terça-feira, 11 de junho de 2013

O ultimo beijo

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Cacá Adriane
O Último BEIJO
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CAPÍTULO APÍTULO APÍTULO 1
Na noite passada, tive o mesmo pesadelo de sempre.
Está chovendo, acordo no meio da noite, sinto que há algo errado, desço a escada descalça e correndo. Saio na rua, um carro está parado lá bem no meio, com todas as portas abertas. Me encharco inteira, mas não ligo. Corro até o carro, uma mulher está estirada lá, tem sangue por toda parte. Ela apenas diz, “Cuide do meu bebê”. Olho em volta, não há criança alguma.
Digo a ela: “Não consigo encontrar seu filho”. De repente, ela se transforma em um homem todo vestido de preto que agarra meu pulso e diz “Te Achei”.
Acordo suando de novo. Olho no maldito relógio, fico com mais raiva ainda, faltam cinco minutos para ele despertar. Hora de ir para a escola. Poderia voltar a dormir, mas perderia a hora. Moro praticamente sozinha, não tem ninguém para me acordar. Levanto, escovo os dentes, me jogo no chuveiro, visto qualquer coisa, prendo o cabelo em um rabo de cavalo, desço as escadas de tênis e sem correr, não tomo café da manhã. Enquanto espero largada no sofá o ônibus escolar buzinar, lembro do pesadelo. O que significa sonhar com a mesma coisa há dez anos?! Entro no ônibus, durmo até o colégio. Alguém me chacoalha, acordo e me encaminho para o matadouro, ou sala de aula, como chamam. Encontro a Ana no caminho.
Minha melhor amiga é o que salva aquele lugar, estudamos juntas desde a terceira série. Sabemos o que a outra está sentindo ou pensando só de olhar. É como se houvesse um código secreto, uma coisa diferente entre nós duas, quando sonho com a Ana é por que ela precisa ou quer muito falar comigo.
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Apesar de sermos de mundos diferentes, ela me entende. Talvez não me entenda, mas me aceita, o que já é uma grande coisa. Vivo no meu mundo e as pessoas não gostam muito de gente assim. Não é que eu seja estranha, nem pirada, mas sou um pouco mais tranquila do que o normal. Já ela é pura animação, meio cabeça de vento, sempre a achei meio louca, mas a conheço o suficiente para saber que é a uma das melhores pessoas do mundo.
Enquanto moro em uma casa de madeira modesta com meu pai, ela mora em uma mansão em um condomínio de luxo com seus pais, no plural, sua irmã e seu cachorro. O mais importante de tudo isso é que ela nunca, jamais, me deixou na mão.
Já fazia uma semana que as aulas haviam começado e ainda não tinha conseguido me sintonizar a sala nova, as matérias novas, os professores novos e tudo aquilo me parecia muito chato.
— Ah, Acaiah, você notou os dois meninos novos da nossa sala? — a Ana enfatizou bem o número.
— Não, Ana, nem reparei. O que têm eles?
— O que têm eles? O que têm eles? — ela me olhava com uma feição exageradamente indignada, que chegava a ser engraçada. — Oh, meu Deus, de que planeta você veio?! Acaiah, você precisa se atualizar, amiga, você está no ensino médio, colega. Homens independente de serem bonitos ou feios serão nossa pauta para conversas futuras.
— Nossa, já vi que você vai fazer monólogo — rimos juntas. — Digamos que esse assunto não seja lá bem a minha especialidade.
— Será, amiga. Será — se ela tinha razão eu não sabia, mas ter um namorado e ser uma garota normal não me deixaria nada triste.
Aguardamos a professora iniciar sua aula de Biologia, que particularmente era um saco. Para mim a aula era ouvida mais ou menos assim: “Blá, blá, blá”. Mas naquele dia foi diferente. Aquele dia mudou tudo.
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— Pessoal, não adianta reclamar, não haverá alterações e pronto — a professora dizia em meio a alguns protestos da turma. Virei para Ana, não havia prestado atenção.
— Reclamar do quê? — ela revirou os olhos.
— Por favor, Acaiah. Jesus! A professora vai nos separar em trios para as aulas no laboratório e ela vai sortear os nomes — ah isso era ruim.
— Oh, meu Deus! Tomara que fiquemos juntas, não quero ficar com o lado Glitter da sala. O lado Glitter era composto pelas Paty’s. Não tinha nenhum problema com elas, elas é que tinham um problema comigo, pelo simples fato de eu não usar a maquiagem ou as roupinhas de grife delas. Isso por si só era um fator determinante para elas me taxarem de perdedora. Elas são extremamente arrogantes e acham que o mundo gira em volta dos piercings de seus umbigos. Ok, eu não gostava muito delas também, preferíamos a cordial distância.
— Que os anjos digam amém — a gente iria precisar de muita sorte. Então esperamos nossos nomes serem chamados. Conforme a professora tirava pedaços de papéis de um saquinho vermelho e anotava os trios no quadro, o friozinho na barriga aumentava. Finalmente ouvi meu nome.
— O próximo nome é... Jasmim Acaiah e seus colegas serão... — meu coração parecia que ia saltar pela boca. — Ana Paula Werner e... — ela desastradamente derrubou o pedaço de papel no chão, aquela agonia estava me matando. Tudo menos uma das Glitters era só isso que pedia... — Hum vejamos, Gabriel De La Cour
A Ana parecia que ia ter uma síncope, de tão feliz, mas quando ela se virou para ver quem era, seu sorriso murchou. Fiquei curiosa com o que poderia tê-la desapontado, afinal ela andava com os hormônios à flor da pele. Foi então que foquei meus olhos em Gabriel, na mesma hora meus braços ficaram arrepiados, uma voz na minha cabeça gritava perigo. Ele era a criatura mais estranha que já tinha visto.
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Nunca havia reparado nele dentro da classe. Não saberia dizer se estava lá desde o primeiro dia de aula ou não, mas também não fazia a menor questão de conhecer a turma. Só conhecia as Glitters porque elas lamentavelmente já haviam estudado conosco no ano anterior. Se bem que qualquer um repararia naquelas peruas escandalosas. Voltei a olhar para a Ana.
— Bom, pelo menos estamos juntas — ela disse. Confirmei com a cabeça e todos se levantaram para ir ao laboratório.
Chegando lá sentei no meio, porque a Ana não queria ficar perto dele. Para falar a verdade, nem eu queria, mas alguém tinha de fazê-lo.
— Covarde — cochichei. Ela sorriu e mostrou a língua.
— Por favor, um de cada grupo terá de ir lá fora buscar exemplares para nossa aula — disse a professora. Levantei, queria sumir dali, não estava acostumada a lidar com meninos. Pior quando é um desses estranhos de quem você quer fugir desesperadamente. Mas a Ana foi mais rápida, quando dei por mim ela já estava fora do laboratório. Ótimo, agora teria de falar com ele.
— Hum, Gabriel. Gabriel? Hei — perfeito, ele estava me ignorando.
— Gabe — ele disse sem me olhar. — Como?
— Gabe. Me chame de Gabe.
— Hum. Certo, Gabe. Poderíamos começar a...
— Sua voz me dá dor de cabeça — ele me interrompeu. Bom, estava começando a odiar esse garoto.
— Isso é uma pena, pois você terá que me aguentar até o final do ano — ele olhou para mim pela primeira vez. Que olhos eram aqueles! De um preto surpreendente. — Portanto... Poderíamos começar...
— Você é boa.
— Boa no quê?
— Boa, mas chata.
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— Olha você nem me conhece, garoto.
— Nem pretendo — ia responder, mas a Ana chegou com os materiais para a aula e resolvi me calar. Quem ele pensa que é para tratar as pessoas assim?! Ou ele era um ogro, ou era retardado mesmo. Começamos o trabalho e a Ana resolveu quebrar o silêncio.
— Então, Gabriel, de que escola você veio? — coitada, não sabia o que a aguardava.
— Gabe.
— Hum, Gabe. Legal, gostei do apelido — ele revirou os olhos. — Mas de que escola você veio? Você conhece o outro menino novo?
— E você conhece a definição de silêncio? — ops, isso não ia acabar bem, a Ana não aceitaria um corte na boa.
— Qual é a sua, garoto? Sua mãe não te deu educação não?
— Com certeza, já sua mãe pelo visto não sabe controlar a filhinha — o rosto dela estava vermelho, muito vermelho. Ela não ia parar com aquilo e pelo visto ele também não.
— Chega. Os dois! — eles me encararam com cara de “não se meta nisso”, mas cederam, nem mais uma palavra foi emitida durante a aula. Assim que o sinal bateu, ele saiu correndo.
— Meu Deus, Acaiah, que moleque estúpido.
— Nem me fale! — sinceramente não queria ficar falando sobre ele, queria ignorá-lo o resto do ano e pronto.
— Nunca julgue um livro pela capa — olhei para ela com olhar de pergunta. — Qual é? O cara é um mala, mas tenha dó, Acaiah, ele é lindo demais, chega a doer.
— Sei lá, não reparei — mentira. — Ana, vou correr. Meu ônibus já está indo e sem mim.
— Não reparou não é? Tá bom. Te ligo depois. Beijos.
— Beijos.
Ela morava há duas quadras do colégio, mas eu tinha de pegar o ônibus escolar para ir embora. Como cheguei
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atrasada estava lotado, só sobrando um lugar lá no fundo, bem ao lado de um garoto. Reconheci Gabe e minha vontade foi chorar, faltavam 25 minutos até chegar em casa e o caminho seria longo.
Arrastei-me até aquele lugar. Não estava com a menor pressa de sentar ao lado dele. Depois de uns minutos ele puxou conversa.
— Por que sua amiga te chama pelo sobrenome? — minha vontade foi de mandá-lo tomar lá naquele lugar.
— Agora você quer conversar? — como não obtive resposta, respondi. Não sei por que, mas o fiz. — Porque ela acha meu nome feio.
— E você gosta de ser chamada do quê? — não queria responder, não queria falar com ele, ou talvez quisesse sim.
— Tanto faz. Nunca liguei muito para isso.
— Jasmim combina com você — Vou confessar, estava esperando um elogio. — Doce demais, frágil demais e não é muito bonita.
— Definitivamente, não é a minha flor favorita — olhei para ele pasma. O que tinha de errado com esse garoto, afinal?
— Obrigada — aquilo doeu e acabou me fazendo lembrar o porquê nunca chegava perto de garotos. Eles eram uns idiotas.
Nunca tinha beijado ninguém. O único garoto por quem me apaixonei era meu amigo Doug. Ele era apaixonado por uma daquelas malditas Glitters e isso foi na quinta série, quando as Glitters ainda mal sabiam ler, apesar de que eu desconfiava que elas ainda não soubessem.
Nunca mais quis ter amigos meninos. Não me fazia falta e não me acrescentava nada. Olhei para fora e graças a Deus estava na frente de casa. Peguei minha mochila, não voltei a olhar para ele, desci do ônibus convicta de uma coisa: Odiava Gabe.
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CAPÍTULO APÍTULO APÍTULO 2
Entrei em casa. Ela estava vazia como sempre. Não estava a fim de almoçar, depois comeria qualquer porcaria quando a fome batesse. Fui direto para o meu quarto, ele era todo rosinha, mas não era muito grande. Uma cama, um guarda-roupa com uma penteadeira e uma mesa de escritório com abajur e o computador da era pré-jurássica.
Entrei no MSN e meus poucos amigos estavam offline, é engraçado imaginar que há tão pouco tempo isso nem existia e ninguém sentia falta, hoje em dia, não me imaginaria sem, mesmo não tendo uma vasta lista de amigos.
Tomei um banho, graças a Deus havia um banheiro no meu quarto, a gente não se mudou enquanto meu pai não encontrou uma casa onde houvesse duas suítes. Na época foi um exagero já que só tinha sete anos, mas hoje em dia entendo seus motivos, ele não queria ter que dividir sua privacidade com uma adolescente, aliás, não creio que ele curta dividir muita coisa comigo.
Saí do banho, coloquei um vestido vermelho meio velhinho só para ficar em casa, ultimamente estava fazendo muito calor. A fome agora estava dando sinais de sua presença. Pensei em comer um macarrão instantâneo — era prático e minha comida favorita.
Fui para a cozinha prepará-lo. Enquanto a água fervia, não conseguia parar de pensar naquele tal de Gabe. Por que diabos aquele menino esquisito estava me tratando daquele jeito? Meu consolo é que não parecia ser algo pessoal, com a Ana ele também não foi muito agradável.
Ele é completamente diferente de todos os meninos que conheço, não só pelo fato de ser grosso ou porque ele é lindo, realmente muito lindo, mas ele me assusta por algum motivo. Ele tem um olhar superior, uma presença intimidadora, um ar esnobe como se conhecesse tudo o que passa pela sua
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cabeça. Algo nele era além do normal. Algo nele chamava minha atenção, mas ao mesmo tempo me dava arrepios.
Nesses momentos queria muito ter minha mãe comigo, para poder conversar essas coisas de meninas. Mas não tenho mãe, nem ao menos um pai presente, então terei de me contentar em comer meu macarrão instantâneo sozinha e sem conversar. Terminei de prepará-lo, arrumei a mesa e almocei sozinha de novo.
Lavei a louça, sequei, varri a casa, arrumei a minha cama, a do meu pai não precisava ele nunca estava lá para dormir nela, tirei pó, liguei a TV, minha mente voou até Gabe novamente. O telefone tocou, tirando-me dos meus devaneios. Era a Ana.
— Ai, amiga. Não vou com a cara dele. Ponto final.
— Também não, mas ele está no nosso grupo até o final do ano.
— Infelizmente. Bom, vamos olhar os pontos positivos do menino. Ele é um gato.
— Ana, por favor.
— Acaiah, você é meio bobinha, mas não é cega. Qual é? Vai me dizer que não amou aqueles olhos azuis?
— Pretos, os olhos deles são pretos — como ela poderia não ter notado que eram negros?! Aqueles olhos que pareciam varrer o calor de tudo ao redor.
— Joguei verde e colhi maduro. Há, há, há, viu só como você notou o cara? — droga. Sempre caía nas armadilhas dela.
— Certo, notei, ele é gatinho, mas ainda não gosto da presença dele.
— Nem me fale, ele me dá arrepios, mas vou ter que me aproximar dele.
— Por quê? — meu coração disparou sem explicação.
— Não fala nada, não ri, mas o amiguinho dele... Sei lá, me parece tão fofo. Bom, na verdade, fofo não seria um bom
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adjetivo. Ele é um gatinho. Ele tem um ar misterioso nos olhos. Ai, ai... Bom, vou ter que ir agora. Beijos.
— Beijos, mas... Ana, não acho uma boa ideia. Ele pode ser tudo isso que você está dizendo... Para falar a verdade não reparei no cara, mas se ele é amigo do Gabe, não pode ser boa coisa — ela já havia desligado. Ótimo.
Desliguei o telefone, estava me sentindo tão cansada que poderia deitar e dormir até o dia seguinte, mas ainda tinha deveres para fazer, todos os dias as professoras passavam olhando os cadernos e eu não precisava de notas ruins que só deixariam meu pai furioso. Concentrei-me nos exercícios e tentei afastar aquele imbecil e suas grosserias da minha cabeça, esforço inútil. A primeira aula do dia seguinte só podia ser biologia, claro: Uma hora e meia com Gabe.
— Acaiah, você não vai acreditar, encontrei o menino novo na entrada e conversamos vários minutos agradáveis — aquilo me atingiu. Como assim Gabe e Ana haviam conversado por vários minutos agradáveis?!
— Que menino novo? — tentei disfarçar meu nervosismo, mas acho que perguntei rápido demais.
— Nossa, Acaiah, que bicho te mordeu? — ela não esperou resposta. — Danny, o menino novo, porque aquele que deveria estar sentado aqui conosco parece um doido, com certeza ele não se enquadra na categoria “menino” para mim.
