terça-feira, 18 de junho de 2013

Presentes da vida 2#

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Darcy Rhone sempre teve todos os homens aos seus pés. Tinha um emprego glamouroso, um seleto círculo de amizades e um noivo perfeito, Dexter Thaler. No entanto, tudo mudou quando Darcy se envolveu com o melhor amigo de seu noivo... Seu noivado acabou e perdeu sua melhor amiga, Rachel. Incapaz de assumir responsabilidades e de enfrentar todo esse mal-estar, Darcy foge para Londres, para a casa de um amigo de infância, imaginando que poderia passar uma borracha em tudo isso. Mas, para seu desânimo, Londres se torna um mundo estranho, onde seus truques de sedução não mais funcionam e onde sua sorte parece ter se evaporado. Sem amigos nem família, Darcy precisa dar novo rumo à sua vida e, assim, começa uma linda trajetória rumo ao crescimento e ao amor.
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Prólogo
Eu nasci bonita. De cesariana, comecei a vida evitando problemas como plagiocefalia e arranhões decorrentes de uma passagem forçada pelo canal do parto. Por outro lado, vim ao mundo com um nariz delicado, lábios em forma de arco e sobrancelhas bem definidas. Eu tinha a quantidade exata de cabelo, cobrindo os lugares certos da minha cabeça, que prometia uma bela cabeleira com um formato excepcional. Com certeza, meu cabelo cresceu grosso e sedoso, cor de café. Todas as manhãs me sentava calmamente para que minha mãe pudesse modelar os meus cachos ou fazer uma bela trança. Quando comecei a frequentar a escola, as outras crianças, muitas com o cabelo sem graça, em forma de tigela, pediam para colocar o tapete perto do meu na hora do sono e tentavam tocar no meu rabo de cavalo. Elas me emprestavam suas massas de modelar sorrindo e me deixavam escorregar primeiro. Tudo para poderem ser minhas amigas. Foi quando descobri que há uma estrutura de poder na vida, e que as aparências contam muito nessa hierarquia. Em outras palavras, compreendi, com apenas 3 anos, que a beleza atrai regalias e poder. Essa lição foi apenas reforçada com o passar dos anos, já que continuei o meu reinado como a garota mais bonita em grupos de competidores cada vez maiores. A garota mais cobiçada nos últimos anos do ensino fundamental e no ensino médio. Mesmo assim, diferentemente dos personagens dos meus filmes favoritos de John Hughes, a minha beleza e popularidade nunca fizeram eu me tornar uma pessoa má. Eu dava ordens como um bom ditador, mas controlava as outras garotas populares que tentavam abusar do poder que tinham sobre os outros. Não me uni ao “grupo dos populares” e permaneci fiel à minha melhor amiga inteligente, Rachel. Eu era tão popular que poderia criar minhas próprias regras.
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É claro, tive momentos de incerteza. Lembro que, no 7º ano, gostava de brincar de psiquiatra com a Rachel. Eu geralmente fazia o papel de paciente e dizia coisas como “Tenho tanto medo de aranhas, doutora, que mal consigo sair de casa durante o verão”. — Bem — respondia Rachel, erguendo os óculos e fazendo anotações em um bloco de papel. — Recomendo que assista ao filme A menina e o porquinho... Ou que se mude para a Sibéria, onde não há aranhas. E toma isso. — Ela me dava duas vitaminas dos Flintstones e acenava com a cabeça para me encorajar. As coisas eram sempre assim. Mas uma tarde Rachel sugeriu que eu deixasse de fingir que era um paciente e fosse eu mesma, para lhe contar os meus problemas. Então, falei como o meu irmão menor, Jeremy, que monopolizava as conversas na hora do jantar, todas as noites, contando piadas originais e histórias obscuras sobre o reino animal. Eu tinha a impressão de que meus pais preferiam Jeremy ou, pelo menos, que davam mais atenção a ele do que a mim. Rachel limpava a garganta, pensava por alguns minutos e depois elaborava alguma teoria sobre como os meninos são encorajados a serem espertos e engraçados enquanto as meninas recebem elogios por serem bonitas. Ela dizia que isso é uma “armadilha perigosa” para as garotas, pois poderia incentivar as “garotas vazias”. — Onde você ouviu isso? — eu lhe perguntara, tentando compreender o que ela queria dizer com “vazias”. — Em lugar nenhum. É apenas a minha opinião — dizia Rachel, provando que ela não corria o risco de cair nessa armadilha. Na verdade, a sua teoria aplicava-se perfeitamente a nós. Eu era a menina bonita com notas medianas. Rachel era a menina inteligente com uma beleza mediana. De repente, eu me via sentindo um pouco de inveja e desejando ter, também, grandes ideias e palavras importantes. Mas rapidamente eu observava as inesperadas ondas no cabelo castanho de Rachel e me convencia de que eu estava muito bem. Não sabia localizar o Paquistão e o Peru no mapa e não sabia converter fração em porcentagem, mas minha beleza iria me lançar no mundo do Jaguar, das mansões e dos jantares com três garfos ao lado de um prato de
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porcelana de ossos. Eu só precisava fazer um bom casamento, assim como a minha mãe. Ela não era um gênio e não tinha terminado mais do que três semestres na faculdade, mas seu rosto bonito, seu corpo delicado e seu gosto impecável conquistaram o meu inteligente pai, um dentista, e agora ela tinha uma vida boa. Eu a achava um excelente modelo para mim. Assim, aproveitei a minha adolescência e entrei na Universidade de Indiana pensando que “se passasse, tudo bem”. Participei da melhor irmandade, namorei os caras mais populares e apareci no calendário das mulheres maravilhosas de Indiana por quatro anos consecutivos. Depois de me formar com notas pouco acima da média, fui para Nova York com a minha amiga Rachel, que estava estudando Direito. Enquanto ela se isolava na biblioteca ou ia trabalhar em um grande escritório, eu continuava a minha busca pelo glamour e pela diversão, aprendendo rápido que as coisas elegantes eram ainda mais elegantes em Manhattan. Descobri os clubes mais descolados, os melhores restaurantes e os homens mais interessantes da cidade. E eu ainda tinha o cabelo mais bonito da cidade. Enquanto tínhamos vinte anos ou mais, Rachel e eu continuávamos a trilhar caminhos diferentes e, muitas vezes, ela me perguntava: “Você não se preocupa com o carma?”. (A propósito, ela mencionou a palavra “carma” pela primeira vez quando estávamos nos últimos anos do ensino fundamental, depois de eu ter colado na prova de matemática. Eu lembro que tentei compreender o seu significado recordando a canção Karma Chameleon, mas não consegui.) Mais tarde entendi o que ela queria dizer: trabalho duro, honestidade e integridade sempre têm a sua recompensa, mas viver preocupando-se com a aparência era de alguma forma, uma ofensa. Eu estava convencida de que não precisava trabalhar como voluntária em projetos de assistência social para ter um bom carma. Posso não ter seguido o caminho tradicional para o sucesso, mas conquistei um emprego glamoroso como relações-públicas, um círculo de amizades seleto e um noivo maravilhoso, Dex Thaler. Fiz por merecer o meu apartamento com sacada para o lado oeste do Central Park e o meu belo anel de diamante na mão esquerda.
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Era assim que eu pensava quando achava que tinha tudo sob controle. Só não entendia por que as pessoas, especialmente a Rachel, insistiam em tornar tudo mais difícil do que parecia ser. Apesar de ter seguido todas as regras, lá estava ela: solteira, com 30 anos de idade, perdendo noites de sono por causa de um escritório de advocacia que desprezava. Enquanto isso, eu era feliz, assim como tinha sido durante toda a nossa infância. Eu me lembro de que tentei ajudá-la, lhe dizendo que deveria injetar um pouco de alegria em sua vida triste e disciplinada. Eu dizia coisas como: “Para começar, você deveria doar os seus sapatos sem graça e comprar um par de sapatos bonitos... Aposto que vai se sentir melhor”. Agora sei como tudo isso é superficial. Percebo que só me preocupava com as aparências. Naquela época, não achava que estava ofendendo alguém, nem se fosse eu mesma a ofendida. Eu não pensava muito, na verdade. Sim, eu era maravilhosa e tinha sorte no amor, mas tinha plena convicção de que era uma boa pessoa e merecia tudo de bom. Não via razão para que o resto da minha vida fosse menos interessante do que havia sido nas três décadas anteriores. Mas aconteceu uma coisa que me fez questionar tudo o que pensava sobre o mundo: Rachel, minha madrinha sem graça, com cabelo ondulado cor de germe de trigo, colocou as mangas de fora e roubou o meu noivo.
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Um soco arrebatador. Essa era uma das expressões favoritas do meu irmão mais novo, Jeremy, quando criança. Ele dizia isso quando assistia a alguma briga no ponto de ônibus ou no pátio da escola; com a voz alta e animada, os seus lábios brilhavam de saliva: “A-ha! Pow! Que soco arrebatador, cara!”. Então ele dava um soco na outra mão, demonstrando muita satisfação. Mas isso faz muito tempo. Agora, Jeremy é dentista, trabalha com o meu pai e tenho certeza de que ele não presencia, recebe ou devolve um soco arrebatador há mais de dez anos. Não me lembrava dessas palavras havia muito tempo, desde aquela memorável corrida de táxi. Eu tinha acabado de sair do apartamento da Rachel e contava ao motorista sobre a minha terrível descoberta. — Uau! — ele exclamou, com um forte sotaque do Queens. — Sua amiga lhe deu um soco arrebatador, hein? — Sim — respondi, tentando me refazer. — Foi isso que ela fez. A confiável e leal Rachel, minha melhor amiga há vinte anos, que sempre concordava com as minhas vontades ou, pelo menos, tentava conciliá-las com as suas, teve a coragem de — “A-ha! Pow!” — me dar um soco arrebatador. Fiquei cega. O elemento-surpresa da sua traição foi o que mais me machucou. Nunca esperaria por isso. Foi tão inesperado quanto um cão-guia conduzir o seu dono em direção a um caminhão.
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Para dizer a verdade, as coisas não foram exatamente como contei ao motorista de táxi. Mas não queria que ele perdesse o foco da conversa, o que Rachel fez para mim. Eu cometi alguns erros, mas não traí a nossa amizade. Uma semana antes do meu casamento, fui ao apartamento da Rachel para contar que tudo tinha sido cancelado. Meu noivo, Dex, foi o primeiro a dizer as difíceis palavras, “talvez à gente não devesse se casar”, e eu logo concordei porque estava tendo um caso com Marcus, amigo de Dex. Uma coisa levou a outra e, depois de uma noite apaixonada, fiquei grávida. Foi tudo muito difícil de absorver e eu sabia que a pior parte seria confessar tudo à Rachel, porque no início do verão ela tinha se interessado por Marcus. Os dois saíram algumas vezes, mas o romance acabou quando comecei a me relacionar com Marcus. Sentia-me péssima: por estar traindo Dex e, pior ainda, por estar mentindo para Rachel. Mas eu estava disposta a contar tudo à minha melhor amiga. Tinha certeza de que ela entenderia. Ela sempre entendia. Por isso, cheguei resignada ao apartamento da Rachel, no lado leste. — Qual é o problema? — ela me perguntou ao abrir a porta. Senti uma onda de paz ao pensar em como aquelas palavras eram familiares e serenas. Rachel era uma amiga maternal, mais maternal do que a minha própria mãe. Pensei em todas as vezes que minha amiga me fez essa pergunta, como no dia em que deixei o teto solar do meu pai aberto durante uma tempestade ou no dia em que menstruei e manchei a minha calça branca nova. Ela sempre estava lá me perguntando “Qual é o problema?” e dizendo “Tudo vai ficar bem”, com um tom de voz tão seguro que me convencia totalmente. Rachel sabia consertar tudo. Fazia eu me sentir melhor quando ninguém mais conseguia. Mesmo naquele momento, quando ela devia se sentir desapontada por Marcus ter me escolhido, tinha certeza de que ela saberia ficar acima da situação e me diria que eu tinha escolhido o caminho certo, que as coisas acontecem por alguma razão, que eu não era uma vilã, que eu estava certa por seguir o
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meu coração, que ela me entendia completamente e que, mais tarde, Dex também me entenderia. Respirei fundo e entrei em seu pequeno e organizado apartamento, enquanto ela tagarelava sobre o casamento, dizendo que estava à minha disposição, pronta para ajudar nos últimos detalhes. — Não vai haver casamento — eu disse de súbito. — O quê? — ela perguntou. Seus lábios se misturaram com o resto do seu rosto pálido. Ela se virou e sentou-se na cama, e então me perguntou quem tomara a iniciativa. Lembrei-me da época do ensino médio. Depois de um rompimento, que era sempre um acontecimento público na escola, os meninos e as meninas perguntavam quem terminou. Todos queriam saber quem havia dado as cartas e quem tinha sido descartado para poderem distinguir quem era a vítima e quem era o culpado. Eu disse algo que nunca diria se estivesse no ensino médio e, para ser franca, eu nunca fui descartada. — Nós dois decidimos... Bem, tecnicamente, Dexter falou primeiro. Ele me disse hoje de manhã que não poderia seguir adiante. Ele acha que não me ama — e virei os olhos. Eu não acreditava mesmo que isso fosse possível. Achava que a única razão para Dexter desistir do casamento fosse a minha indiferença. O distanciamento que acontece quando você se apaixona por outra pessoa. — Você está brincando. Isso é loucura! Como você está? Olhei para as minhas sandálias pink bordadas, que combinavam com o meu esmalte, e respirei fundo. Confessei que estava tendo um caso com Marcus, demonstrando uma pontinha de culpa. Rachel tinha tido um rápido caso de verão com Marcus, mas ela não tinha dormido com ele e já fazia semanas que ela o beijara. Ela não ficaria tão chateada com a notícia. — Então você dormiu com ele? — me perguntou Rachel com uma voz alta e estranha. Seu rosto ficou rosado, um sinal claro de que estava zangada, mas eu continuei a contar os detalhes, como começamos a sair, como tentamos acabar tudo e como não conseguimos controlar a atração que sentíamos um pelo outro. Depois disso, respirei fundo e
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contei que estava grávida de Marcus e que estávamos pensando em nos casar. Comecei a chorar, mas Rachel permaneceu inalterada. Ela fez algumas perguntas, e respondi a todas com sinceridade. Depois lhe agradeci por não me odiar, sentindo-me profundamente aliviada por não ter perdido a minha âncora, a minha melhor amiga, apesar da reviravolta na minha vida. — Sim... Eu não odeio você — disse Rachel, colocando o cabelo atrás da orelha. — Espero que Dex também aceite tudo isso e compreenda o lado do Marcus. Ele vai odiá-lo por algum tempo. Mas Dex é racional. Ninguém fez isso de propósito para magoá-lo. Apenas aconteceu. Em seguida, quando eu ia lhe perguntar se ainda gostaria de ser madrinha no meu casamento com Marcus, o meu mundo caiu. Entendi que nada mais seria como antes e que as coisas eram bem diferentes do que eu pensava: vi o relógio de Dexter em cima da mesa de cabeceira da minha melhor amiga! Um Rolex vintage inconfundível. — Por que o relógio do Dex está na sua mesa de cabeceira? — perguntei, rezando para que ela me desse uma explicação lógica e convincente. Em vez disso, ela encolheu os ombros e disse, gaguejando, que não sabia. Depois ela falou que o relógio era dela, que era igual ao dele. O que não me convenceu porque procurei esse relógio durante meses e comprei uma pulseira de crocodilo que tivesse certa originalidade. Além disso, mesmo que esse relógio fosse dela, a sua voz estava trêmula e o seu rosto mais pálido do que de costume. Rachel pode fazer bem muitas coisas, mas não sabe mentir. E então descobri: a minha melhor amiga no mundo havia cometido um indescritível ato de traição. O resto aconteceu em câmera lenta. Quase consegui ouvir os efeitos sonoros de A mulher biônica. Uma das nossas favoritas, assisti a todos os episódios com Rachel. Eu me levantei, peguei o relógio e o virei para ler o que estava escrito atrás. “Com todo o meu amor, Darcy.” Minhas palavras soaram difíceis e pesadas ao me lembrar do dia em que fiz a gravação. Liguei para Rachel do meu celular e pedi para que
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me ajudasse com as palavras. Ela sugeriu: “Com todo o meu amor”. Olhei para ela, ainda esperando pela resposta, mas ela não disse nada, apenas olhou para mim com seus olhos grandes e castanhos, franzindo as sobrancelhas despenteadas. — Que merda é essa? — perguntei, calmamente. Depois gritei a mesma coisa ao perceber que Dex estava escondido em algum lugar do apartamento. Corri para o banheiro, abri as cortinas do box com violência. Nada. Decidi olhar dentro do guarda-roupa. — Darcy, não faça isso! — disse ela, colocando-se na frente da porta. — Sai da frente! — gritei. — Sei que ele está aí dentro! Ela saiu e eu abri a porta. Como esperado, lá estava ele, agachado no canto do armário, usando cuecas listradas azul-marinho. Outro presente meu. — Seu mentiroso! — gritei, quase perdendo o ar. Eu estava acostumada com dramas. Eu cresci com dramas. Mas não desse tipo. Não esse tipo de drama que eu não podia controlar. Dex ficou em pé e vestiu-se calmamente, pondo um pé dentro da calça jeans e depois o outro, puxando o zíper de forma desafiadora. Não vi nenhum sinal de culpa em seu rosto. Foi como se eu estivesse acusando-o de roubar à última cereja do bolo. — Você mentiu para mim! — gritei novamente, mais alto. — Você só pode estar brincando — disse ele, em voz baixa. — Vai se foder, Darcy! Depois de tantos anos com Dex, ele nunca tinha falado assim comigo. Aquelas palavras foram sempre o meu último recurso. Não o dele. Tentei novamente. — Você me garantiu que não tinha mais ninguém! E você está comendo a minha melhor amiga! — gritei sem saber quem deveria confrontar primeiro. Arrasada por ter sido duplamente traída.
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Eu queria que ele dissesse que não era o que parecia e que eles não haviam transado. Mas ninguém negou nada. Pelo contrário, ele disse: — O roto falando do esfarrapado, não é Darcy? Você e Marcus, hein? Vão ter um bebê? Preciso lhes dar os parabéns. Eu não sabia o que dizer, então virei à mesa: — Eu sempre soube! Era tudo mentira. Eu nunca, em milhões de anos, poderia prever esse momento. O choque foi grande demais para mim. Por isso senti como se tivesse recebido um soco arrebatador; o fato de ser inesperado machuca mais do que o próprio soco. Eles me deram um soco, mas eu não queria bancar a idiota. — Odeio vocês dois! Para sempre! — disse, percebendo que as minhas palavras pareciam tolas e infantis, como na época em que tinha cinco anos e disse ao meu pai que sentia mais amor pelo diabo do que por ele. Eu queria chocá-lo e deixá-lo apavorado, mas ele apenas riu da minha resposta criativa. Dex também pareceu achar engraçado o que eu falei o que me fez chorar de raiva. Repeti a mim mesma que tinha de sair do apartamento de Rachel antes de começar a gritar. Ao me dirigir para a porta, escutei Dex dizer: — Ah, Darcy? Olhei para ele novamente. — O quê? — limpei o rosto, rezando para que ele dissesse que era uma piada, um grande mal-entendido. Talvez eles rissem e me perguntassem como pude acreditar naquela história. Talvez até nos abraçássemos. Mas tudo o que ele disse foi: — Devolva o meu relógio, por favor? Engoli seco e joguei o relógio para ele com força, mirando na sua cara. Contudo, o relógio bateu na parede e deslizou pelo chão de madeira até chegar perto do pé descalço do Dexter. Olhei para o relógio e depois para a Rachel. — E você — disse —, nunca mais quero ver a sua cara! Você morreu para mim!
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Não sei como desci as escadas (contando ao porteiro de Rachel as terríveis notícias), peguei um táxi (onde também compartilhei a história) e fui para a casa de Marcus. Entrei em seu pequeno apartamento desarrumado e o encontrei sentado de pernas cruzadas no chão, tocando em seu violão uma música que parecia com Fire and the Rain, do James Taylor. Ele me olhou com uma expressão que misturava surpresa e aborrecimento. — Qual é o problema agora? — disse ele. Não gostei de ele ter usado a palavra “agora”. Dava a impressão de que eu estava sempre entrando em crise. Não poderia imaginar o que aconteceria comigo. Contei-lhe toda a história, nos mínimos detalhes. Eu queria que o meu novo namorado se sentisse indignado. Ou pelo menos chocado. Mas, apesar do meu esforço em tentar contaminá-lo com a minha raiva, ele me perguntou: — Como você pode ficar chateada se fizemos a mesma coisa? Além disso, nós não queremos que eles sejam felizes também? Eu lhe disse que o que fizemos foi diferente e que, droga, não queremos que eles sejam felizes! Marcus continuou a tocar o violão e estampou um sorriso artificial. — Qual é a graça? — perguntei, irritada. — Essa situação não tem graça nenhuma!
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— Bem, talvez não seja muito engraçada, mas é ironicamente engraçada. — Não há nada de engraçado nisso, Marcus! E para de agir dessa maneira! Marcus passou o dedo nas cordas do violão pela última vez antes de guardá-lo na caixa. Depois, ele se sentou de pernas cruzadas, segurando as pontas dos seus tênis velhos e disse: — Eu não entendo como você pode ficar tão ofendida se fizemos a mesma coisa. — Não foi a mesma coisa! — disse, sentando-me no chão frio. — Olha só, eu posso ter traído o Dex, mas eu não fiz nada para a Rachel. — Bem... — disse ele. — Eu e ela tivemos um breve relacionamento. Poderíamos ter namorado se você não tivesse aparecido. — Você saiu com algumas garotas enquanto eu estava noiva de Dex. Que tipo de pessoa sai com o noivo de uma amiga? Ele cruzou os braços e me olhou vagamente. — Darcy. — O quê? — Você está olhando para uma dessas pessoas. Lembra? Eu era um dos padrinhos do Dexter? Entendeu? Soltei um suspiro. É verdade, Marcus e Dex foram amigos desde a época da faculdade. Mas não podíamos comparar. — Não é a mesma coisa. A amizade entre mulheres é mais sagrada, a minha amizade com Rachel tinha o tempo de uma vida. Ela era a minha melhor amiga e você era, por exemplo, a última pessoa na lista de padrinhos do noivo. Dex provavelmente nem escolheria você se não precisasse de um quinto padrinho para acompanhar as minhas cinco madrinhas. — Nossa, estou emocionado! Ignorei o seu sarcasmo e disse:
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— Talvez você nunca tenha se feito de santo como ela fez. — E continuei: — Você não saiu com o noivo da sua melhor amiga. Ou ex-noivo. E ponto final. Acabado. Mesmo se tivesse passado um zilhão de anos, não seria a mesma coisa. E você não pularia na cama dele um dia após o rompimento do seu noivado. — E disparei outras perguntas: — Será que ele achou que duraria apenas um dia? Será que começaram um relacionamento? Será que eles se apaixonaram? Será que vai durar? Marcus encolheu os ombros e respondeu com uma variação de “Eu não sei e isso não me interessa”. E eu gritei: — Adivinha! Preciso de ajuda! Faz com que eu fique mais calma! Então, ele colocou as mãos no meu ombro e resolveu responder de forma satisfatória às minhas perguntas. Ele concordou que, provavelmente, o relacionamento entre Dex e Rachel duraria pouco. Que Dex procurou Rachel porque estava chateado. Que estar com Rachel era uma forma de estar comigo. E, no caso de Rachel, ela aproveitou para fisgar um homem que estava fragilizado. — Legal. O que você acha que eu devo fazer agora? — perguntei. — Não há nada que você possa fazer — disse Marcus, tentando abrir a caixa de pizza que estava perto da caixa do violão. — Está fria, mas pode se servir. — Como se eu pudesse comer agora! — Respirei fundo e deitei no chão. — Pelo que vejo, tenho duas opções: matar e/ou cometer suicídio... Seria muito fácil matá-los, sabe? Eu queria ver a reação dele, mas, para a minha tristeza, ele nunca ficava chocado com o que eu dizia. Ele simplesmente pegou um pedaço de pizza, o dobrou pela metade, colocou inteirinho na boca, mastigou por algum tempo e, com a boca ainda cheia, disse que eu seria a única e principal suspeita. — Você terminaria os seus dias em um presídio feminino no norte do estado de Nova York. Com um corte de cabelo estilo mullet. Posso vê-la inclinada na janela com o cabelo sacudindo ao vento do pátio da prisão.
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Pensei bem e decidi que preferiria a morte a ter de fazer isso com o meu cabelo. Por isso, cogitei a opção do suicídio. — Bem. O assassinato está descartado. Vou me matar. Eles sentirão muita culpa se eu me matar, não é? — perguntei, mais para assustá-lo do que para decidir a minha morte. Eu queria que Marcus dissesse que não saberia viver sem mim. Mas ele não tomou partido no assunto do suicídio como fazia Rachel quando estávamos nos últimos anos do ensino fundamental, prometendo que iria substituir a seleção de músicas clássicas da minha mãe por músicas como On the Turning Away, do Pink Floyd. — Eles se sentiriam muito culpados se eu me matasse... Você acha que eles viriam ao meu funeral? Será que eles pediriam desculpas aos meus pais? — Sim, provavelmente. Mas as pessoas mudam muito rápido. Na verdade, elas podem esquecê-la no seu próprio funeral, dependendo da qualidade da comida. — Mas onde ficaria a culpa? — perguntei. — Como poderiam viver com ela? Ele me garantiu que a culpa inicial seria facilmente amenizada por qualquer bom psicanalista. Assim, depois de algumas noites no sofá, a pessoa, que antes sofria ao se perguntar como poderia ter evitado a tragédia, entenderia que apenas uma alma atormentada tiraria a sua própria vida e que aquele pequeno ato de traição, insignificante, não faria uma pessoa normal saltar na linha do trem número 6. Eu sabia que Marcus estava certo, lembrando que, quando eu e Rachel estávamos na segunda série do ensino médio, um colega de sala, Ben Murray, se matou com um tiro na cabeça, no seu quarto, enquanto os pais assistiam à televisão na sala. Ficamos sabendo de muitas histórias, mas, para resumir, todos sabíamos que tinha alguma coisa a ver com uma briga que ele teve com a namorada, Amber Lucetti, que o trocou por um garoto da faculdade que ela conheceu enquanto visitava a sua irmã em Illinois. Nenhum de nós conseguiu esquecer o momento em que um orientador vocacional deu a terrível notícia à Amber, ela ficou em choque. Também não conseguimos esquecer os lamentos de
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Amber ecoando nos corredores. Todos pensamos que ela enlouqueceria e seria internada em uma clínica para doentes mentais ou coisa parecida. No entanto, após alguns dias, Amber estava de volta às aulas, fazendo um seminário sobre a recente queda na bolsa de valores. Eu tinha acabado de fazer o meu seminário sobre a razão do sucesso das maquiagens vendidas em supermercados em comparação com as mais caras, uma vez que elas utilizam as mesmas cubas de óleo e de pó. Fiquei surpresa com a habilidade de Amber para falar de um assunto tão denso, quase sem olhar para as suas fichas de tópicos, enquanto seu ex-namorado estava em um caixão debaixo da terra. E o seu competente seminário não foi nada se comparado ao espetáculo que ela deu ao se apresentar com Alan Hysack no Spring Dance, menos de três meses após o funeral de Ben. Dessa forma, se eu realmente quisesse destruir o mundo de Rachel e Dex, seria melhor não escolher o suicídio. Só me restava uma opção: continuar levando a minha vida charmosa e perfeita. Eles não dizem que a felicidade é a melhor vingança? Eu me casaria com Marcus, teria o filho dele e construiríamos uma vida feliz, sem olhar para trás. — Ei. Eu quero uma fatia — disse para Marcus. — Estou comendo por dois agora. Aquela noite liguei para os meus pais e contei as novidades. Meu pai atendeu ao telefone e eu pedi para ele colocar a mamãe na extensão. — Mamãe e papai, o casamento está cancelado. Desculpem — disse resignada, talvez resignada demais porque eles entenderam imediatamente que o rompimento ocorrera por minha culpa. O velho e estimado Dex nunca cancelaria um casamento uma semana antes da data prevista. Minha mãe começou a soluçar, dizendo o quanto gostava de Dex, enquanto o meu pai falava mais alto, dizendo: — Agora, Darcy. Não seja precipitada... — Foi aí que contei o terrível episódio do armário. O telefone ficou mudo. Eles ficaram tanto tempo calados que pensei que a ligação tivesse caído. Por fim, meu pai disse que devia haver algum engano porque Rachel nunca faria uma coisa dessas. Disse a
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eles que eu também não acreditava nisso, mas que tinha visto com os meus próprios olhos: Dex de cueca no armário da Rachel. Por achar desnecessário, não contei nada aos meus pais sobre Marcus ou sobre o bebê. Eu queria que eles me dessem apoio financeiro e emocional total. Eu queria que eles colocassem a culpa em Rachel, a nossa vizinha que os enganou assim como me enganou. A perfeita, convincente, leal, honesta e previsível Rachel. — O que vamos fazer Hugh? — minha mãe perguntou a meu pai em um tom infantil. — Vou cuidar disso — disse ele. — Tudo vai ficar bem. Darcy, não se preocupe com nada. Temos a lista de convidados. Avisaremos a família. Entraremos em contato com Carlyle, o fotógrafo. E com todos os outros convidados. Você deve descansar. Você quer que viajemos para aí na quinta, como estava previsto, ou você prefere vir para cá? Você decide querida. Meu pai estava totalmente ligado no modo de crise, do jeito que ficava quando recebíamos um aviso de tornado ou de nevasca, ou quando nosso gato de estimação, inofensivo e cego de um olho, escapava pela porta dos fundos e a minha mãe e eu tínhamos uma crise de nervos, saboreando secretamente o drama. — Eu não sei papai. Não consigo pensar direito agora. Meu pai suspirou e disse: — Você quer que eu ligue para o Dex? Para fazê-lo pensar melhor? — Não, papai. Não vai adiantar. Acabou. Não faça isso, por favor! Tenho o meu orgulho. — Aquele cafajeste! — acrescentou a minha mãe. — E Rachel! Eu não posso acreditar nessa sem-vergonha. — Deus, você não está ajudando! — disse meu pai. — Bem, eu sei — respondeu minha mãe. — É que eu não posso acreditar que ela tenha feito isso. E por qual motivo Dex quis ficar com ela? — Eu sei! — disse. — Não acredito que estejam realmente juntos, certo? Ele poderia gostar dela de verdade? — Não. Sem chances — disse minha mãe.
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— Tenho certeza de que Rachel se arrependeu — disse meu pai. — Foi um ato extremamente inadequado. — Inadequado não é bem a palavra para isso — respondeu minha mãe. Meu pai tentou de novo. — Inconsequente? Oportunista? Minha mãe concordou com a avaliação dele. — Ela provavelmente devia estar de olho nele desde o início do seu namoro. — Sei disso — respondi, sentindo-me levemente arrependida por ter deixado Dex escapar. Todos achavam que ele era como um prêmio. Eu olhava para Marcus para me convencer de que fizera a coisa certa, mas ele estava olhando para o seu video game. — A Rachel ligou para se explicar ou para pedir desculpas? — continuou meu pai. — Ainda não — disse. — Ela irá — disse minha mãe. — E até que isso aconteça você deve ser forte, querida. Tudo vai ficar bem. Você é uma garota bonita. Encontrará outra pessoa. Alguém melhor. Diga isso a ela, Hugh. — Você é a garota mais bonita desse mundo — ele disse. — Tudo vai ficar bem. Eu prometo!
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Ironicamente, foi Rachel que me apresentou a Dex. Eles estavam no primeiro ano do curso de Direito da Universidade de Nova York e, como Rachel insistia em dizer que não estava na universidade para namorar, mas para estudar, ela passou o seu amigo Dex, o homem mais interessante do campus, para mim. Eu lembro bem: Rachel e eu estávamos em um bar, no Greenwich Village, esperando por Dex. No momento em que ele chegou, soube que ele era especial. Ele havia saído de uma propaganda de perfumes caros, o homem nos anúncios brilhantes olhando para o Sol em um veleiro ou encostado atentamente em um tabuleiro de xadrez com uma lareira ao fundo. Eu tinha certeza de que ele não sairia mal vestido nem ficaria bêbado até cair, que nunca falaria palavrão na frente da sua mãe, que usava produtos pós-barba de qualidade e talvez fizesse a barba com uma navalha em ocasiões especiais. Eu sabia que ele gostava de ópera, que resolvia qualquer palavra cruzada do Times e que pedia um bom vinho do Porto após o jantar. Juro que percebi tudo isso no nosso primeiro encontro. Sabia que ele era o meu parceiro ideal, o sofisticado homem da Costa Leste que eu precisava para criar, em Manhattan, uma versão da vida da minha mãe. Dex e eu tivemos uma conversa agradável naquela noite, mas ele só me convidou para sair depois de algumas semanas. Assim que ele me ligou, dispensei o garoto com quem estava saindo na época porque eu tinha certeza de que alguma coisa maravilhosa iria começar. Eu tinha razão: nós nos tornamos um casal muito rápido e as coisas eram
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perfeitas. Ele era perfeito. Tão perfeito que eu sentia que não o merecia. Eu sabia que era bonita, mas, às vezes, achava que não era inteligente ou interessante o bastante para um homem como Dex e que, assim que ele descobrisse isso, não iria mais me querer. Rachel não me ajudava com essa questão porque, como de costume, ela sempre encontrava uma maneira de acentuar as minhas limitações, sublinhar a minha apatia, a minha indiferença com relação a assuntos como aqueles com que ela e Dex se preocupavam: o que estava acontecendo nos países em desenvolvimento ou quem defendeu determinada causa no Congresso. Quer dizer, os dois escutavam a rádio NPR1, pelo amor de Deus! É isso. Só de ouvir o barulho das vozes nessa estação de rádio, os meus olhos começavam a pestanejar. Imagina, então, prestar atenção no conteúdo. Dessa maneira, depois de passar algumas semanas fingindo interesse por coisas que não me importavam, decidi mostrar quem eu era de verdade. Uma noite, enquanto Dex estava concentrado em um documentário sobre um acontecimento político no Chile, peguei o controle e mudei para o canal Nickelodeon, onde passava uma reprise de uma antiga série da TV americana chamada Gidget. — Ei! Eu estava assistindo! — disse Dex. — Estou muito cansada de ver gente pobre — disse, escondendo o controle remoto no meio das pernas. Dex riu com carinho e disse: — Eu sei Darcy. Eles podem ser muito irritantes, não é? De repente, percebi que, uma vez que Dex tinha conteúdo de sobra, ele não se importaria com a minha visão relativamente superficial do mundo. E nem com o meu interesse descarado em buscar coisas de qualidade e diversão. Ao contrário, acho que ele admirava a minha sinceridade, a minha honestidade ao revelar quem eu era. Posso não ser uma garota muito profunda, mas não sou falsa. Resumindo: Dex e eu tínhamos nossas diferenças, mas eu o fazia feliz. E, na maior parte do tempo, eu era uma namorada boa e fiel. Apenas duas vezes, antes de Marcus,
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minha atração pelo sexo oposto acabou se concretizando, o que acho bastante admirável para sete anos. O primeiro deslize ocorreu alguns anos atrás com Jack, um garoto de 22 anos que conheci uma noite no Lemon Bar enquanto tomava alguns drinques com Rachel e Claire, que era a minha melhor amiga no trabalho, ex-colega de quarto e a garota mais antenada da Costa Leste. Rachel e Claire eram tão diferentes como a escritora Laura Ingalls e Paris Hilton, mas as duas eram solteiras e minhas amigas, por isso sempre saíamos juntas. Bem, nós três estávamos conversando no bar quando Jack e seus amigos se apresentaram. Jack era o mais descontraído do grupo, jovem e charmoso, falava de quando jogava polo aquático na Universidade de Princeton. Eu tinha acabado de fazer 27 anos e estava me sentindo um pouco velha e cansada, por isso fiquei orgulhosa ao perceber que Jack estava interessado por mim. Morri de rir ao ver os outros garotos (não tão bonitos como Jack) paquerarem Claire e Rachel. Tomamos alguns coquetéis, trocamos olhares e, mais tarde, Jack e seus amigos decidiram procurar um local mais animado (comprovando a minha teoria de que o número de vezes que você troca de bar é inversamente proporcional à sua idade). Pegamos um táxi para encontrar alguma festa no SoHo. Mas, como era de se esperar dos muito jovens, Jack e seus amigos conseguiram anotar errado o endereço e o telefone de um amigo de outro amigo que estava dando a festa. Eles seguiam toda a rotina inepta na busca de um endereço errado enquanto discutiam uns com os outros. — Cara, não posso acreditar que você perdeu essa porcaria... Acabamos indo para a rua Prince, no frio, prontos para aproveitar a noite. Rachel e Claire foram embora primeiro, rachando um táxi para o lado leste de Manhattan. Depois os amigos de Jack se mandaram, determinados a encontrar a festa. Então, fiquei sozinha com Jack na rua. Estava tonta e Jack parecia tão apaixonado que lhe dei alguns beijos inofensivos. Não foi nada demais. Não foi nada mesmo. Pelo menos para mim. É claro, o jovem e impaciente Jack me ligou várias vezes no dia seguinte, deixando milhares de mensagens no meu
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celular. Por fim, liguei para ele e disse que tinha um namorado sério e que ele não deveria me ligar novamente. Disse que eu sentia muito. — Eu entendo — disse ele, parecendo estar desapontado. — Seu namorado é um cara de sorte... Se terminar com ele algum dia, me liga. — Tudo bem. Obrigada, Jack. E me desculpe novamente. Ao desligar, senti uma pontinha de culpa e me perguntei por que havia beijado Jack. Não fazia muito sentido. Mesmo estando tonta, eu não tinha ilusões sobre algo mais. A única coisa que pensei foi “Você quer ou não beijar esse garoto?” e, como a resposta foi sim, eu o beijei. Não sei. Talvez estivesse sentindo um pouco de tédio. Talvez estivesse com saudades dos tempos em que Dex parecia estar louco de paixão por mim. Eu cheguei a pensar que esse caso com Jack seria a evidência de um problema em nosso relacionamento, mas depois percebi que um beijo era apenas um beijo. Sem problemas. Decidi não contar nada a Rachel sobre Jack. Acabou, não fazia sentido ter que escutar um daqueles sermões que ela fazia sempre que eu traía meus namorados na época do ensino médio e da faculdade. Depois de Jack, fui o retrato da namorada ideal por um longo tempo, quase um ano. Então, encontrei Lair em um almoço organizado por nossa empresa de relações públicas para uma nova linha de roupas esportivas e modernas chamadas Emmeline. Lair era um modelo maravilhoso da África do Sul, com uma pele cor de caramelo e olhos tão azuis que combinavam com o agasalho cor de água que ele estava usando. Depois de vê-lo sorrir para mim duas vezes, eu me aproximei. — Então, eu preciso saber — gritei mais alto que a música. — São falsos? — O quê? — Seus olhos. Você está de lentes azuis? Ele deu um sorriso com um sotaque sul-africano. — Nossa, não! Eles são meus.
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— Você disse que são seus? Ele concordou e sorriu. — Que diferente — olhei fixamente nas extremidades dos seus olhos para ter certeza de que estava falando a verdade. Não havia sinal algum de lente de contato. Ele riu, mostrando os belos dentes brancos. Depois, ele me estendeu as mãos e se apresentou: — Sou Lair. — Oh, Lair. Que nome mais fofo! — disse, imaginando nós dois escondidos em algum lugar. — Sou Darcy. — Prazer, Darcy — disse ele, e deu uma olhada na festa que estive planejando por alguns meses. — É um grande evento. — Obrigada — respondi orgulhosa. Depois usei alguns termos da área de relações públicas para explicar que era um desafio fazer algo realmente diferente para o cliente no mercado competitivo de hoje. Ele concordou, fazendo um sinal com a cabeça, e depois parou. — Mas... — sorri, mexendo o meu longo cabelo castanho de forma sedutora. — É muito divertido, também. Posso conhecer grandes pessoas como você. Continuamos a conversar, sendo interrompidos algumas vezes por meus colegas ou por outros convidados. Sua amiga modelo, Kimmy, que estava usando calças esportivas de lã rosa, com o número 69 em azul-marinho estampado na parte de trás e um top combinando com o mesmo número estampado, chamou Lair várias vezes e tirou várias fotos com sua máquina digital. — Dá um sorriso, querido — ela dizia, enquanto eu me apertava para aparecer nas fotos. Mas, apesar das interferências de Kimmy, Lair não desviava o olhar de mim e a nossa paquera acabou se transformando em uma conversa mais séria. Falamos sobre a sua casa na África do Sul. Admiti que não soubesse nada sobre o seu país exceto que havia o apartheid antes de Nelson Mandela ser solto da prisão. À medida que Lair falava mais sobre a política na África do Sul, o problema da criminalidade em Johannesburgo ou sobre a
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beleza estonteante do parque nacional Kruger, eu via que ele era mais do que um rosto bonito. Ele me disse que estava modelando para pagar seus estudos e chegou a usar a palavra “sartorial”12. Depois da festa, Lair e eu dividimos um táxi. Minhas intenções eram basicamente puras, eu só queria um beijo na rua, como foi com Jack. Mas Lair sussurrou no meu ouvido: — Darcy, você gostaria de ir ao meu hotel? E não pude me conter e fui ao The Palace com ele, convencida de que não passaria de alguns beijos calorosos. E foi isso mesmo o que aconteceu. Por volta das três da manhã, eu me levantei, arrumei minha roupa e disse a ele que precisava ir para casa. Tecnicamente, eu poderia ficar, pois Dex estava fora da cidade a negócios, mas, de alguma forma, passar a noite com um cara seria muito parecido com uma traição e, nesse ponto, sentia que eu não tinha o direito de trair Dex. Na verdade, acho que o teste para saber se houve traição é bastante claro: se o seu parceiro assistisse ao vídeo da festa, ele ou ela pensaria em traição? Um teste alternativo é: se você visse um vídeo do seu parceiro em uma situação idêntica, você pensaria em traição? Nos dois casos, a resposta seria afirmativa. Contudo, eu não atravessara a linha do sexo, e isso me dava orgulho. Abandonei Lair naquela noite e, depois de uma semana trocando e-mails quentes e apimentados, diminuímos gradualmente a frequência das nossas conversas até perdermos totalmente o contato. A noite começava a sumir em minha mente e eu quase havia esquecido aqueles incríveis olhos até vê-lo novamente, de cueca, sorrindo para mim, em um outdoor no meio da Times Square. Lembrei os detalhes do nosso encontro, pensando no que aconteceria se eu tivesse terminado com Dex por causa de Lair. Imaginei a gente morando em Johannesburgo, em meio a elefantes e ladrões de carro, e decidi, mais uma vez, que foi melhor ter deixado a nossa relação acabar no The Palace. Dex e eu ficamos noivos após alguns meses, e eu prometi a mim mesma que seria sincera com ele para sempre. Mas não tínhamos muita coisa em comum e ele não me fazia arrepiar 1 Relativo ao músculo sartório, da coxa. (N. E.)
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o tempo todo. Mesmo assim, era um homem bom para começar uma nova vida. Eu iria me casar com ele e viver feliz para sempre no Upper West Side, em Manhattan. Tudo bem, talvez mudássemos para a Quinta Avenida; então, embora precisasse de pequenos ajustes, minha vida estava traçada. Só não tinha planejado Marcus nela.
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Por anos, Marcus foi, para mim, apenas o colega de quarto preguiçoso de Dexter da época em que estudava na Universidade de Georgetown. Enquanto Marcus era quase o último da turma e ficava bêbado o tempo todo, Dex se formou com honras e nunca provou uma droga ilegal sequer. Mas o fato de terem sido colegas de quarto foi tão importante para eles que continuaram amigos após a formatura apesar de viverem em lados opostos da cidade. É claro, nunca dei muita atenção a esse colega de faculdade até ficarmos noivos e ele sugerir o seu nome para padrinho. Dex tinha apenas quatro escolhas certas, mas eu tinha cinco madrinhas (incluindo Rachel, que era madrinha de honra) e a simetria no número de padrinhos era um assunto inquestionável. Por isso, Dex ligou para Marcus e lhe fez o convite. Depois de zombarem da situação por alguns minutos, Marcus pediu para falar comigo, o que achei muito educado da sua parte, uma vez que nunca havíamos nos visto. Ele me parabenizou e prometeu que não embebedaria o noivo uma noite antes do casamento. Eu comecei a rir e lhe disse que acreditaria nisso, sem imaginar que ele deveria prometer não dormir comigo antes do casamento. Na verdade, eu não esperava sequer conhecê-lo antes do casamento, mas algumas semanas depois do tal convite ele conseguiu um emprego em Manhattan. Para comemorarmos, fiz reservas em um restaurante da moda, apesar de Dex deixar bem claro que Marcus não ligava para lugares da moda.
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Dex e eu chegamos primeiro ao restaurante e esperamos por Marcus no bar. Ele chegou usando jeans largos e esportivos, uma camisa amassada e uma barba de dois dias, pelo menos. Em resumo, não era o tipo de homem para o qual eu olharia. — Dexter! — gritou Marcus ao se aproximar, depois deu um abraço apertado nele, tipo abraço de homem, com tapinhas nas costas. — Bom ver você, cara! — Você também — disse Dex, apontando para mim como um cavalheiro. — Esta é a Darcy. Eu me levantei lentamente, inclinando o corpo para dar um beijo no rosto barbudo do nosso quinto padrinho. Marcus deu um sorriso irônico. — A infame Darcy. Eu gostei de ser chamada de “infame”, apesar da conotação negativa, e ri, coloquei a mão no peito e disse: — Isso não é verdade. — Que pena — disse Marcus sussurrando e depois apontou para a ruiva escultural que estava ao seu lado. — Oh, esta é minha amiga Stacey. Trabalhávamos juntos. Eu a vi entrar na mesma hora em que Marcus, mas não pensei que estivessem juntos. Eles não combinavam em nada. Stacey estava muito bem vestida, usando uma jaqueta de couro azul petróleo acinturada e um lindo escarpim de pele de lagarto. Enquanto nos dirigíamos para a nossa mesa, olhei irritada para Dex por ele ter sugerido que eu estava querendo me exibir quando perguntei se minha roupa estava boa: uma pelerine branca e um corpete de tafetá xadrez. Agora eu estava presa a uma simples jaqueta de tweed preto e branco ao lado da estonteante Stacey. Avaliei-a novamente, para saber se era mais bonita do que eu. Logo percebi que eu era mais bonita, mas ela era mais alta, o que me deixou irritada. Eu gostava de ser as duas coisas. Sempre achei que todas as mulheres gostavam de se sentir as mais atraentes do grupo, mas quando disse isso a Rachel ela deu um olhar inexpressivo seguido de um gesto diplomático de que concordava comigo. Quando me dei conta do que tinha falado, recuei e disse que isso não se aplicaria caso fôssemos amigas e que dessa forma não haveria comparação.
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Por sorte, a personalidade de Stacey não era tão brilhante como o seu guarda-roupa e eu consegui me destacar perto dela. Marcus era extremamente divertido e alegrava a nossa mesa. Ele não era um contador de piadas, mas sempre fazia observações sarcásticas sobre o restaurante, sobre a comida sofisticada e sobre as pessoas ao nosso redor. Notei que sempre que Stacey ria para ele, ela tocava seu braço de forma familiar, o que me fez acreditar que, se eles não estavam namorando, pelo menos tinham um caso. No final da noite, reavaliei a aparência de Marcus e elevei bastante a sua nota. Foi uma combinação do interesse óbvio de Stacey por ele, do seu senso de humor e de mais alguma coisa. Havia alguma coisa que o tornava sexy: um brilho em seus olhos castanhos e a covinha no seu queixo, que me fez lembrar Danny Zuko em Nos tempos da brilhantina (aquela primeira cena do filme na praia foi a minha ideia de romance por anos). Depois do jantar, enquanto Dex e eu entrávamos no táxi para o Upper West Side, eu disse: — Gostei do Marcus. Ele é engraçado e surpreendentemente atraente. Dex já tinha se acostumado com meus cândidos comentários sobre outros homens, por isso não se surpreendia mais. Ele apenas disse: — Sim. Ele é uma figura. Esperei ele dizer que Marcus também havia me aprovado e, como ele não disse nada, perguntei: — O que Marcus disse para você no fim da noite, quando foram pegar os casacos? Ele disse alguma coisa sobre mim? Stacey e eu conversamos um pouco e achei que Marcus dissera algo como “você arrumou um mulherão”, ou “ela é muito mais atraente do que a sua namorada da faculdade”, ou até mesmo algo simples como “gostei da Darcy, ela é legal”. Depois de pressionar Dex por algum tempo, ele me contou que Marcus havia dito que estava namorando Stacey e que, apesar de ela ser ótima de cama, ele estava terminando o relacionamento por ela ser muito exigente. Nem é preciso
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dizer que o fato de Marcus sair com uma garota sexy como Stacey o fez subir mais no meu conceito. E quanto mais saíamos com Marcus, mais eu gostava dele. Mas eu ainda o enxergava apenas como amigo de Dex e padrinho do nosso casamento. Até a noite do aniversário de trinta anos de Rachel, quando fiz uma festa surpresa para ela em nosso bar favorito no Upper West Side. Eu lembro o momento exato em que me aproximei de Marcus e disse que ele deveria gostar muito de festas na época da faculdade, mas que eu poderia acompanhá-lo na bebida agora. Ele riu e deu um tapinha no balcão do bar dizendo: — Oi, beleza? Traz uma para mim, amigo. Começamos a tomar uma dose de Jägermeister. Foi quase uma experiência afetiva, não apenas por estarmos bebendo juntos, mas porque bebíamos escondido de Dex, que detesta quando fico bêbada. “Isso é impróprio. Imaturo. Faz mal à saúde. É perigoso”, ele diria em tom de sermão. Não que isso pudesse me impedir, principalmente, não naquela noite. Uma hora, antes de tomarmos a última dose, Dex nos encontrou no bar e nos olhou de forma suspeita. — Vocês estão bebendo? — perguntou, olhando para os copos vazios no balcão em frente. — Isso não é meu — eu disse. — É do Marcus. Ele bebeu em dois copos. — Sim, cara. São meus — disse Marcus, piscando os olhos. Enquanto Dex passava por nós, com as sobrancelhas erguidas, Marcus piscou para mim. Eu ri. — Ele ia ficar bravo. Obrigada pela cobertura. — Sem problemas — disse Marcus. Desde aquele momento, tínhamos um segredo, e ter um segredo, por menor que seja, cria um laço entre duas pessoas. Eu lembro que pensei em como ele era mais engraçado do que Dex, que nunca perdia o controle. Além de ser engraçado, Marcus estava sexy aquela noite. Ele estava vestindo uma camiseta polo azul-marinho, nada especial, mas ela não era totalmente larga e pude ver que ele tinha um
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belo corpo. Enquanto bebia um martíni, perguntei se ele malhava. Uma pergunta que revela interesse, na melhor das hipóteses, e é um pouco grosseira, na pior das hipóteses, mas eu não me importava. Eu queria ir direto ao ponto. — Uma ou duas vezes por semana — disse ele. — Fala a verdade. Você tem um corpo ótimo. Você faz musculação? Corre? Ele disse que só corria quando estava sendo perseguido. E então ele continuou a me contar que saíra para correr com uma garota outro dia, apesar de não gostar. — Eu nunca deveria ter ido — disse coçando as pernas. — Ainda estou pagando por isso. E o namoro acabou. — Foi a Stacey? — Quem? — Stacey. Você sabe, a ruiva que você levou ao jantar. — Ah! Aquela Stacey. Coisa do passado. — Bom — eu disse. — Não fui muito com a cara dela. Era muito chata. — Marcus riu. — Ela não era esperta como você. — Então, conta quem era a garota esportista? — perguntei. — Só uma garota. — Essa garota tem nome? — Podemos chamá-la de Wanda. — Certo, Wanda... E ela também era boa de cama como Stacey? — perguntei, orgulhosa pela minha ousadia. Ele sorriu, pronto para me responder, mas, nessa hora, Dex e Rachel chegaram e nunca soube a resposta, ele apenas lançou uma sexy piscada de olhos. Eu lembro que desejei lhe mostrar meus talentos naquela área. Não que eu quisesse dar em cima do meu padrinho na minha festa de casamento. Foi apenas um daqueles pensamentos fugazes de atração que ocorre por conta do álcool. Depois disso, não consigo me lembrar de nada, exceto uma vaga lembrança de Dex me carregando para fora do bar
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e outra mais vaga ainda de vomitar em um saco plástico, ao lado da nossa cama. Não pensei em Marcus no dia seguinte, até que ele ligou para falar com Dex. Eu lhe disse que Dex ainda estava no trabalho, sentindo-me feliz pela oportunidade de falar com ele. — Ele trabalha muito — disse Marcus. — Conta... Como vão as coisas? Alguma novidade? Você voltou para casa muito tarde na noite passada? — perguntei. Depois de me levar para casa, Dex voltou com Marcus e eles ficaram juntos até 7 horas da manhã. — Ah, sim! Desculpa por ter atrasado o Dex — disse ele. — Você ficou bem? — Sim. — E você não falou com outras garotas? — perguntei. Ele riu. — Você sabe que eu sempre converso com mulheres. Eu lembrei aquele momento no bar, a minha nítida atração por ele. — Ah, eu sei — disse com a voz melosa. — E como vai a Wanda? — Wanda? — Você sabe. Wanda. A esportista. — Ah, aquela Wanda! Certo. Não deu certo com a Wanda... Mas eu queria saber se... — Queria saber o quê? — perguntei timidamente, sentindo que ele estava tentando me dar uma cantada. Mas então ele perguntou: — Qual é a da Rachel? Fiquei surpresa ao escutá-lo dizer o nome dela. — O que você quer saber? Se ela está namorando alguém? Não, não está! Por quê? — perguntei, com um sentimento de posse irracional e um pouco de ciúmes por Marcus estar interessado pela minha amiga. Talvez, de
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alguma maneira, eu desejasse que ele estivesse interessado em mim. Isso era egoísmo, considerando que Rachel era solteira e eu estava noiva. Mas não se pode controlar as emoções. Marcus continuou. — Ela é muito sexy, com aquele ar de estudiosa. — Sim, ela é adorável — disse, achando estranho ouvir que ela era sexy, embora tivesse notado que ela melhorara muito desde a época da faculdade, quando tinha 20 anos. Acho que era a sua pele. Ela não tinha muitas linhas de expressão como as outras garotas da sua idade. E, em um dia bom, quando ela se preocupava um pouco mais com a aparência, poderia até dizer que ela ficava bonita. Mas sexy era demais. — Bem, se quiser sair com a minha amiga, você precisa pedir para mim primeiro — eu disse em tom de brincadeira, mas não estava brincando. Eu queria assumir o papel de fada madrinha nesse caso. — Bem... Diz para ela que gostaria de chamá-la para sair. E diz que é melhor que ela aceite, ou então... — Ou então o quê? — Ou então será o maior engano da sua vida. — Você é tão bom assim? — Sim — disse ele. — Na verdade, sou muito bom. Foi aí que eu senti aquela angústia novamente. Aquele sentimento de que era uma lástima eu não poder provar Marcus antes de me casar com Dex. Além do que estava sentindo por Marcus, era triste saber que nunca mais daria outro primeiro beijo. Que nunca mais me apaixonaria novamente. Achava que a maioria das pessoas tinha essa sensação em um relacionamento, geralmente antes de decidirem comprar o anel de noivado. Mas pelo que posso dizer, a maioria das mulheres não pensa assim, pelo menos não admite sentir essas coisas. Elas encontram um bom homem e está tudo bem. Elas ficam aliviadas porque não precisam mais continuar procurando alguém. Elas ficam contentes comprometidas, totalmente dedicadas por um longo tempo. Acho que me pareço mais com os homens nesse ponto.
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Apesar desse dilema, no fundo eu sabia que nada poderia acontecer com Marcus. Então, decidi fazer a coisa certa: incentivei Rachel a sair com Marcus e passei a me interessar por esse relacionamento. E quando eles finalmente saíram, fiquei feliz por eles. Contudo, ele e Rachel se recusaram a me contar o que estava acontecendo e isso me irritou demais porque, acima de tudo, eu era a melhor amiga de Rachel muito antes de ela começar esse relacionamento estúpido. Ela não me contou nada, nem mesmo se haviam se beijado, o que me deixou curiosa para saber se haviam ido mais adiante. Quanto mais eu queria saber das coisas, mais eles se calavam e mais intrigada com Marcus eu ficava. Era um círculo vicioso. Consequentemente, nas semanas seguintes, sempre que Marcus ligava para Dex eu fazia de tudo para conversar um tempão com ele. Ocasionalmente, ligava para ele no trabalho com o pretexto de perguntar sobre o nosso fim de semana entre casais ou sobre o casamento. Eu desligava e lhe mandava algum e-mail engraçado. Ele me respondia com a velocidade da luz e, assim, tínhamos uma história engraçada que duraria o dia todo. Coisas inofensivas. No fim de semana de 4 de julho, Dex e Rachel ficaram trabalhando na cidade e não foram viajar conosco. Acima de tudo, eu estava triste e irritada porque a minha melhor amiga e o meu noivo não iriam, mas uma parte de mim estava animada com a ideia de passar algum tempo desacompanhada ao lado de Marcus. Não que eu quisesse que alguma coisa acontecesse. Eu queria apenas um pouco de intriga. Por certo, a intriga me acompanhou até a parte dois do nosso jogo; a diferença é que dessa vez não havia a rede de segurança de Dex. Eu bebi demais, mas não cheguei a passar mal, desmaiar ou falar besteiras. Mas estava visivelmente bêbada e Marcus também. Dançamos até 2 horas da manhã, quando ele, Claire e eu voltamos para casa. Claire colocou o seu pijama e foi direto para a cama, enquanto Marcus e eu continuamos a brincar, primeiro na sala de estar e, depois, no quintal. Estava tudo muito divertido, as piadas e as risadas. Mas, depois, as brincadeiras violentas de empurrar deram
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lugar aos tapinhas e, então, começamos um embate corporal, rolando na grama úmida e fria. Eu lembro que gritava para Marcus parar antes de ele me empurrar para debaixo de uma árvore. Eu lhe disse que iria manchar todo o meu vestido branco, mas, na verdade, eu não queria que ele parasse e acho que ele sabia disso, porque não parou. Ele prendeu meus braços nas minhas costas e isso me deixou muito excitada. E o mesmo aconteceu com Marcus: ele também estava excitado, por sentir seu corpo em cima do meu, o que, é claro, me deixou mais excitada. De repente, começou a chover, mas nenhum de nós quis voltar para a casa. Pelo contrário, continuamos com o corpo colado, quase congelando. Então, paramos de rir. Nós nem estávamos sorrindo, apenas olhando um para o outro, os nossos rostos estavam tão próximos que os narizes se tocavam. Depois de um longo tempo assim, no limbo sexual, eu dobrei a cabeça para o lado e lhe dei um beijo. Várias vezes, devagar, de forma inocente. Eu queria que ele me beijasse primeiro, mas eu havia esperado muito. Os breves segundos de contato foram deliciosos. E posso dizer que ele achou o mesmo, mas se afastou e disse: — O que está acontecendo aqui? Toquei seus lábios novamente. Dessa vez foi um beijo de verdade. Eu lembro que me sentia completamente alerta, todos os meus sentidos estavam aguçados. — Estou beijando você — eu disse. — E você deveria estar fazendo isso? — ele perguntou, ainda em cima de mim, me apertando um pouco mais. — Provavelmente não — eu disse. — Mas aqui estamos. Eu o beijei novamente e, dessa vez, ele me beijou de volta, com a chuva morna caindo sobre nós e ouvindo o barulho dos trovões. Sabia que nós dois estávamos pensando que não podíamos, não deveríamos passar dos beijos, mas estávamos protelando a verdade. Blefando. Ele me dizia coisas como “Precisamos parar”, “Isso é loucura”, “Não podemos fazer isso”, “E se Claire nos encontra aqui?”, mas nenhum de nós mudou de atitude ou parou. Ao contrário, eu segurei forte a sua mão e a movi para baixo do meu vestido. E depois ele já sabia o que devia fazer.
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Se ainda restava alguma dúvida com relação ao desempenho de Marcus, naquele momento tinha desaparecido. Ele era um daqueles caras. Dex poderia ser bonito, mas não fazia como Marcus. Não da mesma forma. E mesmo que fizesse, eu não me sentiria igual. E, ao pensar que nunca havia me sentido assim com Dex, sussurrei em seu ouvido: — Quero estar com você. — Não podemos continuar — disse Marcus, sem parar de acariciar as minhas pernas. — Por que não? — Você sabe por quê. — Mas eu quero. — Não, você não quer. — Eu quero. Tenho certeza disso — eu respondi. — Que droga! Não podemos. Em seguida, eu já estava tirando o meu cinto e desabotoando a sua calça jeans, tocando em suas roupas íntimas, determinada a deixar sua respiração tão acelerada quanto a minha. Seguimos o velho ritual do ensino médio de avançar passo a passo, adiando o inevitável. Mas o inevitável aconteceu. Bem lá debaixo da árvore, na chuva forte de julho. Gostaria de dizer que eu estava pensando coisas sérias e profundas enquanto estava com ele, coisas como o que isso significava para a minha vida, o impacto desse fato para o meu noivado, para o meu relacionamento. Mas não, pensava em coisas como: “Será que sou melhor do que a sua última namorada?”; “Será que Dex vai descobrir?”; “Será que ele vai sair de novo com a Rachel?”; “Por que estou gostando tanto dessa merda?” Ficamos juntos durante um bom tempo, talvez por termos bebido muito, mas decidi que a razão mais provável seria a química perfeita e as proezas sexuais de Marcus. Algum tempo depois, ficamos deitados de costas, recuperando o fôlego, com os olhos quase cerrados. A chuva fez uma pausa, mas nós estávamos encharcados. — Uau! — disse ele, tirando um galho de baixo das suas costas e jogando-o para longe. — Droga.
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Percebi que ele estava impressionado, então, dei um sorriso. — Não deveríamos ter feito isso — ele disse. — Tarde demais — eu respondi, entrelaçando nossos dedos.
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No dia seguinte, acordei com um gosto de tequila na garganta e uma dor de cabeça muito forte. Olhei para o relógio e já era quase meio-dia. A noite passada parecia um sonho distante. Um sonho distante e bom. Estava ansiosa para ver Marcus novamente. Eu me levantei, escovei os dentes, fiz um rabo de cavalo, coloquei um pouco de blush rosa, uma saia verde limão, uma blusa branca e saí para procurá-lo. Ele estava na sala de estar sozinho, assistindo à televisão. — E aí? — disse, sentando-me ao lado dele no sofá. Ele olhou para mim de soslaio e resmungou algo como “dia” ou “tarde”, eu acho. Depois voltou a olhar para a TV. — Onde estão todos? — perguntei. Ele me disse que Claire fora almoçar e que Hillary, nossa outra companheira de chalé, não voltara para casa desde a noite passada. — Talvez ela tenha passado a noite acompanhada também — disse, para quebrar o gelo. — Sim — ele respondeu. — Talvez. Tentei de novo. — E como você se sente? — Eu me sinto um sacana — disse ele, mudando de canal e ainda evitando me olhar nos olhos. — Aqueles drinques não foram uma boa ideia.
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— Ah, entendi — eu disse. — Estamos colocando a culpa pelo que aconteceu no álcool, é isso? — Ele sacudiu a cabeça e tentou não sorrir. — Sempre soube que você era perigosa, Darcy Rhone. Eu gostei de saber que ele pensava assim, mas, ao mesmo tempo, não queria que ele pensasse que eu era uma pessoa volúvel ou que eu sempre traía Dexter, por isso fui direto ao ponto e disse que isso nunca tinha acontecido antes. O que era, tecnicamente, a verdade. — Sim. Bem. Não vai acontecer de novo. De volta à realidade — disse Marcus. Fiquei chateada e com o ego ferido por ele estar me tratando de forma tão grosseira. Tínhamos, apesar de tudo, compartilhado uma noite de paixão. Paixão que eu não sentia há anos. Talvez nunca tivesse sentido. Gosto de pensar que sou uma garota do mundo e, com certeza, fiz sexo em muitos lugares interessantes, incluindo, mas sem totalizar, o estacionamento de uma igreja, uma plantação de milho, a sala de espera do dentista do meu pai. Mas a experiência no temporal foi inédita e eu estava irritada porque Marcus não estava dando o valor merecido ao fato. — Então você se arrependeu? — perguntei. — É claro que sim. Suspirei e tentei mudar o foco. — E você... Não gostou? Ele olhou para mim e sorriu. — Isso não vem ao caso, Rhone. — Não me chame de Rhone — eu disse. — Você não me chamava de Rhone na noite passada. — A noite passada — disse ele, sacudindo a cabeça — foi um erro. Acho que é melhor esquecermos tudo. — Não — respondi. Ele olhou para mim. — Não? — Não. Não podemos esquecer — repeti. — Aconteceu. Não podemos voltar atrás.
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— Sei que não podemos voltar atrás, mas temos que esquecer. Não foi certo o que fizemos. Você está noiva... E Dex é meu chapa... Está decidido. — Certo — eu disse, olhando-o de forma crítica. Ele me olhou e cruzou as pernas. — Foi uma grande sacanagem. Fiquei muito irritada por ele estar se preocupando com Dex e não comigo. — Marcus. — O quê? — Acho que devemos falar sobre o que aconteceu. Devemos falar sobre o que nos levou a fazer isso. Eu queria testá-lo, saber o quanto ele gostava de mim ou se eu poderia tê-lo novamente, caso quisesse. E eu queria. Talvez mais uma ou duas vezes. Bem, depois que você trai pela primeira vez, faz diferença se você trair mais uma ou duas vezes? — Aconteceu porque estávamos bêbados. — Não foi por isso que aconteceu. Foi algo maior. Você não ficou com a Claire, não é? Ele limpou a garganta, mas não disse nada. — E se eu achar que não devo mais ficar com Dex? — Então é melhor você cancelar o casamento. — Você quer que eu faça isso? — perguntei. — Não, eu não disse isso. Você deve se casar com Dex — sua voz era tão fria que parecia uma pedra de gelo. — E se eu achar que devo ficar com você? — perguntei, olhando fixamente em seus olhos. Ele desviou o olhar. — Isso não vai acontecer. — Por que não? — Não pode acontecer. — Por quê?
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— Por que... — ele se levantou e foi para a cozinha, voltando com uma garrafa de Gatorade. — Foi um erro. Dentre outras coisas. — Você não sente nada por mim? — perguntei. Foi uma armadilha. Ele não poderia negar seus sentimentos ou seria um babaca por ter dormido comigo. Mas se ele admitisse que sentisse algo por mim, então a porta não ficaria totalmente fechada. Ele pensou por alguns segundos e respondeu de forma astuciosa. — É claro que gosto de você, Darcy. Somos amigos. — Então você sempre faz isso com as suas amigas? — repliquei. Ele diminuiu o tom de voz, cruzou os braços e olhou para mim. — Darcy. Eu... Gostei muito do que aconteceu na noite passada... Mas foi um passo mal dado. E eu sinto muito... Foi um erro. — Um erro? — eu disse, parecendo ofendida. — Sim — ele respondeu calmamente. — Um erro. Um incidente causado pelo álcool. — Mas não significou nada para você? — Sim — ele bocejou, esticou os braços e sorriu. — Como eu disse, eu gostei muito. Mas acabou. Fim. — Tudo bem — eu disse. — Mas você não vai sair com a Rachel novamente, vai? — Eu não sei. Talvez. Provavelmente. Por quê? — Você vai?! — perguntei, indignada. Ele apenas olhou para mim, tomou um gole de Gatorade. — Por que não? — Você não acha que vai ficar estranho agora? — perguntei. — Como um jogo de interesses ou coisa parecida? Ele encolheu os ombros, mostrando que não via problema algum naquilo.
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— Você não vai dormir com ela, vai? — perguntei, presumindo, com base nos registros de Rachel, que ele ainda não tinha feito isso. Ele riu e disse: — Não posso garantir. — Você está falando sério? — perguntei, horrorizada. — Isso é muito estranho. Ela é a minha melhor amiga. Ele encolheu os ombros. — Tudo bem. Olha. Preciso fazer uma pergunta. Uma pergunta... Se eu fosse solteira, quem você escolheria? Rachel ou eu? — perguntei. Eu tinha quase certeza da resposta, mas queria ouvi-lo dizer. Ele riu. — Você é demais. — Vamos, responda! — Certo. Vou dizer a verdade — ele disse com a voz triste. Eu esperava algumas palavras de carinho, que não havia escutado desde o nosso primeiro encontro, mas... — Eu tentaria dormir com as duas ao mesmo tempo. — Eu dei um tapa em seu braço e disse: — Fala sério! Ele riu. — Vocês nunca fizeram isso? — Não, nunca fizemos isso! Seu grosso! Sei que dou conta de muitos, mas gosto de dar o meu amor só para uma pessoa... Então, vamos lá, você precisa escolher. Rachel ou eu? Ele encolheu os ombros. — Não vou responder. — Por causa do Dex, certo? Mas você se sente mais atraído por mim? — perguntei, esperando a resposta. Não que eu quisesse ser melhor do que a Rachel. O caso é que ela tinha o seu trunfo, ser uma advogada inteligente, enquanto ser atraente e desejada pelos homens era o meu triunfo, minha única fonte de autoestima. E eu queria, e precisava, que isso ficasse claro. Mas Marcus não me daria esse prazer. — Vocês têm belezas diferentes — disse ele, enquanto aumentava o volume da televisão para deixar claro que queria
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encerrar a conversa. — Agora, vamos assistir ao torneio de tênis de Wimbledon? O que você acha do Andre Agassi? Durante o resto do fim de semana, enquanto Marcus fazia o possível para evitar ficar sozinho comigo, eu ficava cada vez mais obcecada por ele. E, quando voltamos à cidade, minha obsessão apenas aumentou. Eu não queria ter um caso com ele, mas queria que ele me quisesse. E isso não estava acontecendo. Apesar das centenas de e-mails e telefonemas, Marcus me ignorava. Então, uma semana mais tarde, tive de adotar medidas mais drásticas e apareci em seu apartamento com um fardo de cerveja e uma cópia do filme Pulp Fiction, que todos os homens adoram. Ele abriu a porta e ficou em pé, com os braços cruzados. Estava vestindo uma calça de moletom cinza com um buraco no joelho e uma camiseta velha e manchada. Mesmo assim, ele era atraente, como qualquer pessoa com quem você tivesse feito sexo proibido na chuva. — Bem? Posso entrar? Trouxe presentinhos — eu disse, segurando o fardo de cerveja e o filme. — Não — ele respondeu sorrindo. — Por favor? — eu disse com uma voz melosa. Ele sacudiu a cabeça e sorriu, mas não se moveu. — Deixa disso! Podemos apenas passar um tempo juntos essa noite? — perguntei. — Eu só quero conversar. Como amigos. Apenas amigos. Tem alguma coisa errada nisso? Ele suspirou de cansaço e moveu-se o bastante para que eu pudesse entrar espremida pela porta. — Você é uma viagem. — Eu só quero vê-lo novamente. Como amigo. Prometo — eu disse, observando seu típico apartamento bagunçado de homem. Havia roupas e jornais espalhados por todos os lados. Uma caixa de lasanha estava descongelando em cima da mesa. Sua cama estava desarrumada, o lençol deixava à mostra uma parte do colchão azul-escuro. E havia um grande aquário, que precisava ser lavado, ao lado da televisão de plasma e dezenas de jogos de video game. Ele percebeu que eu estava reparando em tudo.
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— Não estava esperando visita. — Eu sei. Eu sei. Mas você não atendeu aos meus telefonemas. Eu tive de tomar uma atitude mais drástica. — Sei como são suas atitudes drásticas — disse ele, apontando para um futon que ficava em frente ao seu sofá de couro. — Senta. — Ah, Marcus. Acho que ainda podemos sentar no mesmo sofá. Eu juro, nada irá acontecer. Era mentira, e nós dois sabíamos. Então, no meio do filme, depois de alguns movimentos suaves, Marcus e eu estávamos cometendo o mesmo erro pela segunda vez. E posso dizer que gostei ainda mais dele no sofá seco e macio.
