatar o pedido da filha e desistiu do
processo judicial. Em que esse processo
poderia melhorar as coisas? Os pais de
Bárbara e Bola pareciam ser boas pessoas e,
bem, que melhor escola do que a vida, não?
Esses dois garotos tomariam muitas
bordoadas se não mudassem de atitude.
Nina ainda não deu sua resposta com
relação a morar no exterior. Após deliberar
com Nathi e Lais, decidiu pensar um pouco
mais. Essa é uma oportunidade de ouro e não
se pode desprezar algo assim.
Nina também foi levada ao hospital para
fazer novos exames de sangue. O que quer
que havia em seu sistema foi expelido, de
maneira natural. Não há qualquer traço da
substância que ingeriu e isso foi um
tremendo alívio para os pais da garota. O
laudo do exame de sangue de Nina já saiu e
está nas mãos da polícia.
Hoje é segunda-feira, o primeiro dia das
duas últimas semanas no Prisma. O diretor
deu um salvo-conduto para Nina. Se ela não
quiser frequentar as aulas, estará dispensada
sem maiores problemas. Mas esse seria um
atestado de fraqueza e Nina não quer
parecer fraca.
Nathália e Lais prometeram não falar sobre
Paris com ninguém. Esse será um segredo
muito bem guardado.
Nina chega ao colégio, estacionando a moto
na vaga de sempre. Tira o capacete e pega a
mochila e a bolsa, dirigindo-se para a
entrada. No meio do caminho encontra
Nathália e outras garotas com o olhar
abismado, mirando algo ao longe. Os olhos
de Nina são imediatamente atraídos para lá.
Ela empalidece no mesmo instante.
Mas que merda!
O outdoor, em frente ao colégio, sustenta
algo que faz com que Nina feche os olhos por
alguns segundos. Quando torna a abri-los,
descobre que é real.
Nathi se aproxima, balançando a cabeça em
negativa. Isso é ruim, muito ruim. As duas se
encaram por alguns segundos antes de Nina
começar a dizer:
— Nós sabíamos que algo assim
aconteceria.
— É, nós sabíamos. – Nathi encara o
outdoor novamente, absorta.
— Até que a Bárbara tem talento, essa foto
está ótima. – Nina brinca com a situação,
tentando desanuviar.
— É, a imagem está ótima mesmo. –
Nathália concorda. – É uma pena que você
está seminua.
— É uma pena mesmo. – Nina está com
vontade de chorar, mas tenta dominar suas
emoções.
— E o Lex está com as mãos nos seus…
— É, ele está. – Nina admite, pesarosa.
— Até que o layout do outdoor ficou legal.
– Nathi zomba, para que Nina não se sinta
tão mal.
— É, ficou interessante.
O imenso outdoor na porta do colégio está
tomado por uma imagem de Nina e Lex,
naquele Centro de Arborismo, no último dia
na ilha.
Sem a parte de cima do biquíni, Nina está
montada sobre o cara. Ele, por sua vez, está
com as duas mãos nos seios da garota,
tapando-os de olhares indiscretos.
O título em negrito anuncia: “Lex, o
vencedor da Grande Aposta.”
O subtítulo, também em negrito, arremata:
“Nina Albuquerque, a biscate do ano.”
Camila chega correndo, esbaforida. Traz
algo em mãos e começa a gritar,
completamente surtada:
— Aquela galinha, Nina! Se eu cruzar com
ela na rua, juro que atropelo!
— O que foi agora? – Nathi revira os olhos.
— Ela pagou dois garotos para distribuírem
isso! – Camila estende um DVD na direção
das meninas. É Nathália quem o pega das
mãos de Camila. Nina olha por cima dos
ombros da amiga e o que vê revira o seu
estômago.
Na capa do DVD, a mesma imagem do
outdoor está impressa, com os dizeres: Lex
versus Nina, o pornô mais quente do ano.
Apreciem sem moderação.
— Certo, ela foi longe demais. – os olhos de
Nina umedecem automaticamente.
— O diretor precisa recolher esse material.
Temos que falar com ele agora! – Nathi faz
menção em quebrar a mídia ao meio, mas
Nina não permite.
— Não! Deixe eu guardar esse. – ela pega o
DVD com fúria e o joga dentro da bolsa.
— Nina, volte para casa, aceite a dispensa
que o diretor lhe deu. – Nathi aconselha.
— Não farei isso. Esse é o teste para saber
se sou mesmo inquebrável como penso.
— Não será fácil encarar essa galera. – a
amiga salienta.
— Não, não será. – Nina enxuga uma
lágrima com as costas da mão.
— Estaremos ao seu lado. – Camila ajeita
uma mecha do cabelo de Nina atrás da
orelha. – Se alguém fizer uma piadinha, eu
juro que mato!
— Deixe que façam piadas, eu não ligo. Nós
sabemos o que realmente aconteceu na ilha
e é isso o que importa.
O celular de Nathália toca, insistentemente.
Ela o retira do bolso traseiro do jeans, desliza
o indicador sobre a tela e há uma nova
mensagem.
— É da Lais. – Nathi abre a mensagem. –
SOS?
— SOS? – Nina olha para a mensagem,
intrigada.
— Por que a Lais pediria socorro? – Camila
vinca a testa.
— Ai. Meu. Deus. – a ficha de Nathália cai,
ruidosamente. – O Doc iria passar na casa da
Lais hoje de manhã para trazê-la ao colégio!
Nina, ele deve ter visto o outdoor! – Nathi
está aos gritos, com os olhos saltando das
órbitas.
Um nome escapa dos lábios trêmulos de
Nina:
— Lex.
~~***~~
Nina corre, mas não é rápida o bastante.
Quando chega à entrada do colégio, o
tumulto já está armado. Doc está sendo
contido por Hulk, Edgard, Nando e um cara
do primeiro ano. Gancho está ajoelhado ao
lado de Lex, que aliás, sangra como um porco
recém-abatido.
Nina sente um nó se formar na garganta e
seus olhos se encontram com os de Lais. A
amiga está aos prantos, tentando acalmar
Doc a todo o custo.
Deixando o orgulho ferido de lado, Nina
larga a bolsa e a mochila aos pés de Camila e
Nathália, abrindo espaço entre as pessoas,
distribuindo cotoveladas para todos os lados.
Quando finalmente alcança a clareira,
ajoelha-se ao lado de Lex, verificando
visualmente os ferimentos. O cara está
estendido no chão, com o nariz sangrando e
Gancho segura a cabeça do amigo com uma
das mãos. Os olhos de Lex se encontram com
os de Nina, prendendo-os como sempre
acontece.
— Nina, se afaste desse cara! – Doc grita,
tentando se desvencilhar das mãos que o
seguram firme.
— Desculpe por isso, Lex. – Nina não
consegue desviar o olhar daqueles raios
solares hipnóticos. – Meu irmão é um pitbull.
— Eu mereci. – Lex geme baixinho.
— Nina, eu tô falando sério, porra! – Doc
luta em vão enquanto é arrastado para fora
do colégio.
Os professores chegam trotando em direção
a muvuca. O diretor leva as mãos à cabeça,
pedindo que Nina e Gancho conduzam Lex à
enfermaria.
— Não precisa vir. – Lex passa o braço ao
redor do pescoço de Gancho, levantando-se
um tanto quanto cambaleante. Quando o
garoto tomba para o lado oposto, Nina o
escora com o próprio ombro.
Ela não responde quando Lex repete “não
precisa vir”. Apenas faz sinal para que
Gancho comece a andar em direção à
enfermaria. Curiosos vão seguindo com o
olhar, enquanto Nathi e Camila recolhem os
pertences de Nina do chão.
Doc está gritando, mas Nina o ignora. Vão
ganhando terreno, subindo os quatro
degraus, até chegarem à entrada principal do
colégio.
~~***~~
Uma multidão se forma no corredor da
enfermaria. Lex, Nina e Gancho aguardam a
chegada da enfermeira, que aliás, está presa
no congestionamento.
Nina abre um armário de vidro e pega um
pacote de gaze e um spray antisséptico.
Borrifa um pouco do conteúdo e começa a
limpar o rosto de Lex, fugindo dos olhos do
cara.
— Não precisa fazer isso. – Lex segura a
mão de Nina. O simples toque de peles a faz
arrepiar da cabeça aos pés.
— Meu irmão não deveria ter descontado
em você. – Nina analisa os ferimentos. O
nariz de Lex sangra e a boca está cortada por
dentro. Dois socos, talvez três. Nina não sabe
dizer quantos foram e não quer perguntar.
— Você viu o DVD? – Gancho pergunta,
contendo a multidão de curiosos que querem
invadir a enfermaria a todo custo.
— Estou com um na minha bolsa. – Nina
revela, umedecendo os lábios. – Se meu pai
souber disso, a coisa vai ficar muito feia.
— A Kibi foi longe demais. – o tom de
Gancho denota fúria.
— O estrago já está feito. – Nina diz em
tom de desabafo.
— Ai. – Lex reclama quando a gaze desliza
pelo canto da boca.
— Desculpe. – ela alivia a pressão.
— Temos que conversar. – Lex se perde
dentro dos olhos de Nina, mas a garota está
evitando encará-lo.
— Não estou pronta. – ela admite.
— Me deixem passar. – a enfermeira
finalmente alcança a porta e Gancho
desbloqueia a entrada.
— Está em boas mãos agora. – Nina, sem
olhar para Lex, atira a gaze suja de sangue
em direção ao lixo. – Mais uma vez, desculpe
pelo meu irmão.
— Nina. – Lex a segura pelo braço.
— Como eu disse, ainda não estou pronta
para essa conversa. – e então, Lex afrouxa a
pegada e Nina passa voando por Gancho,
saindo porta afora.
Cinquenta e seis: A maldade é inerente
ao ser humano?
Quando sai da enfermaria, Nina mantém
uma postura ereta, a cabeça erguida e um ar
despreocupado. Conforme vai passando pelo
corredor de risadinhas, piadinhas e olhares
ameaçadores, os ombros de Nina vão
despencando, assim como sua cabeça, que
agora está tombada para baixo. Não pensou
que seria tão difícil enfrentar aquele bando
de fuxiqueiros.
Antes que seus joelhos fraquejem e ela caia
mortinha frente àqueles olhares maldosos,
Nina é salva por Camila e Nathi, que a levam
mais do que depressa para a diretoria.
~~***~~
O diretor gira o DVD em mãos. Tira os
óculos, jogando-os sobre uma pilha de pastas
muito bem dispostas sobre a mesa de mogno.
Levanta-se da cadeira e trinca os dentes ao
observar o outdoor em frente ao colégio.
— Já liguei para a empresa responsável.
Essa barbaridade será retirada ainda hoje. –
ele faz uma pausa. – E quanto aos DVDs,
revistaremos todos os alunos. Infelizmente
de nada adiantará, o vídeo já caiu no
Youtube. – outra pausa, dessa vez
preocupada. – Seu pai precisará entrar com
uma ação para tirar o vídeo do ar, Nina.
— Não queria envolver meus pais nisso. – a
voz de Nina é só um fio fraco, prestes a se
partir. – Mas meu irmão contará o que está
acontecendo, não conseguirei esconder o
fato.
— Você deveria ir para casa. – Nathi alisa o
braço da amiga. – Ficar aqui só vai piorar a
sua situação.
— Não quero fugir.