— Aham — vou confessar que fiquei aliviada de não ser o Gabe. — “Danny”. O tal “Gatinho”. Sei. E sobre o que conversaram? — na verdade estava só sendo educada, não queria saber sobre o que conversaram. Queria que o Gabe estivesse ali, porque havia ensaiado umas respostas daquelas bem dadas para dar.
— É Danny sim, sua chata. Daniel. Ele é uma graçinha, acho que estou a fim dele — ela sempre achava que estava a fim de alguém e fazia uma cara tão boba quando dizia isso. Tinha inveja disso, porque ao contrário de mim ela se apaixonava, mas esse fato sempre era passageiro, ela só queria curtir, palavras dela.
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— Isso não é rápido demais? Ele está interessado em você? — onde estava Gabe afinal?
— Não é rápido demais, ele é o maior gato do colégio e sei lá... Ele me deu o maior mole — olhei para ela brevemente quando ouvi uma fungada, o que significava que ela estava brava. — Por favor, Acaiah, pare de olhar para a porta, ele está no fim da sala.
Me virei subitamente e Gabe estava sentado no fim da sala, dessa vez percebi o tal amigo. O tal de Danny era lindo mesmo. Os olhos em um tom de castanho escuro, o cabelo quase loiro, com uma franja jogada para um lado. Mas Gabe ainda era prioridade, afinal de contas, o outro ainda não tinha me dado coices então, estava livre por enquanto.
— Nossa. Não o vi entrar.
— Ah! Quer dizer que era ele que você estava procurando? — hum. Como ia sair dessa agora? A Ana era do tipo de pessoa que nunca esquecia um assunto.
— Ah, claro que não. Do que você está falando, Ana?
— Nem tente me enrolar, joguei verde e colhi maduro, de novo. Você estava esperando ele entrar na sala. Olha, você tem um gosto meio peculiar minha amiga, o cara é sei lá... No mínimo estranho, com aquela cara de mau. Mas fico aliviada, estava começando a pensar que você era lésbica, não que eu seja preconceituosa, mas assim vamos ter mais assuntos em comum: Homens.
— Ana, você viaja — ela sempre me fazia rir. Só que dessa vez ela estava certa, por que estava procurando aquele idiota? O único motivo no qual conseguia pensar era que queria fazê-lo engolir sua grosseria. Isso não era nada de mais.
— Sei — ela fez sua cara típica de você não me engana não. — Ele parece bem amiguinho da Samara.
— É — não havia percebido ela ao lado dele. As três Glitters sentavam próximas a ele. Pareciam urubus em cima da carniça. — Não sei como ela o aguenta. Pensando bem, não sei como ele a aguenta — olhei para eles de novo. Gabe
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falava no ouvido dela, enquanto Samara dava risadinhas, aquilo me deixou irritada. — Com certeza eles foram feitos um para o outro — rimos em uníssono, mas estava rindo só por fora, minha vontade não era de rir. O que aquela ruiva sem graça tinha afinal que todos os meninos da escola babavam por ela? Primeiro o Doug na quinta série, agora Gabe. Com a Samara ele parecia estar sendo bem educadinho.
— Mudando de assunto, colega, você já assinou a lista?
— Que lista?
— Estão passando uma lista com os nomes do pessoal da sala e o MSN. Acho que vai ser divulgado para a galera se conhecer melhor. Nossa turma esse ano é bem grande comparada com as outras e tem bastante gente nova.
— Hum... Não preenchi não e também não tenho muito interesse nisso.
— Hey, está na hora de ampliar seus horizontes e a lista de contatos, não é, minha cara? Deixa que preencho por você — preferi não discutir, ninguém ficaria me adicionando mesmo. — Você tem que socializar, Acaiah.
Depois do anúncio da nossa professora de que a aula seria ao ar livre, terminei de desanimar, o dia não tinha como piorar. Para que ir lá fora? Naquele sol? Isso era para as Glitters que tinham o corpo perfeito, não para mim, que ia ter de aguentar aquele calor com o moletom do uniforme.
Apesar de não ser gorda, nem magra demais, não gostava de ficar me mostrando na escola com pouca roupa. Tinha um pouco de vergonha.
Já estávamos lá fora, a Ana estava conversando com alguém que eu não fazia a menor questão de saber quem era. A excluída era eu, ela era até bem popular. Na verdade, ela nunca ficava sozinha sem que realmente quisesse ficar; ao contrário de mim, ela não curtia muito a solidão.
Estávamos lá fora, eu olhava para o nada quando ele se aproximou, por trás de mim; pude sentir a respiração dele em
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minha nuca. Vou ter que confessar: Mesmo odiando o menino, aquela sensação foi boa.
— Está quente aqui, por que está de moletom? — me virei para encará-lo, tinha ensaiado tantas respostas em casa, mas ali na frente dele, não me lembrava de nenhuma.
— Por que não? Pode rir, se isso vai te fazer bem — comentei essa última parte porque percebi que a ruiva da Samara estava rindo e apontando para mim. Desviei o olhar.
— Não quero rir de você, Jasmim — meu susto foi tão grande que olhei para ele, seus olhos escuros pareciam decifrar o que estava sentindo, meu coração batia rápido.
— Não entendo você.
— Sou complicado.
— Hey, vocês dois. Podemos começar? Alguém tem que fazer os trabalhos, não é? — Ana chegou e começamos a fazer as tarefas, só falávamos o necessário sobre o trabalho.
Algumas vezes me peguei olhando para ele, mas pior do que isso foi que a Ana me pegou olhando para Gabe. Ela estava com uma cara de deboche; ele percebeu com certeza, queria matá-la.
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CAPÍTULO APÍTULO APÍTULO 3
Motivos: queria arrancar alguns de dentro de mim. Primeiro: O motivo de ele ser tão grosseiro e de repente parecer tão gentil. Tudo bem que ele se definiu como complicado e isso era realmente... Um pé no saco. Segundo: O motivo de isso mexer de uma forma diferente comigo, ele me trazia uma mistura de sensações que não queria nem pensar no que poderiam resultar; e por último, o motivo de ele estar ocupando uma boa parte dos meus pensamentos e isso realmente me deixava preocupada. Ao toque do sinal, levantamos e fomos embora.
No ônibus escolar o avistei no mesmo lugar, lá no fundo, mas desta vez havia outros lugares sobrando. Sentei na frente, olhei para trás algumas vezes, ele não me olhou nenhuma.
Cheguei em casa, joguei minha mochila no sofá. Ninguém estava lá, como praticamente todos os dias, iria almoçar sozinha.
Meu pai é piloto de avião, ele ama seu emprego, ama viajar... Amava ainda mais minha mãe. É isso mesmo, amava no passado, ela morreu ao dar à luz. Não que ele me culpe, mas acho que prefere viajar como um louco a ter que passar mais de um dia ao meu lado.
Meus pais eram pessoas felizes. Seu casamento de quatro anos era perfeito, mas minha mãe queria um filho; Isso foi um erro, a gravidez foi horrível. Ela passou mais de cinco meses na cama mal podia se mover. Resumindo: Matei minha mãe aos poucos. Para piorar, meu pai queria um menino. Ele é um cara legal, engraçado, leal, mas algo dentro dele se quebrou no dia em que nasci.
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Passei a tarde arrumando a casa e tentando estudar, mas precisava relaxar um pouco. A vantagem de se morar na frente de um bosque municipal é poder ler debaixo das árvores em um dia quente, então aproveitei o calor e me enfiei embaixo de uma árvore para ler. Quando leio me perco no tempo.
Uma vez a Ana me perguntou por que gostava tanto de ler, devo ter respondido algo como “sei lá”, mas na verdade eu sabia, gosto de ler porque a vida nos livros é melhor do que a minha.
Já deviam ser umas sete horas da noite, mas como ainda havia sol por causa do horário de verão não me preocupei muito com o fato de estar ficando tarde. Resolvi que não havia mal algum em ler mais um capítulo, ou dois. Na última vez que ergui meus olhos do livro, minha bunda formigava e a lua estava brilhando, definitivamente meu pai ia me matar, isso porque hoje ele voltava de viagem. Peguei minha bolsa e me apressei em sair do bosque; o fato da minha árvore preferida ser bem no meio dele não ajudou muito.
Comecei a ouvir passos, ou melhor, a ouvir folhas sendo pisadas. Um medo enorme tomou conta de mim; me senti fraca, estava há horas sem comer e essa carga de adrenalina repentina não estava ajudando. Me escondi atrás de uma árvore e esperei os passos se afastarem, mas eles fizeram o contrário, estavam cada vez mais próximos.
Podia jurar que era mais de uma pessoa. Senti vontade de vomitar, meu coração estava a mil, vi alguém se aproximar de moletom e capuz, cabeça abaixada. Aquilo me deu tristeza; estranho, o medo tinha ido embora.
Não tinha nada ali comigo para ser roubado, mas a ente ouve histórias de que fazem coisas bem piores com meninas em bosques. O sujeito veio se aproximando, estava com medo, mas agora era um medo normal, aquele que havia sentido a pouco quase tinha me feito entrar em um colapso nervoso.
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Estava triste, infeliz e não conseguia entender o motivo, era para estar sentindo pânico. O cara parou na minha frente, não conseguia correr, minhas pernas não se mexiam; também não resolveria nada, ele me alcançaria em segundos.
Sentia meu coração se derretendo de tristeza, como cera em contato com o fogo, ele ergueu a cabeça e o que vi foi demais para a minha sanidade. Ele tinha os olhos brancos fluorescentes, aquilo de jeito algum era uma lente de contato. A pior parte foi ver que o sujeito era Gabe, mesmo com os olhos daquela cor o reconheci e nos encaramos por alguns instantes. Virei o rosto para ver de onde vinha o ruído que ouvi, quando voltei meu olhar para Gabe, seus olhos estavam normais.
— Jasmim, o que você está fazendo aqui? — queria responder, mas não conseguia. Como os olhos dele estavam daquela cor? Como eles voltaram ao normal tão rápido? Isso eu não sabia, só sabia que a tristeza tinha passado. — Jasmim?
— O... O que... Você... Eu vi.
— Jasmim, preciso que você se concentre e saia daqui — queria respostas, não ordens. Ele deu um passo para frente e me movi para o lado para me afastar, acabei tropeçando em uma raiz e caindo.
Ele caminhou na minha direção, levantei com dificuldade, deixei minha bolsa no chão e corri. Tentei olhar para trás, mas ninguém me seguia. Parei em outra árvore para tomar fôlego, afinal, correr com bronquite asmática não é lá uma boa ideia. Meu coração quase parou quando senti alguém se aproximando, meu medo agora tomava conta de cada célula do meu corpo. Não aguentaria mais correr, mal conseguia respirar, apenas fechei os olhos e esperei. Senti uma mão cobrir minha boca.
— Por favor, Jasmim, não grite. Vou soltar você, mas não grite — abri meus olhos e os dele estavam normais. — Preciso da sua colaboração. Você está me entendendo? — acenei com a cabeça que sim, ele começou a baixar a mão e
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me preparei para correr, gritar, chutar ou qualquer coisa que me livrasse dele, mas percebi que não estávamos sozinhos. Tinha alguém parado a poucos metros de nós com aqueles olhos brancos. Fiquei imóvel olhando nos olhos de Gabe, ele sustentou meu olhar, será que ele realmente teria coragem de me matar?
— Gabe? — perguntou o outro cara, Gabe não olhou para ele, só ficou lá me encarando. — Gabriel?
— Estou ocupado — meu Deus como estava com medo. Aquela voz firme e grossa me dava arrepios que iam dos meus pés até meu último fio de cabelo.
— Mas...
— Já disse que estou ocupado, essa é minha, caia fora — o outro cara não disse mais nada, apenas se afastou. Gabe continuava me olhando.
— O que diabos é você? — por mais que estivesse a ponto de entrar em colapso, não podia deixar de perguntar.
— No atual momento, o cara que salvou sua vida.
— Isso ou o cara que tentou acabar com ela 5 minutos atrás?
— Você não deveria estar aqui, vá para casa, durma um pouco e conversamos amanhã.
— Você acha mesmo que vou para casa, dormir e esquecer tudo como em um passe de mágica? — ele simplesmente sorriu, foi um sorriso debochado e totalmente sexy, se o cara não fosse pirado, estranho e maníaco teria sido um momento encantador.
— Desculpe por isso.
— Desculpá-lo pelo quê? — ele não respondeu, apenas se aproximou. E por mais que meu interior gritasse que aquilo era arriscado, não tive reação. Ele me beijou, achei que iria empurrá-lo, que não gostaria do beijo, mas me enganei e muito. Eu Gostei.
Só o que lembro depois disso foi acordar na minha cama na manhã seguinte, sem lembrança alguma, de como,
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quando ou com quem fui embora. Acordei meio zonza, meu pai estava lá para o café da manhã, mas se ele havia percebido que cheguei tarde ao menos não comentou nada.
Me dirigi por instinto para a escola, estava totalmente ansiosa, hoje conseguiria minhas respostas. Chegando lá vi que Gabe conversava com a Samara, mas pensei que depois daquele beijo ele não ligaria se interrompesse a conversa.
— Gabe, posso falar com você?
— Não. Não pode — certo, não esperava por isso. Qual é a do cara afinal?!
— Gabe, preciso falar com você sobre ontem à noite — tentei fazer uma cara convincente, achei que na ameaça do seu segredo ser revelado ele iria acabar cedendo.
— Do que você está falando? — ele estava se fazendo de João sem braço, mas essa tática não ia colar comigo.
— Você sabe muito bem do que estou falando — poderia jurar que sua cara era de pânico total, ele queria passar confiança, mas estava muito assustado.
— Garota, você tem sérios problemas. Gabe passou a noite toda comigo — a idiota da Samara se intrometeu na conversa. Para falar a verdade, a idiota era eu, só nessa hora fui notar que eles estavam de mãos dadas.
— Desculpe? — tudo bem, admito, a resposta foi muito monga, mas estava em choque.
— Gabe é o meu namorado e estava lá em casa ontem à noite — tentei repelir a ideia de imaginá-los juntos, mas não pude. Uma cena dos dois na piscina gigante da casa dela aos beijos me veio à mente. — Gatinho, fala para essa garota sair daqui, ela está enchendo meu saco. — gatinho?! Qual é!
— Jasmim — não o deixei terminar, não ia dar o gostinho de ele me enxotar, me virei e sai de perto deles, fui até o banheiro e chorei, muito, durante muito tempo.
Perdi as duas primeiras aulas. Ele notaria, ele era da minha sala, mas e daí? Não tinha condições de passar por isso com eles rindo da minha cara, estava em um misto de raiva e dor. Como ele pôde fazer isso comigo? Nunca tinha
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beijado ninguém e me sentia humilhada e rejeitada. Alguém entrou no banheiro, encolhi minhas pernas, poderia ser uma professora atrás de mim.
— Acaiah, você esta aí? — ufa! Era a Ana.
— Sim.
— Que diabos aconteceu? Você nunca gazeia aula.
— Nada. Só não estava a fim — disse tentando disfarçar a voz rouca e fanha.
— Sei. Por algum acaso, esse seu estado de espírito nada tem a haver com o fato do Gabe e a Ruiva estarem namorando? — ia responder que não, mas não consegui. — Certo. Sabia. Amiga, ele não serve para você, é melhor assim, não vou com a cara dele.
— Verdade — concordei. De certa maneira era a mais pura verdade. Qual é? O cara tentou me matar, me beijou e estava namorando a garota mais nojenta da escola.
— Bom, de qualquer forma, ele mandou um bilhete para você, está aqui comigo. Nem sei se deveria te entregar isso, ou se deveria perguntar o que aconteceu entre vocês dois. Enfim... Vou te dar a droga do bilhete, então saia daí, lave o rosto que vamos entrar no intervalo, logo isso aqui vai ficar lotado das Glitters. Pegue seu bilhete e tenha a dignidade de me contar essa história toda quando estiver mais calma.