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Depois daquela noite no sofá, Marcus parou de resistir e de dizer que a nossa relação era um erro. Embora ele quase nunca tomasse a iniciativa, sempre estava disponível quando eu pedia para vê-lo na hora do almoço, no meio do dia ou à noite, quando Dex trabalhava até tarde. Todo o meu tempo livre eu queria passar com Marcus. E quando eu não estava com Marcus, estava pensando nele, fantasiando coisas com ele. O sexo era demais, achei que aquela coisa de um em cima do outro só existisse no filme 9 ½ semanas de amor. Eu não me cansava de Marcus, e ele visivelmente estava tão obcecado quanto eu. Ele tentou fingir que não estava envolvido, mas, de vez em quando, eu percebia seus sentimentos pelo tom da sua voz ao telefone ou pela maneira como ele me olhava depois de fazermos amor, quando eu caminhava nua por seu apartamento. Mas, apesar do nosso romance ascendente, Marcus nunca pediu para que eu cancelasse o casamento. Nem uma vez. Nem mesmo quando eu o pressionei, lhe perguntando diretamente se ele queria que eu fizesse isso. Ele simplesmente me respondeu: — A escolha é sua, Darcy. Ainda era mais frustrante quando ele dizia que eu deveria me casar com Dex. Eu sei que falava isso por se sentir culpado, mas eu detestava ouvir. Embora não tivesse a intenção de cancelar o meu casamento e devesse aproveitar a liberdade de um caso sem compromisso, eu ainda queria ouvir Marcus me dizer que queria ficar comigo e que, se eu não contasse a verdade a Dex, ele contaria. Essas medidas combinariam com nosso estado de paixão, com a força
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irrefreável e inominada que nos unia. Mas esse não era o estilo do Marcus. Embora ele tivesse desrespeitado a lealdade entre homens ao dormir com a noiva de um amigo, ele não estava disposto a ir mais além e sabotar o casamento. Por isso, meu noivado com Dex continuou intacto, e eu estava dividida entre o meu noivo e o meu amante. Saía do apartamento de Marcus e ia ao meu, mudando completamente o foco: pegava os meus fichários e resolvia centenas de detalhes do casamento sem pestanejar. Apesar do meu envolvimento com Marcus, eu ainda tinha o sonho do casamento perfeito e acreditava que não havia ninguém melhor do que Dex para mim. Pelo menos no papel. Dex era muito melhor do que Marcus no papel. Em primeiro lugar, ele era mais bonito. Se fizesse uma pesquisa com cem mulheres, Dex receberia todos os votos. Marcus não era tão alto, seu cabelo não era tão grosso e seus traços não eram tão marcantes. Em outras categorias Marcus também ficava para trás: ele não se vestia tão bem, tinha uma péssima ética de trabalho, não ganhava muito dinheiro, não vinha de uma família tão boa, seu gosto não era tão refinado, havia traído suas antigas namoradas e era capaz de mentir a um amigo. Marcus apenas ganhava naquele item vago e intangível que pode ou não ser importante, dependendo da pessoa para quem você perguntar. Estávamos unidos por uma razão, que não podíamos entender. Pelo desejo, pela paixão, pela atração física. Ele era irresistível, apesar das imperfeições, e eu não conseguia evitá-lo. Não que eu tivesse tentado. Eu continuei com os meus planos de casamento, voltando para casa com Dex depois de fazer sexo intenso e caloroso com o seu padrinho. Eu queria me convencer de que acabaria com tudo antes do casamento e que, depois desse dia, eu seria uma esposa fiel. Eu estava apenas tendo o meu último caso. Apenas seguindo os meus instintos. Muitas pessoas fazem isso, por que eu não poderia? É claro que não contei a ninguém sobre nós. Nem para a minha mãe, com que eu partilhava tudo. Nem para a Claire, que não conseguiria entender por que eu trairia alguém da estirpe de Dexter e sabotaria o meu futuro. E, com certeza, nem para a Rachel. Porque ela me julgaria mal e eu sabia que ela se sentia atraída por Marcus.
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Eu quase contei a verdade só uma vez. Foi quando esqueci o meu anel de noivado no apartamento do Marcus e acusei a empregada dele de tê-lo roubado. Eu estava em pânico: preocupada se iria conseguir outro antes do casamento, preocupada em como contaria a Dex que o anel havia sumido e, de repente, preocupada se eu deveria me casar com Dex. Desesperada, procurei a Rachel. Ela sempre me ajudava a tomar decisões, mesmo sobre coisas triviais, como se deveria comprar uma bota na cor chocolate ou cru (naquela época isso não era tão trivial). Nesses momentos de dúvida, eu sabia que ela estava lá para me ajudar. Contei-lhe sobre o meu caso, mas omiti algumas coisas, dizendo que só havia acontecido uma vez. E disse que havia dormido com um cara do meu trabalho, em vez de Marcus. Eu só queria poupar os seus sentimentos porque, naquele momento, eu não me sentia pronta para contar toda a verdade. Como sempre, Rachel me deu conselhos sensatos. Sobre o fato, ela me convenceu de que foi apenas uma manifestação de insegurança, que apenas um homem ou uma mulher que possui inúmeras opções pode compreender. Ela me fez enxergar que, embora a paixão inicial de um intenso caso amoroso fosse o máximo, o que eu tinha com Dex era melhor, mais duradouro. Eu acreditei nela e decidi que me casaria com Dex. Então, em uma noite de agosto, cerca de três semanas antes do casamento, algo me fez ficar em dúvida. Eu tinha um jantar com um cliente que foi cancelado na última hora e decidi aparecer no apartamento de Marcus para fazer uma surpresa. Ele ainda não havia chegado a casa, mas convenci o seu porteiro a me emprestar a chave para que eu pudesse esperar por ele lá dentro. Subi as escadas, tirei a roupa, exceto os meus sapatos de salto com estampa de leopardo, e deitei no seu sofá, ansiosa para que ele chegasse a casa e me encontrasse assim. Passou cerca de uma hora e, quando eu estava quase dormindo, escutei a voz de uma mulher no hall de entrada e a voz baixa de Marcus, obviamente em sua companhia. Corri para me vestir, mas não consegui antes que Marcus e uma loira, que se parecia vagamente com a Stacey do restaurante, entrassem. Ela tinha um rosto bonito, mas o corpo tinha forma de pera, e, pior, usava sapatos de três coleções
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passadas. Ficamos os três frente a frente, distantes alguns centímetros. Eu estava completamente nua, com exceção dos meus sapatos de salto do estilista Manolo Blahnik. — Darcy, você me deu um baita susto — disse Marcus, sem parecer tão assustado assim. — Meu porteiro não avisou que você estava aqui. Consegui me cobrir com uma das camisetas sujas de Marcus que estava pendurada no sofá, mas não antes de perceber o olhar de inveja da garota para mim. — Acho que ele esqueceu — eu disse. — Vou embora — disse a loira, virando-se como um animal que foge de uma armadilha. — Isso mesmo — eu disse, apontando para a porta. — Tchau, Angie, eu... — disse Marcus. — Ele liga para você amanhã, Angie — eu disse, com um tom de sarcasmo. — Tchau, tchau. Assim que a porta se fechou, eu tentei bater nele enquanto gritava. — Seu sem-vergonha, mentiroso, você estragou o meu noivado, arruinou a minha vida. Lá no fundo, eu sabia que não tinha o direito de estar furiosa, uma vez que faltavam apenas algumas semanas para o meu casamento. E, ao mesmo tempo, eu sentia que tinha todo o direito de ficar assim. Por isso, continuei a gritar enquanto ele tentava tampar a minha boca com as mãos ou os braços, como fazia o meu professor de kickboxing. Ficamos assim, por algum tempo, até Marcus ficar zangado. Ele agarrou os meus braços, me sacudiu e gritou. — O que você achou que ia acontecer, Darcy? — Com Angie? — eu disse, esperando que ele fosse me dizer que eles eram bons amigos e que nada iria acontecer. — Não — ele disse desanimado. — O que você acha que vai acontecer depois de você se casar? Você já parou para pensar nisso?
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— É claro que sim — eu respondi, como se estivesse na defensiva. Eu não esperava esse tipo de pergunta. — E? — Eu nem sei se vou me casar — eu disse. É claro, eu tinha intenção de me casar, mas achava que tinha o direito de ficar indignada se as minhas núpcias acabassem por nada. — Bem, considerando que você se case — disse Marcus. — Você acha que continuaremos nos encontrando? — Não — respondi decidida. — Então, Jesus Cristo, Darcy! — ele gritou. — Já acho uma tremenda sacanagem estar dormindo com a noiva do meu amigo por quase dois meses, mas, você sabe, tudo tem um limite: eu não vou dormir com a sua esposa, caso você esteja pensando nisso. — Eu não estava pensando nisso — respondi. Se ele estava querendo entrar em solo profundo, eu também iria, embora o solo profundo estivesse em constante erosão. — Então, o que você está pensando? Você achou que eu iria fazer celibato depois do seu casamento? Correr atrás de você pelo resto da minha vida? Sair com vocês dois, pensando: “Puxa, que cara sortudo ele é. Como gostaria de estar em seu lugar!”. — Não — eu disse, embora eu gostasse dessa história de amor proibido. Quem não gosta? Quero dizer, há uma razão para que a história de Romeu e Julieta seja tão querida. — Então, Cristo, Darcy, o que você quer de mim?! — ele gritou mais alto, andando de um lado para o outro. Pensei por alguns minutos e disse, em voz baixa, com minha cara de cachorro sem dono: — Quero que você me ame. Ele fez um som de “ah!” e olhou para mim, triste. Tudo estava se voltando contra mim. Por que, de repente, eu era a bandida da história? Eu me sentei, puxando a camiseta sobre os joelhos. As lágrimas escorreram em meu rosto. Chorar sempre funcionava com Dex, mas não consegui dobrar o Marcus.
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— Ah, para de chorar! Para com isso agora! — Você me ama? — perguntei, cheia de esperanças. Ele balançou a cabeça. — Não estou participando do seu jogo manipulador, Darcy. — Não estou manipulando você... Por que você não me responde? — de repente, eu me vi em uma situação singular. — Por que você não me responde? Certo? Então, me diga: faz alguma diferença se eu te amar? Diz! Hum? Seu rosto estava ficando vermelho e suas mãos se mexiam desordenadamente. Exceto em algum evento esportivo ou competição, eu nunca tinha visto ele tão agitado assim, muito menos zangado e irritado. Por um segundo, fiquei encantada com a intensidade da sua reação e com o fato de ele citar a palavra “amor”. Foi a primeira vez que ele chegou perto de me contar o que sentia por mim. Mas então eu me lembrei de Angie e voltei a ficar furiosa. — Bem, se você realmente me ama, então por que saiu com a Angie? — apontei para a porta, por onde a minha fraca oponente havia saído. — Por que a trouxe aqui? Quem é ela? — Ela não é ninguém — disse ele. — Se ela não é ninguém — perguntei —, então por que você ia transar com ela? Eu esperava alguma desculpa, mas ele me lançou um olhar desafiador. — Você queria transar com ela? — perguntei. Ele esperou alguns minutos e depois respondeu: — Sim, isso estava nos meus planos. Dei um soco nos seus ombros. Minha mão doeu, mas ele não recuou. — Você é um babaca — eu disse. — Eu detesto você! Ele me lançou um olhar vazio e disse: — Vá embora, Darcy. Agora. Acabou. Nós nos encontraremos no seu casamento.
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Percebi que ele estava falando sério. Fiquei chocada, simplesmente não podia acreditar que tudo acabaria assim. — É isso o que você quer? Ele sorriu com desprezo. — E alguma vez você se interessou por outra coisa além do que você queria? — Ah, por favor — eu disse. — Como se você não estivesse gostando. — Claro. Foi divertido — disse ele, de forma superficial. — Então foi isso? Divertido? — Sim. Divertido. Uma rajada de vento. Uma viagem. Uma coisa boa em minha vida — disse Marcus. — O que você quer que eu diga? O que você quer de mim? Eu pensei um pouco e respondi de forma honesta. — Quero que você me queira. Não só por diversão. Não só pelo sexo maravilhoso. Quero que você me queira de verdade. Ele suspirou, sorriu e sacudiu a cabeça. — Certo, Darcy, eu quero você. Eu quero você. Eu quero que você seja só minha. Está feliz agora? Antes que eu pudesse responder, ele se virou de costas, foi para o banheiro e bateu a porta. Esperei um pouco antes de ir atrás dele e encontrar a porta destrancada. Ele estava encostado na pia, no escuro. Com a ajuda da luz do corredor, eu podia ver o seu rosto no espelho. Ele parecia triste, e isso me deixou surpresa e emocionada. — Sim — eu disse em voz baixa. — Sim o quê? — A minha resposta é sim. Estou feliz por você me querer — eu disse. — E eu amo você também. Ele me olhou de forma desarmada. Eu tive a minha resposta. Marcus me amava. Eu senti um fluxo de alegria, um sentimento de triunfo e de paixão. — Vou cancelar o casamento — eu disse, por fim. Mais silêncio.
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— Você ouviu o que eu disse? — Ouvi. — O que você acha disso? — Você tem certeza de que é isso que você quer? — Sim, tenho certeza. Na verdade, eu não estava totalmente certa, mas foi a primeira vez que tomei coragem para cortar o fio longo e seguro que me ligava a Dex e dar início a uma nova vida. Talvez isso tenha acontecido por eu ter visto Marcus com outra pessoa e por ter me dado conta de que tudo iria acabar em alguns dias se eu não tomasse uma atitude. Talvez tenha sido por vê-lo encostado na pia com aqueles tristes olhos castanhos. Talvez tenha sido por tê-lo ouvido dizer a palavra “amor”. E talvez, porque o meu estado emocional estivesse muito alterado ou porque eu não tivesse outro caminho, e acabaria com o clima se dissesse outra coisa. Momentos mais tarde, Marcus e eu estávamos fazendo sexo intenso e sem camisinha. — Estou quase lá — sussurra Marcus, depois de meus dois orgasmos. — Mais dois segundos — eu disse, lhe apertando forte. — Sim, vamos... Então, eu me movi depressa, sem me separar dele, sem me preocupar por estar no meu período fértil, provavelmente no dia mais fértil do mês. — O que você está fazendo? — ele gritou, com os olhos arregalados. — Você quer ficar grávida? Nesse instante, isso pareceu uma ótima ideia, a perfeita solução romântica. — Por que não? Ele deu um sorriso e disse que eu era louca. — Louca por você — respondi. — Nunca mais faça isso — disse ele. — É sério. — Tudo bem, papai — eu disse, embora não acreditasse que isso fosse possível. Por várias vezes em minha vida, principalmente na faculdade, eu havia me esquecido de
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tomar a pílula ou de me prevenir. Mas eu nunca ficara grávida. Na verdade, uma parte de mim acreditava que eu não poderia engravidar. O que era muito conveniente. Quando chegasse a hora, eu entraria em um avião para a China ou para o Camboja e escolheria um bebê. Assim como Nicole Kidman ou Angelina Jolie. E, num instante, eu me tornaria uma mãe glamorosa com o meu corpo intacto. — Isso não é engraçado — disse Marcus, sorrindo. — Vá fazer alguma coisa. Toma um banho ou coisa parecida, certo? — De jeito nenhum — eu disse, dobrando as pernas, a técnica que a minha amiga de ensino médio disse que usava com seu marido quando queria engravidar. — Nadem, pequenos espermas, nadem! Marcus sorriu e beijou o meu nariz. — Você é doida. — Sim, mas você me ama — eu disse. — Repete. Ele respirou forte e olhou fixamente para mim. — Acho que eu amo você, sua doida. Sorri, pensando que, finalmente, tinha conseguido o que queria. Marcus estava na minha. Ele seria meu quando eu quisesse. Nos dias seguintes, fiquei perdida, esperando algum sinal, qualquer sinal. Eu deveria escolher Dex ou Marcus? Casamento ou sexo? Segurança ou diversão? Então, no início de setembro, uma semana antes do meu casamento, eu obtive a resposta na forma de duas linhas paralelas cor-de-rosa em uma tira de plástico encharcada de urina.
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Qual é o resultado? — perguntou Marcus, a me ver sair do banheiro com a tira de plástico na mão. Ele estava me esperando no sofá enquanto lia uma revista esportiva. — Aqui diz... Parabéns, papai! — Fala sério. — É sério. — Você está me sacaneando. — Não. Eu estou grávida. Marcus encostou de novo no sofá e fechou a revista. Eu me sentei ao seu lado, peguei as suas mãos e esperei a sua reação. Talvez um abraço, um carinho, algumas lágrimas. — E... Você tem certeza... De que é meu? — Sim — eu disse. — Essa pergunta é grosseira e indelicada. Eu não transo com Dex desde, bem, desde que comecei a transar com você. E você sabe disso. — Tem certeza? Nem mesmo uma vez este mês? Não é hora de esconder as coisas, Darcy. — Sim, eu tenho certeza — disse com convicção. Era verdade, graças a Deus. Lembrei-me do meu amigo do ensino médio, Ethan, que tinha cabelos claros e olhos azuis, e de que havia casado com sua namorada, Brandi, que também era loira e estava grávida. Meses mais tarde, ela deu à luz a um bebê de pele escura com olhos cor de chocolate. Rachel e eu sentimos muito por Ethan, pela dor e pela humilhação que ele teve de
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passar durante o divórcio. Na verdade, senti pena de Brandi. Por alguma razão, eu me identifiquei com ela de uma forma carinhosa e livre de julgamentos. Sei que ela deve ter sofrido muito durante os nove meses, torcendo e rezando para que o bebê se parecesse com o seu marido e não com um nativo do Alaska com quem dividira um iglu uma vez. A espera deve ter sido agonizante. Só de pensar sinto uma dor no estômago. Foi muita sorte eu não ter feito sexo com Dex no último mês. Eu tinha certeza de que o bebê era do Marcus. Coloquei a tira de plástico em cima da mesa de centro e olhei as duas linhas rosa. — Uau! — eu disse, sentindo uma tontura. — Um teste positivo. Eu nunca tinha visto isso antes... E já tinha feito muitos. — Devemos fazer outro teste? Só para confirmar? — perguntou Marcus, tirando outra embalagem de dentro da sacola. — Tenho testes de duas marcas. — Não é comum ocorrer erros em testes de gravidez — eu disse. — Todos funcionam da mesma forma. — Faz o que eu estou pedindo — disse Marcus, ao abrir a embalagem de outro teste. Suspirei ao lembrar que havia guardado a caneca onde havia feito xixi em seu banheiro. A expressão de Marcus mudou. — Você fez xixi na caneca do meu time de futebol, Denver Broncos? — Sim, qual o problema? — É a minha caneca favorita — disse, em voz baixa. — Ah, pelo amor de Deus, é só lavar depois — eu disse. — E você nunca ouviu falar que a urina é totalmente estéril? Marcus fez uma careta. — Desde quando você se preocupa com germes? — perguntei, olhando para a bagunça do seu apartamento. — Nunca mais vou conseguir beber naquela caneca — resmungou. Coloquei a outra tira de plástico dentro da preciosa caneca. Depois, contei lentamente até cinco em voz alta,
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antes de tirá-la e colocá-la em cima da mesa, ao lado do primeiro teste. Marcus aguardava o resultado olhando para o relógio quando eu falei: — Uma cruz! Isso significa positivo! — Deixe-me ver — disse ele, com os olhos arregalados de surpresa ao examinar a tira, comparando-a com o quadro que havia atrás da embalagem. — A linha está um pouco apagada se comparada à da figura. — Uma cruz apagada ainda conta — eu disse. — O fato é que ninguém pode estar um pouco grávida. Aqui. Leia as instruções. Marcus passou os olhos pelo manual, esperando encontrar alguma observação, algum aviso sobre a possibilidade de erro no resultado. Uma expressão de medo surgiu em seu rosto quando colocou o manual em cima da mesa. — E agora? — Bem, para começar, vamos ter um filho em cerca de nove meses — eu disse, cheia de alegria. — Você não pode estar falando sério — sua voz tinha um tom de nervosismo. Eu olhei para ele e disse que estava falando totalmente sério. Depois, peguei as suas mãos. Marcus estava sério. — Você tem certeza de que é isso o que você quer? Porque temos outras opções. A sugestão foi clara. Eu ergui o queixo e disse: — Não sou a favor do aborto. Não sei por que eu disse isso, uma vez que sou a favor do livre-arbítrio. Além disso, eu não queria ser mãe naquele momento da minha vida. Eu não tinha nem um pouco do instinto maternal que muitas amigas estavam sentindo aflorar com a chegada dos trinta anos. E eu certamente não queria ganhar peso ou ter toda aquela responsabilidade e aquelas restrições à minha liberdade e à minha vida noturna. Mas, naquele momento, eu estava inexplicavelmente feliz com o resultado positivo. Talvez porque eu estivesse tão
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apaixonada por Marcus que a ideia de ter um filho com ele me parecesse emocionante. Um ato de extremo romantismo. Ou talvez eu gostasse do sentimento de estar mais unida a ele. Não que eu tivesse dúvidas dos seus sentimentos. Poderia dizer que ele era louco por mim, à sua maneira. Ele era um daqueles caras difíceis de controlar e estar grávida dele aumentava o meu domínio sobre ele. Eu não tinha planejado a gravidez. Não foi bem assim. Eu me lembrei do dia em que transamos após a nossa reconciliação. Era certo que isso ia acontecer. E outra coisa estava clara para mim naquele momento: um teste de gravidez positivo indicava que eu tinha de cancelar o meu casamento. Sentir-me aliviada com isso significava que eu havia encontrado a resposta: eu não queria me casar com Dex. Até fiquei triste por Dex e pelo nosso casamento de conto de fadas, por fazer parte de um drama ainda maior. — Vou contar tudo a Dex, hoje — disse isso com tanta calma que fiquei surpresa. — Que você está grávida? — perguntou Marcus, assustado. — Não. Apenas que o casamento será cancelado. — Tem certeza de que é isso que você quer? Tem certeza de que quer ter um filho? — perguntou ele, em pânico. — Positivo — e olhei para os testes. — Positivo. Entendeu? Marcus sentou-se, parecendo estar chocado e um pouco irritado. — Você não está feliz? — lhe perguntei. — Sim — ele respondeu. — Mas... Mas eu acho que devemos ir mais devagar e discutir nossas... Opções. — Ele parecia confuso. — Eu podia jurar que você era a favor do livre-arbítrio. — Certo. Eu sou a favor do livre-arbítrio — disse em um tom exagerado. — E escolhi ter esse bebê. Nosso bebê. — Bem, você pode pensar mais um pouco... — Você está me magoando — eu disse.
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— Por quê? — Porque eu quero ter esse bebê — respondi, um pouco irritada. — E eu esperava que você também quisesse... Não acredito que você ainda não me abraçou. Marcus suspirou e me abraçou. — Diz que você está feliz. Um pouco feliz — sussurrei em seu ouvido. Marcus olhou para mim e disse de forma pouco convincente. — Eu estou feliz. Só acho que talvez devêssemos ir mais devagar e pensar melhor nas coisas. Talvez você deva conversar com alguém. Eu lhe lancei um olhar de desprezo. — Você está sugerindo um psicólogo? — Pode ser? — Isso é ridículo! As pessoas procuram ajuda de um psicólogo quando estão desesperadas. Mas eu estou emocionada — disse. — Mesmo assim, você pode esclarecer algumas dúvidas — disse Marcus. Ele sempre generalizava as coisas relacionadas ao nosso relacionamento, algumas dúvidas, essa coisa, nosso acordo, a situação e, às vezes, mexia rapidamente as mãos. Eu sempre ficava irritada por ele achar que um movimento de mãos pudesse capturar a nossa essência. Nós éramos muito mais do que isso. Especialmente agora. Nós seríamos pais. — Não tenho nenhuma dúvida. Estou apaixonada por você. Quero ter o nosso filho. E ponto. — Mesmo dizendo isso, eu sabia que não era tão simples. Isso talvez fosse aquilo ou alguma coisa e alguma coisa junto de outra. Mas eu continuei decidida. — Agora, se você me der licença, eu tenho de cancelar um casamento. E foi exatamente o que fiz. Fui direto para o Upper West Side para dar as notícias ao meu noivo. Encontrei Dex guardando a roupa que havia chegado da lavanderia, tirando o plástico e separando suas camisas azuis das brancas. Por um momento, quase perdi a coragem. Eu não conseguia me imaginar contando a Dex que depois de anos de namoro nós
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deveríamos terminar tudo. Mas eu me lembrei de Marcus e tomei coragem novamente. — Precisamos conversar — eu disse, séria. — Tudo bem — respondeu Dex. E posso dizer que ele já esperava o que eu iria lhe dizer. Ele parecia não estar percebendo nada durante as últimas semanas, mas a sua expressão, naquele momento, me mostrou que mesmo os homens podem ter intuição. Algumas frases depois, o nosso casamento estava cancelado. Uma relação de sete anos havia terminado. Foi estranha a maneira tão rápida como tudo aconteceu. Tecnicamente, foi Dex quem terminou, dizendo que o nosso casamento seria um erro. Ouvi-lo dizer a palavra “erro” em relação a mim fez com que eu voltasse no tempo, mas, depois, compreendi que ele apenas estava se dando conta da realidade que eu havia criado. Ele estava reagindo ao meu estado físico e emocional com relação a ele. Eu olhei para ele, com aquelas roupas embrulhadas em sacos plásticos, e senti pena. Beijei o seu rosto impecavelmente barbeado e disse o que as pessoas sempre dizem quando terminam um relacionamento de forma amigável: que desejava o melhor para ele e que esperava que ele fosse feliz. E eu estava sendo sincera. Não queria que Dex morresse sozinho. Mas, para ser honesta, posso dizer que desejava que ele sofresse por um longo tempo antes de arrumar outra namorada, uma namorada que nunca estivesse aos meus pés. Mal sabia que ele estava procurando uma substituta no apartamento da minha melhor amiga.
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Na manhã seguinte ao grande fiasco do armário, acordei na cama de Marcus, um pouco desorientada. Eu só havia passado a noite com ele uma vez antes disso, quando Dex tinha viajado a negócios para Dallas, mas eu tinha ido embora bem cedo, na manhã seguinte, enquanto ainda estava escuro. Por isso, essa vez não contava como uma noite inteira com ele. Essa manhã era diferente. Tudo estava diferente. Olhei ao redor, notando como o sol brilhava dentro do apartamento. Foi quase como se eu estivesse vendo tudo pela primeira vez, como se tivesse visto Marcus pela primeira vez. Avaliei o seu perfil e o seu começo de calvície (ainda sexy), lembrando que a nossa saga havia terminado. Marcus e eu estávamos de acordo e à espera do nosso bebê. Eu não precisava mais me preocupar com Dex. Senti a adrenalina correr ao pensar que iria contar tudo aos meus amigos, colegas de trabalho e conhecidos. Queria saber a desculpa que Dex daria aos seus pais e familiares, e pensei em todos os rompimentos de celebridades, desejando ter um porta-voz para contar a história, para escolher e dar uma única versão. Mas, depois de sete anos, você acaba conhecendo bem uma pessoa, e eu tinha quase certeza de que Dex iria guardar os detalhes sórdidos em segredo. Então, eu poderia manipular as coisas. Pensei nas minhas opções. Eu poderia contar toda a verdade, confessar a minha relação com Marcus. Ou poderia ocultar Marcus e jogar toda a culpa em Dex e Rachel. Ou poderia criar uma aura de mistério. Estava tentada a contar a história do armário e colocar as pessoas contra Dex e Rachel, mas não queria parecer uma
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perdedora. Tinha que zelar pela minha reputação de diva. Afinal, divas não são passadas para trás. Por isso, decidi que contaria a todos que eu havia terminado com Dex. Simplesmente diria que estava muito triste com o fim do nosso relacionamento, mas que tinha sido melhor assim porque não deveríamos ficar juntos. Eu adotaria um tom de “eu vou sobreviver”. Isso faria com que as pessoas ficassem do meu lado e, ao mesmo tempo, ficassem admiradas por eu ter terminado um relacionamento com um homem moreno, alto e tão bonito como Dex. Eu omitiria a parte que envolve o nome do Marcus por algum tempo. E, é claro, não contaria sobre a gravidez. Queria assumir o papel da mulher que decide e não da mulher que trai. Meu público saberia a verdade na hora certa, mas eu me preocuparia com isso depois. Nesse intervalo, apenas cruzaria os dedos para que ninguém descobrisse que Dex e Rachel estavam juntos. Quer dizer, com certeza eles não seriam vistos juntos. Era absolutamente impossível. Ela não fazia o seu tipo. Ele apenas a usara em um momento de fragilidade. Ele estava perdido e ela era uma boa amiga para lhe confortar. No caso de Rachel, ela não resistiu ao homem mais atraente que havia cruzado o seu caminho. Uma garota como Rachel só teria esse tipo de oportunidade uma vez na vida. Mas ela cairia em si e voltaria aos seus namorados comuns de sempre. Ela nunca sairia com um ex-namorado meu. Era uma regra simples e Rachel adorava cumprir regras. Tinha certeza de que ela já estava se sentindo culpada por sua ligeira fraqueza. Logo ela estaria rastejando atrás de mim, explicando de forma eloquente como estava arrependida. E se ela implorasse por muito tempo, falasse sobre a nossa amizade com muita paixão, eu poderia aceitar as suas desculpas, mas levaria muito tempo para voltar a considerá-la a minha melhor amiga. Eu olhei para o Marcus novamente, que dormia com uma mão atrás da cabeça, e a outra para fora da cama. Sua sobrancelha estava repartida como se ele tivesse fazendo uma longa divisão em seu sono. Então ele fez um beicinho sexy, que acentuou a covinha em seu queixo. De repente, seu rosto se transformou no rosto de Dex, como no final do clipe da música Black or White do Michael Jackson.
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— Marcus, acorda — eu disse, sacudindo o seu braço. — Estou começando a pirar. Ele continuou a roncar. Eu me inclinei e lhe dei um beijo. Ele fez um barulho estranho, abriu um olho e murmurou: — Bom dia, Darcy. — Você acha que eles estão juntos agora? — perguntei. — Eu já lhe disse — ele respondeu. Eu acho que ele estava se referindo ao “não” que havia dito várias vezes na noite anterior. — Responde novamente. — Ah... Eu duvido. Tenho certeza de que você acabou com o clima e que ele foi embora. Decidi acreditar nele. — Tudo bem... Mesmo assim, acho que não posso ir trabalhar hoje. Estou muito dispersa. Você pode ligar para o seu trabalho e dizer que está doente também? Em sete anos de namoro, Dex nunca faltou ao trabalho para ficar comigo, a menos que realmente estivesse doente. As coisas seriam diferentes com Marcus. Nossa vida seria muito mais espontânea e divertida. — Claro que sim — disse Marcus. — Tudo bem, você me venceu. Vou ter de continuar dormindo. Eu senti uma sensação de vitória, mas depois percebi que, de alguma maneira, estava ansiosa para ver a reação das pessoas ao escutar a minha história, e então eu disse em um tom de mártir: — Acho que devo ir trabalhar e encarar os fatos. — Encarar os fatos? — Você sabe... Contar a todos que o casamento foi cancelado. — Humm-mmm. — O que você acha que eu devo dizer? Sem resposta. — Marcus!
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— Você não precisa contar nada a ninguém — disse Marcus, rolando o corpo em minha direção. — Isso não interessa a ninguém. — É claro que eu tenho de contar. Eles acham que eu vou me casar no sábado. Alguns foram convidados. Eu admirava esse jeito despreocupado de Marcus encarar a vida, mas isso era um exemplo perfeito de como ele menosprezava o esforço necessário em algumas situações. Isso poderia ser um problema mais tarde, se ele menosprezasse meu desejo de ganhar coisas boas no meu aniversário, no Natal, Dia dos Namorados e em outros dias do ano. Dex sabia o segredo, ele me mandava flores todos os meses no mesmo dia, o que significava um hábito e não um ato carregado de emoção, mas era gentil da sua parte. Atenção era atenção. Coisas boas eram coisas boas. Mas Marcus poderia ser treinado, eu tinha certeza disso. Qualquer homem pode ser treinado. Eu gostava do desafio de moldar meu novo namorado em um marido e um pai responsável, mas que ainda fosse sexy e espontâneo. De agora em diante, eu tinha de lhe fazer entender que contar as novidades aos meus colegas seria uma grande prova emocional e que eu precisaria do seu apoio, isto é, ligações e e-mails durante esse dia. Talvez até me der ao luxo de que esperasse por mim em seu apartamento. Eu o imaginei indo até a porta com uma caixa de presente e um sorriso apaixonado. — Eu sei que você precisa avisar as pessoas que foram convidadas — disse Marcus. — Só acho desnecessário explicar tudo em detalhes. Apenas envie um e-mail coletivo e não fale mais nisso. — Mas eles vão me perguntar o que aconteceu — eu disse, pensando quão desapontada ficaria se eles não fizessem isso. — As pessoas querem detalhes. — Eu sei como você é, adora saber de tudo, mas nem todos são como você. — Todos são como eu no mundo das relações públicas. Acredite em mim. Nosso trabalho é reunir pessoas, ganhar dinheiro e falar da vida dos outros. E isso é muito divertido.
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— Bem, só estou dizendo que cabe a você dizer às pessoas que elas devem se preocupar com a vida delas — disse Marcus. Respondi que esse não era o meu estilo. Então, me levantei rapidamente, resistindo à vontade de transar. Afinal, eu tinha muito a fazer durante o dia. Tomei banho, me maquiei e abri o armário de Marcus, que estava cheio de roupas minhas que eu havia trazido na noite anterior. Escolhi uma saia-envelope , uma blusa com decote “v” e um sapato Chanel. Depois, fui ao banheiro para me despedir de Marcus, que estava cantando Purple Rain com toda a força dos seus pulmões e, mais impressionante ainda, sem desafinar. — Nós nos vemos à noite, querido! — disse dentro do banheiro. Ele parou de cantar e colocou a cabeça para fora da cortina. — Boa ideia... Vem aqui e me dá um beijo rápido. — Não posso. O vapor vai acabar com o meu cabelo — eu disse, mandando um beijo do corredor. Depois, fui caminhando pelas ruas agitadas da cidade até chegar ao metrô, enquanto pensava em como daria a notícia aos meus amigos. Eu poderia contar à Claire, minha colega de trabalho e atual melhor amiga, e ela poderia contar para todo mundo. Mas daí me lembrei de que ela estaria em uma reunião fora do escritório com um cliente potencial, e eu não conseguiria esperar por ela. A solução era enviar um e-mail coletivo, escolhendo, como Marcus sugeriu, o tom mais adequado. Quando cheguei ao escritório, me sentei em frente ao computador e, rapidamente escrevi:
“Bom-dia a todos. Gostaria de informar que não haverá casamento este sábado. Foi uma decisão difícil, mas acho que estou fazendo a coisa certa. Sei que é um pouco estranho mandar um e-mail coletivo para tratar de um assunto tão pessoal, mas foi à maneira mais fácil...”
Perfeito. Era forte e emotivo. E o mais importante, deixava claro que a iniciativa tinha sido minha. Reli o texto para ver se estava faltando alguma coisa. Acrescentei
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reticências no final. Sim. Perfeito. Esses três pontinhos representariam o som da minha voz desaparecendo misteriosamente. Agora, o assunto. Devo escrever “casamento”, “cancelamento” ou “notícias”? Nenhuma opção me agradou, então deixei o assunto em branco. Depois, enquanto eu selecionava as pessoas para as quais enviaria o e-mail avassalador, meu telefone tocou. — Darcy — meu chefe, Cal, disse com sua voz ofegante e afeminada. — Como você está? — Não muito bem, Cal — respondi com a minha voz de “não posso fazer nada agora”. Voz que ele conhecia bastante. Era o lado bom de trabalhar para Cal. Ele era facilmente manipulado. — Bem, posso falar com você na Sala de Conferência C? — Por quê? — Precisamos falar sobre o “Desafio de golfe das celebridades”. — Agora? — Sim, se você puder. Tudo bem? Suspirei o mais alto possível. — Tudo bem — respondi. — Estou indo para lá. Droga! Se eu tivesse chegado alguns minutos mais cedo, ele estaria abrindo os meus e-mails e contatando outra pessoa para resolver o assunto do torneio de golfe. Eu tinha certeza de que, se eu tivesse lhe contado as novidades, ele passaria o projeto para outra pessoa, principalmente se eu tivesse derramado algumas lágrimas. Na verdade, eu poderia até conseguir algumas semanas de afastamento do trabalho. Talvez Marcus e eu pudéssemos sair de férias juntos. Eu minimizei o meu e-mail, decidindo que revisaria o texto antes de enviá-lo, e fui para a sala de conferências. Abri a porta com uma expressão triste. E vi a equipe inteira da Carolyn Morgan e Associados na minha frente, todos dentro da sala gritando “Surpresa!” e me parabenizando de forma calorosa. Havia uma caixa azul gigante da Tiffany sobre a mesa laqueada e um delicioso bolo cor de marfim com dizeres em pink estava do outro lado. Meu
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coração acelerou. “Fale com o seu público!”, “Fale sobre o seu drama!” — Nós sabíamos que você estava esperando a sua festa mais tarde! — gritou Claire. — Peguei você! Achava que eu tinha uma reunião, né? Ela tinha razão. Eles tinham me pegado de surpresa. Mas eu estava prestes a fazer o mesmo com eles. Uma surpresa maior. Sorri, um pouco hesitante, e disse: — Vocês não deveriam. — É claro que deveríamos — disse Claire. — Não. Vocês realmente não deveriam — eu disse. Cal se aproximou de mim e colocou os braços em meus ombros. — Discurso — disse ele. — Estou sem palavras. Estou literalmente sem palavras. — Impossível — disse Cal. — Faz anos que conheço você e nunca vi isso acontecer. Ouço risos na sala, confirmando que, na verdade, eu era a que mais falava naquele lugar. Limpei a garganta novamente e dei um passo para frente, com um sorriso acanhado. — Bem. Agradeço muito a todos vocês... Mas... Não vai haver casamento. Não vou me casar. Cal e outras pessoas sorriram novamente. — Sim. Sim. Você vai se enforcar como nós, pobres tolos casados — disse ele. Eu sorri corajosamente e disse: — Não. Na verdade, eu cancelei o casamento esta semana. Como um voluntário da Cruz Vermelha durante um incêndio em um orfanato, Claire entrou em ação. — Ai meu Deus! Não! Não diga isso! — Ela colocou a mão na testa e me carregou para fora da sala de conferência, de volta ao meu escritório, com as mãos em minha cintura, como seu eu fosse desmaiar a qualquer momento.
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— Que raios está acontecendo? — ela me perguntou quando ficamos sozinhas. — Acabou — suspirei. — Por quê? Você e Dex faziam um casal perfeito! O que aconteceu? — É uma longa história — respondi, meus olhos se encheram de lágrimas ao me lembrar de Dex no armário de Rachel. Apesar de todos os meus planos, eu não consegui esconder o que tinha acontecido. Eu precisava do seu apoio. Eu precisava ouvi-la me dizer que Dex não poderia estar interessado na chata da Rachel. Então, contei tudo a ela. — Terminamos esta semana, e, ontem à tarde, descobri que Dex e Rachel estavam juntos. — O quê? — Claire ficou de boca aberta. — Sim, pode acreditar. — O que você quer dizer com juntos? Você tem certeza? — Sim. Fui contar à Rachel o que havia acontecido e Dex estava lá, de cuecas, agachado, escondido no armário. — Não! — Sim — eu disse. — Ai, meu Deus. — Claire colocou as mãos na boca e sacudiu a cabeça. — Eu... Eu nem sei o que dizer. Eu apenas não... O que ele tinha na cabeça? O que ela estava pensando? Como eles puderam fazer isso? — Por favor, não conta para ninguém — eu disse. — Isso é humilhante. Imagina, a minha madrinha! — É claro que não. Eu prometo — disse Claire, fazendo uma cruz em seus lábios pintados com batom da cor rosa chiclete. Ela ficou em silêncio por alguns minutos antes de tentar me consolar. — Foi um lance de uma noite? — perguntou ela. — Deve ter sido um lance de uma noite, você não acha? — Sim, tenho certeza. Dex nunca gostaria dela. — Eu sei. Não consigo entender. Não há uma explicação, certo?
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— Sem explicação. Ele simplesmente não trocaria você por ela. Ela é muito comum, e... Eu não sei... Eu sei que ela é sua melhor amiga, por isso não quero falar mal dela. — O quê? Ela não é mais a minha melhor amiga. Eu a desprezo. — Entendo perfeitamente — disse Claire, pronta para continuar a falar de Rachel. Então joguei para ela os ossos que tanto queria. — Você é a minha melhor amiga agora. Claire apertou as mãos e olhou para mim como se fosse chorar. Desde nossos dias de colega de quarto, Claire aspirava por essa posição de melhor amiga. Às vezes, ela chegava a ser subserviente. Mas era o que eu precisava naquele momento, e ela me deixava satisfeita. — Oh, Darcy! Estou aqui para o que precisar. — Obrigada — eu disse. — Fico feliz em saber. — Vamos nos divertir muito agora que está solteira novamente — disse ela. — O que vai fazer esta noite? Henry Fabuss vai fazer uma grande festa para comemorar seus 30 anos. Precisamos ir. Ele é superdivertido, e é o máximo, você sabia? Todo mundo vai estar lá. Assim você esquecerá isso tudo. — Esta noite não — eu disse. — Acho que preciso de algum tempo sozinha. Na verdade, acho que vou para casa agora. Não consigo ficar aqui e não quero que ninguém me veja chorando. — Você quer que eu vá também? Tenho certeza de que Cal me deixaria ir com você — disse ela. — Podemos fazer compras. A terapia do varejo. — Não, obrigada. Acho que preciso ficar sozinha — eu disse, apesar de estar planejando ficar com Marcus. — Tudo bem — disse ela, desapontada. — Entendo. — Eu só preciso mandar esse e-mail antes de sair. Você pode ler e me dizer o que acha? Revisar meus e-mails costumava ser a função da Rachel. Ela era muito boa nisso. Prometi não pensar mais nela. Ela não era bem-vinda até que me pedisse desculpas em público.
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Enquanto isso, Claire assumia sua função com seriedade, sentando perto do meu monitor e lendo o meu e-mail duas vezes. Por fim, ela olhou para mim e deu um sinal de que estava tudo bem, tudo certo. Então, eu o enviei e saí requebrando pelo hall, sentindo prazer com os olhares e sussurros dos meus colegas pelo caminho.
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Marcus concordou em sair mais cedo do trabalho para encontrar-se comigo no seu apartamento, e transamos de forma maravilhosa. Depois disso, eu descansei a cabeça em seu peito e contei o que havia acontecido comigo na sala de conferência. — Estou surpreso por você não ter trazido à caixa da Tiffany — disse ele, depois que terminei de contar a história. — Eu bem que queria... Aposto que era uma coisa boa... Ah, tudo bem! Ganharemos outra quando nos casarmos. Sem resposta. — Você quer falar sobre isso? — fiz uma sondagem, apertando o seu braço. — Falar sobre o quê? — Sobre o nosso casamento. — Humm... Tudo bem. Sobre o que você quer falar exatamente? — Bem, você não quer se casar antes de o nosso bebê nascer? — perguntei, pensando que eu não conseguiria manter o foco na minha gravidez até que todos os detalhes sobre o nosso relacionamento fossem esclarecidos. Além disso, eu estava com muita vontade de casar. Não havia razão para deixar essa passar. Eu até planejei usar o mesmo vestido, sabendo que não encontraria outro melhor. — Acho que precisamos falar sobre isso. Você não acha? — Acho que sim — disse ele, relutante.
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Preferi fingir que não percebi o seu tom de voz e continuei. — Tudo bem. Então, quando você acha que podemos casar? — Eu não sei. Em seis meses? — Quando eu estiver com a barriga enorme? Não, obrigada. — Cinco meses? — Marcus! — Quatro? — Não. Muito tempo. Acho que podemos fazer isso em breve. Ou assim que terminarmos de fazer nossos planos. — Achei que tinha ouvido você dizer que queria deixar as coisas rolarem. Na verdade, eu tinha dito isso algum tempo atrás. Quando eu ainda me preocupava com os sentimentos de Dex. Quando eu ainda não tinha certeza de que iria ficar com Marcus. Agora eu quero ter um lindo casamento só para irritar Dex e Rachel, e convidar todos os nossos amigos. Eu convidarei os pais de Rachel também, e assim eles poderão contar como eu estava bonita, como estava feliz com o meu novo relacionamento e como foi emocionante o discurso de Claire. — Bem, estava pensando em organizar uma festa. Uma festa pequena. Com cerca de 50 convidados — na minha conta seriam mais de 100, uns 125 convidados, mas eu o convenceria depois. — Cinquenta? Só os familiares mais próximos? — ele perguntou enquanto coçava o pescoço. — Sim, mais ou menos. E nossos amigos mais íntimos. Ele sorriu. — Dex e Rachel? Eu olhei para ele. — Não? — ele perguntou, com uma risada irônica. — Não vamos convidar Dex e Rachel?
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— Fala sério! O que você acha de nos casarmos de verdade? Ele encolheu os ombros e disse: — Não sei. Não gosto muito dessas coisas. Acho que deixar as coisas rolarem ainda é a melhor opção. Ou podemos fugir. Eu não sei. Precisamos falar sobre isso agora? — Tudo bem — suspirei, aceitando o fato de que ele provavelmente não teria gostado da ideia do casamento. Mas qual homem gosta? A não ser aqueles tipos repugnantes e afeminados que aparecem naqueles programas de televisão sobre casamentos. E quem quer um marido assim? Marcus e eu voltamos para casa depois do jantar e eu fui ouvir as mensagens no celular. Eram 22 mensagens de colegas de trabalho e 14 de familiares. Trinta e seis mensagens em oito horas. E apenas duas falavam de assuntos relacionados ao trabalho. O que significa que havia recebido 34 ligações que tratavam de assuntos particulares. Tratei o evento como se fosse um grande recorde pessoal. Sentei-me à mesa de Marcus, ouvindo as palavras de apoio e anotando-as em um bloquinho de papel. Quando cheguei à última mensagem, a terceira de Claire, olhei para Marcus. — Eles não ligaram — eu disse, chocada. — Nenhum dos dois. — Você achava que eles ligariam? — perguntou Marcus. — Sim. Eles me devem desculpas. Principalmente Rachel. — Mas você não disse que não queria falar com ela nunca mais? Olhei para ele irritada. — Mesmo assim ela deveria tentar falar comigo para se desculpar... Marcus encolheu os ombros. — E no caso de Dex, preciso falar com ele. Sobre logística. Coisas do casamento — eu disse. — Não acredito que nenhum deles tenha me ligado. Marcus encolheu os ombros novamente.
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— Não sei o que dizer. — Certo. Só para que você fique sabendo, eu detesto essa frase. — Que frase? — “Eu não sei o que dizer”. — Bem, eu realmente não sei o que dizer. — Eu não sei o que dizer — repeti. — É isso que um mecânico diz quando não consegue consertar alguma coisa. “Mas acabei de comprar o carro”, você diz, e ele responde: “Eu não sei o que dizer”. Tradução: “Não é problema meu e eu não estou nem um pouco preocupado”. Marcus sorriu. — Desculpe... Não vou mais dizer isso. — Obrigada — eu disse, ainda segurando o telefone. — Você acha que eu devo ligar para o Dex? — Você quer ligar para ele? — Marcus perguntou enquanto olhava a sola do pé para ver se encontrava um calo. — Não é uma questão de querer. É uma questão de precisar. Temos de resolver questões logísticas — eu disse, tirando as suas mãos da sola do pé. — Coisas como dispensar o fotógrafo, o buffet e a banda. E avisar a todos os convidados da nossa lista. As passagens da lua de mel. A sua mudança. — Então liga para ele. — Mas ele deveria me ligar primeiro. — Então espera ele ligar para você. — Olha aqui. É melhor você começar a se interessar mais por esses detalhes. Caso tenha se esquecido, você é parte integrante dessa saga e é melhor começar a demonstrar algum interesse por ela. Marcus fez uma cara de “eu não sei o que dizer”. Nos próximos dias, à medida que ia se aproximando a data do meu suposto casamento, os problemas foram aumentando. Mais telefonemas, e-mails e longas conversas com Claire para tentar explicar por que Dex estaria saindo com Rachel, conversas ainda mais longas com a minha mãe,
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que sempre chorava e parecia não aceitar o fato de que eu não iria mais me casar com Dex. Mas ainda não havia recebido nenhuma ligação de Dex e Rachel. Isso me deixou furiosa. Apesar de não querer ser a primeira a telefonar, desisti de esperar e liguei para Dexter. Discutimos apenas questões financeiras: o dinheiro que ele devia para mim, o número de dias que ele demoraria em desocupar o meu apartamento, esse tipo de coisa. Depois de lhe dar algumas ordens, fiz uma pausa, esperando ele me dizer que tinha terminado com Rachel e que estava apenas usando-a para fazer ciúmes para mim. Como ele não disse nada, concluí que ele ainda estava muito magoado com Marcus e que, na verdade, queria que eu pensasse o pior. Eu não lhe daria a satisfação de perguntar sobre ela. Nem perguntaria onde ele estava morando. Sem coragem de pedir ajuda aos amigos, ele deveria estar em um hotel. Eu o imaginava pedindo um sanduíche para o serviço de quarto e pegando uma garrafa de whisky do frigobar para colocar na Coca-Cola, enquanto procurava algum filme na televisão nas opções do Pay-per-view. — Bem. Adeus, Dex — eu disse da forma mais enfática possível. Era assim. Ele tinha mais uma chance de me dizer alguma coisa, as últimas palavras, algumas desculpas. Talvez até me dizer que estava arrependido ou que estava com saudades. — Tudo bem, então. Tchau, Darcy — ele disse sem qualquer sinal de emoção. Eu afirmava para mim mesma que ele ainda não tinha digerido tudo o que tinha acontecido. Quando isso acontecesse, ele entraria em depressão profunda, cairia bêbado em algum lugar da cidade. No dia do meu suposto casamento, Marcus e eu ficamos em casa, pedimos comida chinesa e transamos duas vezes. Durante a noite eu repetia como estava feliz por não ter cometido o maior erro da minha vida. Na verdade, eu estava um pouco ansiosa. Não porque eu quisesse me casar com Dex. Não porque eu sentisse falta de Rachel. Estava indignada demais para sentir saudades deles. Tinha a ver com o casamento, com a festa que quase acontecera. — Seria o evento do ano — disse a Marcus.
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— Ouvi dizer — respondeu Marcus. — Eu poderia estar com os meus amigos de faculdade agora, bebendo de graça. Dei um tapa no seu braço e lhe obriguei a retirar o que havia dito. Ele ficou sem graça e colocou a terceira lata de cerveja em cima da mesa. — Mas eu não estava nem um pouco a fim de me arrumar, detesto usar smoking. Estava me sentindo ofendida com a apatia dele nesta importante noite que passamos juntos, mas podia dizer que, lá no fundo, ele estava muito feliz por ter ganhado um prêmio chamado Darcy. Eu estava no centro de um triângulo amoroso em que um garoto rouba a namorada de outro garoto. Marcus era o vitorioso e Dex tinha ficado tão desolado que acabara se envolvendo, de certa forma, com Rachel, seu prêmio de consolação. Pelo menos era assim que eu enxergava as coisas naqueles doces dias.
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Eu não tinha consciência da minha gravidez até a semana seguinte, quando fui à minha primeira consulta do pré-natal. Marcus foi comigo, mas só depois de muita insistência. Enquanto estávamos sentados na sala de espera, eu preenchia os formulários do meu convênio médico e ele folheava uma revista, com cara de quem gostaria de estar em qualquer outro lugar do planeta. Quando a recepcionista chamou o meu nome, eu me levantei. Marcus ficou imóvel. — Bem, vamos — eu disse com um tom de impaciência. — Não posso esperar aqui? Vi uma mulher grávida, sentada ao lado do seu marido, olhando descaradamente para Marcus. — Vamos agora — disse a ele. Ele se levantou, dando um suspiro que mais parecia um gemido. Seguimos uma enfermeira pelo corredor atrás da sala de espera e ela me pediu para subir em uma balança. — Preciso tirar a roupa? — perguntei. Tenho o costume de me pesar nua pela manhã. Ou depois de malhar bastante na academia. — Não — disse a enfermeira, impaciente. Tirei os sapatos, entreguei o meu pesado bracelete de prata para Marcus e pedi para ele se virar.
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A enfermeira ajustou a balança dando tapinhas rápidos com a ponta dos dedos até chegar ao peso exato de 57 quilos e meio. — Cinquenta e oito quilos — disse ela, em voz alta. Eu olhei para ela. Por que ela acha que pedi para Marcus se virar? — Acho que vi 57 quilos e meio — eu disse. Ela me ignorou, anotando 58 quilos na minha ficha. Mesmo assim, estava feliz. Eu estava pesando 58, o que significa 55 ou 56 sem roupa. Não engordei nada ainda. — Qual é a sua altura? — perguntou a enfermeira. — 1,75 m. Ela escreveu na minha ficha e nos levou a uma sala pequena e fria. — O médico já vem falar com vocês. Subi em uma maca, enquanto Marcus procurava outra revista. Ao perceber que a sua única opção era a revista Pais e Filhos, ele preferiu ficar sem ler. Minutos depois, entrou uma jovem baixa e loira que não parecia ter mais do que 25 anos. Ela tinha um cabelo grosso e curto que deixava à mostra os seus belos brincos de diamante. As botas de couro de cano alto alcançavam o seu delicado casaco branco de médica. — Oi. Sou Jan Stein. Peço desculpas, estou um pouco atarefada hoje — ela disse, me fazendo-me lembrar de Tammy Baxter, nossa chefe de torcida do ensino médio, que sempre ficava no topo da pirâmide enquanto eu estava embaixo, segurando os seus pés. — Darcy Rhone — eu disse, sentando-me com a coluna reta, notando que ela tinha um peito grande para o seu tipo de corpo pequeno. Por ser médica, provavelmente não deveria ter silicone, deviam ser naturais. Como uma mulher com peitos relativamente pequenos, essa combinação sempre me irritou. Tudo bem, ela pode ter peitos grandes e um bumbum coberto de celulite. Mas o bumbum de Jan não parecia estar mal. Talvez Marcus não tivesse notado, mas lhe apresentei como “o pai”.
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— É um prazer conhecê-los — ela sorriu para Marcus e eu notei que havia um pouco de batom vermelho em seus dentes. Marcus deu um amplo sorriso. Eu queria me bater por ter pedido uma médica mulher. — Preciso tirar a roupa? — perguntei, impaciente, antes que Jan começasse a falar com Marcus. — Não, vamos conversar um pouco primeiro. Quero saber o seu histórico médico e quero responder a algumas de suas perguntas. Tenho certeza de que você tem muitas. — Tudo bem — eu disse, embora eu não tivesse nenhuma pergunta, exceto se eu poderia continuar tomando café ou uma taça de vinho. Jan sentou-se na nossa frente, aproximou a cadeira, colocou a minha ficha em uma prancheta de madeira e disse: — Então. Para começar. Você sabe qual foi à data da sua última menstruação? — Sim. Eu sei — respondi, orgulhosa por ter verificado a data no calendário pela manhã. — Oito de agosto. Ela fez uma anotação na ficha enquanto eu observava o enorme anel de esmeralda em seu dedo. Ela deveria estar usando, pelo menos, 100 mil dólares em diamantes. Aposto que era noiva de algum cirurgião mais velho e grisalho. Senti um pouco de remorso por meu anel de noivado, que eu planejava vender, mas achava que era mais importante estar com meu parceiro na consulta do pré-natal do que com um marido qualquer. Eu me sentia uma celebridade: muitas delas desistiam de casar e logo ficavam grávidas. — Então, quando nasce o bebê? — perguntei. Sabia que deveria nascer por volta de maio, mas estava ansiosa para saber a data exata. Jan pegou um círculo de papel, girou e olhou para identificar a data. — Certo. A data estimada do seu parto é 2 de maio. Dia 2 de maio é quando Dexter faz 35 anos. Eu olhei para Marcus, que não tinha ideia do significado da data. É incrível como poucos homens conseguem gravar a data de
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aniversário de seus amigos. Então, eu disse a Jan e a Marcus: — Espero que atrase, ou adiante, porque essa é a data de aniversário do meu ex-noivo. Marcus virou o olho e sacudiu a cabeça enquanto a Dra. Stein sorriu e disse que apenas 10% dos bebês nascem exatamente na data prevista. — Por quê? — perguntei. Jan pareceu surpresa por um segundo, o que não é um bom sinal, uma vez que era uma pergunta simples. Depois, respondeu: — A data prevista serve apenas de guia. — Ah — eu disse, pensando que um médico mais velho teria uma resposta melhor. Ou mesmo uma médica mais jovem que não fosse tão atraente. As garotas feias têm mais tempo para estudar na faculdade de Medicina. Aposto que Jan era uma das piores da sua turma. Aposto que ela nem estaria sentada aqui se não fosse pelo seu namorado cirurgião. — Entendi. — Então — disse Jan, de forma abrupta. — Gostaria de conhecer o seu histórico médico e de lhe fazer algumas perguntas. — Claro — eu disse, percebendo que Marcus observava a coxa direita sarada de Jan. Olhei para ele enquanto Jan olhava o seu questionário. Ela começou perguntando a minha idade (eu fiquei feliz por dizer 29 e não 30) e tudo sobre o meu histórico médico, que medicamentos eu estava tomando e uma série de perguntas sobre a minha rotina diária: com que frequência eu bebia, se eu fazia exercícios físicos, se eu fumava, como era a minha dieta etc. Depois de fazer o registro, ela olhou para mim e um sorriso surgiu em seu rosto maquiado. — Como você está se sentindo? — perguntou Jan. — Algum sintoma? Náusea? — Meus seios estão um pouco inchados e doem — eu disse.
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Marcus ficou sem graça e acrescentei gratuitamente, “Quando ele toca neles”. Jan concordou seriamente. Marcus encolheu o corpo. Eu continuei. — E eles estão um pouco maiores, mais cheios... E a auréola está mais escura... Mas, apesar de tudo, eu me sinto igual. E o meu peso ainda é o mesmo — eu disse, orgulhosa. — Bem, faz apenas cinco semanas e meia que você está grávida, por isso ainda é cedo para ganhar peso — disse Jan. — Embora o seu apetite tenha aumentado, você notou? — Não — disse, com orgulho. — E não pretendo ser uma daquelas grávidas rechonchudas. Tenho certeza de que conhece muitas assim. Jan concordou novamente, fazendo uma anotação na minha ficha. Depois, ela disse que estava pronta para o exame físico. — Preciso sair? — perguntou Marcus. — Você pode ficar, sem problemas — disse Jan. — Ele tem vergonha — disse a Jan. — Bem, não precisa ficar assim. É ótimo que você se envolva. — Sim, mas ainda não estamos casados — eu disse. — Mas ele quer que isso aconteça logo. Jan sorriu e pediu para eu colocar a camisola e deitar na maca, que ela voltaria logo. Assim que ela saiu, perguntei a Marcus se ele tinha achado a nossa médica bonita. — Ela é bonita — disse ele. — Bonitinha, eu acho. — Quantos anos você acha que ela tem? — Vinte e oito? — perguntou ele. — Eu sou mais bonita? — Sim, Darcy. Você é mais bonita. — Eu continuarei bonita depois de ganhar 10 quilos? — Sim — disse ele, não muito convincente.
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Jan retornou bem na hora em que estava me deitando na maca. Ela mediu a minha pressão e auscultou o meu coração, o meu peito e o meu pulmão. — Agora eu vou examinar o colo do útero. — Esse exame serve para confirmar a gravidez? — Bem, vamos fazer um exame de sangue e de urina para isso, mas sim, esse exame pode fornecer informações como o tempo aproximado da gravidez, além de nos ajudar a avaliar o tamanho e a forma da sua pélvis. Eu concordei. — Agora relaxa — disse Jan. Deixei meus joelhos se afastarem. — Sem problemas — eu disse, olhando para ela e depois para Marcus, que fingia estar em outro lugar. Depois de terminar os exames físicos, eu me vesti, fui ao banheiro e fiz xixi em um recipiente, fui tirar sangue em uma salinha e voltei ao consultório, onde Jan me disse que entraria em contato assim que saísse o resultado do meu exame de sangue. — Nesse intervalo, Darcy, vou lhe passar uma receita com algumas vitaminas indicadas no pré-natal. Elas contêm ácido fólico. Ele é extremamente importante para o desenvolvimento da coluna vertebral do seu bebê. Você precisa tomá-las com o estômago cheio. Ela escreveu a receita com uma letra bonita, por mais estranho que pareça para um médico (outro mau sinal: um médico de verdade tem a letra muito feia) e entregou-a para mim. — Então, parabéns para vocês dois. Nós nos encontramos daqui a quatro semanas, para o primeiro ultrassom. Marcus e eu apertamos a mão de Jan e depois fomos à farmácia para comprar os medicamentos. Por alguma razão, eu me lembro dessa caminhada de cinco quarteirões. Foi um lindo dia de outono, agitado mas ensolarado, o céu estava muito azul, coberto de nuvens de algodão-doce. Eu lembro que amarrei o meu casaco de veludo azul na cintura, ainda fina, e dei uns pulinhos, feliz como uma criança. Enquanto
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esperávamos na calçada, Marcus pegou a minha mão sem pedir e sorriu para mim. Aquele sorriso dele está congelado em minha memória. Foi caloroso, generoso e sincero. Foi um tipo de sorriso que um homem dá quando está feliz com uma mulher, feliz por estar casando-se com você, feliz por você estar esperando um filho dele.
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O meu apartamento não ficou muito vazio com a mudança de Dexter, mas ele levou a nossa mesa da cozinha, duas luminárias e uma cômoda. Fiquei chateada ao ver que não estavam mais lá, principalmente a mesa rústica de pinho que parecia ter saído de uma residência amish2. Decidi fazer uma decoração mais elegante e contemporânea, que combinasse com o belo apartamento com vista que Marcus e eu tínhamos planejado comprar juntos. Era bom ficar livre do gosto tradicional de Dexter, da sua insistência em apartamentos antigos charmosos, mas com poucos armários. Passadas duas semanas do dia do meu suposto casamento, carreguei Marcus para uma loja de móveis. Pegamos o metrô para a rua 59 e caminhamos até a avenida Madison. Ao chegar à loja, abri a porta de vidro e senti uma onda de tristeza ao me lembrar da minha última visita, quando Dex e eu fizemos nossa lista de presentes. Contei a Marcus, que reagiu de forma compreensiva. — Ah, velhos tempos — disse ele, enquanto me seguia para o segundo andar. No alto das escadas, admirei uma mesa de cerejeira retangular com as pernas afuniladas. Era exatamente o que eu tinha em mente, mas não pensei que seria tão fácil encontrar. Passei a mão sobre a superfície lisa da mesa e disse: — Ela é perfeita. Você gostou? O que você acha? Imagina como ficaria com cadeiras estofadas? Na cor verde limão, talvez? Marcus encolheu os ombros. 2 Amish é um grupo religioso cristão conhecido por seus costumes conservadores, como o uso restrito de equipamentos eletrônicos, telefones e automóveis (N. T.).
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— Claro. Parece legal — ele estava olhando para alguma coisa atrás de mim. — Oh, Darcy... Rachel e Dex estão aqui — disse ele em um tom que me fez acreditar que não era uma piada. — O quê? — fiquei em choque e meu coração parou por alguns segundos. Depois começou a acelerar, batendo mais rápido do que em uma aula de spinning. — Onde? — sussurrei. — Perto daquele sofá marrom. Eu me virei lentamente, com discrição. É claro, à minha esquerda, a menos de nove metros, estava o inimigo, namorando um sofá de chenile cor de cocô de bebê. Os dois usavam roupas confortáveis: jeans e tênis. Dex usava a sua calça de moletom cinza e Rachel usava um suéter azul-marinho que eu lhe ajudara a escolher no ano passado, uma semana antes de Dex me pedir em casamento, para ser exata. Séculos atrás! — Que merda! Como eu estou? — procurei o blush no bolso lateral da minha bolsa de marca e me lembrei de que havia tirado para me maquiar e que o havia deixado em cima da mesa de Marcus. Eu não tinha um espelho, então, tinha de confiar em Marcus. — Como está o meu rosto? — Você está bem — disse Marcus. Seus olhos se voltaram para Rachel e Dex. — O que devemos fazer? Vamos até lá? — perguntei. Meus joelhos amoleceram e eu me apoiei na minha futura mesa. — Acho que não estou passando bem. — Talvez devêssemos ir até lá para conversar — disse Marcus, sem expressão. — É a coisa mais sensata e madura que podemos fazer. — Você está louco? Eu não quero conversar! Marcus encolheu os ombros. Dex havia ligado para Marcus alguns dias atrás para dizer que “Desejava o melhor para o nosso bebê”. Eles falaram sobre o assunto, nenhum deles citando o meu nome ou o nome de Rachel. Marcus disse que a conversa foi estranha e durou menos de três minutos. Ele disse que ficou claro que a amizade havia
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acabado, pois, mesmo entre homens, não daria para esquecer tudo o que aconteceu. — Certo, Darcy. Vamos sair daqui — disse Marcus. — Eu também não estou a fim de bater papo — ele apontou para a escada atrás de mim, que dava para o primeiro andar. Tínhamos uma rota de fuga fácil. Por sorte, eles ainda não haviam nos visto. Dex e Rachel estavam conversando muito animados, completamente alheios à coincidência do século! Eu queria me virar e descer as escadas, mas não conseguia me mover. Era como se eu estivesse assistindo a uma cena horrível em um filme de terror. Você não quer ver a garota ser decapitada, mas sempre dá uma espiada. Eu me escondi atrás de uma estante e puxei Marcus para perto de mim. Vimos Rachel e Dex em pé, olhando outro sofá, relativamente perto de nós. Esse era mais quadrado do que o primeiro e, em minha opinião, mais bonito. Dex olhou para ele e fez uma careta. Era muito moderno para ele. Eu traduzi o fato a Marcus. — Tá vendo, ele não gosta de linhas retas. Não é? — Darcy, eu não estou nem um pouco preocupado com o sofá que eles vão comprar. — Eles vão comprar? Você acha que vão comprar juntos? — Eles compram. Ele compra. Ela compra — disse Marcus, como se estivesse conjugando verbo em uma aula de francês. — Ela está bonita? Eles parecem felizes? — Para com isso, Darcy. Vamos embora — disse ele. Eu continuei olhando para eles, espumando de raiva. — Diz para mim — falei. — Ela está mais bonita? Mais magra? — ficamos olhando Rachel e Dex olharem o sofá marrom e sem graça. Ela resolveu sentar-se nele. Depois, olhou para Dex e disse alguma coisa. Ele estava de costas para nós, mas eu podia vê-lo concordar, passar os dedos na parte de trás do sofá. Depois ele folheou um catálogo com diferentes opções de tecidos coloridos em uma mesa, ao lado do sofá. — Você acha que eles vão morar juntos? — perguntei.
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— Como eu posso saber? — Ele falou alguma coisa sobre isso na última vez em que conversaram? Marcus suspirou. — Eu já lhe contei tudo o que conversamos um milhão de vezes. — Ele só está substituindo o nosso sofá, não é? Ela apenas o está ajudando a escolher, certo? Marcus bufou dessa vez. — Eu não sei, Darcy. Pode ser. Quem se importa? — Olha. Não perca a paciência comigo, mocinho — eu disse. — Isso é essencial! — apontei para eles e observei Dex e Rachel em detalhes. Três semanas atrás, eles eram as pessoas que eu mais conhecia. Minha melhor amiga e meu noivo. Agora eles pareciam estranhos ou alguma pessoa conhecida que eu não via há anos. Rachel virou o rosto e percebi que o seu cabelo estava ligeiramente repicado nas pontas, uma mudança radical para quem tinha o cabelo em fio reto. — Você gostou do cabelo dela? — perguntei a Marcus. — É claro. Está ótimo — disse ele, encerrando o assunto. Eu olhei para ele e disse: — Resposta errada. — Tudo bem. Já estou cansado. Isso é muito desagradável. — Vamos lá! Dá uma olhada. Quero que você seja honesto! — eu estava agitada, queria que Claire estivesse comigo. Ela encontraria algum defeito. No tênis. No cabelo. Em alguma coisa. Marcus colocou a mão no bolso e olhou para Rachel. — Ela está igual para mim. Sacudi a cabeça. — Não. Os dois estão melhores — eu disse. — O que será? Será que tem a ver com o tempo que estão juntos?
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Depois disso, Dex sentou-se ao lado de Rachel e senti uma dor no peito. Dex estava bronzeado. Rachel não estava tão branca como de costume. Só de ver isso senti uma faca atravessando o meu coração. — Eles foram para o Havaí juntos! — disse. — Ai meu Deus! Eles estão bronzeados. Ela foi para o Havaí com ele, no meu lugar! Ela foi para a minha lua de mel! Ai meu Deus! Meu Deus! Vou bater na cara deles! — a gente escuta as pessoas dizerem que a raiva pode cegar, é verdade. Minha vista escureceu quando fui me aproximar deles. Marcus segurou o meu braço. — Darcy, não vá até lá. Vamos embora. Agora. — Ele me disse que ia rasgar aquelas passagens! Como ela teve coragem de ir para onde seria a minha lua de mel! — eu estava gritando. Um casal que estava por perto olhou para nós e depois para Dex e Rachel. — Você me disse que ele quis lhe dar as passagens — disse Marcus. — Isso não interessa! Eu nunca levaria você ao Havaí. Marcus ergueu a sobrancelha indignado. — Sim, isso é uma sacanagem — ele concordou. — Você tem razão. — Ela foi ao meu lugar, na minha lua de mel! Que tipo de garota iria para a lua de mel da sua amiga? — minha voz estava mais baixa agora. — Estou indo embora. Agora — ele foi para a escada, subiu dois degraus e eu me virei para acompanhá-lo, olhando-os pela última vez: Dex deu um beijo em Rachel. Nos lábios. Um casal bronzeado, feliz e apaixonado, comprando um sofá. Meus olhos se encheram de lágrimas ao descer as escadas, passando por Marcus, pelos artigos de cozinha, saindo pela porta da frente. — Eu sei, querida — disse Marcus, quando chegou perto de mim. Pela primeira vez, ele pareceu estar realmente preocupado comigo. — Deve ser difícil para você. O seu jeito carinhoso me fez soluçar ainda mais.
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— Não posso acreditar que ela foi para o Havaí no meu lugar — eu disse, com a voz trêmula. — Que tipo de pessoa é capaz de fazer uma coisa assim? Eu a detesto! Quero que ela morra! — Sei que você não quer que isso aconteça — disse Marcus. — Bem. Talvez não lhe deseje a morte. Mas desejo que ela tenha um sério problema de acne, sem cura! — eu disse, pensando que uma acne incurável seria pior do que a morte. Marcus me abraçou enquanto caminhávamos pela rua, escapando por pouco de trombar com um entregador que vinha de bicicleta. — Esqueça eles, Darcy. Não interessa o que eles estão fazendo agora. — Interessa sim! — respondi, chegando à conclusão de que agora estava confirmado: Dex e Rachel eram um casal. Eu não poderia ignorar esse fato. Senti uma onda de remorso. Pela primeira vez, comecei a pensar se eu deveria ter escolhido o Dex, mesmo se fosse apenas para não vê-lo com Rachel. Quando o meu caso com Marcus começou, foi porque a grama do vizinho parecia mais verde. Mas, depois de encontrar o meu ex-noivo na loja de móveis, a grama de Dexter me pareceu ser agradável e bucólica. Marcus chamou um táxi e me ajudou a entrar. Eu chorei o caminho todo, visualizando Dex e Rachel fazendo todas as coisas que havíamos planejado fazer em nossa lua de mel: bebendo champanhe na banheira de hidromassagem, participando de um luau com um porco assado em meio a belas dançarinas nativas, brincando na água azul-turquesa, transando debaixo de um coqueiro. Eu lembro que disse a Dex que éramos um casal mais bonito do que todos os casais que apareciam no catálogo da nossa viagem de lua de mel. Dex sorriu e me perguntou como eu conseguia ser tão modesta. — Podemos ir para o Havaí em nossa lua de mel? — perguntei a Marcus quando chegamos ao seu apartamento. — O que você quiser — disse ele, espalhando-se na cama. Ele me chamou para deitar também.
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— Podemos ir a um lugar ainda mais exótico — eu disse. — Dex escolheu o Havaí, e, se você quer saber, acho que é um lugar comum. — Sim — disse ele, com cara de “quero transar”. — Todo mundo vai para o Havaí. Agora, vem aqui. — Para onde vamos, então? — perguntei a Marcus enquanto relutava para deitar ao seu lado. — Turquia. Grécia. Bali. Ilhas Fiji. Onde você quiser. — Você promete? — Sim — ele disse, me puxando para cima dele. — E podemos nos mudar para um apartamento novo e maior? — perguntei, olhando para as suas paredes desbotadas, para o seu armário abarrotado de roupas, para o seu aparelho de som enorme, soltando fios para todos os lados em cima do chão de madeira riscada. — É claro. Eu dei um sorriso triste, mas cheio de esperanças. — Mas, nesse intervalo — disse ele —, eu sei como posso fazer você se sentir melhor. — Só um segundo — eu disse, enquanto pegava o telefone sem fio ao lado da sua cama. Marcus suspirou e me olhou irritado. — Para quem você vai ligar? Não me diga que vai ligar para eles? — Eu não vou ligar para eles. Não estou preocupada com eles — menti. — Vou ligar para a loja de móveis, quero aquela mesa. Rachel pode ter me roubado Dex e a minha viagem para o Havaí, mas eu tinha certeza de que teria uma mesa mais bonita. Mas mesmo reservar a mesa (que estava no estoque) e transar com Marcus (que foi incrível) não puderam melhorar o meu ânimo. Eu não conseguia acreditar que Rachel e Dex estavam juntos, que o relacionamento deles era sério. Sério o bastante para comprarem um sofá juntos. Sério o bastante para irem ao Havaí.
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E, daquele dia em diante, eu fiquei totalmente obcecada por Rachel e Dex. Eles eram duas pessoas que tinham saído completamente da minha vida, porém, na minha perspectiva, nós três nunca estivéramos tão fortemente unidos.