— Não serão dias fáceis para você. Mas
compreendo o seu lado, entendo o que quer
provar. – o diretor alinha quatro vasos de
plantas no parapeito da janela, de modo que
fiquem simétricos. – Falei com sua mãe hoje
cedo. Fique tranquila, não contei nada sobre
o outdoor. – ele se apressa em dizer. – Sua
mãe me contou sobre a possibilidade de você
estudar fora do país. Seria muito bom, Nina.
Crescimento pessoal, cultural e emocional
são sempre bem-vindos. Todas as pessoas
deveriam fazer isso algum dia. – o diretor se
senta novamente, ajeitando agora o polvo e
os cachorros de cerâmica sobre a mesa.
— Ainda não me decidi sobre isso, mas
estou pensando. – Não. Nina não está
pensando sobre a viagem. A única coisa que
não lhe sai da cabeça tem nome e
sobrenome: Alexandre Heinrich.
— Pense bem, uma oportunidade como
essas pode não aparecer nunca mais. – o
diretor recoloca os óculos e faz uma pausa
com ar pensativo. – Nina, qualquer outro
problema que tiver aqui dentro dos muros do
colégio, por favor, me comunique.
— Certo, obrigada.
~~***~~
Rumo à sala vinte e dois, Camila pergunta
sobre a viagem. Nina pede discrição total e
absoluta antes de contar. A amiga assente e
escuta o relato de Nina sobre a possibilidade
de estudar em Paris por alguns meses. Uau,
até eu queria uma oportunidade dessas!
O sinal já soou e os corredores estão
vazios. Quando Nina e as garotas chegam ao
segundo andar, uma nova surpresa se abate
sobre as três.
Não, não são cartazes colados às paredes.
A surpresa vem das caixas de som
espalhadas pela escola. O sistema de áudio
do colégio é daqueles megamodernos, digitais
e computadorizados. Alguém deve tê-lo
invadido para reproduzir o que apenas os
surdos não podem ouvir.
As vozes que saem dos auto falantes são as
de Bárbara e Lex. Na íntegra, o diálogo – que
nós sabemos não ter ocorrido – desenrola da
seguinte forma:
Lex:
— O que quer que eu faça? (a voz de Lex
foi gravada pelo celular da Kibi, no dia em
que Bárbara chantageou o garoto pela
primeira vez).
Kibi Mor filha da mãe:
— Leve a Nina para o Centro de Arborismo.
Deixe a vagaba fazer o que quiser com você.
Filmarei tudinho e finalmente terei a minha
vingança. Feito isso, prometo não mostrar o
vídeo do acidente para o seu velho. (a Kibi
gravou essa parte no mesmo lugar, com o
mesmo celular, no fim de semana pósviagem).
Lex:
— É só isso o que quer? (essa parte foi
gravada na balsa, também com o celular da
Kibi. O material foi editado por Bola, os
ruídos de fundo foram retirados e mixados).
Kibi Mor dos diabos:
— Sim, é só isso. ~~***~~
Os joelhos de Nina não conseguem mais
sustentar a pressão. A garota cai, prostrada,
vencida, arrasada, espezinhada, humilhada.
Então o que Bárbara disse na ilha era
verdade? Ela realmente havia mandado Lex
fazer o serviço sujo e o filho da mãe aceitou?
— Nina, eu não acredito que o Lex tenha
feito isso. Cara, isso está me cheirando a
montagem! – Nathi despenca ao lado de
Nina, abraçando-a.
— Também não acho que o Lex faria algo
assim, Nina. Ele está apaixonado por você,
está tão na cara! – Camila, apesar de estar
em dúvida sobre a veracidade do diálogo, não
colocaria sua mão no fogo por Lex. Mas ela
não pode deixar isso transparecer. Não pode
deixar Nina pior do que já está.
— Como eu sou burra! – Nina deságua no
ombro de Nathi. O choro vem recheado de
soluços, arrebentando qualquer esperança
que Nina ainda mantivesse com relação a
Lex.
— Não, Nina. Isso é armação. – Nathi tenta
apaziguar, sem sucesso.
— Nina? – Lex chama do final do corredor.
– Não pode acreditar nisso, é mentira! Eu
não sabia de nada! – Lex vai se aproximando
com Gancho logo atrás.
— Lex, não se aproxime. – Camila toma a
frente.
— É mentira, Nina. O Lex nunca aceitaria
algo assim, pelo amor de Deus! – Gancho
fala por cima do ombro de Camila.
— Eu quero ir para casa. – Nina murmura
para Nathi. – Me leve daqui, por favor.
— Venha, eu ajudo você.
— Não pode acreditar nisso, por favor. –
Lex está com a camiseta do Prisma
encharcada de sangue. Um tremendo olho
roxo se destaca naquele rosto de traços
sensuais.
— Não se aproxime! – Nina ruge quando
Lex faz menção em tocá-la. – Nunca mais se
aproxime de mim, está entendendo?
— Não faça isso comigo. – Lex leva as duas
mãos aos cabelos cacheados. Lágrimas
irrompem de seus olhos cor de mel. As
rajadas douradas ficam opacas e sem vida ao
acompanharem Nina e Nathi tomando o rumo
da escada central. O que ele deve fazer?
Nem preciso dizer que, nesse momento, as
portas das salas se abrem e uma
aglomeração começa a se formar, não é?
Quando Lex respira fundo e toma coragem
para ir atrás de Nina, Gancho e Camila
bloqueiam a passagem do cara.
— Deixe a Nina em paz, Lex. – Camila é
enfática.
— Não é a hora, man. – Gancho segura o
braço do amigo.
— Aliás, acho que essa hora nunca vai
chegar. Não depois do que acabamos de
ouvir. – Camila cruza os braços frente ao
corpo.
— É mentira. A Kibi montou esse diálogo,
eles nunca tiveram essa conversa. – Gancho
defende Lex.
— Como sabe? Nasceu grudado no seu
amigo, Gancho? Como pode afirmar que essa
conversa nunca existiu? – Camila ataca.
— Ele nunca faria algo assim. E outra: Se o
Lex realmente tivesse feito um pacto com a
Bárbara, ele estaria livre da chantagem,
certo? – Gancho faz uma pausa. – Então
como você explica o pai do cara ter recebido
os vídeos do acidente?
— A Bárbara resolveu ferrar com ele de
qualquer maneira, oras! – Camila retruca. –
Isso não prova nada.
Com um olhar glacial, Lex encara uma das
caixas de som do Prisma. Respira fundo e as
lágrimas cessam:
— Temos que conseguir essa gravação. Só
com isso em mãos conseguirei provar a
minha inocência.
Cinquenta e sete: Gancho versus Nathi
Lex e Gancho decidiram voltar para casa.
Não há clima para ficarem no Prisma nessa
segunda-feira mais do que tumultuada. E Lex
foi instruído pela enfermeira a fazer várias
compressas no rosto para não inchar ainda
mais. Os socos de Doc não doeram tanto
quanto o olhar de desprezo de Nina.
Os amigos param em frente ao outdoor.
Lex não se contém e soca o ar, sentindo um
aperto feroz dentro do peito. Enfurecido,
rosna ao pensar na satisfação de Bárbara. Ela
venceu.
Nina passa batido por eles, acelerando a
moto e derrapando na curva. A garota está
irada e Lex teme que ela faça alguma
besteira. O ronco do motor se distancia
rapidamente e logo desaparece no ar.
Nathi se aproxima, cabisbaixa. A intenção
dela era passar pelos dois e continuar seu
caminho até a sala de aula. Mas não é isso o
que acontece.
— Nathi, por favor, espere. – Gancho a
puxa pelo braço.
— Eu vou indo, vocês dois precisam
conversar. – Lex nem se despede e continua
a caminhar até o bicicletário.
— O que você quer? – Nathi cruza os
braços, a mochila pesando toneladas às
costas.
— Eu só soube da aposta lá na balsa. Quem
lançou essa merda no ar foi o Bola, aquele
desgraçado filho da mãe, ele queria me
ferrar. Deve ter descoberto que eu estava a
fim de você, sei lá. Ou talvez ele tenha
notado que você estava a fim. Bom, isso
realmente não importa agora. – Gancho
toma um pouco de ar para continuar. – Eu
tentei me manter afastado de você na ilha,
eu queria protegê-la. Mas então você me
tirou para dançar e eu não consegui me
conter. Nathi, eu queria muito ficar com
você.
— Como posso acreditar nisso? Coloque-se
no meu lugar. – Nathi leva as mãos aos
bolsos da calça jeans, jogando o corpo para a
frente e para trás.
— Eu gosto de você e é para valer. Não
fiquei com você para vencer aposta alguma.
– Gancho encara Nathi e ela encara o All
Star preto do cara.
— Não sei se posso confiar em você. –
Nathi não vai chorar, ela não quer chorar.
— Me dê uma chance. – o tom de Gancho
beira a súplica. – Por favor, me deixe provar
o quanto gosto de você.
— Eu não sei. – o rabo de cavalo de Nathi
balança em dúvida.
— Uma chance, é só o que estou pedindo. –
Gancho se aproxima, ultrapassando a
barreira invisível criada por Nathi. – Eu estou
apaixonado por você. – ele toma o rosto dela
entre as mãos.
— Não sei se posso voltar a confiar em
você. – Nathi fita aqueles olhos negros,
brilhantes e cheios de sinceridade. – A
confiança precisa ser reconstruída e pode
demorar tempo demais.
— Por você, eu espero o tempo que
precisar.
A expressão de Nathi ameniza após a
última declaração. Um pequeno sorriso
começa a se formar naqueles lábios tensos. A
respiração acelera e o coração batuca no
maior sambão.
— Eu prometo não decepcioná-la. – Gancho
levanta o queixo de Nathi e leva os dois
polegares aos lábios da garota. – Se me der
essa chance, prometo fazer de você a gata
mais feliz desse mundo.
Nathália dá um passo a frente, olhando
para cima. Gancho é uns dez centímetros
mais alto do que ela. Ele sorri com os lábios
selados. Ela sustenta aquele olhar sonhador
que reluz em cor-de-rosa.
Gancho não a beija, apenas aguarda. Nathi
alisa o rosto bem barbeado do cara, louca
para sentir o gosto dele novamente. É ela
quem toma a iniciativa.
Quando os lábios de Gancho e Nathi se
encontram, fogos de artifício de um shopping
próximo são disparados no ar,
simultaneamente. O Papai Noel chegou!
— Se me enganar, juro que furo seus dois
olhos. – Nathi abraça Gancho, na ponta dos
pés.
— Há, há, há, há… eu sei que sim.
Cinquenta e oito: Lex busca ajuda
Lex e Bola estudam juntos desde o jardim
de infância. E assim como se conhecem há
muito tempo, Lex também conhece toda a
família de Bola, inclusive seu irmão mais
velho, Reinaldo: o Rei Trancinha.
Rei é um cara descolado, cheio de dreads
nos cabelos. É um tipo a la Bob Marley, super
paz e amor. Lex gosta muito do cara e viceversa.
Os contatos ficaram esporádicos
quando Rei se formou no Prisma e entrou
para a faculdade de Química.
— Lex? É você mesmo, brow? – Rei atende
o celular, expansivo como sempre.
— Sou eu, Rei. Como está?
— Eu tô de boa. E você, cara? – Rei faz
uma pausa curta e continua: – Putz, eu
soube o que o imbecil do meu irmão
aprontou com você na viagem, Lex. Aquele
mané me roubou, cara. Dei umas porradas
nele quando soube, mas não sei se adiantou
alguma coisa.