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CAPÍTULO APÍTULO APÍTULO 4
Abri a porta devagar, ela exclamou um “Ai, meu Deus”, imaginei que minha cara estivesse horrível. Lavei meu rosto, peguei o bilhete e ela saiu do banheiro sem dizer mais nada. Ela não ficaria esperando para ver o que estava escrito nele, já tinha lido — eu a conhecia bem o bastante para saber isso. Estava escrito:
Me encontre no bosque às 19h.
Por favor, vá.
G.
Não sabia o que pensar sobre isso, mas era óbvio que não ia. Nunca mais ia falar com esse garoto. Não mesmo. Passei o resto do intervalo me acalmando, meu rosto já não estava tão vermelho. Voltei para a sala, senti os olhos de Gabe cravados em mim, mas não olhei na direção dele.
— Bem-vinda de volta ao mundo dos vivos — apenas ri. Ana tinha essa capacidade de me fazer rir quando menos queria.
A aula era de matemática, resolvi me concentrar, coisa que nos últimos dias estava se tornando difícil. Estava quase terminando o dever que a professora passou.
— Acaiah, não sei que bicho te mordeu, mas continue assim — coloquei o braço em cima da minha folha. — Espera aí, me deixe copiar o último.
— Hei, sempre fui inteligente, sempre fiz todos os exercícios — fiquei um pouco irritada com o comentário dela.
— Você é inteligente sim, amiga. Isso é indiscutível, mas sinceramente? Você vive no seu mundo, onde você não deixa ninguém entrar e hoje, depois de te ver chorando por um menino e gazeando aula, minha cara colega, você está
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vivendo no meu mundo só para variar e isso me deixa realmente espantada.
Não tinha resposta para isso, fiquei absorvendo essa informação enquanto ela terminava de copiar os exercícios, afinal, todo mundo cola. Senti uma bola de papel cair perto de mim, não tinha certeza se era para mim, mas alguma coisa me dizia que sim. Juntei a bolinha com o pé, desembrulhei o papel, era a letra dele.
Olha para mim.
G.
Virei minha cabeça na direção dele, foi inevitável. Deus, ele estava lindo, com uma calça jeans, camisa branca, cabelos de um castanho escuro meio compridinho, com alguns cachinhos, seus olhos escuros estavam me observando atentamente.
Ele era louco e estava querendo me enlouquecer também, mas a boca dele era a coisa mais perfeita que já tinha visto, toda vermelhinha. Voltei os olhos para o caderno, a Ana ainda não tinha terminado de copiar. Estava enlouquecendo, esse garoto estava me deixando maluca. Queria negar, mas o fato de ele me mandar bilhetes me animava.
Não encontrei com ele na saída, mas estava convicta do fato de que não iria naquele bosque novamente. Vai que o cara quer me violentar ou matar.
Fui embora, limpei a casa, fiz meus deveres e ajudei meu pai a fazer o jantar, por milagre ele estava em casa. Tentei não pensar nele e quanto mais tentava, mais eu pensava.
Quando fui lavar a louça, tarefa que deixei por último, não deu mais para segurar. Pensei em tudo o que aconteceu na noite anterior e nessa manhã; tentei encontrar uma resposta lógica para ter ido parar em casa sem me lembrar do que acontecera, mas não achei nada. Se quisesse respostas
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teria de ir lá. Percebi que pelo tamanho da minha ansiedade não conseguiria ficar em casa de qualquer maneira. Terminei a louça e fui para o meu quarto com a desculpa de ter enxaqueca, meu pai engoliu essa.
Depois de um banho olhei no relógio, eram exatamente 19:05h e eu estava atrasada. Resolvi deixar um bilhete no meu caderno, se ele me matasse ao menos a Ana encontraria este bilhete e descobriria que eu havia ido encontrá-lo.
Vesti um jeans e moletom, meu pai havia ido jogar boliche com os amigos que eu nem sabia que existiam. Ele pareceu ficar aliviado com a minha “enxaqueca”, caso contrário teria que me convidar para ir junto.
Esgueirei-me até o parque, talvez ele nem estivesse mais lá, estava ficando escuro. Aproximei-me da minha árvore favorita, era onde o tinha encontrado ontem, mas parei quando ouvi vozes.
— Isso não vem ao caso, Gabe.
— Você não está entendendo... É diferente, não quero mais fazer isso.
— Não. Não é. Gabe isso é... Ah cansativo, já passamos por isso e sabemos como as coisas acabam, você foi escolhido para fazer isso, é importante que você conclua essa tarefa.
— Acho que dessa vez...
— O quê? O que você acha que vai mudar? Você não pode mudar, acabe com o problema.
— Luke. Não quero...
— Mandei acabar com o problema, ainda mando em você. Entendido? — silêncio. Não conseguia entender o conteúdo da conversa, mas comecei a suspeitar que o problema a ser resolvido fosse eu. — Entendido, Gabe?
— Sim, Senhor — não podia vê-los, mas ele parecia muito irritado em ter de acatar as ordens. O outro cara se afastou. Não me mexi, ia esperar ele sair para poder ir embora. O que ele quis dizer com acabar com o problema? Eu era o problema?
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— Sei que você está aí, Jasmim, pode sair de trás da árvore — tipo assim, “Meu Deus”. Meu coração congelou por um breve segundo. Me apoiei na árvore e se pudesse entraria dentro dela, só conseguia pensar “Que mico, que mico”. Não tive outra escolha a não ser respirar fundo, fazer minha melhor cara de pau e sair de lá, ele me olhava com ar de deboche.
— Hey! Oi, Gabe — me sentia uma completa idiota.
— Então você resolveu aparecer — ele se aproximou de mim, seus olhos estavam normais, isso foi um alívio. Ele me olhava de um jeito, como se eu fosse transparente e ele pudesse ver tudo que estava pensando ou sentindo, meu nível de adrenalina estava a mil.
— O que você queria falar comigo, Gabe?
— Mudança de planos, você se atrasou, agora a conversa é outra — droga!
— Então... Por acaso... Eu sou o problema? — ele apenas concordou com a cabeça. Ótimo. Esqueça a adrenalina.
— E como você vai resolver o problema? — engoli em seco.
— Ainda estou trabalhando nessa ideia — estava tremendo, eu era o problema e ele precisava acabar com o problema. Não precisa ser bom em lógica para deduzir isso.
— Preciso te pedir uma coisa — ele se aproximou. — Um beijo — o quê?!
— Você enlouqueceu? E a sua namorada? E o que aconteceu aqui ontem à noite? Não esqueci, Gabe. Tive pesadelos com aqueles olhos a noite toda. Você me tratou como lixo na escola e agora quer um beijo?
— Não quero que você me perdoe, quero que você me beije.
— Você me dá nojo — me virei para ir embora, ele me segurou pelo braço.
— Não. Não dou. Se desse você não estaria aqui.
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— Meu Deus! Seu ego consegue ser maior do que suas grosserias.
— E você consegue ser mais chata do que imaginava — soltei meu braço que ele ainda segurava.
— Você é petulante, arrogante, presunçoso, egoísta e mentiroso.
— Você é boa.
— É, você já me disse isso. Vou para casa.
— Não vou desistir do beijo.
— Vai perder seu tempo. Por que você não vai beijar a sua namorada?
— Pode apostar que vou — disse ele. Aham, esse garoto estava me tirando do sério. Caminhei para casa, ele não me seguiu. Não consegui as respostas que desejava, mas ia descobrir o que estava acontecendo, isso eu ia.
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CAPÍTULO APÍTULO 5
Meu corpo todo provava de um estado de inércia ao cruzar o portal que marcava a saída do bosque, algo dentro de mim estava pegando fogo. Minha vontade era de correr de volta e bater nele, ou correr sem rumo até a minha bronquite explodir com meus pulmões.
Olhei para trás, ele não me seguia. De certa forma isso me deixou decepcionada, não havia nada além dos dois guardas encostados na guarita na entrada do parque. Olhar para eles fez com que me sentisse uma idiota, “Por que não me lembrei deles ontem, quando achava que estava sendo atacada?”, eles me olhavam com uma cara que me fez imaginar como estava a minha.
Cheguei em casa, meu pai ainda não havia voltado. Fui direto para o quarto, meu MSN estava aberto e estava piscando, era a Ana. Não contei nada, mesmo com ela me questionando sobre o motivo de eu ter demorado quase meia hora para responder. Expliquei que estava lá embaixo fazendo algo na cozinha e que havia esquecido o MSN aberto.
Decidimos que no dia seguinte depois do colégio iríamos ao shopping, precisava me distrair mesmo, minha cabeça estava torrando meus neurônios.
Tomei um banho e deitei na minha cama, fechei os olhos sem me permitir pensar em absolutamente nada, mas os meus sonhos não são controláveis. Aquele pesadelo de novo.
Está chovendo, acordo no meio da noite, sinto que há algo errado. Desço as escadas descalça e correndo, saio na rua, um carro está parado lá, bem no meio, com todas as portas abertas. Me encharco inteira, mas não ligo. Corro até o carro, uma mulher está estirada lá, tem sangue por toda parte. Ela apenas diz, “Cuide do meu bebê”. Olho em volta, não há criança alguma. Digo a ela: “Não consigo encontrar seu filho”. De repente, ela vira Gabe de olhos brancos, que agarra meu
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pulso e diz “Te Achei”. Essa era nova. Gabe literalmente havia virado meu pior pesadelo. Acordei assustada e suando como sempre, respirei fundo e disse a mim mesma “É só um maldito pesadelo”, voltei a dormir.
Na escola tudo correu bem. Gabe não foi, flagrei a mim mesma olhando para seu lugar vazio um milhão de vezes. Obviamente que sua namorada Glitter me pegou olhando para lá e não pareceu gostar muito desse fato.
Ana e eu fomos ao shopping depois da aula. O pai dela nos deixou lá de carro, era legal andar de carro de vez em quando, mais legal ainda fingir que ele era meu pai. Entramos em várias lojas, a Ana comprou um monte de coisas. Ela simplesmente surtava em locais como aquele, definitivamente os pais dela iriam pirar quando vissem a fatura do cartão de crédito. Só fiquei olhando e concordando com as roupas que gostava, embora a maioria não fizesse meu estilo.
— Acaiah, você não vai levar nada? — não é que meu pai ganhasse mal, é que ele não me dava dinheiro para roupas de marca. Roupas eu tinha, elas só não eram muito legais.
— Não trouxe dinheiro, Ana. Deixa, outro dia levo alguma coisa.
— Não senhora, já é um parto te arrastar para o shopping, ainda não sei como você concordou tão fácil.
— Até parece.
— Vamos, compro alguma coisa e depois você me paga — sabia que isso era desculpa, ela não me deixaria pagar depois, mas discutir também não era uma opção.
— Ok. Você sabe que não gosto disso, mas vai, hoje você venceu!
— Boa menina — ela já voltava para os locais onde as roupas estavam. — Gostei daquela blusinha verde escura em “V”, combina com seus olhos, ela com uma calça jeans decente vai fica perfeita.
— Minha calça é decente.
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— É. Só que com ela você parece que não tem bunda, uma nova vai marcar seus atributos.
Resolvi não discordar e provar a roupa que ela falou. A calça jeans escura ficou ótima, tenho que admitir que minha bunda estava realmente mais bonita nela, minhas coxas também. Quanto à cor da blusinha ela também acertou, verde-esmeralda combinava com meus olhos, mas o decote em “V” não me agradou, escolhi outra, da mesma cor, mas regata normal, justa. Eu estava realmente bonitinha, era de extremo bom gosto e bem diferente do que estava acostumada a usar.
Geralmente era nada de decotes, nada de roupas apertadas e coloridas demais. Ela me fez sair vestida daquela maneira do provador, carregando as etiquetas para o caixa, no caminho ainda comprou um brinco para combinar, mais duas blusas e um vestido relativamente curto, que quem sabe em alguma outra encarnação eu tivesse a ousadia de usar.
Fomos direto para o banheiro com ela me puxando pelo braço a longos passos, quase correndo. A Ana tinha alguns surtos de me fazer parecer sua boneca de estimação, geralmente eu invocava, mas hoje estava mesmo precisando de distração. Inacreditavelmente estava me divertindo com aquilo tudo. Ela fez uma maquiagem rápida em mim no banheiro, batom, lápis de olho e rímel. Com certeza minha amiga em nada se parecia com as Glitters, mas tinha seu kit de primeiros socorros sempre à mão.
— Pronto. Agora vamos desfilar por aí. Vamos tomar um sorvete.
— Olha, amiga, gostei do look, mas não sei não. Ficar carregando essas sacolas todas não vai ser divertido.
— Chega, Acaiah. Você vai e pronto. Aliás, não vamos carregar as sacolas, a vendedora manda tudo para a minha casa depois.
Subimos até a praça de alimentação e todos nos olhavam, não podia negar que era divertido chamar atenção, mas ao mesmo tempo incomodava. Afinal de contas, a última
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vez que chamei atenção foi quando tropecei na Educação Física e caí de cara no chão e não foi nada agradável.
— Viu, Acaiah. Não disse?
— O que exatamente?
— Por Deus, não disse que você está linda? Os caras não param de babar em você.
— Oh. Isso. Ah, estão olhando para você também — os meninos passavam assobiando e chamando nossa atenção de maneiras diferenciadas.
— Vamos achar uma mesa e pedir uma porção de batatas com bacon.
— Agora você falou a minha língua, estou morrendo de fome — nós não havíamos almoçado ainda e meu estômago roncava.
Sentamos e enquanto esperávamos a batata e o refrigerante, dois rapazes sentaram na nossa mesa. Eu queria morrer, nós não os conhecíamos, mas a Ana conversava naturalmente com eles, como se já fossem amigos. Tentei fazer o mesmo, mas não estava dando muito certo. Um dos caras sentou perto de mim, muito perto.
— Então, como a princesa se chama? — pensei: Sério? Princesa? Ah, por favor.
— Jasmim — respondi o básico. Uma lembrança tomou conta da minha cabeça: “Jasmim combina com você. Doce demais, frágil demais e não é muito bonita. Definitivamente, não é a minha flor favorita.”
— Lindo nome — ele dizia sorrindo de um jeito bobo.
— Obrigada — estava ali do lado de um cara lindo, que estava me tratando super bem e só conseguia pensar no ogro do meu colega de classe?
Pensei que fosse desmaiar quando olhei para a mesa da frente. Senti aquela impressão de que alguém está te olhando e lá estava ele, olhando para mim, de uma forma intimidadora. Danny estava com ele. Voltei minha atenção para o menino do meu lado.
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— O meu é Rafael. Você tem namorado? — queria que ele sumisse, eu queria sumir. Estava tonta, não conseguia respirar, minha cabeça girava, Gabe não tirava os olhos de mim.
— Não. Não tenho namorado.
— Gostei dessa informação — tentei sorrir, mas não acredito que tenha sido muito convincente.
Olhei para Gabe e, Deus, como ele era lindo. Estava de azul e jeans, seu cabelo com leves cachinhos, como sempre, sua boca perfeita, mas seus olhos não estavam amigáveis. Seria possível ele me detestar tanto assim a ponto de odiar me encontrar no shopping?
A tristeza aumentava a cada segundo, estava a ponto de cair em prantos, aquilo estava acabando comigo. Por que estava triste, afinal? A Ana pareceu notar algo estranho, ela olhou para trás, os viu e ficou transparente.
— Meninos, minha amiga e eu vamos ao banheiro. Já voltamos — ela disse já levantando da mesa, não disse nada, parecia que ia vomitar. Literalmente ele revirava meu estômago. Entramos às pressas no banheiro.
— Amiga, estou ferrada, com aqueles dois na nossa mesa minhas chances com o Danny foram para o espaço — me apoiei na bancada da pia e olhei no espelho. — Você viu como o Gabe está lindo?
— Oh, meu Deus, você notou? Você viu?
— Olha, Acaiah, você está me preocupando. É claro que vi, o cara está deslumbrante. Bom, temos que despachar aqueles dois. Pena, porque são bem gostosinhos.