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As coisas pioraram quando eu fiz 30 anos. Acordei na manhã do meu aniversário para a minha primeira dose de enjoo. Estava na cama com Marcus, do lado mais distante do banheiro, e, quando estava passando por ele para ir ao banheiro, senti vontade de vomitar as fajitas que havia comido no jantar, na noite anterior, no restaurante mexicano. Molhei o rosto, lavei a minha boca com um enxaguatório bucal e escovei os dentes. Senti mais um pouco de enjoo e soltei outro jato com pedaços de pimenta vermelha e amarela. Molhei o rosto, lavei a boca e escovei os dentes. Depois disso, eu me joguei no chão e comecei a gemer em voz alta, esperando que Marcus acordasse e viesse me ajudar. Mas ele não acordou. Fiquei pensando que, se fosse Dex, ele escutaria os meus gemidos. Ele tinha o sono muito leve, mas, até o momento, eu achava mesmo que ele teria mais compaixão. Talvez Marcus não sentisse tanta compaixão assim. Gemi novamente, mais alto. Ao notar que Marcus não se mexia, eu me levantei do chão frio e voltei para a cama, choramingando: — Dá um abraço? Marcus me respondeu com um ronco. Eu me acomodei na fenda entre o seu corpo e o seu braço e resmunguei mais um pouco enquanto procurava pelo despertador. Sete e trinta e três. O alarme estava ajustado para tocar às 7h45. Eu tinha doze minutos antes de ele me desejar oficialmente um feliz aniversário. Fechei os olhos e fiquei imaginando o que Dex e Rachel estariam fazendo agora e, mais importante, o que iriam fazer com relação ao meu aniversário. Essa seria a
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última chance deles, eu dissera à minha mãe e ao Marcus na noite anterior. Não tinha certeza do que eu esperava ou queria que eles fizessem, mas um telefonema ou um e-mail seria um bom começo. Rachel e Dex já deviam ter discutido essa questão. Meu palpite era que Dex dissera para ela me deixar em paz. “Nós comemoramos juntas o seu aniversário por mais de vinte e cinco anos”, ela deve ter dito a Dex. “Eu simplesmente não posso ignorar esse dia. Tenho de ligar para ela”. Então eu podia escutar Dex dizendo: “É a melhor coisa a fazer. Sei que é difícil, mas você vai ter problemas se ligar”. Por quanto tempo ficaram decidindo o que fazer? Talvez tenham discutido ou até brigado. Infelizmente, nem Dex nem Rachel eram insistentes ou teimosos. Como tinham uma personalidade bastante tranquila, eu estava certa de que tiveram uma conversa calma e racional, e que chegaram a um acordo sobre o que fazer com relação ao meu aniversário. Bem, de uma coisa eu tinha certeza: se Dex e Rachel não me procurassem para desejar um feliz aniversário, não haveria perdão. Nunca mais. Minha raiva por eles aumentava mais rápido do que o número de moscas que se multiplicavam ao redor dos potinhos contendo pasta de amendoim em nossa aula de Biologia, na segunda série do ensino médio. Tentei me lembrar do objetivo dessa experiência, que tinha alguma coisa a ver com a cor dos olhos. Olhos castanhos versus olhos verdes. Esqueci-me dos detalhes. Com Rachel como parceira de laboratório, eu não precisava prestar muita atenção. Ela fazia todo o trabalho. De repente, fiquei curiosa para saber a cor dos olhos do meu bebê. Eu esperava que fossem azuis ou pelo menos verdes, como os meus. Todos concordam que os olhos azuis são mais bonitos, pelo menos em uma garota, e é por isso que fizeram tantas músicas sobre garotas de olhos castanhos, para que pudessem confortá-las. Eu escutava Marcus roncar enquanto brincava com um tufo de cabelo em seu peito. Ele tinha a quantidade certa. — Hummm — disse ele, me puxando para cima dele. Depois de ter vomitado fajitas, eu não estava com vontade de transar, mas não resisti. Achei que seria uma boa forma de começar o meu aniversário de 30 anos. Então,
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depois de um turno rápido e superficial, esperei ele abrir os olhos e me dar os parabéns. Dizendo que me amava. Tentando me convencer de que 30 anos não era muito, dizendo que eu ainda tinha cerca de seis anos pela frente antes de começar a pensar em cirurgia plástica. Dez, quinze, vinte segundos se passaram sem nenhuma palavra do meu namorado. — Você dormiu de novo? — perguntei. — Não. Estou acordado... — ele resmungou, piscando os olhos. O despertador começou a tocar muito alto, um som agudo. Marcus ergueu o corpo e lhe deu um tapa para parar. Eu esperei, sentindo-me como se fosse Molly Ringwald no filme Gatinhas e gatões, quando toda a sua família esquece o seu aniversário. Tudo bem, passaram-se apenas alguns minutos, e a personagem Molly teve de esperar o dia inteiro, mas, considerando todos os traumas e momentos difíceis que enfrentei nas últimas semanas, esses minutos pareciam horas. Já era triste demais que a data do meu aniversário de 30 anos tivesse caído em uma segunda-feira e que eu tivesse vomitado duas vezes. Mas, agora, o pai do meu filho não era capaz de me dizer um simples e carinhoso “feliz aniversário” depois de transar comigo. — Estou passando mal — eu disse, tentando chamar a atenção de outra maneira. — Enjoo matutino. Eu vomitei duas vezes. Ele rolou na cama, ficando de costas para mim. — Está melhor assim? — ele perguntou, com a voz abafada debaixo do edredom. — Não — eu disse. — Estou pior. — Mmmmm... Desculpe, querida — disse ele. Eu suspirei e disse no meu tom mais sarcástico: — Feliz aniversário para mim. Eu esperava que ele arregalasse os olhos e se desculpasse imediatamente. Mas ele apenas resmungou, com a cabeça no travesseiro: — Feliz aniversário, Darcy. Eu ia dizer isso.
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— Conta outra. Você esqueceu completamente! — Eu não esqueci... Eu já lhe dei o seu presente. Eu não podia ver o rosto dele, mas sabia que estava rindo. Eu lhe disse que não achava graça e que ia tomar um banho. — Em todo caso — eu disse —, fica na cama e relaxa. Marcus tentou se explicar depois que saí do banho, mas ele não tinha muita desculpa. Estava claro que ele ainda não havia me comprado um presente. Ele também não havia comprado o meu pãozinho de canela com velas cor-de-rosa, apesar de ter lhe contado que era uma tradição de família, uma tradição que Dex seguira rigorosamente por sete anos. Marcus apenas me ofereceu alguns agrados, além de um pacote de biscoitos de água e sal que sobraram do jantar. — Aqui — disse ele. — Caso você se sinta mal de novo. Eu ouvi falar que comer isso ajuda. Eu quis saber onde ele escutou isso. Será que ele já teve outra namorada grávida? Achei melhor falar sobre esse assunto depois e peguei os biscoitos da sua mão, dizendo: — Você é bom demais para mim. Verdade, Marcus, não precisava tanto. Estou ficando emocionada com seus gestos de carinho. — Ah, relaxa! Vou cobrir você, Darcy. Você vai ganhar o seu presente à noite — disse Marcus, enquanto saltava nu da cama para ir ao banheiro. — Agora, vá brincar com as outras crianças. — Tchau, tchau — eu disse, calçando a minha sandália favorita e caminhando para a porta. — Divirta-se comprando o meu presente. — Como você sabe que eu não comprei? — disse ele. — Eu sei, senhor atrasado... E estou falando sério, Marcus. Quero uma coisa boa. Pense na melhor loja da cidade! Quando cheguei ao trabalho, Claire estava me esperando com rosas amarelas e um embrulho perfeito. — Feliz aniversário, querida! — ela disse cantando.
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— Você se lembrou! — eu disse. — Que rosas maravilhosas! — É claro que eu me lembraria, bobinha — disse ela, colocando um vaso de flores na minha mesa. — E como você se sente hoje? Olhei para ela, com medo de que percebesse que eu estava com enjoo. — Bem. Por quê? — Eu só queria saber se você estava se sentindo diferente por ter 30 anos — sussurrou. Claire ainda teria 28 anos por mais algumas semanas, estava na zona de conforto, mas amedrontada com os 29 anos. — Um pouco — eu disse. — Mas não é tão mal assim. — Bem, a idade não faz diferença para alguém bonita como você, não é? — disse Claire. Ela vinha me elogiando muito desde o fim do meu relacionamento com Dex. Eu gostava, é claro, mas, às vezes, eu tinha a sensação de que ela queria me consolar. Ela continuou. — Qualquer pessoa diria que você parece ter 27. — Obrigada — eu respondi, querendo acreditar nela. Claire deu um sorriso carinhoso e me entregou um presente. — Vamos! Abra! Abra! — Achei que você ia me fazer esperar até a hora do almoço! — eu disse, olhando feliz para o presente. Claire tinha um gosto excelente e nunca economizava nos presentes. Rasguei o papel e vi uma bela caixa vermelha. Abri a caixa e vi um grande coração de cristal verde em um cordão preto de seda. — Claire! Amei! Amei! — Verdade? Mesmo? Tenho a nota se você quiser de outra cor. O roxo também estava muito bonito, mas achei que esse combinaria com os seus olhos... — Claro que não! Esse é perfeito! — eu disse, pensando que Rachel me daria algum livro chato de edição limitada. — Você é demais! — eu a abracei, apagando todas as coisas ruins que já havia pensado dela, cada comentário sem
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importância, como, por exemplo, o fato de que ela ficava irritante e pegajosa quando bebia, me pedindo para ir ao banheiro com ela sem parar, ou que ela se gabava por ter nascido em Washington e ter uma família influente, e como ela continuava gordinha apesar de frequentar diariamente a academia. O que ela fazia para ficar assim? Eu costumava perguntar à Rachel. Comia bolo de chocolate escondido no armário? — O verde combina com os seus olhos — disse Claire novamente, sorrindo. — Amei — eu disse, enquanto admirava o colar em meu pequeno espelho. O coração ficou no lugar exato, acentuando a minha clavícula saliente. Depois Claire me levou para almoçar. Eu deixei o celular ligado, caso Dex ou Rachel decidissem que a hora do almoço era a mais apropriada para me ligar, me pedir desculpas, implorar pelo meu perdão e me desejar um feliz aniversário. Eu atendi ao telefone cinco vezes e sempre perguntava à Claire, “Você se importa?”, e ela sacudia a mão dizendo, “Claro que não. Atenda”. Todas as chamadas (exceto a do Bliss Spa, que queria confirmar o horário do meu tratamento facial às 17 horas) foram para me desejar feliz aniversário. Mas nenhuma foi de Rachel ou de Dex. Sei que Claire também estava esperando por isso quando me perguntava “Quem é?” todas as vezes que eu atendia ao telefone. Depois da nona chamada, ela perguntou: — Você teve notícias de Rachel hoje? — Não — eu disse. — E de Dex? — Nenhuma. — Achei uma grosseria eles não terem ligado no seu aniversário para se desculparem. — Eu também.
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— Você soube de alguma coisa depois do episódio na loja de móveis? — ela perguntou. — Não. Você os viu? — Não. Ninguém os viu — disse Claire, que conhecia muita gente. A melhor coisa, depois de contratar um detetive particular (e acredite, eu pensei nisso), foi ter escolhido Claire para ser a minha nova melhor amiga. — Talvez tenham terminado — eu disse. — Pode ser — disse ela. — É difícil carregar o peso da culpa. — Ou talvez eles tenham viajado para outro lugar exótico — eu disse. Ela segurou o meu braço em um gesto de carinho e pediu outra taça de vinho Chardonnay para mim. Eu sabia que não devia beber — mas a Dra. Jan havia dito que eu poderia beber em ocasiões especiais. Além disso, muitos bebês franceses nascem perfeitos e tenho certeza de que suas mães continuam a beber vinho diariamente. — Eu também tenho que lhe contar um segredo — eu disse, dando um lento gole de vinho, animada para contar sobre o meu relacionamento com Marcus. Exceto sobre a gravidez. — Estou saindo com alguém — disse, orgulhosa. — Quem? — perguntou ela, com os olhos arregalados. Percebi um pouco de inveja. Claire, que tinha um coração muito grande, era uma excelente alcoviteira, mas não tinha o mesmo sucesso em sua vida pessoal. Sorri misteriosamente, bebi um pouco de água e limpei a marca de batom em meu copo com o dedo. — Marcus — eu disse, cheia de orgulho. — Marcus? — ela me perguntou espantada. — Você quer dizer o Marcus, Marcus? Concordei. — Verdade? — perguntou ela. — U-hum. Não é uma loucura?
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Percebi uma expressão diferente, que não pude identificar, em seu rosto. Será que ela estava com inveja por eu ter arrumado outra pessoa tão rápido, logo após terminar um noivado? Será que ela também sentia alguma atração por ele? Ou será que não gostava dele? Fiquei com medo de que fosse a última opção. Eu precisava desesperadamente que ela aprovasse Marcus como membro da elite de Manhattan. Eu queria estar com alguém que fosse querido pelo meu círculo de amigos. — Quando isso aconteceu? — perguntou ela. — Ah... Há pouco tempo... — eu disse vagamente. — Eu... Acho que estou um pouco surpresa. — Eu sei — afirmei, pensando que ela não ficaria tão surpresa senão estivesse dormindo naquela noite do dia 4 de julho. — Quem poderia imaginar isso? Mas eu acabei gostando dele de verdade. — De verdade? — dessa vez percebi um tom de reprovação em sua voz. — Por que, você está surpresa? — É que... Não sei. Eu achava que Marcus não fazia o seu tipo. — Por causa da sua aparência? — perguntei. — Você quer dizer que eu sou muito bonita para ele? — Bem, é isso — disse Claire, procurando ser gentil. — E eu não sei, é tudo. Ele é um cara legal, divertido, não me leve a mal... — disse ela. — Você não acha que ele é sexy? — eu disse. Eu acho ele muito sexy. Claire olhou para mim em silêncio. Sua resposta era clara. Ela não achava que Marcus era sexy. Nem um pouco. — Bem, eu acho que ele é sexy — afirmei novamente, sentindo-me ofendida. — É isso que importa, então — disse Claire, dando um tapinha na minha mão. — Certo — eu disse, ciente de que isso não bastava para mim. — Não posso acreditar que você não ache ele bonitinho.
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— Eu acho — disse ela. — Da mesma maneira... Eu não sei... Que acharia uma mulher bonita. — Ele é ótimo na cama — eu disse, tentando convencer Claire, e a mim mesma, de que isso poderia suplantar todos os seus pontos fracos. Às 17 horas, eu tinha recebido cerca de 12 e-mails e ligações de “feliz aniversário”, e várias visitas de colegas de trabalho ao meu escritório. Ainda não tinha notícias de Dex e de Rachel. Havia uma última possibilidade: talvez eles tivessem me enviado um cartão, um recado ou um presente ao meu apartamento, para onde eu não retornara há alguns dias. Então, depois do meu tratamento facial, peguei um táxi para o meu apartamento, esperando encontrar lá as desculpas que deveriam ter me enviado. Minutos mais tarde, peguei as minhas correspondências na portaria, abri a porta e procurei algo entre os cartões. Eu havia recebido cartões das pessoas de sempre: dos meus pais, do meu irmão, Jeremy, da minha amiga do ensino médio, Blaine, da minha avó e da minha segunda amiga de infância mais antiga, Annalise. O último envelope não tinha remetente. Aposto que era de Rachel e Dex! Rasguei o envelope e vi uma foto de filhotes de golden retriever dentro de uma cesta de vime branca. Na cesta, estava escrito “Feliz aniversário” em diferentes tons de rosa. Senti uma dor no peito e achei que o cartão fosse da minha tia Clarice, que ainda me tratava como se eu tivesse 10 anos. A menos que Rachel quisesse me surpreender com alguma frase como “amigas de infância”. Abri o cartão devagar e cheia de esperança, até encontrar uma nota de 10 dólares e a assinatura trêmula da tia Clarice embaixo da frase: “Espero que o seu dia seja uma cesta de alegria!”. E foi assim. Nada mudou. Rachel e Dex apagaram da memória o meu aniversário de 30 anos, um dia sobre o qual falamos durante, pelo menos, cinco anos. Eu comecei a chorar, sem me preocupar com o tratamento para olheiras que estava fazendo. Liguei para o celular de Marcus buscando algum consolo. — Onde você está? — perguntei.
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— Isso só interessa a mim, e você precisa descobrir — disse ele, com um barulho de trânsito ao fundo. Imaginei que ele estava na Quinta Avenida com a mão cheia de sacolas. — Eles não ligaram. Nenhum dos dois. Nenhuma ligação e nenhum cartão ou e-mail. Nada — ele sabia de quem eu estava falando. — A sombra do ex-namorado paira sobre nós — brincou Marcus. — Isso não tem graça! — eu disse. — Você acredita? — Darcy, você não falou que não queria mais falar com eles, nunca mais? Que eles estavam... Qual foi mesmo a palavra? Mortos para você? Eu gostei que ele tivesse recordado as minhas palavras. — Sim, mas eles poderiam tentar, pelo menos, se redimir. Eles nem tentaram. É o meu aniversário de 30 anos! — Eu sei, querida. E vamos comemorar. Então, vem para casa logo que eu estou louco para ver esse seu bumbum magro e sarado. Ele tinha razão, o meu bumbum ainda estava magro. Esse comentário me deixou animada. — Será que vou ser como uma jogadora de basquete? — Como assim? — Se eu ficarei como se tivesse uma bola de basquete na barriga. Você sabe, com o corpo magro e o rosto bonito? E quando a bola sair, voilà, o meu corpo voltará a ser perfeito. — Claro que sim. Agora, vem logo! Ele desligou antes que eu perguntasse onde iríamos jantar e como eu deveria me vestir. Bem, não há nada melhor do que se vestir bem, disse a mim mesma, enquanto escolhia o meu vestido preto mais justo, o meu sapato de salto mais alto, o meu xale mais transparente, colocando tudo em cima da cama. Depois, fui tomar banho, fiz uma escova lisa no cabelo e me maquiei optando por um batom de cor neutra e uma sombra escura nos olhos. — Trinta anos e totalmente em forma — disse em voz alta para o espelho, tentando não olhar para a pequena olheira debaixo dos meus olhos. Ou não me preocupar com o
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fato de que eu não tinha mais 20 anos e estava prestes a perder minhas qualidades mais importantes: a beleza e a juventude. Eu sentia uma espécie de autodesconfiança, que tentava esquecer enquanto pegava a nota de 10 dólares da tia Clarice para pagar o táxi e saía pela porta da frente. Quinze minutos depois já estava dentro do apartamento de Marcus, desfilando. Ele assobiou. — Você está linda. — Obrigada — sorri ao perceber que ele estava usando uma velha calça de veludo marrom, um suéter cinza cheio de pelos e sapatos surrados. Me lembrei da expressão de desaprovação no rosto de Claire quando lhe contei sobre Marcus. Talvez seja, em parte, por esse motivo. Ele era despojado. Mas não aquele despojado chique, você sabe, que usa uma calça jeans de marca com uma blusa sem manga. Ele era um despojado malvestido. — Sem querer ofender, mas acho que você não está usando uma roupa adequada — eu disse, lembrando que Rachel me falava que sempre que eu iniciava uma frase com “sem querer ofender” era porque eu iria dizer alguma coisa que não deveria dizer. — Não tem problema — disse Marcus. — Por favor, vista uma roupa melhor. E, para que fique sabendo, marrom não combina com cinza... Embora alguns estilistas consigam fazer uma boa combinação com essas cores. — Não vou trocar de roupa — disse ele, com a voz firme. — Vamos lá, Marcus. Você não poderia pelo menos colocar uma calça cáqui e um suéter que foi comprado nos últimos seis anos? — Eu estou usando um — disse Marcus. Discutimos por alguns segundos e eu acabei desistindo. Ninguém veria Marcus, mesmo. Não de mãos dadas comigo. Quando estávamos saindo de casa, ouvi o barulho dos trovões. Pedi um guarda-chuva emprestado para Marcus. — Eu não tenho nenhum — disse ele, parecendo ter orgulho disso. — E já faz alguns anos.
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Eu lhe disse que não conseguia entender como alguém conseguiria viver sem um guarda-chuva. Tudo bem, as pessoas perdem guarda-chuvas o tempo todo, os esquecem nas lojas ou no táxi quando a chuva acaba e não sentem a sua falta até que chova novamente. Mas como alguém poderia não ter um em casa? — E como vou me proteger da chuva? — perguntei. Ele me deu uma sacola plástica. — Usa isso. — Muito sofisticado — eu disse, repetindo as suas palavras. A noite não havia começado em grande estilo. E ficou pior quando ficamos parados na esquina, esperando algum táxi passar, o que é quase impossível quando está chovendo. O que me deixa mais frustrada com relação à Manhattam é ter de ficar parada de salto alto na calçada em um dia chuvoso. Quando eu contei isso a Marcus, ele sugeriu que fôssemos correndo até o metrô. Fiz uma careta e disse que não conseguia correr de salto. Além disso, os meus sapatos de grife não foram feitos para andar no subsolo. Depois de algum tempo, quando o táxi chegou, meu pé esquerdo ficou preso na sarjeta e estava tão difícil de sair que tive de tirar os pés do sapato, agachar e puxá-los com as mãos. Enquanto examinava se os saltos estavam riscados, a sacola de plástico foi embora com o vento e a chuva começou a molhar a minha testa. Marcus começou a rir e disse: — Esses sapatos estariam melhor no subsolo, você não acha? Olhei para ele enquanto entrava no táxi, na minha frente, e dizia o endereço ao motorista. Não pude identificar o restaurante pelo endereço, mas pensei que ele devia ter feito uma boa escolha, apropriada para um aniversário de 30 anos. Esqueci-me de pegar o meu guia com os nomes dos melhores restaurantes da cidade. Mas, minutos mais tarde, descobri que a ideia que Marcus tinha de um jantar apropriado para comemorar um aniversário de 30 anos parecia-se mais com a minha ideia de
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jantar para comemorar um aniversário de 26 anos, quando o cara estava quase sem dinheiro e não muito a fim da garota. Ele escolheu um restaurante italiano de que eu nunca havia escutado na vida, que ficava em um bairro onde nunca havia pisado antes. Obviamente, eu era a única pessoa bem vestida do local. E a comida era péssima. Estou falando de alguns pães velhos em cima da mesa, dentro de uma cesta vermelha de plástico coberta por um guardanapo de papel, seguidos de uma massa que foi cozida em excesso. Eu só pedi a sobremesa porque queria saber se Marcus tinha pensado em pedir uma vela para o meu bolo, para me fazer uma surpresa. Como esperava, meu tiramisu chegou pelado. Não havia nem cheiro de chocolate meio amargo polvilhado ou alguma decoração. Enquanto tentava cortá-lo com o garfo, Marcus me perguntou se eu queria o meu presente. — É claro — eu disse, encolhendo os ombros. Ele me deu uma caixa da Tiffany e, por um momento, fiquei muito animada. Mas, assim como havia errado na escolha do restaurante, ele errou no presente. Brincos de prata. Nem mesmo de platina ou de ouro-branco. É claro, foram comprados na Tiffany. Novamente, um presente apropriado para um aniversário de 26 anos, não para um aniversário de 30 anos. O presente de Claire foi melhor. Pelo menos o seu presente tinha a forma de um coração em vez de um feijão. Enquanto Marcus pagava a conta, eu resisti em comentar que esse brinco barato, em forma de feijão, havia destruído a minha esperança de que ele traria um anel de diamante escondido no bolso da sua jaqueta de couro. Então, agradeci pelos brincos e os guardei na caixa. — Você não vai colocá-los? — perguntou Marcus. — Hoje não — eu disse. Eu não estava a fim de tirar os meus brincos de brilhante, os quais, ironicamente, havia ganhado de Dex no meu aniversário de 26 anos. Depois do jantar, Marcus e eu fomos beber no Plaza (ideia minha) e depois voltamos ao seu apartamento e transamos (ideia dele). Pela primeira vez, com Marcus, eu não tive um orgasmo. Nem mesmo sinal dele. E o pior foi que ele nem notou, nem mesmo quando eu franzi a testa e suspirei, o retrato da mulher frustrada. Ao contrário, a sua respiração
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ficou ainda mais forte e constante. Ele estava dormindo. Meu dia estava começando e terminando da mesma maneira frustrante. — Bem, acho que não vou ganhar um anel de noivado — eu disse em voz alta. Ele não respondeu, então eu lhe dei outra indireta, que falava algo sobre perder e ganhar alguma coisa. Marcus sentou-se, suspirou e disse: — Qual é o problema agora, Darcy? E era isso. Estávamos a caminho de uma discussão. Eu lhe chamei de insensível. Ele me chamou de exigente. Eu disse que ele era pão-duro. Ele disse que eu era mimada. Eu lhe disse que os brincos em forma de feijão eram horríveis. Ele disse que, se eu quisesse, poderia devolvê-los. E acho que acabei dizendo que preferia estar com Dex. E que nós não deveríamos nos casar. Ele não respondeu. Apenas me deu um olhar frio. Não era a reação que eu esperava. Eu pensei no que Rachel sempre dizia: “O oposto do amor não é o ódio, é a indiferença”. A expressão no rosto de Marcus mostrava profunda indiferença. — Você não quer saber de nada sério! — eu gritei, me virei de costas e comecei a chorar. Depois de algum tempo, Marcus me abraçou. — Não vamos brigar mais, Darcy. Desculpe... — seu tom de voz não era convincente, mas pelo menos ele estava se desculpando. Eu disse que sentia muito por ter lhe dito aquelas coisas horríveis, principalmente a que se referia a Dex. Disse que o amava. Ele me disse, pela segunda vez, que me amava também. Mas assim que Marcus dormiu de novo, ainda com os braços ao meu redor, percebi que a nossa relação não estava indo bem. Mas, eu sabia disso desde o princípio. É claro, tivemos momentos de paixão debaixo de uma árvore no balneário de East Hamptom. E tivemos outros momentos bons depois, mas, o que mais? Eu me lembrava de que Marcus era o pai do meu filho e de que eu havia prometido me esforçar para que as coisas dessem certo entre nós. Tentei pensar em alguns nomes para a nossa filha, Annabel Francesca, Lydia Brooke, Sabrina Rose, Paloma Grace.
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Imaginei a nossa vida juntos, montei as páginas do nosso scrapbook: fotos rosadas em páginas cobertas de tecido da cor creme. Mas poucos minutos antes de cair no sono, naquele momento de semiconsciência em que nossos pensamentos ditam os nossos sonhos, pensei na expressão de desaprovação de Claire e na minha insatisfação. Os meus pensamentos estavam longe, passeando pelo passado. Fixos em Dex e Rachel, e no que não iria mais voltar.
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Nas semanas seguintes, a minha relação com Marcus desintegrou-se um pouco mais. Até mesmo o sexo, a pedra angular do nosso relacionamento, estava começando a cair na rotina. Eu tentava me convencer de que era por causa do estresse gerado pelas mudanças ocorridas em nossas vidas: pelo apartamento que precisávamos alugar, pelo casamento que tínhamos de planejar e pelo bebê que estava para nascer. Quando perguntei a Marcus por que ele achava que estávamos brigando tanto, ele colocou toda a culpa na minha fixação por Rachel e Dex. Ele me disse que estava ficando cheio das minhas perguntas, que não achava saudável perder tanto tempo especulando sobre o que eles estavam fazendo e que eu deveria me preocupar mais com a minha vida. Prometi falar menos deles, acreditando que, em algumas semanas, eu já não me importaria mais. Mas o meu coração me dizia que isso não seria fácil e que, apesar do meu esforço para me entender com Marcus, estávamos chegando perto de uma separação. O que mais me afligia em nosso relacionamento era a constante lembrança de que estava grávida dele. Fingia estar animada, mas, lá no fundo, eu não sabia se queria ter a criança. Desde que era adolescente, a minha identidade era ser magra, bonita, divertida e livre. Um bebê ameaçaria tudo isso. Eu não sabia o que aconteceria comigo. E ainda não me sentia mãe.
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Minha mãe me ligava a cada hora durante essas semanas de transição, só para saber como eu estava. Sua voz estava cheia de pena e de preocupação. Estar sozinha era pior do que a morte para ela, então, acabei com a sua tristeza e contei que eu tinha arrumado um namorado. Eu estava no apartamento de Marcus, falando ao telefone enquanto ele comia um pedaço de pizza. Eu não queria jantar, pois havia exagerado na quantidade de carboidratos e no acúmulo de gordura para aquele dia. Quando lhe contei as novidades, ela disse: — Você foi rápida — sem parecer aborrecida. Parecia estar orgulhosa por eu estar bem novamente. — Como ele se chama? — Marcus — eu disse, esperando que ela não se lembrasse de que eu tinha um padrinho com esse nome. Eu queria poupá-la dessa parte da história. É claro, ainda não tinha a intenção de contar sobre o bebê. — Ele é negro? — Marcus parece ser o nome de um negro. — Não. Ele é branco — eu disse. — Você o chama de Mark? — Não. Apenas Marcus — eu disse, olhando para ele e sorrindo. — Marcus do quê? — Marcus Peter Lawson — eu disse, com orgulho. — Gostei do nome completo dele. Muito. Nunca havia gostado do nome de Dexter. Você gostava? — Não muito — eu disse, apesar de adorar o nome Dex. Ele tinha glamour. Mas o nome de Marcus também tinha. — Como ele é? Fala sobre ele. Como vocês se conheceram? — Bem, mãe, que tal marcarmos um encontro para vocês se conhecerem? Vamos para casa nesse fim de semana. Comprei as passagens hoje. Marcus ergueu a cabeça e olhou para mim. Ele não sabia de nada. Eu não havia tido tempo de lhe contar os meus planos de viagem.
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— Que ótima notícia! — ela gritou. Escutei o meu pai perguntar no fundo se eu havia voltado com Dex. Minha mãe tampou o telefone, mas eu pude escutar ela dizendo: — Não, Hugh. Darcy arrumou um namorado novo. Marcus sussurrou alguma coisa freneticamente. Eu levantei a mão e pedi para ele ficar quieto. Ele fez um gesto como se estivesse jogando golfe e resmungou que já tinha um compromisso. Eu sacudi a cabeça e lhe disse: — É só cancelar. — Bem, me adianta alguma coisa — disse a minha mãe. — Como ele é? — Ele é bonito — eu disse. — Vocês vão adorar ele. A propósito, ele está aqui do meu lado. — Então, preciso correr. — Oh! Eu quero cumprimentá-lo — disse ela. — Não, mãe. Você logo vai conhecê-lo. — Não vejo a hora — disse ela. — Você vai gostar mais dele do que de Dex — eu disse, piscando para Marcus. — Tenho certeza que sim. — Dex? — minha mãe dá uma risada. — Quem é Dex? Sorri ao desligar o telefone. — Qual é a grande ideia? — perguntou Marcus. — Eu me esqueci de contar! Comprei passagens para Indianápolis. Ele jogou o pedaço de pizza de volta da caixa engordurada e disse: — Eu não vou para Indianápolis neste fim de semana. — Eu perguntei se você tinha algum compromisso. Você se lembra? Você disse que não. — Você me perguntou se eu tinha algum compromisso na sexta ou no sábado à noite. Vou jogar golfe no sábado à tarde. — Com quem? Dex?
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Marcus virou os olhos. — Tenho outros amigos nesta cidade, você sabe. “Muito poucos”, pensei. Outro problema em nossa relação. Quando eu estava com Dex, viajávamos com um grande grupo de amigos. Mas Marcus e eu passávamos muito tempo sozinhos, a maior parte do tempo entocados em seu apartamento. Eu sabia que precisava começar a frequentar festas com ele, mas não estava pronta para expor o meu novo namorado ao julgamento dos meus amigos. E, para sair com ele, eu precisava lhe comprar roupas novas. Marcus continuou: — Darcy, você simplesmente não pode agendar uma viagem como essa sem me consultar. Isso não é legal. — Ah, Marcus! Isso é muito importante para mim. Você pode passar a bola desta vez — eu disse, usando uma das minhas expressões esportivas. Ele sacudiu a cabeça. Eu sorri e disse com uma voz carinhosa: — Você precisa conhecer os seus sogros. Assumir o nosso relacionamento. Ele suspirou de cansaço e disse: — Não quero que você faça coisas sem me consultar nunca mais. Desta vez eu vou ceder. — “Como se você tivesse outra escolha”, pensei. Pela primeira vez no meu longo histórico de relacionamentos, eu deveria dizer aos meus pais que gostaria que eles gostassem do meu namorado. No passado, eles tinham o costume de julgar e desaprovar. Meu pai começava com um interrogatório na sala de estar, estipulava o toque de recolher e cuidava da minha imagem de moça de família. Embora achasse que ele tinha alguns instintos de proteção, eu sempre tinha a impressão de que isso era apenas parte do seu show. Poderia apostar que a minha mãe adorava esse ritual pela forma como ela recordava os fatos mais tarde. “Você viu como o seu pai colocou Blaine contra a parede?”, ela me perguntava na manhã seguinte ao encontro. Acho que isso fazia com que ela se lembrasse dos tempos de
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adolescência, quando era a grande atração na sua cidadezinha do interior e meu avô tinha de espantar os seus pretendentes. Enquanto o meu pai fazia jogo duro, a minha mãe era mais discreta, fazendo-se de simpática e agradável na frente do garoto. Ela era muito exigente e para ela os meus namorados tinham de ser tão bonitos quanto eu. Eles precisavam ter uma ótima aparência. Não bastava vestirem-se razoavelmente bem. Eles também deveriam ser inteligentes, embora ela pudesse passar por cima dessa qualidade se eles tivessem dinheiro. E precisavam ser articulados. Eu chamava esse conjunto de valores de “marketing pessoal”, a capacidade de impressionar as pessoas. Dex tinha essa qualidade. Ele recebeu nota máxima em todas as categorias. Marcus, por outro lado, estava longe de ser perfeito, mas ele tinha algo a seu favor: meus pais precisavam gostar dele. Eles teriam outra alternativa? Queriam ver sua filha de 30 anos sozinha? Eu sei que eles estremeciam só de pensar. Bem, esse fato deixou a minha mãe muito nervosa e se tornou um problema para o meu pai também. Minha mãe adorava saber que eu tinha um bom emprego e que ganhava muito dinheiro, mas ela sempre deixava claro que sonhava em me ver casada, com filhos, tendo uma vida confortável. Eu não iria tocar nesse assunto de novo. Meu trabalho poderia ser divertido, mas não era melhor do que uma massagem ou do que fazer compras no shopping e almoçar em um bom restaurante. Naquela sexta, Marcus e eu voamos para Indianápolis para o grande momento. Encontramos o meu pai esperando por nós no guichê das bagagens, todo sorridente. Meu pai era muito educado. Com o cabelo escuro sempre bem penteado, camiseta polo, suéter e mocassins na cor cáqui. Dentes impecavelmente brancos, graças ao melhor dentista da cidade. — Papai! — eu gritei ao me aproximar dele. — Oi, querida! — disse ele, abrindo os braços para me abraçar. Eu senti o cheiro da sua loção pós-barba e poderia dizer que ele tinha acabado de se barbear.
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— Que bom ver você — eu disse, com o tom de voz da garotinha do papai, imitando a voz de uma criança. — Bom ver você também, minha linda. Meu pai e eu não sabíamos como ser diferentes. Quando ficávamos sozinhos por muito tempo, ficávamos acanhados e em silêncio. Mas em público, na frente das pessoas, nós cumpríamos bem os nossos papéis tradicionais, papéis que nos agradavam muito. Eu notei isso depois de observar como Rachel atuava com seu pai. Eles conversavam como amigos de verdade, no mesmo nível. Meu pai e eu nos afastamos e eu lhe apresentei Marcus, que estava um pouco inquieto. — Papai, esse é o Marcus. Meu pai foi em direção a Marcus e deu um caloroso aperto de mãos nele. — Oi, Marcus. Hugh Rhone. Bem-vindo a Indianápolis. É um prazer conhecê-lo — ele disse em um tom cordial. Marcus disse em voz baixa que era um prazer conhecê-lo também. Eu olhei para ele como se quisesse dizer “é o melhor que você pode fazer?”. Será que ele esqueceu tudo o que eu lhe disse durante o voo, a minha longa explicação sobre como os meus pais valorizam a imagem? “A primeira impressão é a que fica” era uma das frases favoritas do meu pai. Eu disse isso a Marcus. Esperava que Marcus dissesse mais alguma coisa, mas ele resolveu olhar para a esteira de bagagem. — É a sua mala? — ele me perguntou. — Sim — eu disse, avistando a minha mala muito chique. — Pegue-a para mim, por favor. Marcus agachou-se e tirou a mala da esteira. — Nossa — ele disse em voz baixa, sendo essa a quarta vez que ele reclamava do meu excesso de bagagem desde que saímos de casa. — Oh, Marcus, deixe que eu carrego — disse o meu pai, pegando a minha mala. Marcus encolheu os ombros e lhe cedeu à mala. — Se o senhor insiste.
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Eu fiquei chateada por ele não ter insistido nem um pouco para carregar. — Então é isso, papai. Marcus só trouxe essa mala — eu disse, olhando para a sua sacola verde horrorosa, com uma alça desfiada e um logotipo de internet estampado na lateral. Meu pai carregou a sacola dele também. — Tudo certo. Vamos embora — disse meu pai, esfregando as mãos. Depois, assim que avistamos a sua BMW na garagem, ele nos contou que havia recebido uma multa por excesso de velocidade no caminho para o aeroporto. — Eu só havia ultrapassado dez por cento do limite! — Pai, tem certeza de que foram apenas dez por cento? — perguntei. — Juro por Deus. Só dez. Marcus, os policiais dessa cidade são implacáveis. — É exatamente o que eu dizia quando estava no ensino médio! — eu disse, batendo em seus braços. — Nada melhor do que uma boa desculpa. — Beber vodca no estacionamento do Burger King com 16 anos? Eu não consideraria isso um excesso de zelo da polícia — disse meu pai, rindo. — Marcus, tenho muita coisa para contar sobre a nossa garotinha. Nossa garotinha. Foi uma grande concessão. Considerando que não estava em seus melhores dias após ter recebido uma multa de trânsito, essa foi uma prova de que estava determinado a gostar do meu namorado. — Posso imaginar — disse Marcus do banco de trás, com uma voz entediada. Será que ele não estava compreendendo as dicas do meu pai ou simplesmente não estava interessado em participar da troca de cordialidades? Eu olhei para ele, mas o seu rosto estava na sombra e não pude enxergar a sua expressão. Durante todo o caminho, Marcus não disse quase nada, apesar dos esforços do meu pai. Ao chegarmos à nossa rua sem saída, mostrei onde ficava a casa de Rachel para Marcus. Ele fez um ruído que indicava que estava me ouvindo.
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— Os White saíram? — perguntei ao meu pai, notando que todas as luzes estavam apagadas. Ele se aproximou, segurou o meu joelho com uma mão e depois apertou o controle remoto do portão da garagem com a outra. — Não, eles estão aqui. Eu acho. — Talvez eles saibam que eu viria para casa e não tenham coragem de me encarar — eu disse. — Não se esqueça de que a culpa não é deles — disse meu pai. — É de Rachel. — Eu sei — respondi. — Mas eles criaram uma traidora. Meu pai fez uma careta e disse: — Uma coisa não tem nada a ver com a outra. — Você acha que a sua mãe vai se importar se entrarmos pela porta dos fundos? — ele me perguntou. Minha mãe acredita que as visitas sempre devem entrar pela porta da frente, não que Marcus notaria a diferença. Como era de se esperar, minha mãe espiou pela porta que dá para a garagem e sussurrou, como se Marcus não pudesse ouvi-la: — Hugh, pela porta da frente. — Os meninos estão com malas — disse ele. Minha mãe forçou um sorriso e disse em um tom de voz forte e carinhoso: — Bem, então entrem! Entrem! — como sempre, ela estava bem maquiada. Usava o maquiagem até para ir à mercearia. Seu cabelo estava preso com uma presilha de pedras preciosas que eu lhe havia dado de presente, e usava roupa e sapatos na cor marfim. Ela estava bonita e eu senti orgulho de apresentá-la a Marcus. Se ele acreditava que a filha sempre acaba se parecendo com a sua mãe, deve ter ficado muito satisfeito. Marcus e meu pai carregavam as malas entre o nosso carro e o cortador de grama, já que a minha mãe havia pedido ao meu pai para estacionar o carro mais para a esquerda.
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— Querida, estacionei bem no centro — disse ele, com a voz agitada. Meus pais brigavam constantemente, cada vez mais com o passar dos anos, mas eu sabia que eles iriam ficar juntos para sempre. Talvez não por amor, mas porque os dois gostavam da imagem de um lar perfeito, da família intacta. — Estou bem no centro — ele repetiu. Minha mãe se segurou para não responder e abriu a porta para nós. Ao me beijar, meu nariz ficou impregnado com o seu perfume Chanel nº 5, que havia aplicado em excesso. Depois, ela se virou para Marcus, colocando a mão em seu rosto e lhe dando um beijo ao lado da sua boca. — Marcus! Bem-vindo! É um prazer conhecê-lo. — É um prazer para mim também — disse Marcus, como se estivesse resmungando. Minha mãe detesta pessoas que falam resmungando. Eu esperava que a vergonha de ter cumprimentado um hóspede entre a nossa garagem escura e a lavanderia pudesse distrair sua atenção dos problemas de dicção do meu namorado. Rapidamente, ela nos levou para a cozinha. Uma porção de queijo, azeitona e do seu famoso camarão empanado estavam sobre o balcão. Jeremy, e a sua namorada, Lauren, apareceram de repente, como se fossem dois ávidos animais de estimação. Nenhum dos dois estava mal-humorado. Meu pai disse uma vez que os dois tinham dois estados de humor: famintos ou sonolentos. Como era de se esperar, Lauren não perdeu tempo com apresentações e foi logo contando uma história vazia sobre os nossos vizinhos. Conheço Lauren desde que era um bebê, ela morava descendo a nossa rua e Rachel, algumas vezes, foi sua babá, por isso eu sabia que ela era o tipo de garota que poderia dominar uma conversa dizendo absolutamente nada de interessante sobre alguma senhora da igreja, sobre o clima, uma promoção em alguma loja de departamentos, o último ganhador do bingo de Good Haven ou sobre a casa de repouso onde havia trabalhado. Enquanto Lauren terminava a história, meu pai ofereceu uma bebida a Marcus. — Uma cerveja vai bem agora — disse ele. — Pega uma cerveja gelada para ele, Hugh — disse a minha mãe, enquanto o meu pai abria uma Budweiser.
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— Ah, eu não preciso de copo. Obrigado — disse Marcus, pegando a garrafa. Lancei-lhe um olhar indicando que ele deveria pegar o copo, pois iríamos para a sala de estar com a minha mãe. Lauren sentou-se ao lado do meu irmão, no sofá, apertando o seu braço. Meu irmão é um pouco relaxado também, mas, ao observar a blusa manchada da sua namorada, com o logo da Good Haven, seus jeans rasgados, seus tênis sem meias (um visual que eu não usaria nem se estivesse no ensino médio), eu pensei, pela centésima vez, que ele poderia arrumar alguém melhor. Marcus e eu sentamos no sofá que ficava em frente ao deles e meus pais sentaram-se nas duas poltronas. — Então — disse minha mãe, cruzando os tornozelos. Achei que ela iria interrogar Marcus. Fiquei nervosa, mas animada, esperando que ele se saísse bem dessa vez. Mas, em vez de voltar a atenção para Marcus, minha mãe disse: — Lauren e Jeremy têm novidades! Lauren gaguejou e ergueu a mão esquerda, mostrando o que parecia ser, para mim, que estava sentada à sua frente, um anel de diamante no estilo princesa com ouro-branco ou platina. — Surpresa! Eu olhei para o meu irmão. Estava surpresa, tudo bem. Surpresa por não ser um anel de brilhante de ouro amarelo. — Vamos nos casar — confirmou Jeremy. Marcus falou antes de mim: — Parabéns — erguendo a garrafa de cerveja. Jeremy respondeu fazendo o mesmo com o seu copo de Coca-Cola. — Obrigado, cara. Jeremy não deveria ter dito cara. Não fazia o seu estilo. Ele não era um tipo descolado. — Parabéns — eu disse, mas a minha voz pareceu forçada, artificial. Aproveitei para avaliar a mercadoria, verificando logo que, apesar de ter um tamanho razoável, a gema era um pouco amarelada. Por isso, achei que se enquadrava na escala de cores J.
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— Muito bonito — eu disse, colocando a mão de Lauren sobre o joelho do meu irmão. Minha mãe disparou a falar sobre a data do casamento, no mês de maio, em Indianápolis, e sobre a recepção que seria no nosso clube de campo. Eu disse que estava muito feliz por eles com um sorriso falso nos lábios, tentando esconder a minha inveja. Pensei em como eu poderia sentir inveja do meu irmão mais novo e da sua namorada de cabelo feio e de coxas grossas, em um jeans manchado. Por incrível que pareça, era isso o que eu estava sentindo: estava incomodada com o entusiasmo do meu irmão. Incomodada porque Lauren estava tomando o meu lugar de noiva, tomando a atenção da minha mãe. E o que me irritava mais é que o casamento deles desviaria o foco das atenções, que deveriam estar voltadas para mim e para o meu bebê. — Devo perguntar agora? — Lauren olhou ansiosa para Jeremy. — Vá em frente — respondeu Jeremy. — Perguntar o quê? — Queremos que você seja a nossa madrinha — disse Lauren. — Porque você sempre foi como uma irmã para mim — ela olhou para Marcus e explicou: — Darcy já foi a minha babá. — Eu nunca fui sua babá. A Rachel foi — eu disse. — Bem, é verdade — disse Lauren, parando de sorrir. O nome de Rachel pairou sobre a sala. Gostei do efeito, como se estivesse relembrando os outros do meu sofrimento. Mas o efeito durou pouco. Lauren voltou a sorrir com força total. — Mas você sempre a ajudava. Você era muito divertida. — Obrigada — eu disse. — Eu fazia o possível. — Então, você aceita? — O quê? — perguntei, me fazendo de desentendida. — Ser a nossa madrinha. — Ah, sim. É claro. Lauren bateu palmas e gritou:
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— Legal! E eu quero a sua ajuda. Eu preciso da sua ajuda. Ela poderia repetir o que disse, pensei. E, como eu esperava, ela repetiu. — Preciso da sua ajuda porque sei que você é muito boa com essas coisas. — Por quê? Por que sou uma especialista em casamentos que passou quase um ano planejando um? — outra lembrança da minha dor. Lauren recuou, mas depois continuou: — Não. Não é por isso. É apenas porque você tem um gosto impecável. —Ela olhou de novo para Marcus. — Um gosto incrível. Ninguém tem tanto gosto como Darcy. Isso era verdade. Marcus concordou e depois tomou outro gole de cerveja. — Por isso, eu preciso da sua ajuda — ela disse animada. Tudo bem. Vamos começar pelos jeans. E pelos tênis. E pelo cabelo. Eu olhei para a minha mãe, esperando que ela estivesse pensando a mesma coisa. Ela geralmente criticava muito Lauren, discorrendo sobre a forma como ela usava o blush: dois círculos rosa que aproximavam as suas maçãs do rosto. Não que Lauren tivesse maçãs protuberantes. Ela não tinha os melhores genes. Mas estava claro que a minha mãe não estava muito crítica nesse dia, ela estava hipnotizada pelo brilho rosado de um novo casamento. Ela olhou para Jeremy e para Lauren com carinho. — Lauren estava louca para ligar para você. Mas Jeremy e eu a convencemos a falar com você pessoalmente. — Estou feliz por isso — eu disse, lisonjeada. — Você tinha razão, mãe — disse Lauren. Mãe? Será que eu ouvi direito? Olhei para Lauren. — Então você a chama de “mãe” agora? — logo ela se achará no direito de herdar as joias e as louças da minha mãe! Lauren começou a rir, apertando as mãos de Jeremy em seu rosto em uma demonstração enjoativa de afeto. Parecia
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um comercial malfeito da Kodak, aqueles que têm a intenção de fazer as pessoas chorarem. — Sim. Eu tinha vontade de chamá-la assim há muito tempo, mas só agora achei que poderia. — Entendi — eu disse, sem gostar nem um pouco da ideia. Depois disso, olhei para Marcus, que estava terminando a sua cerveja. — Você quer outra? — perguntei, me levantando para ir à cozinha. — Claro — disse ele. Eu olhei para ele. — Vem comigo. Marcus me seguiu até a cozinha, onde eu pude reclamar da minha família. — Como eles podem falar com tanta animação deste casamento depois do que eu passei? Não dá para acreditar em como eles estão sendo insensíveis! Eu queria falar sobre o nosso casamento, mas, agora, eu perdi a vontade. Provavelmente porque eu nem tenho um anel — eu disse. Eu não deveria ter colocado a culpa em Marcus, mas não pude evitar. Colocar a culpa nas outras pessoas é um instinto natural quando estou chateada. Marcus olhou para mim e disse: — Posso pegar outra cerveja? Eu abri a geladeira com tanta força que uma garrafa de ketchup saiu voando da prateleira e caiu no chão. — Está tudo bem aí? — minha mãe perguntou da sala de estar. — Tudo ótimo — eu disse, enquanto Marcus colocava de volta o ketchup e pegava outra cerveja. Respirei fundo e voltamos para a sala de estar. A minha mãe e Lauren falavam sobre a lista de convidados. — Duzentas pessoas parece ser uma boa quantidade — disse Lauren. — Acho que você vai descobrir que duzentas pessoas é o mínimo. Logo essa lista vai aumentar. Se os seus pais
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convidam vinte casais e nós convidamos vinte casais, já são oitenta convidados — disse a minha mãe. — É verdade — disse Lauren. — E eu quero convidar muitas pessoas da Good Haven. — Bem, isso vai diminuir o gasto com a bebida — brincou Marcus. Lauren sacudiu a cabeça e sorriu. — Você ficaria surpreso ao ver o que eles podem fazer. Todos os anos, na festa de Natal, eles ficam muito bêbados. — Deve ser uma loucura — eu disse. — Eles... Você sabe... Pensam em transar? — perguntou Marcus. A sua primeira contribuição para a conversa foi sobre sexo geriátrico. Que amável! Lauren caiu na risada e começou a contar uma história sobre Walter e suas recentes escapadas para o quarto de Myrtle. Quando ela terminou de contar uma centena de histórias sobre alguns romances na casa de repouso, minha mãe finalmente olhou para o meu namorado e disse: — Então, Marcus. Fale um pouco de você. — O que vocês querem saber? — perguntou ele. Dex faria a mesma pergunta, mas em um tom completamente diferente. — Qualquer coisa. Tudo. Queremos conhecer você melhor. — Bem. Sou de Montana. Estudei na Universidade de Georgetown. Agora trabalho na área de marketing. É isso. Minha mãe ergueu a sobrancelha e cruzou novamente os tornozelos. — Marketing? Que interessante. — Não muito — disse Marcus. — Mas dá para pagar as contas. Bem ou mal. — Eu nunca estive em Montana — comentou Jeremy. — Nem eu — disse Lauren. — Vocês já saíram do estado? — murmurei. Depois disso, antes que ela começasse a falar da viagem que fez para o Grand Canyon quando era criança, eu soltei:
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— O que temos para o jantar? — Lasanha. A mamãe e eu fizemos juntas — disse Lauren. — Você e a mamãe? Lauren estava inabalável. — Sim. E você vai ser a minha irmã! A irmã que nunca tive! Tudo isso é maravilhoso demais. — U-hum — eu disse. — Então, Marcus, você tem irmãos? — perguntou a minha mãe. — Sim — disse ele. — Um irmão. — Mais velho ou mais novo? — Quatro anos mais velho. — Que legal. Marcus deu um sorriso forçado e tomou outro gole de cerveja. De repente, eu me lembrei de como eu senti vontade de lhe beijar na noite do aniversário da Rachel enquanto olhava ele bebendo cerveja no bar. Para onde foram aqueles sentimentos? A hora do coquetel felizmente acabou e nós seis fomos para a sala de jantar da minha mãe. A sua cristaleira estava reluzente e lotada de peças de porcelana e de cristal. — Sentem-se todos. Marcus, sente-se aqui — ela apontou para a cadeira onde Dexter se sentava. Eu percebi uma pontinha de sofrimento em seu olhar. Ela sentia saudades de Dex. Depois ela mudou o olhar, mostrando determinação. Mas, apesar dos seus esforços, o jantar foi doloroso. Meus pais fizeram algumas perguntas estranhas e Marcus deu respostas concisas intercaladas por goles de cerveja. Mais tarde, ele fez o comentário que iria ficar na história. Tudo começou quando Jeremy falou sobre um de seus pacientes, um homem mais velho que tinha abandonado a esposa por uma mulher muito mais jovem do que ele, depois de 31 anos de casado. — Que vergonha — replicou Lauren.
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— Chocante — acrescentou a minha mãe. Até o meu pai, pelo qual eu não colocava a mão no fogo, sacudiu a cabeça com aparente desaprovação. Mas, por alguma razão, Marcus não se mostrou chocado como o resto do grupo. Em vez de ficar calado, como ele havia ficado várias vezes até o momento, ele escolheu abrir a boca e dizer: — Trinta e um anos, hein? Isso quer dizer que a minha segunda esposa nem nasceu ainda. Meu pai e Jeremy trocaram olhares, erguendo as sobrancelhas de maneira idêntica. Minha mãe pareceu desanimada e pegou o seu copo de vinho. Lauren deu uma risada nervosa e disse: — Isso é muito engraçado, Marcus. Boa! Marcus sorriu sem muito entusiasmo, percebendo que a sua piada não havia caído bem. De repente, eu perdi a vontade de salvar a noite ou a imagem do meu novo namorado. Eu me levantei e levei meus pratos para a cozinha, com a postura ereta. Escutei a minha mãe pedir licença e sair atrás de mim. — Querida, ele só queria ser engraçado — disse a minha mãe quando estávamos sozinhas na cozinha. — Ou talvez ele apenas esteja nervoso por estar falando com seus pais pela primeira vez. O seu pai pode parecer intimidador. Mas eu sabia que ela não pensava assim. Ela achava que Marcus era grosseiro e que não se equiparava a alguém da estirpe de Dexter. — Ele não é sempre assim — eu disse. — Ele é tão charmoso quanto Dex, quando ele quer. Porém, enquanto eu tentava convencer a minha mãe, eu me dava conta de que Marcus não tinha nada a ver com Dex. Nada. A última gota de café pingou na cafeteira no momento em que pensei: “Fiz a escolha errada”. Voltamos para a sala de jantar, onde todos fingiam estar apreciando uma deliciosa torta cremosa de morango comprada na melhor padaria da cidade. Minha mãe pediu desculpas por não ter feito, pessoalmente, a torta. — Adoro essa torta! Parece torta caseira — disse Lauren.
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Meu pai começou a assobiar uma canção enquanto comia a torta até a minha mãe lhe dar uma olhada pedindo para parar. Depois de mais alguns momentos tensos, eu disse: — Não estou com vontade de comer torta. Vou dormir. Boa-noite. Marcus ficou de pé, bateu os dedos na borda da mesa e disse que estava “exausto” também. Ele agradeceu à minha mãe pelo jantar e me seguiu em silêncio, deixando o seu prato em cima da mesa. Subi as escadas na sua frente e depois segui pelo corredor, parando abruptamente na porta do quarto de hóspedes. — Esse é o seu quarto. Boa-noite — eu estava cansada demais para começar uma briga. Marcus massageou os meus ombros. — Para com isso, Darcy. — Você está satisfeito? Ele deu um sorriso forçado, o que me irritou ainda mais. — Como você pode me fazer passar tanta vergonha? — Foi uma piada. — Não teve graça. — Eu sinto muito. — Não, você não sente. — Eu sinto muito. — Como eu vou ter coragem de dizer a eles que vamos nos casar e que estou esperando um filho seu? — sussurrei. — O homem que planeja me deixar daqui a 31 anos por outra mulher? Eu me senti vulnerável, algo que nunca havia sentido antes de engravidar. Foi uma sensação terrível. — Você sabe que eu estava brincando. — Boa-noite, Marcus. Fui para o meu quarto esperando que ele viesse atrás de mim. Ele não foi. Então, eu me sentei na cama e olhei para a minha parede cor de lavanda, coberta de fotos de dias mais felizes. Fotos que estavam amareladas e com as bordas viradas, lembrando-me de que o tempo passara, de como eu
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estava distante dos tempos do ensino médio. Olhei para uma foto de Rachel, Annalise e eu, depois de uma partida de futebol americano. Eu estava usando o meu uniforme de chefe de torcida e as duas estavam usando as blusas do uniforme do colégio Naperville. Nossos rostos estavam pintados com uns riscos alaranjados. Lembro que Blaine tinha feito uma bela jogada, vencendo o jogo e levando o nosso time para as quartas de final. Lembro-me de vê-lo tirar o capacete, o seu rosto e cabelo molhados de suor como se fosse um modelo sexy de uma propaganda de isotônicos. Depois, enquanto a plateia aplaudia, ele olhou para mim na lateral do campo e apontou o dedo, como se quisesse dizer “Essa foi para você, querida!”. Parecia que todas as pessoas do estádio estavam olhando para mim. “A vida era boa naquela época”, pensei, e comecei a chorar. Não porque sentia saudades daqueles bons tempos, embora isso também fosse verdade. Era mais porque eu sabia que estava me tornando uma daquelas garotas que, ao olhar para as fotografias do ensino médio, sentia-se triste e saudosa.
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Na manhã seguinte, escutei uma batida leve na porta e a voz da minha mãe. — Darcy, você está acordada? — Sua voz melosa, o que não era comum, fez com que eu me sentisse pior. — Entra — eu disse, sentindo um pouco de enjoo. Ela abriu a porta, atravessou o quarto e sentou-se ao pé da minha cama. — Querida, não fique assim — disse ela, dando tapinhas em minhas pernas que estavam debaixo do lençol. — Não consigo. Sei que vocês não gostaram dele. — Eu gostei do Marcus — disse ela, de forma pouco convincente. — Não, você não gostou. Você não poderia gostar depois do que ele fez na noite passada. Ele quase não abriu a boca, exceto para contar os seus planos de me deixar algum dia. Ela me olhou parecendo estar confusa. — Deixar você? — O comentário sobre a segunda esposa — eu disse, acomodando a cabeça no travesseiro. — Bem, você não está pensando em se casar com esse garoto, está? — sussurrou ela. O jeito como ela disse “esse garoto” foi revelador. — Talvez — eu disse soluçando. Minha mãe pareceu ansiosa e continuou a sussurrar.
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— Marcus não é apenas um passatempo? Eu solucei, olhei para ela, pensando se deveria lhe contar a grande notícia: “Você está prestes a ser avó”. No entanto, eu disse: — Ele só está passando por uma fase difícil. — Bem, se ele não mudar de atitude, você só precisa terminar e recomeçar as coisas — disse ela, estalando os dedos. — Você pode conseguir quem você quiser. Queria que as coisas fossem fáceis assim. Se ao menos eu pudesse voltar atrás e consertar os meus erros. Saber que isso não era possível, que eu estava presa a Marcus, aumentou a minha náusea. Disse à minha mãe que não estava me sentindo bem e que eu queria dormir um pouco mais. — É claro, querida. Descanse bastante... Vou levar a sua roupa suja para lavar. A nossa faxineira sempre lavava as roupas e essa atitude da minha mãe apenas mostrava que ela estava com pena de me ver nessa situação. — Minha roupa suja está naquela sacola azul-turquesa de malha — disse a ela enquanto fechava os olhos. — E, por favor, não coloque meus sutiãs na secadora. São muito delicados. — Está bem, querida — disse ela. Escutei-a abrir a minha mala e tirar as minhas roupas. Depois disso, escutei-a suspirar. O suspiro da minha mãe é uma das suas marcas registradas. Uma inalação dramática de ar com mais barulho do que geralmente é possível. Por um momento, achei que ela estava querendo dizer que eu tinha muita roupa suja. Depois, eu me lembrei do livro que havia colocado dentro da mala: O que esperar quando está esperando. — O que é isso? Eu não tinha outra escolha além de contar a verdade. Abri os olhos, sentei na cama e disse: — Mãe. Eu estou grávida. Ela deu outro suspiro, colocando as mãos na cabeça.
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— Não — sacudindo a cabeça. — Você não está. — Eu estou — repeti. — Dex? — perguntou ela, com um pouco de esperança. Ela queria desesperadamente que eu lhe dissesse que o pai era Dex. Ela queria acreditar na possibilidade de uma reconciliação com o meu homem ideal. De recuperar a minha vida glamorosa. Eu sacudi a cabeça. — Não. Marcus. Minha mãe caiu em cima da cama, apertou as mãos no meu colchão e chorou. — Não era assim que eu havia sonhado receber essa notícia de você. — Mãe, fica calma! Você deveria estar feliz por mim! Sua expressão mudou de tristeza para raiva. — Como você pode estragar a sua vida dessa maneira? Esse garoto é horrível! — Ele não é horrível. Ele pode ser charmoso e muito divertido — eu disse, lembrando que ele não estava sendo charmoso e nem mesmo divertido há algum tempo. — E eu vou me casar com ele, mãe. Fim da história. — Não. Não. Não! Você não pode fazer isso, Darcy! — Sim, eu posso. — Você está jogando a sua vida fora. Ele não é bom o suficiente para você. Não chega nem perto... — disse ela, com os olhos cheios de lágrimas. — Por causa de um comentário? — Por causa de muitas coisas. Porque vocês não combinam. Por causa do comportamento dele na noite passada. Dex nunca agiria de forma tão deplorável. — Para de fazer comparações com Dex! Estou com Marcus agora! — gritei, sem me preocupar se alguém iria me ouvir. — Você está destruindo a sua vida! — ela replicou. — E seu pai e eu não vamos ficar assistindo a você fazer isso!
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— Eu não estou destruindo a minha vida, mãe. Eu amo Marcus, vamos nos casar e ter o nosso filho. E é melhor você se acostumar com a ideia. Do contrário, você será uma daquelas mulheres que participam do programa da Oprah para contar que nunca viu seus netos — eu disse, puxando o lençol e me levantando para ir ao quarto de hóspedes e cair nos braços do meu futuro marido. Apesar de tudo, não há nada melhor do que ouvir a sua mãe dizer que você está tomando uma decisão errada para fazer você ter certeza de que está no caminho certo. Minutos mais tarde, Marcus e eu tínhamos arrumado as malas e estávamos na esquina da rua sem saída, esperando pelo táxi que eu havia chamado. Ninguém, nem mesmo o meu relaxado irmão mais novo, insistiu para que não fôssemos embora. O táxi nos deixou na frente de um hotel, perto do aeroporto, onde Marcus pareceu estar arrependido. Eu aceitei as suas desculpas e passamos o resto do fim de semana transando e assistindo à televisão em um quarto escuro que tinha o cheiro de água sanitária e fumaça de cigarro. Não poderia negar que a cena era deprimente, mas, por mais estranho que pareça, também era romântica e unificante. Marcus e eu recordamos a briga que tive com a minha mãe, concordando que ela era uma pessoa vazia e sem coração. E, quando voltamos para casa, as coisas continuaram bem entre nós ou, melhor dizendo, menos mal. Mas a paz duraria pouco e, depois de algumas semanas, voltamos a brigar. Por qualquer coisa. Eu reclamava, principalmente, das noites cada vez mais frequentes em que ele passava jogando pôquer com alguns novos amigos que havia conhecido em Manhattan, do seu armário bagunçado e da sua falta de vontade de ir ao meu apartamento. Ele reclamava que eu não tinha a mesma disposição para fazer sexo, da temperatura muito baixa do ar-condicionado em meu apartamento e da minha obsessão por Dex e Rachel. Em uma manhã de sábado, depois de uma pequena discussão sobre nomes de bebê (ele teimava em sugerir o nome Julie, e eu sabia que ele havia perdido a virgindade com uma menina chamada Julie), Marcus me expulsou do seu apartamento e disse que precisava ficar um pouco
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sozinho. Então, eu saí e fui fazer compras, recuperando as energias para a nossa próxima briga. Mais tarde, naquela noite, fiquei esperando ele me ligar para se desculpar. Mas isso não aconteceu. Na verdade, ele não ligou nem uma vez. Eu liguei para ele. Várias vezes. Deixei mensagens de raiva. E depois deixei mensagens ameaçadoras. E depois passei a deixar mensagens histéricas e patéticas, implorando para que ele me ligasse. Quando, por fim, Marcus me ligou de volta, o meu veneno e as minhas lágrimas haviam acabado. Eu apenas sentia uma fria incerteza. — Onde você esteve durante o fim de semana? — perguntei, amargurada. — Estive pensando — disse ele. — Sobre nós? — Sim. — E o que você pensou? — perguntei. — Se você realmente quer ficar comigo? — Mais ou menos. Nesse momento, sabia que Marcus tinha todo o poder. Cada gota dele. Eu me lembrei de todas as vezes que havia terminado com algum namorado, especialmente das palavras que disse quando terminei com o meu namorado Blaine, na época do ensino médio. Eu me lembrei de ouvi-lo perguntar: — Você quer continuar ou terminar? Por que você está assim? — Porque, Blaine — eu disse —, é assim que as coisas são. Quando uma pessoa quer terminar um relacionamento, ela precisa tomar a iniciativa. Não tem outra maneira. Essa triste constatação doeu muito em mim. Se Marcus queria terminar, não haveria nada a fazer para impedi-lo. Mesmo assim, eu tentei, com a voz trêmula. — Marcus, por favor! Não faça isso! — Olha. Precisamos conversar pessoalmente. As coisas não estão indo bem — disse ele. — Você quer terminar comigo? Diz agora. Por favor! — Eu tinha esperado para falar com ele durante todo o fim de
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semana, mas, só de pensar em ter de esperar mais vinte minutos, me senti sufocada. — Logo estarei aí — disse ele. A sua voz estava fria e indiferente. Ele chegou uma hora mais tarde, usando uma camiseta estampada com o nome de um bar chamado Hooters. — Você quer terminar, não é? — perguntei, antes que ele pudesse se sentar. Ele abriu uma garrafa de Sprite, deu um gole e concordou duas vezes com a cabeça. — Ai meu Deus! Não acredito no que está acontecendo. Como você pode terminar comigo? Estou esperando um filho seu! Como você pode fazer isso? — Eu sinto muito, Darcy... Mas não quero ficar com você. Foi a frase mais surpreendente que eu havia escutado. Eu fiquei mais chocada do que no dia em que encontrei Dex dentro do armário da Rachel. Talvez porque a decisão não fosse mútua. Eu queria ficar com Marcus. Mas ele não me queria. Fim da história. — Por quê? — eu perguntei. — Por causa da nossa briga? Ele sacudiu a cabeça. — Você sabe que não é só por causa de uma briga. — Então é por quê? — Porque eu não posso me enxergar casado com você. — Tudo bem. Não nos casamos. Podemos fazer como a Goldie Hawn. Qual é o nome dele? Ele sacudiu a cabeça novamente. — Não. — Mas eu estou esperando um filho seu! — Eu sei. E isso é um problema — ele ergueu as sobrancelhas e olhou para mim. — Um problema que tem várias soluções.
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— Eu já disse milhões de vezes que não quero fazer um aborto! — A decisão é sua, Darcy. Assim como você decidiu engravidar sozinha. Lembra-se disso? — disse ele, parecendo estar nervoso. — E agora, aqui estamos... E eu só quero que você encare os fatos sobre o nosso futuro. Eu o interrompi. — O que isso quer dizer? — Quer dizer que eu não quero ficar com você e não quero ter um filho. Vou lhe ajudar financeiramente se insistir com essa gravidez, mas não quero... Me envolver — disse ele, aliviado. — De nenhuma forma. — Não acredito no que estou escutando! — Eu sinto muito — disse ele, sem demonstrar sentimento. Eu implorei. Chorei. Justifiquei. Prometi que iria mudar. E ele soltou o insulto final. — Eu não estou mais a fim de você — e saiu do meu apartamento. Pensei em Dex novamente. Desta vez, eu não tinha ninguém de reserva. Nenhum pretendente esperando por mim. Eu estava, pela primeira vez na vida, completamente sozinha.
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No dia seguinte, resolvi sair da toca e fiz o impensável. Liguei para o Dex. Foi um gesto patético e desesperado, mas era exatamente isso o que eu tinha me tornado: patética e desesperada. — Oi, Dex — eu disse quando ele atendeu a chamada no seu telefone da Goldman Sachs. Ele fez um som parecido com uma tosse ou risada, ficando em silêncio. — É a Darcy — eu disse. — Eu sei que é você. — Como você está? — perguntei, mantendo o tom de voz. — Estou bem. E você? — perguntou ele. — Eu estou... Bem — eu disse. — Eu estava pensando se... Você pode falar agora? Estou atrapalhando? — Bem... Na verdade, estou com pressa. — E podemos nos falar mais tarde? Você pode se encontrar comigo depois do trabalho? — Acho que não — ele respondeu rapidamente. — Por favor. Eu preciso falar com você sobre uma coisa — eu disse. Enquanto eu falava, percebi que Dex já não se importava com as minhas necessidades. E como esperava, ele repetiu:
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— Acho que não. — Por que não? — Eu acho que não é uma boa ideia. — Por causa da Rachel? — Darcy — disse ele, irritado. — O que você quer? — Eu só queria ver você. Você não pode me ver? Por favor? Eu só queria falar com você. Eu tenho certeza de que ela vai entender — eu disse, esperando que ele me dissesse que não estava mais com ela. Que haviam terminado. Eu estava louca para ouvir essas palavras. Mas ele disse: — Rachel não se importaria se eu me encontrasse com você. A frase não era esclarecedora. Poderia significar que ela confiava nele. Poderia significar que já não estavam juntos. Eu decidi que não iria lhe pressionar. Não agora. — Bem, então, por que você não quer me ver? — perguntei. — Darcy, você tem que seguir em frente. — Eu estou seguindo em frente — eu disse. — Eu só precisava falar com você sobre uma coisa. Ele suspirou e concordou. — Tudo bem. Pode ser. Eu fiquei surpresa. Meu plano iria funcionar. Ele mudou de ideia porque, no seu íntimo, ele também queria me ver. — Podemos nos encontrar no nosso apartamento às 20 horas? — eu disse. — Nosso apartamento? — Você sabe o que eu quis dizer — eu respondi. — Não. Eu não vou até lá. Escolha outro lugar. — Que lugar? — perguntei, esperando que ele sugerisse um belo restaurante. — Você pode escolher. — Que tal o Session 73?
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Eu sabia que esse bar ficava há alguns quarteirões do apartamento de Rachel. — Por que lá? — perguntei. — É o seu novo local favorito em Upper East? — Darcy. Você está pisando em gelo fino — disse ele. Ele sempre dizia isso para mim de brincadeira. Senti uma onda de nostalgia e pensei se ele havia sentido também. — Por que não podemos nos encontrar no apartamento? — Não brinque com a sorte. — Mas eu tenho de lhe dar uma coisa. — Que coisa? Eu já peguei tudo. — É só uma caixa que você deixou. Com coisas do seu fichário. — Que tipo de coisas? — Mapas, manuais, algumas cartas... — Você pode jogar fora essas coisas. — Não podemos nos encontrar só mais uma vez no apartamento? Podemos conversar por dez minutos. Eu lhe darei as coisas e você vai embora. — Não. Você pode levá-las para o Session 73. — A caixa é muito pesada — eu disse. — Não consigo carregar, muito menos para o... — Está certo. Você está grávida — ele disse com um pouco de amargura na voz. Foi um bom sinal, ele não sentiria amargura se não se importasse. — Então eu apareço no seu apartamento às 20 horas — disse ele. — Por favor, deixa tudo pronto. — Tudo bem — eu disse. — Até a noite, Dex. Mais tarde, eu saí do trabalho para a minha loja preferida e comprei um maravilhoso suéter de cashmere verde-água que era ajustado nas costas. Dex adorava as minhas costas. Ele sempre me dizia que eu tinha costas lindas e que ele gostava por ela ser forte e por eu não ter gordura saltando ao redor da alça do sutiã. Rachel tinha um pouco de gordura nas costas, pensei, enquanto andava pela Quinta Avenida para chegar ao meu cabeleireiro. Depois
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de uma bela escova, eu coloquei o meu suéter novo no banheiro do salão. Caso Dex chegasse ao meu apartamento antes do horário combinado, eu estaria pronta. Como eu esperava, quando cheguei em casa, lá estava ele, sentado na nossa varanda, lendo um documento. Ele estava lindo. Meu coração acelerou como tinha acelerado no primeiro dia em que o vi entrar naquele bar em Greenwich Village, muitos anos atrás. Ele já não estava bronzeado, mas a sua pele ainda parecia iluminada. Ele tinha uma pele morena clara que daria inveja a qualquer mulher. Uma cor perfeita, uniforme, sem imperfeições. Suas costeletas estavam maiores do que de costume, dando-lhe um ar mais sexy. Eu gostei da mudança sutil. Mas com ou sem as costeletas, Dex era maravilhoso. Eu tinha de consegui-lo de volta. — Oi, Dex — eu disse, com um sorriso tímido. — Você chegou cedo. Dex sorriu e guardou o documento em sua pasta. Depois fechou-a, ficou de pé e me olhou nos olhos. — Oi, Darcy. — Vamos subir — eu disse, subindo as escadas da forma mais sedutora possível até o nosso apartamento no terceiro andar. Dex detestava quando eu pegava o elevador para subir três andares e por isso eu quis mostrar que havia mudado. Ele me seguiu em silêncio e ficou parado esperando eu abrir a porta com um sorriso nos lábios. Eu entrei e ele ficou esperando na porta. — Então? Você não vai entrar? — perguntei, caminhando para o sofá. — Onde estão as minhas coisas? — perguntou ele, sem querer dar mais um passo. Eu virei os olhos. — Você pode apenas entrar e sentar um pouco? Quero falar com você. — Tenho um compromisso às 21 horas — disse ele. — Bem, ainda são 20 horas. Ele olhou ao redor, parecia nervoso. Depois suspirou, deu alguns passos e sentou-se na outra ponta do sofá, colocando a sua pasta no meio das pernas. Eu me lembrei de
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todas as vezes que ele havia sentado naquele lugar, tirado os sapatos e deitado. Tínhamos jantado inúmeras vezes nesse sofá, assistido a centenas de filmes e programas de televisão ali, até mesmo feito amor, no início do relacionamento. Agora, ele parecia sério e incomodado. Isso era estranho. Sorri, tentando fazê-lo alterar o humor. — Vamos logo com isso, Darcy. Eu preciso ir. — Aonde você vai? — Isso não lhe interessa. — Você vai sair com a Rachel? Como estão as coisas com ela? — perguntei, esperando ouvi-lo dizer que esse romance improvável, baseado em sentimentos de carência afetiva e de dúvida, tinha acabado, destruindo a amizade que sentiam um pelo outro. Dex disse: — Não vamos continuar com esse teatro de querer saber da vida do outro como se ainda fôssemos amigos. — O que isso significa? — perguntei. — O que você não entendeu? — disse ele. — A parte em que você disse que não somos mais amigos. — Nós não somos amigos — disse ele. — Namoramos por sete anos e agora não podemos ser nem mesmo amigos? É isso? — perguntei. Ele não recuou. — Isso mesmo. Exatamente. — Bem. Apesar de não sermos mais amigos, por que você não pode me contar se ainda está com a Rachel? Qual é o problema? — parei de falar, rezando para ele dizer: “Não seja ridícula. Rachel e eu não estamos mais juntos. Aquela tarde foi apenas um deslize... Ou melhor... Quase um deslize”. Talvez eu tivesse me enganado ao achar que estavam bronzeados naquele dia na loja de móveis. — Não tem nenhum problema — disse ele. — Eu apenas acho que é melhor não falarmos sobre a nossa vida pessoal —
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ele segurou a pasta pela alça, sacudindo-a de um lado para o outro. — Por quê? Eu aguento. Você não? Ele respirou fundo, sacudiu a cabeça e disse: — Bem. Já que você insiste. As coisas estão muito bem entre a Rachel e mim. Ótimas, na verdade. — Então vocês ainda estão namorando? — Está vendo? É por isso que eu não queria discutir a minha vida pessoal com você — disse Dex, apertando o maxilar com as mãos. — Bem — suspirei. — Vamos pegar as suas coisas. Elas estão no quarto. Você sabe onde fica, não é? — Você pode pegá-las. Eu espero aqui. — Dex, por favor — eu disse. — Vem comigo. — Não — ele respondeu. — Não vou entrar lá. Suspirei, desiludida, parada em frente a nossa cama, onde havia planejado seduzi-lo depois de um ou dois copos de vinho. Estava claro que isso era impossível. Então, eu peguei uma caixa de sapatos, joguei os sapatos que estavam dentro dela em cima da minha cama e fui procurar alguns manuais na minha escrivaninha. Achei um manual de uma calculadora sofisticada que ele havia comprado para o seu escritório. Outro do nosso aparelho de som. E alguns mapas de Washington, onde morava o seu pai. Coloquei os papéis dentro da caixa. Depois, só para aumentar o peso, eu acrescentei um porta-retratos de prata com a foto do nosso noivado. Eu sabia que era uma das fotos minhas de que Dex mais gostava, por isso fiquei surpresa por ele ter levado outras fotos nossas e ter deixado essa. Eu voltei para a sala, lhe entreguei a caixa e disse: — Aqui. — É essa a caixa pesada que você não conseguiria carregar? — ele perguntou, aborrecido. Levantou-se e preparou-se para sair. Foi quando tudo desabou e eu comecei a chorar. Dex estava em um relacionamento sério com Rachel. Ele iria me
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deixar para ficar com ela. Com os olhos molhados de lágrimas, eu implorei. — Não vá. Por favor, não vá — eu disse, pensando em quantas vezes eu deveria repetir essas palavras. — Darcy — disse ele, sentando-se. — Por que você está fazendo isso? — Não posso evitar — eu disse, enquanto assuava o nariz. — Estou desesperada. Ele respirou fundo. — Você age como se eu fosse o culpado de tudo. — Você é o culpado de tudo. — Você também teve a sua culpa. Lembra? — ele apontou para a minha barriga. — Certo. Bem. Eu também tive culpa. Mas... — tentei pensar em alguma maneira de segurá-lo por mais tempo comigo. — Mas eu preciso de algumas respostas antes de seguir em frente. Preciso colocar um ponto final. Por favor, Dex. Ele me olhou de forma vaga. Seus olhos diziam “você não tem outra opção. Eu estou em outra”. Eu resolvi perguntar, mesmo assim. — Quando exatamente vocês começaram a se encontrar? No dia em que terminamos? — Darcy, isso não interessa mais agora. — Diz para mim. Você estava procurando alguém para lhe consolar? Foi por isso que se envolveu com a Rachel? — Darcy, para com isso. Eu quero que você seja feliz. Eu quero que você seja feliz com Marcus. Você não pode me desejar o mesmo? — Marcus e eu terminamos — deixei escapar. Já não me restava nem um pouco de orgulho. Dex ergueu as sobrancelhas, preparando-se para fazer uma pergunta: quando ou, talvez, por quê. Mas ele resolveu dizer: — Oh, eu sinto muito em saber.