— Rei, preciso da sua ajuda.
— Meu, pode pedir o que quiser!
— Alguém invadiu o sistema do colégio
hoje e uma gravação foi reproduzida. Acho
que o Bola armou para mim, de novo. – Lex
está no sofá de sua sala, com os pés sobre a
mesa. – Rei, acha que consegue vasculhar o
computador do seu irmão? Procurar por essa
gravação?
— Lex, conheço você desde que usava
fraldas, brow, eu não o deixaria na mão. Me
diga o que contém essa gravação e considere
o trabalho feito.
— Rei, vou dever essa a você pelo resto da
minha vida. – Lex desabafa.
— Não, Lex. Pelo que meu irmão fez com
você, estaremos quites. Cara, não sei o que
deu na cabeça dele.
— Eu sei o que foi e acho que até entendo.
Mas se eu não provar a minha inocência, vou
perder a mulher da minha vida.
— Ah, tem calcinha na jogada! Agora estou
entendendo tudo, brow. – Rei solta uma
gargalhada cômica. – Lex, fique tranquilo. Se
o Bola estiver envolvido nisso, eu vou
descobrir.
Cinquenta e nove: Nina toma a decisão
Para conseguir entrar em casa, Nina
precisa desviar de um copo estilhaçado no
hall. Descobre uma Lais aos gritos com Doc.
O irmão está vermelho de raiva e
completamente descontrolado. A garota sabe
que está ferrada.
Lais tenta aplacar a fúria, dizendo que Nina
não é mais criança e pode assumir a
responsabilidade por seus atos. Nenhum dos
dois percebe que ela está por ali.
— Parem de brigar por minha causa. – o
tom de Nina recai como um raio.
— Ah, você está aí. – Doc se inflama. – Em
que você estava pensando, porra? Por que
ajudou o cara?
— Pare com isso, Doc! – Lais, ainda aos
gritos, agarra o braço dele.
— Você viu isso aqui? Assistiu esse vídeo?
– Doc chacoalha o DVD nas fuças de Nina.
— Não, eu ainda não assisti. – Nina abaixa
a cabeça, envergonhada.
— Eu vou matar aquele cara! – Doc está
espumando.
— Eu já disse que o Lex não teve nada a
ver com isso, Doc. Que saco, me escute! –
Lais se enfeza.
— Não é bem assim. – Nina finca os dentes
no lábio, arrasada. – Algo aconteceu no
colégio. – ela sente as forças se esvaindo e
despenca, pesadamente, sobre o degrau que
separa o hall de entrada da sala de estar. –
Nós ouvimos a gravação de uma conversa
entre a Bárbara e o Lex. O diálogo foi
transmitido para o colégio inteiro, pelo
sistema de som.
— Como é? – Lais ajoelha-se em frente à
Nina. – Que gravação é essa?
— A Bárbara chantageou o Lex para que
ele me levasse até o Centro de Arborismo. A
Kibi pediu para que ele deixasse eu fazer o
que quisesse, sem me impedir. Se cumprisse
as ordens, Lex estaria livre da chantagem.
— O filho da mãe sabia? Porra, eu tô
falando! Vou matar esse desgraçado! – Doc
pega as chaves do carro, mas Lais bloqueia o
caminho, tirando as chaves da mão do cara.
— Você não vai matar ninguém! – Lais
ruge. – Nina, você tem certeza sobre isso?
— Eu escutei a gravação. Aliás, o colégio
inteiro ouviu. – Nina afunda o rosto nas
mãos. – Eu estava enganada sobre o Lex, ele
estava jogando o tempo todo.
— Pode ser uma montagem, Nina. – Lais
pondera.
— Para mim acabou. – Nina lamenta, aos
soluços. – Eu preciso sumir daqui, quero
esquecer o que aconteceu naquela ilha.
— Vai aceitar fazer a viagem? – Lais se
sobressalta. – Vai fugir, Nina?
— Não é uma fuga. – Doc finalmente para
de gritar. – É uma decisão inteligente, um
recuo estratégico.
— Eu nem sei o que dizer. – Lais toma
assento ao lado de Nina. – Eu concordo que a
viagem será incrível para você, mas não acho
que esteja tomando essa decisão pelos
motivos certos.
— Eu preciso me distanciar disso tudo,
tenho que esquecer o Lex. – Nina tomba a
cabeça no ombro da amiga.
— Me deixe matar o cara? Só um
pouquinho? – Doc cerra os punhos.
— Cale a boca, Doc! – Lais bufa e abraça
Nina.
Depois de um tempo longo demais, as
coisas se acalmam na residência dos
Albuquerque. Doc está jogado no sofá,
girando o DVD entre os dedos, pensativo.
Lais e Nina ainda estão sentadas sobre o
degrau de mármore, pensando em tudo e em
nada ao mesmo tempo.
— Vou para o meu quarto separar as
roupas da viagem. – Nina se levanta,
enxugando o rosto na camiseta. – Não há
mais o que esperar.
— Você deu alguma chance para o Lex se
explicar? – Lais pergunta, levantando-se
também.
— Não e nem darei. Não fará a menor
diferença.
~~***~~
Subindo as escadas, Nina viu Lais se jogar
no sofá ao lado de Doc. Ele a abraçou,
acariciando seus cabelos cor de fogo. Nina
sorriu quando se beijaram. Pelo visto, esses
dois se entenderam. E apesar de destroçada
por dentro, a garota se sente muito feliz por
eles.
Lais queria ajudar Nina com as roupas, mas
ela prefere fazer isso sozinha. Precisa muito
de um tempo a sós consigo mesma, com seus
próprios pensamentos e sentimentos. Quer
confrontá-los e senti-los em toda a sua
intensidade. O que não nos mata, nos torna
mais fortes. E Nina está buscando forças para
encarar o que a vida lhe reserva.
Tira o DVD da bolsa, jogando-o sobre a
bancada. Não assistirá agora, talvez mais
tarde. Abre a porta do guarda-roupas e fica
olhando lá para dentro, por tempo
indeterminado. Só então se toca de que não
tem uma mala grande o suficiente para fazer
uma viagem tão longa.
Puxa o celular do bolso da calça e, através
do comando de voz, pede que o aparelho
ligue para sua mãe.
— Nina? Está tudo bem? – pelo barulho ao
fundo, Nina imagina que a mãe esteja no
trânsito.
— Oi, mãe. Pode falar?
— Posso sim. O que houve? – Laura
aguarda numa pausa tensa. – Não está no
colégio?
— Não. Aconteceram algumas coisas por lá
e eu resolvi voltar para casa. Mas não foi por
isso que liguei. – Nina respira fundo,
convencendo-se de que está tomando a
decisão mais acertada.
— Estou ouvindo.
— Vou para Paris. Seis meses. E depois
volto para fazer o cursinho pré-vestibular.
— Tem certeza sobre isso?
— Tenho, mãe. – Nina fuça nos cabides
enquanto conversa.
— Está bem, pedirei para o seu pai agilizar
as coisas.
~~***~~
As amigas acabam de assistir ao DVD.
Do lado de fora, a noite já caiu faz algum
tempo. Uma brisa suave entra pela janela
entreaberta do quarto de Nina e as cortinas
flutuam, numa dança esvoaçante.
O filme protagonizado por Lex e Nina
engloba diversas situações. O passeio na
praia quando Nina se deparou com o vazio
existencial pela primeira vez. O pagamento
da aposta após o jogo de tênis. Várias cenas
da Caça ao Tesouro. E a mais humilhante das
gravações: o Centro de Arborismo.
As imagens do que aconteceu por lá eram
apenas flashes na memória fragmentada de
Nina. Após assistir ao DVD, as lacunas
mentais foram preenchidas.
— Não acredito que protagonizei isso aí. –
Nina tira o DVD de dentro do aparelho, um
tanto envergonhada.
— Você estava drogada. – Nathália
tranquiliza.
— Eu agi como uma vagabunda, me
equiparei a Kibi. – Nina atira o DVD dentro
de uma gaveta. – Meu pai vai acionar o
Youtube e ver o que é possível fazer.
— A Kibi e o Bola mereciam se ferrar. – o
tom de Nathália é agressivo.
— Vamos mudar de assunto? – Nina
assume outra expressão, jogando os
problemas para o fundo de sua mente. –
Contem-me tudo sobre o Gancho e o Doc.
— Tem certeza? – Lais não quer deixar a
amiga mais infeliz ainda.
— Ei, eu estou muito feliz por vocês duas,
de verdade.
Sessenta: A mala da vingança – Parte I
Nina optou por não ir mais ao colégio. Não
há sentido em se expor somente para
mostrar que é forte e inquebrável. Isso está
longe da verdade, afinal, sente-se fraca e
quebrada em todos os sentidos.
Nathi e Lais acabaram de chegar, trazendo
novidades do Prisma. Suzana e Edgard se
tornaram amigos e a garota agora faz parte
da turma das meninas do último ano.
Ana Paula anda sozinha, de cabeça baixa,
sem qualquer amigo para conversar. Com a
expulsão de Bárbara e o afastamento de
Suzana, a garota vive pelos cantos, com um
tremendo ar de tristeza.
Já Camila e Nando vivem quebrando o pau.
Todos os dias ele deixa uma rosa na carteira
dela, na vã tentativa de ganhar o perdão da
garota. Hoje, na maior TPM, Camila deu
várias “rosadas” na cabeça de Nando. Nathi e
Lais contam a cena rolando de rir. Nina
imagina a situação e por um momento sentese
excluída por não ter estado ali num
momento tão hilário.
Gancho e Nathália estão perdidamente
apaixonados. Ela mostra toda orgulhosa, um
livro que ganhou do cara hoje cedo.
— Podemos falar do Lex ou você não quer
ouvir? – Lais se senta na poltrona de fuxicos,
colocando o violão sobre o colo.
— Não quero ouvir. – Nina termina de
separar as roupas para a viagem.
— O Gancho continua a dizer que o Lex é
inocente e logo terão as provas disso. –
Nathália fala rápido para que Nina não tenha
tempo de mandá-la calar a boca.
— Nathi, não quero ouvir. – a amiga a
encara, fechando a expressão.
— Desculpe.
— Bem, vamos ao shopping? – Nina força
um sorriso. – Preciso de uma mala
gigantesca para enfiar isso tudo. – ela aponta
as várias pilhas de roupas e sapatos.
— Adoro ir às compras! – Lais bate
palminhas. – Eu vi um chinelinho tão lindo
naquela loja de esquina, sabem?
— Outro chinelo? – Nathi se sobressalta. –
Cara, você tem altos problemas mesmo.
— Vamos antes que o Doc desista de me
emprestar o carro. – Nina pega a bolsa sobre
a cama. – Aliás, desde que vocês começaram
a namorar, ele anda tão bonzinho. – a garota
cutuca a barriga de Lais.
— É o amor. – Nathi suspira alto, levando
as mãos ao coração.
~~***~~
O shopping está abarrotado devido as
festividades de fim de ano. O natal se
aproxima a passos largos e as pessoas são
tomadas por um ímpeto desenfreado em
gastar, gastar, gastar.
Lais está toda feliz com seus quatro pares
de chinelos dentro da sacola. Nina e Nathália
reviram os olhos quando a amiga para em
frente a outra vitrine, apontando
desesperadamente para um chinelo dourado
com fitas de cetim.