— Ana — ia acabar vomitando meu coração, porque ele realmente parecia estar localizado abaixo das minhas amídalas.
— O quê? Vai falar que não achou? Esquece, temos que voltar rápido antes que o Danny vá embora, quem sabe ainda consigo reverter a situação.
— Oh, céus, tudo bem, vamos lá recuperar seu príncipe encantado.
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Saímos do banheiro. Olhei para nossa mesa, os caras ainda estavam lá, nossa batata tinha chegado e minha fome foi para o espaço no momento que vi Gabe e Danny na nossa mesa também. Senti a Ana ficando rígida ao meu lado, mas continuamos indo em direção a eles. Nos sentamos novamente, eu estava de frente para Gabe e ao lado do Rafael.
— Então — por que os garotos começam a puxar conversa com “Então”? — cara, você é linda.
Tentei não fazer o que fiz, mas foi inevitável, olhei para Gabe. Ele tinha os punhos fechados, sua respiração estava pesada e seus olhos não saíam dos meus.
— Sua boca dá vontade de beijar — oh... Agora as coisas estavam se complicando, só conseguia pensar “Oh, Meu Deus”. Consegui prestar atenção no que a Ana falava e ela dizia para o outro menino e para o Danny “O quê? Vocês se conhecem?”. Voltei minha atenção para o Rafael.
— Ah, Rafael... — ele não me deixou terminar, colocou um dedo na minha boca e veio se aproximando; não tinha muita experiência nisso, mas o cara ia me beijar. Parecia que o tempo tinha parado, despertei com a voz de Gabe.
— Fique longe dela. Vai ser melhor para você — todos na mesa o encararam.
— Cara, acho que ela deve escolher quem fica perto dela ou não — Gabe ia responder, mas falei antes.
— Concordo — seu olhar era do mais alto nível de fúria. — Por isso vou para casa. Ana?
— Ah, sim, claro. Casa — ela estava em choque, só não sabia qual de nós era o motivo. Nós duas levantamos e fomos em direção à saída, mudas, o que era novidade.
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CAPÍTULO APÍTULO 6
O tal do Rafael nos seguiu juntamente com o seu amigo. Eu estava totalmente vermelha, o cara ficava dizendo “Espera aí gatinha”, “Eu não mordo”. Cara, isso era um mico, melhor, um King Kong. Depois de alguns minutos tortuosos, ele se calou.
De repente alguém segurou meu braço. A Ana estava um pouco mais a frente, jurava que era o carinha, me virei com um tapa fervendo nas mãos, louca para mandá-lo pastar, mas era o Gabe.
— O que você pensa que está fazendo, Jasmim? — estava totalmente sem reação. Esperar que o garoto fosse me seguir e me puxar já era difícil, mas ver Gabe fazendo isso era impossível. Minha cara era de pasma e ele ainda segurava meu braço.
— Gabe?
— Te fiz uma pergunta — quem ele era para falar assim comigo? Olhei de canto de olho para a Ana e a coisa também não estava muito boa para o lado dela, julgando pela cara do Danny.
— Passeando e você?
— Você conhece aquele cara?
— Você vem sempre aqui? — essa conversa não nos levaria a lugar algum. Tentei soltar meu braço, mas foi inútil.
— Perguntei. Se. Você. Conhece. Aquele. Cara. — céus. Ele falou assim pausadamente, entre os dentes. Seu rosto estava vermelho, ele ainda segurava meu braço, mas não com força.
— Gabe. Relaxa aí, cara — Danny estava ao lado dele, com uma mão em seu ombro agora.
— Cai fora, Danny — ele parecia uma bomba-relógio.
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— Cara, solta ela. Relaxa — a voz do Danny estava tensa, mas muito calma se comparada com Gabe.
Ele soltou meu braço, algumas pessoas olhavam a cena. Ele respirou fundo algumas vezes, meu coração martelava no peito. A Ana estava do meu lado olhando para o chão, nunca a vi com vergonha na vida.
— Desculpe, Jasmim — ele disse sem me olhar. Não respondi nada, estava zonza demais para mexer qualquer músculo.
Ele desviou de mim e foi embora seguido por Danny, que parecia dar um sermão nele. “Nada é tão ruim que não possa piorar”, meu pai sempre diz isso. Constatei que é verdade quando o Rafael chegou perto de mim.
— Princesa, ele te machucou? — só movi a cabeça, fazendo que não. A Ana estava muda, totalmente, novidade dois do dia.
O Rafael tomou a liberdade de pôr uma mecha do meu cabelo, que é comprido e preto, atrás da minha orelha. De repente, senti um vácuo passar pela minha cabeça e atingi-lo. Primeiro não entendi o que vi, mas depois ficou claro: Rafael estava no chão, com Gabe em cima dele, levando socos.
Poderia e deveria ter feito algo, mas não fiz. Depois de uns cinco ou seis socos, Gabe se levantou do chão, ainda olhando para o menino e disse: “Eu te avisei para ficar longe dela”, passou por mim e esbarrou no meu ombro com força.
Não podia acreditar que aquilo estivesse mesmo aconte-cendo, devo ter entrado em estado alfa, porque não vi o tal de Rafael ir embora. Sinceramente não sei o que aconteceu com ele, tampouco vi o tamanho do estrago em seu rosto.
Assim que “acordei” a Ana ligou para o seu pai ir nos buscar.
— O que eles estavam fazendo na nossa mesa? — incrível que de todas as coisas que rondavam a minha mente essa tenha sido a primeira pergunta que fiz.
— Danny conhecia o Anderson — nunca vi minha amiga pálida daquele jeito.
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— Quem?
— O outro menino, Acaiah, acorda!
— Ah, claro — processei a ideia um segundo. — Conhecia de onde?
— Sei lá. Algo a ver com Danny dar algum tipo de aula para ele.
— Aham — pensei em perguntar aula do quê, mas ela não estava com cara de quem queria conversar. Deixei para lá.
O pai dela chegou, entramos no carro. Não trocamos mais nenhuma palavra, acho que simplesmente não sabíamos o que falar. O pai dela me deixou na frente de casa, esbocei um “Tchau, te ligo depois” e saí do carro. Gostaria de ter o telefone de Gabe, gostaria de poder ligar e xingá-lo. O que diabos foi aquilo tudo?
Parei na nossa pequena varanda. Era a parte que mais gostava na casa, tinha uma cadeira de balanço, que foi uma das únicas coisas da minha mãe que meu pai trouxe da nossa casa antiga, lá era meu lugar preferido para refletir.
Perdi a noção de quanto tempo fiquei ali, balançando e tentando achar razões lógicas para o que estava acontecendo. Fingi por vários minutos que minha mãe estava dentro de casa, fazendo qualquer coisa, quem sabe um bolo e que eu iria entrar em casa e nós duas passaríamos o resto do dia conversando. Contaria a ela sobre Gabe e sobre o beijo, o fato de ele ter namorada e bater em um cara por minha causa. Senti lágrimas escorrendo pelo meu rosto, elas me lembravam de que minha mãe não estava lá e nada disso aconteceria.
Dei-me conta de que havia dado meu primeiro beijo e nem ao menos podia contar a minha melhor amiga, o que diria a ela? “Oi, Ana, beijei o Gabe no bosque à noite, depois de ser atacada por ele e de ter fugido. Ah, é, ele finge que nada aconteceu, namora a Samara e não me lembro de como voltei para casa”. Ia ser patético. Minha amiga me ama, mas
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até eu já estava começando a imaginar que meu lugar era no hospício.
Poxa, o cara muda a cor dos olhos, muda o humor, o comportamento, caramba... É de enlouquecer. Mas ele beija bem, disso me lembro com perfeição. Seu cheiro, não consigo descrevê-lo, mas é maravilhoso, a voz dele é penetrante, o contato do seu corpo, dos seus lábios... Chega, Jasmim! Você está ficando obcecada. Estava tomando fôlego para entrar quando recebi uma visita.
— Espero não estar atrapalhando — não acreditei. Não esperava vê-lo na minha casa.
— Não está.
— Podemos conversar? — era muito estranho vê-lo depois daquele dia fatídico, mas minha curiosidade estava a mil, igual ao meu coração.
— Claro, Danny, podemos sim. Vamos entrar.
Abri a porta de casa tremendo, mil coisas passavam pela minha cabeça. Ainda bem que a casa estava sempre limpa, o convidei para sentar no sofá, ele aceitou. A Ana tinha motivos para gostar dele, o cara era um deus grego.
— Você está com fome? — sei lá se realmente tinha algo para oferecer para ele comer, mas tentei ser educada.
— Não obrigado. Já comi no shopping — a lembrança do que aconteceu lá embrulhou meu estômago. — Deve ser difícil para você, não é mesmo?
— Do que você está falando?
— Viver em uma casa assim, sozinha. Sei que seu pai viaja muito e que sua mãe faleceu — bem, isso não era segredo para ninguém, mas me surpreendeu que ele tivesse comentado.
— Com o tempo a gente acostuma.
— Para você, como menina, deve ser complicado — aquilo já estava me irritando, onde ele queria chegar?
— O que te trouxe aqui, Danny? O que exatamente você veio me falar? — tentei disfarçar o nervosismo.
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— Nossa. Ele me disse mesmo que você era direta — aquilo fez meu cérebro entrar em curto. Ele falava de mim? Ele falava de mim para o amigo dele? Isso me fez pensar até onde Danny sabia. Ele sabia do beijo? — Vim aqui para te fazer um pedido, Jasmim.
— Qual? — mal ouvi minha voz, meu coração batia tão forte que estava me deixando surda. Ele não respondeu, pareceu ponderar, ele olhava para baixo. — O que exatamente ele pediu para você me dizer?
— Oh, não. Gabe não sabe que estou aqui, ele me mataria se soubesse — aquilo era decepcionante de certo modo, por outro lado me deu alívio. Talvez Gabe não me quisesse despachar. Ah! Claro! Isso se eu esquecesse o fato de que ele tem namorada. Idiota!
— Qual o seu pedido então? — de repente uma ideia me invadiu a mente, talvez ele estivesse ali pela Ana.
— Vim aqui para te pedir que... — ele respirou profundamente, levou as mãos aos cabelos o bagunçando. — Fique longe de Gabe.
— O quê? — ele veio até a minha casa para me dizer isso?
— Ele é meu melhor amigo, mas fique longe dele, Jasmim. Isso não vai trazer nada de bom para você, muito menos para ele — agora sim, agora meu dia estava tendo um desfecho esplendoroso.
— Olha, Danny, não sei o que exatamente ele te disse, mas não tenho nada a ver com ele. Gabe é namorado da Samara, você deveria pedir a ela para se afastar dele ou será que o seu pedido envolve somente a mim? — ela podia ficar com ele e eu não? Sério? Aquela Glitter? Isso já era demais para suportar.
— Ele não me disse nada, mas o conheço, Jasmim — ele parecia inquieto, talvez fosse besteira da minha parte, mas parecia ponderar em me dizer mais coisas. — Com relação a Samara, bom... É diferente. É complicado.
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— Vocês realmente são amigos. Inclusive usam as mesmas desculpas. Dizer que uma coisa é complicada não é bem uma explicação — estava muito irritada. Qual é? O cara vem aqui me deixar mais confusa ainda, meu Tico e Teco já estavam entrando em conflito. — Quero respostas, Danny. Quero entender o que eu vi e o que ando sentindo.
— Como assim o que você anda sentindo? — agora ele parecia mesmo assustado.
— Se soubesse não precisaria entender, certo? — os olhos dele pareciam que iam saltar da órbita.
— Jasmim, sou muito bom em ler os sentimentos das pessoas, muito bom mesmo — ele fechou os olhos e sua mão direita com força, quando disse a última parte. — Pare, afaste-se dele, evite seus sentimentos.
Não sei bem o motivo, mas meus olhos se encheram de água. Estava lutando muito para não chorar, minha garganta doía devido à força de manter as lágrimas longe. Levantei do sofá, precisava de um copo de água. Parei em frente à pia, peguei um copo do escorredor de louças, enchi de água, olhei para fora da janela que ficava bem em cima da pia; estava de noite agora e no meio da escuridão dois olhos brancos me olhavam fixamente.
Meu coração deu um salto e apertei tanto o copo que ele estourou na minha mão, dei um grito, olhei e havia cortado minha mão. Danny veio correndo da sala, olhei para a janela novamente, mas nada. Seja o que for não estava mais lá.
— Jasmim, o que aconteceu? — olhei para ele assustada e como que por reflexo olhei pela janela novamente, tentando achar a explicação para aquilo que tinha acabado de ver. — O que, Jasmim? O que tinha lá fora? — ele perguntou depois de seguir meu olhar.
— Não sei ao certo, você não acreditaria — não sabia nem se eu acreditava.
— Tente — ele pegou um pano de prato que estava ao lado da pia e enrolou na minha mão que sangrava.
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Sinceramente, não sei que bicho me mordeu, mas me abri com ele.
— Vi alguém — ele me olhava atentamente. Tomei fôlego. — Alguém com os olhos totalmente brancos. Brancos fluorescentes — esperei ele me chamar de louca.
— Você conseguiu ver quem era? — estava pasma. Ele estava acreditando em mim?
— Não.
— Desculpe, vou ter que correr. Você vai ficar bem? — ele disse apontando para a minha mão, que já não estava sangrando tanto.
— Sim. Vou ficar bem — ele foi caminhando na direção da porta. — Danny?
— Sim — ele se virou para mim.
— Você sabe quem era a pessoa lá fora?
— Espero sinceramente que não — dizendo isso ele se foi.
CAPÍTULO APÍTULO 7
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Fiquei lá sozinha, meu final de semana ia ser uma bosta, de novo, estava me sentindo totalmente perdida. Danny veio pedir que me afastasse, mas eu não estava próxima, só sentia uma vontade louca de estar perto dele.
Gabe estava me enlouquecendo, ele era grosseiro e ao mesmo tempo protetor. Aquela cena no shopping parecia ciúmes, mas vindo dele vai saber.
Subi, tomei um banho, passei um curativo na mão e fui dormir, ou melhor, fui rolar na cama. Era bem tarde quando a Ana me ligou, estava quase pegando no sono.
— Acaiah, o que foi aquele babado no shopping? Menina, entrei em choque — eu ainda estava em choque.
— Nem me fale. Garoto doido.
— Todo mundo ficou olhando, inclusive o garoto que veio entregar as roupas da loja aqui em casa, até me perguntou se estava tudo bem.
— Sério? Que vergonha.
— Fala sério, o Gabe é lindo, mas vacila.
— É — foi tudo o que consegui dizer.
— Não vi nada do que aconteceu com você e o Gabe, antes de ele realmente surtar; só vi que estava lindo e furioso.
— Estava me perguntando por que você e eu estávamos vestidas daquele jeito, bem arrumadas — a Ana parecia bem chateada. — O que mais pesou, Acaiah, foi ele dizer que eu não era o que ele pensava. Na verdade, ele disse assim: “Estou decepcionado com você”. Foi horrível, nunca me senti assim antes.
— Não acredito que ele te falou isso. Nós não estávamos fazendo nada de errado, nem seu namorado ele é para agir assim.
— Também não entendo, Acaiah. Fiquei muito triste. Está certo que tenho os hormônios à flor da pele, mas poxa, ele exagerou.
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— Não sei o que te dizer, não consigo pensar direito.
Silêncio. Tinha tanta vontade de contar tudo a ela, sobre os olhos, sobre o beijo, sobre o Danny, mas não podia, ela não ia acreditar.
— Tudo bem com você? Está estranha ou é impressão minha?
— Tudo bem sim, impressão sua.
— Alguma novidade? — “claro, o cara que você gosta veio na minha casa pedir para eu ficar longe do Gabe e ele saiu correndo atrás de um suposto perseguidor de olhos brancos”.
— Não, nada.
— O Gabe pirou por ciúmes, não foi? — ponderei os fatos por um instante.
— Não. Deve ter sido outra coisa.