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— Sinto saudades de você, Dex — eu disse. — Quero ficar com você novamente. Tenho alguma chance? Ele sacudiu a cabeça e disse: — Não. — Mas eu ainda amo você — eu o abracei. — E eu acho que nós ainda temos... — Darcy — ele se afastou de forma abrupta, irritado. Eu o conhecia muito bem. Era a sua cara de “a minha paciência acabou”. A cara que ele fazia sempre que eu perguntava a mesma coisa milhões de vezes. — Eu estou com a Rachel agora. Sinto muito. Não há chance de reatarmos o nosso relacionamento. Nenhuma. — Por que você está sendo tão cruel? — Eu não estou sendo cruel. Estou dizendo a verdade. Tampei o meu rosto com as mãos e comecei a soluçar em voz alta. Então, de repente, eu tive uma ideia. Era uma coisa horrível, baixa, mas achei que não tinha outra opção. Parei de chorar, olhei-o de lado e disse: — O bebê que estou esperando é seu filho. Dex não demonstrou surpresa. — Darcy. Não começa com esse papo de exame de DNA. Esse bebê não é meu e nós dois sabemos disso. Eu ouvi o que você disse a Rachel. Eu sei quando transamos pela última vez. — A gravidez tem mais tempo do que eu pensava. É seu. Por que você acha que eu e Marcus terminamos? — Darcy — disse Dex, elevando o tom da sua voz. — Não faça isso. — Dex. O bebê é seu. O meu médico fez um ultrassom para confirmar a idade do feto. Aconteceu antes do que eu imaginava. É seu — eu disse, impressionada com a minha habilidade para mentir. Eu disse a mim mesma que contaria a verdade mais tarde. Eu só precisava ganhar mais tempo com Dex. Eu poderia consegui-lo de volta se eu tivesse tempo para reconquistá-lo. Ele não conseguiria resistir aos meus encantos, assim como Marcus não conseguiu. Além disso, Marcus nem podia pensar em um relacionamento sério. Mas
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Dex seria meu para sempre. Ele ainda devia sentir alguma coisa por mim. — Se você estiver mentindo, eu nunca lhe perdoarei — ele estava quase tremendo e seus olhos estavam arregalados. — Eu quero a verdade. Agora. Respirei fundo, expirando o ar lentamente, e olhei em seus olhos enquanto mentia novamente. — É seu — eu disse, sentindo um pouco de culpa. — Você sabe que eu vou querer comprovar. Eu lambi os lábios, calmamente. — Sim. Está certo. Quero que você faça o exame de sangue. Você vai ver que é seu. — Darcy. — O quê? Dex colocou as mãos na cabeça e depois passou-as pelo seu cabelo grosso e preto. — Darcy... Mesmo que seja meu quero que você saiba que esse bebê não vai mudar nada entre nós. Nada. Você entendeu? — O que você quer dizer com isso? — perguntei, mesmo tendo compreendido o que ele estava querendo me dizer. Além disso, Marcus havia me dito a mesma coisa na noite passada. Eu sabia bem o que isso significava. — Nós não temos mais nada. Acabou. Nunca mais ficaremos juntos. Com ou sem bebê. Estou com a Rachel agora. Eu olhei para ele, sentindo muita raiva. Isso era inacreditável! Inconcebível! Como ele poderia estar com a Rachel? Eu fiquei de pé e caminhei para a janela, tentando recuperar o fôlego. — Então, diz a verdade agora. É meu? — ele perguntou. Eu me virei e olhei para ele. Ele não mudaria de ideia. Você acaba conhecendo a pessoa depois de sete anos juntos e eu sabia que, quando Dex decidia alguma coisa, nada poderia fazê-lo mudar de ideia. Seu maxilar estava tenso. Eu não via chance para mim. Além disso, por mais descarada que eu
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fosse, sabia que não poderia ir muito longe com uma história assim, mesmo que fosse apenas por algum tempo. Era muita crueldade e eu me senti pior por ter mentido. — Tudo bem — eu disse, sacudindo as mãos. — O bebê é de Marcus. Está feliz? — Na verdade, estou, Darcy. Eu estou feliz. Não, acho que estou jubiloso — e apontou o dedo para mim, com muita raiva. — Você ser capaz de mentir sobre uma coisa como essa apenas confirma o que eu... — Eu sinto muito — disse, antes que ele terminasse de falar, eu estava chorando de novo. — Eu sei que foi um golpe baixo... Mas eu não sei o que fazer. Tudo está desabando. E... E você está com a Rachel. Você a levou para a nossa viagem de lua de mel! Como você pôde levá-la para a nossa viagem de lua de mel? Como você pôde fazer isso? Dex não respondeu. — Vocês foram, não foram? Você foi para o Havaí com ela? — Eu não consegui trocar as passagens, Darcy. Até o hotel já estava pago — disse ele, com um pouco de culpa. — Como você foi capaz de fazer isso? Como? E depois eu vi vocês dois na loja de móveis, comprando sofás. Foi assim que eu descobri que vocês tinham ido ao Havaí. Vocês estavam bronzeados. Comprando sofás... Bronzeados, felizes e comprando sofás — eu estava gaguejando, confundindo as palavras. — Vocês pretendem morar junto? — Ainda não... — Ainda não? — eu disse. — Então pretendem fazer isso algum dia? Você tem certeza? — Darcy, por favor. Para com isso. Rachel e eu não estamos fazendo isso para magoar você. Assim como você não ficou grávida para me magoar. Certo? — ele perguntou em seu tom de voz de “vamos ser racionais”. Olhei para fora da janela novamente, observando uma pilha de lixo que estava na calçada. Depois, olhei para Dex novamente. — Por favor, volta para mim — eu disse, com uma voz melosa. — Por favor, me dá outra chance. Passamos sete
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anos maravilhosos juntos. As coisas eram boas. Nós perdoaremos um ao outro e seguiremos em frente — me aproximei dele e tentei abraçá-lo. Ele endureceu e se encolheu como um filhote que não quer ser agarrado por uma criança. — Dex? Por favor? — Não, Darcy. Nós não combinamos. Não fomos feitos um para o outro. — Você a ama? — sussurrei, esperando que ele dissesse que não, ou que não sabia, ou que ele não responderia a essa pergunta. Mas ele disse: — Sim, eu a amo — eu vi em seus olhos que ele não estava dizendo isso para ser cruel, mas sim porque gostaria de ser fiel a ela. Era aquele seu olhar comprometido e decidido. Era Dex sendo uma boa pessoa, fiel à sua namorada. Eu achei incrível a velocidade com a qual os laços mais antigos, que levaram anos para ser construídos, podiam ser substituídos. Eu sabia que o havia perdido, mas estava desesperada para ocupar uma pequena parte do seu coração. Fazê-lo sentir, pelo menos, um pouco do que ele sentia por mim. — Mais do que você me amou? — perguntei, esperando alguma migalha. — Não faz assim, Darcy. — Eu quero saber, Dex. Preciso mesmo saber a resposta — eu disse, pensando que ele não poderia amar Rachel mais do que ele me amou depois de sete anos de relacionamento. Isso não era possível. — Por que você quer saber, Darcy? — Eu preciso saber. Responde. Ele olhou para a mesinha de centro por alguns minutos, sem piscar os olhos. Depois, ele olhou ao redor do apartamento e seus olhos pararam em uma pintura a óleo de uma casa em ruínas, cercada por terraços e um carvalho solitário. Nós havíamos comprado a tela juntos, em Nova Orleans, bem no começo do nosso relacionamento. Pagamos quase 800 dólares por ela, o que era muito dinheiro na época, uma vez que Dex ainda estava na faculdade de Direito e eu havia começado a trabalhar. Foi a nossa primeira grande aquisição juntos, uma confirmação implícita do nosso comprometimento um pelo outro. Era o mesmo que comprar
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um cachorro juntos. Eu lembro que estava em pé na galeria, admirando a nossa pintura, quando Dex me disse que tinha adorado as sombras da noite atravessando a varanda da casa. Depois disso, voltamos para o hotel, onde fizemos amor e pedimos uma banana split pelo telefone. Será que ele havia esquecido tudo isso? Acho que ele se esqueceu desses momentos quando comecei a ter um caso com Marcus. Mas eu me lembrava de cada momento agora. E o arrependimento tomou conta de mim. Eu daria tudo para poder voltar atrás. Olhei para Dex e repeti a pergunta: — Você a ama mais do que você me amou? Eu esperei. Depois ele balançou a cabeça e falou tão baixo que quase não ouvi: — Sim, eu a amo. Sinto muito, Darcy. Olhei para ele incrédula, tentando processar o que ele estava dizendo; como seria possível ele amar a Rachel tanto assim? Ela não era muito bonita. Ela não era muito engraçada. O que ela tinha que eu não tinha, além de alguns pontos a mais de Q.I.? Dex repetiu: — Posso dizer que você está em uma situação difícil agora, Darcy. Uma parte de mim gostaria de lhe ajudar, mas não vai adiantar. Eu não posso fazer nada por você. Você tem seus amigos e a sua família para lhe apoiarem... Preciso ir agora — a sua voz estava distante, o seu olhar estava frio. Em alguns segundos, ele teria ido embora, pegado um táxi e atravessado a praça para ver Rachel. Ela o cumprimentaria na porta, com seus olhos castanhos carinhosos, querendo saber detalhes do nosso encontro. Eu podia escutar ela perguntando, “Como foram as coisas?”, e estaria acariciando o seu cabelo enquanto ele lhe contava tudo: que eu havia mentido sobre o bebê, implorado e depois chorado. Os dois sentiriam pena e desprezo por mim. — Tudo bem. Sai. Eu não quero falar com você ou com ela nunca mais — eu disse, lembrando que havia dito a mesma coisa no apartamento de Rachel. Desta vez, minhas palavras não tiveram a mesma força. Dex mordeu o lábio inferior. — Por favor, se cuida — disse ele, pegando a sua pasta e a caixa de sapato com coisas que ele não queria mais,
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assim como eu. Depois, ele se levantou e saiu do seu antigo apartamento, deixando-me para sempre.
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Foi inacreditável. Por toda a minha vida, ensino médio, faculdade e anos seguintes, eu nunca tinha sido dispensada por um garoto. Nunca. Nem tinha esperado por alguém. Nem mesmo tinha sido desprezada. E ali estava eu: com duas perdas em uma semana. Eu estava completamente sozinha, sem ninguém em vista. Também não tinha a Rachel, minha fonte constante de conforto quando outras coisas, que não tinham a ver com a minha vida amorosa, aconteciam em minha vida. Eu também não tinha a minha mãe, para quem eu não quis ligar porque iria escutar um “Eu bem que avisei”. Só tinha a Claire, que veio ao meu apartamento depois que eu não fui trabalhar por três dias seguidos, alegando estar doente. Fiquei surpresa por ela ter demorado tanto para vir me ajudar, mas acho que ela não tinha como saber o quanto eu estava desesperada. Naquela época da minha vida, a minha ideia de depressão era uma TPM. — O que aconteceu? — perguntou Claire, olhando o meu apartamento mais desarrumado do que de costume. — Estou muito preocupada com você. Por que você não retornou as minhas ligações? — Marcus me largou — eu disse, triste. Eu tinha mergulhado fundo para tentar dar uma virada triunfante aos fatos. Ela abriu as persianas da minha sala de estar. — Marcus terminou com você? — perguntou ela, devidamente chocada.
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Eu suspirei e concordei. — Isso é ridículo! Ele já se olhou no espelho? O que ele estava pensando? — Eu não sei — eu disse. — Ele apenas não quer mais ficar comigo. — Bem, o mundo está de cabeça para baixo. Primeiro Dex e Rachel, e agora isso! Quer dizer, é demais para mim! Isso é loucura. Não consigo acreditar. É como se fosse um episódio daquele programa chamado Além da Imaginação. Eu senti uma lágrima rolando em meus olhos. Claire me deu um abraço e um sorriso de motivação. Depois, ela disse, bruscamente: — Bem, há males que vêm para o bem. Marcus era tão qualquer nota. Você vai ficar muito melhor sem ele. E Rachel e Dex são chatos demais — ela foi para a minha cozinha, pegando um saco plástico que continha ingredientes para margarita. — E, acredita em mim, não há nada que não possa ser curado com alguns drinques... Além disso, eu tenho um homem muito mais refinado esperando por você. Assuei o nariz e olhei para ela cheia de esperanças. — Quem? — Você se lembra do Josh Levine? Eu sacudi a cabeça. — Bem, eu tenho duas coisas para lhe dizer: ele é lindo e popular — disse ela, esfregando as mãos. — Ele tem um nariz um pouco grande, mas não chega a ser feio. A filha de vocês pode precisar fazer uma cirurgia plástica, mas esse é o único problema — disse ela, animada. Ela dobrou as mangas da sua camisa e começou a lavar os meus pratos que estavam cobertos de macarrão velho e restos de queijo. — Você deve tê-lo visto aquela vez que fomos ao balneário de Hamptons naquela jacuzzi para 18 pessoas. Você se lembra? Ele é amigo do Eric Kiefer e daquela turma toda. — Ah, sim — eu disse, me lembrando de um bancário com cerca de 30 anos, bem vestido, cabelos castanhos ondulados e dentes quadrados. — Ele não tem uma namorada que é modelo, atriz ou coisa parecida?
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— Ele tinha uma namorada. Acho que ela se chamava Amanda. E sim, ela é modelo... Mas de catálogos baratos. Acho que ela usou calças de veludo cotelê em um catálogo de modas ou coisa parecida. Mas Josh terminou com ela dois dias depois — Claire olhou para mim, orgulhosa. — O que você acha das novidades? Claire adorava ser a primeira a contar alguma novidade. — Por que eles terminaram? — perguntei. — Será que Josh encontrou o seu melhor amigo escondido no armário da Amanda? Claire riu. — Não. Fiquei sabendo que ela era muito burra para ele. Ela é muito sem graça. Escuta isso... Ouvi dizer que ela achava que paparazzi era o sobrenome de algum fotógrafo italiano. Ela disse algo assim, “Quem é esse cara chamado Paparazzi e por que ele não foi preso depois de ter matado a princesa Diana?”. Eu ri disso por quase uma semana. — Para encerrar, Josh está disponível — disse Claire cantando e girando como se fosse uma bailarina. Eu fiquei um pouco desconfiada. — E você não se interessou por ele? — Você sabe como os meus pais são com relação a assuntos religiosos. Eles nunca deixariam eu sair com um judeu. Senão, eu já teria investido nele... Mas é melhor você ser rápida porque as garotas da cidade estão prontas para atacar. — Sim. Você não vai deixar a Jocelyn ficar sabendo disso — eu disse. Jocelyn Silver trabalhava com Claire e eu e, embora eu gostasse um pouco dela, ela era uma fêmea alfa, muito competitiva para que eu pudesse confiar nela. Ela também tinha uma leve semelhança com a Uma Thurman, e se eu a visse ficar irritada mais uma vez por alguém lhe perguntar se ela era a Uma, eu vomitaria. O que, por falar nisso, Jocelyn fazia depois de cada refeição. — Nem de brincadeira... Eu não disse nada a ela sobre o fim do namoro deles. Mesmo se dissesse, Josh preferiria você, sem sombra de dúvidas. Eu sorri com uma falsa modéstia. Ela continuou: — Então, que tal? Vou convidar Josh para a nossa abertura no clube na próxima semana, aquela que Jocelyn
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vai perder por causa do casamento do tio dela... — ela piscou para mim. — Então, para de choramingar por causa do Marcus. Meu Deus, o que você viu nele? Ele pode ser engraçado, mas não passa de um prato de macarrão com queijo. — Você tem razão — eu disse. Comecei a me animar ao pensar em como os judeus são famosos por serem ótimos maridos. — O nome Josh parece divino. Tenho certeza de que vou conseguir convencê-lo a ter uma árvore de Natal, você não acha? — Você pode convencer qualquer um a fazer qualquer coisa — disse Claire. Eu sorri. Descobri que essa teoria não funcionava mais nos últimos dias, mas tinha certeza de que iria reativá-la com a minha nova vida de glamour. — E pensei também em outra coisa... — Claire sorriu misteriosamente, pronta para revelar outra grande surpresa. — O que é? — Bem — disse ela, enquanto abria a garrafa da nossa marca favorita de tequila. — O que você acha de voltarmos a morar juntas? Meu contrato de aluguel está acabando, e você tem um quarto a mais. Podemos economizar uma boa grana de aluguel e gastar tudo na balada. O que você acha? — É uma ótima ideia — eu disse, lembrando com saudades da época em que éramos colegas de quarto, antes de eu ir morar com Dex. Claire e eu usávamos o mesmo número de sapato, tínhamos o mesmo gosto musical e o mesmo amor por batidas de frutas, que consumíamos muito enquanto nos arrumávamos para sair. Além disso, vai ser ótimo tê-la por perto quando o bebê nascer. Eu tinha certeza de que ela não se importaria em acordar no meio da noite, algumas vezes, para dar uma mamadeira ao bebê. Eu olhava ela descascar uma laranja e fazer passos de dança perfeitos na frente do espelho. Ela tinha muito talento para ser engraçada, outra vantagem de morar com ela. — Vamos fazer isso! — Excelente! — ela gritou. — O meu contrato vence no próximo mês.
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— Eu só preciso lhe contar uma coisa — eu disse, enquanto ela atravessava a sala de estar carregando os copos de bebida. — O que é? Engoli o ar, dizendo para mim mesma que, embora Claire fosse um pouco esnobe e preconceituosa, ela havia demonstrado muita lealdade a mim durante anos. Eu precisava acreditar que ela me apoiaria nessa hora de necessidade. Então, assim que ela me deu uma tentadora e maravilhosa margarita com gelo, com as bordas do copo cobertas de sal (um presente de noivado da tia de Dexter, Susy), eu soltei o meu segredo. — Estou esperando um bebê de Marcus — e tomei um golinho da minha bebida, inalando o aroma doce da tequila, lambendo o sal em meus lábios. — É brincadeira... — disse ela, os seus brincos de gotas de cristal balançavam enquanto ela dobrava as pernas debaixo dos seus amplos quadris. — Ah, nós não fizemos o brinde. Um brinde à minha nova colega de quarto! E pensou que era uma piada. Eu bati o meu copo no dela, dei outro golinho e disse: — Não. É verdade. Eu estou grávida. E eu não deveria estar bebendo isso. Embora eu ache que alguns goles não façam mal. Você acha que isso é muito forte? Ela me olhou de lado e disse: — Você está brincando, não é? Eu sacudi a cabeça. — Darcy! — ela ficou paralisada, mostrando um sorriso amarelo. — Eu não estou brincando. — Jura? — Eu juro. Continuei insistindo até conseguir convencê-la de que eu não estava lhe pregando uma peça, de que eu estava, realmente, grávida de um homem que ela achava extremamente inadequado. Enquanto ela me ouvia divagar sobre os meus enjoos matutinos, a data provável do parto, os
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problemas com a minha mãe, ela soltou um som que parecia um arroto, o que não era comum para Claire. Ela tinha boas maneiras mesmo quando não era necessário. Ela nunca se esquecia de cruzar as pernas em um banco de bar ou de manter os cotovelos fora da mesa, e ela nunca arrotaria. Mas, naquele momento, ela estava chocada. — E o que você acha? Ela tomou outro gole e depois tossiu e disse: — Nossa! Desculpa! Acho que entrou pelo caminho errado. Fiquei esperando ela dizer outra coisa, mas ela apenas ficou me olhando com um sorriso forçado, como se já não tivesse certeza de quem era a pessoa com a qual estava tomando um drinque. Eu esperava que ela ficasse surpresa, mas queria que fosse uma surpresa agradável, e não uma surpresa ruim. Eu disse a mim mesma que ela não estava preparada. Ela precisava de um tempo para digerir a notícia. Enquanto isso, fiz um discurso curto e nobre sobre não ter coragem de fazer um aborto ou oferecer o bebê para adoção. Na verdade, eu havia pensado nas duas opções há 48 minutos, mas alguma coisa me disse para seguir em frente. Eu gostaria de dizer que isso era sinal de caráter e de bons princípios de moralidade, mas também estava relacionado ao meu orgulho inabalável. — Parabéns. Que ótima notícia — disse Claire, por fim, com a voz fina e forçada de um apresentador de televisão que avisa ao perdedor que ele não sairá do jogo sem nada, mas que ganharia um prêmio que lhe daria direito a algumas caixas de comida congelada. — Sei que vai fazer o melhor... E eu estarei aqui para lhe ajudar no que for preciso. Eu tive a impressão de que ela acrescentou a última frase mais por obrigação do que pelo desejo real de fazer parte da vida do bebê. Ou mesmo da minha, no caso. — Obrigada — eu disse, com a cabeça girando para tentar analisar o momento. Será que eu estava sendo muito crítica com relação a ela? Paranoica demais? O que eu queria que ela dissesse? O ideal seria que ela pedisse para ser a madrinha do bebê ou me oferecesse um belo chá de bebê. Pelo menos, eu queria que ela me dissesse que ainda queria
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morar comigo ou falasse alguma coisa sobre Josh, sobre o que precisávamos fazer enquanto o meu corpo ainda estava perfeito. Claire apenas deu um sorriso nervoso e disse: — Isso tudo é tão... Tão empolgante. — Sim — eu disse, na defensiva. — É mesmo. E não vejo razão para não namorar outra pessoa. — É claro que você pode namorar — disse ela, erguendo uma mão. Mas não comentou nada do príncipe encantado judeu. — Você acha que Josh vai se importar? — perguntei. Ela soltou uma risada ainda mais nervosa. — Importar-se por que você está grávida? — Sim. Importar-se por que eu estou grávida. — Bem, eu... Não tenho certeza... Não o conheço muito bem. Ficou claro para mim que ela sabia que Josh se importaria, e muito. Da mesma forma que ela se importaria em morar comigo e com o bebê. Ela bebeu o resto da sua margarita, falando como as nossas colegas de trabalho ficariam animadas com a notícia. Ela poderia contar? Isso já poderia se tornar público? Eu disse não, ainda não. Ainda não estava muito segura para contar a todos. — Eu entendo. A mamãe deve contar — disse Claire, apertando os lábios com os dedos. Ela sorriu. — Sem brincadeira. Eu insisti que não tinha vergonha da minha gravidez. Não era o fim do mundo. Expliquei que iria manter a minha identidade, assim como a Rachel do Friends e a Miranda do Sex and The City. As duas conseguiram manter a vida e a aparência intactas, apesar de abraçarem a maternidade. Claro que eu poderia fazer o mesmo. — Oh, eu sei — disse Claire, com ar de superioridade. — Não vejo porque você não possa ser assim, ter tudo. Ser uma mãe moderna! Vi o seu grande e falso sorriso, e os contornos exatos da nossa amizade superficial começaram a aparecer. É claro. Claire gostava de mim, mas ela gostava de mim porque eu era
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uma boa companhia para sair e porque eu atraía os homens mesmo usando o anel de noivado de Dex. Ela gostava de mim porque eu era um bem inestimável. Com o seu pedigree e a minha aparência e personalidade, ninguém conseguia nos segurar. Todos conheciam ou queriam conhecer as duas glamorosas garotas que trabalhavam como relações-públicas. Mas, no momento em que acabou o efeito da margarita, o meu glamour desapareceu. Eu me transformei em nada além de uma mãe solteira batalhadora. Ela me via com bobe no cabelo e um cheque da previdência social nas mãos. Não tinha mais utilidade para ela. Quando ela terminou o seu drinque, olhou para o meu. — Bem, eu posso? — perguntou ela. — Claro — eu disse. Ela tomou alguns goles do meu copo e depois olhou para o relógio. — Nossa. Olha a hora! — Você tem algum compromisso? — perguntei. Geralmente, era impossível dizer a Claire que já estava na hora de ir. — Sim — disse ela. — Eu disse a Jocelyn que ligaria. Ela quer sair hoje à noite. Eu não comentei nada com você? — Não — eu disse. — Você não falou nada. Claire deu um sorriso forçado e disse: — Sim. Vamos jantar e beber um pouco. É claro, você pode vir conosco. Embora não possa beber. Adoraríamos a sua companhia. Claire estava oferecendo para mim, Darcy Rhone, um convite por caridade. Eu fiquei tentada a aceitar, só para provar que poderia me divertir. Mas estava muito indignada para aceitar o convite tão facilmente. Por essa razão, eu lhe disse que tinha de retornar algumas ligações. Pensei que ela fosse insistir, mas ela se levantou, levou o seu copo para a pia da cozinha, colocou a sua bolsa de grife nos ombros e disse alegremente: — Tudo bem então, querida... Parabéns novamente. Boa noite. Você precisa se cuidar, tá certo?
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Como já era de se esperar, a semana seguinte passou e Claire nem tocou no assunto de morarmos juntas novamente. Em vez disso, fiquei sabendo que Claire e Jocelyn estavam procurando um apartamento em Greenwich Village. Eu também fiquei sabendo pela própria Jocelyn, no banheiro do escritório, após ela ter vomitado o almoço, que ela havia conhecido um cara superinteressante, Josh Levine, e me perguntou se eu o conhecia. Foi a gota-d ’água, como se tivesse jogado sal na minha ferida aberta e infeccionada. Até mesmo a dependente e boba da Claire havia me traído. Voltei atordoada à minha mesa, com lágrimas nos olhos, e pensando no que eu poderia fazer. Sem pensar duas vezes, fui obrigada a ir ao escritório de Cal, onde informei que precisava tirar um dia de folga, imediatamente. Eu lhe disse que estava com problemas pessoais. Ele me perguntou se podia me ajudar de alguma forma. Eu disse que não, que só precisaria me ausentar um pouco. Ele me disse que tinha muitos funcionários disponíveis no escritório nos últimos dias por causa da economia, que estava atrapalhando as atividades de relações públicas, e que por isso eu poderia me ausentar pelo tempo necessário e voltar quando estivesse tudo resolvido. Depois ele olhou fixamente para a minha barriga. Ele sabia o meu segredo. Claire, a garota mais fofoqueira de Manhattan, tinha me acrescentado aos seus furos de reportagem. Por isso, eu acrescentei o nome dela à minha crescente lista de inimigos, de pessoas que se arrependeriam por ter cruzado o meu caminho.
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Nos dias seguintes, eu ouvia repetidamente músicas inspiradoras como I Will Survive, enquanto tentava pensar em um plano, em uma maneira de escapar da vergonha de tanta rejeição. Eu precisava recomeçar, virar a página, mudar de cenário. Percorri a minha lista de contatos na cidade, mas todos estavam, de alguma maneira, ligados a Dex, à Claire ou à empresa onde eu trabalhava. Estava sem opções. Mas, quando eu comecei a ficar desesperada, uma ligação de Indianápolis apareceu no meu identificador de chamadas. Era Annalise, a única amiga que me restava. — Oi, Annalise! — eu falei, me sentindo culpada por todas as vezes que eu a desprezara, deixara de responder às suas chamadas, zombando da sua vida suburbana de professora primária. Eu me senti mal por não ter ido visitar o seu bebê, Hannah, quando estava em Indianápolis. — Estou muito feliz por você ter ligado! — lhe disse. — Como você está? Como está a Hannah? — escutei com paciência enquanto ela me contava sobre o bebê e reclamava das poucas horas de sono. Depois, ela me perguntou como eu estava, o seu tom de voz me dizia que ela já sabia da tragédia da minha vida. Caso ela precisasse de detalhes, resolvi ser mais explícita. — Minha vida está desmoronando, eu não sei o que fazer — disse ao telefone. — Oh, uau, Darcy — respondeu Annalise com seu sotaque do Meio-Oeste. — Eu nem sei o que dizer. Eu... Estou muito preocupada com você.
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— Bem, você tem razão de estar preocupada — eu disse. — Eu estou literalmente com a corda no pescoço. E é tudo culpa da Rachel, você sabe. Eu estava esperando que ela fizesse algum comentário negativo sobre a Rachel, que também era sua amiga. Um único comentário faria eu me sentir melhor. Mas Annalise não era maldosa, por isso soltou um gemido de preocupação e disse: — Será que você e Rachel não poderiam tentar se entender? Isso é muito triste. — Sem chances! Annalise suspirou e eu ouvia o barulho de Hannah Jane ao fundo, fazendo um som irritante e crescente, “ehh”, “ehhh”, “ehhhhhh”, que não estava inspirando o meu instinto maternal. — De qualquer forma, acho que preciso mudar de ares, você me entende? Eu estava pensando em ir trabalhar para o Corpo da Paz ou fazer algum tipo de aventura, mas acho que não vai dar certo. Eu gosto de conforto. Especialmente agora que estou grávida... Nessa hora, Annalise sugeriu que eu voltasse a morar na casa dos meus pais por algum tempo e tivesse o bebê em Indianápolis. — Eu adoraria ter você por perto — disse ela. — Estou participando de um grupo de apoio maravilhoso na igreja. Você vai adorar. Você vai se sentir bem melhor. Eu não precisava de apoio. Eu precisava do oposto. Eu precisava de uma saída. Além disso, não podia voltar a Indianápolis. — Não posso voltar a Indianápolis, isso parece um retrocesso. Você entende, é como se eu estivesse abandonando o barco, admitindo a minha derrota. — Tudo bem! — disse Annalise, rindo. — Eu entendo. Somos do interior, não é, Hannah? Hannah resmungou. — Você entende o que eu quero dizer. Você gosta de morar aí, e é bom para você. Mas eu não sou uma garota de cidade pequena...
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— Você está longe de ser uma garota de cidade pequena — disse Annalise. — E, além disso, eu não estou falando com a minha mãe — eu disse, explicando como ela reagiu ao saber o que estava acontecendo comigo. — Por que você não vai para Londres e mora com o Ethan? — disse ela, referindo-se a Ethan Ainsley, nosso amigo do ensino médio que estava morando em Londres, escrevendo um livro. No momento em que ela disse isso, tive certeza de que era a resposta que eu estava esperando. Era muito óbvio. Como eu não havia pensado nisso antes? Eu posso sublocar o meu apartamento e partir para a bela cidade de Londres. — Annalise, é uma ótima ideia — eu disse, imaginando que todos ficariam sabendo da minha mudança de continente. Claire, que se achava uma grande viajante, morreria de raiva. Marcus, ao me ligar para saber como eu estava, ficaria cheio de culpa e de arrependimento ao descobrir que o seu filho nasceria tão longe. Rachel, que sempre tinha sido mais amiga de Ethan do que eu, ficaria com ciúmes por eu estar muito ligada ao seu amigo de infância. Dex se perguntaria como ele deixara escapar uma mulher tão independente, aventureira e corajosa. Essa ideia chegou na hora certa. Eu só precisava convencer Ethan a me deixar morar com ele. Conheço Ethan desde o 5º ano, quando ele se mudou para a nossa cidade no meio do ano escolar. Sempre havia alguma intriga quando chegava um aluno novo, pois todos ficavam animados. Lembro-me bem do primeiro dia de aula de Ethan. Eu posso ver a nossa professora, Billone, colocando a mão em seu ombro magricelo e dizendo: — Esse é Ethan Ainsley. Ele é de Long Island. Por favor, vamos lhe dar as boas-vindas. Falamos em coro: — Bem-vindo, Ethan — enquanto eu me perguntava onde ficava essa ilha, no Oceano Atlântico ou Pacífico, e pensava como um garoto dos trópicos poderia ter pele e cabelos tão claros. Eu imaginava Ethan correndo seminu,
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escalando árvores para pegar um coco para o seu almoço. Será que ele foi resgatado por alguma assistente social? Enviado para pais adotivos em Indiana? Talvez esse fosse o seu primeiro dia usando roupas comuns. Ele devia estar se sentindo reprimido. No intervalo, Ethan sentou-se sozinho em um canto, perto do parque de brinquedos, escrevendo na lama com um galho de árvore, e todos olhavam para ele, curiosos. Enquanto todos estavam com vergonha de falar com ele, eu chamei Rachel e Annalise e nos aproximamos. — Oi, Ethan. Eu sou Darcy. Essa é a Rachel e essa é a Annalise — eu disse com orgulho, apontando para as minhas parceiras tímidas. — Oi — disse Ethan, olhando para nós por cima dos seus óculos grandes e redondos. — E onde fica a sua cidade? — perguntei a ele, indo direto ao ponto. Eu queria saber mais sobre a sua infância exótica. — Fica a cerca de 1.287 quilômetros de Nova York — disse ele, parecendo muito inteligente. Essa não era a voz que eu esperava de um nativo de alguma ilha. — Nova York? — fiquei confusa. — Mas a professora Billone disse que você era de uma ilha? Ele e Rachel trocaram um olhar de sarcasmo, o primeiro de muitos que viriam. — Qual é a graça? — perguntei, indignada. — Ela disse mesmo que você morava em uma ilha. Não disse, Annalise? Annalise concordou. — Long Island — falaram Ethan e Rachel ao mesmo tempo, com um sorriso irônico. Eles queriam dizer que era uma ilha longa, em vez de curta? As coisas ainda não estavam claras para mim. — Long Island faz parte do estado de Nova York — disse Rachel em sua voz de quem sabia de tudo. — Ah! Sim. Certo. Eu sabia disso. Eu só não tinha ouvido a palavra “long” — menti. — Você ouviu, Annalise?
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— Não — disse Annalise. — Eu também não tinha ouvido essa palavra. Annalise nunca desmentia alguém. Era uma das suas melhores qualidades. Além do fato de que ela sempre estava pronta para dividir alguma coisa. Eu estava usando a sua sandália rosa naquele dia. — Long Island fica na região Leste do estado de Nova York — continuou Ethan. O seu tom de voz me dizia que ele não tinha acreditado na história de que eu não havia escutado a professora dizer a palavra “long”. Isso me irritou muito e eu me arrependi de tentar ser legal com o aluno novo. — Então, por que você se mudou para cá? — perguntei, abruptamente, achando que ele deveria ter ficado na sua ilha. Ele contou que seus pais haviam se divorciado e que a sua mãe, que era de Indiana, mudou-se para ficar mais perto dos pais e dos avós. Era uma história pouco glamorosa. Annalise, que também tinha pais divorciados, perguntou se o pai dele morava em Nova York. — Sim. Ele mora — disse Ethan, voltando os olhos para o seu desenho na lama. — Vamos nos encontrar em feriados alternados e durante as férias. Eu teria sentido pena dele, ter pais divorciados devia ser uma das piores coisas para um adolescente, fora ter de usar uma peruca depois de um tratamento com radiação para leucemia. Mas é difícil ter pena de uma pessoa que faz você se sentir burra por não saber uma coisa insignificante. Rachel mudou de assunto e fez algumas perguntas sobre Nova York a Ethan, como se ela tivesse tido a ideia de falar com ele primeiro. Os dois conversaram sobre o Empire State Building, o Metropolitan Museum of Art e sobre o World Trade Center, lugares que Ethan havia visitado e que Rachel havia visto nos livros. — Temos grandes prédios e museus em Indianápolis também — eu disse, na defensiva, achando que Ethan parecia uma daquelas pessoas irritantes que sempre diziam “Na minha cidade...”. Então, eu tirei Annalise daquela conversa “profunda” e a chamei para jogar bola comigo.
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Depois daquele dia, não dei muita atenção a Ethan até o dia em que ele e Rachel foram escolhidos para participar de um programa exclusivo para alunos inteligentes e talentosos. Eu detestava esse programa, detestava o fato de não ter sido escolhida, de não fazer parte do grupo. Eu não suportava a cara de orgulho dos escolhidos, e sentia raiva deles quando passavam pelo corredor para entrarem na sala misteriosa e depois retornavam falando de suas experiências idiotas, como a construção de barcos de barro que ficassem o maior tempo possível sem afundar. Ethan ganhou o concurso, construindo um barco que oscilara 19 vezes antes de afundar. — Grande coisa — lembro-me que disse à Rachel. — Eu parei de brincar de massinha quando tinha 4 anos. Eu sempre colocava defeito em tudo, insistindo que o grupo era para “nerds idiotas”. E antes que ela achasse que eu estava com inveja, eu lhe dizia que não tinha entrado no grupo por apenas um ponto e que isso acontecera porque eu estava com a garganta inflamada e não conseguira me concentrar em outra coisa além da minha dor de garganta. (A parte da garganta inflamada era verdade, mas a parte da pontuação não era, embora eu nunca tenha ficado sabendo por quantos pontos eu perdera, porque minha mãe dissera que a minha pontuação não era importante e que eu não precisava fazer parte de um grupo como esse para ser especial.) Por isso, apesar de me sentir irritada com o ar de superioridade de Ethan, fiquei surpresa quando ele se tornou o meu primeiro namorado. Também fiquei surpresa porque Rachel sentira uma atração por ele desde o dia em que ele chegou, enquanto eu ainda era apaixonada pelo Doug Jackson. Doug era o garoto mais popular da nossa classe e eu tinha certeza de que faríamos um casal superpopular até ele colar uma foto de Heather Locklear em seu fichário, dizendo que preferia as loiras. Isso me deixou desolada e decidi procurar outro candidato, talvez alguém do 7º ano. Eu nem pensava no pálido e magro Ethan. Mas um dia, enquanto ele procurava um catálogo do Peru, eu consegui enxergar o que Rachel já havia percebido. Ele era bonito. Então, eu dei a volta e tropecei nele de propósito, com a desculpa de estar procurando o catálogo
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sobre o Paraguai na gaveta de baixo. Ele me olhou de um jeito engraçado, sorriu e mostrou as suas covinhas. Foi então que decidi que gostava de Ethan. Quando contei as novidades à Rachel mais tarde, naquela semana, eu achei que ela ficaria feliz, finalmente, eu concordar com ela e, assim, teríamos mais coisas em comum. Afinal, melhores amigas deveriam ter a mesma opinião sobre as coisas, mesmo que fosse sobre por quem deveríamos nos apaixonar. Mas Rachel não estava feliz. Na verdade, ela estava furiosa, e se tornou uma pessoa possessiva, como se ela fosse dona do Ethan. Annalise lembrou que ela sentira a mesma atração que eu sentia por Doug durante meses, mas Rachel não estava convencida. Ela apenas dizia que Doug era um caso diferente, e ficava irritada e orgulhosa, resmungando que gostava do Ethan primeiro. Isso é verdade, ela tinha gostado do Ethan primeiro. Mas eu via as coisas da seguinte maneira: se ela gostasse tanto assim dele, deveria ter feito alguma coisa. Tomado a iniciativa. E tomar a iniciativa não significava escrever as iniciais dele na janela do carro da sua mãe. Mas Rachel não era uma pessoa de iniciativa. Essa era a minha praia. Então, alguns dias depois, eu escrevi um bilhete a Ethan, perguntando se ele queria sair comigo, lhe dando três opções de resposta: “sim”, “não” e “talvez”. Para ser sincera, incluí o nome de Rachel como uma quarta opção. Mas, no último momento, rasguei essa parte do bilhete, pensando que eu não queria vê-la beneficiando-se de minha iniciativa. Além disso, eu não queria perder para Rachel uma vez que ela já tinha ganhado de mim em muitos outros aspectos. Afinal, ela fazia parte de um grupo seleto de alunos inteligentes. Então, entreguei o bilhete para ele, ele disse sim e viramos um casal. Falávamos pelo telefone e paquerávamos durante o intervalo, e foi tudo emocionante por algumas semanas. Mas, depois, Doug mudou de ideia e disse que gostava mais de morenas do que de loiras. Então, eu dispensei o Ethan e voltei ao mercado do 5º ano. Por sorte, o nosso rompimento coincidiu com a obsessão de Ethan pelo monstro do lago Ness, que foi o seu assunto durante as semanas seguintes, enquanto planejava uma viagem para a Escócia, ou para a Suíça, ou coisa parecida. Assim, ele teve outra
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coisa para se preocupar e recuperou-se rapidamente da perda. Pouco tempo depois, Rachel também acabou se esquecendo de Ethan. Ela dizia que não estava interessada em arrumar um namorado, uma decisão conveniente, uma vez que ninguém se interessava por ela. E foi dessa maneira que passamos para o ensino médio. Annalise, Ethan, Rachel e eu formávamos uma panelinha (embora eu circulasse em grupos mais populares também) e nenhum de nós voltou a falar sobre o triângulo amoroso do 5º ano. Depois da formatura do ensino médio, eu ainda mantinha contato com Ethan, mas era por meio de Rachel. Os dois ficaram muito íntimos, principalmente na época em que ele se divorciou. Ethan veio várias vezes para Nova York nessa época de crise, tantas vezes que eu pensei que ele e Rachel estavam juntos. Mas Rachel insistia que não se sentia atraída por ele. — Você acha que ele é gay? — eu perguntava a ela, lembrando das suas amigas mulheres, da sua sensibilidade, do seu amor pela música clássica. Ela me dizia que tinha certeza de que ele não era gay, mas explicava que eles eram apenas amigos. Decidi, então, ligar para Ethan em Londres, com medo de que ele me tratasse mal em sinal de lealdade a Rachel, achando que deveria tomar o partido dela. Annalise nos amava da mesma maneira, mas Ethan preferia Rachel. Como esperava, quando ele me ligou de volta, uma semana depois, depois de ter deixado dois recados para ele e ter enviado um e-mail desesperado, ele me cumprimentou de forma bastante fria. Eu pensei em alguma coisa que pudesse tocar o seu coração. — Ethan, eu não vou aguentar se você me dispensar. Você precisa me ajudar. Eu sei que você é mais amigo da Rachel, sei que está do lado dela... — hesitei, esperando que ele dissesse que não estava do lado de ninguém. Como ele não disse nada, eu continuei. — Eu estou implorando, Ethan. Preciso sair daqui. Estou grávida. Meu namorado me largou. Eu tirei uma licença do trabalho. Eu não posso voltar para casa, Ethan. Seria muita humilhação — lhe contei tudo, sabendo do risco: que ele poderia ligar para Rachel e falar
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que eu era uma derrotada. Mas era um risco que eu tinha de assumir. Eu disse mais um “por favor” e esperei pela resposta. — Darcy, não tem nada a ver com a Rachel. É que eu gosto de morar sozinho. Eu não quero dividir o apartamento com alguém. — Ethan, por favor. É só por algumas semanas. É só uma visita. Eu não tenho para onde ir. — Por que você não vai para Indianápolis? Você pode ficar com a sua família. — Você sabe que eu não posso fazer isso. Você voltaria a Indianápolis depois de ter se divorciado da Brandi? Ele suspirou, mas eu sabia que tinha tocado o seu coração. — Algumas semanas? Quantas? — Três. Quatro. Seis no máximo — eu disse, erguendo a cabeça e esperando. — Tudo bem, Darcy — disse ele. — Você pode ficar aqui. Mas é temporário. Meu apartamento é pequeno... E, como eu lhe disse, eu gosto da solidão. — Oh, obrigada! Obrigada. Obrigada! — eu disse, me sentindo vitoriosa como nos velhos tempos. Eu tinha certeza de que os meus problemas estavam resolvidos e de que ele ter dito “sim” significava uma chance de consertar a minha vida, lhe acrescentando o glamour europeu. — Você não vai se arrepender, Ethan. Serei uma hóspede perfeita — eu disse. — Mas lembra: é por pouco tempo. — É por pouco tempo — repeti. — Eu sei. Desliguei e imaginei como seria a minha nova vida... Passeio pelas ruas de pedra de Notting Hill, em meio à neblina, minha barriga de bola de basquete aparecendo entre o meu suéter de gola rolê ajustado e a minha calça larga na cintura. Uma boina xadrez na cabeça, levemente inclinada para o lado. Belos cabelos despenteados com mechas douradas, feitas no melhor salão de Londres, escorrendo em meus ombros. Eu paro em frente a uma charmosa confeitaria, onde escolho cuidadosamente uma torta de
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mousse de abóbora. Enquanto estou pagando, eu vejo o meu futuro marido. Ele olha para mim, com um olhar sexy. Ele é extremamente atraente, com os traços fortes de Dexter, os olhos claros e o corpo de Lair. (O pai dele era do Norte da Itália, de quem tinha herdado os olhos azuis, e a sua mãe era inglesa, de quem tinha herdado o gosto impecável e as boas maneiras.) Ele se chama Alistair e é muito inteligente, sofisticado e preocupado com a saúde. Ele deve ser duque ou conde. Ele supera Dex em todas as categorias. E ele é mais sexy do que Marcus. É claro, ele se apaixonará por mim à primeira vista. A minha gravidez não será um problema para ele. Na verdade, ela o deixará mais apaixonado, como ouvi falar que acontece com alguns homens. Algumas semanas após o nosso primeiro encontro, Alistair pedirá a minha mão em casamento. Eu me mudarei do charmoso apartamento de Ethan para a casa enorme e perfeitamente decorada de Alistair, que ainda teria uma arrumadeira, uma cozinheira e um mordomo, além dos outros funcionários. E, mais tarde, em uma noite de abril, quando já fosse primavera em Londres, enquanto dormíssemos nus em sua cama com dossel de madeira maciça que fora herdada por quatro gerações, em seus lençóis de 600 fios, eu sentiria a primeira dor do parto. “Acho que está na hora” eu sussurraria, cutucando Alistair. Ele saltaria da cama, me ajudaria a vestir os meus pijamas de cashmere, passaria uma escova de prata em meus cabelos e chamaria o seu motorista antes de desaparecermos na noite de Londres. Depois, ele ficaria ao lado da minha cama, no hospital, acariciando a minha sobrancelha e beijando a minha testa, enquanto murmuraria, “Força, querida. Força, meu tesouro”. Será amor à primeira vista, novamente, quando ele vir a minha filha, que será muito parecida comigo. A filha que ele adotará. “Nossa filha”, ele dirá às pessoas. E quando nascer o primeiro dente dela, já não nos lembraremos de que um americano grosseiro é o seu pai biológico. E, nesse dia, eu já terei me esquecido de Rachel e de Dex. Eu estarei envolvida demais com o meu final feliz para perder tempo pensando nele.
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As semanas seguintes foram de preparação, com a atenção totalmente voltada para o encerramento das minhas pendências em Nova York, antes da minha partida para Londres. Coloquei um anúncio nos classificados e encontrei um jovem casal que se interessou em sublocar o meu apartamento. Depois, eu vendi o meu velho anel de noivado em uma loja de joias e o meu vestido de noiva em um site de compras. Ao fazer os cálculos dos recebimentos e dos gastos em minha conta bancária, verifiquei que teria dinheiro suficiente para passar o resto da minha gravidez em Londres, sem precisar trabalhar. Por fim, estava tudo pronto, minhas malas cheias das minhas coisas favoritas, enfim, a caminho do aeroporto JFK para pegar o meu voo noturno a Londres. Quando entrei no avião, senti uma sensação de satisfação absoluta, sabendo que estava deixando a cidade sem dizer uma palavra às pessoas que haviam me traído. Eu me acomodei no meu assento de classe executiva, coloquei um par de sapatilhas de cashmere e caí em um sono profundo e tranquilo. Sete horas mais tarde, acordei bem na hora em que o avião sobrevoava uma bela paisagem verde cortada por uma linha ondulada azul, que deveria ser o rio Tâmisa. Meu coração disparou ao pensar que a minha nova vida estava começando. A minha ansiedade aumentava enquanto eu passava pelo controle de passaportes (mentindo sobre o meu tempo de permanência no país, assim como fiz com Ethan), sacava dinheiro inglês em um caixa eletrônico e pegava um
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táxi, perto do aeroporto de Heathrow, para o apartamento de Ethan. O passeio por Londres me deixou mais animada, mais experiente. Eu me sentei com a coluna mais reta, sendo gentil com o taxista, fazendo muitos elogios, em vez de simplesmente dar ordens como eu fazia com os taxistas de Nova York. Essa era uma terra civilizada e aqui eu teria uma vida boa. Uma existência mais culta. Pessoas como Madonna e Gwyneth Paltrow, que poderiam morar em qualquer lugar do mundo, escolheram morar em Londres, em vez da velha cidade de Nova York ou de Los Angeles. Eu tinha muitas coisas em comum com essas mulheres. Estilo. Beleza. Era uma coisa inexplicável. Talvez eu até pudesse ser amiga de Madge e Gwinnie. E também de Kate Moss, Hugh Grant e Ralph Fiennes. Depois de 45 minutos de conversa, cheguei à rua de Ethan. O motorista saiu do táxi, veio para o lado do passageiro e me ajudou com a bagagem, enfileirando as minhas malas de grife na calçada. Eu lhe dei duas notas roxas de 20 e uma verde de 5, notas coloridas adornadas com a foto da Rainha Elizabeth. Até o dinheiro era mais interessante e bonito na Inglaterra. — Aqui está, senhor. Pode ficar com o troco. Obrigada pela gentileza ao me ajudar — eu disse, fazendo um leve sinal de agradecimento. Achei que seria um gesto tipicamente britânico. O motorista sorriu e piscou para mim. Eu já tinha começado bem. Inspirei e expirei profundamente, vendo o meu ar virar fumaça na manhã fria de novembro. Depois, subi os seis degraus de mármore que ficavam na entrada do prédio de Ethan, procurei o número do seu apartamento e apertei o botão de bronze que ficava ao lado. Ouvi um som agudo, seguido por um “sim” ao interfone. — Ethan! Estou aqui! Rápido! Estou congelando! Segundos depois, Ethan estava sorrindo para mim pelo vidro da porta. Ele abriu a porta e me deu um abraço apertado. — Darcy! Como você está?
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— Ótima — eu disse, lhe dando dois beijinhos, um em cada bochecha rosada. Passei a mão no seu cabelo cor de mel. Esse gesto demorou mais do que de costume, seus cachos pareciam uma juba de leão. — Adorei seu cabelo, Ethan. Ele me agradeceu e disse que não teve tempo de cortar. Depois ele sorriu e disse em um tom que parecia sincero: — É bom ver você, Darcy. — É ótimo ver você, Ethan. — Como está se sentindo? — suas mãos acariciaram a minha barriga, fazendo um círculo. Eu lhe disse que ficaria melhor assim que saísse daquele frio e limpasse os meus poros. — Você sabe como o ar do avião pode causar estragos à pele. Aquele ar nojento e parado — eu disse. — Pelo menos eu não fiquei na classe econômica. É nojento ficar no meio daquele povo. — Você está longe de pertencer ao povo — disse ele, e o seu sorriso desapareceu quando viu a minha bagagem na calçada. — Você deve estar brincando. Tudo isso para ficar algumas semanas? Eu precisava lhe contar que eu planejava ficar mais de algumas semanas ou meses, ou que talvez eu me mudasse para lá. Mas eu teria de prepará-lo para a notícia. Assim, quando eu lhe contasse a verdade, nossa amizade já seria mais forte do que os laços que tinha com a Rachel. Além disso, eu teria mais tempo para procurar o meu Alistair. Ethan virou os olhos. Depois, ele carregou as minhas duas malas maiores. — Caramba, Darcy! Você trouxe uma pessoa dentro da mala? — Sim. A Rachel está nessa aqui — eu disse, orgulhosa, apontando para uma das malas. — E Dex está nessa outra. Ele sacudiu a cabeça e me deu um olhar de reprovação, como se quisesse me dizer que não iria falar mal da sua preciosa Rachel. — É sério. O que você colocou nessa mala?
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— Apenas roupas, sapatos. Muitos artigos de higiene, perfumes, esse tipo de coisa — eu disse, erguendo as minhas malas mais leves, explicando que uma mulher grávida não deve carregar mais do que 9 quilos. — Consegui — disse Ethan, chegando na porta da frente. Depois de quatro viagens, ele já tinha trazido todas as minhas coisas para dentro do prédio. Eu o segui pelo saguão de entrada escuro, que cheirava a naftalina, coberto por um tapete verde dos anos 70. Eu devo ter feito uma careta, porque Ethan me perguntou se havia algo de errado. — Naftalina — eu disse, torcendo o nariz. — É melhor do que traças — disse Ethan. — Você não gostaria que elas roessem o seu caro pulôver. — Pulôver? — Suéter. — Meu pulôver. Certo — eu disse, feliz por usar o linguajar britânico. Talvez pudesse adotar o sotaque também. Ethan me levou para os fundos do hall escuro e frio e, depois, para a minha frustração, desceu algumas escadas. Eu não suportava apartamentos no subsolo. Eles me davam claustrofobia. Eles também não tinham uma boa iluminação e nenhuma vista ou sacada. “Talvez o seu interior compensasse”, pensei, enquanto Ethan abria a porta. — Então, aqui estamos. Lar doce lar — disse ele. Eu olhei ao redor, tentando fingir que não estava desapontada. — Eu lhe falei que era pequeno — disse ele, me mostrando o apartamento. Tudo estava organizado, limpo e bem decorado, mas nada me lembrava o estilo europeu, com exceção da bela moldura em gesso no teto alto. A cozinha era indescritível, o banheiro era muito desagradável, coberto com papel de parede (o que era estranho em se tratando de um banheiro, mas comum, de acordo com Ethan) e o lavabo era minúsculo. — Uma graça de apartamento — eu disse, com um sorriso falso. — Onde está o meu quarto? — Calma, querida. Eu ia lhe mostrar agora — disse Ethan, me levando a um quartinho nos fundos da cozinha.
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Era menor do que um quarto de empregada de um apartamento americano, e a sua única janela era estreita demais para colocar a cabeça, além de possuir grades enferrujadas. Havia uma cômoda branca, no canto, que se misturava com a parede, e as duas tinham um tom de cinza desagradável. Na parede ao lado, havia uma pequena estante de livros, também pintada de branco, mas descascando e mostrando um fundo verde. Suas prateleiras estavam vazias, com exceção de alguns livros de bolso e uma grande concha rosa. Havia alguma coisa nas conchas trazidas da praia que sempre me deprimia. Eu detestava o som vazio e solitário que elas tinham quando as colocava no ouvido, embora sempre quisesse escutá-las. Como esperava, quando peguei a concha e escutei aquele som idiota, senti uma onda de tristeza. Eu a coloquei de volta na prateleira e caminhei até a janela, olhando para a rua. Nada que eu via indicava que eu estava em Londres. Eu poderia estar em Cleveland. Ethan percebeu a minha reação e disse: — Olha, Darcy. Se você não gostar do seu quarto, há muitos hotéis... — O quê? — perguntei, de forma inocente. — Eu não disse nada! — Eu sei. — Bem, eu preciso lhe dizer que estou imensamente agradecida e que mal posso acreditar que estou aqui. Adoro a minha cela aconchegante — comecei a rir. — Quer dizer, o meu quarto. Ethan ergueu as sobrancelhas e me olhou por cima dos seus óculos de tartaruga. — Estou brincando! Não é uma cela — eu disse, pensando que um presidiário teria um lugar melhor para dormir. Ele sacudiu a cabeça, virou-se e trouxe as minhas malas para dentro do quarto. Quando ele terminou, quase não havia espaço livre para andar, muito menos para dormir. — Onde eu vou dormir? — perguntei a ele, horrorizada.
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Ethan abriu a porta do armário e apontou para um colchão inflável. — Eu comprei para você ontem. Um colchão de luxo. Para uma garota de luxo. Eu sorri. Pelo menos a minha reputação estava intacta. — Arruma as suas coisas. Toma um banho se quiser. — É claro que quero. Estou muito nojenta. — Certo. Toma um banho e depois podemos comer alguma coisa. — Perfeito! — eu disse, pensando que talvez o seu apartamento não fosse o que eu esperava, mas que todas as outras coisas iriam me surpreender. O cenário londrino era muito mais do que naftalina e quartos apertados. Tomei um banho, achando horrível a pressão da água e a maneira que a cortina de plástico ficava roçando na minha perna. Pelo menos Ethan tinha uma grande variedade de produtos de banho unissex. Produtos de marcas boas, incluindo um esfoliante facial de abacaxi que eu adoro. Eu usei um pouco dele, tomando cuidado para colocar o tubo no mesmo lugar e não levantar suspeita. Ninguém gosta de hóspedes que usam os seus melhores produtos de banho. — Tem alguma coisa errada com a sua água? — perguntei a Ethan quando saí do banheiro vestindo o meu melhor roupão rosa, combinando com a toalha do cabelo. — O meu cabelo parece oleoso. Pesado. — A água aqui é muito pesada. Você vai se acostumar com ela... A única coisa ruim é que ela deixa manchas na roupa. — Verdade? — perguntei, pensando que eu deveria mandar todas as minhas roupas para a lavanderia se fosse o caso. — Não existe algum produto que possa ajudar? — Nunca me interessei em saber. Mas você pode se encarregar dessa tarefa. Eu suspirei. — E eu aposto que você não tem secador de cabelos? — Acertou — disse ele. — Bem. Acho que vou ter de aceitar o meu cabelo natural. Não vamos sair com outras pessoas hoje, vamos? Eu
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quero estar linda quando você me apresentar para a sua turma de amigos. Ethan estava de costas para mim, mexendo em uma pilha de correspondências que estavam em cima da mesa de jantar. — Eu não tenho uma turma de amigos. Tenho apenas alguns amigos. E não planejei nada. — Ufa! Quero causar uma boa impressão. Você sabe bem o que digo, a primeira impressão é a que fica. — A-ham. — Vou comprar um secador na Harrods hoje mesmo — eu disse. — Eu não compraria um secador na Harrods. Tem uma farmácia bem na esquina. Muito melhor. — Muito melhor! Que lindo! — É apenas uma farmácia comum. — Bem, preciso trocar de roupa. — Certo — disse Ethan sem olhar para mim. Depois de ter vestido o meu suéter mais quente, o meu cabelo já estava quase seco e Ethan me levou para almoçar em um pub perto da sua casa. Era muito charmoso do lado de fora: uma construção antiga de tijolos, coberta de hera. Vasos de cobre com minúsculas flores vermelhas enfeitavam a entrada. Mas assim como o apartamento de Ethan, a parte de dentro era outra história. O lugar era sujo e cheirava a fumaça, e estava cheio de indesejáveis operários com botas encardidas e dedos ainda mais nojentos. Esse fato chamou a minha atenção porque havia um aviso na porta de entrada, que dizia: “Proibida a entrada com roupas sujas”. Eu também vi uma placa pequena perto do bar que dizia: “Favor avisar ao proprietário se vir alguma bolsa ou sacola suspeita.” — Qual é o motivo dessa placa? — perguntei a Ethan, apontando para ela. — É por causa do IRA — respondeu Ethan. — Quem?
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— O Exército Republicano Irlandês — disse Ethan. — Nunca ouviu falar? — Ah, sim — eu disse, recordando vagamente de alguns incidentes de terrorismo nos anos passados. — Claro. Quando sentamos, Ethan sugeriu que eu pedisse peixe com batatas fritas. — Estou um pouco enjoada. Por estar grávida e pela viagem. Acho que vou pedir uma coisa mais leve. Um queijo grelhado, talvez. — Você está com sorte — disse ele. — Aqui fazem deliciosos “Croque monsieurs”. — “Croque misters”? — eu disse. — O que é isso? — É o nome francês de um sanduíche de queijo com presunto. — Parece ser bom — eu disse, pensando que deveria praticar mais o francês que aprendera no ensino médio. Vai ser muito útil quando Alistair e eu fomos passar o fim de semana em Paris. Ethan pediu nossa comida no balcão, o que era uma coisa comum em pubs ingleses, enquanto eu folheava um jornal que alguém havia esquecido em cima da mesa. Victoria e David Beckham ou, como os britânicos diziam, “Posh e Becks”, estavam estampados na primeira página. Eu sabia que David Beckham era famoso na Inglaterra, mas eu não entendia o porquê. Ele não era tão bonito assim. Bochechas murchas e cabelo oleoso. E eu detestava os seus brincos. Fiz essas observações a Ethan, que apertou os lábios como se fosse um grande amigo de David. — Você já o viu jogar futebol? — perguntou Ethan. — Não. Quem vê futebol? — O mundo inteiro vê futebol. Por acaso, é o esporte mais importante do mundo, com exceção dos Estados Unidos. — Bem, que eu saiba, esse David — eu disse, pegando a sua foto — não é nenhum George Clooney. É só isso que eu estou dizendo.
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Ethan virou os olhos na hora em que uma garçonete desleixada trouxe a nossa comida e nos entregou os talheres embrulhados em um guardanapo de papel. Ela conversou um pouco com Ethan sobre o seu livro. Era óbvio que ele costumava comer nesse lugar. Eu notei que ela tinha um dente torto e amarelado. Quando ela virou as costas, não pude deixar de comentar. — Então é verdade o que eles dizem sobre os dentes dos ingleses? Ethan colocava sal no seu peixe e nas suas batatas fritas, e um pouco de purê de batata verde. — Kiley é muito simpática — disse ele. — Eu não disse que ela não era, eu só disse que seus dentes eram malcuidados. Ai, meu Deus — eu disse, achando que ele ficaria chateado por qualquer coisa. — E esse purê de batata verde? — É de ervilha. Purê de ervilha, como dizem por aqui. — Nojento. Ethan não respondeu. Eu dei uma mordida pequena no meu “Croque monsieur”. Enquanto mastigava, tive muita vontade de falar o nome da Rachel, perguntar coisas para Ethan, descobrir tudo que ele sabia sobre o relacionamento dela com Dex. Mas eu sabia que deveria agir com cuidado. Se eu fosse com muita sede ao pote, Ethan poderia se assustar. Por isso, depois de alguns minutos estrategicamente em silêncio, eu citei o nome dela com o pretexto de lembrar algum fato do ensino médio, um dia em que fomos, os três, a um jogo de baseball logo depois da formatura do ensino médio. Então, eu levantei a cabeça e disse: — E como está a Rachel? Ethan não mordeu a isca. Ele tirou os olhos do seu purê de ervilha e disse: — Ela está bem. — Apenas bem? — Darcy — disse ele, não se deixando enganar pelo meu olhar inocente. Era difícil enganar alguém como Ethan. — O quê? — eu perguntei.
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— Eu não vou participar desse jogo — disse ele. — Que jogo? — Falar sobre a vida da Rachel. — Por que não? Não estou entendendo — eu disse, colocando o meu sanduíche no prato. — Rachel é minha amiga. — E você é meu amigo também. Ele colocou um pouco de vinagre no seu peixe e disse: — Eu sei disso. — Annalise é amiga de nós duas, e ela me conta... As novidades — eu disse, escolhendo cuidadosamente as palavras. — Por que você não me diz qual é a sua opinião? Eu não ficarei ofendida. Bem, eu sei que você está do lado dela — era sempre bom tentar a psicologia reversa, mesmo com alguém tão esperto como Ethan. — Olha, Darcy. Eu não quero falar sobre isso. Você não tem outro assunto para falar além da Rachel? — Acredita em mim. Pode acreditar — eu disse, como se o meu mundo sempre tivesse sido cheio de intrigas, antes mesmo dos últimos acontecimentos. — Bem, então... Para de tentar me fazer falar mal dela. — Eu não estou querendo isso. Eu só queria conversar com você, meu amigo de infância, sobre a nossa outra amiga de infância e... Saber como estão as coisas com ela. O que tem de errado nisso? Ele ficou me olhando por algum tempo e depois continuou a comer em silêncio. Quando ele terminou, acendeu um cigarro, deu uma tragada e soltou a fumaça na minha direção. — Ei! Cuidado! Estou esperando um bebê! — reclamei. — Desculpa — disse ele, virando a cadeira e soltando a fumaça para outro lado. — Você vai ficar muito tempo nesse país. Aqui quase todos fumam. — Já percebi isso — eu disse, olhando ao redor. — Esse lugar fede fumaça. Ele encolheu os ombros.
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— Então. Posso lhe fazer algumas perguntas? — Não se forem sobre a Rachel. — Para com isso, Ethan, são perguntas inofensivas. Por favor? Como ele não me respondeu, eu resolvi fazer a primeira pergunta. — Você falou com ela nos últimos dias? — Há pouco tempo. — Ela sabe que eu estou aqui? Ele disse que sim com a cabeça. — E ela está de acordo? — perguntei, esperando que ela não estivesse de acordo com isso. Eu queria que ela estivesse com ciúmes por eu estar em Londres com o seu querido Ethan. Eu queria que ela se sentisse ameaçada. Eu não via a hora em que Ethan lhe mandasse os cartões-postais das viagens que faríamos juntos: Viena, Amsterdã, Barcelona. Talvez eu colocasse uma observação em algum cartão dizendo: “Sentimos a sua falta”, para mostrar que eu já havia superado o assunto do Dex. Que eu estava bem agora. — Ela achou uma boa ideia. Sim. Eu dei um suspiro que indicava que duvidava muito que ela pensasse assim. Ethan encolheu os ombros. — E quais são as novidades? — Não há muitas. — Ela ainda está com o Dex? — Darcy. Já chega. Entendeu? — Por quê? Conta! Eu não me importo se eles estão juntos. Só estou curiosa, é só isso... — Você entendeu bem — disse ele. — Não quero perguntas sobre Dex. — Está bem. Está bem. Acho uma bobagem que nós, dois amigos, não possamos conversar de forma franca. Mas, tudo bem. É um problema seu. — Isso mesmo. É um problema meu — disse Ethan, parecendo cansado.
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Depois do almoço, fui desfazer as malas enquanto Ethan foi para a sua cama para escrever. Entrei várias vezes em seu quarto para pedir mais cabides, e todas as vezes que eu entrava ele me olhava por cima do seu computador com uma expressão irritada, como se um cabide fosse capaz de atrapalhar a sua linha de pensamento. No meio da tarde, o meu quarto estava o mais organizado possível, considerando a falta de espaço. Enchi o meu armário de roupas, enfileirei os meus sapatos favoritos no fundo e organizei todos os meus artigos de higiene e de beleza na estante. Não estava bonito, mas era funcional. Quando senti vontade de sair com Ethan para um pouco de diversão, eu o encontrei na sala, colocando alguns papéis e um maço de cigarros dentro de uma sacola. — Você vai sair? — perguntei. — Sim. — Para onde? — Para algum lugar. Escrever. — Sobre o que você está escrevendo? — Um capítulo de um livro sobre a arquitetura de Londres. E eu comecei a escrever um romance. E tenho uma tonelada de artigos para algumas revistas onde trabalho como freelancer. Você sabe, preciso pagar o aluguel. — Qual é o assunto do seu romance? — perguntei, pensando que a minha vida daria uma bela história. Eu tinha certeza de que poderia lhe oferecer um bom material. — É sobre um cara que perde toda a sua família em um acidente com monóxido de carbono e vai morar sozinho nas montanhas para se curar. — Parece legal. — É muito motivador. — Se você diz que é... Mas você precisa trabalhar no meu primeiro dia aqui? — Sim. Eu tenho — disse ele, sem se desculpar. Franzi a testa e perguntei por que ele não poderia escrever em casa. Eu disse que ficaria em silêncio.
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— Como um rato de igreja — sussurrei. Ele sorriu. — Você? Um rato de igreja? — Vamos lá, Ethan, por favor — eu disse. — Vou me sentir muito sozinha. Ele sacudiu a cabeça. — Não consigo pensar aqui. “Mas isso é óbvio. Nesse buraco apertado”, pensei. Nesse momento, eu o agarrei e disse: — Tudo bem. Tudo bem. Mas você sabe que... Óculos e boné não combinam. Escolha um ou outro. É como... Exagerar nos acessórios ou coisa parecida. Melhore a sua aparência. Ele sacudiu a cabeça enquanto eu o acompanhava até a porta. — Onde posso encontrá-lo, se precisar? — perguntei. — Você não vai precisar — disse ele. — É sério, Ethan. Para onde você vai? — Eu não sei. Vou dar uma volta até achar um barzinho aconchegante. Nada muito quieto. Nada muito ruidoso. Apenas um lugar tranquilo. Eu deixei o número do meu celular anotado em um bloco de papel — disse ele, apontando para a mesa que ficava no hall. — Ligue apenas se for extremamente necessário. — Eu não posso ir com você? — Não. — O que eu vou fazer durante o resto do dia sem você? Eu não pensei que você fosse me deixar sozinha no meu primeiro dia aqui. Ele colocou a bolsa no outro ombro e olhou para mim, pronto para me dar um sermão. — Tudo bem. Tudo bem. Eu sinto muito... Mas tenho de ir. Ele me deu um molho de chaves e um livro encadernado com um mapa na capa.
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— As chaves pequenas são da porta da frente. A chave de bronze abre a trava de cima. A chave maior abre a de baixo. Você deve virar as chaves para a esquerda. E pegue esse livro chamado De A a Z. Vai ser a sua bíblia para andar pelas ruas de Londres. — Eu detesto mapas — eu disse, folheando o livro. — E esse daqui parece ser muito difícil. Tem muitas páginas. — Você não tem conserto mesmo — disse Ethan. — Eu só preciso que você me ensine onde posso fazer compras — eu disse. — Você pode ver no índice, no final do livro. Procure uma rua chamada Knightsbridge. Há muitas lojas nessa região. Harrods e Harvey Nichols, que fazem mais o seu estilo. — Como assim? — perguntei, esperando um elogio. — Roupas da moda que agradam a elite. Eu sorri. Eu fazia parte dessa elite da moda. — Essa rua fica longe daqui? — É uma caminhada longa. Ou uma corrida rápida de táxi. Depois eu vou explicar como você pode chegar de metrô. — Obrigada, Ethan — eu disse, lhe dando um beijo no rosto. — Até a noite. E, nesse intervalo de tempo, vou procurar algumas roupas bonitas! — Parece um bom plano — disse ele, sorrindo carinhosamente. Era como se Ethan entendesse que, se eu iria começar uma vida nova, precisava começar renovando o meu guarda-roupa.