— Eu preciso desse! – Lais cola o rosto no
vidro da loja.
— Chega de chinelos! – Nina ruge.
— Só mais esse, eu juro! – Lais
choraminga.
— Ai, tá bom! – Nathália dá de ombros e
elas entram na loja.
Com cinco pares de chinelos, agora Lais se
dá por satisfeita. As três caminham pela
multidão de pessoas e sacolas, a caminho da
loja de departamentos. Nina precisará de
uma mala tamanho extra mega super
grande.
As garotas procuram pela mala e
encontram duas bem bacanas. Nina não
consegue se decidir e entra numa discussão
com Nathália, averiguando os prós e contras
das duas malas. Por fim, Nina decide-se pela
roxa.
— Se abaixem! – Lais sussurra, puxando as
amigas para o chão.
— O que foi? – Nina sussurra de volta, com
um tremendo frio na barriga, temendo que
Lais tenha visto Lex na loja. O que poderia
ser pior do que o Lex?
— A Kibi Mor está aqui. – Lais fita as
amigas, em choque.
— Como é? – Nathália arqueia as
sobrancelhas, surpresa.
— Só pode ser brincadeira. – Nina bufa,
inconformada.
— Realmente era só o que faltava. – o rabo
de cavalo de Nathi balança, irritado. A garota
sente uma pontada de fúria queimando o
estômago.
Lais coloca a mente para funcionar. Seu
olhar se congela e as amigas reconhecem
essa expressão: a garota está maquinando
uma vingança, a todo vapor.
— Nem pense nisso. – Nina se apressa em
dizer. – Sei o que está pensando e não vou
permitir.
— Não pode me impedir – Lais liberta um
sorriso desafiador, soltando as sacolas no
chão. – Hoje a Kibi não me escapa.
— O que pensa em fazer? – Nathália
arregala os olhos, sentindo um medo
repentino. Quando Lais se propõe a algo,
ninguém a segura.
— Me vingarei por vocês duas. – Lais estala
o pescoço lateralmente, como se estivesse
prestes a entrar em um ringue de luta livre.
– Fiquem aqui.
— Não! – Nina tenta impedir, puxando a
barra da saia de Lais. A amiga se desvencilha
facilmente, resoluta.
Lais se detém em frente a uma gôndola de
esmaltes, vasculhando apressadamente os
produtos. Sorri quando verifica os preços e os
alarmes anti furto dos esmaltes franceses.
— Que droga, temos que fazer alguma
coisa! – Nathália murmura, sacodindo Nina
pelos ombros.
De onde estão, ambas acompanham quando
Lais se aproxima de Bárbara, sorrateira.
Sustenta duas caixinhas de esmaltes às
costas e Nina já entendeu o que ela pretende
com isso.
Essa será uma manobra arriscada, mas Lais
não é besta. Checa as câmaras de segurança
e sorri quando nota que Bárbara está em um
ponto aparentemente cego.
A Kibi Mor está de cócoras, analisando um
creme anti-envelhecimento para o rosto. A
bolsa vermelha da garota, daquelas grandes
e cheia de compartimentos, está aberta no
chão. Lais se mete entre Bárbara e sua bolsa,
chutando-a discretamente a fim de posicionála
melhor.
— E aí, Babi? Como anda a vida após a
expulsão? – Lais a encara, divertindo-se.
Bárbara, sobressaltada, faz cara de quem
foi pega roubando. Levanta-se num pulo e
encara Lais com sua famosa expressão
presunçosa.
Quando a Kibi recoloca o creme na
prateleira, Lais aproveita a brecha. Abre os
dedos e as caixinhas de esmaltes caem direto
no alvo. Torce para que Bárbara não perceba
a artimanha e é exatamente assim que
acontece. A Kibi nem imagina que carrega
quase quatrocentos reais em esmaltes dentro
da bolsa. Sim, duas caixinhas de esmaltes
que custam em média duzentos reais cada.
Um absurdo, não?
— O que quer? – a Kibi empurra Lais, pega
a bolsa vermelha do chão e fecha o zíper.
Lais respira aliviada, assim como Nina e
Nathi, que acompanham o desenrolar dos
acontecimentos ao longe.
— A expulsão foi muito pouco para você. –
Lais requebra o quadril, tombando a cabeça
de lado.
— Não me venha com essa. – as pálpebras
de Bárbara tremem de raiva. – Você deveria
me agradecer, Lais.
— Surtou?
— Você deu aquela foto para a Nina. – a
Kibi enfia o dedo no nariz de Lais. – Eu
deveria ter me vingado de você também!
— Ninguém mandou ser uma biscate,
Bárbara. – Lais passa a mãos nos cabelos
avermelhados, dando uma boa gargalhada.
— Sua ridícula! – trincandos os dentes, a
Kibi Mor joga os cabelos oxigenados para o
lado, tromba no ombro de Lais e se
encaminha para a saída da loja.
Sessenta e um: A mala da vingança –
Parte II
Tóim, tóim, tóim, tóim, tóim, tóim… e assim
berra o alarme da loja de departamentos. A
saída de Bárbara é bloqueada por dois
seguranças engravatados, desses
grandalhões e com cara de malvados.
Lais sorri em êxtase quando alcança Nina e
Nathália, ainda escondidas no departamento
de malas. De onde estão, as três possuem
uma visão perfeita de Bárbara e dos
seguranças.
— Precisamos fazer uma verificação,
senhorita. – um dos seguranças segue o
manual de conduta da empresa, falando
baixo e na maior educação.
— O quê? Você sabe com quem está
falando, seu idiota? – ai, a garota não tem
mesmo noção alguma.
— Do que me chamou, mocinha?
— I-d-i-o-t-a.
O outro segurança, já acostumado com
tipinhos como esse, arranca a bolsa do ombro
de Bárbara, abrindo o zíper numa tacada e
descobrindo não só os esmaltes, como
também dois cremes desses caríssimos.
— Idiota é quem rouba e se deixa pegar. –
o segurança desdenha, com os produtos
roubados em mãos.
— Eu não roubei isso aí! Não preciso
roubar! – Bárbara brada, selvagem. – Você
não sabe com quem está falando!
O segurança desata a rir quando pega o
documento de identidade de Bárbara nas
mãos. A garota é tomada por uma fúria
crescente, mas reprime a vontade de voar no
pescoço daqueles dois quando nota estar
sendo observada por vários olhos curiosos.
A Kibi assume uma postura altiva e
impassível, perguntando:
— Vocês não deveriam me levar para uma
salinha ou coisa assim?
— O quê? E perder a oportunidade de
humilhar uma patricinha filhinha de papai
como você? De jeito algum!
— Viu só, Oswaldão? – o segurança balança
o documento de Bárbara na altura dos olhos.
– A mocinha aqui fez dezoito anos ontem.
Responderá como gente grande por esse
roubo. – os dois caem na risada.
— Como é? – Bárbara murcha, como uma
planta há dias sem água. – Do que estão
falando?
— Ligue para a polícia, Oswaldão. A
ladrazinha aqui vai passar a noite no
xilindró.
~~***~~
Nina tapa a boca com as duas mãos. Nathi
engasga. Lais só falta cair no chão de tanto
rir.Bárbara vai sendo arrastada pelos dois
armários, para a tal “salinha”, a fim de
esperar pela polícia. Olhares reprovadores
recaem sobre ela, mas a garota não cala a
boca:
— Eu não roubei esses esmaltes!
— Ah, mas roubou os cremes, certo? – o
segurança afirma.
— Não, eu não roubei nada! Deve ter sido
aquela desgraçada! – Bárbara gira a cabeça,
procurando por Lais. Mas as três se abaixam
no momento exato. – Eu mato aquela vadia!
Eu vou me vingar!
Ai. As amigas se entreolham, apavoradas
com a possibilidade. Outra vingança não,
pelo amor de Deus!
— Vamos sair logo daqui. – Nina sussurra.
— Temos que pagar pela mala. – Nathi
relembra.
— Que droga! – Nina tinha se esquecido de
que precisa da mala. – Lais, a polícia vai
verificar os vídeos de segurança da loja e a
Bárbara vai acusar você, parou para pensar
nisso, sua maluca?
— Não acontecerá nada disso. Aliás, ajudei
a polícia a prender uma ladra. Vocês viram os
cremes, ela estava roubando. – Lais não se
abala. – Eu vinguei vocês duas e estou mega
feliz. Vejam isso como a minha boa ação do
dia.—
Eu sou sua fã. – Nathi ri, nervosamente.
– Vamos pagar logo essa mala e sumir daqui,
por favor?
— Demorou.
Sessenta e dois: Nina é dura na queda
Duas amigas sentadas sobre uma mala
gigante. Dois irmãos puxando os zíperes com
dificuldades. Essa é a cena que se desenrola
no quarto de Nina, quando a bagagem
finalmente é fechada e lacrada com um
cadeado da Hello Kitty.
Nina suspira alto ao se dar conta de que
passará seis meses fora do Brasil, longe da
família, do irmão estourado e de suas
melhores amigas. Uma vontade de chorar
surge do lugar mais profundo do seu ser. Os
olhos ficam marejados, a boca seca e os
lábios tremem. Doc a abraça e começa seu
discurso de irmão mais velho.
O celular de Nathália vibra no bolso da
calça. Ela pega o aparelho e lê uma
mensagem de Gancho que diz o seguinte:
Gancho: “Onde está?”
Nathi: “Na casa da Nina.”
Gancho: “O pitbull está em casa?”
Nathi: “Sim e sem coleira.”
Gancho: “Dá para tirar ele daí?”
Nathi: “Estou copiando a Lais.”
Lais: “O que pretende, Gancho?”
Gancho: “O Lex quer falar com a Nina.”
Nathi: “Onde vocês estão?”
Gancho: “Chegando aí.”
Lais: “Tudo bem, deixe comigo. Levarei o
pitbull para passear.”
Lais e Nathália se entreolham. Precisam dar
tempo suficiente para Lex e Nina
conversarem.
— Doc, pode me levar em casa? – Lais
guarda o celular e pega a bolsa. – Eu esqueci
que preciso resolver umas coisas para a
minha mãe.
— Posso pegar uma carona? Não estou a
fim de andar debaixo desse sol. – Nathália
também pega a bolsa, jogando-a sobre o
ombro.
— Vocês já vão? – Nina estranha,
enxugando as lágrimas.
— Ei, amanhã estaremos de volta. – Nathi
se sente péssima ao mentir, mas é por uma
boa causa.
~~***~~
Nina acena da porta de casa. Estamos em
um condomínio fechado gigantesco, formado
por vários residenciais interligados por praças
e passarelas. Aqui não existem portões ou
portas trancadas.
É nessa mini cidade onde mora a maioria
dos estudantes do Prisma. Doc dá dois toques
na buzina e acelera, sumindo numa curva à
direita. Antes de entrar, Nina vai até a
calçada e verifica a caixa de correio. Pega as
únicas duas cartas e um folder publicitário de
uma loja de bolsas e acessórios. Enquanto
folheia o material descompromissadamente,
alguém bloqueia o caminho. De onde ele
saiu?
— O que está fazendo aqui? – Nina deveria
gritar, chutar, socar, cuspir. Mas sua reação
é resignada.
Os olhos de Nina não se enganam: sedutor
e extremamente lindo. Apesar do rosto ferido
e da expressão triste, Lex continua mais
lindo do que nunca. A luz do sol incide em
seus cachos cor de mel, transfigurando-os
num halo dourado. Ela não consegue ver os
olhos dele, devido à luminosidade, mas sabe
que ali eles ardem como o próprio sol. Nina
se sente queimar.