— Amiga, vou desligar, estamos indo para a praia. Pegaremos a estrada de madrugada e tenho que terminar de arrumar minha mala. Beijos. Até segunda.
— Até. Beijos — que ótimo, ela ia viajar, eu ia passar outro final de semana sozinha.
Desliguei o telefone e finalmente consegui dormir. Acordei no sábado e era realmente muito cedo. O meu final de semana seria longo, meu pai só voltava na terça-feira, nem meu passeio usual no bosque era seguro agora, com “olhos brancos” à solta.
Estudei para a semana de provas, porém não muito; limpei a casa, os vidros, cozinhei, assisti meus seriados na TV, li meu livro e ainda tinha muito tempo vago. O dia não estava passando.
Encontrei um jornal perdido próximo ao sofá e comecei a folheá-lo, sem realmente ler nada. Um anúncio me chamou atenção, nele dizia:
“Aula experimental gratuita de artes marciais para aqueles que querem aprender a se defender.”
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Me pareceu bem propício. Naquele dia no bosque eu poderia ter morrido, mas se tivesse noções de defesa, seria diferente. O anúncio dizia que a aula começava às três da tarde, ainda tinha tempo o suficiente. Pensei, por que não? Liguei na tal academia e confirmei com a recepcionista, não fazia ideia de quanto tempo aquele jornal estava lá em casa.
Parei em frente à “Academia de Artes Marciais Cour”, esse nome não me era estranho. Entrei, conversei um pouco com a recepcionista já que havia chegado muito cedo. Ela me explicou o preço da mensalidade, caso optasse por fazer as aulas regularmente, me mostrou o vestiário, me deu um kimono que teria que ser devolvido após a aula e me mostrou a academia toda.
Já eram quase duas e meia, eu realmente havia chegado cedo. Quando o professor do nível básico chegou, ela me disse que ele dava aulas para os mais avançados, mas havia trocado pelo nível básico com outro professor. Para mim tudo bem, que mal teria?
Terminei de me arrumar no vestiário enquanto pensava se teria tido coragem de bater no Gabe aquela noite se soubesse lutar. Isso estava se tornando irritante, meu mundo começava a girar em torno de um eixo que me odiava. Entrei na sala, já de kimono, sem sapatos, subi no tatame e olhei o professor.
— Isso só pode ser uma piada — disse.
— Uma piada de mau gosto — ele trincou os dentes para dizer isso. Não podia acreditar que o professor era Gabe. — Não acho uma boa ideia você fazer essa aula, Jasmim.
— Por que não? Por que sou mulher ou por que um dia posso te bater? — Disse já amarrando meu cabelo em um rabo de cavalo, meu cabelo é muito comprido, certamente me atrapalharia solto.
— Gostaria de ver você tentando.
— Ótimo porque vou ficar — se ele não me queria aqui, com toda a certeza do mundo eu ficaria.
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— Tanto faz. Faça o alongamento seguindo o desenho que está colado no espelho — mesmo não conhecendo Gabe o suficiente, sabia que isso não era verdade, ele se importava, só não sabia se isso era bom ou não.
Os primeiros alunos começaram a chegar e foi nesse momento que realmente descobri que o mundo é muito pequeno, pois um deles era o Rafael, sim aquele Rafael do shopping. Ele tinha um olho roxo de lembrança, assim que tirou os olhos de mim ele abaixou a cabeça. Por isso ele não reagiu no shopping, Danny era seu professor, a Ana havia me dito que Danny conhecia o outro menino porque dava aulas para ele, certamente para Rafael também.
A recepcionista me disse que o professor havia trocado de turma com outro, agora fazia sentido, o outro era Danny.
— Ok. Vamos começar a aula. Prontos?
Percebi algumas pessoas já se posicionando logo atrás do professor, não sabia o que fazer, mas não era a única, uma garota com um rosto conhecido se aproximou de mim.
— Oi, meu nome é Ariel, você não estuda na Nilo Cairo?
— Estudo sim.
— Somos da mesma sala. Lembro de você sempre com a Ana.
— Sério? Que legal. A Ana foi viajar.
— Hum... Bom, é minha primeira vez aqui e estou sem parceira.
— É minha primeira vez também e...
— Ótimo — Gabe nos interrompeu em um tom pouco amistoso. — Vocês duas serão parceiras por hoje. Aliás, tudo bem com você Ariel? — ele sabia quem ela era e estava com a mão em seu ombro, não a conhecia, mas já estava pegando raiva.
— Oh, sim, Gabe, tudo ótimo! — ela dizia parecendo uma manteiga derretida.
— Seja bem-vinda — ele disse a ela enquanto se posicionava próximo a nós. — Todos em suas posições? Bem
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esta será uma aula experimental para alguns e treinamento normal para quem já está adiantado. Porém a maioria de vocês não me conhece, o Mestre Daniel dá aulas em outro horário agora — sabia. Houve vários murmurinhos na sala. — E como hoje temos uma maioria feminina, ensinarei algo mais voltado para as mulheres — olhei em volta e vi que haviam mais duas duplas de meninas. — Por exemplo, como se defender de um homem que tente agarrá-la — ele me olhava com um meio riso nos lábios. Se pudesse o teria matado, não era muito entendida de artes marciais, mas essa aula não me parecia muito normal. — Rafael? Você poderia me auxiliar na demonstração? — o coitado do menino não sabia se corria, se fingia um desmaio ou se vomitava, mas preferiu ceder e auxiliar Gabe.
— Ok. Primeiro prestem atenção. Vou demonstrar um golpe que pode ser executado quando alguém tentar lhe beijar contra sua vontade. Rafael, tente.
— Mestre? Tenho mesmo que tentar te agarrar?
— Pode ficar tranquilo, Rafael, você não irá conseguir, posso garantir a você.
O coitado respirou fundo e tentou agarrar Gabe de uma forma que certamente não faria com uma menina, Gabe de imediato travou seu ataque com um golpe fazendo Rafael ajoelhar no chão.
— Viram? E nem foi preciso atingir as partes íntimas. O segredo está na firmeza das mãos e em acertar o local certo. Agora tentem repetir com seus parceiros, vou passar em cada dupla verificando.
— Então te agarro primeiro ou você me agarra? — a tal Ariel me perguntava de uma forma bem animada, ela estava dando pulinhos pendendo entre uma perna e outra.
— Eu primeiro — respondi.
Ela ficou parada de imediato, imóvel com uma cara de menininha perdida. Realmente não estava gostando daquela menina, teatral demais e com um jeitinho falso que me enojava.
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Percebi Gabe se aproximando da nossa dupla apenas observando. Travei por alguns segundos, mas respirei fundo e parti para cima dela com talvez a mesma violência que vi o Rafael partir para Gabe.
— Ai — ela me bateu tarde demais, e se eu fosse um homem que quisesse agarrá-la teria conseguido. Otária.
— Muito bem, Ariel. Porém da próxima vez não a deixe se aproximar tanto e acerte bem no centro do peito, entre os pulmões.
— Ok, Gabe, mas para uma primeira tentativa foi bom, não foi? Você poderia repetir o golpe? — ela dizia fazendo um beicinho ridículo.
— Claro — óbvio que ele iria fazer todas as vontades dela.
CAPÍTULO 8
Gabe repetiu o golpe pegando Rafael como cobaia. Assim que ele terminou investi contra ela novamente e Ariel
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conseguiu me acertar no tempo correto e no local certo, mas nada de muito extraordinário aconteceu.
Estava com muita raiva para sentir qualquer dor, percebi que arqueei um pouco e quase fui de joelhos para o chão. Gabe me segurou pelo lado antes disso, ele me encarava e aquilo me dava arrepios violentíssimos. Ergui-me subitamente e me soltei do braço dele.
— Tudo bem? — ele me perguntava ainda sem tirar os olhos dos meus.
— Estou bem. Agora é a minha vez.
— Ok, mas se prepare porque vou te pegar, mocinha — disse a mala da Ariel. Pensei: “Pode vir, veremos quem pega quem, pequena sereia”.
— Quando quiser.
Ela investiu contra mim de uma maneira tão singular que me lembrou o Rafael, eles realmente tentavam beijar alguém daquela maneira? Ariel se aproximou e ergueu as mãos para me segurar, sem pensar soquei o tórax da menina, ela arqueou e caiu.
— Jasmim, calma — ela parou para tomar fôlego. — Também não sou saco de pancadas, era para ser só uma encenação — Gabe reprimia um riso ao nosso lado.
— Pelo visto ela saberia se defender muito bem se alguém colocasse o dedo em seus lábios e tentasse beijá-la — ele dizia me olhando com um tom de desprezo, agora tinha absoluta certeza de que ele queria me provocar pelo ocorrido no shopping. — Continuem treinando, mas com menos intensidade, não queremos ninguém sendo hospitalizado após as aulas, certo?
Olhei para Rafael, ele parecia não ligar para o comentário do shopping. O “Professor” nos deixou ali e foi verificar outras duplas, ele queria me deixar nervosa, mas por quê? Por que dar o exemplo exatamente da cena que Rafael e eu protagonizamos no shopping? Bem, não sei se o teria socado, até que ele era bem gatinho, sem aquele olho roxo,
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claro. Aquilo nem era artes marciais, aula de defesa de beijo, nunca ouvi falar.
A aula foi mais cansativa do que imaginei. Após Gabe ter encerrado, todas as meninas foram para o vestiário. Resolvi tomar um banho antes de ir embora, não tinha pressa nenhuma de chegar em casa. No vestiário a tal Ariel pediu a atenção do pessoal:
— Meninas, um minutinho da sua atenção. Preciso fazer um convite a todas, afinal conheço nem que seja de vista todas vocês aqui — sério, eu não reconhecia ninguém. — Estou fazendo uma festa na minha chácara para comemorar meu aniversário. Vai ser a Festa do Black, ou seja, todos os convidados devem ir de preto. Gostaria muito que todas vocês fossem. Vai ser na próxima semana, no sábado à noite — algumas das meninas nem conseguiam esconder o êxtase de serem convidadas. — Bem, gente, preciso que todos me confirmem até quarta-feira e me passem seus endereços, porque vou conseguir umas Vans para levar quem não tiver como ir de carro, já que a chácara é longe.
Algumas meninas faziam fila na frente da Ariel para confirmar presença. Todas estavam com pressa de ir embora, pois se trocaram correndo assim que confirmaram com ela. Garota estranha.
Fiquei lá sentindo a água quente cair sobre a minha pele. Tentei entender o que Gabe quis com toda aquela encenação na aula, minha cabeça parecia um carrossel girando em torno de Gabe. Mas, como tudo sobre ele, incluindo a aula de hoje, era inexplicável. Só eu mesma para ter a sorte de pegá-lo como professor. Fechei o registro da água e me sequei. A academia era muito limpa, gostei de lá. O professor não era muito agradável, mas com certeza era lindo. Nossa, ele estava perfeito de kimono e calça preta. O que foi aquela hora que o kimono dele abriu de leve, mostrando aquele corpo sarado? Foco. Foco, Jasmim.
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Será que a pequena sereia também tinha convidado os meninos? O Gabe iria? Eles pareciam amigos, sacudi a cabeça tentando não pensar muito nisso.
Coloquei uma calça jeans e uma blusinha regata preta que levei em uma mochila, dei uma secada no cabelo. Lá fora estava meio friozinho e ventando, ia ter de prendê-lo, senão ia chegar em casa com ele horrível. A sorte é que ele é terrivelmente liso; o prendi com um palito de cabelo que sempre levava junto, fiz um coque bem bonitinho. Me abaixei para pegar o moletom e ouvi a porta bater subitamente, me assustando. Mas logo pensei que alguma das meninas deveria ter esquecido algo.
Continuei procurando o moletom na mochila, estava difícil tirá-lo de lá, ele estava bem no fundo. Senti uma mão puxar minha mochila de mim, olhei assustada pronta para mandar quem quer que fosse ir catar coquinho, mas era Gabe. Congelei como sempre quando se trata dele.
— Gabe?
— Prefiro seu cabelo solto — me encostei no armário. Ele veio na minha direção, deixou minha mala cair no chão e tirou o palito do meu cabelo, que caiu pelas minhas costas ainda molhado.
— Você não tem que preferir nada — minha voz soava mais melosa do que gostaria.
— Deus, essa sua boca me enlouquece — agora sim amoleci, minhas mãos tremiam, se meu coração não diminuísse o ritmo teria um ataque cardíaco.
— Você... Não... Eu... — Droga não conseguia mais pensar em nada, uma das mãos dele estava em meu cabelo, me segurando pela nuca; a outra mão estava na minha cintura, passeando levemente até as minhas costas.
Olhei em seus olhos, meio assustada, mas não querendo que ele parasse. Gabe devolveu o olhar e era um olhar de quem estava me devorando com seus olhos negros que me davam arrepios múltiplos.
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Sua boca esboçou um sorriso debochado como se soubesse todos os tipos de sensações que me proporcionava e então se colocou nos meus lábios. Fechei meus olhos, queria que isso não acabasse, queria que o mundo parasse naquele instante.
No começo ele foi muito sutil, passou sua língua delica-damente entre os meus lábios, como se pedisse permissão para seguir em frente, não tive reação, mas por algum motivo Gabe sabia que permissão ele tinha de sobra. Enquanto isso, nossos corpos estavam colados, sua mão passeava pelo meu cabelo e aquilo era delicioso. O cheiro dele me penetrava, sua pele era macia e quente. Tomei coragem e coloquei uma mão em seu cabelo e a outra passei por debaixo do seu braço e posicionei sobre as suas costas e devo observar, que costas!
Mexi em seus cachinhos, era o cabelo mais gostoso do mundo. O gemidinho que ele emitiu quando fiz isso me deu um frio na barriga. Depois disso as sutilezas acabaram e ele invadiu minha boca com sua língua velozmente. Não queria mais resistir e não iria.
Suas mãos me apertaram mais, ele me puxou para mais perto do seu corpo, me entreguei completamente. Fui aprendendo com ele ali mesmo a mudar o beijo de lado e a dar mordidinhas nos lábios. Ele era delicioso. Isso foi muito melhor que o beijo no bosque, já estava ficando sem fôlego. Paramos de nos beijar, mas continuamos com os corpos colados, ele colou sua testa na minha, estava ofegante. Senti seu peito subir e descer, minhas mãos estavam em suas costas e tive a impressão boba de que isso o impediria de sair dali. Não sabia o que dizer; qualquer palavra errada e perderia esse momento. Gabe era complicado, mas queria só mais uns minutinhos dessa complicação.
— Sua boca me enlouquece. Já te disse isso? — sua respiração ainda não estava normal. Apenas sorri, ergui meus olhos e os fixei no dele. — Seus olhos são lindos, adoro esse tom de verde.
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— Achei que eu fosse doce e frágil, não muito bonita — ele se afastou de mim, o senti distante. Droga! Comentário errado na hora errada. Resolvi desconversar. — Como você sabia que eu estava aqui?
— Sinto sua presença — essa pode ter sido a maior besteira que já ouvi, mas foi a mais linda de todas, minhas pernas estavam bambas.
— O que é tudo isso afinal, Gabe? — ele não disse nada, apenas me beijou novamente. Ele veio para cima de mim com tanta força que batemos no armário, com certeza as pessoas do lado de fora ouviriam isso. Foi um beijo breve, era uma despedida, tive certeza disso. Assim que terminamos o beijo ele ficou lá apenas me olhando, fazendo carinho no meu rosto. — O que sou para você, Gabe? — ele se aproximou do meu ouvido, beijou meu pescoço e disse “Tudo”. Ele me deixou lá, pasma, sozinha, sem entender nada, pelo menos dessa vez não apaguei.
Caminhei para fora do vestiário, passei pela recepção, Gabe estava apoiado no balcão.
— Então, o que achou da aula? — perguntou a recepcionista.
— Produtiva. Agora sei bloquear beijos indesejados. — ela fez uma cara de espanto, olhou para Gabe que estava sorrindo e atendeu ao telefone que tocou.