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Quando cheguei lá, vi que Ethan estava certo. A loja Harvey Nichols era perfeita para mim. Eu fui primeiro à Harrods, mas achei a loja muito grande e cheia de turistas malvestidos, assim como a Macy’s. A loja Harvey Nics, como dizia uma garota inglesa que encontrei na rua, era mais sofisticada e reservada, fazendo-me lembrar da Barneys, em Nova York. Eu estava no paraíso, indo de uma arara a outra, selecionando vários modelos da Stella McCartney, Dolce & Gabbana, Alexander MacQueen, Jean Paul de Gaultier e Marc Jacobs. Depois, acrescentei alguns nomes novos à minha seleção, encontrando peças maravilhosas de inverno de estilistas de que nunca tinha ouvido falar. Meu único momento triste do dia aconteceu quando descobri que não cabia mais no tamanho 38. Quando eu estava grávida de dezessete semanas, já não conseguia usar roupas no tamanho 38, mas agora, que não estava entrando nem em uma roupa do tamanho 40, entrei em pânico. Olhei para o meu bumbum e as minhas coxas no espelho do provador e depois fiz o velho teste do lápis, no qual a pessoa deve juntar os pés e colocar um lápis no meio das pernas para ver se ele fica preso nas coxas ou se cai no chão. Fiquei aliviada ao ver que ainda havia espaço entre as minhas coxas, que o lápis, com certeza, cairia no chão. Então, como eu poderia ter ganhado tanta gordura da noite para o dia? Coloquei a cabeça para fora do provador e avistei uma vendedora usando uma linda saia de couro e botas de vinil alaranjadas.
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— Com licença, há alguma diferença no tamanho de algumas marcas de roupa? — perguntei a ela. Ela deu uma gargalhada. — Você é americana? Concordei. — A numeração dos tamanhos é diferente aqui, querida. Você usa 38? — Sim — disse com orgulho. — Mas no momento estou comprando roupas no tamanho 40. — Então você vai usar o número 42 daqui. — Ah, que alívio! — eu disse. — Você quer que eu pegue algumas peças nesse tamanho? Concordei e agradeci, lhe dando minhas peças e pedindo para que ela acrescentasse uma saia igual à dela na minha seleção. Então, fiquei esperando, seminua, em um provador, observando o tamanho da minha barriga. Ela tinha aumentado bastante, mas o meu corpo ainda estava magro e torneado. Eu tinha abandonado a minha rotina de exercícios físicos, mas pensei que, se tomasse cuidado com a minha dieta, eu poderia manter a minha forma por pelo menos mais alguns meses. Quando a vendedora retornou, ela exclamou: — Ai, meu Deus, você está grávida! De quanto tempo? — De quatro meses ou mais — eu disse, passando a mão na barriga. — Você está muito bem para quatro meses — ela disse com um sotaque sofisticado. Eu agradeci enquanto me afastava para que ela pudesse pendurar as roupas dentro do provador. Uma hora depois, eu estava comprando cinco trajes maravilhosos que fariam Claire morrer de inveja. Ao entregar o meu cartão de crédito, eu me lembrei de que haveria uma grande diferença entre a cotação do dólar e da libra, mas eu disse a mim mesma que não iria me preocupar com isso. Fingiria que estava gastando em dólares. E, de qualquer forma, algumas centenas de dólares não iriam me fazer falta. Nem um pouco. Não se
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considerasse que isso era necessário para a minha nova vida. Era um investimento. Enquanto eu estava investindo em mim mesma, pensei que também poderia comprar alguns pares de sapato da marca Jimmy Choo, que eram muito práticos e que poderiam ser usados durante a gravidez, talvez eu até pudesse ir para casa com eles ao sair do hospital com Alistair ao meu lado. Eu saí da Harvey Nics e fui direto para a gloriosa rua Sloane, para visitar meus velhos amigos: Christian Dior, Valentino, Hermès, Prada e Gucci, descobrindo com prazer que, nessas lojas, havia produtos diferentes dos que eu tinha visto nas lojas de Nova York. Então, eu me presenteei com uma maravilhosa bolsa de couro queimado com uma bela alça de metal. Depois da minha última compra, chamei um táxi e voltei ao apartamento de Ethan, exausta, mas emocionada com as minhas aquisições, ansiosa para lhe mostrar o que eu havia descoberto, conquistado, feito sozinha. Como Ethan ainda não havia voltado ao apartamento, resolvi tomar um sorvete de framboesa e ligar a televisão. Descobri que Ethan tinha apenas cinco canais e acabei assistindo a uma sequência de seriados britânicos sem graça e um reality show baseado em um salão de beleza. Até que Ethan entrou pela porta depois das 22 horas. — Onde você esteve? — eu perguntei, com as mãos nos lábios. Ele olhou para mim e colocou a sua sacola no chão. — Escrevendo — disse ele. — Esse tempo todo? — Sim. — Tem certeza? Você está com cheiro de bar — eu disse, colocando o nariz no seu casaco. — Não pensa que eu perdi o meu faro para festas só porque estou grávida. Ele sacudiu os braços, apertando os olhos. — Eu não estava em uma festa, Darcy. Eu trabalho em bares. Bares fumacentos. Eu já lhe disse isso. — Se você está dizendo... Mas eu queria lhe dizer que fiquei muito entediada aqui. E estou faminta. Eu só comi um
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sorvete. Eu não deveria ficar muito tempo sem comer, agora que estou grávida. — Você poderia ter saído para comer sem mim — disse ele. — Eu tenho comida aqui e há muitos restaurantes nesta rua. Para que fique sabendo, tem um ótimo restaurante libanês chamado Al Dar... Eles não entregam a comida, mas você pode ligar antes e passar lá para pegar. Fiquei irritada por ele não estar sendo muito carinhoso, mas achei melhor não ligar. Ao contrário, desfilei minhas aquisições, mostrando a Ethan todas as coisas que havia comprado, rodopiando e fazendo pose enquanto ele assistia ao noticiário na televisão. Recebi muitos elogios apressados, mas na maior parte do tempo ele parecia não estar interessado nas minhas compras. Durante uma reportagem sobre um homem-bomba suicida em Jerusalém, ele chegou a pedir licença, colocando a mão na frente do meu rosto. Nessa hora, eu desisti de insistir em uma aproximação com ele e fui para o meu quarto encher o meu colchão. Logo depois, Ethan apareceu na minha porta com um lençol, um cobertor e um travesseiro pequeno e fino. — Então você conseguiu encher? — perguntou ele, apontando para o colchão. — Sim — eu disse, sentando na borda e balançando um pouco. — Ele tinha uma bomba. É muito mais fácil do que assoprar. — Eu disse que era de luxo. Eu sorri, bocejei e pedi delicadamente um beijo de boa noite. Ethan se abaixou e deu um beijo na minha testa. — Boa noite, Darcy. — Boa noite, Ethan. Depois que ele fechou a porta, eu apaguei a luz e fiz um esforço para me sentir confortável no meu colchão, mexendo e remexendo o meu travesseiro e o meu cobertor. Mas eu não conseguia dormir, apesar de estar cansada e um pouco tonta por causa da viagem. Depois de me revirar por mais de uma hora, peguei o meu cobertor e o meu travesseiro e fui para a sala de estar, na esperança de que o
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sofá de Ethan fosse mais confortável. Mas não era. Era menor do que eu, o que me dava desespero para esticar as pernas. Tentei colocar os pés em cima dos encostos laterais, mas eles eram muito altos e, depois de ficar por alguns minutos com as pernas erguidas, senti como se o meu sangue estivesse indo para a cabeça. Eu me sentei, comecei a chorar e olhei para o quarto escuro. Eu só tinha uma opção. Enrolada no meu cobertor, fui de mansinho para o quarto de Ethan, e coloquei o ouvido na porta. Pude escutar que o rádio estava ligado e percebi que o silêncio do meu quarto poderia ser parte do problema. Eu estava acostumada a dormir com o barulho do trânsito de Nova York. Bati bem devagar, esperando que ele ainda estivesse acordado e disposto há conversar um pouco. Nada. Bati de novo, mais forte. Ainda nada. Então, tentei abrir a porta. Estava destravada. Abri a porta e sussurrei o nome de Ethan. Sem resposta. Eu me aproximei da sua cama e olhei para ele. Sua boca estava um pouco aberta, suas mãos presas debaixo do seu rosto angelical. Hesitei um pouco e disse: — Ethan? Como ele não se mexeu, fui para o outro lado da cama. Havia espaço suficiente para mim, então eu me deitei ao lado dele, em cima do edredom, enrolada no meu cobertor. Embora preferisse conversar um pouco, eu me senti menos solitária ao estar perto de um velho amigo. Quando eu estava quase dormindo, senti um movimento. Abri os olhos e Ethan estava olhando para mim. — O que você está fazendo na minha cama? — Por favor, deixa eu ficar — eu disse. — Estou me sentindo muito sozinha naquele quarto com grades na janela. E acho que o colchão de ar está fazendo mal para a minha coluna. Tenha pena de uma garota grávida. Por favor? Ele bufou, mas não protestou. Então, é claro, eu tentei ir mais longe. “Pare, enquanto está ganhando” é um conselho que nunca segui. — Posso ficar debaixo das cobertas com você, por favor? Preciso de calor humano. Estou congelando por dentro.
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— Não seja tão dramática — resmungou Ethan, cansado. Depois disso, ele ergueu as cobertas para mim. Eu tirei o meu cobertor e fui para perto dele, me aconchegando contra seu corpo magro e forte. — Sem gracinhas — ele murmurou. — Sem gracinhas — eu disse, animada, pensando em como seria bom ter um amigo do sexo masculino. Eu agradeci por nós nunca termos transado antes, assim não ficaria estranho dormirmos juntos na mesma cama. Na verdade, sem contar a época do ensino fundamental, tivemos apenas um momento de intimidade. Estávamos em uma festa para comemorar nossa reunião de dez anos. Eu estava um pouco bêbada e alguém se aproximou de mim, talvez porque Ethan, apesar de ter tido uma fama de nerd no ensino médio, tivesse se tornado o garoto mais popular da nossa turma. Todos queriam falar com ele. Essa adulação aumentou o meu interesse por ele. Por isso, acho que me empolguei um pouco por alguns segundos e achei que seria engraçado transar com ele. Não sei contar os detalhes, mas eu lembro que passei as minhas mãos em seu cabelo encaracolado e sugeri que ele me desse uma carona para casa. Por sorte, Ethan mostrou uma resistência sobre-humana em nome da nossa amizade. Ou talvez ele fosse mesmo gay. De qualquer forma, as linhas da nossa amizade estavam claras agora, o que era bom. — Estou feliz por estar aqui — sussurrei alegremente. — Sim. Eu também — disse ele, sem me convencer. — Agora, vai dormir. Fiquei em silêncio por alguns minutos, mas logo senti vontade de fazer xixi. Eu tentei segurar, relutando para não levantar. Por fim, eu me levantei e tropecei em uma pilha de livros que estavam ao lado da cama de Ethan. — Darcy! — Eu sinto muito. Eu preciso ir ao banheiro. Estou grávida. Você se lembra? — Você pode estar grávida, mas eu tenho insônia — disse ele. — E é melhor que eu consiga dormir depois das suas aventuras. Tenho muita coisa para fazer amanhã.
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— Desculpe. Prometo que vou ficar quieta quando voltar — eu disse. Então eu fui pelo corredor até chegar ao banheiro, fiz xixi e voltei para a cama. Ethan ergueu as cobertas para mim, com os olhos ainda fechados. — Agora fica quieta. Ou eu mando você de volta para a sua cela. Falando sério. — Tudo bem. Vou ficar em silêncio — eu disse, me aproximando dele novamente. — Obrigada, Ethan. Eu precisava disso. Precisava mesmo. Nas semanas seguintes, minha rotina foi a mesma. Eu fazia compras durante o dia, descobrindo uma grande variedade de boutiques da moda: Amanda Wakeley e Betty Jackson na rua Fulham; Browns na rua South Molton; Caroline Charles na rua Beauchamp Place; Joseph na rua Old Bond e Nicole Farhi na rua New Bond. Comprei peças fabulosas: cachecóis coloridos, belos suéteres, saias chiques, bolsas diferenciadas e sapatos sexies. Depois fui procurar as pontas de estoque na rua Oxford, as lojas Next, River Island, Top Shop, Selfridges e Marks & Spencer, porque sempre achei que era importante misturar peças mais baratas com alta-costura em um guarda-roupa. Mesmo peças falsificadas, se usadas junto com roupas caras, poderiam ficar fabulosas. Todas as noites eu voltava para casa com as minhas aquisições e esperava Ethan terminar o seu dia de trabalho. Então, pedíamos algo para comer ou ele nos preparava uma refeição assistindo à televisão e batendo papo. Quando chegava a hora de dormir, eu sempre ia para o meu quarto, fingia que tentava dormir no meu colchão e depois ia para a cama dele. Ethan parecia estar incomodado, mas eu tinha certeza de que, no fundo, ele gostava da minha companhia. Na minha terceira quarta-feira na cidade, depois de muitas reclamações, Ethan finalmente prometeu tirar um dia de folga para sair comigo. — Fantástico! Que dia vai ser? — perguntei. — Humm. Dia de Ação de Graças? Lembra desse feriado? Ou já faz muito tempo que você está em Londres?
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— Ai, meu Deus. Esqueci totalmente do Dia de Ação de Graças — eu disse, lembrando que já fazia alguns dias que eu tinha consultado um calendário ou ligado para alguém da minha família. Eu ainda precisava ligar para os meus pais ou para o meu irmão para contar que eu tinha deixado Nova York, e eu me senti satisfeita ao saber que eu seria o assunto principal da conversa na mesa do jantar, no dia seguinte. — O que você gostaria de fazer? — Ethan me perguntou. — Bem, todas as lojas estarão abertas, certo? — perguntei. — Já que não é feriado aqui. Ele fez uma careta. — Você quer fazer compras de novo? — Poderíamos comprar algumas coisas para você — eu disse, tentando agradá-lo. — Adoro roupas masculinas. — Eu me lembrei de todas as vezes que comprei alguma coisa para Dex e de como ele ficava lindo nas roupas que eu havia escolhido. Agora que ele só tinha a Rachel para lhe ajudar, tinha certeza de que ele estava esbanjando roupas esportivas. O seu guarda-roupa deve ter sido muito afetado sem mim. — Eu estava pensando em fazer uma bela caminhada às margens do rio Tâmisa. Ou fazer um passeio no Regent’s Park. Você já esteve lá? — Não — eu disse. — Mas está muito frio lá fora. Você quer mesmo passear ao ar livre? — Tudo bem. Então que tal irmos a um museu? Você já foi conhecer a National Gallery? — Sim — eu menti, em parte porque eu não queria perder o meu dia lá, museus me deixam cansada e a luz fraca me deprime. Mas eu também menti porque eu não queria escutar nenhum sermão sobre os dias em que passei dentro de lojas em vez de em museus. Se ele me dissesse alguma coisa parecida, eu já teria uma desculpa: os museus e as catedrais não saem do lugar, enquanto a moda muda a cada segundo. — Ah, verdade? Você não me falou que tinha ido lá — disse ele, com uma cara de quem não tinha acreditado. — O que você achou da ala chamada Sainsbury Wing?
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— Oh, eu amei! Por quê? O que você achou? — repetir a pergunta é sempre uma boa técnica quando você está em apuros. — Eu adorei... até escrevi um artigo sobre ele. Perguntei-lhe, como se estivesse interessada. — Você falou sobre o quê? — Ah, eu escrevi sobre como os modernistas criticam o prédio por preferirem linhas mais simples na arquitetura. Você sabe... “menos é mais”... Enquanto que os pós-modernistas, incluindo Robert Venturini, o americano que projetou o prédio, acredita que a estrutura deve estar em sincronia com os prédios do seu entorno... Por isso, as salas desse prédio refletem o contexto cultural de trabalhos renascentistas. — Ethan falou com entusiasmo do assunto, que, para mim, parecia muito chato. Ele continuou: — Por isso você tem um espaço interno grandioso com todos os tipos de obras de arte, além da ilusão de que todos esses arcos alinhados diminuem ao longe, assim como acontece no Scala Regia, no Palácio do Vaticano... Isso ocorre porque para Robert Venturi “menos é um tédio”. — Humm — eu disse, sacudindo a cabeça. — Menos é um tédio. Eu tenho de concordar com Venturi nesse ponto. Ethan arrumou os óculos e disse: — O príncipe Charles tinha a mesma opinião. Quando ele viu o projeto inicial que apresentava um design muito mais simples, realizado pelos modernistas, ele comentou que o prédio seria “um carbúnculo monstruoso na cara de um amigo muito querido”. Eu comecei a rir. — Eu não sei o que é um carbúnculo, mas não parece ser uma coisa agradável. Espero que apareça um no nariz da Rachel. Ethan ignorou o meu comentário e me perguntou quais eram as minhas pinturas favoritas da National Gallery. — Ah, eu não consigo escolher. — Você viu A ceia de Emaús, do Michelangelo? — Sim. Maravilhosa.
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— E que você achou de O casal Anolfini, de Jan van Eyck? — Também adorei essa pintura — eu disse. — Você notou que havia alguma coisa escrita na parede do fundo do quadro? — perguntou ele. — Explica melhor para ver se eu me lembro. — As palavras escritas acima do espelho significam: “Jan van Eyck estava presente” e, como era de se esperar, você pode ver o seu reflexo no espelho, junto com o casal que está se casando e o outro convidado. Eu sempre me perguntei a razão pela qual Jan van Eyck quis incluir a sua imagem nessa pintura. O que você acha que ele queria dizer? Tive a impressão de que estava de volta à faculdade, sendo questionada pelo professor de história da arte. — Humm. Eu não sei. — Eu também não... Mas isso faz a gente pensar... E você não acha bonito essa pintura ser tão grande? Como se estivesse dominando a sala? — Humm — eu disse. — É enorme, verdade. Ethan sacudiu a cabeça e riu. — Você está mentindo, Darcy. A tela é minúscula. Você nunca esteve na National Gallery, não é verdade? Tirei o cabelo do rosto e sorri, sem graça. — Está certo. Não. Eu nunca estive lá. Você sabe que eu não gosto de museus, Ethan! Eu prefiro viver a vida a ter de caminhar dentro de salas escuras com um monte de turistas idiotas — isso me pareceu uma boa desculpa. É como aquelas pessoas que dizem que não leem jornal porque não querem ficar deprimidas. Eu já usei essa desculpa também. — Eu concordo que, quando visitamos alguma cidade, não devemos passar o tempo todo dentro de museus, mas você vai perder muita coisa se não for a nenhum... De qualquer forma, eu gostaria de lhe mostrar lugares interessantes em Londres. Que não sejam as lojas Harrods e Harvey Nichols. O que você acha? Pensei comigo mesma que tudo o que eu queria fazer era voltar para a loja Joseph e comprar uma jaqueta de couro
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que eu não tive coragem de comprar no dia anterior. Custava mais de 400 libras, mas era clássica o bastante para durar para sempre, o tipo de compra da qual você não se arrepende. Eu tinha certeza de que iria acabar se eu não voltasse lá até amanhã. Mas fiquei feliz com a ideia de passar o dia com alguém e, por isso, se Ethan quisesse me mostrar o lado cultural de Londres, eu aceitaria. No dia seguinte, Ethan me acordou às 8 horas, falando muito animado sobre os nossos planos para o dia. Tomamos um banho e nos trocamos rápido e, às 9 horas, estávamos subindo a rua Kensington High. Era um dia frio e cinza, e, enquanto eu colocava as minhas luvas de couro com pele de coelho, perguntei a Ethan por que Londres sempre parecia ser mais fria do que a temperatura real. — É a umidade do ar — disse ele. — Ela penetra em cada camada da nossa roupa. — Sim — eu disse, tremendo. — É de congelar os ossos. Sorte que estou usando botas. Ethan concordou e acelerou os passos para que pudéssemos nos esquentar. Pouco tempo depois, já estávamos na entrada do Holland Park, quase sem fôlego. — De todos os parques de Londres, este é o meu favorito — disse Ethan, endurecendo o corpo. — Ele não é muito frequentado e tem uma aura mais romântica. — Você está querendo me dizer alguma coisa, Ethan? — brinquei, entrelaçando os nossos braços. Ele sorriu, virou os olhos e me sacudiu. — Sim. Estou querendo lhe pedir em casamento. O que você acha? — Espero que você tenha um anel de esmeralda no bolso. Estou cansada de anéis de brilhante — eu disse enquanto caminhávamos por um lugar arborizado que dava para um grande campo aberto. — Os brilhantes têm a lapidação arredondada? — perguntou ele. — Sim. — Droga. Eu comprei um diamante redondo e achatado. Acho que teremos de ser amigos, então.
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Eu sorri. — Acho que sim. — Bem, mudando de assunto, este lugar — disse ele, apontando para o campo verde — é chamado de Cricket Lawn. — As pessoas jogam críquete aqui? — No passado, jogavam. Um vez, assisti a um jogo de críquete aqui, mas é mais comum acontecer partidas de futebol. E, no verão, é um grande ponto de encontro. As pessoas ficam espalhadas por todos os lados. Basta fazer um pouco de calor para os ingleses que vivem aqui tomarem sol... Eu gosto de ficar ali — disse ele, apontando para um lugar com sombra em um canto do parque. — Tirei sonecas deliciosas debaixo daquela árvore. Eu imaginei Ethan com os seus cadernos, tentando escrever, mas caindo no sono. Eu pensei em como seria bom vir aqui com ele e com o meu bebê no verão, para fazer um piquenique. Enquanto andávamos ao redor do parque perto de um teatro, pensei em como eu estava feliz por estar junto de Ethan. Depois, eu pensei em Rachel, e desejei que ela nos visse naquele momento, caminhando em um parque de Londres em uma manhã do Dia de Ação de Graças. Eu fiquei curiosa em saber o que ela e Dex estariam fazendo, se eles tinham ido passar o feriado em Indianápolis. Talvez estivessem na cozinha de Rachel agora, sentados ao lado da janela com uma xícara de café nas mãos, avistando a minha casa. Eu disse a mim mesma que não estragaria a minha alegria e voltei minha atenção a Ethan, que estava me contando várias histórias, como sempre fazia. Ele me disse que o parque era uma antiga propriedade da Holland House, que era usada para grandes eventos sociais e políticos da cidade. Ele me explicou que ela foi bombardeada e destruída durante a Segunda Guerra Mundial e que agora servia de abrigo a vários pavões que iríamos ver dali a pouco. — Oh, eu adoro pavões! Ele olhou para mim de lado e sorriu. — Você me lembra bem o jeito deles.
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Eu lhe disse que ia considerar esse comentário como um elogio. — Claro — disse ele, e depois apontou para um restaurante chamado Belvedere. Ele me disse que eles tinham o brunch mais elegante e que, se eu fosse uma boa menina, ele me levaria lá. Depois do restaurante havia um belo jardim com as primeiras dálias da Inglaterra, que, segundo Ethan, tinha sido feito em 1790 por Lady Holland. Eu perguntei como ele conseguia lembrar tantos nomes, datas e fatos, e se o seu cérebro não ficava atordoado com tantas informações inúteis. Ele me disse que história não era uma coisa inútil. — Inúteis são as coisas que você aprende lendo revistas de moda. Inútil é querer saber o motivo da separação de alguma celebridade. Eu comecei a explicar que as celebridades de hoje farão parte da história de amanhã, mas Ethan me interrompeu. — Olha lá. Um pavão! Como esperava, um pássaro maravilhoso de penas brilhantes azuis e verdes estava passeando em uma área protegida por cercas. — Uau. Que lindo! — eu disse. — Eu adoraria ter um casaco dessa cor. — Vou me lembrar disso quando for comprar o seu presente de Natal — disse Ethan. Embora soubesse que ele estava brincando, fiquei feliz com esse comentário sobre o Natal. Eu queria ficar pelo menos até essa data. Se eu conseguisse, não voltaria para casa até o meu bebê nascer. Com certeza, ele não me mandaria embora quando estivesse faltando três meses para o parto. — Certo. Estamos chegando na minha parte favorita do parque. O Kyoto Garden, construído durante o festival japonês. Subimos alguns degraus e passamos por uma placa que ficava no caminho para o jardim. — Não é perfeito? — perguntou Ethan, parando na entrada do jardim.
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Eu concordei. Era. O pequeno jardim era um lugar tranquilo, com um lago, árvores do tipo bonsai, caminhos arborizados e cachoeiras. Eu disse a Ethan que a paisagem me fazia lembrar o jardim do senhor Miyagi do filme Karatê Kid. Ethan começou a rir enquanto me levava para uma passarela. Ele parou do outro lado e sentou-se em um banco de madeira. Depois, ele fechou os olhos, colocou as mãos atrás da cabeça e disse: — Esse é o lugar mais tranquilo de Londres. Ninguém vem aqui. Mesmo quando faz calor, eu tenho a impressão de que esse lugar é meu. Eu me sentei ao lado de Ethan e olhei para ele enquanto inspirava com os olhos ainda fechados. Suas bochechas estavam rosadas e seus cachos caíam sobre o seu casaco de lã azul-marinho e, de repente, eu me senti atraída por ele. Não era um tipo de atração física como a que eu sentia por Marcus, nem era uma espécie de admiração como a que eu sentia por Dexter. Era um sentimento de carinho por alguém que era o único amigo que eu tinha no mundo. Ethan representava um laço com o passado e uma ponte para a minha nova vida, e, se gratidão pudesse dar vontade de beijar uma pessoa, naquele momento eu senti uma vontade imensa de dar um beijo nele. É claro, eu resisti, dizendo a mim mesma para parar de ser louca. Ethan não fazia o meu tipo e, além disso, a última coisa que eu queria fazer era atrapalhar o nosso convívio (e o nosso sono). Depois de algum tempo, Ethan virou e disse. — Você está com fome? Eu disse que estava, então caminhamos de volta à rua Kensington High, passamos pelo seu apartamento e fomos a uma casa de chás na Wright’s Lane chamada Muffin Man. A parte de dentro era antiquada, mas aconchegante, cheia de mesinhas e cadeiras, e as garçonetes vestiam aventais floridos. Sentamos em uma mesa ao lado da janela e pedimos sanduíches tostados, chá e bolinhos. Enquanto esperávamos pela comida, falamos sobre a minha gravidez. Ethan perguntou quando fora a minha última consulta médica. Eu disse que fora antes de vir morar com ele e que eu iria fazer outra logo. Ethan percebeu o meu deslize e ergueu as sobrancelhas.
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— Morar comigo? — Quer dizer, visitar você — eu disse, e depois mudei de assunto rapidamente antes que ele me perguntasse sobre a viagem e descobrisse que eu havia comprado um bilhete só de ida. — Então, na minha próxima consulta eu vou saber o sexo do bebê... Mas eu já sei que é uma menina. — Como? — Ethan me perguntou, quando a garçonete chegou com os pedidos. — É apenas um pressentimento. Se Deus quiser, vai ser uma menina. Eu, ultimamente, não sou muito fã de homens. Exceto de você, é claro. Já que é gay. Ele sorriu. — Você não é gay? — perguntei. Esse parecia o momento ideal pra falar do assunto. — Não — ele sorriu e sacudiu a cabeça. — Você pensou que eu fosse? — Bem, você não tem namorada — eu disse. — E você nunca me cantou, eu pensei. Ele riu. — Eu não tenho um namorado também. — É verdade... Eu não sei. Você tem bom gosto, sabe muito sobre arte. Eu achei que, talvez, a Brandy tivesse feito você detestar as mulheres. — Ela não me fez detestar todas as mulheres. Eu olhei para o rosto dele, mas não consegui compreender a sua expressão. — Eu ofendi você? — De forma alguma — disse Ethan, enquanto passava manteiga em um bolinho. — Oh, graças a Deus — eu disse. — Eu odiaria ofender o meu melhor amigo no mundo. Eu queria que ele se sentisse envaidecido e talvez até respondesse dizendo: “Você é minha melhor amiga também”. Mas ele apenas sorriu e mordeu o seu bolinho. Depois do nosso lanche, voltamos pela rua Kensington High e paramos em frente ao ponto do metrô.
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— Nós vamos de metrô? — eu perguntei. — Por que não pegamos um táxi? — eu não era muito fã de metrô em Nova York, sempre preferia pegar um táxi, e não deixei de ter essa opinião em Londres. — Coloca o bilhete aí, Darcy — disse Ethan, enquanto me dava um bilhete rosa. — E não perca o seu bilhete. Você vai precisar dele pra sair do outro lado. Eu lhe disse que não achava esse sistema de transporte adequado. — Tenho a terrível impressão de que muita gente pode perder o bilhete no caminho e ficar presa no destino final. Ethan colocou o seu bilhete em uma fenda, passou por uma roleta e desceu as escadas. Eu fui atrás dele e logo estava em uma fria plataforma aberta do metrô. — Está congelando aqui — eu disse, esfregando minhas luvas uma na outra. — Por que eles não fazem plataformas cobertas? — Para de reclamar, Darcy. — Não estou reclamando. Apenas estou dizendo que está muito frio. Ethan fechou a sua jaqueta até em cima e olhou para os trilhos. — O metrô da linha amarela está chegando — disse ele. Momentos depois, nós estávamos sentados no metrô, ouvindo uma voz de mulher anunciando a próxima parada com um belo sotaque britânico. — Quando eles vão dizer para termos cuidado com a distância entre o trem e a plataforma? — eu perguntei. — Ou eles não dizem isso aqui? Ethan sorriu e explicou que eles só diziam isso em algumas estações, quando havia uma distância muito grande entre o trem e a plataforma. Eu olhei para o mapa do metrô acima de nós e perguntei para onde estávamos indo. — Para a estação chamada Charing Cross — disse ele. — Vamos visitar alguns pontos básicos da cidade, incluindo a National Gallery. Eu sei que você não é muito fã de museus, mas não há como escapar. É um lugar imperdível. Você
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conhecerá algumas pinturas de artistas como Turner, Seurat e Botticeli, querendo ou não. — Eu quero — eu disse, sendo sincera. — Quero que você me ensine a gostar deles. Então, naquela tarde, nós visitamos alguns pontos turísticos de Londres. Fomos ver a Coluna de Nelson, no meio da Trafalgar Square, cercada pelas pessoas e pelos pombos, enquanto eu recebia uma aula sobre Lord Horatio Nelson, vencedor da batalha naval contra os franceses. (Ethan ficou impressionado quando eu falei que não sabia que os franceses e os ingleses já tinham sido inimigos em uma guerra.) Nós visitamos a igreja favorita de Ethan, St Martin-in-the-Fields, que ele disse ser famosa por seu ativismo social. Em seguida, fizemos outra parada para um chá na cafeteria Coffe-in-the-Crypt, localizada no subsolo da igreja. Depois disso, fomos para a National Gallery. Ethan me mostrou as suas pinturas favoritas, e eu tive de admitir que estava me divertindo. Com os seus comentários, as pinturas começaram a ser interessantes para mim. Era como se eu estivesse vendo as coisas com os olhos dele, observando cada detalhe de cor e de forma que eu, com certeza, não notaria sozinha. Voltamos para casa depois que escureceu e preparamos um jantar do Dia de Ação de Graças incomum, com salmão, aspargos e cuscuz. Depois de comermos, eu me aconcheguei na cama ao lado de Ethan e agradeci pelo meu passeio em Londres. Ele se virou e me olhou sério e estranho. — Por nada, Darcy. — Foi o melhor Dia de Ação de Graças da minha vida — eu disse, surpresa ao perceber que o meu coração estava acelerado. Nossos olhos continuaram se encarando e os meus pensamentos retornaram para o momento em que estávamos sentados no banco do parque. Fiquei imaginando se Ethan já havia se sentido atraído por mim. Se ele estava se sentindo assim naquela hora. Mas, quando ele virou o rosto bruscamente e se levantou para apagar a luminária, sentando-se longe de mim, eu disse a mim mesma que estava ficando louca. Deveria ser
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culpa dos hormônios da gravidez, que estavam me fazendo imaginar coisas. Depois de alguns minutos, Ethan disse calmo, com a voz abafada pelo travesseiro. — Eu me diverti muito também, Darcy. Eu sorri. Poderia não ter sido o melhor Dia de Ação de Graças do Ethan, mas eu estava certa de que aquele dia tinha me feito ganhar algumas semanas a mais em Londres. Ele ainda não me mandaria embora para casa.
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Na manhã seguinte, eu disse a Ethan que estava desesperada para sair de casa e ter alguma interação social. Insisti para que ele me levasse a um lugar diferente do seu pub e me apresentasse aos seus amigos. — Afinal — eu disse —, uma mulher grávida não deve ir a um bar sozinha, deve? — Eu acho que não — disse ele, prometendo, a contragosto, que iria convidar algumas pessoas para jantar no sábado à noite. — Vamos a algum lugar fabuloso! — Eu geralmente não vou a lugares fabulosos. Você gostaria de ir a um pub com um padrão gastronômico um pouco melhor? — perguntou ele, enquanto acendia um cigarro e colocava a cabeça do lado de fora para fumar. Eu não era muito fã de pubs, de gastronomia ou coisa parecida, mas aceitaria qualquer coisa e por isso falei alegremente: — Você pode escolher. Apenas convide seus amigos mais legais. De preferência, do sexo masculino! Então, no sábado à noite, vesti o meu jeans favorito (que eu ainda conseguia abotoar por baixo do umbigo), um casaco de seda marfim, um par de botinhas novas de couro e os mais perfeitos brincos de turmalina. — Como estou? — eu perguntei. Ele me deu olhou apressado e disse: — Legal.
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— Dá pra notar que eu estou grávida? — perguntei, seguindo com ele pelo hall até o lado de fora do prédio. — Essa jaqueta está escondendo a minha barriga? Ele me olhou de novo. — Eu não sei. Eu sei que você está grávida, e por isso eu vejo sua barriga. Eu acho. Por quê? Você está tentando escondê-la? — Bem, naturalmente — eu disse. — Eu não quero espantar nenhum pretendente antes que ele possa me conhecer melhor. Percebi o olhar desaprovador de Ethan antes de ele correr para a esquina e fazer sinal a um táxi que estava passando. Corri atrás dele decidindo esquecer aquele olhar. Em vez disso, eu disse que ele estava muito bonito também. — Adorei seus jeans — eu disse. — Obrigado. São velhos. Eu balancei a cabeça e disse: — Há dois tipos de homem, você sabe. — Como assim? — ele perguntou, parecendo estar confuso. — Os que usam bons jeans e os que não usam... E não é só por causa da marca. Tem a ver com a modelagem, a lavagem, o comprimento. Todos esses detalhes. E você, meu amigo, sabe muito bem como escolher um bom jeans — beijei o meu dedo e fiz um sinal de positivo. Ethan caiu na risada e passou a mão na testa. — Eu estava preocupado. Sorri, apertei a coxa dele e disse: — Isso é muito bom... Para onde estamos indo agora? — Para um pub chamado The Admiral Codrington, em Chelsea. Fiquei preocupada quando ouvi o nome do restaurante, mas senti uma ótima vibração ao entrar. Não parecia nada com o outro pub desagradável que Ethan gostava de frequentar. A área do bar estava cheia de garçons bem vestidos e logo avistei dois possíveis pretendentes, um
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encostado no bar, fumando, e o outro conversando com ele. Eu sorri para o cara que estava conversando. Ele piscou para mim e continuou a falar com seu amigo fumante. O amigo fumante se virou para ver quem era a garota que havia recebido a piscada, me olhou e levantou a sobrancelha como se estivesse de acordo com a opinião do seu amigo. Eu sorri para ele também. Queria oferecer oportunidades iguais para todos os ingleses. — Algum deles é o seu amigo Martin? — perguntei, apontando para os dois caras bonitinhos. — Não — disse Ethan, olhando para eles rapidamente. — Meus amigos passaram da adolescência. — Esses caras não são adolescentes! — eu disse, mas, depois de olhar novamente, vi que eles deveriam ter pouco mais que 20 anos. Esse é o problema de ficar mais velha. Há sempre uma margem de anos distinta entre como você vê os outros e como você se vê. Eu ainda me via com 24 anos, por isso eu perguntei a Ethan: — Onde estão Martin e Phoebe? — Eles já devem estar sentados — disse Ethan, olhando o relógio. — Estamos atrasados. Ethan odiava estar atrasado e eu notei que ele estava irritado por eu ter demorado tanto para me arrumar para a nossa noite. Enquanto estávamos indo para os fundos do restaurante, eu me lembrei de uma noite, na época do ensino médio, quando Ethan tirou a carteira de motorista e levou Rachel, eu e Annalise para dar uma volta inaugural de carro até o cinema. Assim como essa noite, eu lembro que demorei bastante para me arrumar e, por todo o caminho, Ethan ficou de cara feia, repetindo coisas como: “Pelo amor de Deus, Darcy, tomara que nós não tenhamos de assistir a algum filme romântico boboca porque as entradas dos outros filmes já estarão esgotadas!”. Eu fiquei cansada daquela reclamação e pedi para ele parar o carro imediatamente porque eu queria descer, sem me importar de estarmos atravessando a avenida Odgen, que é muito movimentada e quase não tem espaço para pedestre. Rachel e Annalise tentaram acalmar as coisas do banco de trás, mas Ethan e eu estávamos muito nervosos. Então, enquanto discutíamos, Ethan passou por um sinal vermelho e quase bateu em uma minivan. A motorista parecia uma senhora distinta e bem vestida, mas isso não a impediu
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de apertar a buzina com uma mão e mostrar o dedo para Ethan com a outra, enquanto um policial parava Ethan para lhe dar a sua primeira multa. Apesar do incidente, nós ainda chegamos a tempo no cinema para ver o filme que Ethan havia escolhido, mas ele sempre comentava que essa noite tinha sido “uma amostra da minha natureza inconsequente”. Eu me lembrava daquela noite com um misto de saudade e de vergonha, enquanto Ethan me mostrava os seus amigos. — Aqueles são Martin e Phoebe — disse ele, apontando para os dois melhores amigos dele em Londres. Meu coração murchou quando os vi, porque, para ser sincera, eu julgo o livro pela capa e nenhum dos dois havia me impressionado. Martin era magro, quase careca e tinha um proeminente pomo de adão. Ele estava usando uma jaqueta de veludo opaco com remendos pretos no cotovelo e jeans surrados (o que, incidentalmente, o colocava no grupo dos homens que não sabiam escolher a calça jeans). Phoebe era uma mulher grande, um pouco grosseira, com mãos de homem e cabelos iguais aos da Julia Roberts no filme Uma Linda Mulher (antes de ficar refinada). Meu rosto deve ter revelado a minha frustração, uma vez que Ethan fez um som de desaprovação, balançou a cabeça e caminhou na minha frente em direção aos seus amigos grosseiros. Eu o segui, sorrindo alegremente, decidindo aproveitar a noite. Talvez um deles tivesse um irmão solteiro e bonito. — Martin, Phoebe, esta é a Darcy — disse Ethan, quando chegamos na mesa. — Darcy, é um prazer — disse Martin, ficando de pé para apertar a minha mão. Eu tentei não olhar para o seu pomo de adão enquanto sorri e disse: — O prazer é meu — com um ríspido tom de voz que havia aprendido com Claire. Enquanto isso, Phoebe mostrava um sorriso congelado e falso que me fez desgostar dela logo no primeiro instante. — Darcy. Ouvimos falar muito de você — disse ela, com uma voz sarcástica e insinuativa.
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Minha mente ficou acelerada. O que Ethan teria dito a ela para sorrir daquele jeito? Eu considerei as possibilidades: “grávida e sozinha”? Não. Isso não causaria um sorriso falso, especialmente para a mulher Hulk, de cabelo laranja, cuja única chance de ter um filho seria através de um banco de esperma. “Companheira de quarto vagabunda”? Não. Eu não estava no país há tanto tempo assim para receber essa descrição. Além disso, eu ainda conseguia me virar sozinha. “Nova-iorquina superficial”? Talvez fosse isso, mas eu não sentiria vergonha de ser bonita e bem vestida. Não era nada disso. Phoebe estava sorrindo assim por causa de Rachel e Dex. Ethan deve ter contado a eles toda a história. Como era de se esperar, enquanto eu falava que estava gostando muito de Londres, Phoebe dava um sorriso forçado e irônico que me deixou convencida de que ela estava sentindo prazer com a minha situação, isto é, por minha antiga melhor amiga estar transando com o meu antigo noivo. — O que é engraçado aqui? Estou perdendo alguma coisa? — perguntei, olhando em volta da mesa. Martin murmurou que não havia nada engraçado. Ethan encolheu os ombros, parecendo frustrado e culpado. Phoebe escondeu o riso com o seu copo de cerveja draft, a bebida perfeita para uma baranga. Pelo menos eu não tinha os braços que pareciam uma salsicha gorda. Pelo menos eu era bonita e não estava usando uma blusa marrom com uma gola que parecia um babador. Como ela não podia perceber que eu tinha muito mais do que ela? Enquanto eu via Phoebe rir das suas próprias piadas sem graça e pedir uma cerveja atrás da outra para acompanhar a sua carne de porco coberta com molho grosso de cebola, fiquei impressionada com a sua desmedida autoconfiança. Para mostrar a Ethan que estava descontente, continuei em silêncio por algum tempo. Depois disso, enquanto esperávamos pela conta, Phoebe confirmou o meu palpite quando me olhou e falou abertamente: — Eu conheci a sua amiga Rachel há alguns meses. Ela é muito simpática.
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Respirei fundo e olhei para ela, me segurando para manter a calma. — Oh, você conheceu a Rachel? Que legal... Ethan não havia me dito — Eu olhei para Ethan enquanto ele mexia a cabeça, cruzando os braços e olhando para a mesa ao lado. — Sim — disse ele. — Martin e Phoebe conheceram a Rachel quando ela veio me visitar... Meu coração bateu com indignação, eu podia sentir meu rosto se contorcendo e ficando vermelho, tentando não chorar. Como Ethan tinha coragem de me levar para conhecer essas pessoas depois de terem sido apresentadas a Rachel e nem me avisar? E o pior, pela forma como Phoebe estava agindo, eu tinha certeza de que Rachel já deveria estar apaixonada por Dex durante a visita dela a Londres, e que havia contado isso a Ethan e aos seus amigos. Antes daquela noite, eu achava que Rachel não havia contado muita coisa a Ethan. Pelo menos, nada que pudesse lhe comprometer. Presumi isso porque, quando éramos crianças, Rachel me dizia que não divulgava nada embaraçoso ou controverso nem no seu diário porque ela tinha medo de morrer por causa de algum acidente idiota, como levando um choque de um secador caído em uma banheira ou engasgando com um cachorro-quente e, depois da sua morte, ela não podia suportar que seus pais pudessem ler alguma coisa comprometedora. “Mas você vai estar morta”, eu dizia a ela, “pior ainda”, dizia ela, “porque, estando morta, eu não poderia lhes fazer mudar de ideia. Essa seria a última impressão que guardariam de mim”. Então, por causa do rígido senso de moral de Rachel somado ao medo que ela tinha de que as outras pessoas a julgassem mal, eu achei que, se ela sentia alguma coisa por Dex antes do nosso rompimento, ela não contaria a ninguém. Eu também queria acreditar que Ethan, apesar de ser mais amigo da Rachel, era meu amigo também, e que ele não estava escondendo nada importante de mim. Foi difícil acreditar que não só ele sabia muito mais do que havia deixado transparecer, mas que pessoas totalmente estranhas em Londres também sabiam de tudo. Eu me senti uma idiota e sentir-se idiota é um dos piores sentimentos do mundo. De repente, eu estava com o rosto ardendo, abanando-me com a
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minha pequena bolsa Chanel, em pânico por imaginar que talvez Rachel e Dex já estivessem saindo muito antes do dia em que os peguei juntos. Tentando descobrir a verdade, olhei nos olhos de Phoebe e perguntei, num tom de voz mais alto do que necessário, mesmo estando em um restaurante barulhento lotado de ingleses bêbados: — Quando você conheceu a minha amiga Rachel, ela chegou a contar que queria transar com o meu noivo? Ou ela já tinha transado com ele naquela época? Martin parecia aflito enquanto olhava a nossa conta. Ethan balançou a cabeça. Phoebe deu uma risadinha. — Estou feliz que alguém aqui esteja contente — eu disse, levantando-me nervosa da mesa. Meu salto ficou preso no canto da minha cadeira, derrubando-a no chão. Todas as pessoas que estavam no restaurante, incluindo os dois caras bonitinhos de vinte e poucos anos, que agora estavam acompanhados de duas garotas da mesma faixa etária, viraram-se para olhar a nossa mesa, e eu fiquei sem graça. Coloquei a mão na bolsa para pegar o dinheiro e percebi que havia deixado a minha carteira no chão, ao lado do colchão de ar. Foi uma pena, porque seria muito melhor se eu jogasse o dinheiro na mesa antes de partir. Em vez disso, eu tive de dizer a Ethan que pagaria ele depois. Então eu saí, imaginando se conseguiria encontrar o caminho de casa e se os meus pés doeriam muito por ter de caminhar todo aquele trajeto com meus sapatos novos. Quando eu coloquei os meus pés na rua escura, percebi que não tinha ideia de onde estava. Andei em uma direção e depois voltei pela outra, e fiquei muito aliviada quando Ethan apareceu na porta do restaurante. — Darcy, espera! Eu tenho de pagar a nossa parte da conta — disse ele, como se fosse dele o direito de estar chateado. — Você me deve uma desculpa! — eu gritei. — Espera aqui. Eu já volto. Está bem? Cruzei os braços, olhei para ele e disse que esperaria. Como se eu tivesse outra escolha. Um minuto depois, Ethan estava de volta à rua, com os lábios contorcidos de raiva. Ele
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chamou um táxi para nós e abriu a porta bruscamente. Como ele se atrevia a estar zangado comigo! Eu que tinha sido enganada. Eu estava pronta para começar a falar, mas mordi os lábios e esperei que ele falasse primeiro. Ele não disse nada por alguns minutos e depois falou em tom agressivo. — Então você e Phoebe se deram muito bem. — Ela é uma vaca miserável, Ethan! — Calma! — Não me peça para ficar calma! — eu gritei. — Como você teve coragem de me levar para sair com eles, ciente de que sabiam tudo sobre mim! Você deveria ter me contado que eles conheciam a Rachel! Não posso acreditar que vocês ficaram rindo de mim! Eu pensei que você fosse meu amigo! — Eu sou seu amigo! — disse ele. — Então me fala o que você contou a eles, Ethan! E já que estamos falando disso, eu quero que você me conte tudo o que você sabe do Dex e da Rachel! Os músculos do pescoço dele endureceram. — Falaremos sobre isso quando chegarmos em casa, certo? — Não. Quero falar agora! — gritei, mas Ethan parecia estar decidido, e eu estava com medo de acabar perdendo tudo. Eu queria tanto saber a verdade que não poderia me arriscar a deixá-lo irritado. Foi muito difícil, mas eu consegui manter a boca fechada até chegar em casa. Quando Ethan e eu chegamos no apartamento, ele foi para o seu quarto, provavelmente, para ligar para Rachel e pedir permissão para me contar os seus segredos sujos. Eu esperei na sala, imaginando o que ele iria me dizer. Como seria duro saber a verdade. Depois de alguns minutos, ele voltou para a sala e começou a mexer em seus CDs. Tirei a minha jaqueta e os sapatos, e sentei de pernas cruzadas no chão, com o rosto plácido, esperando a verdade. Toda a verdade. Ethan escolheu um CD do Coldplay e aumentou o som, sentando-se no sofá. Ele me lançou um olhar frio. — Está certo. Olha — disse ele, mais alto do que a música —, eu estou cansado dessa merda, Darcy. Eu estou muito, muito cansado de tudo isso.
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— Eu também — eu disse, desligando o som. Ele levantou a mão para me avisar que não queria ser interrompido. — Então nós vamos discutir isso hoje e depois nunca mais, certo? — Certo — eu disse. — É tudo o que eu quero. — Bem, quando Rachel veio aqui, ela me disse que sentia... Uma atração por Dex. — Eu sabia! — eu disse, apontando para ele. — Você vai querer me ouvir? Engoli seco e fiz que sim com a cabeça. — E que estava sentindo isso há algum tempo, mas não muito tempo. — Fazia quanto tempo? — Algumas semanas... Talvez alguns meses. — Alguns meses! — eu gritei. Ele me deu um olhar de aviso, como se fosse parar a conversa. — Desculpa. Pode continuar. — Eu não tenho muito mais o que dizer. — Quando eles ficaram juntos pela primeira vez? — perguntei, petrificada pela possível resposta, mas querendo saber por quanto tempo eles me fizeram de idiota. Ele parou e disse que não sabia. — Eu sei que você está mentindo — eu disse. — Eu sei que você sabe! — Isso é tudo o que eu sei — disse Ethan, continuando a resposta. — Rachel não queria se sentir assim. Ela estava sofrendo muito. Estava decidida a voltar para Nova York e ser a sua madrinha de casamento. Ela estava preparada para seguir em frente, forçando-se a esquecer Dex e ser sua amiga. O que é muito mais do que muitas pessoas fariam no lugar dela. Meu coração batia tão alto que podia escutá-lo. Eu tinha uma fixação em uma coisa. Um fato.
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— Quero que me diga uma data, Ethan. Quando eles começaram a sair juntos pela primeira vez? Ele cruzou os braços e respirou fundo. — Foi antes ou depois do aniversário da Rachel? — eu perguntei. Para ser honesta, eu não sei o que me fez escolher aquela data. Talvez porque o aniversário da Rachel seja no fim de maio, sempre coincidindo com o início do verão. Eu poderia ter escolhido outro dia. Mas não. Eu disse “aniversário da Rachel” e, pelo olhar no rosto de Ethan, eu soube que tinha acertado em cheio. Minha mente se voltou para aquela noite, em que eu tinha organizado uma festa surpresa para ela. De repente, fiquei em pânico ao lembrar que Dex não havia voltado para casa até às 7 horas da manhã do dia seguinte. Ele disse que estava com Marcus. E Marcus concordou. Todos eles mentiram para mim! Meu noivo tinha passado a noite com a minha melhor amiga! Meses antes de eu ter traído ele! De repente, tudo veio à tona: as noites em que Dex ficou trabalhando até tarde, a falta de interesse de Rachel nos preparativos do casamento e o fim de semana de 4 de julho! Meu Deus, Dex e Rachel ficaram sozinhos em Nova York, enquanto nós fomos para o balneário de Hamptons! Eles ficaram juntos o fim de semana inteiro! Era horrível demais para ser verdade, mas eu tinha certeza de que era. Contei tudo para Ethan, que não negou nada. Ele apenas me olhou, sem nenhum traço de compaixão ou de remorso. — Como você pôde Ethan? Como? — eu disse, soluçando. — Como eu pude o quê? — Como você pôde ser amigo dela? Como você pôde me levar para sair com essas pessoas que sabiam de toda a história? Você me fez parecer idiota! Vocês deviam estar rindo nas minhas costas! — Ninguém estava rindo nas suas costas! — Sim, tem razão. Aquela vaca deve ter rido muito. — Phoebe foi um pouco grosseira, eu admito.
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— E admita o resto! Admita que Rachel lhe contou tudo o que estava fazendo comigo. Ele hesitou e disse: — Falamos mesmo sobre a relação dela com Dex. Mas eu nunca imaginei que você conheceria Martin e Phoebe. Além disso, nós não discutimos essa situação em um tom de “Ha, ha, como a Darcy é boba”. Foi um tom de “Merda, como é difícil sentir-se atraída pelo noivo da sua melhor amiga”. — Certo. Ela deve ter sofrido. — Bem, você não sofreu quando começou a sair com Marcus? Enquanto você ainda estava com Dex? — Não é a mesma coisa, Ethan. — Como é que as pessoas não conseguem enxergar a diferença entre trair o seu noivo e sacanear a sua melhor amiga? — Isso não tem a ver com o Dex e eu, tem a ver comigo e com a Rachel. E eu nunca faria isso com ela — continuei, chocada ao perceber que o meu tímido amigo ainda estava do lado dela. Ele me olhou, cruzou os braços e balançou a cabeça, sorrindo. — Verdade? — Nunca — eu disse, tentando me lembrar de todos os ex-namorados sem graça da Rachel. O seu namorado da época da faculdade, que foi o mais importante de todos, Nate, tinha a sobrancelha unida, os ombros inclinados e a voz afeminada. — Se você tem certeza... — disse Ethan, um pouco cético. — O que você quer dizer? Eu nunca tentei roubar um namorado da Rachel. Ele deu um sorriso oblíquo que era só dele. Eu sabia que ele estava pensando que eu havia saído com Marcus mesmo sabendo que Rachel estava interessada nele. —Ah, dá um tempo Ethan! Marcus não estava namorando a Rachel! Eles se beijaram uma vez. Isso nunca iria virar algo sério.
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— Eu não estava pensando no Marcus. — Então, em quem você estava pensando? — Bem... Eu só estava pensando que você faria a mesma coisa se estivesse no lugar da Rachel. Se você estivesse apaixonada por um namorado dela, nada iria lhe impedir de ir atrás dele. Nem os sentimentos da Rachel, nem o estigma de roubar o namorado da sua melhor amiga. Nada. — Não — eu disse com firmeza. — Isso não é verdade. Ethan continuou. Ele estava me repreendendo agora, deitado no sofá, apontando o dedo pra mim enquanto falava. — Eu acho que você tem um longo, longo histórico de correr atrás do que você quer, Darcy. Independente do que estivesse no caminho. Faça chuva ou faça sol. Até agora, Rachel sempre teve um papel coadjuvante na sua vida. E você nunca teve vergonha de deixá-la para o segundo plano. Durante todo o ensino médio, ela esteve à sua disposição, deixando você aparecer sozinha. Você gostava disso. E agora que tudo acabou, você não está muito brava. — Isso não é verdade! — rebati, sentindo o meu rosto queimar. — Você está sendo muito injusto! Ethan me ignorou e continuou a falar, andando na frente da sua falsa lareira da sala. — Você era a estrela do colégio. A estrela da faculdade. A estrela de Manhattan. E Rachel deixava você brilhar. Agora, você não consegue recuar e ficar feliz por ela. — Ficar feliz por ela ter roubado o meu noivo? Você só pode estar brincando comigo! — Darcy, você fez a mesma coisa. Podia ter sido diferente se você realmente amasse o Dex e não o tivesse traído também. — Mas eles fizeram primeiro! — Isso não importa — disse ele. — Como você pode dizer essas coisas? — Porque... Porque, Darcy, você nunca reflete sobre as suas atitudes. Você sempre quer colocar a culpa em outra pessoa.
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Depois disso, ele começou a relembrar as histórias da época do ensino médio. Como quando eu me candidatei para a Universidade de Notre Dame, mesmo sabendo que Rachel sonhava em estudar lá, e como ela ficou arrasada quando eu fui aceita e ela não. — Eu não sabia que ela era dona de Notre Dame! — Era o sonho dela, não o seu. — Explica isso melhor: ela pode paquerar o meu noivo, mas eu não tenho o direito de me candidatar para uma estúpida universidade? Ele ignorou a minha pergunta e disse: — Já que estamos falando desse assunto, Darcy, por que você não me conta uma coisa... Você realmente foi aprovada em Notre Dame? — Sim, eu fui — eu disse, quase acreditando na mentira que tinha contado aos meus amigos tantos anos atrás. A Universidade de Notre Dame era a primeira opção da Rachel e eu resolvi me candidatar também, pensando em como seria legal se nós dividíssemos o mesmo quarto. Eu me lembro de como me senti mal ao receber a carta de reprovação. Por isso, contei uma mentira inofensiva aos meus amigos e depois acrescentei que, apesar de ter passado, preferia ficar em Indiana mesmo. Ele balançou a cabeça. — Eu não acredito em você — disse ele. — Você não foi aprovada em Notre Dame. Eu comecei a suar. Como ele sabia? Será que ele viu a carta? Será que ele entrou no computador de Notre Dame para checar? — Por que as minhas opções de faculdade são relevantes agora? — Vou lhe contar porque são relevantes, Darcy. Vou dizer a razão. Você sempre gostou de competir com a Rachel. Desde há muito tempo até agora. Tudo sempre foi uma competição para você. E o que está sendo pior para você é o fato de que Dex escolheu a Rachel. Ele escolheu-a em vez de escolher você.
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Eu tentei falar, mas ele continuou; suas palavras eram cruéis, duras e penetrantes. — Dex quis ficar com ela e não com você. Não importa se você não quisesse ficar com ele também. Não importa que você o tivesse traído também. Não importa se estava claro que vocês não eram feitos um para o outro e que os dois tenham se salvado de um divórcio, terminando tudo. Você só consegue pensar em uma coisa: Rachel ganhou de você. É isso é o que mais dói em você, Darcy. Eu estou dizendo isso como seu amigo, porque você precisa seguir em frente — ele terminou em tom de debate. Eu balancei a cabeça. Disse que ele estava errado, que ninguém, ninguém na minha situação poderia estar feliz por Rachel. Eu comecei a ficar desesperada para que ele enxergasse as coisas sob o meu ponto de vista, assim como tentei fazer com Marcus. — É assim, Ethan... Mesmo se eles não tivessem feito nada pelas minhas costas, mesmo se essa relação tivesse começado depois do nosso rompimento, mesmo assim... Seria errado. Você simplesmente não pode sair com o ex da sua amiga. Ponto. Por que os homens não entendem isso? É um princípio básico da vida. — Ela ama Dex, Darcy. Esse é o princípio básico da vida. — Você quer parar com isso! Eu não quero ouvir a palavra “amor” de novo. Se eles se amam, isso não vem ao caso... Você não entende nada de amizade. — Darcy. Sem ofensas. Eu não vou dizer isso pra ser maldoso, porque eu me preocupo com você, e é por isso que você está aqui para essa visita — disse ele, fazendo sinal de aspas com as mãos enquanto falava a palavra visita. — Mas... — Mas o quê? — eu perguntei, com medo do que poderia escutar. — Eu acho que é você que não sabe o que é uma amizade — disse ele, falando rápido e parecendo furioso. — De jeito nenhum. É por isso que você está aqui sentada, quase sem amigos. Em guerra com a Rachel. Em guerra com a Claire. Em guerra com o pai do seu filho. Em guerra com a sua própria mãe, que, como você bem sabe, não tem
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nenhuma ideia de onde você está! E agora você está com raiva de mim também. — Não é minha culpa que todo mundo me traiu. — Você precisa se olhar longamente no espelho, Darcy. Você precisa entender as consequências de se viver uma vida tão superficial. — Eu não sou superficial — eu disse, com apenas a metade de mim acreditando nisso. — Você é superficial. Você é extremamente egoísta e equivocada, com valores totalmente distorcidos. Ele foi longe demais. Eu até poderia ser um pouco superficial, mas o resto da sua acusação era ridículo. — O que isso quer dizer? Equivocada? — Quer dizer que você está grávida de cinco meses agora, é isso? E pelo que pude perceber, você não está fazendo nada pra preparar a chegada dessa criança. Nada. Você vem para Londres para essa, como você diz, visita, mas eu percebo que você não tem intenção nenhuma de voltar a Nova York, e, nesse intervalo de tempo, você não procurou fazer nenhum pré-natal aqui em Londres. Além disso, você não se alimenta bem, provavelmente para se manter magra em troca do crescimento normal do seu bebê. Você tomou dois copos de vinho esta noite. E, em vez de guardar dinheiro para o bebê que você vai criar sozinha, você está jogando dinheiro fora comprando coisas inúteis. É impressionante como você pode ser tão irresponsável e egocêntrica. Eu me sentei, totalmente sem palavras. Quer dizer, o que você pode dizer quando alguém fala que você é uma merda de amiga, uma mãe horrível, irresponsável, e uma mulher vazia e egocêntrica? Sem contar as coisas que havia escutado dos meus ex-namorados (às quais não dava muita importância), esse foi um ataque sem precedentes. Ele disse tantas coisas ruins, de muitos ângulos diferentes, que eu nem sabia como me defender. — Eu estou tomando as vitaminas do pré-natal — eu disse, em voz baixa. Ele me olhou como quem diz: “Se isso é o melhor que você pode fazer, eu desisto”. Depois, ele disse que ia dormir.
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A expressão dele me dizia para não segui-lo, que ele não me queria no quarto dele. Mas, apenas para ter certeza, depois de ficar sentada na sala por algum tempo, lambendo as minhas feridas e relembrando as palavras de Ethan, eu decidi ir até a porta do quarto para ver se estava aberta. Não que eu quisesse abri-la, eu tinha um pouco de amor-próprio, eu só queria ter certeza de que ele não me queria mais por perto. Será que ele havia se arrependido de ter me dito tantas palavras duras? Será que ele tinha mudado a sua opinião sobre mim agora que o efeito da cerveja havia passado? Eu coloquei a mão na maçaneta e tentei virar. Ela não se mexeu. Ethan tinha me abandonado. Havia algo naquela porta, fria e fechada, que fez eu me sentir com raiva, triste e determinada, tudo ao mesmo tempo.
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No dia seguinte, eu acordei no meu colchão de ar e senti o meu bebê chutar pela primeira vez. Outras vezes, eu pensei que ele estivesse se mexendo, mas depois percebia que era apenas uma indigestão, fome ou nervosismo. Mas agora eu não tinha como me enganar com essa estranha e inequívoca sensação de um pé minúsculo se movendo dentro de mim, empurrando meus ossos e órgãos. Eu coloquei a minha mão na barriga, logo abaixo da minha costela, esperando poder senti-lo de novo. De fato, senti outra leve cutucada e uma contração muscular. Eu sei que parece loucura, considerando que minha barriga já estava quase do tamanho de uma bola de basquete, mas acho que eu precisava sentir o meu bebê chutando para que a minha gravidez saísse da teoria e se tornasse mais real. Eu tinha um bebê dentro de mim, uma pessoinha que ia nascer em poucos meses. Eu seria mãe. De alguma forma, eu já era. Virei-me em posição fetal e fechei os olhos enquanto sentia um bombardeio de emoções. Primeiro, eu senti uma explosão de pura alegria. Era uma alegria indescritível, algo que eu nunca havia sentido antes, um tipo de alegria que não podemos sentir ao comprar uma bolsa ou um par de sapatos de grife. Um sorriso surgiu no meu rosto e eu quase dei uma gargalhada. Mas a minha alegria rapidamente se uniu a uma preocupação melancólica ao perceber que eu não tinha ninguém para repartir essa grande emoção. Eu não podia ligar para o pai do meu bebê ou para a sua avó. Eu não estava com vontade de falar com Ethan depois de todas as coisas feias que ele havia me dito. E, mais importante ainda,
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eu não podia ligar para a Rachel. Pela primeira vez desde que eu encontrei Dex no armário dela, eu realmente senti a sua falta. Eu ainda tinha Annalise, mas não era a mesma coisa. Eu pensei em todas as vezes no passado em que eu tinha recebido boas notícias, más notícias e notícias medianas. Eu mal as recebia e já ia direto para a casa da Rachel ou ligava para ela. Quando nós éramos crianças em Indiana, Annalise sempre chegava atrasada, sempre era deixada para depois, sempre era a segunda amiga a saber das novidades. Com Rachel fora do páreo, eu achava que Annalise poderia substituí-la. Mas eu estava começando a perceber que não seria bem assim. Rachel era insubstituível. Claire não a havia substituído. Annalise também não poderia. Eu me perguntava por que as coisas eram assim. Apesar de tudo, eu sabia que Annalise falaria a coisa certa, faria o possível para ser legal comigo. Mas ela nunca poderia substituir essa necessidade profunda que eu tinha de repartir as coisas com a Rachel. Enquanto eu me virava no meu colchão para olhar para a janela, voltei a ouvir as palavras de Ethan: a parte que dizia que eu era uma amiga ruim, egoísta, egocêntrica e superficial. Fiquei com vergonha ao reconhecer que havia um pouco de verdade nessas acusações. E encarei os fatos: eu não tinha médico, nenhuma fonte de renda, nenhuma amiga íntima, nenhum contato com a minha família. Eu já havia gastado quase todo o meu dinheiro, e tudo o que eu tinha para mostrar era um guarda-roupa cheio de roupas maravilhosas, muitas delas que não me serviam mais. Eu me mudei para Londres para tentar mudar de vida, mas eu não havia mudado nada. Minha vida estava estagnada. Eu precisava fazer alguma coisa. Por mim e pelo meu bebê. Olhei a triste manhã londrina pelas barras da janela e jurei que este dia, o dia em que eu senti o meu bebê mexer pela primeira vez, seria o ponto de partida para as mudanças que deveriam acontecer na minha vida. Eu provaria a Ethan que não era aquela pessoa que ele descreveu na noite anterior. Levantei-me (o que estava ficando mais difícil a cada dia, principalmente porque eu estava saindo de uma posição horizontal em um colchão de ar fofo) e peguei um bloco de papel no fundo de uma das minhas malas. Arranquei uma página e escrevi: “Passos para ser uma Darcy melhor”. Eu
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pensei por um minuto em repassar o discurso de Ethan. Depois, eu escrevi: “1. Ir a um ginecologista obstetra e me preparar para a maternidade. 2. Ser mais saudável, ou seja, comer melhor, evitar cafeína ou álcool. 3. Fazer novas amigas (sem querer competir com elas). 4. Avisar a minha família que eu estou em Londres e que estou bem. 5. Conseguir um trabalho (preferencialmente um trabalho para ajudar alguém). 6. Parar de comprar roupas (e sapatos etc.) e começar a guardar dinheiro.”
Então, sentindo que ainda estava faltando alguma coisa, eu acrescentei:
“7. Melhorar o meu caráter (ser mais agradecida, menos egoísta etc.).”
Enquanto eu lia a minha lista, fiquei imaginado o que Ethan diria se ele a visse. Ele iria elogiar o meu esforço ou zombaria dela: “Não seja ingênua Darcy. Você não pode fazer uma lista e achar que vai melhorar do dia para noite! Não funciona assim”. Por que eu me importava tanto com o que Ethan pensava de mim? Uma parte minha queria odiá-lo. Odiar por ele estar do lado da Rachel. Odiar por ele mentir para mim. Odiar pelas coisas horríveis que ele dissera sobre mim. Mas eu não conseguia odiá-lo. E, de uma maneira bizarra e surpreendente, tudo o que eu queria era vê-lo ou fazê-lo mudar a sua opinião sobre mim. Balancei o colchão para ganhar impulso e conseguir me levantar. Então, eu fui até o quarto do Ethan. Ao descobrir que ele já tinha saído para trabalhar, fui à cozinha e fiz uma omelete saudável, quase sem óleo. Depois, eu consultei
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minha lista e decidi limpar o apartamento dele. Eu varri e passei aspirador, esfreguei o vaso, tirei o lixo, coloquei um monte de roupas para lavar e secar na sua minúscula máquina de lavar (os ingleses têm péssimos eletrodomésticos, parecem de terceiro mundo), organizei as revistas e os jornais, e lavei o chão da cozinha. Depois de deixar tudo impecável, escrevi uma cartinha para a minha mãe, lhe dizendo que eu estava com Ethan em Londres. “Eu sei que não estamos de acordo neste momento”, eu escrevi, “mas eu não quero ver você e o papai preocupados comigo. Eu estou bem.” Então, eu escrevi o número do telefone do Ethan em uma observação, caso ela quisesse me ligar. Selei e fechei a minha carta, tomei banho e saí pelas ruas de Londres, subindo pela rua Kensington Church para o bairro de Notting Hill. Resisti à vontade de parar em alguma loja, me lembrando da minha lista, que estava no bolso da minha jaqueta. Até parei em uma loja de produtos de doação para pedir emprego. Não havia vagas, mas senti orgulho de mim por ter tentado. No caminho de volta para casa, entrei em uma cafeteria para descansar um pouco, pedi um leite com café descafeinado e me acomodei em uma grande poltrona macia. No sofá, perto de mim, sentaram-se duas mulheres, uma loira e uma morena, que pareciam ter a minha idade. A loira estava balançando um bebê no joelho enquanto tentava comer um brownie com a outra mão. As duas mulheres usavam diamantes pequenos na mão esquerda, e eu lembrei que Ethan tinha comentado que os ingleses são menos exigentes do que os americanos com relação aos seus anéis de casamento. Talvez esse tipo de coisa emblemática sobre Londres era o que agradava Ethan. O modo de ser dos ingleses era o oposto do que ele disse que eu era: uma espécie de exibicionista descarada. Pelo canto do olho, eu continuei a observar as mulheres. A loira tinha um queixo pequeno, mas belas luzes no cabelo; a morena estava usando um casaco de veludo ajustado no corpo, mas estava com uma linda bolsa Prada. Eu fiquei um pouco aborrecida porque estava sendo superficial, mas disse a mim mesma que não havia mal nenhum em observar, eu só não deveria tirar conclusões precipitadas sobre as mulheres. Pensei em quantas vezes eu havia julgado as pessoas pelos
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seus sapatos e jurei que nunca mais faria isso. Afinal, usar um sapato de bico quadrado quando o que estava na moda era bico fino não era um crime. Para provar isso a mim mesma, não olhei para os pés delas. Eu já conseguia me sentir uma pessoa mais centrada e fiquei feliz por isso. Enquanto tomava o meu café e folheava uma revista de fofocas, eu ouvia a conversa das mulheres, achando-a muito mais interessante por causa do sotaque britânico. Falavam sobre a vida de casada, as duas tinham problemas com os maridos. A loira dizia que ter um bebê tinha feito as coisas piorarem. A morena reclamava que desde que ela e o marido tinham começado a tentar uma gravidez, o sexo passara a ser uma obrigação. Todos os segundos, eu virava uma folha da minha revista, que estava cheia de celebridades de Hollywood, assim como pessoas que eu nunca tinha visto antes, presumindo que eram atores da televisão inglesa. E mais fotos de Posh e Becks. A loira suspirou enquanto segurava o bebê, que estava se contorcendo. — Pelo menos, você está fazendo sexo — disse ela para a amiga, enquanto pegava uma chupeta na sua bolsa e colocava na boca do bebê. O bebê ficou com a chupeta na boca por alguns segundos antes de deixá-la cair no chão. Sem se preocupar, a loira pegou a chupeta do chão, limpou na manga da blusa e colocou-a de volta na boca da criança. — Quanto tempo faz? — perguntou a morena, com uma voz tão cândida que me fez pensar que as duas não eram colegas ou amigas casuais. Senti falta da Rachel e de como as coisas eram conosco. — Eu nem me lembro mais — disse a loira. — Séculos. A morena fez uma cara de compaixão enquanto enrolava um saquinho de chá em uma colher, apertando-o com o dedo indicador. Eu fechei a minha revista e olhei nos olhos da loira. Ela sorriu pra mim, me dando abertura. — Ela é uma gracinha — eu disse, olhando o bebê e depois sentindo medo de que fosse menino. Não dava para ter certeza. Roupa amarela, sem cabelo, nenhuma peça que indicasse o sexo.
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— Obrigada — disse a loira. Que bom, acertei. — Qual é o nome dela? — Natalie. — Oi, Natalie — eu disse com uma voz alta e melódica. Natalie me ignorou, tentando pegar o brownie da sua mãe. — Quantos meses ela tem? — Vinte e duas semanas — a loira sorriu enquanto a balançava com o joelho. — E... Isto é quanto? Cinco meses? Ela riu. — Sim, desculpa. Eu lembro que antes de ter a Natalie eu me perguntava por que as mães sempre diziam idade dos seus bebês em semanas. Eu acho que é um reflexo da gravidez. Eu concordei enquanto notava que a morena me olhava de forma curiosa como se quisesse dizer: “Qual é a dessa americana, sentada aqui sozinha num dia de semana?” — Sim, eu sei o que você quer dizer. Eu estou com dezoito semanas de gravidez... — Grávida? — as duas perguntaram juntas como se eu tivesse dito que estava namorando o príncipe William. Eu fiquei feliz ao perceber que alguém havia ficado entusiasmado com a minha gravidez. — Sim — eu disse, afastando o casaco e passando a mão esquerda na minha barriga. — Na verdade, eu o senti chutar pela primeira vez hoje de manhã. Senti uma tristeza por estar compartilhando essa notícia tão maravilhosa pela primeira vez com duas estranhas... Mas eu disse a mim mesma que elas tinham potencial para se tornarem minhas amigas, talvez até amigas para toda a vida, até a morte. — Parabéns! — disse a loira. — Você está ótima para quem está com dezoito semanas! — disse a morena. Eu sorri com uma modéstia que parecia sincera.
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— Obrigada! — Menino ou menina? — perguntou a morena. — Eu ainda não sei ao certo, mas tenho quase certeza de que é uma menina. — Eu também tinha — disse a loira, acariciando a cabeça careca de Natalie. — Eu sempre soube que seria uma menina. — Você quis saber o sexo antes de nascer? — Não, eu queria que fosse surpresa — disse ela. — Mas o meu marido sabia. Eu ergui as sobrancelhas. — Ele sabia e você não? Ela concordou. — O nosso médico mostrou o sexo para ele na ultrassonografia enquanto eu estava com os olhos fechados. Meu marido jurou que não contaria a ninguém. Nem para as nossas mães, que estavam loucas para saber. — Eu não acredito que ele conseguiu guardar esse segredo! É surpreendente — eu disse. — O marido dela é ótimo para isso — disse a morena. — Humm — a loira concordou. Eu tinha começado a notar que os ingleses faziam muito esse som. Em vez de dizer “sim” ou “isso”. Ela continuou. — Ele não deixou escapar nada. Ele evitava usar os pronomes “ele” ou “ela”, dizendo apenas “o bebê”. — E para decidir o nome do bebê? Ele não dava bandeira quando estavam discutindo isso? — Nem um pouco. Ele sugeria nomes de menino e de menina... Na verdade, ele insistiu tanto no nome Gavin que eu pensei que teríamos um menino. — Uau! Seu marido parece ser um cara muito legal — eu disse. Ela olhou para a amiga e as duas caíram na risada. — Nós estávamos aqui falando mal dele. Ele tem sido um babaca nos últimos dias.