O cara está vestido, coisa rara de se ver. A
polo branca destaca o bronzeado adquirido
na ilha e a calça cáqui, cheia de bolsos, lhe
confere um ar estiloso.
Lex se aproxima e quando atinge a sombra
de uma árvore, Nina pode analisar melhor os
estragos causados por Doc. Um corte no
canto da boca; um olho roxo; uma bochecha
amarelada. Com certeza, o irmão desferiu
três socos e muito bem dados.
— Não se aproxime. – Nina estende o braço
em frente ao corpo. – Fique onde está.
— O que ouvimos no colégio foi uma
montagem e eu provarei a minha inocência.
– aquela voz rouca é de matar!
— Não se dê ao trabalho, não fará a menor
diferença. – Nina sente o magnetismo de Lex
puxando-a, empurrando-a para cima dele.
Resiste, mas não é nada fácil.
— Nina, está impossível viver sem você. –
cabisbaixo, Lex coloca as mãos nos bolsos. –
O que aconteceu entre nós é grande demais
para terminar assim.
— O que quer me ouvir dizer? Que vou
perdoar tudo? Esquecer? – Nina meneia a
cabeça de um lado para outro. – Não direi
isso.
Lex leva uma das mãos aos cabelos,
alisando a franja encaracolada para trás. O
vazio que sente dentro do peito o sufoca,
tragando toda a sua energia, sua alegria, a
vontade de viver.
Com um profundo suspiro, Lex a encara,
olho no olho e a verdade vem a tona. Não
são meras palavras ditas a esmo:
— Nina, eu amo você.
Ai. Meu. Deus.
Nina é pega totalmente desprevenida.
Assimila, vagarosamente, as palavras que
ainda reverberam em seus ouvidos. O corpo
dela reage como se um meteoro estivesse
vindo em sua direção. Precisa correr para
salvar a própria pele, mas quem disse que as
pernas se movem?
— Por que está fazendo isso comigo? –
tomada por um medo paralisante, Nina deixa
as cartas e o folheto caírem ao chão, levando
as mãos ao rosto. As lágrimas chegam numa
torrente de emoções conflitantes e sua única
vontade é a de sumir, de evaporar no ar.
— Eu amo você, Nina, e nada vai mudar
isso.
Próximos demais. O aroma de Lex se
mistura ao ar de maneira desumana. Nina se
sente como na ilha, completamente dopada e
sem qualquer controle de suas vontades.
Os braços dela caem rentes ao corpo. Nina
morde o lábio para que ele pare de tremer.
Mil coisas para dizer começam a se formar
em sua boca. Nenhuma palavra sai.
Vencida, Nina se deixa cair nos braços de
Lex. Ele a toma num abraço quente, como se
a vida de ambos dependesse disso. Ela o
escuta arfar. Ouve as batidas de seu coração.
Estremece quando ele sussurra em seus
ouvidos: “Eu te amo”.
Chantagem.
Aposta.
Sedução.
Jogos.
Centro de Arborismo.
Humilhação.
O cérebro de Nina vive o próprio
apocalipse. Os sentimentos e emoções
contradizem a razão. A garota se sente
destruída, como um prédio recém demolido.
Ela deseja, mas não deve.
Ela precisa, mas não pode ter.
Ela ama, mas deve partir.
Num arroubo enlouquecido, Nina toma os
lábios de Lex de assalto. É um beijo que dói,
machuca, estraçalha o pouco que ainda resta
de sua sanidade. É um beijo úmido, regado a
lágrimas de ambos os lados. Ele chora por
acreditar em um final feliz. Ela chora porque
sabe que finais felizes não existem.
Sessenta e três: Um beijo de despedida
O beijo.
Esse é um daqueles beijos demorados, em
que nenhum dos lados se sente disposto a
parar. Nina quer morrer ali, naqueles lábios
macios, naquele abraço necessário. Lex quer
recuperar o tempo perdido, quer se afogar no
sabor de Nina e não soltá-la nunca mais.
Mas como eu já disse nessa narrativa,
sempre tem um mala para atrapalhar
momentos perfeitos. E o mala chega,
estacionando o carro na garagem de
qualquer maneira.
— Largue já a minha irmã!
Nesse instante, Gancho salta de trás de
uma árvore. O cara estava ali escondido,
para uma situação de emergência como a
que se apresenta.
Lais sai do carro, com uma expressão que
grita por desculpas. Depois que deixaram
Nathália em casa, Doc percebeu que havia
esquecido a carteira. Quando Lais se
sobressaltou com a possibilidade de voltarem
para buscar a tal carteira, Doc, que não é
besta, sacou que havia armação no ar.
— Doc, deixe eles conversarem! – Lais dá a
volta no carro, pronta para segurar o cara se
for preciso.
— Não acredito que armou para mim. – Doc
lança um olhar esmagador na direção de
Lais. – E eles não estão conversando porra
nenhuma!
— Doc, o Lex é inocente, cara. Deixe ele
explicar o que aconteceu. – Gancho tenta
apaziguar.
— Foi um beijo de despedida, Doc, nada
mais. – Nina revela, afastando-se de Lex.
— Como é? – golpeado pelas palavras de
Nina, o garoto é tomado pela surpresa. –
Despedida?
— Vou morar em Paris.
Se Nina queria ferir o cara mortalmente,
ela consegue. Lex sente o chão sumir sob
pés. O coração para de bater por um instante
e o sangue entra em greve, não querendo
mais circular.
— Não pode estar falando sério. – ele a
encara, numa tristeza insuportável.
— Desculpe. – Nina arqueia o corpo para a
frente e recolhe os papéis do chão. –
Qualquer coisa que tínhamos ou que
pudéssemos ter, acabou aqui.
Lex sente uma ânsia tomar forma, um
desespero crescente na boca do estômago.
Será que Nina não ouviu o que ele disse?
Não acreditou em suas palavras?
— Eu achei que… – a voz de Lex é um fio
solto no ar.
— Achou errado.
— Posso provar a minha inocência e eu vou
provar! – Lex se altera e Doc parte para cima
dele, mas é contido por Lais.
— Já disse, não perca o seu tempo. – Nina
reúne os cacos e retoma o caminho para
casa.
— Não pode me deixar assim. – Lex a
segura pelo braço e ela se sente fraquejar.
— Deixe ela em paz, cara. – Doc rosna.
— Logo você vai embarcar numa nova
aposta e se esquecer disso tudo. – Nina puxa
o braço e seus pés a carregam para bem
longe de Lex.
~~***~~
Do quarto, Nina pode ouvir a discussão que
se desenrola debaixo de sua janela. Lex quer
entrar de qualquer maneira e é dominado por
Gancho. Doc bloqueia a passagem e ameaça
bater nos dois se não forem embora agora.
Nina está sentada na cama, abraçando os
joelhos, com o olhar perdido no nada. Ela
não quer chorar, mas as lágrimas saem
furtivas, sem qualquer controle.
— Nina? – Lais entra no quarto.
— Você e a Nathi armaram para mim, hein?
– Nina ensaia um sorriso, entre lágrimas.
— Desculpe, foi necessário.
Mais gritos. Muitas acusações. Vários
rosnados de Doc. Panos quentes atirados por
Gancho. A discussão pega fogo no andar de
baixo.
— O que acha de jogarmos um balde d’água
na cabeça desses caras? – Lais se senta na
cama, colocando as mãos sobre as de Nina.
— Não é má ideia.
— Acho que o Lex está falando a verdade.
A aposta terminou, o pai dele já está com os
vídeos… ele poderia estar tocando a vida,
mas não está. – Lais faz uma pequena pausa,
acariciando os joelhos de Nina. – Ele está
completamente apaixonado por você. Eu não
costumo me enganar com essas coisas.
— Diz isso porque não escutou o diálogo
entre ele e a Kibi.
— Nem preciso ouvir para afirmar que é
uma montagem. A Kibi armou isso tudo. –
Lais suspira alto. – Nina, dê uma chance ao
Lex de provar sua inocência. Dê uma chance
a vocês.
— Ele disse que me ama. – Nina revela.
— Ele disse isso? – Lais se espanta. – Uau,
Nina, o que está esperando para se jogar nos
braços desse cara?
— Eu não confio nele. Algo se quebrou
dentro de mim naquele corredor do Prisma,
quando ouvi a voz do Lex pelos auto falantes.
Lex grita por Nina lá debaixo. Doc continua
rosnando, ferozmente. Gancho por sua vez
tenta apaziguar os ânimos.
— Precisamos acabar com isso ou os
vizinhos chamarão a polícia. – Lais se levanta
e olha pela janela. – Posso dizer ao Lex que
você vai ouvi-lo se ele conseguir as provas?
— Eu não estarei aqui de qualquer
maneira. – Nina dá de ombros. – Faça o que
achar melhor, só acabe com essa gritaria, por
favor.
— Deixe comigo.
Sessenta e quatro: Jantar em família
Papelada: checada
Passaporte: checado
Bagagem: checada
Cartão de crédito e dinheiro: checados
Seguro viagem: checado
Endereço da prima Simone: checado
Telefones para contato: checado
Telefone da Embaixada Brasileira: checado
Passagem aérea: checada
Finalmente os pais de Nina se dão por
satisfeitos. Tudo foi checado duas vezes, só
para garantir. A família Albuquerque está
reunida na sala de jantar, comendo pizzas e
conversando sobre amenidades. Bem,
falavam sobre amenidades até esse exato
momento.
— Finalmente conseguimos uma liminar e
tiramos o vídeo do Youtube. Sua mãe ligou
hoje para o diretor do Prisma que garantiu
ter recolhido boa parte dos DVDs que foram
distribuídos aos alunos. Fui à empresa de
outdoor e consegui uma nota fiscal e um
cheque, que liga Bárbara a essa confusão
toda. Também já estou com o laudo do seu
exame de sangue, que comprova que você foi
drogada na ilha. – o pai deixa os talheres
sobre o prato e limpa a garganta antes de
continuar. – A pergunta que faço é a
seguinte: não vai mesmo permitir que eu
processe todos os envolvidos? Vai deixar que
saiam ilesos dessa história?
— Ninguém sairá ileso, pai. Todos estão
perdendo, de uma forma ou de outra. – Nina
não está com fome, mas se força a enfiar
mais um pedaço de pizza de rúcula goela
abaixo.
— Você também está perdendo. – é Laura
quem fala o que a família está pensando. –
Está fugindo para Paris, não é verdade?
— E se estiver? – Nina não consegue mais
comer e afasta o prato.
— Se não quiser ficar em Paris por seis
meses, não há necessidade. Vá, fique alguns
dias e então volte para iniciar o cursinho. – o
pai completa.
— Ela precisa ficar longe daquele babaca. –
Doc cerra os punhos sobre a mesa. – Ou não
dou um mês para a Nina cair na dele de
novo.
— Não cairei na dele. – ela se defende,
num tom agressivo.
— Deixe sua irmã em paz, Doc. – pede
Laura, fechando a cara.
— Será que dá para mudarmos de assunto?
– Nina se irrita e cruza os braços.
— Certo, vamos mudar de assunto. Que tal
me dizer por que fez um saque, no valor de
seis mil reais da sua conta-poupança? – o pai
de Nina acaba de pegá-la no pulo.