— Academia Cour. Boa Tarde — fiquei esperando, pois tinha de devolver o kimono. Gabe não me olhou. — Sim, ele está bem aqui, só um momento. Senhor De La Cour, sua namorada na linha três — nossa, aquilo foi uma facada no meu peito, a monga da Samara estava ligando. De repente me dei conta, Gabe tinha o mesmo sobrenome da academia.
Ele foi atender a ligação em outro telefone próximo dali. Entreguei o kimono; queria sumir, mas não pude deixar de ouvir o que dizia.
— Oi, Samy — Samy? Fala sério! — Não, estava dando aula. Hoje não vai dar, tenho outros planos, a gente se vê amanhã, beijos — por um lado fiquei terrivelmente triste, ela
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fazia parte da vida dele e eu não, mas vê-lo dispensar uma das Glitters mesmo que por um dia, não tem preço.
Entreguei tudo o que faltava à recepcionista, me despedi e fui saindo. Dei alguns passos tentando controlar as lágrimas. Depois daquele beijo, ele ter atendido a ruiva como se nada tivesse acontecido doeu e muito. Já tinha andado umas duas quadras, quando alguém puxou meu braço. Era ele e para minha vergonha total eu estava chorando e não tinha como esconder.
— Posso te fazer companhia?
— Não. Estou bem — ele enxugou minhas lágrimas, mas não comentou sobre elas.
— Venha, vamos ao mercado.
— Fazer o quê?
— Compras. Vou cozinhar para você hoje — ele saiu me puxando em direção ao mercado, não respondi nada, estava feliz.
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CAPÍTULO APÍTULO 9
A academia e o mercado não eram longe da minha casa. Pegamos um carrinho de compras, ele não havia falado mais uma palavra sequer.
— Jasmim, você prefere panquecas ou um estrogonofe? — não estava acreditando, era sonho?
— Panquecas — ele riu. — O que foi? Era para ter escolhido estrogonofe?
— Não. Claro que não. Também escolheria panquecas.
Compramos os ingredientes, tinha dinheiro suficiente para pagar a conta, mas ele teve um ataque de cavalheirismo e me impediu de pagar. Menos mal porque eu não teria mais nada até terça, quando meu pai chegaria de viagem. Caminhamos algumas quadras.
Ao chegarmos à minha casa, graças a Deus, estava tudo no lugar. Ele levou as sacolas para a cozinha, abriu a geladeira e os armários, achei que estava procurando as panelas.
— Jesus, Jasmim! O que você come? — tive que rir disso, a Ana sempre falava a mesma coisa. Que preocupação era essa?
— Comida.
— Comida? Não tem salada nem nada saudável. Seu pai não se preocupa com a sua saúde? — hum, pegou no ponto fraco.
— Provavelmente não.
— Bom ele deixa dinheiro, não deixa?
— Sim — meu pai me dava R$ 30,00 por semana. No final do mês ele pagava todas as contas, mas hoje em dia trinta reais não dão para muita coisa em um mercado.
— Então use o dinheiro melhor, compre coisas saudáveis. Não entendo por que ele te deixa tão sozinha — primeiro foi o Danny, agora Gabe questionando a ausência do
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meu pai. Ele fechou os olhos e fez que não com a cabeça, como se tentasse se acalmar ou afastar ideias ruins. — Bem, vamos preparar um jantar descente para você — olhei no relógio ainda eram seis e meia, estava muito cedo para comer.
— Está muito cedo, Gabe, nunca como nesse horário.
— É que hoje não posso... Vou embora cedo.
— Aham — claro, com certeza ia correr atrás da Ruiva monga.
Ele lavou as mãos e pegou o liquidificador. Eu não sabia exatamente o que fazer, sabia cozinhar, mas sempre detestei. Prendi meu cabelo, fui para perto dele ajudá-lo ou ao menos tentar.
— Já disse que gosto do seu cabelo solto — ele me puxou para perto de si e tirou meu elástico do cabelo. Minha sala era dividida por uma bancada da cozinha, ele me encostou nessa bancada, mexeu no meu cabelo, beijou meu rosto e voltou à culinária. — Hoje você só vai olhar.
— Quero ajudar — falei quase ofegando, ele tinha uns ataques deliciosos de vez em quando.
— Já disse que não — até parece que iria obedecê-lo na minha própria casa. Voltei em direção ao balcão onde estavam os condimentos, ele me puxou até a parede, colando minhas costas nela. — Por que você é tão teimosa?
— Por que você é tão estranho e enigmático?
— Essa sua boca é um pecado. Ninguém deveria ter uma boca tão linda assim.
— Gabe, você está perdendo o foco da conversa — ele riu.
— Te garanto que não. Estou bem focado.
— E onde está esse seu foco? — disse já me derretendo toda, ele estava passando seus lábios nos meus bem de leve.
— Aqui — assim que disse isso ele me beijou novamente. No meio do beijo ele mudou de lugar, agora ele estava de costas na parede e eu estava na sua frente, bem
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colada em seu peito sarado; ele não é do tipo bombado, mas era bem definidinho. Estava gostando muito desse “foco” dele. Terminamos o beijo e ele voltou a cozinhar, resolvi não insistir, sentei em uma banqueta alta que tínhamos na frente da bancada.
— Bem... — íamos ter que conversar sobre algo. — Você mora com seus pais?
— Não — ele só respondeu isso com uma cara séria.
— Com quem você mora então?
— E sua mãe morreu do quê? — agora ele tinha pegado pesado.
— No parto. Você não me respondeu.
— Não é culpa sua.
— O quê?
— Ela ter morrido no parto. Não foi culpa sua — por essa eu não esperava, nunca tinha ouvido isso de ninguém. Meu pai nunca disse que eu era a culpada, mas também nunca disse que não. A Ana nunca tocou no assunto, muito menos a família dela. Foi um alívio ouvir aquilo. Queria acreditar, de verdade, mas por que não conseguia?! Depois de minutos de silêncio resolvi mudar de assunto. — Onde aprendeu a cozinhar?
— Com uns amigos — ele me olhou. — Como sua mãe era?
— Fisicamente? — ele fez que sim com a cabeça. — Não sei, meu pai não tem nenhuma foto dela. Ele disse que não precisaria de fotos, que tinha a mim. “Você é tão parecida com a sua mãe que chega a doer” — tentei imitar a voz do meu pai dizendo isso.
— Nossa. Então, ela era linda! — fiquei vermelha na hora, senti minhas bochechas quentes. Ele estava me elogiando ou era impressão minha?! — Você nunca se perguntou onde estão seus avós, tios, alguém?
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— Meu pai disse que não temos parentes, meus avós faleceram também e tanto ele quanto a minha mãe não tinham irmãos.
— Como ela se chamava?
— Isso é importante?
— É — acho que não esperava por essa resposta, nunca me perguntavam o nome dela.
— Cecília.
— Você costuma visitá-la?
— Não. Onde eu iria visitá-la? No cemitério? Isso não tem sentido — estava começando a ficar muito brava. — E além do mais, ela foi enterrada em outra cidade, nós não morávamos aqui antes.
Antes de ele dizer qualquer coisa, meu telefone tocou. Salva pelo gongo, corri para atendê-lo. O telefone ficava ao lado do sofá.
— Acaiah! Acaiah! Onde você se meteu, menina? Estou tentando te ligar há horas — ela estava ofegando, achei que teria uma síncope. Devia ter ligado para todos que ela acha que me conheciam e fez isso andando de um lado para o outro, certeza.
— Hey, calma. Fui a uma aula de artes marciais, depois ao mercado e por isso não estava em casa.
— O que você foi fazer em uma aula de artes marciais? — conseguia imaginar a cara dela.
— Sei lá, Ana, não tinha nada para fazer e achei que de repente fosse legal aprender alguma coisa assim.
— Hum, tá. Tem muitos homens por lá? — ah, não. Gabe estava parado encostado na parede da cozinha, parecia que ele podia ouvir tudo, pois estava me olhando com uma cara ao melhor estilo de “e aí o que você vai dizer a ela?”.
— Ah, é, não sei, Ana. Você sabe que fico meio desligada nessas coisas — devia estar vermelho sangue.
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— Não importa, não me interessa mesmo. Acaiah, preciso te contar uma coisa que ainda não acredito que realmente aconteceu.
— Ana, não sei, você não acha melhor deixar para quando você chegar? Estou bem cansada...
— O Danny está aqui.
Gabe me olhava com cara de preocupação, a mão dele estava segurando o queixo e ele parecia querer saber tanto quanto eu o que o Daniel estava fazendo na praia com a Ana. Ele teria ouvido de tão longe o que conversávamos?!
— Como é que é, amiga?
— Ai, Acaiah, eu sei que talvez esteja ficando louca, mas acho que o vi. Estava deitada na rede que tem na frente da minha casa, ouvindo meu iPod, quase dormindo, esperando para ir para a praia quando vi uma pessoa parada atrás de um muro em frente à minha casa. Olhei de relance, mas então olhei de novo e ele estava lá me olhando. Cocei os olhos porque achei que tivesse visto coisa e quando olhei não tinha mais ninguém. Pulei da rede e corri até o portão quando vi um menino muito parecido entrando na pousada aqui na minha rua. Acho que é ele, amiga.
— Ana, você não tem certeza de nada, não fique pirando o cabeção.
— Acaiah, acho que estou gostando do Danny. Tenho pensado muito nele, sabia?!
— Quando você voltar, conversamos melhor, certo?
— Tudo bem... A lua está linda aqui, o céu também. Vou dar uma caminhada na praia. Preciso espairecer — aquela ideia me deixava bem pouco animada. Se tinha uma mistura que não combinava é Ana sozinha, apaixonada, tendo ilusões em uma praia à noite.
— Amiga, não gosto da ideia de você perambulando em uma praia à noite, sozinha — Gabe já me olhava com um sorrisinho reprimido nos lábios, mas ainda tinha um olhar de preocupação.
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— Fique tranquila, logo estou voltando e conversamos mais. Beijos.
Desliguei o telefone, odiava quando isso acontecia, mas ela conseguia me deixar com uma ruguinha de preocupação. Olhei para a cozinha e meus problemas pareceram sumir. Gabe estava ali parado me esperando para cozinhar para mim. Inacreditável.
CAPÍTULO 10
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— Você vai ficar aí? Podia ao menos me fazer companhia enquanto cozinho seu jantar.
— Ok, era a Ana — ele me olhou questionando. — No telefone.
— Percebi. Vocês se conhecem há um bom tempo, não? — ele dizia enquanto se virava e batia os ovos, a farinha, o leite e o óleo no liquidificador.
— Sim, de infância. Quer dizer, assim que me mudei para cá. Nós estamos na mesma classe desde então — disse indo para a cozinha.
— Você gosta dela? Ela parece meio impulsiva demais.
— Ela é como se fosse minha família, já me acostumei com seu jeito, mas admito que leva um tempo.
— Você pode continuar batendo enquanto preparo o recheio?
— Claro! Achei que você não me deixaria ajudar.
— Mudei de ideia, faço isso às vezes.
— Sempre.
— Como?
— Nada, pensei alto — dei um sorriso e ele também, reparei que Gabe quase nunca sorria, então esse momento virou um dos meus preferidos.
Abri a tampa do liquidificador, estava em êxtase. Ele estava ali todo preocupado comigo, cozinhando para mim. Nem me dei conta que não havia recolocado a maldita tampa quando apertei aquele botão, bastou menos de cinco segundos para eu estar coberta de farinha, ovos e óleo.
— Oh, meu Deus! — ainda consegui pronunciar.
— Ah, Jasmim... Será possível que você não consegue lidar com um liquidificador? Deixe isso comigo e vá se limpar.
— Ok... Ao menos me deixe limpar o chão — começamos a rir, ele era todo prático, parecia até que a cozinha era dele e não minha.
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Quando acabei o chão ele já estava fazendo as panquecas na frigideira e o recheio estava pronto, não conseguíamos falar nada que já começávamos a rir. Meu cabelo já estava duro, teria que tomar um banho.
— Gabe, desculpe não te fazer companhia, mas preciso de um chuveiro imediatamente.
— Tudo bem, logo o cheiro de ovo vai começar a apagar o de Jasmim. Eu termino aqui.
— Desculpe — falei com vergonha. — Não demoro.
Subi as escadas praticamente me quebrando, Gabe estava na minha cozinha, tinha me agarrado e estava terminando as mais deliciosas panquecas que comeria na minha vida e eu tendo que tomar um banho porque estava fedendo a ovos. Era o fim, mas ao menos estaria cheirosinha.
Ainda me pegava pensando se aquilo era real. Tudo isso me assustava um pouco também, nunca tinha vivido nada parecido, já nem lembrava com tanta frequência do dia do bosque e como ele era assustador com os olhos brancos... Aqueles olhos.
Balancei a cabeça afastando aquela lembrança, talvez tivesse sido só minha imaginação por achar ele tão estranho. Acabei meu banho e me sequei, abri a porta do banheiro enrolada na toalha e enquanto pensava em que roupa colocaria não pude acreditar no que vi.
— Gabe?! Que diabos você está fazendo nesse computador? — ele estava sentado em frente ao meu computador, percebi que a minha pasta de conversas do MSN estava aberta. — Você está fuçando nas minhas coisas?
Ele se virou lentamente para mim com uma cara de deboche... Que mudou completamente ao me ver. Ele agora me olhava da cabeça aos pés, como se eu fosse uma daquelas estátuas gregas que as pessoas ficam apreciando.
— Ah, assim você realmente vai me deixar louco — ele dizia meio de canto com a boca. Depois jogou a cabeça para trás como quem buscasse controle, foi exatamente quando
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me dei conta que estava com um garoto no meu quarto, praticamente nua, com os cabelos pingando.
— Gabe, saia daqui! — gritei, mesmo que involuntariamente, apontando com o dedo na direção da porta. Ele se aproximou de mim e falou quase em meu ouvido:
— Só vou sair porque tenho certeza absoluta que em poucos segundos vou perder o controle — ele dizia bem baixinho e devagar, quase ofegando. — E posso não responder pelas minhas atitudes.
Meu dedo apontado para a porta tremia. Algo em mim até queria que ele perdesse o controle, algo em mim estava prestes a perder o controle. Respirei, inspirei e me concentrei.
Ele saiu e fechou a porta. Por garantia, passei a chave. Sentei na cama, cansada, como que tivesse passado por uma batalha, uma contra mim mesma, diga-se de passagem.
Mal havia dado meu primeiro beijo e estava prestes a perder o controle com um garoto que mal conhecia e que tinha namorada.
Coloquei a roupa mais lentamente do que o costume, abri a porta e o cheiro estava delicioso. Na cozinha a mesa estava apenas com um prato, as panquecas ali no meio da mesa. Havia duas velas acesas nas extremidades dela e no centro, ao lado das panquecas, um pequeno vasinho, que há muito tempo estava vazio na sala, com flores, que pareciam recém-colhidas do quintal.
Entrei na cozinha esperando que ele estivesse em algum lugar, senti um vento vindo da sala. Fui verificar e a porta estava entreaberta.
— Gabe? — chamei antes de chegar à porta. — Gabe, você está aí? — nada. Saí na varanda e ele não estava em lugar nenhum. — Gabe? Não gosto desse tipo de brincadeiras — falei um pouco mais alto que o normal.
Silêncio. Nem os grilos queriam me responder. Fechei a porta e olhei aquelas panquecas na cozinha. Ele havia ido embora e me deixado ali com as panquecas; e eu havia
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perdido a fome. Apaguei as velas e me sentei à mesa por um instante.
Provavelmente havia chegado a hora de se encontrar com a Samara ou talvez ele tivesse ficado bravo comigo por tocá-lo do meu quarto. Não queria chegar à conclusão nenhuma. Fui para a cama e percebi que ele não fechou o que estava vendo em meu computador — era a minha conversa com a Ana no dia anterior ao shopping, no dia em que fugi dele do bosque. Estava bem na parte onde a Ana havia perguntado do Gabe e do bilhete e eu tinha dito que ele me dava raiva, e que não queria saber dele, pois ele era comprometido. Em seguida marcamos de ir ao shopping.