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Eu não tinha certeza do sentido dessa palavra na Inglaterra, mas eu balancei a cabeça e disse — Eu sei como são essas coisas. Ficamos em silêncio por alguns segundos e percebi que as garotas estavam curiosas sobre a minha situação. — A propósito, meu nome é Darcy — eu disse, dando um sorriso desarmado, que indicava que eu não queria competir com elas. — Eu sou Charlotte — disse a loira. — E eu, Meg — disse a morena. — É muito bom conhecer vocês. Eu estava louca para conversar com alguma mulher desde que me mudei pra cá — eu disse. Era verdade, embora eu não tivesse percebido isso até aquele momento. — Quando você se mudou para Londres? — perguntou Meg. — Faz um mês. — Você se mudou sozinha? — perguntou ela. Foi a forma que ela encontrou para poder saber sobre o pai do meu filho. — Sim, eu vou ter o bebê sozinha — eu disse. Meg e Charlotte me olharam, com um olhar que parecia ser de admiração. Eu dei um sorriso calmo e aberto, permitindo que elas continuassem com as perguntas. Respondi a todas as suas perguntas, enfeitando apenas algumas coisas. Por exemplo, eu disse que peguei Dex e Rachel na cama juntos e não falei nada sobre Marcus, deixando implícito que Dex era o pai. Parecia mais fácil assim, e, francamente, isso não faria nenhuma diferença. Os dois estavam ausentes no momento. Minhas espectadoras estavam atentas. Charlotte até ignorou Natalie, que estava babando em cima do jornal. Eu continuei com a minha história, contando que eu tive de largar o emprego e vir morar em Londres com meu amigo de infância, Ethan. “Ele é hetero, mas somos apenas amigos”, eu disse a elas. Um amigo gay seria mais interessante e certamente mais divertido, mas havia alguma coisa bonita em uma amizade sincera entre um homem e uma mulher. Além disso, eu teria
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mais credibilidade como uma garota legal. Podia imaginar o que elas diriam depois: “Ela é bonita, mas não fica se oferecendo para qualquer homem disponível”. Charlotte perguntou se eu tinha algum interesse em Ethan. Eu balancei a cabeça vigorosamente, negando. — De modo algum... Nós somos apenas amigos. Apesar de termos namorado no 5º ano. Elas riram. — Então, eu estou completamente solteira... Vocês conhecem alguém disponível? — eu disse, pensando rapidamente que achar um homem não deveria ser importante para mim. Mas um namorado não me atrapalharia de cumprir as minhas metas. Meg e Charlotte trocaram um olhar pensativo, enquanto tentavam se lembrar de todos os homens que conheciam. — Simon? — Charlotte perguntou à Meg. Meg fez uma careta. — Você não gosta do Simon? — Charlotte perguntou. — Eu gosto muito do Si... — disse Meg, encolhendo os ombros. Eu me segurei para não perguntar sobre a aparência de Simon, mas parecia que Meg estava lendo os meus pensamentos porque ela riu e disse: — Eu duvido que Darcy se sinta atraída por um cabelo de fogo! — Meg! — disse Charlotte, me lembrando a Rachel. Rachel teria dito “Darcy!” no mesmo tom, milhares de vezes. — Além do mais, eu acho que o cabelo do Si é mais um louro avermelhado. — Ele tem cabelo de fogo e você sabe disso! — disse Meg, bebendo o seu chá. — O que quer dizer “cabelo de fogo”? — perguntei. — Você sabe um cabelo alaranjado? Acho que vocês diriam “cabeça vermelha”? — disse Meg. Eu ri. — Ah, é verdade.
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— E então? Você gosta de ruivos? — perguntou Meg. — Eles não fazem muito o meu tipo — eu disse, diplomaticamente, lembrando que não podemos controlar a química. E, para um relacionamento funcionar, tem de haver alguma química. — Eu acho que ruivos não são o tipo de homem que você procura encontrar do outro lado do arco-íris — disse Meg. Charlotte pareceu desapontada, então, eu disse: — Mas há exceções. Veja como o príncipe Harry é fofo. Eu adoro aquele seu sorriso de menino travesso. Depende muito da personalidade. Eu não podia deixar de pensar no Marcus. Fora uma decisão desastrosa (nos termos de Ethan) começar uma relação com ele, uma decisão baseada apenas em atração física, intriga e vontade de competir com a Rachel. Mas pelo menos eu não fui guiada apenas pelas aparências. Marcus estava longe de ser um homem perfeito. Então eu sabia que conseguia enxergar alguém além da aparência física. Charlotte sorriu para mim. — Concordo plenamente — disse ela, balançando a cabeça. Então, ela falou para Meg: — Por que você não convida a Darcy para a sua festa? O Si não vai estar lá? — Que ótima ideia! Você precisa ir, Darcy. Chamei alguns amigos para uma festa na minha casa no sábado à noite. Por que você não vai também? — perguntou Meg. — Eu adoraria — eu disse, pensando em como seria prazeroso contar ao Ethan que eu tinha sido convidada para uma festa por mulheres. Lembrei-me dos itens da minha lista. Em apenas um dia, eu havia cumprido vários deles. Eu ajudei o Ethan (limpando o seu apartamento), estava mais saudável (não tomei bebidas com cafeína) e fiz duas novas amigas mulheres. Ainda precisava achar um trabalho e um médico, então, depois de mais alguns minutos de conversa, eu pedi a Meg e Charlotte que me ajudassem, fazendo algumas sugestões. — Eu tenho o médico perfeito para você. Ele se chama Sr. Moore — disse Charlotte, consultando a sua agenda
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telefônica e anotando o número na parte de trás de um cartão de visitas. — Aqui está. Liga para ele. Ele é maravilhoso. — Por que você o chamou de “senhor” e não “doutor”? — eu perguntei, me sentindo um pouco insegura com relação ao sistema de saúde inglês. Meg explicou que, na Inglaterra, apenas os clínicos gerais eram chamados de doutores, provavelmente porque nos tempos medievais todos os cirurgiões eram açougueiros e, por isso, eram chamados de senhores. — E quanto ao trabalho — disse Charlotte —, o que você fazia em Nova York? — Eu trabalhava com relações-públicas... Mas estou procurando algo diferente aqui. Alguma coisa para ajudar os pobres, idosos ou doentes — eu disse seriamente. — Isso é muito legal — Charlotte e Meg disseram juntas. Eu sorri. Meg me disse que havia uma casa de repouso logo na esquina. Ela desenhou um mapa com o endereço em um guardanapo, e escreveu o seu endereço e telefone do outro lado. — Esperamos você no sábado — disse ela. — Vai ser ótimo se você for. E o Si também vai gostar — ela piscou para mim. Eu sorri, tomei o meu último gole de café com leite e me despedi das minhas novas amigas. À noite, quando Ethan voltou para casa, eu o estava esperando com uma salada grega que eu mesma havia preparado, uma taça de vinho tinto e música clássica. — Bem-vindo ao lar! — eu disse, sorrindo nervosamente enquanto dava uma taça de vinho a ele. Ele pegou a taça receoso, tomou um pouco e olhou em volta do apartamento. — Está tudo muito organizado. E o cheiro está ótimo também. Você limpou o apartamento hoje? Eu concordei.
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— Humm. Eu fiz uma faxina. Limpei até o seu quarto — eu disse, e não resisti em perguntar: — Você ainda acha que eu sou uma amiga ruim? Ele tomou outro gole e se sentou no sofá. — Não foi bem isso o que eu disse. Sentei-me ao lado dele. — Sim, você disse isso. Ele me deu um leve sorriso. — Você pode ser uma boa amiga quando quer, Darcy. Você quis hoje. Obrigado. A antiga Darcy teria feito ele pedir desculpas humildemente e ainda pediria um presentinho. Mas, de alguma forma, estava satisfeita com um simples “obrigado” vindo de Ethan. Eu só queria ficar de bem com ele e seguir em frente. — Adivinha o que aconteceu essa manhã? — eu disse, doida para lhe contar as novidades. Antes que ele pudesse imaginar, eu falei: — Eu senti o meu bebê chutar! — Uau! — disse Ethan. — Foi a primeira vez que você sentiu? — Sim. Mas eu não senti de novo desde o período da manhã. Será que eu devo ficar preocupada? Ethan balançou a cabeça. — Não. Eu me lembro quando a Brandi estava grávida... Ela sentia um chute em um dia e depois não sentia mais nada por vários dias. O médico disse a ela que, quando você está muito ativa, o bebê se move menos, porque é como se você o estivesse embalando para dormir — disse ele, com uma expressão de dor, como se ainda fosse difícil para ele se lembrar da traição da Brandi. — Você ainda fica triste ao se lembrar dela? — eu perguntei. Ele tirou o tênis molhado, arrancou as meias e colocou os pés na mesinha de centro. — Eu não fico triste pela Brandi, mas, às vezes, eu fico triste pelo Milo.
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— Milo? É o cara com quem a Brandi estava saindo? — Não. Milo é o bebê. — Ah — eu disse envergonhada, sabendo que deveria ter me lembrado desse detalhe. Eu olhei para o Ethan, imaginando as palavras de apoio que Rachel lhe diria nesse momento. Ela sempre sabia dizer a coisa certa, fazendo as pessoas se sentirem melhor. Eu não consegui pensar em nenhuma frase boa, então esperei que Ethan continuasse. — Por nove meses, eu pensei que seria pai. Eu fui a todas as consultas médicas e senti amor pelas fotos do ultrassom... Até escolhi o nome Milo — ele balançou a cabeça. — E, quando o bebê nasceu, eu percebi que não era meu. — Quando você teve certeza de que não era seu? — Assim que ele nasceu. Quer dizer, ele tinha a pele escura e olhos pretos, e era muito cabeludo. Eu comecei a lembrar das minhas fotos de bebê. Careca e rosado. Brandi era loira de olhos azuis também. Não precisava ser um gênio para descobrir o que estava acontecendo. — Então, o que você fez? — Nos primeiros dias, eu fiquei em choque. Fingi que não era verdade, que era apenas uma questão genética... O tempo todo, na minha mente, eu me lembrava do “Aa” das aulas de biologia... Duas pessoas de olhos azuis não poderiam fazer um Milo. Eu toquei em seu braço de leve. — Deve ter sido muito difícil. — Foi horrível. Quer dizer, eu amava aquele menininho. Tanto que eu quase fiquei com ela. No fim... Bem...Você sabe o resto — a voz dele oscilou. — Eu fui embora. Me sentia como se alguém tivesse morrido. Eu me lembrei da Rachel falando sobre o divórcio do Ethan e sobre o bebê que não era dele. Naquela época, eu acho que estava preocupada com algum problema particular e não me abalei muito com a dor dele. — Você fez a coisa certa — eu disse, pegando a mão dele.
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Ele não tirou as mãos. — Sim. Eu acho que fiz. — Você acha que eu fiz a coisa certa? Em não tirar o meu bebê? — Claro que sim. — Mesmo achando que eu tenho sido uma mãe ruim até o momento? — eu perguntei, resistindo para não lhe contar sobre a minha lista. Eu queria fazer mais progressos antes de contar a ele. — Você vai conseguir — disse Ethan, apertando a minha mão. — Eu acredito em você. Olhei para ele e senti a mesma coisa que havia sentido no Dia de Ação de Graças, quando estávamos sentados no banco do parque. Eu queria beijá-lo. Mas é claro que não o beijei. Eu me perguntei por que resisti, já que, no passado, sempre seguia os meus impulsos, sem pensar nas consequências. Talvez porque eu não estivesse jogando com Ethan do jeito que eu joguei com Marcus e com tantos outros caras. Talvez porque eu tivesse mais a perder. Atravessar a linha que separa a amizade e a atração era um jeito certo de perder um amigo. E perder uma grande amiga já fora o suficiente para este ano. Mais tarde, nesta noite, depois que assistimos ao noticiário, ele me olhou e disse: — Vamos, Darcy. Vamos para a cama. — A cama do seu quarto? — eu perguntei, ansiosa. Ethan sorriu. — Sim. A cama do meu quarto. — Então, você sentiu a minha falta ontem? — eu perguntei. Ele riu e falou: — Não chegaria a tanto. Mas poderia apostar, pela sua expressão, que ele sentira a minha falta. Eu também percebi que ele estava um pouco arrependido por ter brigado comigo, mesmo sabendo que quase tudo o que ele tinha dito era verdade. Ethan gostava de
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mim apesar dos meus defeitos e, enquanto eu caía no sono ao lado dele, eu pensava em como ele gostaria ainda mais da nova Darcy.
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Na manhã seguinte, depois de sentir vários chutes do bebê, decidi que procuraria um trabalho na casa de repouso que Meg e Charlotte haviam indicado. Ethan já tinha saído para trabalhar e eu usei o computador dele para digitar o meu currículo e uma carta de apresentação rápida, em que expliquei que o meu sucesso no meio das relações públicas era decorrente da minha personalidade extrovertida e que, certamente, essa qualidade seria muito útil nesse novo trabalho. Depois de revisar a carta, optando pela grafia do inglês britânico, eu tomei banho, me vesti e saí pelas ruas frias de Londres. Quando cheguei à casa de repouso, eu me deparei com o deprimente cheiro característico de pessoas idosas e de comida de hospital, e senti o primeiro enjoo matinal desde o término do meu primeiro trimestre de gravidez. Peguei uma bala de menta na minha bolsa, coloquei na boca e respirei profundamente enquanto observava as duas senhoras de camisolas florais idênticas, que estavam sentadas em cadeiras de roda na recepção. Ver como elas riam e conversavam me fez pensar em Rachel e me lembrei de como costumávamos dizer que, quando ficássemos velhinhas e viúvas, nós gostaríamos de ficar na mesma casa de repouso. Lembrei-me que ela dizia que eu continuaria sendo um ímã para os homens, mesmo estando com 90 anos, e que eu lhe ajudaria a sair com os velhinhos mais bonitos da casa. “Eu acho que ela decidiu fazer isso sessenta anos antes”, pensei, enquanto um homem com cara de gnomo, que achei que fosse algum residente, chegou perto da porta e se apresentou como gerente.
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— Darcy Rhone — eu disse, apertando a mão dele. — Bernard Dobbs — disse ele. — Posso ajudar? — A questão é, Sr. Dobbs, como eu posso ajudar vocês? Então, estou aqui porque gostaria de trabalhar nesta ótima instituição — eu disse, redecorando a feia e pobre recepção na minha mente. — Que tipo de experiência você tem? — Eu tenho experiência em relações públicas — disse, lhe entregando o meu currículo. — Que é uma área muito interativa e focada nas pessoas — então, parafraseei a minha carta de recomendação, concluindo com: “O mais importante é que eu gostaria de distribuir alegria para as pessoas idosas do seu belo país”. O Sr. Doobs me olhou de lado e perguntou se eu tinha visto de trabalho. — Hum... Não — eu disse. — Mas eu tenho certeza de que (piscando os olhos) podemos resolver esse problema, não podemos? Ele me lançou um olhar frio e perguntou se eu já havia trabalhado em alguma casa de repouso. Pensei em mentir. Afinal, eu duvidava que ele fosse fazer uma chamada internacional para checar as minhas referências. Mas decidi que mentir não iria combinar com a nova Darcy e que isso não seria necessário para conseguir um trabalho. Então, eu lhe disse que não, que eu não tinha experiência, e acrescentei: — Pode acreditar em mim, Sr. Doobs, eu posso fazer qualquer coisa aqui. Meu trabalho em Manhattan era muito difícil. Eu trabalhava muito e era bem-sucedida. — Hum. Bem. Eu sinto muito, Dicey — disse ele friamente. — Meu nome é Darcy — eu disse. — Sim. Bem. Eu sinto muito, Darcy. Nós não podemos contratar qualquer pessoa para trabalhar com nossos residentes. Você precisa ter qualificação — e devolveu o meu currículo. Qualquer pessoa? Ele estava falando sério? Eu imaginei a minha futura cunhada limpando uma velhinha enquanto
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cantava uma velha canção. O trabalho dela não exigia muita habilidade. — Eu compreendo o que o senhor quer dizer, Sr. Doobs... Mas que tipo de experiência é necessária para se dar bem com as pessoas? Quer dizer, ou você se dá bem ou não. E eu sou ótima com pessoas — eu disse, observando uma mulher com um caso terrível de osteoporose, vindo pelo corredor na nossa direção. Ela virou o pescoço e olhou para mim. Eu sorri para ela e disse: “Bom dia”, em um tom de voz alto e alegre, só para provar que tinha razão. Enquanto eu esperava ela sorrir para mim, imaginei que o nome dela era Gert e que ela e eu construiríamos uma linda amizade, como em um dos livros favoritos de Dexter, que eu nunca lera. Gert confiaria em mim, falaria sobre a sua infância, as suas lembranças da guerra, o seu marido, que havia falecido há muitas décadas. Então, uma noite, ela morreria tranquilamente enquanto dormia e segurava a minha mão. Mais tarde, eu ficaria sabendo que ela havia deixado para mim todos os seus bens, incluindo seu broche de esmeralda favorito, que custava uma fortuna. No seu funeral, usaria o broche sobre o meu coração e iria elogiá-la para um pequeno grupo de pessoas mais íntimas. “Gertrude era uma mulher especial. Eu a conheci em um dia de inverno...” Sorri de novo para Gert enquanto ela se aproximava de nós. Ela murmurou algo de volta, suas dentaduras desgastadas se mexeram um pouco. — O que você disse? — perguntei a ela, mostrando ao Sr. Doobs que eu não só era legal e simpática, mas que também tinha uma reserva infinita de paciência. — Vá embora e não volte mais — ela resmungou mais claramente. Sorri, fingindo que não havia entendido. Olhei novamente para o Sr. Doobs. — Bem, então. Como eu estava dizendo, eu acho que o senhor verá, depois de avaliar o meu currículo, que eu estou totalmente qualificada para qualquer tipo de trabalho nesse local.
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— Sinto muito, mas não estou interessado — disse o Sr. Doobs. Enquanto Gert passava por nós, seus olhos dançavam triunfantes. Eu fiquei tentada a xingá-la e também quis xingar o Sr. Doobs. Dizer alguma coisa como “Vão viver”, o que achei que não se encaixaria para Gert, pois aparentemente não teria muito tempo de vida. Em vez de tudo isso, eu agradeci educadamente ao Sr. Doobs e fui embora. Do lado de fora, encarei o dia frio, limpando o meu nariz do cheiro azedo da casa de repouso. — Bem. De volta ao campo de batalha — disse em voz alta enquanto caminhava pela rua High para comprar um jornal. Queria ver os classificados e selecionar alguns anúncios enquanto tomava o café da manhã no Muffin Man. Não ia deixar o Sr. Doobs ou a Gert me derrubarem. Quando cheguei ao Muffin Man, abri a porta e cumprimentei educadamente a garçonete polonesa que havia nos servido no Dia de Ação de Graças. Ela sorriu amarelo e disse que eu poderia sentar onde quisesse. Escolhi uma mesa pequena, ao lado da janela, me sentei em uma cadeira e coloquei minha bolsa, jornal e jaqueta de couro em outra. Então, consultei o cardápio pegajoso e pedi um chá de ervas, ovos mexidos e um bolinho. Enquanto esperava pela comida, olhei em volta do restaurante decorado com flores e gravuras de Monet, e observei uma garotinha que estava tomando café em uma mesa perto da minha. Ela tinha belos olhos grandes, cabelos curtos castanhos e pele de porcelana. Estava usando um chapéu de abas largas amarelo-canário e me lembrava de Madaleine, uma personagem de um livro infantil que eu costumava ler com Rachel há vinte e cinco anos. Quando o celular dela tocou, ela atendeu com uma voz rouca e com um sotaque francês. O sotaque francês combinava com a imagem de Madeleine, exceto a voz rouca, era como se ela fosse muito pequena para ter uma voz tão forte. Tentei escutar o que ela estava falando; alguma coisa sobre como ela não podia reclamar do tempo de Londres porque era mais frio e chuvoso em Paris. Depois de mais alguns minutos de conversa sobre Paris, ela disse:
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— Até mais tarde, mon petit chou. — Deu um sorriso carinhoso, fechou o telefone e olhou para a janela, como se estivesse sonhando acordada, o que indicava que ela tinha acabado de falar com um novo amor. Eu tentei me lembrar do que significava a palavra “chou”. Será que é um cachorrinho? Não, eu tinha certeza de que cachorro era “chien”. Analisei o ambiente do Muffin Man de novo, esperando encontrar o meu Alistair, o meu chou. Mas não havia nenhum homem sentado sozinho, bonito ou não. Apenas Madeleine e um casal americano consultando o mapa da Inglaterra. Os dois estavam usando roupas esportivas que combinavam, estavam cheios de pacotes de presente roxos e usavam Reeboks branquíssimos nos pés. Fiquei com vontade de saber por que muitos americanos (especialmente os nova-iorquinos) tinham tanto mau gosto para se vestir, mas a nova Darcy não poderia pensar isso deles. Depois que a garçonete trouxe o meu café da manhã, eu olhei para o coador de chá e espiei dentro do pote cinza onde estavam flutuando algumas ervas, tentando me lembrar de como Ethan havia preparado o chá para nós. Para uma viciada em café, era muito complicado. Então, bem na hora em que eu estava imaginando como seria bom se Ethan estivesse ali para me ajudar com o chá e ouvir a história do Sr. Doobs, ele entrou, muito elegante, com sua capa de chuva vermelha e um suéter listrado colorido. Suas bochechas estavam rosadas, como se tivesse ficado no frio, o que destacava o azul dos seus olhos. — Ethan! — eu disse, em um tom de voz normal, mas que pareceu muito alto naquele restaurante pequeno e quieto. — Estou aqui! Percebi que Madeleine estava me olhando, talvez estranhando a minha animação, e logo me arrependi de fazer o papel de americana escandalosa no restaurante. — Oi, Darcy — disse Ethan, enquanto se aproximava da mesa. — Como foi na casa de repouso? — ele devia ter voltado para casa porque eu tinha deixado um bilhete para ele falando sobre a minha missão de procurar emprego. — Não muito bem. Mas eu comprei um jornal para ver os classificados. Senta aqui — eu disse, tirando a minha bolsa e o casaco de cima da cadeira. — Estou muito feliz por
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você estar aqui. Estava pensando em você agora mesmo. Como se faz chá com esse negócio? — eu disse, apontando para o coador de chá. Sem se sentar, ele se reclinou sobre a minha mesa, colocou o coador na minha xícara com uma mão e acrescentou a água da chaleira prateada com a outra mão. — Senta um pouquinho — eu disse de novo. Ele limpou a garganta, parecendo desconfortável. — Hum... É que eu vou me encontrar com uma amiga aqui. — Ah... Com quem? — eu perguntei, pensando que seria aquela Phoebe. — Ela está logo ali — Ethan apontou para Madeleine e, quando ela olhou para ele, ele deu uma piscadinha, não daquele jeito delicado que alguns homens piscam, mas de um jeito lindo e simpático. Como se fosse o Papai Noel mais magro e mais novo. Madeline fez um sinal com a mão para Ethan enquanto tomava o seu capuccino em uma caneca de vidro. Depois, ela sorriu. Eu juntei o sorriso com a sua conversa ao telefone e tirei as minhas conclusões... “Ethan tinha uma namorada. E ela não era só atraente, também era francesa!” Ethan sorriu para ela e depois olhou para mim. — Se você quiser, pode se sentar conosco, Darcy. Mas eu sabia que ele não queria isso. — Tudo bem. Pode ir — eu disse rápido, me sentindo sem graça por achar que ele sempre estaria disponível para mim. — Você tem certeza? — ele me olhou furtivamente, com simpatia. — Sim, sim. Eu já tenho de ir embora. Veja quantos anúncios eu marquei no jornal. Pode ir... Sério — eu disse. — Tudo bem, então. Nos vemos mais tarde, tudo bem? — Sim. Está certo — eu disse calma. Enquanto eu via Ethan ir para a mesa de Madeleine, senti uma coisa estranha. Quase ciúme. Esse sentimento me pegou de surpresa. Quer dizer, por que eu me importaria se
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Ethan tivesse uma namorada? Eu sabia que não estava interessada nele. É claro, eu tive vontade de beijá-lo, mas isso não quer dizer que eu estava apaixonada por ele ou coisa parecida. Talvez, ao vê-lo com alguém, eu tenha sentido vontade de ter uma companhia. Talvez eu estivesse preocupada com a minha permanência no seu apartamento. Com os meus direitos sobre a sua cama confortável. Do canto do olho, vi Madeleine se levantar e dar um beijo em cada lado do rosto do seu chou. Eu sei que é um costume europeu, mas mesmo assim pareceu pretensioso e jurei que nunca mais daria dois beijinhos em ninguém. Ethan tirou a sua capa, expondo os seus cabelos cacheados. Depois, sentou-se e colocou a sua cadeira perto dela, seus joelhos se tocavam. Eu olhei para o horizonte e comi rápido, me sentindo enjoada e ressentida porque Ethan não havia me contado que estava saindo com alguém. Fiquei imaginando por quanto tempo eles já estavam juntos. Será que ele sempre se encontrava com ela com a desculpa de estar escrevendo seu livro? Será que eles estavam fazendo sexo selvagem na casa dela todas as noites enquanto eu esperava por ele em casa? Por que ele nunca me falou dela? Enquanto eu levantava para pagar a conta, fiquei em dúvida se deveria me despedir dele antes de sair. Por outro lado, estava curiosa para conhecer essa garota e saber se ainda estavam se conhecendo (ou se já estariam namorando sério?). Ao mesmo tempo, eu me sentia estranha, tinha vontade de ir embora sem ser notada. Nunca tive um comportamento antissocial e me perguntava, de novo, por que o fato de Ethan ter uma namorada me afetava tanto. Enquanto eu estava em pé, no caixa, a alguns metros da mesa dos pombinhos, pude ouvir a voz francesa de Madeleine seguida de uma alegre gargalhada do Ethan. Entreguei a minha conta no caixa, junto com o dinheiro. Ela me deu o troco, deixei de gorjeta em um pequeno prato reservado para isso. Então, quando eu estava indo para a porta, eu ouvi a voz de Ethan me chamando: — Ei, Darcy. Vem aqui um pouquinho. Virei, fingindo estar momentaneamente desorientada, como se eu tivesse esquecido que ele estava ali com uma
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mulher. Então, dei um sorriso morno e caminhei até a mesa deles. — Oi — eu disse, casualmente. — Essa é a Sondrine — disse, Ethan. — Sondrine, essa é a Darcy. “Sondrine? Que tipo de nome era esse?” Eu a examinei de perto. A pele dela era homogênea e as sobrancelhas faziam um arco perfeito. E eu não fazia as minhas sobrancelhas desde que havia deixado Nova York. — É um prazer conhecê-la, Sondrine — eu disse, percebendo que estava na posição de grávida: joelhos fechados e mão por cima da barriga. Eu soltei as minhas mãos para o lado, fazendo uma pose mais atraente. — O prazer é meu — disse Sondrine, com uma voz sexy. Nós trocamos mais algumas palavras de cordialidade e depois, caso o Ethan não tivesse lhe informado a importância que eu tinha na vida dele, ou não tivesse falado sobre mim, disse que o veria em casa. Olhei para o rosto de Sondrine para ver se notava algum indício de surpresa ou de insegurança, mas não vi nada. Apenas indiferença. Depois que saí do Muffin Man em direção ao apartamento de Ethan, eu me senti inexplicavelmente melancólica, quase triste. Eu senti o bebê chutar de novo e eu disse a ele, sussurrando: — Ethan tem uma namorada. E eu não sei por que isso está me incomodando. Eu voltei a ver o Ethan muito tarde naquela noite, quando ele finalmente voltou para casa, sem a Sondrine. Eu estava estendida no sofá, quase dormindo, esperando por ele com um vazio enorme no peito, enquanto ouvia um CD da Norah Jones. — Que horas são? — perguntei. — Dez — disse ele, ficando em pé perto de mim. — Você se alimentou? — Sim — eu disse. — E você? Ele confirmou.
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— Onde você estava? — perguntei, como se fosse uma esposa desconfiada que tinha acabado de encontrar uma mancha de batom rosa na camisa branca do marido. — Escrevendo. — Tenho certeza que sim — eu disse, tentando parecer indiferente e engraçada. — O que você quer dizer com isso? — perguntou ele, me afastando um pouco para poder se sentar no sofá. Ergui as minhas pernas para ele se sentar e coloquei os meus pés sobre as coxas dele. — Quer dizer, você estava realmente escrevendo ou estava se divertindo com a Sondrine? — perguntei como se estivesse cantando uma música infantil. — Eu realmente estava escrevendo — disse ele, inocentemente. Depois tentou mudar de assunto, perguntando o que eu havia feito durante o dia. — Fui procurar emprego. Liguei para alguns lugares. Pesquisei na internet. — E? — Não consegui nada — eu disse. — Foi muito frustrante... Então, o que está acontecendo entre você e Sondrine? — pronunciei o nome dela com um sotaque que estava longe de ser francês, fazendo a palavra parecer deselegante e sem graça. — Ela é legal. Tem um papo divertido. — Não se faça de bobo, Ethan. Ele me olhou como se não estivesse entendendo. — Ela é sua namorada ou não? Ele bocejou e esticou os braços. — Não, ela não é minha namorada. — Mas ela disse que você era um petit chou — eu digo. — O quê? — Eu a ouvi falando com você ao telefone antes de você chegar ao Muffin Man. Ela chamou você de petit chou. — Você é demais — disse ele, rindo.
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— Falando nisso, você sabia que chou significa repolho? — perguntei, mexendo os olhos. Eu procurei a palavra na internet quando voltei para o apartamento e não acreditei que ela estivesse usando um nome tão ridículo. Ethan encolheu os ombros. — Eu não tinha ideia. Eu fiz aulas de espanhol, lembra? — Pior para você. — Por quê? — Porque sua namorada é francesa, só por isso. — Ela não é minha namorada, Darcy — disse Ethan, sem conseguir me convencer. — Nós apenas saímos algumas vezes. — Quantas vezes? — Na semana passada... E hoje. — Vocês saíram para jantar na semana passada? — eu perguntei, tentando me lembrar das noites em que Ethan demorou para chegar em casa. — Não. Nós combinamos de almoçar juntos. — Onde? — Num bistrô em Notting Hill. — Você dividiu a conta? — Não. Eu paguei tudo... O seu questionário já está acabando? — Acho que sim. Eu não entendo por que você não me contou nada sobre ela. Ele encolheu os ombros de novo. — Eu não sei por que eu não lhe disse nada sobre ela. Isso não importa — disse ele, enquanto massageava o meu pé esquerdo e depois o direito. Eu não conseguia me lembrar da última vez que alguém tinha feito massagem no meu pé. Era melhor do que um orgasmo. Eu disse isso ao Ethan. Ele me deu um sorriso orgulhoso que eu entendi como “Você nunca teve um orgasmo comigo”. Uma imagem de Ethan e de Sondrine, nus e suados, apareceu na minha mente. Eu imaginei-os depois de transarem, dividindo um cigarro. Ela deve ser fumante, com essa voz rouca.
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— Então, me fala sobre ela — eu perguntei. — Não tenho muita coisa para dizer... Eu a conheci na galeria Tate. Nós estávamos lá para ver a mesma exposição — disse ele, enquanto alongava os meus dedos do pé. — Então, você a conheceu na frente de algum quadro? — perguntei, pensando na minha visita à National Gallery e me perguntando por que ele não me convidou para conhecer a galeria Tate. — Não. A gente se conheceu na cafeteria do museu. Ela estava atrás de mim na fila. Eu peguei a última mesa livre. Ela perguntou se poderia se sentar comigo — disse ele. Eu podia imaginar como ele contaria essa história sempre que alguém lhe perguntasse como eles se conheceram. Eu podia ver Sondrine colocando seus braços em volta dele, concluindo a história de maneira simples: “Ele pegou a última salada e a última mesa!”. — Que história romântica — eu disse. Ele ignorou o meu sarcasmo. — E depois nós caminhamos pelo museu juntos por algum tempo. Para a minha satisfação, essa história era muito parecida com minha fantasia com Alistair. Respirei fundo, tentando compreender o vazio que sentia no meu peito. Era uma mistura de inveja, preocupação e solidão. Formulei mais uma dúzia de perguntas, mas decidi que não faria mais nenhuma; já tinha ouvido demais. Em vez disso, ficamos escutando a Norah Jones. Os olhos de Ethan estavam fechados, suas mãos ainda estavam nos meus pés, quando ele finalmente disse: — Você estava parecendo uma mulher grávida no Muffin Man hoje — disse ele. — Você quer dizer gorda? — perguntei, pensando nos pulsos finos de Sondrine. Eu parecia robusta ao lado dela. — Gorda não. Grávida. — Grávida e gorda — eu disse. Ele balançou a cabeça, abriu os olhos e me olhou engraçado.
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— Não. Grávida e radiante. Eu fiquei sem graça e sabia que estava sorrindo. Agradeci, sentindo-me envergonhada. Ethan continuou me olhando concentrado, do jeito que você faz quando quer identificar alguém, lembrar o seu nome. Então, ele finalmente disse: — Você realmente está com um brilho especial. — Obrigada — eu disse de novo. Nossos olhos se encontraram por um segundo, e, depois, desviamos o olhar ao mesmo tempo. Não conversamos mais por um bom tempo depois disso. Então, Ethan virou para mim e disse: — Darcy, eu estava me perguntando... Por que você foi à casa de repouso hoje? — Eu já disse, para conseguir um trabalho. — Eu sei. Mas por que você quis ir a uma casa de repouso se você tem experiência em relações públicas? — Porque eu quero ajudar as pessoas. Ter mais compaixão, essas coisas. Ethan riu e balançou a cabeça. — Você está sendo muito extremista, não acha? — O que você quer dizer com isso? Foi você que disse que eu precisava mudar. Ser uma pessoa menos superficial e tudo mais — eu disse, percebendo o quanto eu queria que ele reconhecesse o meu esforço. — Você não tem que mudar tudo em você, Darcy. E você não precisa trabalhar em uma casa de repouso para ser uma pessoa boa. — Então, isso é bom. Porque eu não fui contratada — sorri. — E, para ser honesta, eu não gostaria de trabalhar com pessoas idosas. — Sim. Você não precisa ser uma mártir. Apenas encontre um trabalho que você goste e ganhe algum dinheiro. Se conseguir fazer algo bom pelo mundo nesse intervalo de tempo, melhor ainda. Mas você tem de ser você mesma. — Ser eu mesma? — eu disse, sorrindo.
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— Sim — disse ele, rindo enquanto se levantava e ia para o quarto. — Não é tão ruim assim. Eu me levantei para segui-lo e depois hesitei. Sabia que não havia mudado nada de ontem para hoje, mas o fato de ter visto Ethan com uma garota fez com que eu me sentisse estranha, como se estivesse fazendo alguma coisa errada. Eu disse a mim mesma que, apesar de ter sentido uma atração passageira por ele, nós éramos apenas amigos. E amigos podiam dormir na mesma cama. Eu havia dormido muitas vezes com a Rachel. Mesmo assim, apenas para ter certeza, eu esperei Ethan olhar para mim e dizer “Você não vem?”, antes de correr (no limite do possível para uma garota grávida) pelo corredor atrás dele. Eu não sabia quanto tempo mais eu tinha antes de Sondrine começar a frequentar o apartamento, mas eu ia aproveitar cada minuto que me restava.
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Na manhã seguinte, liguei para o Sr. Moore, o médico que Meg e Charlotte haviam me recomendado. Por sorte, ele teve uma consulta cancelada naquela manhã, então peguei o metrô da linha Circle para a rua Great Portland e consultei meu mapa de Londres até chegar ao consultório dele na rua Harley, um quarteirão com belas casas antigas, a maioria delas transformada em consultórios médicos. Abri a porta vermelha e pesada do consultório do Sr. Moore e caminhei em direção a um balcão de mármore no qual uma recepcionista me entregou um formulário para preencher e me pediu para aguardar em uma sala de espera que tinha uma lareira. Momentos depois, uma mulher gorducha, com cara de vovó, se apresentou como Beatrix, a enfermeira obstetra do Sr. Moore, e me pediu para acompanhá-la, subindo uma escadaria que dava para outra sala, que parecia um museu. Beatrix me apresentou ao meu médico, que se levantou atrás da sua mesa de mogno, deu a volta e me estendeu a mão com doçura. Eu apertei a sua mão e fiquei observando o rosto dele. Com bochechas fofas, olhos azuis grandes e um nariz romano muito interessante, ele era muito bonito. E estava elegante vestindo um paletó azul-marinho e uma gravata verde. Ele apontou para uma cadeira que estava na frente da mesa e me disse para sentar. Nós dois nos sentamos e, por alguma razão, eu disse: — Eu esperava que o senhor estivesse usando um jaleco branco.
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Ele sorriu e disse: — Não gosto muito de branco — o sotaque refinado parecia transformar as palavras espirituosas dele em uma fala retirada de uma peça de Shakespeare. Beatrix murmurou que voltaria logo e o Sr. Moore, gentilmente, me perguntou algumas coisas, como: de onde eu era, quando eu havia chegado à Inglaterra e qual era a data prevista do parto. Respondi às perguntas lhe dizendo que tinha ficado grávida por acaso, que havia terminado com o meu namorado e me mudado para Londres para recomeçar a vida. Eu também disse que a data prevista do parto era o dia 2 de maio, e que eu não ia ao médico há várias semanas. — Você fez algum ultrassom? — perguntou. Eu estava com vergonha de dizer que não e que eu tinha faltado à consulta em que deveria fazer o ultrassom de dez semanas em Nova York. — Bem, nós faremos um ultrassom hoje e veremos se está tudo bem — disse o Sr. Moore, fazendo anotações na minha ficha. — O senhor vai poder identificar o sexo do bebê? — Espero que sim... Se ele cooperar. — Verdade? Hoje? — Sim — ele disse. Meu coração disparou de alegria e senti um pouco de medo. Eu estava a ponto de ver a minha filha pela primeira vez. De repente, desejei que Ethan estivesse ali comigo. — Vamos começar, então? — disse o Sr. Moore. — Podemos? Eu concordei. — Então, vá atrás deste biombo, tire a roupa da cintura para baixo e deite-se na maca. Eu voltarei logo com a Beatrix. Concordei novamente e fui tirar a roupa. Enquanto eu tirava a minha saia, me arrependi por não ter depilado a virilha antes da consulta. Eu não causaria uma boa impressão ao impecável Sr. Moore, mas, enquanto eu subia na maca e me cobria com uma folha de papel, me conformei, pensando que ele já deveria ter visto coisas piores. Minutos
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depois, o Sr. Moore retornou com Beatrix, batendo na divisória que separava a sala dele da sala de exames. — Tudo pronto? — disse ele. — Tudo pronto — eu respondi. O Sr. Moore sorriu e sentou-se em um banquinho ao meu lado; Beatrix ficou atrás dele. — Tudo bem então, Darcy — disse o Sr. Moore. — Por favor, desça mais o corpo e ponha os pés nesse estribo. Eu vou dar uma olhada no seu colo do útero. Você vai sentir uma pequena pressão. Ele colocou luvas de látex e checou o meu colo com os dedos. Eu me retraí um pouco enquanto ele dizia: — O seu colo do útero está fechado e longo. Maravilhoso. — Depois, ele tirou as luvas, jogou-as em uma lata de lixo pequena, puxou para baixo a folha de papel e passou um gel gelado na minha barriga. — Desculpe, é um pouco frio. — Sem problemas — eu disse, feliz por ele ser tão sensível. Ele passou o aparelho de ultrassom pela minha barriga enquanto uma imagem preta e branca indecifrável aparecia na tela. À primeira vista, eu não conseguia ver nada além de uma tinta borrada, do tipo que os psiquiatras usam, mas depois eu vi uma cabeça e uma mão. — Ai, meu Deus! — eu falei. — Ela está chupando o dedinho, não está? — Ah-hã — disse o Sr. Moore, e Beatrix sorriu. Eu fiquei chocada e falei para eles que eu nunca tinha visto nada tão milagroso. — Ela é perfeita — eu disse. — Vocês não acham? O Sr. Moore concordou. — Linda. Linda — murmurou ele. Ele olhou de volta para a tela e passou cuidadosamente o aparelho pela minha barriga. A imagem desapareceu por um segundo e depois reapareceu.
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— O que foi? — eu perguntei. — O que o senhor está vendo? É uma menina, né? — Só um momento... Eu preciso examinar melhor. Depois preciso tirar algumas medidas. — O que o senhor precisa medir? — eu perguntei. — A cabeça, o abdômen e o fêmur. Depois, vamos examinar as outras estruturas do bebê. O cérebro, o coração, entre outras. De repente, eu tive receio de que pudesse haver alguma coisa errada com a minha filha. Por que eu não havia pensado nisso antes? Eu me arrependi de todas as vezes que bebi uma taça de vinho ou uma xícara de café pela manhã. E se isso tivesse causado alguma sequela no bebê? Olhei ansiosamente para a tela e para o rosto do Sr. Moore para buscar alguma evidência. Ele examinava calmamente as diferentes partes do meu bebê, lendo números em voz alta, enquanto Beatrix fazia anotações na minha ficha. — Isso é normal? — eu perguntava cada vez que ele dizia um número. — Sim. Sim. Está tudo absolutamente normal. Nesse momento, normal era a palavra mais maravilhosa da língua. Minha filha não precisava ter a minha beleza. Ela não precisava ser extraordinária em nada. Eu só queria que ela fosse saudável. — Então, está preparada para a grande notícia? — perguntou o Sr. Moore. — Ah, eu sei que é uma menina — eu disse. — Eu nunca duvidei disso, mas estou louca para ter a confirmação e começar a comprar as roupinhas cor-de-rosa. O Sr. Moore fez um som estranho e disse: — Ahhh! Bem, agora, devo avisar que rosa não vai ser a cor mais adequada. — O quê? — eu perguntei, me esticando para olhar a imagem na tela. — Não é uma menina? — Não. Você não vai ter uma menina — disse ele, sorrindo orgulhoso, o que indicava que um menino era sempre o sexo mais esperado pelo homem.
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— É um menino? Tem certeza? — Sim. Eu tenho certeza. Você vai ter um menino… — disse ele, apontando para a tela com o dedo indicador, enquanto a outra mão ainda segurava o aparelho na minha barriga. — E outro menino. Ele olhou para mim e sorriu, esperando a minha reação. Minha mente deu uma reviravolta, parando em uma palavra comum que agora estava adquirindo um novo sentido. Gêmeos. Eu perguntei: — Dois bebês? — Sim, Darcy. Você está grávida de dois meninos — o sorriso do Sr. Moore ficou maior. — Parabéns! — Pode ser um engano. Olha de novo — eu disse. Ele tinha de estar errado. Não existiam gêmeos na minha família. Eu não tinha tomado nenhum remédio para engravidar e não queria gêmeos, muito menos meninos! O Sr. Moore e Beatrix trocaram olhares e então riram com um sotaque inglês. Foi quando eu pensei que eles estavam brincando comigo. Uma brincadeira muito cruel. Dizer a uma mulher solteira e americana que ela iria ter gêmeos. Muito boa. Ethan havia me falado do senso de humor diferente dos ingleses. — Você está brincando, né? — perguntei, assustada. — Não — disse o Sr. Moore —, eu estou falando sério. Você vai ter dois meninos. Parabéns, Darcy. Sentei na maca, a folha de papel que cobria o meu corpo saiu voando e foi parar no chão. — Mas eu queria uma menina. Uma menina. E não dois meninos — eu disse, não me preocupando por estar totalmente exposta da cintura para baixo. — Bem. Essas coisas a gente não escolhe como se estivesse comprando uma torta — disse o Sr. Moore, ironicamente, enquanto pegava a folha de papel e me cobria novamente. Eu olhei para ele. Não tinha gostado nada dessa comparação, muito menos da sua expressão de satisfação.
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— O senhor já se enganou alguma vez com essas coisas? — perguntei, desesperada. — Eu ouvi falar que isso pode acontecer. Quer dizer, o senhor já cometeu algum erro? O Sr. Moore disse que tinha certeza de que eu estava grávida de gêmeos. Então, ele explicou que, às vezes, o médico pode confundir uma menina com um menino, mas o oposto raramente acontece. — Então o senhor tem certeza? Com a paciência de um professor, ele apontou para as imagens flutuando na tela. Dois corações batendo. Duas cabeças. E dois pênis. Eu comecei a chorar, enquanto o sonho de comprar um enxoval fofinho e cor-de-rosa evaporava da minha mente, sendo substituído pelas lembranças horrorosas do meu irmão caçula, Jeremy. Seus lábios vibrando enquanto ele fazia um inacabável e monótono som de motor de carro. Eu teria dois iguais. Era inconcebível. Percebendo o meu desespero, o Sr. Moore tentou ser simpático, explicando que a notícia de filhos gêmeos é geralmente recebida com muito entusiasmo. Eu tentei segurar as lágrimas. — Isso não é uma regra geral. — Você só precisa se acostumar com a ideia — disse ele. — Dois meninos? — perguntei de novo. — Dois meninos — disse ele. — Gêmeos idênticos. — Como isso pôde acontecer? O Sr. Moore levou a pergunta ao pé da letra e me deu uma rápida explicação sobre biologia, apontando para a tela e explicando que os meus bebês dividiam a mesma placenta, mas havia duas bolsas. — Gêmeos univitelinos — disse ele. — O que significa que o óvulo fertilizado se dividiu em dois em até sete dias após a concepção. — Merda — eu sussurrei. Ele apertou um botão, explicando que tiraria uma foto do ultrassom para mim. Então, moveu o aparelho e tirou outra foto. Ele me deu as duas fotografias, uma com o nome
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de bebê A e outra com o nome de bebê B. Eu hesitei em pegar as fotos da mão dele. O Sr. Moore perguntou se eu queria me vestir e tomar uma xícara de chá de menta com Beatrix, que estava sentada na cadeira ao lado, sorrindo para mim. — Não. Não, obrigada. Eu tenho de ir — eu disse, me levantando e me vestindo o mais rápido possível. O Sr. Moore tentou me segurar na sua sala para conversar um pouco mais sobre os bebês, mas eu tinha de ir embora, acreditando irracionalmente que aquele consultório pomposo, decorado em estilo vitoriano, havia transformado a minha filha em um menino e a multiplicado por dois. Se eu saísse dali, talvez tudo voltasse ao normal. Eu queria buscar uma segunda opinião. Deve haver algum bom médico americano em Londres. Um que fosse chamado de doutor, pelo menos. — Me desculpe, Sr. Moore — disse. — Mas eu preciso ir. Sr. Moore e Beatrix me observaram enquanto eu terminava de me vestir, pegava a minha bolsa e dizia, caminhando para a porta, que iria pagar pela consulta e que agradecia muito. Depois, eu voltei pela rua Harley, onde comecei a me sentir anestesiada pela notícia do Sr. Moore e pela chuva fina de Londres. Perambulei pela cidade, com a palavra “gêmeos” martelando na minha cabeça. Desci a rua Bond, peguei a Marble Arch e depois atravessei a ponte Knight. Andei até as minhas costas começarem a doer e as minhas mãos e pés ficarem dormentes. Não parei em nenhuma loja, independentemente do quanto a vitrine fosse tentadora; não parei em lugar nenhum, exceto, por alguns minutos, na Starbucks, quando a chuva começou a ficar mais forte: pensei que a decoração lilás e laranja poderia me consolar um pouco. Mas não pôde. Nem o chocolate quente e uma rosquinha que eu devorei em um instante. Eu já estava com medo de pensar que teria um único bebê. Agora, estava apavorada. Como seria capaz de tomar conta de gêmeos ou de cada um deles separados? Isso era surreal. Por volta das três da tarde, quando já estava escurecendo, eu cheguei em casa, congelando e exausta.
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— Darcy? É você? — ouvi Ethan me chamando do quarto. — Sim — eu gritei, enquanto tirava a jaqueta e chutava as minhas botas para longe. — Vem aqui! Andei pelo corredor e abri a porta do quarto de Ethan. Ele estava deitado na cama com um livro aberto em cima no peito. A luminária ao lado da cama estava ligada, projetando uma luz suave sobre o seu cabelo loiro, que dava a impressão de uma auréola. — Eu posso me sentar? Estou um pouco molhada — eu disse. — É claro que pode. Eu me sentei com as pernas cruzadas, ao pé da cama, esfreguei a sola do meu pé e tremi. — Você tomou muita chuva? — ele perguntou. — Sim. Um pouco. Eu andei por aí o dia inteiro — disse, com cara de pena. — Eu esqueci o meu guarda-chuva em casa. — Isso é uma coisa que não podemos esquecer em Londres. — Então, você não vai acreditar no que aconteceu comigo hoje... — Você foi assaltada? — ele perguntou, batendo os dedos na capa do livro. — Não. Pior. Ethan sorriu. — Pior do que alguém roubando a sua bolsa Gucci? — Isso não tem graça, Ethan — minha voz tremeu. O sorriso dele desapareceu enquanto ele fechava o livro e o colocava ao seu lado na cama. — O que aconteceu? — Fui ao médico hoje de manhã... Ele se sentou com um olhar preocupado no rosto. — Está tudo bem com o bebê?
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Descruzei as pernas e as dobrei, apoiando o meu queixo nos joelhos. — Está tudo bem com... Os bebês. Ethan arregalou os olhos e disse: — Bebês? Eu concordei. — Gêmeos? — Sim. Gêmeos. Dois meninos, gêmeos idênticos. Ethan ficou me olhando por alguns segundos. — Você está brincando? — Eu pareço estar brincando? Ele mexeu a boca, como se estivesse tentando não sorrir. — Isso não é engraçado, Ethan... E, por favor, não me diga que eu merecia isso também. Porque, pode acreditar, eu cheguei a pensar se isso era algum tipo de castigo. Talvez pela vida frívola que eu levava em Manhattan. Talvez por gastar muito dinheiro em compras ou por reparar demais na aparência dos outros. Ou por ter traído o Dex com o Marcus... E Deus me castigou dividindo o meu embrião... E me dando dois meninos idênticos — comecei a chorar. Eu estava quase sem fôlego. Gêmeos. Gêmeos. Gêmeos. — Darcy. Fica calma. Eu nunca lhe diria isso. — Então, por que você está sorrindo? — Estou sorrindo porque... Estou feliz. — Feliz por eu estar ferrada? — Não, Darcy. Eu estou feliz por você. Se um bebê já é uma benção, então você está sendo duplamente abençoada. Dois bebês! É um pequeno milagre. Não é um castigo — as palavras dele eram convincentes, o tom e a expressão eram ainda mais. — Você acha? — Eu acho... É maravilhoso. — Mas como eu vou fazer? — Você vai conseguir.
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— Eu não sei se vou conseguir. — É claro que vai... Agora, por que você não vai tomar um banho quente, coloca o seu pijama e eu vou preparar o jantar? — Obrigada, Ethan — eu disse, me sentindo mais tranquila mesmo antes de tirar as roupas molhadas. A habilidade que Ethan tinha de motivar as pessoas era uma das qualidades que eu mais gostava nele. Ele tinha isso em comum com a Rachel. Eu lembrei que a Rachel costumava trazer pistaches para mim sempre que eu estava desanimada. Ela sabia que pistache era o meu aperitivo favorito, mas a melhor parte era que ela sempre tirava a casca para mim e me dava o pistache pronto para comer. Eu lembro que eu achava que eles ficavam mais gostosos porque eu não precisava parar para descascá-los. O fato de Ethan ter se oferecido para preparar o meu jantar me fez lembrar daqueles dias de pistache. — Você só precisa tomar um banho e começar a pensar em nomes de meninos. Wayne e Dwayne parecem uma boa opção, o que você acha? Eu ri. — Wayne e Dwayne Rhone... Gostei. Mais tarde, naquela noite, depois de comermos a carne refogada que Ethan havia preparado e ficarmos admirando as fotos do ultrassom dos meus bebês, nós fomos para cama. — Por que você nunca passou a noite com Sondrine? — perguntei, enquanto entrava debaixo das cobertas. Ethan apagou a luz, deitou-se na cama ao meu lado e disse: — Ainda não temos nada sério. Senti uma pontada ao escutar ele falar a palavra “ainda”, mas apenas disse “Ah” e mudei de assunto. Depois de um longo silêncio, Ethan sussurrou: — Parabéns de novo, Darcy. Dois meninos, gêmeos. Incrível. — Obrigada, Ethan — respondi, enquanto sentia um dos meninos me chutar.
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— Está aceitando melhor a notícia? — Sim, um pouco — eu disse. Eu ainda não estava emocionada com a notícia, mas pelo menos não achava mais que era um castigo. — Obrigada por ficar feliz com a notícia. — Eu estou feliz com a notícia. Sorri para mim mesma e passei a perna pelo cobertor, procurando os pés frios do Ethan. — Amo você, Ethan — prendi a respiração, preocupada porque, apesar de ter omitido o pronome “eu”, de “eu te amo” (o que dá a impressão de ser um sentimento seguro e platônico), eu achava que tinha falado demais. Não queria dar a impressão de que queria mais do que a amizade dele. — Também amo você, Darcy — disse Ethan, esfregando os pés nos meus. Sorri, esquecendo as minhas preocupações e caindo em um sono profundo e tranquilo.
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Na manhã seguinte, acordei em pânico. Como eu conseguiria cuidar de gêmeos? Será que Ethan nos deixaria morar com ele? Será que dois berços caberiam no meu quarto minúsculo? E se eu não conseguisse achar um trabalho? Eu tinha menos de 2 mil dólares na conta, o que mal dava para pagar os gastos com o hospital, muito menos cobrir os gastos com as coisas do bebê, a comida e o aluguel. Eu disse a mim mesma para ficar calma, continuar focada na minha lista e fazer uma coisa de cada vez. Então, durante o resto da semana, fiquei procurando trabalho. Mantive a mente aberta, procurando qualquer tipo de trabalho: trabalhos muito qualificados, trabalhos na área de relações públicas e até trabalhos braçais. Procurei anúncios nos jornais, liguei para alguns e fui até os lugares. Nada deu certo e fiquei desapontada ao perceber a dificuldade de conseguir permissão para trabalhar. Pior do que isso, eu descobri que as mulheres grávidas, na Inglaterra, tinham 26 semanas de licença maternidade, o que não eram notícias muito animadoras. Quem iria me contratar neste estágio da minha gravidez, sabendo que teriam de me dispensar por seis meses? Comecei a achar que teria de voltar a Nova York, para o meu antigo trabalho e para a minha antiga vida. Isso era a última coisa que eu queria fazer. No sábado à tarde, eu estava totalmente desanimada e sem esperanças, pronta para descansar a mente na festa da Meg e parar de me preocupar por uma noite. Levei um bom tempo para me arrumar e experimentei várias roupas de grávida que tinha comprado (o que não poderia ser
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considerado um ato de futilidade, já que minhas roupas não cabiam mais em mim) antes de colocar um vestido preto simples. Eu me olhei no espelho e admirei a forma como o vestido marcava a minha barriga e o meu quadril, deixando a minha barriga em evidência. Passei um pouco de rímel e um gloss, decidida a não esconder o brilho da minha gravidez com uma maquiagem pesada. Depois, coloquei um par de sapatos pretos simples e um colar de diamantes, que tinha sido presente de Dex. O resultado, se eu podia falar de mim, foi uma elegância sóbria. Ethan voltava para casa quando eu abri a porta para sair. Ele assobiou, colocou a mão na minha barriga e deu um tapinha. — Você está linda. Aonde vai? Eu disse a ele que tinha sido convidada para um jantar. — Você se lembra? As garotas que eu conheci na cafeteria na semana passada? — Ah, sim. As garotas inglesas — disse ele. — Eu estou impressionado por você receber esse convite. Geralmente, americanos não são convidados para ir à casa de um inglês até o dia da sua festa de despedida — esse não foi o primeiro comentário dele sobre os costumes da sociedade britânica, uma das poucas coisas que ele não gostava nesse país. — Eu estou muito animada — disse. — Espero que seja uma noite como a de Bridget Jones. — Você quer dizer um bando de mulheres neuróticas, fumando um cigarro atrás do outro, falando sobre perder peso e transar com o chefe? — Algo parecido — eu disse, caindo na risada. — Então, o que você vai fazer esta noite? — Eu não contei? Vou jantar com a Sondrine — senti uma pontada de inveja enquanto ele me olhava, parecendo envergonhado. Ele sabia muito bem que eu não tinha mais mencionado o nome dela. Na verdade, ele não tinha falado dela desde o dia em que eu a conheci no Muffin Man. — Não. Você não me contou — apontei para a sacola da loja de vinhos que ele estava carregando. — E,
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aparentemente, você tem planos para depois do jantar também. Ele disse que talvez, que isso dependeria de como fosse o jantar. — Bem, divirta-se. Estou indo — eu disse, pensando em esquecer a relação dele com Sondrine. Enquanto eu saía pela porta, Ethan me perguntou se eu ia pegar um táxi. — Não. Vou de metrô — eu disse, mostrando o meu bilhete. — Estou muito econômica nos últimos dias, caso você não tenha notado. — É muito tarde para você pegar o metrô sozinha. — Eu pensei que você tinha dito que o metrô era seguro à noite. — E é. Mas… Não sei. Você está grávida. Toma aqui — ele abriu a carteira, pegou umas notas para me dar. — Ethan, eu não preciso do seu dinheiro. Posso me virar com o restinho da minha poupança — eu disse, mesmo sabendo que um dos meus cartões tinha sido recusado hoje na Marks & Spencer quando eu tentava comprar um sutiã novo para sustentar o meu imenso seio de mulher grávida. Ele guardou o dinheiro na carteira e disse: — Tudo bem... Mas, por favor, pega um táxi. — Eu vou pegar — disse, emocionada por ele estar sendo tão protetor. — Você também, se cuida — e pisquei para ele. Ele me olhou surpreso. — Usa camisinha. Ele virou os olhos e fez um sinal de negação com as mãos, o que eu entendi como “Não seja boba. Eu não vou dormir com ela tão cedo”. Depois, ele me deu um beijo de despedida no rosto e eu senti o cheiro da sua colônia. O odor era agradável e me fez sentir estranhamente melancólica. Eu disse a mim mesma que Simon, o cabeça vermelha, estava esperando por mim no jantar inglês em Mayfair.
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Mas, enquanto eu estava sentava no táxi, indo para o apartamento de Meg, me preparando psicologicamente para a festa, não conseguia deixar de sentir um vazio no peito. Não era apenas por estar com ciúmes de Sondrine e Ethan, ou por estar preocupada com o nascimento dos gêmeos. Eu também estava nervosa por causa da festa. Não me lembrava de ter me sentido ansiosa quando saía em Nova York, e me perguntava por que esta noite eu me sentia diferente. Talvez fosse porque não tivesse mais namorado ou noivo. Rapidamente, reconheci que as pessoas se sentem mais seguras quando estão com alguém, era como se não houvesse pressão sobre elas. Ironicamente, estar comprometida me dava uma liberdade de espírito que me transformava na alegria da festa e fazia com que eu chamasse a atenção dos outros homens. Mas eu não estava mais comprometida e não estava mais na zona de conforto de Manhattan ou de Hamptons, onde eu sabia exatamente o que iria encontrar em um bar, clube, festa ou reunião. Onde eu sabia que, em qualquer lugar, eu poderia beber alguns drinques e não seria apenas a mulher mais bonita (exceto uma vez em que eu estava no Lotus e a Gisele Bündchen apareceu), mas também a mais iluminada. Mas tudo isso mudara. Eu não tinha um namorado, um parceiro perfeito ou bebidas alcoólicas para poder me apoiar. Por isso, estava um pouco apreensiva quando cheguei ao apartamento da Meg. Saí do táxi e paguei o motorista pela janela da frente (embora preferisse o costume de Nova York, de passar o dinheiro pelos bancos). Então, respirei fundo, caminhei até a porta e toquei a campainha. — Olá, querida! Que bom ver você de novo — disse Meg ao abrir a porta. Ela me deu um beijo na bochecha enquanto eu notava com alívio que ela também estava usando um vestido preto. Pelo menos, eu tinha acertado na roupa. — Que bom ver você também! Muito obrigada pelo convite — eu disse, me sentindo mais relaxada. Meg sorriu e me apresentou ao seu marido, Yossi, um homem magro de pele morena com um sotaque diferente (depois eu descobri que ele era israelense e havia estudado em Paris). Ele tirou o meu casaco e me ofereceu uma bebida.
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— Uma taça de champagne? Eu coloquei a mão na barriga e recusei educadamente. — E que tal uma água com gás? — Seria ótimo — disse, enquanto Meg me levava pela sua sala que parecia de capa de revista. O teto era o mais alto que eu já havia visto em uma residência particular, devia ter no mínimo uns seis metros. As paredes estavam pintadas em um tom de vermelho escuro romântico. A lareira estava acesa, trazendo uma luz suave ao tapete oriental e aos móveis antigos. Havia uma fileira de livros antigos de capa dura nas prateleiras, que tomavam uma parede inteira da sala. Alguma coisa nesses livros me deixava intimidada, como se eu estivesse com medo de que alguém me fizesse perguntas sobre literatura. Os convidados também eram um pouco intimidadores. Eles não se pareciam com a minha turma homogênea de Nova York. Pelo contrário, as pessoas que estavam na sala pareciam pertencer a raças e culturas tão distintas que era como se estivéssemos em um comercial da Benetton. Quando Yossi voltou com a minha água com gás em um copo de cristal, Meg me perguntou se eu havia conseguido arrumar algum emprego. — Até agora não — eu disse. — Mas fui ao médico. — Você descobriu o sexo? — ela perguntou, ansiosa. — Sim — eu disse, percebendo que eu tinha me esquecido de me preparar para essa pergunta. — Uma menina? — Não, menino — eu disse, decidindo não contar que eram gêmeos ainda. Estar solteira esperando um bebê parecia ser algo aceitável, talvez até muito moderno. Mas estar solteira, esperando gêmeos, parecia um pouco humilhante, quase de baixo nível, e, certamente, não era uma notícia apropriada para um jantar elegante. — Nossa! Um menino! Que delícia! — disse Meg. — Parabéns! Eu sorri, sentindo um pouco de culpa por não ter contato tudo a Meg, mas ela já estava me levando pela sala, me apresentando aos outros convidados. Tinha Henrik, um
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sueco, e Cecília, sua esposa francesa, que eram violoncelistas. Tumi era uma designer de joias de Camarões. Beata era uma mulher linda que nasceu em Praga, cresceu na Escócia e agora passava a maior parte do tempo trabalhando na África com pacientes portadores de HIV. Uli era um alemão robusto que trabalhava com Yossi em um banco. Havia um senhor mais velho, árabe, que tinha um nome tão cheio de consoantes estranhas que eu não conseguira entender mesmo após ele repetir duas vezes. Um monte de ingleses, incluindo Charlotte e o seu marido, John. E Simon, o ruivo, que tinha um milhão de sardas combinando com seus cabelos vermelhos. Para o meu alívio, ele me ignorou por causa de Beata, que, por coincidência, também era ruiva (o que me deixou curiosa para saber se os ruivos procuravam outros ruivos por puro narcisismo ou, simplesmente, porque eles não tinham outra opção, já que pessoas que não eram ruivas não se interessavam por eles). De qualquer maneira, eu era a mulher que estava sobrando. A única pessoa na convenção das Nações Unidas que não tinha nada a contribuir para a conversa sobre geopolítica. E não tinha ideia se o mercado asiático estava comprando ou vendendo. Nenhuma opinião sobre como o terrorismo e as eleições presidenciais poderiam diminuir o preço das ações. Ou sobre como as viagens luxuosas estavam com os dias contados. Eu não sabia nada sobre o conflito no Sudão, que tinha levado mais de 100 mil refugiados a cruzar a fronteira com o Chade. Ou sobre a conversão da libra para o euro. Ou sobre as chances da França na próxima Copa do Mundo. Ou mesmo sobre rúgbi (algo sobre o campeonato europeu?) e sobre algum programa de televisão de que eu nunca havia ouvido falar. Eu nem sabia que o vergonhoso caso de amor de Tony Blair com os Estados Unidos era tão ofensivo para o resto do mundo. Fiquei esperando alguém falar sobre a família real inglesa, o único assunto sobre o qual eu sabia alguma coisa. Mas, quando alguém resolveu falar sobre eles, não foi para falar sobre o efeito sanfona da dieta de Sarah Ferguson, duquesa de York, a conspiração envolvendo a morte de lady Di, o último caso amoroso do príncipe William ou sobre Charles e Camila. Em vez disso, eles discutiam se a Inglaterra
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deveria continuar sendo uma monarquia. O que eu nem sabia que estava em debate. Depois de pelo menos duas horas de cocktail para todo mundo, menos para mim, nós nos sentamos para comer um jantar marroquino e as pessoas continuaram a beber muito. De fato, a grande quantidade de bebida consumida era a única similaridade entre o meu velho mundo e esse novo. Mas, diferentemente de Nova York, onde, quanto mais você bebe, mais idiota você fica, essas pessoas ficavam mais inteligentes. Nem Dex e Rachel tinham esse tipo de assunto quando estavam bêbados. Eu me senti à deriva, pensando no que Ethan estaria fazendo com Sondrine. Então, quase no fim do jantar, chegou um convidado muito atrasado. Eu estava sentada de costas para a porta de entrada da sala de jantar quando ouvi Meg dizer: — Olá, Geoffrey, querido. Elegantemente atrasado de novo, não é? Nessa hora, eu ouvi Geoffrey se desculpar, explicando que ele tinha recebido uma chamada de emergência para uma cesária. Foi quando eu me virei e vi o meu primeiro e único médico britânico, Sr. Moore, que estava lindo, com um suéter esportivo, uma blusa de gola alta de cashmere e uma calça cinza. Eu vi como o meu médico cumprimentava os seus amigos, apertando as mãos dos homens e se abaixando para beijar as mulheres. Então, ele colocou os olhos em mim. Ele me olhou de forma engraçada, e, depois de alguns segundos, ele deu um sorriso de reconhecimento. — Darcy, certo? Charlotte e Meg trocaram um olhar, como se estivessem ligando as coisas. — Ah, certo! Eu esqueci que vocês dois se conheciam — disse Meg. — Darcy nos contou a notícia fantástica e excitante! — ela estava, certamente, falando do meu único bebê menino. O Sr. Moore olhou para mim, enquanto eu comecei a temer o que iria acontecer. Eu tentei me antecipar, dizendo: — Sim, foi ele quem me falou que eu teria um menino.
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Mas, antes que eu pudesse encerrar, o Sr. Moore complementou: — Sim. Gêmeos! Maravilhoso, não é? Pela primeira vez naquela noite, a sala ficou em silêncio. Todos olharam para mim. Para quem passou quase 30 anos querendo chamar a atenção, eu deveria ficar satisfeita, mas, na verdade, me senti extremamente humilhada ao confessar: — Hum... É verdade, eu estou esperando gêmeos. — Gêmeos! — todos gritaram da mesa. — Meu Deus — disse Geoffrey, parecendo surpreso ao sentar-se ao meu lado. — Meg disse que era uma notícia fantástica, eu apenas presumi... Desculpa. — Sem problemas — eu disse calmamente, mas tive vontade de sumir quando Meg se levantou e propôs um brinde. — Para a nossa amiga americana e os seus dois bebês! Parabéns, Darcy! Então, eu não era apenas uma americana idiota, mas uma mãe solteira e mentirosa de gêmeos. Eu dei um sorriso grande e falso e, então, murmurei com toda graça e dignidade que eu poderia ter: — O Sr. Moore, Geoffrey, me deu um susto na semana passada ao me contar que eu estava grávida de dois... Acho que ainda não digeri a notícia direito... Depois disso, esperei as pessoas mudarem de assunto, o que demorou bastante se considerarmos a quantidade de temas mais profundos pelos quais se interessavam. Mas quando, finalmente, eles mudaram de assunto, meu desconforto não diminuiu. Eu falei muito pouco. Apenas me preocupei em comer aquela comida estrangeira exageradamente condimentada. Geoffrey também parecia muito desconfortável e passou o resto da noite me evitando. Quando ele falava comigo, era de um jeito formal e estranho, dizendo coisas como “Você está gostando do lombo de carneiro e do cuscuz de damasco?”. Por tudo isso, eu fiquei surpresa quando, no fim do jantar, enquanto todos estavam agradecendo Meg e Yossi e vestindo os casacos para ir embora, Geoffrey me ofereceu
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uma carona. Eu aceitei, imaginando que ele estivesse tentando se redimir. Estava claro que ele tentava se desculpar por ter me exposto daquela maneira. De qualquer forma, ele colocou as mãos nas minhas costas enquanto caminhávamos para o carro, sugerindo que poderia haver alguma coisa a mais. E, apesar do fato estranho de ele já ter colocado a mão na minha vagina, eu não podia esconder a alegria que estava sentindo quando ele abriu a porta do seu jaguar verde. Apesar de tudo, ele era o cara mais interessante que eu havia conhecido em Londres. Pensei comigo mesma que eu sempre poderia achar um novo médico. Eu me abaixei para sentar no banco de couro marrom, notando que Geoffrey olhava para meu tornozelo enquanto se virava para entrar pela outra porta e sentar-se ao meu lado. Ele ligou o carro e, enquanto tentava manobrá-lo, disse: — Eu estou me sentindo péssimo pelo que aconteceu hoje, Darcy. Sinto muito, não fui nada profissional. Presumi que você tivesse contado a todos. Um terrível engano. — Não se preocupe, Sr. Moore — eu disse, testando o terreno. Se ele me deixasse continuar chamando-o de senhor, era porque me via apenas como uma paciente. Assim, eu saberia que a minha carona era somente uma questão de pena. Mas, em vez disso, ele disse: — Geoffrey. Por favor, me chama de Geoffrey — ele me olhou com seus olhos azuis e cílios grandes e negros. — Geoffrey — eu disse, de um jeito carinhoso. — Você está desculpado. Ele me olhou, balançou a cabeça e riu. Então, depois de dirigir por cerca de três quarteirões, ele me perguntou: — Então, como você está se sentindo com relação a tudo isso? — Estou me acostumando com a ideia. Estou até animadinha. — Bem, eu acho que estar grávida de dois menininhos é uma coisa maravilhosa — disse ele, encantado. — Eu tenho um. Ele se chama Max. — Verdade? Qual é a idade dele? — perguntei, curiosa para saber se Geoffrey também tinha uma esposa.
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— Ele acabou de fazer quatro. Eles crescem muito rápido — disse Geoffrey. Um dia você está trocando as fraldas e, no outro, você já está levando-os à escola, orgulhoso por segurarem a sua mão. Ele sorriu e percebi alguma coisa estranha que me fez entender que ele não estava mais com a mãe de Max. Olhei para a rua, sorrindo, percebendo que Geoffrey estava realmente interessado em mim. E eu não pude deixar de me sentir bem. Eu ainda era atraente, mesmo estando grávida de gêmeos. Quando chegamos ao apartamento do Ethan, eu perguntei se Geoffrey queria entrar para beber alguma coisa e conversar mais um pouco. Ele hesitou e disse: — Eu gostaria muito. Então, alguns minutos mais tarde, depois de descobrir que Ethan ainda não havia chegado, eu sentei com uma pose provocante no sofá e comecei uma conversa agradável com Geoffrey. Falamos sobre Nova York e Londres. O emprego que eu estava procurando. A minha profissão. Os gêmeos idênticos. Paternidade. Depois, começamos a falar de assuntos mais pessoais. Falamos sobre a mãe de Max e da sua separação amigável. Falamos sobre Marcus. Até mesmo uma versão distorcida de Dex e Darcy. Geoffrey era um pouco sério, mas era bom de conversa. E de olhar nos olhos. Então, quando já era quase meia-noite, ele perguntou se eu não queria mudar de médico, sugerindo o seu sócio para mim, o Sr. Smith. Eu sorri e disse que eu estava pensando na mesma coisa. — Bem, então... Agora que já resolvemos esse pequeno conflito, eu poderia beijá-la? — ele perguntou, chegando mais perto de mim. Eu disse que sim. Então, ele me beijou. E foi bom. Os lábios dele eram macios. O seu hálito era doce. As suas mãos eram gentis. Ele tinha todas as qualidades importantes em um homem. Ele poderia se chamar Alistair. E, no calor do primeiro beijo de verdade que eu dava em alguém havia meses, em Geoffrey, um médico inglês, eu pensei nos novos rumos da minha vida. Mas a minha mente
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estava em outro lugar, em Ethan e Sondrine. Será que o rosto dele estava no pescoço dela ou em algum outro lugar? Será que ele estava se apaixonando por ela? Será que ela também estava encantada pelo aroma picante e discreto da colônia dele?
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Geoffrey me ligou antes do meio-dia no dia seguinte, provando que ele era homem o bastante para não fazer joguinhos idiotas. Ou talvez apenas os homens americanos gostassem de fazer as mulheres esperarem. De qualquer forma, ele disse que gostou da minha companhia e que gostaria muito de me ver de novo. Achei a simplicidade dele muito atraente, o que me fez perceber que eu tinha amadurecido. Contei o que tinha acontecido para Ethan naquela noite, enquanto ele estava na cozinha fazendo ovos com bacon para o nosso jantar. Nós dois gostávamos de comer coisas do café da manhã a qualquer hora. De fato, uma das únicas coisas com que eu e Ethan concordávamos no ensino médio era que ir a uma cafeteria depois de um jogo de futebol era muito melhor do que ir a um restaurante famoso de comida mexicana. — Sim — disse ele. — Parece que você está pronta para uma relação saudável e verdadeira. — O oposto do que tive com Marcus? — perguntei. Ele concordou. — Marcus foi apenas um capricho — virou um ovo com a espátula e apertou gentilmente a gema do outro. — Seu subconsciente sabia que Dex não era para você, então você o traiu para escapar do seu noivado. Eu refleti sobre o que ele havia me dito e disse que achava que estava certo. Depois, perguntei: — E como estão as coisas entre você e Sondrine?