— É o pagamento da aposta. O Lex rasgou
o cheque e eu resolvi tirar em dinheiro. –
Nina revira os olhos, num mau-humor
crescente.
— Vai pagar o cara depois de tudo? – Doc
quer jogar o prato na parede. Ou talvez, na
cabeça de Nina.
— Eu só quero passar a régua nessa
história. Será que não dá para entender, pô?
– e uma irada Nina deixa a mesa e a família
para trás.
Sessenta e cinco: Entre amigos
Hoje é o último dia de aula no Prisma. Lex,
Gancho, Lais e Nathália conversam no pátio,
debaixo de um Caquizeiro, um dos locais
preferidos de Nina no colégio.
Lex conta como anda a investigação de Rei
Trancinha e as notícias não são nada
animadoras.
Bola não sai do quarto há dias. Segundo
Rei, ele já comeu todos os salgadinhos do
mundo e bebeu quinhentos litros de
refrigerante. O cara está na maior depressão
desde que Bárbara foi presa na loja de
departamentos. Ela responderá em liberdade,
mas essa liberdade não inclui Bola.
Parece que a garota disse por telefone, com
todas as letras, que não o suporta. O chamou
de gordo, ridículo, nojento, asqueroso,
imbecil e por aí vai. O garoto realmente
merece tudo o que está acontecendo. O
problema é que ele não sai do quarto e Rei
não tem acesso ao computador do cara.
— Não dá para acessar remotamente? –
Nathi pergunta para Gancho.
— Daria se o filho da mãe ligasse a merda
do computador. – Gancho dá um soco no ar.
— E se conversássemos com o Bola? – Lais
especula. – Quem sabe?
— O Hulk e o Edgard já tentaram, sem
sucesso. – Gancho elucida.
— Quando a Nina viaja? – Lex pergunta,
sem olhar para ninguém em específico.
— Hoje a tarde. – Lais engole em seco. –
Lex, ela está irredutível.
— Não sei o que fazer. – ele lamenta,
chutando um caqui ao se levantar. – Sem as
provas, ela não vai me ouvir.
— Temos que conseguir essas provas o
mais rápido possível. – Nathi se levanta num
salto, como se estivesse pronta para uma
briga.
— Mas como, bebê? – ok, ok, ok… parem
tudo agora mesmo. Bebê???? Bem, é assim
que Gancho trata Nathi desde que eles se
entenderam. Ai, fala sério, não?
— Não sei, Ganchinho, mas temos que
conseguir.
Sessenta e seis: Embarcando para Paris
Quatro da tarde.
Check-in feito.
Momento da despedida.
Nina segura as lágrimas do jeito que dá.
Uma ou outra teima em cair e ela as enxuga
rapidamente. Já abraçou Nathi e Lais umas
quinhentas vezes e parece não ser o
suficiente.
Doc, que não é de se emocionar facilmente,
está com os olhos marejados e a garganta
seca. Ele se aproxima de Nina e começa a
dizer:
— Eu amo você. Sabe disso, não é?
— É claro que sei. – Nina dá um soquinho
de leve no estômago do irmão.
— Não arrume confusões por lá. Fique
longe de caras que usem cuecas, tá bom?
— Pode deixar, Doc.
Os olhos de Nina percorrem o saguão do
aeroporto, desesperados por uma miragem,
uma aparição do além. Para sua completa
surpresa, Lex e Gancho estão bem próximos,
recostados numa pilastra.
Lex está particularmente lindo hoje,
vestindo calça branca, camiseta cinza e uma
camisa xadrez por cima. É impressionante,
mas toda a mulher que passa por ele, até
mesmo garotinhas, giram o pescoço de forma
sobrenatural para admirá-lo. Lex possui esse
poder, essa aura expandida que atrai a
atenção sem precisar de qualquer esforço.
— O que esse palhaço está fazendo aqui? –
Doc brada, irritadiço.
— Por que não vai até lá se despedir? – a
mãe de Nina sugere.
— O quê? Pirou, mãe? – Doc mostra os
dentes, doido por uma confusão.
— Concordo com sua mãe. Vá até lá. – o
pai de Nina não é o máximo?
Debaixo das vociferações de Doc, Nina
busca os olhares de Nathália e Lais. Ambas
meneiam a cabeça, em concordância.
Nina respira fundo e toma coragem. Não
conseguirá simplesmente ignorar a presença
dele e partir. Coloca-se a caminho, mirando
as próprias mãos que agora tremem sem
controle. Nina sente como se tivesse sido
atirada de um avião, sem para-quedas.
Gancho os deixa a sós quando Nina alcança
o seu destino.
— Ainda não consegui as provas. – Lex leva
as mãos aos bolsos da calça, fitando o chão.
— As meninas disseram que você está se
esforçando muito para isso. – Nina suspira
tristemente. – Lex, não foi só a gravação, é o
todo, você entende?
— Começou tudo errado, eu concordo com
você. Mas precisa terminar errado?
Nina não consegue se segurar. Suas mãos
rasgam o ar, tocando o rosto de Lex, alisando
a barba dourada por fazer. Ele fecha os
olhos, sentindo a troca de energia entre eles.
Numa ânsia insuportável, as mãos de Lex
saem dos bolsos, envolvendo a cintura dela,
puxando-a para si. Num sussurro embargado,
ele declara:
— Eu amo você e esperarei para sempre se
for preciso.
— Não faça isso. – Nina fecha os olhos,
afundando o rosto no peito dele.
— Diga que tenho uma chance.
— Não posso dizer uma coisa dessas. – ela
abre os olhos e o encara. – Não posso lhe dar
falsas esperanças.
— Nina, o que eu preciso fazer? Me diga e
eu farei. – Lex implora, os olhos úmidos.
— Não há nada a ser feito, desculpe.
Nos autofalantes do aeroporto, a chamada
para o embarque tem início. Nina sente um
nó se formar na garganta, assim como Lex.
Ele quer beijá-la, prendê-la, sequestrá-la.
Uma urgência toma conta do cara e, mesmo
com os pais e o irmão de Nina por perto, não
consegue se segurar.
Os lábios se encontram em desespero. Lex
escuta quando Doc vocifera um palavrão,
mas não se retrai. Nina se agarra a ele, sem
saber se conseguirá soltá-lo, deixá-lo para
trás. Mas ela precisa muito se afastar. E por
incrível que pareça, ela consegue.
Ambos arfam, sem ar. Olhos nos olhos. Eles
se encaram por um curto período, até que a
voz nos autofalantes retorna relembrando
sobre o embarque.
— Eu tenho que ir. – Nina chacoalha a
cabeça e se põe a andar antes que desista de
vez da viagem. Ao passar por Gancho, se
despede do cara. – Cuide bem dele, tá bom?
— Eu não tenho esse poder, Nina. –
Gancho a puxa para um abraço. – Boa
viagem.
Nina se despede de todos uma última vez,
antes de pegar sua coisas e finalmente entrar
na área do embarque internacional. Já estava
preparada para ser repreendida pelos pais ou
pelo irmão. Contrariando todas as
expectativas, nenhum deles se pronuncia
com relação ao beijo. Talvez tenham
entendido que as coisas são mais complicadas
do que aparentam ser.
Nina não queria, mas olha para trás quando
o funcionário do aeroporto lhe devolve a
passagem e o passaporte. A imagem é
terrível e a garota fraqueja.
Lex chora compulsivamente e está sendo
amparado por Gancho e Nathália. A cena faz
o coração de Nina se estraçalhar dentro do
peito. Não. Ela não desistirá da viagem.
Mudar de ares vai lhe fazer bem e ela precisa
muito pensar.
Engolindo suas vontades, sufocando todos
os sentimento, abafando a voz interna que
grita para que ela fique, Nina junta os cacos
e caminha mais do que apressada para bem
longe dali.
Sessenta e sete: Acesso remoto – Parte I
Lex está deitado na cama, de bruços,
jogado às traças. Gancho e Nathi tentam
confortá-lo da melhor maneira que
conseguem, mas nada parece surtir efeito.
No chão do quarto, um envelope está
aberto e seis mil reais em dinheiro saltam
para fora. Nina pediu que o pagamento da
aposta fosse entregue quando ela não
estivesse mais no Brasil.
O celular de Lex toca no bolso traseiro da
calça de forma insistente. Gancho o puxa
para fora, já que o amigo parece estar em
outro mundo no momento. A foto de Rei
Trancinha, fazendo o símbolo de paz e amor,
aparece no visor.
— Cara, é o Rei! – Gancho dá um pulo e
Lex se remexe na cama, finalmente dando
sinal de vida.
— Atende logo! – Nathi arregala os olhos,
incentivando.
— Rei? É o Gancho, man!
— E aí, Gancho, grande brother! Como
estão as coisas?
— Depende, meu camarada. Diga que tem
algo quente para o Lex. – Gancho se senta
na cadeira, colocando o celular no viva voz.
— Estamos com uma janela de uma hora e
meia. Minha mãe levou a baleia do meu
irmão para o psicólogo. Só tem um problema,
brow.
— O que é, Rei? – Gancho pergunta, atento
à resposta.
— Essa merda desse computador pede uma
senha. – Rei suspira. – O que eu devo fazer?
— Deixe comigo, meu camaradinha! –
Gancho joga o celular para Nathi, que o pega
no ar. – Vou acessar remotamente e quebrar
a senha.
— Consegue fazer isso? – Lex levanta-se da
cama e olha por cima do ombro de Gancho,
para a tela do notebook.
— A pergunta correta é: Gancho, o que
você não consegue fazer? – o cara adora se
gabar. – Rei, fique na linha, beleza?
— Estarei aqui, brow.
Sessenta e oito: A bordo do Air France
A viagem já dura seis horas. Nina não
consegue se concentrar em nada e resolve
tentar dormir um pouco. Não. Dormir não
resolverá nada.
Ela se remexe, recoloca os fones e zapeia a
tela à sua frente. Já viu boa parte dos filmes
disponíveis e não está a fim de nenhuma das
comédias românticas apresentadas. Acaba
optando por um filme de terror, que não
passou nos cinemas do Brasil.
O gosto de Lex ainda grita em suas papilas.
Nina toca os lábios com o indicador, fechando
as pálpebras por alguns segundos. Não será
nada fácil ficar longe dele.
E se ela não tivesse ouvido o tal diálogo?
Teria perdoado Lex? A garota começa a fazer
essas e outras perguntas para si mesma. A
resposta? Bem, ela tem a resposta na ponta
da língua.
Sim, Nina teria perdoado Lex.
Mas aquela gravação bagunçou tudo em
sua cabeça. Seu ego, com sérios problemas
de inferioridade, não consegue lidar com o
fato de Lex estar envolvido no caso Centro de
Arborismo. Nina não sabe se acredita ou não
na inocência dele. Talvez ela acredite,
querendo desacreditar. E vice-versa.
Nina se pega sorrindo ao relembrar o jogo
de tênis. O primeiro beijo foi tão avassalador
que compensou quase tudo. E o beijo
roubado no dia da Caça ao Tesouro? Ao se
lembrar da cara de Lex quando ela acionou o
sinalizador, Nina sufoca uma gargalhada. Na
gruta, a garota já tinha quase certeza de
seus sentimentos. Mas a ficha realmente caiu
pouco antes de Lex se declarar. Infelizmente
a viagem terminou daquela forma, com Nina
sendo humilhada para toda uma vida.