Talvez ele tivesse ficado com raiva por eu ter dito aquilo a Ana, mas enfim, era a realidade naquele momento. Não havia sequer passado uma semana e já havia mudado muita coisa. Resolvi dormir.
O domingo passou sem muitos acontecimentos. Comi a panqueca requentada e estava realmente deliciosa, Gabe cozinhava muito bem. Pensei em ir ao bosque onde talvez ele aparecesse, mas estava frio e começava a chuviscar, então rapidamente desisti da ideia. Dei uma geral na casa que já estava limpa e resolvi estudar para a semana de provas.
Quase dormi em cima dos cadernos. Os deixei de lado e resolvi tomar um banho. Meu pai havia ligado perguntando se estava tudo sobre controle. Às vezes ele me irritava com isso; se ele se importava tanto, por que nunca estava em casa? Como se não soubesse que eu conseguia me virar bem sozinha e até era bem responsável. Fui dormir extremamente cedo. Acordei de súbito.
Minha campainha tocando às onze da noite era uma grande novidade para mim; já estava dormindo e sabia que não podia ser meu pai. Até fiquei com um pouco de medo, porque morava sozinha e não é uma coisa comum receber visitas às onze da noite, quando a casa está apagada e silenciosa.
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Desci os degraus na ponta dos pés e olhei pelo olho mágico para ver quem era a figura que estava na minha porta. Não podia acreditar, abri a porta mais rápido que o imaginável.
— Ana, sua doida! O que você está fazendo aqui a essa hora? O que aconteceu? — ela estava com uma bolsinha, a mochila da escola e um travesseiro.
— Ora, Acaiah! Já que o seu telefone de casa deve estar deprimido com uma dona tão relapsa que não o atende, resolvi vir mimir com você; ou você realmente acha que eu aguentaria simplesmente fechar os olhos e dormir quando tenho muitas coisas para te contar?! — esqueci que tinha tirado o telefone do gancho.
Ela já tinha entrado, fechado a porta e estava subindo para meu quarto com um ar que indicava que a noite ia ser longa. Fui atrás dela como se fosse para a forca, não me sentia confortável em ter acontecido tanta coisa na minha vida e não poder partilhar nada com ela. A Ana estava jogada nos pés da minha cama, já no lugar que passaria uma boa parte da noite.
— E aí como foi a praia? — perguntei quase que por educação, enquanto arrumava o colchão no espaço mínimo para ela.
— Acaiah... Preciso te contar algumas coisas — se não conhecesse a Ana tão bem até diria que se tratava de uma menina muito séria, porque me olhava de uma maneira que não condizia muito com sua personalidade.
— O que houve amiga? — sentei na cama aguardando maiores informações. Ela respirou fundo e me olhou nos olhos.
— Acaiah, você sabe que sou meio doidinha, mas você realmente acha que posso ser maluca? — queria fazer exatamente a mesma pergunta a ela.
— Sonhei com você, sei que queria falar comigo e não acho que esteja ficando maluca.
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— Ok. Lembra aquele dia que fui caminhar na praia? — fiz que sim com a cabeça. — Então, caminhei até as pedras e resolvi parar naquela que se estende para dentro do mar. Fiquei sentada lá em cima pensando na vida, olhando a lua iluminando o mar e foi aí que apareceu uma sombra atrás de mim, que gelou até a minha décima quinta geração — sentia a minha espinha gelando só de imaginar a cena.
— Eu disse para você não sair sozinha — se fosse os pais dela, ela estaria bem encrencada agora.
— Eu sei, mas resolvi ir. Fiquei com medo de olhar para trás, vi que a sombra estava mais perto de mim e levantei rapidão, mas dei um solavanco para trás sem querer e escorreguei. Sorte que ele estava perto e me segurou, porque eu ia despencar de lá. Era o Danny — minha boca foi parar embaixo da minha cama. — Ele me segurou pela cintura, amiga, e me puxou para longe da beirada. Daí ele perguntou se eu estava bem e eu disse que sim. Começamos a dar risada. Achei que ele ia me beijar, mas ele me soltou e disse que a noite estava linda; concordei e resolvemos sentar para conversar um pouquinho.
— Amiga! Você ficou com o Danny?!
— Não, Acaiah... Infelizmente, não. Ficamos conversando sobre a noite, sobre a praia, sobre aquele dia no shopping... — ficamos nos olhando constrangidas ainda por aquilo. — Ele me pediu desculpas, mas falou que tiro ele do sério, me deu a maior lição de moral e falou que eu não devia ficar fazendo isso. Disse que chamamos muita atenção e que alguém pode querer se aproveitar disso. Me disse que quando ele me viu fazendo caras e bocas para o tal Anderson, ele queria poder me dar uma surra e sumir com o menino. Ainnn, amiga, aí perguntei por que e ele disse que alguma coisa em mim atraía muito a atenção dele, mas ele não sabia como lidar com isso. Claro que quis saber por que, né, mas ele me disse que era complicado — complicado. Ele também era complicado. Isso já era quase uma regra entre amigos. — Não entendo por que não me beijou. Ele claramente disse que
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sentia ciúmes de mim, mas daí ele levantou e sentou de novo, só que virado de frente para o lado que eu estava de costas e me abraçou meio de ladinho. Ficou lá respirando no meu pescoço, sem dizer nada e sem afrouxar os braços, abraçado comigo. Disse que ainda vou deixá-lo louco e que queria ser o suficiente para mim.
— Sério que ele te disse isso? Que lindo, amiga! — quem me dera se com o Gabe fosse assim. O menino estava parecendo um príncipe encantado.
— Pois é, aí ele me levantou e fomos abraçados até a minha casa. Ele me deu um beijo na testa e foi quando aconteceu uma coisa muito estranha.
— Estranha?
— É... E é por isso que você pode me achar louca — ela respirou fundo antes de começar. — Lembro de ter ficado em êxtase, tão feliz que parecia que meu peito iria explodir e acabou. Não me lembro de mais nada, não lembro de como ele foi embora, não lembro de como entrei no quarto e fui dormir. Nada — ela abaixou a cabeça, podia ver que ela estava se sentindo patética ao me contar aquilo. Eu já tinha passado por isso, mas lembrava de ter visto algo mais, como os olhos brancos de Gabe e o beijo.
— Ana, sei que você não é louca, amiga, você pode ter ficado sei lá, meio que em transe? Não se lembra de nadinha? — não podia contar nada a ela, não era corajosa como a Ana.
— Não sei, amiga... Não sei de mais nada. Só sei que nunca gostei tanto assim de alguém como estou gostando dele. Sei que ele é estranho, mas naquela pedra, no escuro à luz da lua, com as ondas batendo e ele abraçado comigo... Queria que não acabasse, amiga — conseguia compreender, também havia sentido a mesma coisa no mesmo final de semana.
— Bem, amiga, não fique achando que está doida, não. Outra hora tentamos entender, fique susse.
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— É, talvez. E você, viu o Gabe? — como queria poder contar para ela tudo o que já tinha acontecido e tudo o que sentia. Não conseguiria esconder tudo por muito mais tempo.
— Vi sim. Ele é meu professor de artes marciais.
— Capaz! Como assim, amiga?
— Nem acreditei, quando cheguei para a aula olhei para o professor e era Gabe. E tem mais, o Rafael do shopping é aluno dele, junto com o Anderson.
— Que babado, amiga. Coitado do menino, apanhou feio. E como o foi a aula?
— Ele explicou defesa pessoal. Foi bem legal, conheci uma menina chamada Ariel, da nossa sala, ela praticou comigo. Depois no vestiário convidou todos para uma festa no próximo final de semana na casa dela. Acho que é algo como Festa Black, onde tem que ir de preto, será em uma chácara.
— Sério?! Oh, meu Deus! Temos uma festinha, amiga. Precisamos de shopping urgente. Tenho que comprar vestidos novos. Mas por que preto? Precisa ser preto? Tudo bem, preto emagrece... — ela parecia ter esquecido o nosso assunto, estava de pé, andando em cima do colchão no chão de um lado para o outro. Melhor assim, eu precisava me policiar muito para não contar nada para ela.
— Ana, amanhã discutimos isso. Vamos dormir que temos aula cedo.
— Só você mesmo para querer dormir com tantos detalhes para pensar, mas tudo bem temos cinco dias para pensar em algo que ponha as Glitters no chinelo. Aliás, será que a dupla dinâmica vai?
— Dupla dinâmica?
— Sim, os dois caras mais lindos e esquisitos da nossa escola, o Danny e o Gabe — eu ri.
— Dupla dinâmica é boa, amiga! Só você mesmo. Não sei, mas pode ser, porque a pequena sereia convidou todo mundo — também queria uma resposta para isso, será que Gabe iria?
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— Pequena sereia? Depois eu que sou a piadista, né?! — rimos juntas e apagamos a luz para dormir. Claro que meu sono demorou a vir, mas demoraria muito mais se ficasse conversando com a Ana. Precisava conversar com o Danny, se ele tinha o direito de vir me pedir para me afastar do Gabe, também precisava pedir alguma explicação sobre a Ana. Amigos defendem amigos. Eles eram complicados e nós duas estávamos prestes a ficar loucas.
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CAPÍTULO APÍTULO 11
A semana seria longa, semana de provas. No primeiro dia, Geografia e História, me sairia bem. Me sentia inquieta, Gabe estava lá ao lado da ridícula da Samara, mas seus olhos estavam em mim.
Ele fingia que nada havia acontecido. Cheguei a pensar em ir questionar o motivo de ele me deixar sozinha em casa com as panquecas depois de me agarrar e me levar a um quase delírio no meu quarto, mas achei que provavelmente me faria de palhaça na frente da namorada de novo e não estava com disposição alguma para isso.
Preferi o silêncio. Danny estava ao lado do Gabe, viajando em algum lugar dentro da própria mente. Nesses dias de prova as carteiras eram nomeadas, por sorte fiquei a duas carteiras atrás do Gabe e da Samara, que de um jeito inexplicável, conseguiram ficar lado a lado, a Ana estava lá na frente. As provas não foram difíceis, pelo menos aquelas matérias eu dominava.
Meu pai voltaria para casa na terça-feira, só por um dia. Era como ele fazia, vinha, deixava algum dinheiro, via se estava tudo em ordem e ia embora, então ainda tinha a segunda só para mim em casa.
Chegando em casa resolvi dormir um pouco, meu final de semana havia sido extremamente agitado e precisava me desligar das coisas. Não queria comer, não tinha forças para limpar a casa e não estava com o menor saco para estudar. Não conseguia compreender nem aceitar tudo o que estava acontecendo.
Ele me beijava e fugia, tinha ataques de ciúmes e ia namorar com a Samara, tinha cozinhado dentro da minha casa e me tratava como se mal me conhecesse na escola. Aquilo tudo estava me deixando sem ânimo para nada, desliguei o telefone da tomada e desconectei a campainha. Queria e precisava ficar um pouco comigo mesma.
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Quando acordei percebi que já era noite, olhei de súbito para o relógio e eram 19h30, ou seja, eu havia dormido por muito mais do que pretendia, mas muito menos do que precisava. Tomei um banho e resolvi comer um macarrão instantâneo, de novo. Peguei nos cadernos para estudar, mas acabei dormindo novamente com eles nas mãos, meu dia passou em branco e não tive sonhos.
No dia seguinte tínhamos prova de Biologia e Química, quase não consigo ir para a escola por ter acordado atrasada. Minha cara estava relativamente inchada de tanto dormir e agora acreditava no que meu pai sempre dizia: “Quanto mais se dorme, mais sono se tem.” Me sentia muito sonolenta ainda.
Entrei na sala e sentei na cadeira que tinha meu nome, deitei em meu moletom e quase dormi novamente.
— Acaiah — a Ana estava sentada na minha frente na mesa de algum colega.
— Hum? — mal levantei a cabeça.
— O que você tem, amiga? Virou a noite estudando?
— Nada não... Dormi demais, sei lá o que está acontecendo, mas estou com sono — disse sem conseguir conter um bocejo.
— Hum... Mas você está bem? Eu estou meio desanimada... — me dei conta de que havia esquecido de religar meu telefone e ela podia ter tentado me ligar sem conseguir.
— Ai, amiga, você me ligou?
— Não... Por quê?
— É que desliguei o telefone para poder dormir e esqueci de religar. Achei que você pudesse ter me ligado. Você está triste? — seu semblante estava terrível.
— Mais ou menos — ela se abaixou para cochichar algo perto de mim. — Ele nem falou comigo, nem me cumprimentou. Não entendo — ia matar aquele garoto.
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— Todos em seus lugares, daremos início às provas — o professor falava em alto e bom som. Ela voltou para o lugar de cabeça baixa.
Pude perceber que Danny a acompanhava com o olhar, de hoje ele não escapava, o encontraria nem que fosse no inferno. Percebi também que Gabe estava olhando para o amigo, Daniel estava com a mesma cara de paisagem de ontem, irritante.
A prova transcorreu bem rapidamente. A Ana foi uma das primeiras a terminar, porque provavelmente não sabia muita coisa e marcou qualquer resposta para ir embora. Eu ainda tinha uma questão a responder quando vi o Danny se levantando e saindo, marquei qualquer coisa e fui atrás dele.
— Hey, Jasmim — ótimo, tudo o que precisava era a Ariel querendo encher meu saco justamente agora.
— Oi, Ariel, desculpa, mas estou com um pouco de pressa.
— Ah, desculpe, mas a Ana pediu para te avisar que ela foi embora. Acho que pegou uma gripe e foi para casa, quer melhorar até minha festa — gripe uma ova.
— Hum, ok, obrigada — saí correndo pelo corredor. Danny estava perto da saída quando o alcancei.
— Danny — falei ofegando. — Danny, preciso falar com você.
— O que foi? — ele parecia preocupado.
— Venha comigo, por favor — andamos até o parquinho da Educação Infantil e sentamos em um banco.
— Danny, a Ana me contou sobre a praia.
— O que ela te contou? — ele parecia muito mais tranquilo do que o habitual.
— Ela disse que você a encontrou nas pedras, que conversaram e que você disse algo que parecia demonstrar que estava a fim dela e, quando a levou em casa, ela apagou e não se lembra de mais nada — ele parecia estar sorrindo com o canto da boca.
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— O que tem demais nisso, Jasmim?
— O que tem demais nisso, Danny, é que você age como o Gabe. Nunca vi minha amiga se apegar a alguém assim. Você me pediu para se afastar do Gabe e quero te pedir que se afaste da Ana. Você não tem o direito de brincar com os sentimentos dela.
— Uau! Você é realmente muito direta, Jasmim, mas não estou brincando com nada.
— Está sim. Você não falou mais com ela e isso a deixa triste. Você e o Gabe são... São insensíveis, acham que podem sair por aí fazendo as pessoas de bobas — não pude conter as malditas lágrimas que enchiam meus olhos, era uma mistura de raiva e tristeza, por ele e por Gabe.
— Hey, se acalme. Não é assim, Jasmim. Sei o que você está sentindo, pode acreditar, mas entenda, tudo é muito mais complexo do que você imagina. Nunca brincaria com os sentimentos da Ana e me desculpe por ter te pedido aquilo em sua casa, sei que você já está envolvida — ele deu um suspiro. — Não quero fazer mal a você e nem a Ana, então me desculpe, mas tente entender que é perigoso. Você sabe mais do que deveria — ele afastou uma lágrima que começava a descer pelo meu rosto. A conversa não tomou o rumo que imaginei, era praticamente impossível brigar com o Danny.
— Danny, você é a mesma coisa que o Gabe? — ele simplesmente me olhou e antes que pudesse abrir a boca alguém apareceu.
— Danny, vamos embora, cara, temos que passar na academia ainda — Gabe nem olhou na minha cara, provavelmente a intenção era somente tirar o Danny dali.