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Ethan não tinha voltado para casa na noite anterior e eu tinha perdido um tempão olhando para o relógio e imaginando o que estava acontecendo entre eles. Ethan ficou vermelho e continuou olhando os ovos. — Então? Como foi a noite passada? — insisti. Ele abaixou o fogo e disse: — Foi tudo bem. Eu decidi ir direto ao ponto. — Você dormiu com ela? Seu rosto ficou ainda mais vermelho. Estava claro que sim. — Não é da sua conta — disse ele. — Agora, faça as torradas, por favor. Eu fui para a mesa e coloquei duas fatias de pão na torradeira. — Eu acho que é da minha conta sim. Ele balançou a cabeça e perguntou: — Por que você acha isso? — Nós dividimos o mesmo apartamento... E a mesma cama... Eu preciso saber se o meu lugar está sendo ameaçado — perguntei, com cuidado. — O seu lugar? — O meu lugar na sua cama — e disse em um tom de “você sabe o que estou falando”. — Você pode ficar na minha cama — disse ele. — Eu posso? Por quê? — perguntei, esperando que Ethan tivesse percebido que Sondrine não era a mulher que ele estava procurando. — Porque eu não vou jogar uma mulher grávida para os lobos... Eu posso ficar na casa dela — disse ele, rápido, como se já tivesse falado demais. Talvez ele tivesse decidido que não seria mais apropriado dormirmos juntos. Pelo menos eu teria uma cama por algum tempo, mas e se o namoro de Ethan e Sondrine ficasse sério e eles resolvessem morar juntos? O que
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aconteceria? Fiquei angustiada só de pensar nisso, e até um pouco triste. Gostava da intimidade que havia entre Ethan e eu e não queria que isso mudasse. Mas eu tinha de estar preparada para o pior. Se o relacionamento de Ethan e Sondrine ficasse sério, eu também queria estar com alguém. Pelo ponto de vista emocional (quem quer ficar sozinho?) e, por mais que eu não quisesse admitir, pelo ponto de vista financeiro também. Eu queria muito adicionar o “ser autossuficiente e independente” na minha lista, mas, em termos práticos, como é que eu poderia morar em Londres sem trabalho e com duas crianças a caminho? Dessa forma, apostei tudo na minha relação com Geoffrey, imaginando como seria o nosso grande casamento e a nossa vida feliz com três filhos homens e um casal de cães cavalier spaniels. Eu podia me ouvir dizendo, anos depois, sempre que fosse contar a história de como nós nos conhecemos “Viu só? As coisas acontecem por alguma razão. Minha vida estava um inferno e tudo voltou ao seu lugar, como num passe de mágica”. Contei para Charlotte e Meg os meus planos para o futuro enquanto caminhávamos pelo Hyde Park com Natalie. As duas pareciam muito felizes com a ideia de que eu e Geoffrey ficássemos juntos. Elas me apoiaram, dizendo que ele era um pai maravilhoso, um médico brilhante e um “homem raro, que não tinha medo de se envolver com uma mulher grávida”. — E — disse Charlotte, enquanto manobrava o carrinho da Natalie em volta de um grupo de turistas japoneses que tiravam fotos da estátua do Peter Pan — ele é lindo e muito rico! Eu ri. — Sim. E você queria me arrumar um ruivo! Meg caiu na risada. — Eu não sei por que nós não pensamos em Geoffrey primeiro. Eu acho que é porque nós o víamos apenas como o seu médico. Charlotte concordou.
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— Eu sei! Mas isso é tão óbvio agora. É claro que vocês fazem um casal perfeito. Meg concordou. — Ele adora você... E vocês ficam lindos juntos. Tive uma sensação ruim. “Vocês ficam lindos juntos” era o tipo de coisa que as pessoas sempre diziam para Dex e eu, e olha o que virou. Mas tentei não fazer essa comparação e disse, sorrindo: — Sim. Bem, agora eu só preciso descobrir se ele é bom de cama. Se for, o negócio está fechado! Então, algumas noites depois, eu acabei descobrindo. Nossa noite começou no Ivy, um dos restaurantes mais populares de Londres. O chefe era amigo do Geoffrey e nós comemos um prato preparado especialmente para nós, seguido de um magnífico pedaço de bolo de chocolate sem farinha e, para Geoffrey, um vinho do Porto caríssimo. Enquanto esperávamos pela conta, a famosa modelo e atriz australiana, Elle MacPherson, e o marido dela apareceram para jantar. Sentaram-se em uma mesa perto da nossa. Eu peguei Geoffrey olhando para ela e depois olhando para mim como se estivesse nos comparando. Quando perguntei o que ele estava pensando, ele disse: — Você é muito mais bonita do que ela. Eu prefiro os seus olhos. Eu sorri e disse que ele também era mais bonito do que o marido da Elle. “Bonito” era a palavra certa para descrever Geoffrey. Ele pôs os braços sobre a mesa e pegou a minha mão. — O que você acha de ir ao meu apartamento? — Fiz uma pose sedutora e disse: — Pensei que você nunca fosse me falar isso. Saímos do Ivy e fomos ao apartamento de Geoffrey, era a minha primeira visita ao local. Eu achava que ele morava em uma casa tradicional da cidade, como a de Meg, mas não. Era um apartamento suave e minimalista, decorado com esculturas interessantes, pinturas monocromáticas e móveis contemporâneos. Eu me lembrei do apartamento relaxado do
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Marcus, cheio de fitas de video games jogadas pelo chão, aquários, sapatos sujos e latas de cerveja. — Adorei o seu apartamento. É exatamente o meu gosto — eu disse. Ele pareceu feliz com o elogio, mas confessou que contratou uma decoradora. — Ela é muito boa. Eu não tenho paciência para isso. Olhei em volta de novo e notei uma mesinha vermelha cheia de giz de cera, folhas de papel e um quebra-cabeças montado pela metade de um personagem que eu não conhecia. — Essa é a área de recreação do Max? — perguntei. Ele confirmou. — Embora as suas coisas também fiquem espalhadas pelo quarto dele e por todos os cantos do apartamento. Eu sorri. — Posso ver uma foto dele? Ele apontou para a prateleira acima da lareira. Lá estava uma foto de Max andando sobre as pedras, na praia, olhando para o sol. — Ele estava com dois anos e meio nessa foto. Ela foi tirada na minha casa de Saint Mawe. — Que menino lindo! Ele parece um pouco com você — eu disse, olhando para ele e para a foto. — Eu acho que ele se parece mais com a mãe dele — disse Geoffrey. — Mas ele tem o meu nariz. Coitado. Eu ri e disse que eu amava o nariz dele. — Tem personalidade — disse, me lembrando da Rachel. Ela sempre falava da personalidade no rosto de uma pessoa, dizendo que não achava atraentes os homens que tinham o nariz pequeno e bonitinho. Eu sabia mais ou menos o que ela queria dizer. Eu gostava de traços fortes, assim como o nariz de Geoffrey. Ele me abraçou e beijou o meu nariz. — E eu amo o seu.
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Essa troca de palavras geralmente antecedia um “eu te amo”. Você sabe, quando um casal começa a dizer que ama algumas coisas no outro: “Eu amo os seus olhos”; “Eu amo ficar com você”; “Eu amo o jeito que você me faz sentir”. E então, de repente, surge um “eu te amo”. Geoffrey me ofereceu uma bebida. — Suco? Água? Chá? — Nada, obrigada — eu disse, jogando uma bala de hortelã de um lado para o outro na boca. Ele foi ao bar e colocou um pouco de uísque no copo. Depois, ele ligou o som. Música africana que me lembrava dos coristas afinados de Paul Simon. Nós nos sentamos no seu sofá de couro moderno, ele colocou o braço em volta do meu ombro e ficamos conversando. Enquanto eu escutava o seu sotaque charmoso, que se unia ao tilintar do gelo no seu copo de vidro, tentei me lembrar com quem ele se parecia. Ele parecia um Hugh Grant mais maduro, um Rupper Everett hétero e um Dex Thaler inglês. Ele era tudo o que eu sempre quis em um homem: um perfeito cavalheiro, não um cara ou um garoto. E ele esperou o tempo certo para me beijar, sem ser muito rápido. Nós estávamos meio reclinados, mas, a cada minuto, Geoffrey parava um pouco, esticava o corpo, tomava um pouco do seu uísque e se recompunha. Então ele me beijava de novo. A última sessão terminou quando ele se levantou e fez um convite formal para o seu quarto. Eu concordei, pensando em como eu estava louca para transar. Eu sentia muita falta disso; não tinha ficado tanto tempo sem sexo nos últimos dez anos. Mais importante, eu queria levar as coisas para outro nível com Geoffrey. Eu queria trazer intensidade e intimidade para a nossa relação, que estava muito formal. Momentos depois, eu tive o meu desejo realizado. Geoffrey e eu estávamos em pé, em frente à cama dele, tirando a roupa um do outro bem devagar. Nós nos olhávamos, alternando as peças de roupa como se fosse um jogo no qual você não sabe se quer ser a pessoa que fica nua e vulnerável ou se quer ficar no comando. Eu queria tudo ao mesmo tempo. Mas fui paciente, para criar mais suspense. Finalmente, nós estávamos nus. Pela primeira vez, eu estava
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com um cara e tinha plena consciência de como estava o meu corpo, mas Geoffrey rapidamente dissipou qualquer preocupação que eu tivesse de que a minha gravidez pudesse diminuir o desejo dele. Ele se ajoelhou na minha frente e beijou o meu umbigo. Esse gesto sensual me fez sentir exuberante e bonita. Depois, ele pegou a minha mão e me levou até a cama. A transição foi suave, como uma cena de um filme em que tudo é perfeito. Após uma preliminar de qualidade, ele colocou a camisinha e explicou que o sexo era perfeitamente seguro no meu estágio de gravidez. Então, ele me penetrou por trás, o que foi prático, considerando o problema da minha barriga, e muito bom. Geoffrey demorou um bom tempo. Muito, muito tempo. Além do seu impressionante autocontrole, ele era bem menos reservado debaixo dos lençóis. Depois de algum tempo, eu parei de prestar atenção e me deixei levar. Então, em um doce final, enquanto eu ouvia uma capela tribal de “tu lu lus”, ele se curvou por cima de mim, me deu um beijo na nuca e disse: — Você é maravilhosa. Eu agradeci e retornei o elogio. Ele era maravilhoso. Nós dois caímos no sono e repetimos tudo no meio da noite, e novamente pela manhã. Depois da nossa terceira vez juntos, eu olhei nos olhos dele e vi alguma coisa. Vi um olhar de reconhecimento. Demorou um pouco para eu perceber, mas, quando me dei conta, eu sabia o que era. Era vício. Geoffrey estava viciado em mim. E esse fato significou uma importante vitória nesse meu período de grandes perdas. Pouco tempo depois, conheci o filho do Geoffrey, Max. Geoffrey foi buscá-lo na casa da mãe em Wimbledon enquanto eu os esperava no seu apartamento, resistindo à grande tentação de vasculhar as suas gavetas. No passado, eu não resistiria, acho que eu queria encontrar algum motivo para brigar. Uma foto de outra mulher, uma velha carta de amor, uma camisinha usada. Alguma coisa que pudesse me irritar, causar ciúmes, deixar o meu sangue fervendo. Eu não tinha certeza se a gravidez tinha me feito amadurecer, acalmar ou se ela simplesmente havia minado as minhas forças. De qualquer forma, eu estava adorando a minha nova
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e tranquila relação. Eu não estava interessada em criar barreiras, apenas em navegar em direção a um final feliz. Quando Geoffrey e Max chegaram, eu me preparei para recebê-los com um sorriso largo no rosto. Max era adorável, bonito o bastante para aparecer em uma propaganda infantil com seu macacão azul-marinho e uma blusa de gola alta vermelha. Foi a primeira vez que eu fiquei animada por estar esperando dois meninos e não uma menina. — Oi, Max — eu disse. — Como você está? — Bem — disse ele, evitando me olhar nos olhos enquanto brincava com o seu caminhãozinho, agachado no chão. Eu notei que ele tinha olhos azuis e cílios tão negros quanto os do Geoffrey. Tentei me aproximar de Max novamente, sentando no chão, em cima do meu calcanhar. — Estou feliz por conhecer você. Geoffrey murmurou: — Ele é tímido. Por que você não diz à Darcy que é bom conhecê-la também? — É bom conhecer você, Darcy — disse Max, olhando para mim, um pouco desconfiado. Eu desejei ter mais experiência para falar com crianças. Pensei um tempinho e disse: — Que caminhãozinho legal você tem! — me abaixei um pouco mais, sentando de pernas cruzadas. Max olhou para mim de novo, um pouco mais dessa vez. Ele segurou a cabine do caminhão e o empurrou para perto de mim. — Ele tem pneus grandes, não é? — disse, como se tivesse me testando. — Tem mesmo. Uns pneus muito, muito grandes! Max não pareceu muito impressionado com a minha resposta. Eu tentei me lembrar de mais alguma coisa que eu tinha guardada na memória sobre os caminhões do meu irmão.
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— Meu irmão, Jeremy, tinha um caminhão vermelho igualzinho ao seu — eu disse, por fim. — Só que o volante ficava do outro lado! — Desse lado aqui? — disse ele, apontando para o lado do passageiro. — Exatamente! — eu disse, colocando minhas mãos suavemente sobre as dele e tentando me lembrar do barulho que Jeremy costumava fazer para imitar um caminhão, que me irritava tanto. Eu limpei a garganta, esperando conseguir imitar o barulho. — Vruuuum — eu comecei, percebendo que parecia ser o barulho de um carro esportivo. Eu tentei de novo. — Grrrrrrrrrrrrrrrrr. Grrrrrrrrrrrrrrrrr — eu rosnei, subindo os pneus da frente no meu joelho direito. Eu me senti um pouco boba, assim como um homem deve se sentir quando a sua filha lhe pede para brincar com uma boneca. Felizmente, Max pareceu gostar dos meus sons. Eu vi que ele deu um sorrisinho. Isso me deu confiança. Então, eu fiz mais barulhos de motor, e depois imitei o barulho de um motor que estava falhando. — Buh. Buh. Buh. Buh... — esse era um dos preferidos do Jeremy. — Faz de novo! — gritou Max. Eu fiz, esquecendo que Geoffrey estava observando tudo, talvez até me criticando. — Grrrrrrrrrrrrrr — eu disse, com a voz mais alta, como se os pneus traseiros estivessem escalando a minha perna. Então, eu tirei as minhas meias, as dobrei e coloquei na carroceria do caminhão. — Aqui. Uma carga... Para você levar... Para a fábrica em... Liverpool — eu disse. Foi muito natural e fiquei aliviada ao perceber que brincar com meninos poderia ser mais fácil e divertido do que eu pensava. — À fábrica em Liverpool — Max repetiu, alegremente. E, daquele momento em diante, Max e eu nos tornamos amigos. Ele não parava de falar o meu nome com um sotaque inglês adorável, me dava as mãos para mostrar os seus brinquedos e insistia para que eu fosse passear no seu quarto. Eu fiquei aliviada por ter sido aceita por ele e feliz porque Geoffrey e eu havíamos ultrapassado a última barreira.
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Naquela noite, depois que Geoffrey colocou Max na cama, ele foi para o quarto sorridente. — Bem. Você conseguiu! Ele ama você! — Você acha? — eu disse, me perguntando se o pai também me amava. — Sim — disse Geoffrey, sorrindo. — Isso lhe deixa feliz? — perguntei, abraçando-o. — Muito feliz — disse Geoffrey, enquanto tirava o meu cabelo do rosto. — Extremamente feliz.
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Geoffrey me convidou para conhecer as Ilhas Maldivas com ele e Max no Natal, oferecendo-se para comprar a minha passagem. Eu hesitei antes de perguntar: — Onde ficam as Ilhas Maldivas? Ele olhou carinhosamente, como Dex no começo da nossa relação, todas as vezes que eu confessava a minha ignorância. — No Oceano Índico, querida — disse ele, fazendo carinho no meu cabelo. — Imagine uma praia com areia branca, águas claras como cristal e palmeiras balançando com a brisa do mar. Por mais tentadoras que pudessem parecer umas férias na praia, e por mais ansiosa que eu estivesse para fortalecer o nosso relacionamento, eu gentilmente recusei o convite, dizendo que eu achava que ele tinha de passar um tempo sozinho com Max. A verdade era que eu não queria deixar Ethan sozinho em Londres. Ele não tinha dinheiro para ir de avião à casa dos seus pais nas férias e Sondrine passaria uma semana em Paris, e eu acho que ele estava contando com a minha companhia. Uma parte de mim estava excitada porque ficaríamos sozinhos. Eu achei que poderia ser o nosso último momento juntos e a nossa última oportunidade de dormir na mesma cama, antes de as coisas começarem a ficar sérias em nossos relacionamentos amorosos. Acho que Ethan também pensava assim porque, na manhã da véspera do Natal, ele foi se despedir da Sondrine e
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voltou pra casa todo sorridente, me convidando para comprar uma árvore de Natal com ele. — Antes tarde do que nunca! — disse ele. Então, nós vestimos as roupas mais quentes do armário e fomos a um lugar perto da casa dele. Sabíamos que as melhores árvores já tinham sido vendidas há muito tempo, então tivemos de comprar uma árvore pequena, com galhos tortos e algumas falhas perto da base. Enquanto trazíamos a árvore para casa, mais galhos se perderam. Depois de ser coberta com a coleção de enfeites de Ethan e com alguns pares dos meus brincos mais chamativos, nossa pequena árvore ficou mais do que respeitável. Ethan disse que essa mudança ocorrida na árvore fez com que ele se lembrasse de um desenho de Natal do Charlie Brown. Eu concordei e disse a ele que essa era a árvore mais bonita que eu já tivera, mesmo lembrando que eu sempre fazia o Dex comprar árvores enormes para o nosso apartamento em Nova York. Nós apagamos as luzes da sala, ligamos as luzes brancas e ficamos admirando a árvore por um longo tempo, ouvindo as músicas de Natal de Harry Connick Jr. e bebendo sidra quente. Depois de um longo e confortável silêncio, Ethan virou para mim e perguntou se eu já tinha pensado nos nomes dos bebês. Eu disse a ele que tinha uma pequena lista, nada de concreto. Eu falei alguns nomes. — Trevor. Flynn. Jonas. O que você acha? — Honestamente? — eu disse que sim. — Humm... Bem… Deixa eu ver… Um cara chamado Trevor foi pego roubando as roupas das máquinas de secar no meu dormitório em Stanford. Flynn lembra a palavra frio e Jonas matou algumas baleias... Eu ri, e disse que teria de fazer uma nova lista. — Não por minha causa. Eu balancei a cabeça. — Não. Eu quero que você goste dos nomes. Ele sorriu e sugeriu que nós trocássemos os presentes. — Ótimo — eu disse, batendo palmas.
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Ele se levantou do sofá, sentou-se de pernas cruzadas no chão perto da árvore e me entregou uma caixa grande embrulhada em um papel prateado. — Você primeiro — disse ele. Eu me sentei ao lado dele e desembrulhei cuidadosamente o presente, do jeito que a minha avó sempre fazia, como se quisesse guardar o papel para reutilizá-lo mais tarde. Então, eu abri a caixa branca e o papel azul-turquesa que estava dentro dela e vi um lindo suéter de cashmere cinza de uma loja em que eu sempre passava, na King’s Road. — Não é um suéter específico para gestantes, mas é bem grande e a moça da loja me disse que muitas mulheres grávidas o compram — explicou Ethan. Eu me levantei e o coloquei por cima da minha roupa. Ficou perfeito, sobrando espaço para a barriga, e o cashmere era muito luxuoso. — Eu amei, Ethan! — Viu só? Tem como ajustar a cintura — disse ele, todo feliz. — Assim, você pode ajustar o tamanho quando a sua barriga for ficando maior... Achei que você poderia usar no dia em que for trazer os meninos para casa, como saída de maternidade. Vai ficar muito legal nas fotos. — É isso o que eu vou fazer — eu disse, adorando que Ethan estivesse preocupado com as fotos. Ele era um dos poucos caras que eu conhecia que gostava de montar álbuns de fotografia. Olhei para ele e perguntei se ele estaria lá para tirar as fotos. — Eu não quero competir com o Geoffrey... Mas eu gostaria de estar lá. Você é quem sabe. — Geoffrey entende a nossa amizade — eu disse, sem saber se isso era mesmo verdade, mas esperando que fosse. Seria o único jeito de a nossa relação funcionar. Ethan sorriu e disse: — Tem outro presente embaixo da árvore — apontou para um envelope branco. Nele estava escrito: “Para Darcy, bebê A e bebê B”. Dentro, havia um pequeno papel quadrado azul. Eu olhei para ele e perguntei: — O que é isso?
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— É uma amostra de pintura — disse ele. — Eu quero pintar o seu quarto dessa cor. Para receber as crianças. Eu ia fazer uma surpresa, mas depois fiquei em dúvida se você acharia a cor muito comum. Você quer fazer uma coisa mais... Inesperada? — Adoro esse tom de azul — eu disse, me sentindo querida e muito feliz por Ethan querer que eu ficasse com ele depois do nascimento dos bebês. Eu estava querendo tocar nesse assunto havia algumas semanas e, agora, eu tinha recebido a resposta. Coloquei os meus braços em volta do pescoço dele e beijei suas bochechas. Ethan continuou dizendo que havia tirado as medidas dos berços e que eles caberiam em frente da parede mais longa. E nós também poderíamos colocar uma tábua em cima da estante de livros e usar como trocador. Eu sorri e disse que era uma ótima ideia. — Agora, abra o seu presente! — eu disse, lhe entregando um pacote. Ele abriu com entusiasmo, rasgando o papel e jogando-o no chão, segurando a pasta de couro que eu tinha comprado para substituir a sua velha de nylon. Minha única compra em semanas. E eu pude ver que ele adorou, pois foi imediatamente para o quarto para pegar a bolsa antiga, retirou todos os papéis de dentro e colocou-os na sua pasta nova. Ele colocou a pasta no ombro e ajustou a alça. — É linda — disse ele. Agora eu pareço um escritor de verdade. Ele tinha feito vários comentários semelhantes nos últimos dias. Eu podia apostar que ele estava se sentindo ansioso por causa do progresso, ou da falta de progresso, que estava fazendo com seu livro. — Você ainda está com bloqueio de escritor? — eu perguntei, preocupada. — Sim. Eu me sinto como o Snoopy preso naquela frase: “Era uma noite escura e chuvosa...” Ri e disse que todos os grandes escritores já haviam sofrido com o bloqueio de escritor, e que eu sabia que ele conseguiria adiantar bastante o seu trabalho no próximo ano.
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— Obrigado, Darcy. Obrigado mesmo — disse ele, sinceramente. Depois, nós ficamos deitados no sofá, debaixo de um grande cobertor, assistindo a um filme chamado A felicidade não se compra. Bem na parte em que o tio, acidentalmente, dá o envelope de dinheiro ao Sr. Potter, Ethan apertou o botão de pausa e perguntou se podia adiantar o filme até o final. — Eu não suporto essa parte. É muito frustrante. Eu concordei. Enquanto nós assistíamos às cenas passando rápido na televisão, eu não pude deixar de pensar na minha própria vida, especialmente na briga que tive com a minha mãe. Ela não havia entrado em contato comigo nenhuma vez, mesmo após receber a carta que lhe mandei daqui de Londres. Eu achava que ela deveria entrar em contato comigo, mas, no fim do filme, após assistirmos à cena da família feliz em que a filha mais nova de George Baley diz “Toda vez que o sino bate, um anjo ganha asas”, eu decidi deixar o meu orgulho de lado e ligar para ela. Ethan apoiou a minha decisão e eu disquei os números da minha casa em Indianápolis. Quando o telefone tocou, eu quase desliguei, mas Ethan agarrou a minha mão rapidamente. Minha mãe atendeu depois de cinco ou seis toques. — Oi, mãe — eu disse, sentindo um pouco de medo. Ela disse meu nome com uma voz fria e depois ficamos em silêncio por alguns minutos. Minha mãe era muito rancorosa. Eu lembrei que também sentia muita mágoa por Rachel, e entendi que você só sente isso por alguém de quem gosta. — Eu interrompi o jantar? — perguntei. — Na verdade não, nós já estávamos terminando. Jeremy e Lauren estão aqui. — Ah — eu disse. — Como estão os preparativos para o casamento deles? — Bem.
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Eu esperei que ela perguntasse como eu estava, se eu ainda estava em Londres. Como ela não disse nada, eu falei, um pouco sem graça: — Eu ainda estou em Londres... Você recebeu a minha carta, né? Ela disse que já sabia que eu estava em Londres, mesmo antes de receber a carta, porque ela tinha encontrado com a mãe de Annalise no shopping. Disse que foi embaraçoso saber onde eu estava por outra pessoa, o que eu achei desnecessário comentar, uma vez que eu já tinha lhe mandado uma carta e tinha sido a primeira a ligar. Mas não deixei que isso me impedisse de dizer como eu estava arrependida por tê-la desapontado. Eu disse que era compreensível que ela ficasse chocada com a notícia da minha gravidez. Que nenhuma mãe iria querer que a sua filha ficasse grávida tão rapidamente, após ter terminado um noivado com outro homem. Eu também disse que ela estava certa sobre Marcus. — Ele era um grande idiota, mãe. Eu não estou mais com ele. Agora eu entendo que a senhora só queria o melhor para mim. Ethan apertou a minha mão e balançou a cabeça, como se dissesse “Continua assim. Você está indo muito bem”. Eu respirei fundo e disse: — Então, eu fiz um ultrassom aqui em Londres... E descobri o sexo do bebê. — Uma menina? — Não. Não é menina. Eu pensei que fosse menina também. Mas não é. — Então é um menino? Que bom — disse ela, sem emoção. — Bem, sim. Mas... Na verdade... São dois meninos. Eu vou ter gêmeos. Gêmeos idênticos! Não é a coisa muito mais maluca que já aconteceu? Na minha mente, eu podia ouvir a Rachel me explicando que o certo era “muito maluca” ou “mais maluca”, e não “muito mais maluca”. Mas essa me pareceu uma hora
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apropriada para quebrar a regra gramatical. Para mim, ter gêmeos era a coisa muito mais maluca que já acontecera. — Você acredita, mãe? Eu me preparei para o pior, mas não foi tão ruim assim. Ela não me deu os parabéns. Ela não me perguntou os nomes. Ela não me perguntou como eu estava me sentindo. Ela não disse que estava feliz por mim. Ela só me perguntou como eu iria conseguir cuidar dos gêmeos. As lágrimas escorriam dos meus olhos enquanto eu dizia, calmamente, que queria reconstruir a minha vida em Londres. Eu disse a ela que estava procurando emprego e que tinha certeza de que logo encontraria alguma coisa. Eu contei que ia montar o quarto dos bebês no apartamento do Ethan, sorrindo para ele com gratidão. Eu disse que estava adorando morar em Londres, apesar da chuva. Depois disso, eu lhe desejei Feliz Natal e disse que a amava. Pedi que ela dissesse ao papai, ao Jeremy e até à Lauren que eu os amava, e que ligaria de novo em breve. Ela disse que me amava também, mas falou de uma forma muito brusca, sem sinal de carinho. Quando desliguei, coloquei as mãos no meu rosto e chorei. Ethan fez carinho no meu cabelo e disse, com uma voz suave: — Você fez bem, Darcy. Você fez a coisa certa ligando para ela. Estou orgulhoso de você. — Eu não deveria ter ligado. Ela foi horrível! — Sim. Você deveria… Não a deixe colocá-la para baixo. Você só pode controlar suas próprias ações. Não dá para controlar as reações das outras pessoas. Eu assuei o nariz e disse: — Não consigo não ficar triste. Ela é a minha mãe. — Nossos pais, às vezes, podem nos desapontar — disse ele. — Você só precisa ser uma mãe melhor para os seus filhos. Eu sei que você será. — Como você sabe disso? — Porque, Darcy, você mostrou as suas cores verdadeiras nos últimos meses. Eu assoei o meu nariz de novo. — O que você quer dizer com “cores verdadeiras”?
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— Eu quero dizer... Que você é uma boa pessoa. — Ethan tocou o meu braço gentilmente. — Uma pessoa forte. E você será uma mãe maravilhosa. Por muitos anos, eu tinha recebido inúmeros elogios de muitos homens e palavras que enchiam o meu ego. “Você é linda”; “Você é sexy”; “Você é incrível”; “Eu quero você”; “Casa comigo”. Mas esse elogio foi a coisa mais legal que eu já ouvira de um homem. Encostei a minha cabeça no ombro dele e disse: — Eu vou tentar, Ethan. Eu realmente vou tentar. Na manhã seguinte, nós acordamos e desejamos Feliz Natal um ao outro, ainda bocejando. — O que nós vamos fazer hoje? — eu perguntei. — Daremos uma de chef — respondeu Ethan, alegremente. Nós tínhamos feito compras dois dias antes, e a sua pequena geladeira inglesa estava lotada de ingredientes. — O que mais? — Preparar o jantar de Natal vai nos tomar a maior parte do dia — disse ele. Eu perguntei se ele preferia ter esperado para abrir os presentes hoje. Eu sabia que o Natal não significava apenas trocar presentes, mas era triste quando isso não acontecia. Apesar de que, pela primeira vez, eu tinha gostado mais de dar do que de receber o presente. Ethan disse que preferia abrir os presentes na véspera do Natal, e falou: — Eu podia dar outro presente para você... Olhei para ele e acho que deixei transparecer a minha surpresa. Seria a minha imaginação ou o tom dele foi sugestivo? Ethan estaria dando em cima de mim? Antes que eu pudesse responder, ele continuou, inocentemente: — Que tal um poema?
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— Ah, sim. Claro — eu disse, me sentindo aliviada por não ter dado uma resposta inadequada e passado vergonha. — Qual é o título desse poema? Ele pensou por um segundo e disse: — “A mamãe gata” — sorri e disse para ele continuar, me lembrando das rimas engraçadas que ele fazia no ensino médio. Ele limpou a garganta e começou a cantar um rap, batendo palmas fazer o ritmo e balançando a cabeça: “Você é uma mamãe gata, no seu vestido sexy. A grávida mais linda e preferida da cidade. Você queria brinquedos cor-de-rosa. Mas terá dois meninos da mesma idade. Você recebeu a notícia, não chorou nem ficou prosa. Porque você sabe o que é maternidade. E ninguém será mãe mais carinhosa. Os bebês têm sorte e também felicidade!” Nós caímos na risada. Então, ele me envolveu em seus braços e me apertou até eu sentir um bebê chutar. O rosto do Ethan se iluminou. Eu sorri. — Você sentiu isso? — Sim. Uau! — Ele acertou você. — Acertou mesmo — murmurou Ethan. Ele colocou a mão na minha barriga e a empurrou bem de leve. Um bebê respondeu com um movimento impressionante. Ethan começou a rir. — Isso é selvagem. Eu não acredito que você tem dois bebês aí! — Nem me diga — eu disse. — Eu sinto que estou sem espaço. Está ficando muito apertado. — Dói?
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— Um pouco. É uma pressão estranha aí embaixo. E eu estou começando a ter essa irritante dor nas costas. Ethan me perguntou se eu queria uma massagem. — A sua massagem nas costas é tão boa quanto a dos pés? — É melhor — disse ele. — Então, vamos lá! — eu disse. Ethan esfregou as mãos e abaixou o meu pijama, deixando as minhas costas e o meu sutiã verde à mostra. Senti o meu coração acelerar ao pensar que Ethan estava me vendo quase nua pela primeira vez. Prendi a respiração enquanto ele pressionava as suas mãos quentes no meio das minhas costas e ia subindo vagarosamente até chegar aos meus ombros. Depois, ele massageou os meus ombros com mais força. — Está muito forte? — ele perguntou, suavemente. — Nããão. Está maravilhoso — eu disse, sentindo todo o cansaço e a tensão saírem do meu corpo. Enquanto ele continuava a massagem, eu não conseguia deixar de pensar em transar com ele. Tentei dissipar esse pensamento, lembrando que isso poderia arruinar a nossa amizade, para não falar dos nossos respectivos relacionamentos, relacionamentos que estavam indo bem. De qualquer forma, eu não queria trair o meu namorado de novo. Fiquei imaginando se esse tipo de pensamento passava pela cabeça do Ethan enquanto sua mão descia pelas minhas costas e o seus dedos iam apertando os meus músculos. Ele passou muito tempo massageando a parte de baixo das minhas costas e então foi descendo ainda mais, até chegar perto das minhas nádegas. O toque dele ficou mais suave enquanto passava pelo meu quadril. Ele continuou nesse ponto por mais algum tempo até parar, avisando que a massagem tinha acabado. — Pronto — disse ele, dando dois tapinhas no meu quadril. Eu me virei para olhar para ele, quase sem ar. — Obrigada. Isso foi muito bom.
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Ele não respondeu, só me olhou com os seus olhos azuis-claros. Ele estava sentindo alguma coisa também. Eu tinha quase certeza. Percebi o seu peito ofegante debaixo da camiseta, como se ele também estivesse sem ar. Então, depois de um longo e estranho momento, quando eu achei que ele fosse fazer alguma coisa significante, talvez até me beijar, ele respirou fundo, soltou o ar e disse: — Bem, o que você acha de irmos para a cozinha? Ethan e eu passamos a maior parte do dia de pijamas, preparando o nosso jantar de Natal. Eu fiz o papel de chef auxiliar, seguindo fielmente as suas instruções. Cortei e descasquei os legumes enquanto Ethan cuidava do peru e dos acompanhamentos mais sofisticados. Fora eu ter queimado o meu dedo na gordura do peru, enquanto tirava a batata do forno, tudo saiu consideravelmente bem. Parecia que estávamos em um programa de culinária, o Ethan comentou. Quando começou a escurecer lá fora, fui tomar um banho. Embaixo da água quente, fiquei lembrando a massagem da manhã, surpresa por Ethan me fazer sentir desse jeito. Eu estava curiosa para saber o que ele estava pensando. Quando eu saí do banho, me virei para olhar as minhas costas no espelho e senti um alívio ao ver que minha bunda continuava pequena e, bate na madeira, sem estrias e celulite. Senti uma onda de culpa e de confusão. Será que eu estava feliz por ter uma bunda bonita por causa do Geoffrey, do Ethan ou por mim mesma? Enquanto eu colocava uma roupa limpa, dizia a mim mesma que estava ficando louca, tentando imaginar o componente erótico da nossa massagem. Quando voltei para a sala, descobri que Ethan tinha movido a mesa da cozinha para perto da nossa árvore, colocando sobre ela os seus melhores pratos e uma toalha creme. — Que lindo! — eu disse, beijando a sua bochecha e me sentindo aliviada por não estar sentindo nada além do que carinho de amigo. Ele sorriu, ajustou o volume da sua música clássica e puxou a cadeira para mim. — Bom apetite.
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E como estava boa a comida! Digna de um bom restaurante, com certeza. Nós comemos uma salada de salmão defumado com mostarda e molho de ervas, como entrada, seguida do nosso prato principal: um peru assado, temperado com pimenta rosa, sálvia e limão. Os acompanhamentos eram batata assada, couve refogada com castanhas, cenouras com molho de laranja, repolho roxo com maçãs e batata-doce temperada com sal marinho. E, de sobremesa, tínhamos uma deliciosa torta de morango que Ethan escolhera em uma padaria que ficava na rua Kensington. Nós comemos até não aguentarmos mais, aplaudindo os nossos esforços de fazer essa bela ceia. Depois disso, nós saímos rolando para o sofá e ficamos deitados debaixo do cobertor na nossa posição normal, de cabeça contra pé, e olhamos as velas se queimarem até o fim. Assim que começamos a ficar com sono, o telefone tocou e nos acordou. Eu torcia para que não fosse a Sondrine ou o Geoffrey. Os dois tinham ligado mais cedo e eu não via nenhuma razão para mais conversa. — Você quer atender? — eu perguntei ao Ethan. — Acho que não — murmurou ele, mas mesmo assim pegou o telefone e disse alô. Ele me deu um olhar furtivo e disse, um pouco tenso: — Oi, Rachel. Eu sentei entorpecida ao lado dele enquanto o ouvia desejar Feliz Natal a ela. Ele me olhou como se estivesse preocupado. Eu sorri para indicar que estava bem. Então, fui para o quarto dele e me meti embaixo das cobertas. Tentei tirar a Rachel da minha mente, mas era impossível. Eu queria saber se ela estava ligando de Indiana. Se Dex estava com ela. Segundos depois, Ethan apareceu na porta. Seu rosto estava sério. — Era a Rachel? — eu perguntei. — Sim. — Ela já desligou? — Não, ainda não... Eu só queria saber se você está bem...
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— Eu estou bem — eu disse, cobrindo o meu rosto. — Certo... Eu também queria perguntar se... Posso contar a ela sobre os gêmeos? Ela está perguntando de você... — Não é da conta dela — eu disse. — Eu não quero que ela saiba nada da minha vida. Ethan balançou a cabeça. — Eu respeito a sua posição. Não vou contar nada a ela. Pensei por alguns segundos e depois olhei para ele. — Ah, pode contar. Não faz diferença para mim. — Você tem certeza? — Sim. Tanto faz. Ethan concordou, fechou a porta e voltou para a sala. De repente, eu senti uma sensação de tristeza e tive de segurar as lágrimas. Por que eu estava tão chateada? Será que eu ainda não havia superado a traição de Dex e Rachel? Eu tinha um novo namorado, novas amigas, Ethan era o meu novo melhor amigo e ainda tinha dois bebês que estavam para nascer. E tinha certeza de que iria conseguir um trabalho no próximo ano. Eu estava bem. Então, por que estava triste? Pensei por alguns minutos, revirando meus sentimentos mais profundos, e encontrei uma resposta que não me agradava: não queria admitir para mim mesma, mas eu sabia que sentia falta da Rachel. Contra a minha vontade, saí da cama, abri a porta e tentei ouvir o fim da conversa. Ele estava falando em voz baixa, mas eu ouvi algumas palavras. “Gêmeos... Meninos. Gêmeos idênticos. Maravilhoso... Acredite ou não, sim... Muito legal... Ela mudou bastante... Uma pessoa totalmente diferente... Sim. Seu médico (gargalhadas). Sim, ela trocou de médicos, claro... Ah-ã, bom para ela, não é?... E você e Dex?... Claro, sim. Faz sentido...” Depois ficaram em silêncio. E, por fim, uma palavra alegre: “Parabéns!”. Eu só podia pensar em uma coisa pela qual ele a estava parabenizando. Merda! Dex e Rachel ficaram noivos! Como eles poderiam ficar noivos tão depressa? Eu queria ouvir mais, mas me forcei a fechar a porta e voltar para debaixo das cobertas. Então, repeti para mim mesma, várias vezes: “Não me importo com Rachel e Dex. Eu estou em outra”.
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Quando Ethan voltou ao quarto, eu estava quase convencida disso e, milagrosamente, consegui resistir ao impulso de perguntar alguma coisa sobre a conversa dele. Eu podia ver que Ethan estava maravilhado com a minha resistência. Ele me compensou com um beijo na testa e um olhar gentil. Depois, me disse para ficar na cama. — Eu vou lavar as louças. Você fica aí e descansa. Eu concordei, me sentindo exausta e esgotada. — Obrigada, Ethan. — Eu que lhe agradeço, Darcy. — Por quê? — perguntei. Ele pensou por um segundo e disse: — Por esse Natal inesquecível. Eu sorri e esperei ele sair para chorar em silêncio no meu travesseiro.
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Ethan, Sondrine, Geoffrey e eu saímos juntos pela primeira vez na noite do Ano-Novo. Geoffrey reservou uma mesa no mais luxuoso e estrelado restaurante do Guia Michelin, na Sloane Square, que era o lugar perfeito para uma ocasião especial. Enquanto comíamos a nossa refeição, agradecíamos pela nova cozinha francesa. Geoffrey a chamou de “sublime” e Sondrine se referiu a ela como uma “sinfonia de sabores”. Eu achei que os dois pareciam um pouco pretensiosos, apesar de ser uma descrição justa do meu assado de porco com caviar negro e da coxa de perdiz escocesa cozida com repolho roxo, que eu provei mais de uma vez. Infelizmente, a dinâmica interpessoal não foi além da comida. Eu acho que o sucesso de um encontro de casais depende de como as mulheres se dão, e Sondrine e eu não combinamos. Aparentemente, tudo estava muito agradável. Ela era extremamente legal e muito boa de conversa, mas era muito solícita e isso dava a impressão de que eu precisava me reafirmar em todos os aspectos. Ela deve ter dito umas quatro vezes “Você quase não parece estar grávida”, o que não era mais o caso. Era evidente que eu parecia estar grávida e eu estava confortável com a minha nova forma. E todas as vezes que surgia o assunto sobre a sua carreira de curadora, ela se virava para mim e dizia: “Eu tenho certeza de que alguma coisa vai aparecer para você, muito, muito rápido!”. Também notei que Ethan deve ter dito a ela que eu gostava muito de badalar em Nova York, já que ela me perguntava o tempo todo sobre os meus clubes, designers, vinhos e hotéis favoritos. É claro que eu ainda gostava desses
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assuntos, mas teria ficado mais satisfeita se ela falasse um pouco sobre os meus filhos, que estavam para nascer. A interação entre Ethan e Geoffrey também parecia tensa, apesar da aparente cordialidade. Se eu tivesse de apostar, diria que Ethan achava que Geoffrey era muito reservado e sem graça, e achei que Geoffrey estava um pouco irritado com a minha relação com Ethan, mas, principalmente, com o nosso modo pouco convencional de dormir. Isso foi o motivo da nossa primeira briga na noite anterior. De alguma maneira, surgiu o assunto de que eu havia dormido na cama do Ethan no Natal e Geoffrey ficou quieto, quase carrancudo. Quando eu lhe perguntei o que estava acontecendo, ele me disse que achava “mais do que estranho” que eu dormisse na cama de um amigo homem. Eu garanti que a minha relação com Ethan era 100% platônica, me sentindo aliviada por ter sido tão honesta. Mas percebi que ele ainda se sentia ameaçado. Isso ficou evidente no jantar, enquanto eu provava a comida do Ethan. Depois da minha terceira mordida, Geoffrey me ofereceu, de forma agressiva, um pedaço da sua entrada, e, quando eu disse que não queria, ele ficou um pouco ofendido. Como se fosse minha culpa que eu não gostasse de filé de peixe tamboril envolto em presunto de parma. Mas nós quatro conseguimos sobreviver ao jantar e depois fomos a um clube exclusivo na Berkeley Square, onde nos juntamos a uma dúzia de amigos descolados do Geoffrey. Sondrine estava à vontade no meio de pessoas elegantes e ela fez questão de conversar com um monte de estranhos, a maioria homens. Eu sabia o que ela estava fazendo, porque eu já havia feito isso um monte de vezes. Ela estava mostrando ao Ethan que era desejada por outros homens. Teve um momento em que ela ficou conversando com um homem de smoking que se parecia com o Frank Sinatra mais jovem, e eu perguntei ao Ethan se ele estava um pouco chateado. — Por quê? Por que ela está conversando com aquele cara? Eu concordei. Ele olhou para Sondrine, o rosto dele parecia uma máscara de indiferença.
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— Não. Nem um pouco — ele disse, sacudindo os ombros. Eu não pude deixar de ficar feliz com a resposta. Eu queria que ele estivesse bem, mas não apaixonado, e ficou claro que esse não era o caso. Geoffrey, por outro lado, parecia estar chateado. Ele me apresentou com orgulho a todos os seus amigos. O tempo todo ele me puxava para um canto e perguntava como eu estava me sentindo, oferecendo-se para pegar alguma coisa. E, um pouco antes da meia-noite, enquanto a multidão contava os segundos para o Ano-Novo, ele me deu um beijo apaixonado, me girou em seus braços e disse em voz alta: — Feliz Ano-Novo, querida! — Feliz Ano-Novo, Geoffrey! — eu disse, me sentindo corada e feliz por estar iniciando um ano fenomenal com o meu elegante namorado inglês. Mas eu me distraí, imaginando o que Ethan e Sondrine estavam fazendo. Olhei em volta e vi que eles estavam sentados no sofá, de mãos dadas e ele pedia mais bebidas ao garçom. Enquanto eu os observava, desejei, silenciosamente, que ele olhasse para mim. E quando ele, finalmente, olhou, eu, discretamente, joguei um beijo de amiga para ele. Ele sorriu e mandou outro de volta, e eu, de repente, senti uma vontade enorme de estar ao lado dele, para trocar as nossas primeiras palavras de Ano-Novo. Eu queria agradecê-lo por tudo, por ter sido um grande amigo quando eu mais precisei. Nesse momento, Geoffrey sussurrou no meu ouvido: — Eu estou me apaixonando por você, Darcy. Senti os pelos do meu braço se arrepiarem. As palavras de Geoffrey eram a resposta para todos os meus desejos. Mas, quando tentei responder, dizendo que eu também estava me apaixonando, eu olhei de novo para Ethan e as palavras não saíram. Mais tarde, naquela noite, depois de nos despedirmos de Ethan e de Sondrine, eu estava na cama do Geoffrey fazendo amor com ele. Mas senti que ele não estava totalmente ali. — Você está preocupado com os bebês? — perguntei. — Você tem certeza que isso é seguro?
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— Sim. Perfeitamente seguro — ele falou, ofegante. — Mas eu me preocupo mesmo assim. Para provar que isso era verdade, ele disse que queria ficar apenas abraçado comigo. — Está bem para você? Eu disse a ele que estava bem para mim, mas que eu estava um pouco preocupada também. Então, depois de um longo silêncio, ele disse as palavras certas: — Eu amo você, Darcy — o hálito dele estava quente no meu ouvido e eu pude sentir os pelos da minha nuca se arrepiando. Desta vez, eu sussurrei que o amava também e, em silêncio, fui enumerando as razões. Eu o amava por sua gentileza. Eu o amava por ser um homem maravilhoso e ainda vulnerável o suficiente para se sentir inseguro. Mas, acima de tudo, eu o amava porque ele me amava. Enquanto o inverno em Londres ia passando e a data do nascimento ia se aproximando, Geoffrey me amava ainda mais. Era como se ele tivesse consultado todos os artigos disponíveis que explicavam como tratar uma mulher grávida. Ele me levava aos restaurantes mais maravilhosos, comprava presentes caros, óleos de banho e lingeries provocantes que deixava em cima da sua cama e fingia estar tão surpreso quanto eu mesma quando eu saía do banheiro e as via. Ele me dizia que eu estava ficando mais linda a cada dia que passava, insistindo que não via as espinhas (ou “pontinhos”, como ele as chamava) que apareceram no meu nariz e no queixo. O tempo todo ele falava sobre o nosso futuro. Ele prometia me levar a lugares exóticos que ele já tivera a oportunidade de conhecer: Botswana, Budapeste, Bora Bora. Ele me prometeu uma vida maravilhosa e fez com que eu me sentisse uma mulher de sorte. Uma mulher salva. Mesmo assim, quando eu me deitava ao lado dele, todas as noites, não conseguia deixar de pensar que alguma coisa estava muito errada. Que mesmo que a minha vida estivesse perfeita, ainda estava faltando algo. Eu achava que tinha a ver com a minha situação financeira. Nunca tinha me preocupado tanto com dinheiro na minha vida. Mesmo quando estava na universidade, nos meu primeiros dias em Nova York, antes de começar a trabalhar como bartender, tudo o que eu tinha de fazer era ligar para o meu pai e ele me
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ajudava, mandando alguns dólares ou um novo cartão de crédito. Obviamente, ligar para o meu pai estava fora de cogitação agora, então, eu finalmente engoli o meu orgulho e confessei a minha situação ao Geoffrey. Minha voz oscilava de vergonha, enquanto eu lhe contava como eu tinha gastado todas as minhas economias em um novo guarda-roupa. — Não se preocupe com dinheiro, querida — disse ele. — Eu posso tomar conta de você. — Eu não quero que você faça isso — eu disse, sem conseguir olhá-lo nos olhos. — Mas eu quero. — Isso é muito legal. Obrigada — eu disse, com o rosto corado. Sabia que eu teria de aceitar a ajuda dele, mas não era fácil. Eu lhe disse que eu sentia falta do meu trabalho, de me sentir completamente independente. Ele me disse que eu encontraria um trabalho maravilhoso depois que os bebês nascessem. — Você é brilhante, talentosa e bonita. Quando os bebês estiverem com seis meses, você pode voltar a procurar. Eu posso colocar você em contato com muitas pessoas... E, nesse meio tempo, eu estarei aqui para ajudá-la. Eu sorri e lhe agradeci de novo. Disse a mim mesma que não estava usando Geoffrey. Eu o amava, e, se você ama alguém, você não o usa. Não mesmo. Além do mais, sabia que iria pagá-lo algum dia, de alguma forma. Fui dormir naquela noite completamente aliviada por ter tido essa conversa difícil e por saber que eu teria algum apoio quando o meu dinheiro acabasse. Minha paz de espírito estava um pouco renovada, mas, mesmo assim, voltei a sentir aquele vazio no peito. Desta vez, eu confessei os meus temores a Charlotte e Meg, enquanto tomávamos chá no apartamento de Charlotte. Estávamos sentadas na mesa da cozinha, observando Natalie ignorar todos os seus brinquedos para brincar com as panelas e frigideiras que estavam espalhadas pela cozinha. Imaginei a bagunça que duas Natalies fariam em uma cozinha.
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— Eu não sei o que há de errado comigo. Tem alguma coisa me incomodando. Charlote concordou. — É normal sentir-se ansiosa por causa do nascimento dos bebês e da maternidade. Você tem uma longa jornada pela frente. E não adianta ficar assim! — ela apontou para a Natalie e riu. — É assim mesmo — concordou Meg. Ela tinha nos contado a grande notícia há pouco tempo, que também estava grávida. Mas ainda estava nas suas primeiras semanas, preocupada se a gravidez iria para frente. — A gente sempre tem alguma coisa para se preocupar — disse ela. — A-hã — disse Charlotte. — Só de pensar na responsabilidade que você terá de assumir, já dá um pouco de insegurança. — Talvez vocês estejam certas — eu disse, contando que estava tendo pesadelos muito loucos, nos quais eu perdia ou não sabia onde havia colocado um dos bebês, ou mesmo os dois. Eu também sonhei com HIV, sequestro, o filme A escolha de Sofia, incêndio, fraturas, dedos faltando, mas o sonho em que eu perdia o bebê era o mais comum. Em um sonho, eu sacudia os ombros e dizia a Ethan: “Ah, bem. Pelo menos eu ainda tenho um. E ele se parece muito com o outro que perdi”. — É normal ter esses sonhos — disse Charlotte. — Eu também tive. Eles passam... Você só precisa se preparar para ser mãe, assim vai se sentir mais segura. Segui esse conselho nas semanas seguintes, ligando para ela e para Annalise para pedir conselhos. Também li alguns artigos e livros sobre filosofia da educação, amamentação e planejamento. E me inscrevi em um curso para gestantes, em que aprendi de tudo, desde como respirar durante o parto até como dar banho nos bebês. Mas, apesar de me sentir mais segura com toda a preparação para a maternidade, eu ainda me sentia estranha. Não tinha ideia do que era, mas a minha mente continuava voltada para o Ethan. Eu quase não o tinha visto nos últimos dias. Todas as vezes que ia ao seu apartamento para pegar
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algumas roupas, ele não estava, ou estava trabalhando, ou estava na casa da Sondrine. Ou pior, eu ouvia a risada dela vindo de dentro do quarto dele. Eu não estava com ciúmes, porque estava muito feliz na minha relação. Era uma dor causada pela saudade de como as coisas eram antes. Eu acho que é assim que você se sente quando um grande amigo começa uma relação amorosa que pode ameaçar a sua amizade, ou, pelo menos, a rotina com esse amigo. Eu lembrei que sentia a mesma coisa quando a Rachel passava o tempo todo com o seu namorado da universidade, Nate. Prometi a mim mesma que, apesar das mudanças que aconteceriam neste ano, Ethan e eu sempre estaríamos unidos. Muito mais unidos do que éramos antes de eu vir para Londres. Nós apenas teríamos de nos esforçar para nos vermos. Então, depois de ficarmos uma semana sem nos falarmos, eu liguei para o celular dele e combinei de sairmos para jantar. — Você parece triste — disse Ethan, por cima da comida tailandesa que pedimos para entregar em seu apartamento. — Talvez um pouco — eu disse. — Acho que são as mudanças que estão por vir. Meg e Charlotte disseram que é normal sentir-se apreensiva. Ele concordou enquanto tirava a comida dos potes de isopor e a colocava nos pratos. — Sim. A sua vida está prestes a mudar drasticamente — Então ele pensou por um segundo e disse: — Talvez seja, também, por causa daquele conflito não resolvido com a sua mãe. — Não — eu disse, assuar o meu nariz no guardanapo tailandês. — E eu não acho que seja por causa da Rachel também, caso você esteja pensando nisso — olhei para ele, esperando que dissesse algo sobre ela. Ele ainda não tinha me contado nada, e nem eu havia perguntado sobre a conversa que tiveram no Natal. E estava bom assim para mim. Eu não queria receber a notícia do noivado dela, que iria desestabilizar o delicado equilíbrio da minha vida. Olhei para ele e disse: — Eu não sei. Eu não consigo identificar o que estou sentindo. Sinto que alguma coisa não está certa. Ele sugeriu que talvez eu precisasse descansar.
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— Você está preparada mentalmente... Mas agora você precisa estar preparada fisicamente — tomou um gole de cerveja. — Acho que precisamos arrumar o quarto das crianças. Estava pensando em pintá-lo esta semana. Eu sorri, feliz por ele ainda nos querer por perto, mas, depois, hesitei e disse: — E o Geoffrey? — O que tem ele? — Bem, eu acho que ele vai querer que eu more com ele — eu disse. — Ele está falando em comprar um apartamento maior — falei, um pouco nervosa, como se eu estivesse traindo Ethan ao me mudar do seu apartamento. Nós havíamos passado muita coisa juntos desde o dia em que liguei para ele de Nova York, praticamente implorando para ficar na sua casa por algumas semanas. Ethan abriu a pimenta-verde com um palitinho. — É isso o que você quer? Morar com Geofrey? — ele perguntou, como se estivesse me questionando. — Por que você está falando assim comigo? — Não estou... Quer dizer... Eu apenas não sabia que o relacionamento de vocês estava tão sério — disse Ethan. — Foi tudo muito rápido. Eu me senti na defensiva quando lhe disse que sim, que o nosso relacionamento estava muito sério e que Geoffrey era tudo o que estava procurando. — Contanto que você esteja feliz — disse Ethan. — É só o que eu quero para você. — Eu estou feliz. Ethan parecia pensativo enquanto comia um pouco do seu arroz integral. Ele mastigou, engoliu, bebeu um gole de cerveja e disse: — Bem, eu acho que, mesmo assim, deveríamos pintar o seu quarto... Só para garantir. — Só para garantir, isto é, se eu e Geoffrey terminarmos?
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— Não. Eu não quis dizer isso. Quis dizer que… Bem… Caso vocês decidam que ainda é muito cedo para morarem juntos. De qualquer forma, eu quero que os meninos tenham um quarto aqui também. — Isso é tão legal, Ethan! Você é um grande amigo — eu disse. Então, naquele fim de semana, enquanto Geoffrey trabalhava, Ethan pintou o quarto de azul, retocou a estante de branco e montou os berços que eu havia comprado algumas semanas atrás. Nesse intervalo de tempo, Meg e Charlotte me levaram para comprar mais algumas coisas para o enxoval. Eu comprei o essencial: fraldas, lenços umedecidos, mamadeiras, bicos, bodies, um trocador e um carrinho para gêmeos, e paguei tudo com o dinheiro que restava na minha conta. Mas, enquanto eu pagava a conta, Meg e Charlotte saíram de fininho e me surpreenderam comprando um conjunto de berço azul maravilhoso e caríssimo, com cortinas na mesma cor, para a pequena janela do meu quarto. — Nós vimos você admirando o berço — disse Meg. — Muito obrigada, meninas, é demais — eu disse, aceitando o presente. Era o tipo de coisa que a Rachel sempre fazia para mim, generosidade. Eu nunca lhe agradecia no meu passado egoísta. — Por nada — elas disseram, parecendo tão felizes quanto eu. Eu disse que tinha muita sorte de ter amigas como elas em Londres. Naquela noite, enquanto Ethan e eu terminávamos de arrumar o quarto dos bebês, eu lhe agradeci novamente. Ele sorriu e disse: — Você se sente melhor agora? — Sim — eu disse. — Eu me sinto. Ele descansou o braço no berço do bebê A e disse: — Viu? Não era nada que umas comprinhas não pudessem curar.
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Eu ri e concordei. — Sim. Nada que uma pequena cortina azul não pudesse curar. Mas, enquanto eu arrumava a minha mala para ir à casa de Geoffrey, tive a impressão de que as coisas não seriam tão simples.
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Eu tive uma epifania no Dia dos Namorados. Foi ideia minha marcar de sair com Ethan e Sondrine. Embora a nossa primeira experiência não tivesse sido bem-sucedida, eu queria tentar de novo. Geoffrey reclamou um pouco, dizendo que preferia sair sozinho comigo. Eu lhe disse que, de onde eu vinha, o Dia dos Namorados era um dia sem valor, inexpressivo, e que nós tínhamos duas opções: esquecer essa data e pedir uma pizza ou sair com outro casal. Falei que não queria ser um desses casais bobos que se sentavam sozinhos em uma mesa, muito bem vestidos, e pediam o prato mais caro do cardápio e que sair com outro casal daria um sabor diferente há esse dia cafona. Ele acabou concordando comigo e fez uma reserva para quatro pessoas em um restaurante italiano que ficava em South Kensington. Na noite do Dia dos Namorados, Geoffrey e eu fomos para o restaurante e chegamos bem na hora marcada. Sondrine e Ethan chegaram trinta minutos atrasados com cara de “eu acabei de transar”: cabelo bagunçado, bochechas rosadas e afobados. Conhecendo a maneira sempre pontual do Ethan, não pude deixar de perguntar: — O que vocês dois estavam aprontando que não chegaram na hora? Sondrine deu uma risadinha, parecendo excessivamente confiante, e Ethan murmurou com uma voz de culpa: — O trânsito estava horrível. Peço mil desculpas. Eu ergui as sobrancelhas e disse:
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— A-ham. Claro, o trânsito — enquanto Geoffrey procurava o maître e dizia que os nossos convidados “finalmente haviam chegado”. No caminho para a mesa, nós falamos de coisas banais, o que, entre mulheres, incluía, obrigatoriamente, elogios. Eu elogiei os sapatos da Chanel da Sondrine e ela disse, pela milésima vez, que eu estava maravilhosa. Depois, ela tocou na minha barriga sem pedir permissão (uma coisa que eu não gosto que ninguém faça, apenas Geoffrey e Ethan) e disse num tom exagerado: — Isso é tão emocionante! — as palavras dela não me pareceram sinceras. Talvez porque eu me lembrasse de ter feito a mesma coisa com Annalise, quando ela estava grávida, enquanto pensava: “Melhor você do que eu, amiga”. — Quanto tempo falta? — perguntou Sondrine. — Geoffrey disse que uma gestação de gêmeos dura trinta e seis ou trinta e sete semanas, então eu acho que faltam umas seis semanas. Geoffrey me olhou por cima da sua taça de vinho com um olhar carinhoso. Ele pegou a minha mão embaixo da mesa e entrelaçou seus dedos nos meus. — Nós mal podemos esperar — disse ele. Percebi que a expressão de Ethan mudou porque ele fez uma cara que sempre fazia quando estava chateado, entortando a boca. Eu me perguntei o que ele estava pensando. Caso ele tivesse se sentido excluído por causa do “nós” usado por Geoffrey, eu disse para Sondrine: — Sim. Está começando a parecer real agora. Especialmente quando Ethan e eu arrumamos o quarto dos bebês no fim de semana passado. Ficou lindo. Você já viu? — Não — disse ela, tensa, olhando para Ethan. Agora era ela que estava chateada. Eu acho que a entendia. Se eu estivesse namorando um cara, não iria querer nenhuma amiga e seus filhos gêmeos morando no apartamento dele. Então, ela fez o que eu faria, compartilhou a sua mágoa com Geoffrey, que estava em uma situação semelhante. — Você já viu o quarto? — ela perguntou a ele. A tática funcionou, porque os lábios de Geoffrey ficaram rígidos. Então, ele disse:
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— Não. Eu ainda não vi… Ando muito ocupado no trabalho… E procurando apartamentos. Estou tentando encontrar um apartamento mais espaçoso para nós. Sondrine perguntou: — Você e Darcy vão morar juntos? Geoffrey puxou as nossas mãos entrelaçadas para cima da mesa e me deu um olhar que indicava que era o momento de contarmos a novidade. Então, eu disse: — Sim. Nós estamos pensando em morar juntos. — Mais do que pensando, querida… Nós já decidimos, não foi? — Certo — eu disse. — Já está decidido. Houve um silêncio estranho na mesa enquanto nós sorrimos um ao outro e ficamos olhando o cardápio com muita concentração. Pouco tempo depois, o garçom apareceu para anotar os pedidos. No final, percebemos que todos haviam escolhido o filé-mignon ao ponto. Sondrine e Geoffrey devem ter pensado que pedir quatro filés iguais não seria elegante e resolveram mudar o pedido na última hora: Sondrine escolheu peixe e Geoffrey optou pelo carneiro. Durante o jantar, todos nós fizemos um grande esforço para manter a conversa animada, mas, assim como na véspera do Ano-Novo, havia uma tensão inevitável e muitos sorrisos falsos. Em resumo, ninguém estava se divertindo e eu tinha a sensação de que este seria o nosso último jantar juntos. Em seguida, antes de a nossa sobremesa chegar, eu pedi licença, dizendo que hoje eu tinha conseguido segurar o xixi por mais tempo desde as últimas duas semanas. Para o meu desprazer, Sondrine disse que iria comigo. Nós atravessamos o restaurante lotado de casais muito bem vestidos em direção ao banheiro, onde ela tentou puxar conversa, falando alguma coisa sobre como eu e Geoffrey formávamos um belo casal. Como não podia dizer a mesma coisa para ela, simplesmente agradeci. Quando eu me virei para dar descarga, vi uma bola vermelha dentro do vaso. Por um breve segundo, eu fiquei confusa. Então, percebi. Eu estava sangrando. Entrei em pânico e me limpei. Outra mancha de sangue apareceu no papel branco.
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Os próximos minutos foram obscuros, mas eu me lembro que solucei tão alto que Sondrine perguntou se eu estava bem. Eu disse que não, que eu não estava bem. E lembro que o meu coração disparou quando eu me apoiei na borda fria do vaso sanitário. — Qual é o problema, Darcy? — perguntou Sondrine, enquanto eu escutava o barulho de uma descarga, de um secador portátil e de mulheres conversando animadamente. Eu consegui dizer: — Estou sangrando — então, lembro que fiquei sentada com a calcinha abaixada, o bumbum tocando no chão, com as pernas bem fechadas, como se os bebês fossem sair a qualquer momento. Enquanto isso, eu tentava me lembrar das coisas que havia lido nos livros sobre gestação. Me lembrei de algumas palavras como “placenta prévia” e “ruptura prematura da membrana”. Eu não conseguia respirar direito e muito pior levantar para sair do banheiro. Minutos depois, ouvi um alvoroço de vozes quando Sondrine anunciou que um homem estava entrando no banheiro. Escutei a voz de Geoffrey do lado de fora e o barulho da mão dele batendo forte na porta. Não sei como consegui me levantar, subir as minhas calças e abrir a porta. Eu vi Sondrine ao lado do Geoffrey e outras mulheres perto do lavatório, boquiabertas. — Meu amor, o que aconteceu? — ele me perguntou. — Estou sangrando — eu disse, sentindo vontade de desmaiar só de ouvir a palavra “sangue”. — Quanto sangue? — ele perguntou, franzindo a sobrancelha. Eu me virei e apontei para baixo. As gotas de sangue tinham se diluído na água, deixando-a com uma coloração rosa. Geoffrey olhou para baixo e depois falou com uma voz calma e controlada. Ele me disse que, no terceiro trimestre, sangramentos podiam acontecer, principalmente no caso de gêmeos. Ele disse que tudo ia ficar bem, mas que eu precisava ir para o hospital. — Agora? — eu disse.
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— Sim. Ethan foi buscar o meu carro. — Então, isso não é nada grave, não é? — eu perguntei. — Você está assustado, não está? — Não, eu não estou assustado, querida — disse ele. — Eu posso estar perdendo os meus bebês? — Não. — Tem certeza? Eu sabia que ele não podia ter certeza disso, mas me senti grata quando ele disse que sim. — Se eles nascerem agora, vão sobreviver? Ele me disse que isso não ia acontecer, mas que, se eles quisessem nascer agora, eles sobreviveriam, uma vez que eu já estava em uma fase avançada da gestação. — Tudo vai ficar bem — ele repetia, enquanto me carregava para fora do banheiro, atravessando o restaurante e passando pelos nossos quatro lindos pratos de sobremesa. Na porta da frente, Geoffrey deu ao maître o seu cartão de crédito e disse: — Nós estamos em uma pequena emergência. Eu sinto muito. Depois eu mando alguém buscar o meu cartão. O trajeto até o hospital foi nebuloso, mas eu me lembro de ver pelo retrovisor o rosto pálido e preocupado do Ethan. Eu também me lembro de que Geoffrey repetia que tudo ia ficar bem, tudo bem. E, acima de tudo, eu pensava que, se ele estivesse errado, se as coisas não dessem certo no final, eu não conseguiria suportar o sofrimento. Quando chegamos ao hospital, Geoffrey e eu fomos imediatamente para um quarto pequeno, na ala reservada para os partos, onde uma enfermeira me deu uma camisola de hospital e me pediu para vesti-la e aguardar o médico. O Sr. Smith chegou minutos depois e conversou um pouco com Geoffrey antes de me examinar. Ele fez o exame de toque com muita concentração. Geoffrey estava ao meu lado. — O que foi? — perguntei. — O que aconteceu? O Sr. Smith me disse que, apesar de a minha barriga estar um pouco baixa, o colo do útero estava fechado.
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Geoffrey pareceu aliviado, mas fiz uma pergunta ao Sr. Smith, mesmo assim: — Isso quer dizer que os bebês estão bem? — Sim. Mas nós vamos colocar um monitor fetal em você só para ter certeza — disse ele, gesticulando para a enfermeira. Eu tremi enquanto a enfermeira levantava a minha camisola e amarrava três monitores em volta da minha barriga. Ela me disse que um monitor mediria as contrações e os outros dois iriam monitorar os corações dos bebês. Eu me segurei nas barras frias que ficavam ao lado da minha cama e fiquei perguntando se ela conseguia ouvi-los. Geoffrey me disse para ter paciência, que os bebês ainda eram pequenos e que, às vezes, demorava um pouco para localizá-los. Eu esperei, ainda imaginando o pior. Por fim, um som feliz e galopante tomou conta do quarto. Depois outro. Dois coraçõezinhos. Dois coraçõezinhos distintos. — Então, os dois estão vivos? — perguntei, com a voz tremendo. — Sim, querida — o rosto de Geoffrey se abriu em um sorriso. — Os dois estão bem. Naquele momento de alívio, eu senti uma espécie de revelação em minha mente e percebi qual era o problema que estava me atormentando nos últimos dias. Tudo estava muito claro. Talvez uma crise pudesse fazer isso pelas pessoas, fazer você enxergar as coisas que sempre estiveram na sua frente. Ou talvez fosse a conexão que sentia com os meus filhos, o fato de escutar os ruídos dos seus movimentos e as batidas dos seus coraçõezinhos. Ou talvez fosse a sensação de enorme gratidão que eu estava sentindo pelo milagre de não ter apenas um, mas sim dois bebês dentro de mim. Independente do que fosse, eu tinha despertado naquele momento, bem ali no quarto do hospital. Apenas para ter certeza, eu perguntei ao Geoffrey se ele não se importava de chamar o Ethan para mim. — Claro que não — disse ele. — Vou mandá-lo entrar enquanto eu converso com o Sr. Smith. Ele se abaixou e beijou a minha testa antes de sair do quarto com o seu colega.
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Pouco tempo depois, Ethan, ainda pálido, abriu a porta do quarto e caminhou hesitante na minha direção. Os olhos dele estavam molhados, como se ele estivesse chorando ou tentando não chorar. — Geoffrey não lhe contou? Está tudo bem. — Sim. Ele me disse — Ethan sentou-se na beira da minha cama. Ele apertou os meus pés por cima das cobertas. — Então, por que você está tão chateado? — Eu não sei... Você me deixou muito preocupado... — a voz dele foi ficando mais fraca. Ajustei a minha cama para uma posição mais alta e depois ergui os meus braços, indicando que eu queria um abraço. Ethan se aproximou, o seu rosto ficou encostado no meu enquanto ele me envolvia com seus braços. Nesse abraço simples, mas significativo, uma verdade foi confirmada no meu coração: eu estava apaixonada por Ethan.
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Geoffrey entrou no quarto bem na hora do meu transformador abraço em Ethan. Como ele havia entrado abruptamente, concluí que ele tinha esse costume. De qualquer forma, eu me senti frustrada e culpada. Disse a mim mesma que, desta vez, eu não estava traindo ninguém. Não conseguia controlar os meus sentimentos e Geoffrey não podia ler a minha mente. Nem mesmo Ethan. Aparentemente, eu estava apenas abraçando um amigo. Ainda que, por dentro, eu sentisse outra coisa. Vi Ethan se levantar e andar até a janela, como se quisesse dar privacidade a Geoffrey e eu. Eu queria gritar: “Não. Fica aqui. Você deve ficar ao meu lado”. Mas, em vez disso, eu olhei para Geoffrey, que estava sentado ao lado da cama com a postura ereta, com sua camisa branca engomada, paletó e gravata impecáveis. Apesar do susto, ele continuava composto, calmo e inabalável. Estava claro para mim porque eu acreditara que o que eu sentia por ele era amor, porque eu quisera tanto amá-lo. Na teoria, ele era perfeito: um médico bonito, comprometido, o meu salvador. — O que acontece agora? — perguntei a Geoffrey, enquanto desenrolava, com nervosismo, a bainha da camisola do hospital. Claro, eu sabia o que aconteceria nos próximos minutos ou horas, mas também estava pensando num futuro mais distante. Eu já tinha cometido o mesmo erro de achar que estava apaixonada por uma pessoa perfeita. Dex tinha todos os atributos, o currículo ideal de um noivo perfeito: bom caráter, rosto esculpido, bem vestido e conta recheada no banco. E olha como o nosso relacionamento tivera um fim
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desastroso. Jurei a mim mesma que não cometeria outro erro de sete anos. Ou de até sete dias. Eu tinha de terminar com Geoffrey em menos de uma semana. Meu quase ex-namorado me informou, com um tom de voz seco e profissional, que o Sr. Smith tinha decidido, e ele concordava que, como medida de precaução, eu ficasse em repouso até os bebês nascerem. Ele disse que eles não queriam nenhuma pressão desnecessária sobre o colo do útero. Eu tinha lido que o repouso era comum em uma gravidez de gêmeos, mas, mesmo assim, essa notícia mexeu comigo. — Então eu tenho de ficar de cama o dia todo? — perguntei. Geoffrey disse que sim, exceto para usar o banheiro e tomar banho. Ele disse que eu tinha de evitar o estresse, já que isso podia causar contrações. — Posso me levantar para cozinhar? — perguntei. — Não, querida. Eu vou contratar alguém para cozinhar para você e cuidar de você enquanto eu estiver trabalhando — ele pensou por um segundo e disse: — Eu conheço uma portuguesa maravilhosa que me ajudou quando o Max nasceu, você vai adorá-la. Ethan olhou para nós com os olhos brilhando. — Isso não será necessário, Geoffrey — o tom dele era empático e decidido. Até sexy. Ele continuou: — Eu vou escrever em casa e tomo conta dela. Sorri emocionada e tremendamente aliviada. Eu não queria ficar no apartamento do Geoffrey. Eu queria ir para o apartamento do Ethan. Eu queria ficar com ele para sempre. Fiquei impressionada com o fato de que uma decisão monumental poderia ser tomada em um instante e mudar todas as coisas da nossa vida. Eu amava Ethan. Parecia loucura, mas era verdade. Mesmo se ele nunca viesse a me amar, meus sentimentos por ele impediam qualquer futuro com Geoffrey. Eu nunca entendera algumas pessoas que diziam que preferiam ficar sozinhas a não ficar com a pessoa certa. Agora, eu entendia. Eu queria ficar com Ethan e mais ninguém.