As pálpebras dela finalmente começam a
pesar. Vai fechando os olhos vagarosamente
e o sono a carrega, para um sonho mais do
que perfeito.
Sessenta e nove: Acesso remoto – Parte
II
Gancho digita com os dez dedos de forma
frenética. O corpo do cara parece ter sido
invadido por uma força demoníaca. Os olhos
negros do pirata estão cravados na tela e
Nathi e Lex tentam acompanhar o raciocínio
dele.
Lex não manja bulhufas de computador. Já
Nathália entende praticamente tudo o que
Gancho está fazendo.
— É um programa para quebrar senhas. –
ela explica para Lex. – O problema é que
demora um pouquinho.
— E então conseguiremos acessar os
arquivos do Bola? – Lex conjectura, num tom
derrotista.
— Torça para que ele não tenha uma
segunda senha.
Vinte e oito minutos e dois segundos
depois, Gancho dá o grito da vitória. Ele está
dentro do computador de Bola.
— O computador está liberado por aqui. –
Rei anuncia.
— Certo, estamos procurando arquivos de
áudio. – Gancho narra enquanto digita. –
Vamos lá, se mostrem para o papai aqui.
— Devo fazer alguma coisa? – Rei
pergunta.
— Não, man. Apenas vigie. – Gancho vai
abrindo pastas e mais pastas de arquivos.
— E se não encontrarmos nada? – Lex
despenca na cama, abatido. – E se não tiver
sido o Bola?
— Quem poderia ter sido? Não conheço
mais ninguém além do Gancho que
conseguiria entrar no sistema do colégio. –
Nathi se senta ao lado de Lex. – Foi ele,
tenho certeza.
— Galera, isso está demorando demais. –
Rei começa a ficar tenso. – Por acaso o Bola
vai saber que invadimos o sistema dele?
— Está falando com o maior pirata de todos
os tempos, meu camarada. Acha mesmo que
eu deixaria pistas? – Gancho solta uma
risada incrédula. – Estou apagando minhas
pegadas conforme passo, man.
— E se nem assim a Nina quiser me ouvir?
— Nem pense nisso! – Nathália tem
vontade de dar uns tapas em Lex.
— Aqui! Achei! – Gancho comemora,
lançando uma risada maquiavélica a seguir.
— Abra logo! – Nathi chacoalha os ombros
dele.
— Deixe eu copiar primeiro. – na pasta com
o nome “vingançababi”, Gancho descobre
vários arquivos de áudio.
— Droga, galera, eles chegaram! – Rei
entra em pânico. – O que eu faço, brow?
— Calma, Rei. Estou terminando de copiar.
– Gancho dá um tapa no monitor. – Anda
logo com isso!
Nathi rói as unhas. Lex arranha o violão.
Gancho se ajoelha na cadeira. Rei, do outro
lado da linha, morde o fio do mouse.
— Pronto! – Gancho volta a digitar,
apagando o seu acesso do sistema de Bola. –
Desligue o computador, Rei.
— Ok, feito. – quando Rei diz isso, Bola
entra no quarto. Nathi, Gancho e Lex
mergulham num silêncio sepulcral.
— O que está fazendo no meu quarto? – o
tom de Bola é amargurado.
— Meu computador pifou e vim tentar usar
o seu. Mas essa merda tem senha, não é? –
Rei se levanta, pegando o celular. – Como foi
no psicólogo?
— Por que isso interessa? Você não me
suporta.
— Não pode deixar aquela Kibi arrasar com
você desse jeito. – Rei tenta motivar o irmão.
— Não fale assim dela! – Bola brada.
— Tudo bem. Não está mais aqui quem
falou.
~~***~~
Lex e Rei conversam pelo celular, agora de
maneira privada. Gancho está abrindo os
arquivos, um a um, com Nathi no seu
cangote.
— Você é o melhor, Ganchinho. – a garota
lhe dá um beijo no canto da boca.
— Obrigado, bebê. Eu sou foda!
— E então? – Lex finalmente desliga com
Rei. – Tudo aí, Cabeça?
— Tudo aqui. São vários arquivos de áudio,
provavelmente de conversas que a Kibi
gravou. Prontos para ouvir? – Gancho
sustenta o indicador sobre a tecla,
aguardando.
— Pode reproduzir. – Lex autoriza.
Setenta: La ville lumière
Paris. A cidade luz. A capital em formato de
caracol.
É isso o que Nina vê a bordo do avião,
antes de pousar. Ela deveria estar extasiada,
ansiosa e feliz por realizar um de seus
sonhos, mas não é assim que ela se sente.
De maneira automática, segue o fluxo de
pessoas. Passa pela imigração, pega as
bagagens e se encaminha para a área de
desembarque, sentindo-se apenas mais uma
na multidão.
O aeroporto Charles de Gaulle é uma veia
pulsante. Em um outro momento de sua vida,
talvez tivesse olhado em volta, reparado nas
pessoas. Não hoje. Não agora.
Simone acena e vai se aproximando, feliz
por ter companhia após quatro anos morando
em Paris, longe da família e dos amigos. Nina
tenta sorrir, mas é um sorriso forçado e ela
não precisa se explicar. Simone já conhece
parte da história contada por Laura, a mãe
de Nina.
Simone é museóloga e trabalha no
futurístico Centre Georges Pompidou, no
famoso Museu de Arte Moderna. Mudou-se
para Paris há quatro anos, após concluir os
estudos na Inglaterra. Ela e Nina se veem
apenas em datas comemorativas e também
conversam muito pelo Skype.
Apesar da diferença de idade – quase
quinze anos – Simone é como se fosse uma
irmã mais velha, sempre pronta a dar um
conselho que realmente vale a pena ouvir.
Elas bem que poderiam ser irmãs. Simone
é alta, esbelta e possui olhos tão verdes
quanto os de Nina. Mas o estilo é
completamente diferente. Enquanto Nina
prefere o conforto, Simone adora uma
vestimenta clássica, ao estilo Audrey
Hepburn.
— Que saudades, Nina! Como foi de
viagem? – o abraço é caloroso e Nina se
sente bem por alguns segundos.
— A viagem foi tranquila. E como você
está, Mone? – Simone não curte o próprio
nome. Em um determinado momento da
vida, optou pelo apelido Mone. Mais francês
do que isso, impossível.
— Estou bem e muito feliz por você estar
aqui. – Simone faz uma pausa, ajudando
Nina com as bagagens. – Mas algo me diz
que você não ficará por muito tempo.
— Conversou com a minha mãe, não é? –
os lábios de Nina desenham um sorriso
lacônico.
— Temos muito o que conversar, mocinha.
Quero saber tudo sobre a viagem de
formatura e principalmente: quero saber
todos os detalhes sobre esse tal de Lex.
~~***~~
O táxi estaciona no bairro Saint-Germaindes-
Prés, lugar conhecido por suas livrarias,
sebos, cafés e luxuosas lojas de grife. Os
intelectuais de Paris são figurinha fácil nesse
ambiente acolhedor e extremamente
charmoso.
Nina pensou que sentiria uma tremenda
emoção ao ver o Rio Sena e a Torre Eiffel.
Infelizmente, ela não está no clima. Tanto o
rio como a torre passaram batidos, como
mais um ponto turístico dentre tantos.
Nina segue Simone para a entrada do
prédio e tudo ao redor suspira glamour. A
maioria das lojas já está aberta e o clima é
bem frio. Nina passa o cachecol em torno do
pescoço e seu corpo sente o choque da
mudança de temperatura.
Assim como o bairro, o prédio exala charme
e sofisticação. Passam por um portal e
chegam a um pátio interno, todo forrado com
flores de uma beleza magnífica. E o aroma
então? Café fresco com flores do campo…
uma mistura que ficará para sempre marcada
na memória olfativa de Nina.
Sobem um lance de escadas e seguem por
um corredor até o apartamento de número
vinte e oito. O lugar não é grande ou
pequeno. Eu diria que é perfeito para duas
pessoas. Simone explica que morar em Paris
é caro demais, mas ainda assim conseguiu
alugar esse apartamento com dois quartos.
Como sempre recebe visitas vindas do Brasil,
dois quartos eram mais do que necessários.
— Nina, sinta-se em casa. – Simone vai
abrindo as janelas. – Antes de desfazer a
mala, vou passar um café e quero ouvir a sua
história.
— Mone, eu não voltarei ao Brasil, isso está
fora dos meus planos no momento. – Nina
rebate, sabendo exatamente onde Simone
quer chegar.
— Ainda assim, deixe a mala como está.
Venha, quero que me conte tudo, tim, tim,
por tim, tim.
Setenta e um: Confronto de gigantes
Os pais de Lex estão na cozinha,
preparando sanduíches e uma salada para o
jantar. Bebericam um vinho tinto e riem de
algo que parece ser bem engraçado.
Lex se aproxima, sem saber como iniciar a
conversa. Senta-se em um banco alto e apoia
os cotovelos no mármore da bancada. O pai
corta rodelas de tomate bem fininhas e a
mãe está lavando alfaces.
— Velho, preciso conversar com você. –
Lex, cabisbaixo, entra na conversa.
— Não me chame de velho, moleque. –
desde que o pai de Lex viu os vídeos do
racha, os dois não se entendem.
— Desculpe. – Lex pigarreia. – Pai, preciso
mesmo conversar com você.
— Se for para pedir dinheiro… – nesse
momento, a mãe de Lex fecha a torneira e
toca o braço do marido.
— Deixe ele falar, Raul. – a mãe fita Lex,
amorosamente. – O que é, filho?
— Eu fiz besteira e quero me desculpar. –
Lex sabe que essa conversa pode não levar a
lugar algum, mas precisa tentar.
— Se está se desculpando é porque quer
algo. Vá direto ao ponto. – Raul solta a faca
sobre a bancada e enxuga as mãos no pano
de prato, encarando o filho.
— Não sei em que eu estava pensando. Não
dá para conversar com vocês. – Lex faz
menção em se levantar, mas a mãe não
permite.
— Diga o que está havendo, Lex.
Orgulho é um sentimento que atrapalha a
vida, só digo isso a vocês. E Lex, orgulhoso
como ele só, precisa fazer uma tremenda
força para se sentar novamente e contar
tudo o que o aflige. E ele começa falando
sobre o acidente.
~~***~~
Raul e Alice, pais de Lex, estão atônitos. O
filho acaba de despejar sobre a bancada da
cozinha, coisas que eles nem poderiam
imaginar.
— Não acredito que esteja arrependido,
Lex. – Raul puxa um banco e se senta.
— Eu mudei, velho… er, pai. Não sou mais
aquele babaca.
— Acredito em você, filho. – Alice conhece
Lex como ninguém.
— Deixe eu ver se entendi: você quer a
nossa autorização e dinheiro para ir à Paris,
é isso? – o pai estala a língua no alto da
boca. – O que me garante que você não se
cansará da garota? Você é o tipo de moleque
que só quer o que não pode ter. E quando
consegue, acaba enjoando.
— Eu não sou assim! – Lex rebate, irritado.
– Você não me conhece mesmo, não é? –
opa, agora estamos aos gritos. – Eu acabei
de dizer que desisto da faculdade de música,
desisto da banda, desisto do que você quiser!
Me ouviu quando eu disse que vou trabalhar
com você? O que mais você quer?
— Tudo isso por causa de um rabo de saia?
– Raul repuxa o lábio lateralmente. – É típico
de você, Alexandre!
— Eu amo a Nina, tá legal? E eu farei
qualquer coisa por ela! – Lex irrompe em
lágrimas. E elas são tão reais quanto a dor
que ele sente nesse momento.
Os pais de Lex finalmente encaram a face
da verdade. Não é mais um capricho do filho
adolescente. Isso está além de um mero
desejo de se ter o que não pode. Está além
do mundano. Está além até mesmo do
próprio Lex.
— Filho, tem certeza do que está dizendo?
– o tom de Alice, sempre delicado e gentil, é
um bálsamo para os ouvidos de Lex.
— Tenho, mãe. – o garoto deita a cabeça
no mármore, deixando a dor vir com tudo.
Ele se sente definhar, como se o sangue
tivesse se transformado em ácido, corroendo
tudo por onde passa. Sem a Nina nada fará o
menor sentido. Lex será um zumbi, uma
múmia, um largado.
Os pais deliberam por um longo tempo,
mas ele não escuta. Lex está distante, bem
longe dali. Está na ilha, revivendo os
melhores momentos de sua vida.
— Lex. – o pai chama e o garoto levanta a
cabeça. – Daremos uma última chance a
você. Prove que é um homem de verdade,
um homem de valor e então, não precisará
desistir da faculdade ou da banda.
— O que quer que eu faça? – Lex funga
alto.
— Vá até Paris e prove a sua inocência. E
se ainda assim a Nina não quiser ficar com
você, volte para casa de cabeça erguida. Seja
homem, você me entendeu?
— Vai me deixar viajar? – Lex não se
contém e sorri. – É sério?
— Mas não pense que estou fraquejando.
Quando voltar de Paris, você vai trabalhar
comigo, entendeu? Não quero um vagabundo
dentro de casa. E quanto a sua moto, vamos
vendê-la ao ferro velho. Só quando me
provar que cresceu, poderá ter outra moto.
— Obrigado. – Lex se levanta e num
rompante nunca antes visto nessa casa, o
garoto se atira nos braços do pai. – Não vou
decepcioná-lo, cara, eu juro.
Setenta e dois: Convencendo Doc a dar o
endereço
Nina está em Paris há cinco dias. Cinco
longos dias para Lex. A documentação para a
viagem já está pronta e a passagem
comprada. Agora é convencer Doc a dar o
endereço de Nina e torcer para não levar um
outro soco.
Gancho tentou convencer Lex a mandar um
e-mail para Nina com as provas de sua
inocência. Não. Lex quer ter essa conversa
cara a cara, olho no olho.
Nathi e Lais poderiam ter conseguido o
endereço de Nina através de outras fontes.
Não. Lex também não quer isso. Precisa do
consentimento de Doc, quer se entender com
o cara.
Não é nada fácil convencer Doc a receber
Lex. Mas Lais, com jeitinho e uns beijinhos,
consegue o impossível.
— Me convença a não acertá-lo com esse
taco de beisebol e eu prometo pensar sobre o
que está me pedindo. – afundado no sofá da
sala, Doc passa o taco de uma mão a outra.
Lex engole o orgulho juntamente com um
sapo de duas cabeças. Por Nina. Qualquer
coisa por ela.
Não posso dizer que essa foi uma conversa
calma e corriqueira, isso seria uma
inverdade. Lex precisa de jogo de cintura
com Doc e da ajuda de Lais em vários
momentos. Nathália e Gancho também estão
ali, para o caso de uma guerra nuclear
estourar.
— Sabe que se fizer minha irmã sofrer,
arrancarei sua cabeça, não sabe? – Doc
dispara, apontando o taco na direção de Lex.
— Sei bem disso. – Lex se mantém firme.
— Não vou com a sua cara, mas a Nina
gosta de você. Acho que posso suportar a sua
presença se vocês se entenderem. – Doc é
uma muralha intransponível.
— Anda com isso, Doc. Dê logo o endereço
para o Lex! – Lais dá um tapa no ombro do
cara.
— Se eu não desse esse endereço, meus
pais dariam. – Doc revela, pegando um papel
no bolso da calça e entregando para Lex. – A
Nina não está feliz em Paris.
— Quero me entender com ela, provar a
minha inocência. – Lex arqueia o corpo para
a frente e pega o papel, mesmo temendo o
taco de beisebol que Doc segura com firmeza.
— Se vocês se entenderem, traga ela de
volta, beleza? – Doc finalmente larga o taco
e estende a mão para Lex, num gesto de paz.
— Farei isso, pode confiar.
Setenta e três: Final feliz?
Dez dias se passaram.
Nina sente o vazio tomando forma, como
um imenso buraco negro prestes a tragá-la.
Ainda não enlouqueceu porque existe uma
contrapartida, um sentimento poderoso que a
faz abrir os olhos todas as manhãs.
Amor.
É por esse amor que ela ainda não desistiu
de recomeçar sua vida. É por esse amor que
ela respira. É por esse sentimento que ela
ainda está ancorada, sem se deixar levar
pela melancolia e pela dor.
Nina acaba de sair de uma escola de
francês, nos arredores de Madeleine. Está
com a inscrição para o curso debaixo do
braço, doida para rasgá-la em mil
pedacinhos. Mas se contém, dobrando os
papéis com cuidado, guardando-os dentro da
bolsa.
Com um mapa de Paris aberto no celular,
Nina verifica as anotações de Simone numa
caderneta. Precisa aprender a andar pela
cidade sozinha e hoje é o segundo dia que
faz isso.
O metrô está lotado e Nina volta para casa
com um saquinho de croissants e uma linda
rosa que ganhou próximo da Igreja de La
Madeleine. Simone está de folga e tirou o dia
para dar um jeito no apartamento.
Ontem Nina esteve no Louvre. Quando viu
a pirâmide de vidro, não se conteve. As
lágrimas caíram como flocos de neve, já que
o frio estava de lascar. Não, ela não se
emocionou por conhecer o museu. Nina
chorou por estar sozinha e por Lex não ter
cumprido a promessa. Ele havia prometido
estarem juntos, havia dito que enxugaria
suas lágrimas. Ele não estava lá.
Nina abre a porta de casa e dá de cara com
uma Simone completamente histérica. Ela
não fala coisa com coisa e Nina precisa de um
tempo para entender o que está havendo.
— Escutou alguma palavra do que eu disse?
– Simone continua estendendo um envelope
vermelho e um pen drive na direção de Nina.
— Como assim ele entregou isso a você
pessoalmente? O Lex… o Lex… o Lex…?
— Está em Paris! Nina, ele está aqui! –
Simone não se contém e começa a gargalhar.
– E você não fez juz ao cara não. Menina, ele
é lindo demais!
— Mone, onde ele está? – Nina perde o
chão e se senta.
— Disse que iria procurar um hotel. Eu o
convidei para ficar aqui, mas ele não aceitou.
Nina abre o envelope e descobre os seis mil
reais. Dinheiro da aposta. Pega o pen drive
em mãos e seu olhar se perde naquele
minúsculo aparelho.
— Não vai ouvir os arquivos? – Simone se
ajoelha em frente à Nina.
— Não preciso. – a voz de Nina é um fio
fraquinho, prestes a partir.
— Como assim não precisa? – Simone se
sobressalta. – Nina, o cara veio lá do Brasil
atrás de você!
— Ele falou mais alguma coisa?
— Disse que vai esperar por você às duas
da tarde, no lugar marcado. – Simone revela,
um tanto tensa com a situação. – Nina, vai
perdoar o cara, não vai?
— Que horas são?
— Uma e quinze.
— Eu preciso ir. – Nina pula da cadeira e
enfia o pen drive no bolso da calça. Pega o
casaco e o cachecol e sai às pressas, sem se
despedir de Simone.
— Nina, não faça besteira! – Simone grita,
incerta de que Nina tenha ouvido o recado.
~~***~~
O metrô não é rápido o bastante.
Nina chega com cinco minutos de atraso no
local marcado. A praça do Louvre está
abarrotada de turistas, apesar do frio e do
tempo fechado. Semana que vem é natal e
Paris recebe pessoas do mundo todo nessa
época.
Nina procura por Lex, desesperadamente.
Vai caminhando, abraçando-se para
esquentar, até finalmente chegar a um dos
lados da pirâmide de vidro. De onde está,
Nina consegue enxergar o hall de entrada do
museu lá embaixo, lotado de pessoas
agasalhadas.
— Esqueci de trazer o lenço para enxugar
suas lágrimas. – a voz de Lex rasga o ar
gélido.
Nina não se vira para encará-lo.
— Chegou atrasado. Eu estive aqui ontem.
– seu tom não revela nada além disso.
— Desculpe por isso, não pude vir antes. –
Lex leva as mãos aos bolsos e seu olhar está
cravado nas costas de Nina. Estão bem
próximos e ela pode sentir o aroma de
Mentos de frutas no ar. – Como posso me
redimir?
— Ainda não sei.
— Abriu o pen drive? – ele pergunta, um
tanto temeroso com a resposta.
— Não, não abri. – Nina se mantém na
mesma posição e Lex não consegue
acompanhar suas expressões.
— E o que isso quer dizer? – Lex sente o
coração apertar.
— Quer dizer que eu não preciso abrir um
arquivo para tomar qualquer decisão. – ela
engole em seco e ele percebe.
— Eu achei que…
— Achou errado, de novo. – Nina
finalmente se vira para encará-lo. – Não é
esse pen drive que vai mudar o que eu sinto
por você. – ela sustenta o gadget na mão.
— E o que sente por mim?
Nina suspira alto e profundamente. Sua
expressão relaxa quando ela tomba a cabeça
e diz:
— Eu te amo e não consigo viver longe de
você.
Ai. Meu. Deus.
O sol chega a Paris através daqueles olhos
cor de mel com rajadas douradas. A
temperatura entre aqueles dois parece ter
subido uns mil graus Célsius. Lex está
sorrindo e não é de deboche. É um sorriso
com o qual Nina precisará se acostumar. É
um sorriso feito para ela e só para ela.
— Vai me perdoar por eu ter sido um
covarde, um idiota? Vai me perdoar mesmo
sem saber se sou inocente? – Lex não
consegue parar de sorrir.
— Você está aqui, não está? O que mais eu
poderia querer? – Nina guarda o pen drive no
bolso. – Promete não mentir, não me
enganar? Promete que sempre seremos
honestos um com o outro?
— Eu prometo. – Lex se aproxima mais,
tocando os cabelos soltos de Nina. – Eu
prometo fazer de você a mulher mais amada
desse mundo.
Eles se fitam por um tempo, estudando-se.
Nina tira o cachecol do pescoço e, como fez
na ilha, passa-o pelo pescoço de Lex,
puxando o garoto para si, para sua boca.
O cara se entrega, cerrando as pálpebras.
Os lábios se tocam e o frio dá lugar a uma
sensação de completude, de calor, de êxtase.
Um momento perfeito, no lugar perfeito.
E com esse beijo para lá de arrebatador,
Lex e Nina selam um compromisso e
recomeçam a sua história, tendo a verdade e
o amor como únicos guias por toda a vida.
Se eles ficarão juntos por toda a
eternidade? Oh, sim, definitivamente. Almas
gêmeas possuem esse poder. Mas não posso
dizer que esse será um romance calmo e sem
brigas. Oh, não. Mas essa é outra história.
E assim, vamos deixando esses dois
curtirem o momento, saindo bem de fininho,
tomando o caminho inverso do início dessa
história.

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