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— Você não se importaria de escrever em casa? — perguntei. — De modo algum. — Mas pensei que você não conseguisse pensar no seu apartamento? — eu disse. — Não quero atrapalhar o seu processo criativo. Geoffrey, que parecia estar percebendo o que estava acontecendo, aproveitou o momento e disse: — Sim. Não queremos atrapalhar. Prendi a respiração e senti os meus músculos ficarem tensos enquanto Ethan se aproximava da minha cama e apertava os meus ombros. — Darcy e os seus bebês não me atrapalham em nada. — Darcy? — Geoffrey me olhou, pressionando as palmas das mãos em frente ao seu peito. — É isso o que você quer? — Sim — eu disse, quase me desculpando. — Então, está resolvido — disse Ethan. — Vamos para casa. Já passava da meia-noite quando Ethan, Sondrine e eu saímos do hospital, em uma rua escura e estreita, e esperamos Geoffrey tirar o seu jaguar do estacionamento. Ele saiu do carro, correu até o assento do passageiro e me ajudou a entrar. Ethan e Sondrine sentaram no banco de trás. No caminho para o apartamento do Ethan, Sondrine falou que poderia vir cozinhar para mim, e Geoffrey agradeceu Ethan várias vezes por seu “espírito generoso” e por sua “disposição em ajudar”. Olhei silenciosamente para fora da minha janela, tentando processar o que eu estava sentindo. Era culpa por meu iminente rompimento com Geoffrey. Era alívio por meus bebês estarem bem. Era preocupação pelo longo caminho que eu ainda tinha de percorrer. Mais do que tudo, era o meu amor por Ethan, um amor que havia tomado conta do meu coração e me fazia sentir medo e alegria ao mesmo tempo. Quando chegamos em casa, Ethan convidou Geoffrey e Sondrine para entrar. Obviamente, eles não tinham outra opção além de recusar. Quer dizer, o que nós iríamos fazer? Deitarmos juntos na cama do Ethan para um lanche da
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meia-noite com chá e biscoitos? Eu ouvi Ethan sussurrar uma desculpa no ouvido da Sondrine. Ela murmurou alguma coisa de volta que eu não consegui entender, algo como o quanto sentiria falta dele, e, depois, escutei um som que parecia um beijo. Geoffrey também resolveu se despedir, me dando um beijo e dizendo que me ligaria amanhã de manhã. Em seguida, ele disse: — Beba muita água, porque a desidratação pode gerar contrações. E faça repouso — pela expressão dele, ele não tinha esquecido que só havia uma cama decente no apartamento do Ethan. Ethan e eu saímos do carro e ficamos em pé na calçada, enquanto Sondrine tomava o meu lugar no banco da frente. Geoffrey prometeu ao Ethan, pela janela do carro, que levaria Sondrine para casa sã e salva. Então, ela acenou para nós e bateu a porta. Um segundo depois, o casal desapontado tinha ido embora. Eu olhei para o Ethan me sentindo estranhamente envergonhada diante do garoto que eu conhecia desde o 5º ano. Esperei um pouco e disse: — Será que eles... Ficaram chateados conosco? Um sorrisinho de canto de boca surgiu no rosto do Ethan: — Um pouco. Sim... A expressão dele me fez dar um riso nervoso. — Eles ficaram irados — eu disse. — Com certeza — disse ele, sorrindo. Enquanto Ethan me ajudava a subir as escadas do apartamento, nós dois dissemos um para o outro que não era engraçado que Geoffrey e Sondrine estivessem chateados. Para reforçar essa questão, eu pedi desculpas ao Ethan por arruinar o Dia dos Namorados dele. Ele me disse para parar de ser boba, que eu não tinha arruinado nada. — Sondrine não deve estar pensando assim. — Ele sacudiu os ombros enquanto abria a porta. — Ela vai superar... Eles vão superar. Eu pensei em como Sondrine e Geoffrey haviam se tornado “eles” e até quando Ethan e eu seríamos “nós”. Eu gostava da ideia de ser um “nós” com Ethan enquanto ele me levava para o quarto dele. Quando ele acendeu a luz, vi a
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cama dele desfeita, e também uma embalagem de camisinha rasgada na sua mesa de cabeceira. A festinha que antecedera o jantar estava confirmada. Ethan me olhou sem graça, enquanto perguntou se eu não me importaria de ficar um pouco no sofá enquanto ele trocava os lençóis. Alguma coisa na sua expressão me fez querer abraçá-lo, beijá-lo e dizer o quanto eu o amava. Em vez disso, saí e me sentei no sofá, nervosa e excitada porque iria dormir perto do Ethan. Meu coração se recusava a bater mais devagar, mesmo depois de lembrar que isso aumentava o meu estresse e que Geoffrey tinha dito que o estresse causava contrações. Alguns minutos depois, Ethan apareceu vestindo camiseta e shorts. Eu não pude deixar de olhar para as pernas dele. Elas eram do mesmo jeito que sempre foram, finas e cobertas com uma camada de pelos claros, mas agora me atraíam muito mais. — Tudo pronto — disse Ethan. — Você quer colocar o seu pijama? Eu lhe disse que nenhum cabia mais em mim. Que eu estava dormindo pelada com Geoffrey desde as últimas semanas, mas eu não queria dizer que faria o mesmo com ele. — Você quer que eu lhe empreste alguma roupa? — perguntou Ethan. Respondi que sim, mesmo sabendo que não caberia também. Ethan era apenas um pouco maior do que eu, isso no meu tamanho normal. Ele trouxe um pijama de flanela e disse: — Aqui, prova este. Eu peguei o pijama e disse que ia me trocar no banheiro. — Tá legal. Vai rápido. Você já deveria estar na cama. Concordei e disse que estaria de volta em um segundo. Fui ao banheiro, tirei minha roupa e fiquei me olhando de lado no espelho. A minha barriga estava enorme. Tão grande que eu não podia mais ver meu pé sem inclinar o corpo para a frente. Eu rezei para ficar ainda maior nas próximas semanas. Quanto maior, melhor. Fiz xixi e prendi a
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respiração enquanto observava o vaso. Para o meu alívio, não havia mais sangue. Escovei os dentes, lavei o meu rosto com água gelada e coloquei o pijama macio e surrado do Ethan, puxando o elástico da calça para baixo da minha barriga. O pijama quase não serviu. Eu cheirei uma manga, esperando sentir o perfume do Ethan, mas apenas senti o cheiro do amaciante. Quando voltei para o quarto do Ethan, ele estava arrumando os lençóis como se fosse a cama de um hotel. — Pode deitar — disse ele, enquanto batia no meu travesseiro com sua mão. Deslizei para baixo dos cobertores e perguntei se ele viria logo para a cama. Ele disse que sim, logo depois de escovar os dentes e fazer algumas coisas. Fiquei imaginando se uma dessas coisas seria ligar para Sondrine. Se ele ligou para ela, a conversa não durou muito, pois alguns minutos depois ele estava na cama, desligando a sua luminária e deitando-se ao meu lado. Eu queria tocá-lo e não sabia se deveria ou não procurar a mão dele por baixo do lençol. Quando decidi que era melhor não fazer isso, ele se inclinou sobre mim e me deu um beijo no canto da boca. O hálito dele cheirava a pasta de dentes e a boca dele deixou o meu rosto molhado. Eu o toquei enquanto ele dizia: — Estou feliz pelos bebês estarem bem, Darcy. E feliz por você estar aqui. — Eu também, Ethan. Obrigada. No escuro do quarto, apertei os meus olhos e fiz tudo ficar escuro. Fingi que Ethan e eu estávamos realmente juntos, que seríamos “nós” para sempre, prontos para formar uma família de verdade. Acordei na manhã seguinte com o telefone tocando. Meu primeiro pensamento foi: “Espero que não seja o Geoffrey”. E o segundo foi: “Eu ainda amo o Ethan”. Então, meus sentimentos não foram só uma ilusão criada por uma tragédia que quase aconteceu. Senti o colchão tremer quando Ethan se esticou para pegar o telefone. Dava para ouvir o sotaque francês de Sondrine na outra linha. Acho que ela deve ter perguntado onde eu estava dormindo porque Ethan respondeu: “Bem aqui”.
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Eu fora controladora, ciumenta e escandalosa na minha antiga vida, mas, agora, eu tinha jurado a mim mesma que, independente das circunstâncias, eu não me comportaria assim na minha próxima relação. Era egoísta e sem atrativos. Ethan reagiu como eu sabia que ele reagiria; com uma irritação contida. Eu fingi que estava dormindo quando ele saiu da cama e começou a conversar em voz alta no corredor, dizendo que ela estava sendo ridícula. — Você não viu o que aconteceu ontem à noite? — ele perguntou. — O que você acha? Que alguma coisa iria acontecer? Não. Não! Ela é minha amiga, Sondrine… Ela não queria ficar lá... Eu não sei, você quer perguntar para ela? A conversa continuou assim por algum tempo, até ele dizer que tinha que desligar. Quando ele desligou, eu abri um olho e o vi na porta, com o cabelo todo bagunçado, como se fosse um cabeleireiro americano. Eu perguntei se estava tudo bem. — Sim — disse Ethan, mas ele parecia agitado enquanto atravessava o quarto e tirava um jeans e um suéter azul-marinho de gola rolê do seu armário. — Sondrine está chateada por eu estar aqui? — Não. Ela compreende a situação — ele mentiu. — Como você está se sentindo? — Bem, mas eu tenho de ir ao banheiro. Ethan concordou, parecendo nervoso. Nós dois sabíamos o que eu iria fazer: verificar se tinha sangue. Ele sentou na beira da cama e ficou me esperando. Em pouco tempo, retornei ao quarto e dei as boas notícias. — Tudo limpo — eu disse, fazendo sinal de positivo. Ele riu e me disse para voltar para a cama. Eu voltei. — Agora — disse Ethan —, o que você quer de café da manhã? Eu não queria dar mais trabalho do que eu já estava dando, então disse que queria um mingau de aveia, mesmo estando com vontade de comer ovos. — Certo — disse ele. — Eu já volto.
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Depois que ele saiu, abri o meu livro Quando você está esperando gêmeos, que eu havia deixado ao lado da cama há algumas semanas. Olhei um gráfico de semanas de gestação e a circunferência das cabeças: as cabeças dos meus bebês estavam do tamanho de um limão agora. Se eu estivesse com trinta e seis semanas, as cabeças deles estariam do tamanho de uma laranja grande. Eu me convenci de que conseguiria. Momentos depois, Ethan voltou trazendo uma bandeja de madeira. Dentro dela, havia um prato com ovos mexidos, tomates cortados e torrada, tudo perfeitamente arrumado com um galinho de salsinha. — Eu cancelei seu pedido de mingau. Você precisa de proteína — me sentei e estiquei as pernas para que ele colocasse a bandeja no meu colo, o mais perto possível da minha barriga. Ele sentou-se ao meu lado na cama. — Obrigada — eu disse. — Onde está o seu café? — Não estou com fome. Mas vou lhe fazer companhia. Eu sorri e comi um pouco de ovo. — Você quer mais sal ou pimenta? — ele perguntou. — Não. Está tudo perfeito — eu disse. — Obrigada. Quando comecei a comer, senti os bebês se movimentando simultaneamente. O bebê A estava chutando forte embaixo da minha costela e o bebê B estava nadando tranquilamente na parte de baixo, como se estivesse surfando. Claro que poderia ser o mesmo bebê que estivesse me chutando enquanto nadava. Mas eu achava que não. Eu sentia que eram os dois. Comecei a acreditar que eu podia distinguir os movimentos deles e, assim, ia conhecendo as suas personalidades. O bebê A parecia mais assertivo. O que era típico de um tipo A. Ele seria o meu atleta, se sairia bem em tudo. O bebê B parecia ser meloso e calmo. O artista sensível. Eu imaginava os dois juntos, entrando no ônibus da escola, com os rostos idênticos. Um carregando a sua bola de basquete e o outro o seu trompete. Não me importava quais seriam os seus interesses, eu só queria que meus filhos fossem bons, meninos felizes que teriam a sabedoria e a coragem de seguir seus corações.
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Pelo resto do dia, com exceção do meu banho de cinco minutos que tomei com as interrupções de Ethan, que batia na porta e gritava para eu ir rápido, fiquei na horizontal. Cochilei, li o meu livro sobre gêmeos e olhei algumas revistas de fofoca. A maior parte do tempo eu apenas pensava no Ethan, imaginando como seria trocar um beijo apaixonado com ele. Fazer amor com ele. Ouvi-lo me apresentar como a sua namorada e, depois, como noiva. Eu me perguntei se isso não era mais um desafio para mim, se não era decorrente dessa necessidade que eu tinha de que todos os homens me amassem. Mas eu sabia, bem no fundo, que não tinha nada a ver com isso. Pela primeira vez na minha vida, eu estava realmente amando uma pessoa. Não tinha nada a ver com o que Ethan poderia me dar ou se nós faríamos um belo casal. Tinha a ver apenas com Ethan. Com o bom, sutil, adorável, intenso, esperto e inteligente Ethan. Eu estava louca por ele e tão agitada com esse sentimento que tinha de me segurar para não chamá-lo para o quarto, mesmo ele insistindo que eu poderia chamá-lo a qualquer momento. Em vez disso, esperei pacientemente pelos momentos em que ele parava um pouco de escrever e colocava a sua cabeça linda pela porta para ver se eu estava bem. Algumas vezes ele apenas dizia “oi” e enchia o meu copo de água. Outras vezes ele me trazia pratos com alguma coisa para comer: queijo e biscoito, pera fatiada, azeitonas, salada de macarrão caseira e sanduíche de manteiga de amendoim cortado em quatro pedaços. Ele sempre conversava comigo enquanto eu comia. E, uma vez, no fim da tarde, quando estava chovendo muito lá fora, ele entrou debaixo do cobertor e tirou um cochilo comigo. Ele caiu no sono primeiro, o que me deu a chance de ficar olhando o seu rosto. Eu o amava todinho. Seu cabelo cacheado, seus lábios carnudos, seus cílios longos, seu nariz aristocrático. Enquanto admirava os seus traços, seus lábios se mexeram durante o sono e revelaram, rapidamente, a sua única covinha. Nesse segundo, eu soube o que realmente queria para os meus meninos. Eu queria que eles tivessem o Ethan como pai.
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Nas semanas seguintes, eu saboreei a minha vida confortável com Ethan enquanto tolerava as insistentes interrupções do Geoffrey. Ele ligava o tempo todo e me visitava todos os dias quando saía do trabalho. Algumas vezes, ele me trazia o jantar e eu era forçada a passar a noite com ele em vez de Ethan (que saía para ver Sondrine). Outras vezes, eu fingia estar dormindo e ele simplesmente me deixava um bilhete do seu bloco particular, em que, por acaso, tinha estampado o brasão da sua família. O tipo de coisa, que, provavelmente, faria parte das minhas fantasias com Alistair. Mas agora eu preferia os bloquinhos amarelos do Ethan. Agora eu preferia tudo o que era do Ethan. Uma tarde, durante a minha trigésima primeira semana de gravidez, Geoffrey me fez uma visita surpresa durante o almoço. Eu tinha caído no sono lendo um jornal que Annalise tinha me mandado junto com os seus biscoitos de aveia caseiros e um vidro de óleo corporal para prevenir estrias. Quando acordei, ali estava Geoffrey, sentado em uma cadeira da mesa de jantar encostada na cama. Percebi, pela expressão dele, que ele sentia a mesma coisa que eu sentia quando observava Ethan dormir, e eu sabia que tinha de acabar com isso logo. — Oi, querida — disse ele, enquanto eu me sentava na cama. A voz dele era baixa e carinhosa. — Como você está se sentindo?
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— Bem. Apenas cansada e um pouco desconfortável — eu disse. — O Sr. Smith passou aqui de manhã? — Sim — eu disse, sorrindo. — Adoro os atendimentos em casa que os médicos fazem neste país. — E aí? — perguntou Geoffrey. — O que ele disse? — Ele disse que tudo parece estar bem. Ele concordou. — Bom. Você sentiu alguma dor ou contração desde que ele saiu? Eu balancei a cabeça. — Boa menina — ele chegou mais perto e tirou o meu cabelo da testa. Depois, ele me deu um pequeno e misterioso sorriso e disse: — Eu tenho uma coisa para você — e me entregou três catálogos de imobiliária, mostrando grandes e espaçosos apartamentos nos melhores bairros. Era a casa dos meus sonhos desde que eu me mudara para Londres. Meus olhos ficaram fixos nas descrições: cinco quartos, terraço, vista para o parque, lareira. Fiz um esforço para devolvê-los ao Geoffrey. Eu não podia esperar mais, não podia correr o risco de que esses catálogos trouxessem de volta a antiga Darcy. — Você não está animada para ver os apartamentos? — perguntou Geoffrey. — Eu não acho que é uma boa ideia — eu disse. — Tem alguma coisa errada? Ele sabia que tinha. As pessoas sempre sabem. Procurei as palavras certas, palavras de compaixão. Mas era muito difícil terminar um relacionamento de forma amigável quando você está na cama de outro homem, usando o pijama dele. Então, comecei a falar, como se estivesse arrancando um esparadrapo: — Geoffrey, eu sinto muito, mas nós precisamos terminar. Ele juntou os catálogos e ficou olhando para o que estava em cima, mostrando um apartamento muito parecido com o local onde Gwyneth Paltrow e Chris Martin viviam.
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Senti uma pontada ao pensar que, se eu ficasse com Geoffrey, poderia ser uma das amigas de Gwyneth. Eu me vi compartilhando as suas roupas e ela de braços dados comigo, dizendo “O que é meu é seu”. Nós sairíamos juntas nas revistas de celebridades. Como grande fã do Coldplay, Ethan também seria beneficiado. Vi meus filhos brincando com a sua filha Apple. Talvez, algum dia, um deles se casasse com ela. Eu organizaria o jantar de comemoração, Gwynnie planejaria o casamento. Nós ligaríamos uma para a outra todos os dias, discutindo os arranjos de flores, os sabores do bolo, a seleção de vinhos. Eu voltei à realidade. Nem mesmo a magia de ser amiga da Gwyneth poderia me fazer mudar de ideia com relação ao Geoffrey. Por fim, ele perguntou: — É o Ethan? Eu me senti surpreendida e nervosa ao ouvir o nome do Ethan. Não sabia como responder, mas resolvi dizer: — Eu apenas não tenho os sentimentos certos por você. Eu pensei que tinha... Mas… Não estou apaixonada por você. Desculpa... As palavras duras e diretas soaram familiares, e eu percebi que elas se pareciam com as palavras que Dex usou no dia em que terminamos. De repente, percebi que não importava quando o caso com a Rachel havia começado, isso não tinha sido a causa do nosso rompimento. Dex e eu tínhamos nos separado porque não éramos as pessoas certas, um para o outro, e, por causa disso, ele se apaixonara por ela. Se tivéssemos um relacionamento sólido, ele não teria me traído. Essa descoberta foi, de alguma forma, libertadora, e levou embora o restinho de ressentimento que eu ainda sentia pelos dois. Eu pensaria melhor nisso depois, mas, agora, precisava focar o meu pensamento em Geoffrey, esperando pela resposta dele. — Tudo bem — disse ele, com seu elegante aceno de mão. Eu devo ter dado a impressão de estar confusa porque ele disse: — Você está passando por um momento difícil agora. Estar de cama assim pode deixar a pessoa confusa. Nós
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podemos falar sobre isso depois, quando os bebês nascerem. E, nesse intervalo de tempo, eu só quero cuidar de você. Me deixe fazer isso, querida. Vindas de qualquer outro homem, essas palavras soariam condescendentes e patéticas, pareceriam um esforço desesperado para manter uma relação, mas, vindas de Geoffrey eram dignas, pragmáticas e sinceras. Por um momento, fiquei indecisa. Acima de tudo, ele era a minha garantia de permanência em Londres. Mas, mais importante do que isso, Geoffrey era a minha segurança emocional. Era impossível superar a vulnerabilidade gerada pela gravidez, principalmente nas minhas circunstâncias, e Geoffrey diminuía muito a minha ansiedade. Ele era uma ótima pessoa, que tomava conta de mim muito bem, e suas atitudes me diziam que ele seria sempre assim. Mas eu não o amava. Era simples. A ideia de ficar com um homem somente por amor parecia ingênua e excêntrica, era o tipo de coisa que eu sempre criticava na Rachel, mas agora eu pensava da mesma maneira. Então, me forcei para fazer a coisa certa. — É muito gentil da sua parte — eu disse, pegando a mão dele. — E não tenho como dizer o quanto aprecio o seu carinho, tudo o que você fez por mim, mas nós temos que terminar. Não é certo ficarmos juntos se os meus sentimentos não estão de acordo com os seus... Para reforçar, eu disse que sentiria a falta dele, apesar de saber que sentiria mais falta dos benefícios que vinham junto com ele do que dele mesmo, e, então, eu soltei a sua mão. Geoffrey olhou para mim. Seus olhos estavam tristes, mas secos. Ele disse, sem nenhum traço de amargura, que estava muito triste por me perder, mas que entendia. Colocou a sua pasta no colo, abriu-a e guardou os catálogos brilhantes. Depois, levantou-se e andou em direção da porta. — Podemos continuar amigos? — eu disse, nervosa por ver que ele desistia tão facilmente. Eu me questionei se essa pergunta tinha vindo da antiga Darcy, que queria ser paparicada o tempo todo. Talvez eu apenas quisesse manter o controle sobre Geoffrey. Mas quando ele olhou para mim e disse que também gostaria muito de continuar sendo meu
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amigo, eu percebi que as minhas palavras eram verdadeiras. Eu queria ser amiga de Geoffrey porque eu gostava dele como pessoa. Não porque eu estava interessada em alguma coisa dele. Naquela noite, quando Ethan deitou ao meu lado para ler um artigo da revista National Geografic sobre aquecimento global, eu disse a ele que havia terminado com Geoffrey. Contei tudo, exceto a parte em que Geoffrey tocou no nome de Ethan. Ethan ouviu meu relato com a sobrancelha levantada. — Uau! Eu nem sabia que vocês estavam tendo problemas — disse ele, sem alterar o tom de voz. Assim como Geoffrey, ele não estava surpreso. Eu confirmei. — Sim. Eu apenas não sentia mais nada por ele. — Ele ficou bem? — Eu acho que sim. — E você? — perguntou ele. Eu sacudi os ombros. — Não sei. Eu me senti culpada depois de tudo que ele fez por mim. E acho que fiquei um pouco triste também... Mas, no fundo, eu sei que foi melhor assim, mesmo sabendo o que isso significa: que eu terei de voltar a Nova York antes do que eu queria. Ethan piscou. — O quê? — Eu disse que me senti culpada... — Não. Você quer voltar a Nova York? — Eu não tenho trabalho, Ethan. Provavelmente terei de voltar para meu antigo trabalho depois que os bebês nascerem. Eu não tenho dinheiro para ficar aqui. — Você pode ficar aqui o tempo que você quiser — disse Ethan. — Eu não posso fazer isso. Já atrapalhei demais... E nós dois sabemos que você não está nadando em dinheiro — sorri.
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— Eu amo ter você aqui, Darcy. Mal posso esperar para ver os bebês nascerem. Estou incrivelmente feliz. Não se preocupe com os problemas financeiros. Nós daremos um jeito em tudo. Eu tenho algumas economias. Olhei para o seu rosto sério e me segurei para não contar o que estava sentindo. Não que eu estivesse com medo de ser rejeitada. Desta vez, meus sentimentos eram de abnegação e eu não achava que seria justo com Ethan contar tudo agora. Ele estava envolvido com outra pessoa. Ele poderia se sentir pressionado ao achar que, se me magoasse, prejudicaria a minha gravidez. Então, eu apenas ri e disse: — Obrigada, Ethan. Vamos ver o que vai acontecer. Na minha mente, contudo, eu sabia que o meu tempo em Londres, assim como o meu tempo com Ethan, estava acabando.
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No dia seguinte, alcancei a minha trigésima segunda semana, o que era uma conquista de acordo com o meu livro sobre gestação de gêmeos, que dizia que meus bebês “não teriam uma grande probabilidade de sofrer problemas de saúde decorrentes de um nascimento prematuro”. Isso era uma grande meta e o mais irônico foi que, depois de tê-la alcançado, não fiz nada para comemorar, a não ser ficar na cama lendo revistas e comendo besteiras. Para celebrar essa data, Ethan me surpreendeu com um bolo de chocolate caseiro, que ele levou para mim no quarto em sua bandeja de madeira. O bolo foi decorado com trinta e duas velas azuis, uma para cada semana de gravidez, que ele acendeu enquanto cantava: “Parabéns bebê A e bebê B!”. Eu ri, fiz um pedido e apaguei as velas em duas tentativas (o que ele disse que era importante porque eu estava tendo dois bebês). Depois, ele cortou o bolo e serviu um pedação para nós dois. Eu comi um segundo e um terceiro pedaços, elogiando muito as suas habilidades culinárias, especialmente por causa da cobertura. Quando acabamos de comer, ele recolheu os pratos e voltou com uma caixa grande, embrulhada em um papel verde com bolinhas brancas. — Não precisava — eu disse, esperando que ele não tivesse gastado muito dinheiro no presente dos bebês. Ele colocou a caixa no meu colo. — Eu não comprei... É da Rachel.
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Eu olhei para o pacote. Era óbvio que o embrulho era da Rachel, perfeito e bonito, mas simples o bastante para não parecer um embrulho profissional. Observei os cantos perfeitos, a fita curta colada em paralelo com as laterais da caixa e o laço simetricamente programado. Por alguma razão, esse pacote trouxe de volta todas as minhas boas lembranças, momentos que eu reparti com Rachel durante anos. Ethan me olhou de relance. — Você está chateada? Eu não deveria ter entregado isso para você? Eu fiquei me perguntando por um longo tempo… — Não. Tudo bem — eu disse, passando as mãos pelo papel de embrulho. “As mãos da Rachel também tocaram esse pacote”, pensei, tomada por uma sensação absurda de que estava me conectando com uma pessoa morta. — Você não vai abrir? — perguntou Ethan. Eu assenti. — Ela o enviou há algumas semanas, mas queria que eu lhe desse quando tivesse mais perto do nascimento. Pensei que hoje seria um dia bom... Porque eu não estou mais preocupado. Os seus bebês vão ficar bem. Senti uma pontada no coração enquanto desatava cuidadosamente o nó do laço branco, tirava o papel e abria a caixa, encontrando dois cobertores de bebê, brancos com bordas de seda azuis-claros. Eram as coisas mais macias e luxuosas que eu já havia tocado. Lembrei que Rachel tinha dado à Annalise um cobertor semelhante no chá de bebê dela, mas os meus eram mais bonitos. Depois de um longo tempo, eu tirei o cartão do envelope. Ele tinha a estampa de dois carrinhos de bebês. Eu abri o cartão devagar e reconheci a sua letra perfeita. Podia ouvir a sua voz enquanto lia silenciosamente: “Querida Darcy, Primeiro, eu queria dizer que sinto muito por tudo o que aconteceu entre nós. Sinto falta da nossa amizade e lamento não poder estar ao seu lado nesse momento tão especial da sua vida. Mas, apesar da distância entre nós, eu quero que você saiba que penso muito em você. Várias vezes ao dia.
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Fiquei muito feliz de saber, pelo Ethan, que você está bem. E são gêmeos! É a sua cara transformar uma coisa maravilhosa em algo duplamente emocionante! E, por fim, eu gostaria de lhe dar os meus sinceros e carinhosos parabéns pela maternidade. Espero que algum dia eu possa conhecer os seus filhos. Sei que eles serão meninos lindos e surpreendentes, assim como a mãe deles. Com amor, Rachel.” Ainda segurando o cartão, encostei a cabeça no travesseiro. Há muitos meses esperava saber notícias da Rachel, mas não imaginava o quanto eu queria isso até ler o cartão. Eu olhei para o Ethan. O rosto dele estava calmo, paciente. — Hum. Imagina só — eu disse, quebrando o silêncio. — O que ela disse? — perguntou Ethan. Eu contive as minhas emoções. Então, dei um nó no meu cabelo, o prendi com um elástico e disse, sem emoção na voz: — Podemos dizer que ela está tentando se reaproximar — minhas palavras eram um pouco irônicas, mas não consegui esconder minha emoção. E, embora não quisesse, acabei amolecendo. Tentei mascarar os meus sentimentos jogando o cartão no Ethan, como se fosse um frisbee: — Toma. Leia — eu disse. Seus lábios se moviam enquanto ele lia silenciosamente. Quando acabou, ele me olhou e disse: — É muito legal. — Sim. Os cobertores também são muito legais — eu disse, segurando as bordas de seda. — Acho que eu não quero mais que ela vá para o inferno — eu ri. — Apenas para um lugar digno no céu. Ethan sorriu. — Você acha que devo ligar para ela? — perguntei a ele.
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Uma parte de mim queria que ele dissesse “Sim, você tem de ligar para ela agora” porque eu queria uma desculpa para engolir o meu orgulho e procurá-la. Mas Ethan disse apenas: — Você não tem de ligar para ela. Apenas envie uma carta de agradecimento — ele me devolveu o cartão. Eu não resisti e li de novo, em voz alta, parando em cada frase para entender melhor o seu significado. — Ela disse que sente muito pelo que aconteceu entre nós. Não pelo que ela fez. — Eu acho que está implícito. — Então, o que isso quer dizer exatamente? Que ela não faria isso de novo se pudesse voltar no tempo? — eu perguntei, refazendo o meu coque. — Eu acho que ela desejava ter feito as coisas de outra maneira — disse Ethan. — Como assim? — eu perguntei. — Eu não sei... Como ter esperado você e Dex terminarem para começar a sair com ele? — Ela lhe disse isso? Você tem certeza? — Na verdade, não. Não. — Certo — eu disse, passando os olhos no resto do cartão. — Olha isso aqui... “Apesar da distância entre nós” — eu reli em voz alta. — Você acha que ela está falando da distância emocional ou da distância geográfica? — Provavelmente das duas — disse ele. — Ela pensa em mim todos os dias? Você acha que ela está exagerando? — Não. Eu acho que não — disse Ethan. — Você não pensa nela todos os dias? A resposta era sim, mas fingi que não tinha escutado a pergunta. — “Feliz de saber pelo Ethan?” — disse, me lembrando dos trechos da sua conversa com Ethan no Natal. — O que você disse a ela?
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— Bem, obviamente, que você estava grávida de gêmeos. Você disse que eu poderia... E só falei que você estava bem. Que você tinha feito alguns amigos, e falei do Geoffrey também. — Você falou com ela depois que nós terminamos? Eu tive vontade de perguntar sobre o noivado da Rachel, mas decidi que ainda não estava pronta para a resposta. Eu fechei o cartão e o coloquei de volta no envelope. — Será que ela pensa que nós podemos voltar a ser as melhores amigas? — perguntei, com uma voz enfraquecida. — Ela conhece você muito bem, Darcy. Eu não acho que ela está esperando que você a perdoe — murmurou ele. O tom dele era de certeza, mas a sua expressão dizia “Eu acho que você vai perdoá-la”. Ou talvez: “Eu acho que você já a perdoou”. Demorei duas semanas para enviar a carta de agradecimento à Rachel porque eu não conseguia decidir o que escrever ou o tom que deveria usar. Será que eu devia dizer que a perdoava logo de cara? Que sentia a falta dela também e que, embora nunca pudesse aceitar totalmente a relação dela com Dex, queria retomar a nossa amizade? Será que eu queria mesmo? Em uma noite de sábado, na minha trigésima quarta semana, alguma coisa me fez sair da cama e entrar no quartinho dos bebês para pegar um álbum de capa de couro e colocá-lo no bolso de uma das minhas malas. Eu tinha montado esse álbum há algum tempo. Levei-o para cama e o abri, passando os olhos pelas fotos de Dex, de Claire e de outros amigos, achando uma foto da Rachel tirada em Hamptons assim que ela e Dex se formaram em Direito. Analisei nossas poses despreocupadas, nossos sorrisos largos, nossos braços por cima dos ombros enquanto estávamos de biquíni, na beira da praia. Quase podia sentir o cheiro da água salgada, da brisa do mar e a areia debaixo dos meus pés. Eu podia até ouvir a sua risada. Fiquei me perguntando por que fotos de pessoas queridas, na praia, sempre pareciam mais comoventes do que as outras. Enquanto olhava a nossa foto, fiquei pensando em tudo o que aconteceu entre Dex, Rachel e eu, percebendo,
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novamente, que o fim do nosso relacionamento ocorrera por inúmeras razões. Em primeiro lugar, Dex e eu tínhamos traído um ao outro, pois não combinávamos. Rachel me traiu, pois a nossa amizade estava com problemas. Eu menti a ela sobre Marcus pelo mesmo motivo de sempre: a competição velada, que pode corromper as melhores amizades e que arruinou a nossa. Por mais que eu quisesse jogar toda a culpa neles, eu sabia que também era culpada. Todos nós éramos culpados. Todos nós tínhamos mentido e traído. Mas, apesar de tudo, eu sabia que nós éramos boas pessoas. Que merecíamos uma segunda chance, uma chance para ser feliz. Me lembrei da frase que dizia: “Uma vez traidor, sempre traidor”, e achei que isso era uma bobagem. As pessoas geralmente não traem quando estão felizes com os seus relacionamentos, e eu não poderia imaginar Dex e Rachel traindo um ao outro. Eu também sabia que, se eu estivesse com Ethan, nunca poderia traí-lo. Eu seria fiel, não importava como, para sempre. E, naquele momento, prestes a perdoá-los, entrei em trabalho de parto. Comecei a sentir uma dor intensa embaixo do meu abdômen e, quando me levantei para fazer xixi, uma água desceu pela minha perna. Minha bolsa tinha estourado. Eu me senti estranhamente calma enquanto telefonava para o Sr. Smith e explicava o que tinha acontecido. Ele confirmou que eu, realmente, havia iniciado o trabalho de parto, e me pediu para ir ao hospital o mais rápido possível. Ele disse que me encontraria lá. Ethan estava em um bar na região da praça Piccadilly Circus assistindo a um jogo de basquete do Stanford no campeonato de basquete da NCAA. Eu não queria ter de ligar no meio do jogo, ele levava esses campeonatos muito a sério, mas ele me fez prometer que ligaria por qualquer motivo insignificante e eu achei que o rompimento da bolsa era um bom motivo. Ele atendeu no primeiro toque, gritando ao telefone por causa do barulho que havia no bar: — Darcy? Você está bem? — Estou bem… Stanford está ganhando? — Eles ainda não entraram na quadra — disse ele. — Estou assistindo ao jogo do Wake Forest agora. Eles estão muito fortes, o que é bom, porque eu apostei que o time deles
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seria um dos quatro finalistas — pensei nele sentado no banco do bar, segurando uma caneta marca-texto amarela que ele costumava carregar para grifar os jogos no jornal. — Quando vai começar o jogo? — perguntei, pensando se eu deveria esperar o jogo acabar para pedir que ele me encontrasse no hospital. — Logo. Por quê? Você está bem? Eu hesitei e disse: — Desculpa, Ethan, eu sei o quanto você estava esperando para assistir a esse campeonato e ao jogo do Stanford... Mas a minha bolsa estourou. Você acha que pode vir até aqui para me levar ao hospital? — Oh, Deus! Não se mova! — ele gritou ao telefone. — Já estou indo! Dez minutos depois, ele entrou correndo pela porta e foi direto para o quarto, gritando: — O táxi está esperando lá fora! O táxi está esperando lá fora! — Estou aqui — falei, da sala. Minha pequena mochila do hospital, que eu havia arrumado há algumas semanas, estava no chão ao lado do meu pé. Ele correu para a sala, beijou o meu rosto e perguntou como eu estava, quase sem ar. — Eu estou bem — disse, aliviada ao vê-lo. — Você pode fazer o favor de amarrar o meu cadarço? Eu não alcanço. — Ai, meu Deus! Me desculpe por não estar aqui — disse ele, enquanto se abaixava para amarrar o cadarço do meu tênis. Suas mãos estavam tremendo. — Onde está a sua jaqueta? — perguntei, notando que ele estava usando apenas a sua camiseta da sorte de Stanford. — Deve estar congelando lá fora. — Eu a deixei no bar. — Oh, Ethan, me desculpa — eu disse. — E me desculpa também por atrapalhar o seu jogo. Ele me disse para deixar de ser boba, que ele pegaria a jaqueta depois e que o jogo não era tão importante assim. Quando ele abaixou para pegar a minha bolsa, notei que ele
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estava com um adesivo antifumo no seu braço, por baixo da camiseta. — Você parou de fumar? — perguntei, lembrando que não o via fumar a muito tempo ou, pelo menos, não havia detectado cheiro de cigarro nas suas roupas. — Sim. Eu não posso fumar perto dos seus bebês — ele apertou o adesivo, como se ele desse a nicotina que ele precisava. Eu agradeci, emocionada pelo seu esforço. — Sem problemas, eu precisava mesmo parar de fumar. Agora, vamos! — ele me empurrou e gritou: — Schnell! Schnell! — o que eu imaginei que seria o mesmo que “rápido” em outra língua, talvez em alemão. Ele me ajudou a chegar até a porta, onde pegou a sua única outra jaqueta, um casaco de chuva amarelo reluzente. Depois, ele respirou fundo, esfregou as mãos e disse: — Bem. Está na hora. No caminho até o hospital, Ethan me ajudou a fazer os exercícios de respiração, e o mais engraçado é que parecia que ele estava precisando mais de ajuda para respirar do que eu. Nós descobrimos que as minhas contrações tinham intervalos de seis minutos e duravam trinta segundos. — Está doendo muito? — Ethan me perguntava a cada contração. — Numa escala de um a dez, qual número seria? Como eu tinha pouca tolerância à dor e costumava gritar até para tirar uma farpa, achei que poderia estar na posição onze na escala de dor. Mas eu lhe disse que era quatro, pois eu queria que ele sentisse orgulho da minha força. Eu também lhe disse que eu não estava com medo, o que era muita coisa, uma vez que vinha de uma antiga pessimista, rainha dos dramas. Mas era verdade, eu não estava com medo. Eu sabia que os meus bebês ficariam bem: já tinha passado pelas trinta e quatro semanas e meia, e tinha Ethan comigo. O que mais poderia pedir? Eu me sentia a mulher mais sortuda do mundo e estava pronta para conhecer os meus filhos. Ao chegarmos ao hospital, passamos pelo balcão principal para fazer o registro de entrada, e Ethan empurrou a minha cadeira de rodas até a sala de parto. Em seguida, ele ajudou a me despir e a colocar a roupa do hospital. Ele
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avermelhou quando eu fiquei nua na sua frente, e, por um segundo, eu fiquei envergonhada também. — Você ainda não viu nada — eu disse para quebrar o gelo. Comecei a rir. — Nada vai ser fácil daqui para frente... E eu espero que você não fique enjoado. Ele sorriu, segurou a minha mão e disse que podia aguentar. Então, me ajudou a deitar na cama. Eu me senti aliviada ao esticar o corpo e exausta. Tudo o que eu queria era dormir, mas a dor era muito forte para que eu pudesse dormir. Depois de cinco minutos, o Sr. Smith e sua enfermeira entraram. Ela começou a medir a minha pressão enquanto ele examinava o colo do útero e constatava que eu estava com cinco centímetros de dilatação. Logo depois, o anestesista trouxe a minha peridural. Eu nunca tinha ficado tão feliz ao ver uma agulha, imaginando que sentiria uma sensação maravilhosa, como se estivesse voando. Em vez de causar uma sensação de leveza e formigamento, ao contrário, a peridural apenas acabou com a dor, mas, como as contrações estavam rápidas, a ausência de dor me deixou eufórica. Tudo aconteceu muito rápido depois disso. Lembro que Ethan segurava uma perna e minha enfermeira segurava a outra, enquanto o Sr. Smith me instruía a fazer força para empurrar os bebês. Eu fiz. O máximo que podia fazer. Várias vezes. Eu lembro que gritava e suava como uma louca, fazendo todos os tipos de caretas e gritos de dor. Depois de muito tempo, o médico anunciou que o meu primeiro bebê já estava aparecendo. Eu sentei, tentando vê-lo, avistando os seus cabelos escuros e desgrenhados, depois os ombros, o dorso e as duas perninhas finas. — É um menino — confirmou o Sr. Smith. Então, eu ouvi o primeiro som melancólico do meu bebê ao chegar ao mundo. A voz dele era rouca, como se estivesse chorando no meu útero por horas. Ergui os braços para abraçá-lo. — Eu quero vê-lo — eu disse, entre soluços. — Só um momento — disse o meu médico. — Precisamos cortar o cordão... Ethan, você quer fazer as honras?
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— Eu posso? — perguntou Ethan. Eu consenti e chorei ainda mais: — É claro, você deve. Ethan pegou uma grande tesoura de metal das mãos da enfermeira e cortou cuidadosamente o cordão. O médico deu um nó e examinou rapidamente o meu bebê antes de enrolá-lo em um cobertor e colocá-lo no meu peito. Eu coloquei a cabeça dele em cima do meu coração e ele, instantaneamente, parou de chorar, enquanto eu ainda soluçava. Olhei para o rosto angelical dele, observando cada detalhe. A curva das suas bochechas, sua boca pequena e carnuda, a covinha na bochecha esquerda. O mais estranho é que ele se parecia muito com Ethan. — Ele é perfeito, não é? — perguntei a todos e a ninguém em especial. Ethan colocou as mãos nos meus ombros e disse: — Sim. Ele é perfeito. Aproveitei cada minuto desse momento, tendo certeza de que tudo que eu já tinha lido, visto e ouvido sobre o parto não era nada se comparado ao que eu estava sentindo. — Qual é o nome dele? — perguntou Ethan. Eu olhei o rosto do meu filho, procurando a resposta. Meus primeiros nomes exibicionistas, como Enzo e Romeo, pareciam ridículos e inadequados. De repente, pensei em um nome. — John — eu disse. — O nome dele é John. Eu estava certa de que ele viveria bem com esse nome simples, mas forte. Ele seria um John maravilhoso. Nesse momento, o Sr. Smith lembrou que eu tinha mais trabalho a fazer, e a enfermeira tirou John dos meus braços e entregou-o para a outra enfermeira. Tentei manter os olhos fixos no meu primeiro recém-nascido, mas uma nova onda de dor me envolveu. Fechei os olhos e resmunguei. Parecia que o efeito da peridural havia passado. Implorei por outra dose. Meu médico disse que não, tentando me explicar a razão, mas eu não escutava nada. Ethan continuava repetindo que eu conseguiria.
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Alguns minutos de agonia depois, ouvi outro grito. O irmão de John havia nascido, segundos depois da meia-noite. Gêmeos idênticos com datas diferentes de nascimento. Apesar de saber que eram idênticos, eu não estava menos ansiosa para ver o outro bebê. Ethan cortou o cordão umbilical, a enfermeira enrolou o bebê e me deu. Entre mais lágrimas, eu percebi imediatamente que, apesar de se parecer muito com o irmão, ele tinha os traços mais fortes. Ele também era um pouco menor, com um pouco mais de cabelo. Ele tinha uma expressão determinada que me deixou impressionada, por se tratar de um bebê tão pequeno. De novo, o nome me veio à mente. — Você é o Thomas — eu sussurrei para ele. Ele abriu um olho e olhou para mim, como se tivesse aprovado. — Posso segurar os dois juntos? — perguntei ao meu médico. Ele concordou e trouxe John de volta ao meu peito. Ethan perguntou se eu havia pensado em colocar um segundo nome. Eu pensei no segundo nome do Ethan, Noel, e decidi que cada um dos meus filhos teria uma parte do nome do melhor homem que eu conhecia. — Sim — eu disse. — Os nomes deles são John Noel e Thomas Ethan. Ethan respirou fundo, piscando para não chorar. — Estou muito... Honrado — disse ele, parecendo surpreso e emocionado. Então, ele se abaixou para nos abraçar. — Eu amo você, Darcy — ele sussurrou no meu ouvido. — Eu amo vocês três.
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Nas 24 horas seguintes, eu perdi a noção do que era dia e do que era noite. Era apenas uma mancha no tempo com John e Thomas. Ethan nunca saía do meu lado, apenas em missões específicas para comprar biscoitos de manteiga de amendoim em máquinas automáticas de venda, analgésicos com as enfermeiras ou sapatinhos de bebê que eu pedia da loja de souvenirs do hospital. Ele dormiu em um sofá ao meu lado, me ajudou a ir ao banheiro e gastou rolos e mais rolos de filmes em preto e branco. Ethan também me convenceu a ligar para a minha mãe. Quando eu tentei mudar de ideia, dizendo que estava muito exausta e com os hormônios à flor da pele, ele ligou do seu celular para a minha casa e disse: — Aqui. Você vai se arrepender se não fizer isso. Eu peguei o telefone no momento em que a minha mãe atendeu. — Oi, mãe. Sou eu — eu disse, me sentindo mal antes de a conversa começar. — Olá, Darcy — sua voz estava formal e fria como na véspera de Natal. Eu me recusei a ficar magoada e resolvi contar logo as novidades. — Os meus bebês nasceram, mãe — antes que ela pudesse responder, eu falei o básico, lhe contando os nomes, o peso, o tamanho e a hora do nascimento. Então, eu disse:
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— Você pode acreditar, mãe? Gêmeos nascidos em dias diferentes? — Olhei para o John, dormindo no meu peito, e depois para o Thomas, que estava no colo do Ethan. Minha mãe pediu para eu repetir tudo para que ela pudesse anotar. Eu repeti e, então, ela disse: — Parabéns, querida — senti um pouco de carinho na voz dela. — Obrigada, mãe — eu disse, enquanto Ethan me dizia para lhe contar os pequenos detalhes, que também eram importantes. — Diz para ela que o John chora mais do que o Thomas e tem uma marca de nascença com o formato da Itália no joelho. Conta para ela que o Thomas gosta de ficar olhando para você com apenas um olho — ele sussurrou. Eu fazia o que ele me dizia, embora tivesse outras opções; minha mãe estava satisfeita, quase feliz. — Não posso nem imaginar que você esteja aí sozinha — disse a minha mãe, em um tom de carinho e arrependimento. — Obrigada, mãe. Isso significa muito para mim... Mas eu não estou sozinha. Estou com o Ethan — eu disse, não para contrariar, mas porque eu queria que ela soubesse a importância do Ethan na minha vida. Ethan sorriu e mudou Thomas de posição nos seus braços, beijando a cabecinha dele. — Mesmo assim. Nada substitui o carinho da mãe — disse ela, com uma voz firme. — Eu sei, mãe — eu disse, emocionada com as suas palavras. — Então, eu irei visitar vocês o mais rápido possível... No começo de junho. Logo após o casamento de Jeremy e Lauren. — Está bem, mãe. Vai ser muito bom. Obrigada. — E, Darcy? — Sim? — Estou muito orgulhosa de você. Eu fiquei feliz com as suas palavras.
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— Obrigada, mãe. — Eu amo você, querida — ela continuou, oscilando o tom de voz. — Eu amo você também, mãe. E diz para o papai, Jeremy e Lauren que eu amo eles também. Eu estou muito triste por não poder ir ao casamento deles. — Jeremy entende — disse ela. — Todos nós entendemos. Enquanto eu me despedia, fiquei imaginando o que o nascimento do Thomas e do John significaria para a nossa família. Eu tinha iniciado uma nova geração. A responsabilidade que eu tinha era incrível. Meus olhos se encheram de lágrimas pela centésima vez, mais ou menos, desde que eu tinha chegado ao hospital. — Essa coisa de depressão pós-parto não é brincadeira — eu disse ao Ethan enquanto limpava os olhos com a manga da minha camisola. Ethan me entregou o Thomas e ficamos nós quatro deitados na cama, juntos. — Ela vem nos visitar? — ele perguntou. O “nós” não passou despercebido por mim. Eu sorri e disse: — Sim. Depois do casamento do Jeremy. — Como você se sente ao saber que vai vê-la em breve? — Não vejo a hora, na verdade — eu disse, surpresa por estar tão ansiosa para apresentar John e Thomas para ela. Ethan concordou e me olhou de lado. — Você quer ligar para mais alguém? Eu sabia que ele estava pensando na Rachel, então eu disse o nome dela em tom de pergunta, as duas sílabas ficaram no ar, soando de forma confortadora e ameaçadora ao mesmo tempo. — Então? — ele perguntou. — O que você acha? — Na verdade, acho que vou ligar para ela — eu disse, de forma decidida — e depois para Annalise, Meg e Charlotte. Essa era a ordem certa.
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— Você tem certeza de que quer falar com a Rachel? — perguntou ele. Eu disse que sim. Não conseguiria explicar em palavras, mas, de alguma forma, eu me sentia obrigada a dar uma trégua oficial a minha ex melhor amiga. Não importava o que acontecera no passado, ou o que o futuro reservava para nós, eu queria que Rachel soubesse do nascimento do Thomas e John por mim. Disquei o número do telefone dela no celular do Ethan antes que resolvesse mudar de ideia. Enquanto eu ouvia o telefone tocar, não sabia direito se eu queria que ela atendesse ou se caísse na secretária eletrônica. Mas aconteceu uma coisa que eu não havia previsto. — A-lôô — disse Dex, animado. Entrei em pânico, olhei para Ethan com uma expressão de terror e disse, com um tom de voz exaltado: — Dex! Ethan sorriu e fez um sinal com as mãos para eu seguir em frente, sussurrando: — Continua. Isso mesmo. Peça para falar com a Rachel. Eu continuei, buscando forças ao olhar para John, que estava fazendo um barulho suave, chupando o dedo enquanto dormia. Dex fazia parte do passado. Literalmente, duas vidas atrás. Respirei fundo e disse: — Oi, Dex. É a Darcy. A Rachel está aí? — Olá, Darcy — disse Dex, formalmente. Então, ele fez uma pausa como se fosse o segurança do portão, suspeitando de algum problema. — A Rachel está bem aqui — disse ele, por fim. Houve outra grande pausa e sussurros do outro lado da linha. Imaginei que ele estivesse cobrindo o telefone e falando algo como: “Não a deixe tirá-la do sério”. Eu me lembrei da última vez que vira o Dex, em nosso antigo apartamento, e senti vergonha da mentira que tentara contar para ele. Eu sabia que estava com uma péssima reputação e não podia culpá-lo por me tratar dessa maneira.
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— Oi, Darcy — disse Rachel, com a voz tímida e um pouco trêmula. Era a voz que eu havia escutado durante quase todos os dias por 25 anos, e eu fiquei impressionada por ela soar tão familiar e, ao mesmo tempo, tão estranha. — Oi, Rachel... Eu tinha uma coisa, eu queria lhe contar uma coisa — gaguejei ao sentir o meu coração acelerar. — Meus bebês nasceram ontem. São dois meninos. — Parabéns, Darcy — disse ela. A voz dela era carinhosa e sincera. — Eu estou muito feliz por você. — Obrigada — eu disse. — Como eles se chamam? — John Noel e Thomas Ethan. — Adorei os nomes — disse ela, e, depois, hesitou. — Foi para homenagear o Ethan? — Sim — eu disse, imaginando se Ethan tinha contado a ela como estávamos íntimos. Do contrário, ela poderia pensar que eu estava querendo tomar o lugar dela como melhor amiga do Ethan. O que não estava longe dos meus antigos truques e, novamente, senti vergonha da pessoa que eu era. Mesmo assim, resisti à vontade de explicar porque os nomes eram apropriados e, em vez disso, falei sobre o nascimento. — Como você está se sentindo? — ela perguntou. Eu fui ficando mais tranquila. — Eu estou bem. Não foi um parto difícil... Só estou muito cansada, mas, pelo que eu já ouvi, vou ficar muito mais. Eu ri, mas Rachel continuou séria. Ela perguntou se a minha mãe viria para me ajudar. — A-ham. Eu acabei de falar com ela — disse. — Você é a segunda pessoa para quem liguei hoje. Eu queria que ela soubesse essa ordem. Eu queria que isso soasse como um pedido de desculpas. Eu não estava preparada para fazer um exame completo da nossa amizade, mas eu queria que ela soubesse que eu estava arrependida pelo que havia acontecido entre a gente. Depois de uma longa pausa, ela disse:
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— Estou realmente feliz por você ter me ligado, Darcy. Eu tenho pensado muito em você ultimamente, imaginado como você está. — Sim. Eu recebi o seu cartão. E os cobertores — eu disse. — Eles são lindos. Adorei. Obrigada. — Por nada — disse ela. — E como você está? — perguntei, percebendo que eu não estava pronta para desligar ainda. Eu queria saber mais coisas sobre ela. — Bem. Estou bem — ela disse, um pouco hesitante. — Como está a sua vida? — eu perguntei, me referindo a Dex, mas também a todo o resto. — Bem. Eu consegui quitar todas as minhas dívidas e saí do escritório. Agora eu presto serviço de assistência legal para uma fundação pró-aids, no Brooklyn. — Que ótimo — eu disse. — Eu sei que você deve estar muito mais feliz. — Sim. Estou gostando muito — ela disse. — É muito bom não ter que me preocupar com horas de trabalho... E a remuneração também não é tão ruim. Notei que ela estava evitando mencionar o nome de Dex, então, depois de alguns segundos de silêncio, eu disse: — E você e o Dex, estão bem? Eu queria que ela soubesse que eu já tinha superado o que aconteceu. E, embora ainda fosse estranho pensar nos dois juntos, eu havia aceitado completamente a situação. Como eu poderia querer estragar a felicidade de alguém se eu estava me sentindo completa e feliz? Ela hesitou um pouco e depois me disse: — O Ethan não lhe falou nada? — Sobre o seu noivado? — eu tentei adivinhar. — Hum... Bem, na verdade... Dex e eu estamos... Casados — Rachel disse suavemente. — O nosso casamento foi ontem. — Uau! — eu disse. — Eu não sabia.
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Eu esperava sentir um pouco de ciúmes ou de amargura. Ou até mesmo uma dose saudável de melancolia. Em vez disso, foi como se eu tivesse lido a notícia sobre o casamento de algum artista em uma revista de celebridade. Interessada nos detalhes, mas não totalmente dedicada ao assunto. — Parabéns — eu disse, entendendo porque Dex ficara temeroso com a minha ligação, o dia era realmente suspeito. — Obrigada, Darcy — disse ela. — Eu sei... Isso é muito bizarro, não é? — o tom dela era de desculpa. Ela estava se desculpando por casar com Dex? Por não ter me convidado? Por tudo? Eu quis tranquilizá-la e disse: — Tudo bem, Rachel. De verdade. Estou feliz por você. — Obrigada, Darcy. Minha mente estava cheia de perguntas. Eu pensei em censurá-las, mas depois pensei: por que não perguntar? — Onde foi o casamento? — perguntei primeiro. — Aqui na cidade. Na igreja metodista do centro. — E a recepção? — Nós fizemos no The Inn — disse ela. Foi uma festa pequena. — A Annalise foi? — Sim. Apenas alguns amigos e a família... Queria que você estivesse aqui, mas... — a voz dela sumiu. — Eu sabia que você não viria. Não poderia vir, quero dizer. Eu ri. — Sim. Seria meio estranho, não é? — Sim, acho que sim — ela disse com a voz baixa. — E onde vocês estão morando agora? — perguntei. Ela me disse que eles tinham comprado um apartamento na Gramercy, que sempre fora o bairro preferido da Rachel em Nova York. — Isso é maravilhoso... E para onde vocês vão de lua de mel? — perguntei, pensando na viagem deles para o Havaí, mas tentando afastar sentimentos negativos.
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— Sim... Nós vamos para Itália hoje à noite — disse ela. — Nossa. Que legal. Estou feliz por falar com você... — Sim. Eu também — disse ela. — Espero que você se divirta na Itália. Manda um abraço para o Dex também, tá bom? Ela disse que sim. Então, nós demos parabéns uma para a outra de novo e nos despedimos. Eu desliguei e olhei para Ethan, com lágrimas nos olhos. O tipo de coisa que acontece depois de você ter passado por uma provação. — Eu ia lhe contar — disse Ethan. — Mas como você estava prestes a entrar em trabalho de parto, não queria que você ficasse chateada, e ontem não era o dia mais adequado para isso... Além do mais, eu achava que seria melhor se Rachel lhe contasse a notícia. — Tudo bem — eu disse. — Eu estou surpreendentemente bem... Você foi convidado? — Sim. Mas eu não iria. — Por que não? — Como eu deixaria você sozinha? — Você poderia. Ele mexeu a cabeça de um lado para o outro. — De jeito nenhum. — Você é mais amigo dela — eu disse, talvez para investigar o que ele sentia por mim, mas também porque eu me sentia culpada por ele ter perdido o casamento de uma das suas melhores amigas por minha causa. — Sou mais íntimo de você agora — disse ele, sorrindo. Eu sorri, sem nenhum sentimento de vitória em relação a Rachel, apenas uma incrível proximidade com Ethan. Pensei se ele sentia o mesmo ou se gostava de mim apenas como amiga... — E olha só o que eu teria perdido — disse Ethan, olhando para John e Thomas. Pensei nos dois eventos: no nascimento dos meus bebês e no casamento da Rachel ocorrendo ao mesmo tempo, de lados opostos do Atlântico.
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— Você acredita que tudo aconteceu no mesmo dia? — perguntei a ele. — Francamente, não. É demais para a minha cabeça. — Acho que eu nunca vou esquecer a data do casamento deles. Ethan me abraçou e me deixou chorar um pouco mais. No dia da nossa saída do hospital, Geoffrey apareceu para nos visitar durante o seu plantão. Ele apertou a mão do Ethan, me deu um beijo no rosto e admirou os meus filhos. — Que cara legal — disse Ethan, depois que Geoffrey saiu do quarto. — Sim, ele poderia ganhar o prêmio de melhor ex-namorado do ano — eu disse, pensando que, sendo Geoffrey um cara tão legal, eu tinha feito a coisa certa ao terminar com ele. O fato de que a nossa relação tinha virado amizade de uma forma tão tranquila apenas confirmava isso. Coloquei o suéter que Ethan havia me dado no Natal enquanto ele embrulhava John e Thomas nos cobertores da Rachel, colocando-os em meus braços, um de cada lado. Em seguida, Ethan terminou de guardar as nossas coisas, que estavam espalhadas por todo o quarto. — Eu não quero ir — eu disse. — Por que não? — ele perguntou. Eu tentei explicar por que eu queria ficar no hospital para sempre, com um bando de enfermeiras e de médicos tomando conta de mim e dos meus filhos. Senti inveja das mulheres que estavam chegando para ter seus filhos e disse a Ethan que eu passaria por toda a dor do parto novamente se pudesse ficar mais algumas noites no hospital. Ethan afirmou que eu não precisava me preocupar. — Nós ficaremos bem — disse ele. — Você vai ver. Foi esse “nós” que me ajudou nos primeiros dias e semanas em casa. Fez com que eu enfrentasse o medo de que os meus bebês parassem de respirar, a frustração por causa
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da amamentação, a minha insegurança durante o banho e todas as outras coisas que pareciam desafios intransponíveis. Acima de tudo, me ajudou a resistir à agonia das noites sem dormir. Você sempre escuta pais de recém-nascidos contarem que não conseguem dormir, mas experimentar o ciclo interminável de levantar, amamentar e trocar fraldas de gêmeos era simplesmente espantoso. Posso dizer que, agora, eu entendia porque a privação de sono era a tortura mais usada em prisioneiros políticos. Nossos dias não eram muito fáceis. Lavar roupa, louça e contas se acumulando em um ritmo alarmante. A comida desaparecia ainda mais rápido e nós recorríamos com frequência a latas velhas de comida para não ter de arrastar nossos corpos delirantes por alguns quarteirões até a mercearia. Houve dias em que nós não trocamos os pijamas ou escovamos os dentes antes do final da tarde. E eu não tinha um pingo de energia para colocar maquiagem ou secar o cabelo, ou até de me olhar no espelho, exceto quando passava na frente de algum e, então, ficava horrorizada com o meu cabelo desgrenhado, com as minhas olheiras e com as gorduras que teimavam em permanecer em volta da minha cintura. Em resumo, não havia nenhum clima para romance, mas tinha alguma coisa entre Ethan e eu que era evidente em todos os pequenos atos de carinho. Era amor como verbo, como Rachel costumava dizer. Amor que me fazia mais paciente, mais leal e mais forte. Amor que fazia eu me sentir mais completa do que eu jamais havia sentido nos meus tempos glamorosos de sapatos de grife. Aparentemente, Ethan e eu éramos apenas bons amigos. Essas duas palavras me perseguiam, especialmente quando Ethan saía, de vez em quando, para passar um tempo com Sondrine. Ela ainda era namorada dele. Eu era apenas a amiga. Claro, nós éramos amigos que trocavam olhares profundos, que dormiam na mesma cama, cheios de desejo, que achavam qualquer desculpa para se tocar, mas eu tinha medo de que nós nunca pudéssemos nos tornar um casal de verdade, um time permanente. Eu tinha sonhos terríveis com um fim trágico: Ethan casando-se com Sondrine enquanto eu retornava para Nova York com Thomas e Jonh. Eu sempre acordava suada e chorando, experimentando a
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dor e a tristeza que enfrentaria se tivesse de passar o resto da minha vida me perguntando como seria incrível se nós tivéssemos ficado juntos, se algum de nós tivesse dado o primeiro passo e se declarado. Então, numa tarde no fim de abril, enquanto nós estávamos passeando com os meninos no Holland Park, ele me contou que, na noite anterior, comendo ostras em um restaurante chique, tinha terminado com a Sondrine. Eu fiquei muito animada com a oportunidade. E também senti um pouco de desconforto entre nós. O nosso último obstáculo tinha desaparecido, mas, e agora? Eu sorri e disse em um tom provocativo: — É um pouco estranho terminar com uma pessoa comendo ostras, você não acha? — Bem — disse Ethan, sem me encarar. — Eu não sou sempre um cara esperto... Como você bem sabe. O “como você bem sabe” pareceu cheio de significados e me fez ficar mais ansiosa. Então, eu tropecei, comentando que não devemos comer ostras em meses que têm a letra “r”. — Nós estávamos comendo ostras de pedras, fines de claire, que podem ser comidas o ano inteiro. Mas agradeço por sua preocupação — disse ele, bocejando como se estivesse tranquilo. — Não há de quê — eu disse, enquanto passeávamos em volta do campo de cricket. Um longo minuto se passou, o silêncio entre nós foi aumentando. — Como você se sente? — perguntei, escolhendo minhas palavras com cuidado. — Com relação ao rompimento. Ethan me olhou com as sobrancelhas levantadas. — Era algo que eu já pensava em fazer a algum tempo. Acho que eu estava dormindo e não percebi isso antes, entende? Eu concordei. Eu entendia. — Eu não me sentia mais atraído por ela — ele continuou. — Depois de tanto tempo, eu tinha que me sentir mais atraído por ela. Ou pelo menos sentir que a conhecia
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bem... Quero dizer, eu conhecia o seu gosto por música, artes, comida, viagem, literatura, mas eu ainda não a conhecia muito bem. Ou talvez não quisesse conhecê-la tanto assim. Concordei novamente, percebendo que nós dois estávamos andando mais depressa e evitando contato visual. — Tem outra coisa também — disse ele, parecendo nervoso. Ele parou de empurrar o carrinho para arrumar o boné do John, que tinha caído em cima dos seus olhos, e então disse: — Ela era muito antiamericana. Sou o primeiro cara a me levantar para criticar o nosso governo, mas eu ficava furioso quando ela falava mal do nosso país. Várias vezes me segurei para não dizer “Você estaria falando alemão agora se não fosse por nós”. Eu sorri, fingindo estar olhando um jogo de futebol perto de nós. — E também tinha o cheiro dela... — disse ele. — O quê? Ela não gostava de tomar banho? Ele negou. — Não. Ela era muito asseada. E usava bons perfumes também. Mas tinha alguma coisa que não me agradava no cheiro natural dela. O cheiro que saía da sua pele. Eu não gostava... Você sabe... É difícil mudar certas coisas. — Eu tenho um cheiro? Quando não estou usando perfume? — perguntei, preocupada que Ethan não gostasse do meu cheiro também e que eu estivesse apenas imaginando a nossa conexão física e química. Ethan me olhou, corado. — Sim. Você tem um cheiro — disse ele, devagar. — E? — perguntei, com o coração acelerado. Ele parou de andar, virou o rosto e olhou bem dentro dos meus olhos. — Você tem um cheiro quase cítrico. Doce, mas não muito doce. A expressão dele removeu o meu último vestígio de dúvida. Eu tinha certeza agora: Ethan me amava assim como eu o amava. Eu sorri, me sentindo tonta e quase sem ar
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quando ele entrelaçou os seus dedos nos meus. Nós tínhamos dado as mãos muitas vezes antes, mas, dessa vez, era diferente. Era o início de algo bem maior. Como eu imaginei que aconteceria, Ethan me puxou para perto dele, fechou os olhos, colocou o rosto no meu pescoço e sentiu o meu cheiro. — Sim. Você tem um cheiro de laranja — ele sussurrou. — Uma laranja que você encontra no armário na manhã de Natal. Senti uma carga de energia atravessar o meu corpo e entendi o que era ficar com os joelhos tremendo. Fechei os meus olhos e coloquei os meus braços em volta dos ombros do Ethan, segurando-o forte. Então, bem no meio do Holland Park, entre jogadores de futebol, bebês e cães, Ethan e eu trocamos o nosso primeiro beijo de verdade. Eu não tenho certeza de quanto tempo durou, dez segundos ou cinco minutos, ou algo parecido, mas eu sabia que o resto do mundo tinha parado, exceto os nossos corações que batiam um para o outro. Me lembro da sua mão macia subindo pela minha jaqueta e camiseta, seus dedos longos e finos apertando as minhas costas, e do quanto eu desejei sentir a pele dele contra a minha. Quando nós, finalmente, nos separamos, Ethan disse o meu nome de um jeito que ninguém nunca havia dito antes, a voz dele estava dividida entre afeição e desejo. Meus olhos se prendiam no seu olhar. Ele ainda era o Ethan, o menino magrelo da nossa escola e o meu melhor amigo. Mas ele passou a ser outra coisa também. — Eu acho que você sabe a razão do meu rompimento com a Sondrine — disse ele. — Sim. Eu acho que sei — sussurrei. Eu podia me sentir radiante e animada ao pensar no que iria acontecer depois. Naquela tarde e nos próximos dias. De braços cruzados, viramos o carrinho e voltamos para casa.
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Dois anos depois Dois anos depois Dois anos depois
É um belo dia de sol em Londres. Estou esperando no Holland Park, usando um vestido marfim feito de um chiffon tão macio que não consigo parar de tocá-lo. O vestido tem um decote “V” nas costas e, na frente, é justo na linha do busto e bordado com canutilhos brilhantes. A saia é rodada, romântica e simples, e balança com o vento. A moça na loja de noivas diz que o modelo foi inspirado no período eduardiano, o que acho que vai agradar muito ao Ethan. Esse foi o primeiro vestido que eu provei, mas, quando você sabe que alguma coisa vai dar certo, é porque ela vai. Assim que a banda começa a tocar, eu olho na esquina da rua Belvedere, para o jardim, e avisto Ethan. Só estivemos separados por 24 horas, mas, para nós, é uma separação muito longa. Não sei se foi por causa da nossa separação, do seu terno elegante ou da emoção, mas ele nunca esteve tão bonito. Sinto uma pontada no meu peito e começo a respirar mais depressa para impedir o choro, não quero estragar o meu rímel tão cedo. Por um momento, queria que o meu pai estivesse ao meu lado para me levar até o altar. Mas não, eu tomei a decisão certa. Vou entrar sozinha no dia do meu casamento, não para irritar ninguém ou para fazer um discurso, mas para simbolizar até onde eu chegara sozinha. Respiro fundo e viro a esquina em direção aos jardins. Agora posso ver Ethan por inteiro, posso ver, no rosto dele, que ele acha que estou linda, e eu não posso esperar para ouvir ele expressar seus sentimentos por mim. Ninguém se expressa tão bem quanto ele. Eu o olho fixamente. Enfim, estamos um ao lado do outro. — Oi — ele sussurra.
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— Oi — eu sussurro de volta, enquanto o ministro começa o seu discurso. A cerimônia é curta, em comparação com o tempo que eu e Ethan gastamos para escrever nossos votos. Nós mantivemos algumas partes tradicionais, mas cada palavra nossa tem um sentido especial. No fim, os olhos do Ethan estão molhados e vermelhos. Ele inclina o corpo para frente e encosta os seus lábios nos meus. Eu beijo o meu marido de volta, memorizando o momento, sentindo o sol na minha pele, o odor de flores no arco em volta de nós, o som dos aplausos, o clique das câmeras e as notas musicais. Eu me sinto flutuando quando Ethan e eu nos viramos, de mãos dadas, e olhamos os nossos convidados. Vejo minha mãe primeiro, limpando os olhos com um lenço. Meu pai está sentado ao lado dela, segurando Thomas e John. Meus pais estão felizes por eu ter encontrado o amor verdadeiro, nos braços de um novelista graduado em Stanford, cujo livro sobre como encontrar o amor em lugares inesperados é um best-seller internacional. Eu duvido que meus pais mudem algum dia, eles sempre vão se preocupar com dinheiro, coisas materiais e imagem, mas também sei que parte da nossa briga foi por preocupação e interesse pela vida de uma filha. Eu entendo essas emoções agora. Enquanto Ethan e eu caminhamos pelo tapete no meio do jardim, sorrimos para os nossos convidados. Vejo o meu irmão e Lauren, que está no começo da gravidez... Os pais do Ethan, apesar das aparências, estavam retornando o romance no jantar de ensaio de ontem à noite... Annalise, Greg e a doce Hannah, que já tem quase três anos... Martin e a sua nova namorada, Lucy... Phoebe, a quem eu aprendi a apreciar, e quase a gostar, depois de alguns coquetéis... Charlotte e John com Natalie... Meg, Yossi e seu filho, Lucas... Geoffrey e Sondrine, que, para a surpresa de Ethan, acabaram de ficar noivos. Depois eu os vejo na última fila: Rachel e Dex com sua bebezinha Julia, um clone da mãe, mas com os cabelos negros e ondulados de Dex. Ela está usando o vestido rosa que eu lhe dei no seu aniversário de um ano. Quando passo por eles, eu aponto para a tira de tecido azul que arrematava os surrados cobertores de John e Thomas, e que estava
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amarrada no meu buquê de lírios. Rachel e eu não nos falamos com frequência, mas eu disse a ela que gostaria de usar a tira para ser o meu “algo azul”, para nos dar sorte. Eu percebi que ela ficou emocionada, feliz por estar participando indiretamente do nosso dia. — Você está linda! — ela me diz, de longe. Dex sorri carinhosamente e eu o cumprimento com a cabeça. É difícil acreditar que nós ficamos juntos por sete anos. Ele não passa de um conhecido com um belo cabelo. Quando chegamos no fim do tapete, paro e olho para Ethan. Em seguida, pegamos John e Thomas no colo, que escaparam dos braços do meu pai e foram em nossa direção. — Já estamos casados, mamãe? — eles perguntaram com um sotaque inglês que não aprenderam em casa. — Sim — eu sorrio. — Sim! Nós estamos casados! — diz Ethan. Até que enfim. Eu me lembro daquele dia de outono, quando Ethan me pediu em casamento. Nós estávamos em uma viagem de fim de semana em Edimburgo, celebrando o meu novo trabalho como arrecadadora de fundos para adoção de crianças carentes. Depois de chegar ao hotel, nós decidimos escalar a Arthur’s Seat, uma pequena montanha que tem vista para toda a cidade antiga. Enquanto descansávamos, no alto da montanha, e admirávamos a paisagem, Ethan me deu uma pequena tira de papel tão gasta que parecia veludo. Olhando mais de perto, eu percebi que era o bilhete que eu havia lhe dado no 5º ano. O bilhete com a pergunta “Você quer namorar comigo?” e a alternativa que continha a palavra “Sim” marcada com um lápis vermelho. — Como foi que você encontrou isso? — eu disse, feliz por ele ter preservado o mais antigo pedaço da nossa história. — Eu encontrei em uma caixa de papéis antigos — disse ele, sorrindo. — Eu achava que tinha devolvido para você, mas nunca o devolvi, não é? — Não. Você apenas me disse sim no recreio, lembra? — Acho que sim. Vira o papel.
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Eu virei e, do outro lado, vi que ele tinha escrito uma pergunta. “Você quer casar comigo?” Olhei para ele, perplexa. Então eu chorei e disse que sim, sim! As mãos de Ethan tremiam um pouco enquanto ele pegava no bolso da jaqueta uma pequena caixa, a abria e colocava um anel de diamante no meu dedo. — Não precisamos de documentos ou genética para sermos uma família. Nós já somos uma — disse Ethan. — Mas eu quero que seja oficial. Eu quero que seja para sempre. Então, sempre pronto para registrar os nossos momentos especiais, ele estendeu as suas mãos e tirou a nossa foto de noivado. Eu sabia que o meu cabelo estava bagunçado pelo vento e que os nossos narizes estavam vermelhos por causa do frio, mas eu não me importava. Eu tinha aprendido a não dar tanta importância a essas coisas superficiais, a valorizar o conteúdo e não a forma. Eu sabia que toda vez que eu olhasse para aquela foto nossa em uma montanha da Escócia, eu não veria imperfeições e apenas me lembraria das palavras do Ethan: “Eu quero que seja oficial. Eu quero que seja para sempre”. Então, neste alegre dia de junho, embaixo de um céu tão azul que parecia pintado à mão, nós nos tornamos uma família oficial, para sempre. Mais tarde, depois que todos fomos ao Belvedere para tomar uma taça de champanhe, os brindes começaram. Algumas pessoas brincaram com o fato de termos namorado no 5º ano. Outros falaram sobre a nossa vida agitada de pais de gêmeos, imaginando como conseguíamos fazer tudo. Todos diziam que estavam muito felizes por nós. Então, quando eu pensava que o último brinde tinha acabado, Rachel se levantou devagar e limpou a garganta. Ela parecia nervosa, mas acho que só eu percebi isso, porque sei que ela detesta falar em público. — Nada me faria mais orgulhosa e feliz do que estar aqui para testemunhar o casamento de dois dos meus melhores amigos — ela começa, olhando para um pequeno cartão e depois para as pessoas que estavam ao redor. — Eu
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conheço Darcy e Ethan desde sempre, há muito tempo, e sei que são pessoas maravilhosas. Eu também sei que eles são melhores ainda juntos — ela faz uma pausa, seus olhos se voltaram para Ethan e depois para mim. — Eu acho que esse é o poder do amor verdadeiro e da amizade verdadeira... Acho que esse casamento mostra tudo isso — ela levanta a sua taça, sorri e diz: — Então, para Ethan e Darcy, amor verdadeiro e amizade verdadeira. Enquanto todos aplaudem e bebem champanhe, eu sorrio para Rachel, pensando que ela havia dito a coisa certa. Amor e amizade. São eles que nos fazem ser quem somos e podem nos mudar, se deixarmos.
Fim..
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Emily Giffin é formada pela Wake Forest University e pela Escola de Direito da Universidade de Virgínia. Depois de trabalhar em uma empresa de advocacia por vários anos, mudou-se para Londres para escrever em período integral. As obras de Giffin são best-sellers em todo o mundo. Seus temas favoritos envolvem situações e conflitos comuns na vida das mulheres. Seus maiores sucessos são Questões do Coração, Ame o que É Seu e O Noivo da Minha Melhor Amiga. Atualmente vive em Atlanta com o marido e três filhos.
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Esta obra foi formatada pelo grupo Menina Veneno para proporcionar, de maneira totalmente gratuita, o benefício da leitura àqueles que não podem pagar, ou ler em outras línguas. Dessa forma, a venda deste e‐book ou até mesmo a sua troca é totalmente condenável em qualquer circunstância. Você pode ter em seus arquivos pessoais, mas pedimos, por favor, que não hospede o livro em nenhum outro lugar. Após sua leitura considere seriamente a possibilidade de adquirir o original, pois assim você estará incentivando o autor e a publicação de novas obras.

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