— Vamos. Até mais, Jasmim, se cuide — levantei e segui na direção contrária, senti os olhos dos dois nas minhas costas, mas não olhei para trás nem por um segundo.
Passei a tarde toda limpando a casa, depois subi para tomar um banho. No finalzinho da tarde meu pai chegou, coloquei suas roupas para lavar. Era assim, ele deixava a roupa suja e levava umas limpas para uma semana ou mais.
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Fomos ao mercado comprar alguns suprimentos para a semana seguinte e depois fui estudar.
Meu pai estava mais quieto que o habitual, achei estranho, mas resolvi não questionar. De manhã cedo senti quando ele entrou no meu quarto e me deu um beijo na testa, aquilo era realmente muito incomum. Ele ficou me olhando por alguns minutos e saiu.
Ele deixou um bilhete dizendo que ligaria no outro dia, atitudes melosas vindas do meu pai não eram normais, algo estava acontecendo. Levantei um pouco melhor, hoje teria prova de Física e Matemática, fui para a escola e encontrei uma Ana mais animada. Parei na carteira dela antes de seguir para a minha, resolvi não contar sobre minha conversinha com o Danny.
— Está melhor? Gripe foi uma boa desculpa.
— Mais ou menos, hoje ele me cumprimentou com a cabeça. Pelo menos isso.
— Olá, meninas — essa Ariel era realmente bem inconveniente. — Vocês ainda não confirmaram se vão a minha festa ou não.
— Oh, meu Deus, onde estava com a cabeça?! Tinha me esquecido, Ariel, claro que nós vamos, não preciso da Van na ida, meu pai vai me levar, só na volta — A Ana tinha uma animação para festas além do comum.
— Tudo bem e você, Jasmim?
— Ela irá comigo, mas precisamos da Van para voltar, nós duas.
— Ok, vou deixar anotado. Não esqueçam de ir de preto hein, meninas! — ela foi saindo, indo na direção de outras pessoas, percebi de quem ela era amiguinha. Ariel era amiga da Samara, a garota que mais odiava no mundo, por isso ela era tão chatinha. Essa festa seria um martírio para mim.
— Acaiah, precisamos de shopping urgente. Hoje logo após a aula.
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— Ana... Não tenho dinheiro para ir fazer compras e preciso estudar. Na verdade agora que vi a Ariel e a Samara juntas, resolvi que não quero ir à festa.
— Nem começa, Acaiah. Você vai nessa festa queira ou não, se não quer comprar vestido novo tudo bem. Vou te dar um de presente e eu vou escolher, já que você não pode ir ao shopping comigo.
— Isso me dá medo — fiz cara de terror e fui para o meu lugar.
A prova foi bem tranquila, saímos cedo e ficamos no pátio jogando vôlei com as meninas do time. Gabe estava jogando basquete, acho que levei umas duas boladas na cara, porque às vezes ficava olhando para ele. Fomos embora, Gabe provavelmente estava indo para a academia depois das aulas, porque nunca mais havia pegado o ônibus escolar.
Acabei indo dormir muito cedo o que me fez acordar muito antes do planejado. Resolvi me arrumar um pouco melhor para ir à aula, estava relativamente quente, tomei um banho e coloquei o uniforme, a calça era bailarina e a blusa uma baby look. Deixei o habitual moletom guardado na mochila, coloquei umas presilhas no cabelo passei lápis, rímel e gloss.
Fui para a aula e a prova era de Português e Inglês, finalmente as provas estavam acabando. Não que tivesse problemas com elas, mas era muito exaustivo e não gostava de sentar longe da Ana.
Na escola todos me olhavam como se eu fosse uma aluna nova, aquilo me constrangia um pouco, encontrei a Ana no corredor antes da sala.
CAPÍTULO APÍTULO 12
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— Oh meu Deus, Acaiah, o que houve com você?
— Por que, Ana? Sabia que não devia ter me maquiado — devia estar parecendo uma palhaça.
— Acaiah, você está linda de doer. Quando você se veste de menina você fica linda, amiga. Eu nem passei lápis, vem comigo no banheiro — fomos ao banheiro e a Ana passou gloss e lápis. — Agora sim, amiga, vamos abafar aquela sala, o Danny e o Gabe já estão lá — tremi, mas enfim, tinha que jogar com as armas certas, se ele estava me deixando louca, agora eu ia deixá-lo também e não pouparia artimanhas para isso.
Entramos na sala e tudo pareceu muito mais lento, algumas cabeças se voltaram para nós. Gabe estava olhando para mim e seu olhar era um misto de desejo e raiva. Aquilo me fez sorrir um pouco, algumas pessoas nos cumprimentaram ao cruzarmos a sala. Deixei a Ana no lugar dela e fui para o meu. Gabe não tirou os olhos de mim em nenhum momento, fizemos a prova.
Terminei antes da Ana, dessa vez quem não sabia muita coisa era eu, fiquei esperando ela em frente à sala de áudio, tinha umas colunas ali, rodeadas de plantas e flores que escondiam uma linda escadaria, sentei e estava muito feliz. Não conseguia nem disfarçar, tinha vontade de pular de alegria, gostei da forma que ele me olhou. Acabei me deitando para trás, na parte de cima da escada.
Fechei os olhos e lembrei do seu olhar que parecia entrar dentro do meu corpo na sala. Aquilo foi muito novo para mim, a sensação foi incrível, abri os olhos e tinha alguém sentado ao meu lado, era ele.
— Gabe! — disse levantando. Ele me jogou de novo para trás, mas segurou meu pescoço e minhas costas para que não batessem nos degraus e ao mesmo tempo se ajoelhou entre as minhas pernas, se inclinando em minha direção.
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— Você. Realmente. Vai. Me. Deixar. Louco — ele disse pausadamente e ofegando com os lábios levemente encostados nos meus. — Você é minha — e me beijou.
Sua boca tinha urgência da minha. Não foi um beijo romântico, foi um beijo de desejo. Meu corpo pedia aquilo e não queria nem saber se estávamos no meio da escola; se ele me queria ninguém me impediria de querê-lo também.
Nos beijamos da maneira mais intensa e profunda possível, a cada volta que nossas bocas davam sentia o calor emanando daquele beijo, tomamos fôlego e retornamos ao beijo mais intensamente que antes. Não sei quanto tempo ficamos ali agarrados nos beijando, mas quando terminou, meus lábios estavam amortecidos. Nosso peito subia e descia, ele olhava dentro dos meus olhos como se pudesse ver minha alma e eu sustentava seu olhar.
— Não consigo... Te entender, Gabe.
— Não tente — ele sorriu. — Você é linda — disse ainda ofegando e se sentou mais próximo a uma das colunas, um degrau abaixo.
Vi a Ana vindo na direção da escadaria, ela olhou para cima e quando me viu com Gabe ficou sem saber o que dizer, seus olhos se arregalaram de um jeito muito engraçado.
— Oh... É... Olá! Espero não estar incomodando — Gabe me olhou com um sorriso reprimido esperando que eu dissesse algo.
— Há... Não, não está, amiga — ainda tinha a respiração pesada.
— Ok — ela estava totalmente sem graça. — Então acho que vou indo.
— Não precisa, Ana Paula, só estou esperando o Daniel e já vou embora. Se preferir, posso esperar em outro lugar — Gabe falava com ela sério.
— Nãooo, imagine. Sem problemas — ela se sentou no degrau abaixo e Danny chegou. Acho que ela parou de respirar ou pelo menos foi o que pareceu.
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— Opa! O que temos aqui? Algum tipo de reunião de cúpula? — ele dizia sorrindo, a Ana estava prestes a derreter como um picolé em frente ao ventilador. Gabe olhava para ele como se aquilo tudo estivesse sido premeditado e eu estava perdidinha.
— Não, Daniel, só estava te esperando em companhia das nossas colegas de classe.
— Ah, sim. O basquete também não me pareceu interessante hoje — ele dizia enquanto se sentava no mesmo degrau da Ana, de frente para ela. — E aqui bate um vento fresco, neste calor pode ser algo bem agradável. Você não acha, Jasmim?
— É, o lugar realmente é bem ventilado.
— É, talvez seja por isso que seu cabelo esteja tão despenteado — oh, oh. Não havia percebido, mas após aquele beijo furacão meu cabelo deveria realmente estar imprestável. — Deve até mesmo estar te dando frio, pois sua boca está toda vermelha — Gabe e Danny começaram a rir, estavam tirando comigo.
— Nossa, amiga, realmente sua boca está vermelhinha. O que você estava fazendo, Acaiah?
— É, é... Estava mordendo os lábios, deve ser isso — respondi totalmente sem graça.
— Ora, Acaiah, você parece ter sido atacada por um canibal — começamos a rir juntos, parecíamos quatro bons e velhos amigos, mas sempre tem alguém para estragar a felicidade alheia.
— Gabe? O que você está fazendo aqui com elas? — a voz da Samara ecoava em meu ouvido, percebi que a Ana estava com a cara fechada olhando as unhas.
— Estava esperando o Daniel, Samara — ele disse já sem humor nenhum.
— Bem, se o Daniel já está aqui, por que não vamos embora? Não vamos para minha casa? — ah, que nojo, como aquilo podia estar acontecendo? Precisava sair dali senão ia vomitar.
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— Vou para a academia hoje — ele respondeu em tom nada amistoso.
— Bem, então vamos indo, vocês me deixam no carro. É melhor do que ficar aqui, nessa deprimente companhia — a Ana se levantou e disse quase aos berros:
— Deprimente é como vou deixar a sua cara se você não se mandar daqui o quanto antes, sua ridícula — Daniel estava colado a ela com as mãos em sua cintura. Gabe e eu nos levantamos também.
— Olha só quem está falando, você é uma...
— Não abra sua boca para terminar essa frase, Samara, ou não respondo por mim — Danny dizia entredentes. A Samara o olhava tão assustada quanto a Ana.
Aquilo não era esperado por ninguém ali, ele não parecia em nada o Danny amistoso de minutos atrás. Gabe a olhava com raiva, se virou para pegar a mochila, me olhou, desceu e foi andando com sua cachorrinha de estimação atrás; mais uma vez fui aos extremos em minutos.
— Vamos indo, Samy — disse Gabe.
— Vaca. Quem ela pensa que é?
— Calma, Ana — Daniel dizia se colocando em frente a ela. — Essa garota é uma inútil, jamais deixaria que encostasse um dedo em você — ele a olhava de um jeito tão lindo que até eu estava me derretendo. — Ou em você, Jasmim.
Pegamos nossas mochilas e fomos embora, Danny acompanhou a Ana até em casa. Entrei em choque com tudo aquilo, Gabe estava brincando com a minha cara e isso estava acabando comigo.
Desci do ônibus escolar no meio do caminho e andei no sentido oposto, caminhei algumas quadras e cheguei a Academia Cour, não conseguiria ficar tranquila sem conversar com ele, não dessa vez.
Entrei na academia e ele estava sentado na recepção, era horário de almoço e a academia tinha pouco movimento. A recepcionista não estava lá.
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— Preciso falar com você, Gabriel.
— Gabe. Não me chame assim.
— Que seja, preciso falar com você e precisa ser agora.
Ele chamou um dos professores e pediu que cuidasse da recepção, fomos a uma salinha que deveria ser algum tipo de escritório, ele me pediu que sentasse no sofá e se sentou na mesinha de centro em frente.
— O que houve? — não sabia nem por onde começar.
— Gabe... Isso não está certo — respirei fundo e percebi que ele também. — Você me beija de repente, cozinha para mim na minha casa, diz que é louco por mim e do nada você muda completamente. Age como se nem me conhecesse e pior, fica do lado da sua namorada como se nada tivesse acontecido.
— Jasmim, não é tão simples...
— Claro. Você é complicado, já sei disso, mas descomplique. Por que aquela garota?
— Porque a escolhi como minha namorada — aquilo me desmontou por completo. — Escute, Jasmim, algumas coisas não estão sobre nosso controle e não temos como mudar. Essa é uma delas — as malditas lágrimas já rolavam desenfreadas pelo meu rosto. Que ódio. Se ele não fosse professor de artes marciais voaria em cima dele.
— Sobre aquele dia no bosque...
— Qual deles? — cínico.
— O dia em que vi você com os olhos brancos.
— Não faço ideia do que você está falando.
— Danny acreditou em mim.
— O Daniel tem problemas.
— Ótimo — levantei para ir embora e ele levantou junto, me segurou pelo braço.
— Me largue! — gritei mais alto do que gostaria, ele me soltou e ficou parado, me olhando sair pela porta. O homem na recepção me olhava assustado, corri para a saída. Nunca mais queria vê-lo.
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Passei o dia chorando na cama. O telefone tocou e não atendi, provavelmente era a Ana, mas não estava com saco para conversas. Chorei até ficar inconsciente.
Quando acordei percebi que meu rosto estava todo melado, de tanto chorar. Olhando no espelho, parecia que um bando de lesmas havia andado pelo meu rosto. Tomei um banho. Chegaria para a segunda aula, havia acordado atrasada de novo.
A coordenadora veio me questionar o motivo do atraso, dei a desculpa que meu despertador não tocou, fiquei aguardando a entrada para a segunda aula. Entrei e vi que a Ana estava sentada ao lado da Ariel, o único lugar vago era com elas, então fiquei sem escolha. Não procurei por Gabe na sala, não queria vê-lo com aquela idiota.
CAPÍTULO APÍTULO 13
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— Até que enfim, bela adormecida. Achei que você não viria hoje.
— Não estou muito legal.
— Por causa da confusão de ontem? — nem podia dizer que não era, porque senão teria que contar tudo a ela.
— Sim.
— Nossa, eu vi o que aconteceu — a Ariel resolveu se meter. — A Samy estava bem nervosa, não é? — olhamos para ela como se fosse um alvo em um paredão de fuzilamento. — Bem... É que ela tem muito ciúmes dela — ela disse apontando para mim.
— De mim?
— É. Uma vez ela pegou o Danny e o Gabe falando de você e ficou bem tensa. Ela não me contou nada em detalhes, mas pela cara dela era algo que a incomodava e muito — aquilo martelava no meu peito. Não queria ter esperanças. Olhei para onde ele costumava sentar e, como sempre, estava ao lado dela. Ele olhava para o chão.
— Bem, mas somos inofensivas. Como estão os preparativos para sua festa? Já é depois de amanhã — disse a Ana.
— Ah, Ana, está me dando um bom trabalho. Bem cansativo, mas vai ser uma festa e tanto. Aguardo vocês lá, hein!
A professora chamou a atenção de todos e a aula começou, não absorvi sequer uma palavra. Na saída a Ana resolveu ir para minha casa, paramos em um centro comercial na esquina, porque ela queria comprar duas sandálias, uma para mim e outra para ela. Segundo ela combinariam com os vestidos que comprou, mas não estava conseguindo me atentar a nada. Provei e ela pagou logo depois de ligar para sua mãe.
Entramos em casa, comemos uma lasanha congelada e ela me pediu para dormir, parecia o Garfield às vezes. De noite, fizemos um trabalho de matemática e assistimos alguns filmes.
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No dia seguinte, sexta-feira, a escola estava agitada pela festa, em todos os cantos o assunto era sempre o mesmo. Resolvi ficar na sala no intervalo, a Ana saiu com as meninas do vôlei, investigando com que roupas elas iriam. Fiquei deitada em meu moletom, sozinha na sala. Gabe tinha realmente acabado comigo.
Era muito doloroso, senti uma lágrima rolando no meu rosto, não acreditei, pois realmente achava que elas haviam secado. Senti uma mão impedindo o trajeto dela. Quando vi Gabe parado ao meu lado, levantei subitamente.
— Hey, calma aí, Jasmim.
— Não tenho calma para você, Gabe. Não mais. Chega.
Saí da sala sem olhar para trás, esbarrei com Danny na porta, mas nem o cumprimentei. Novamente a Ana foi para minha casa, ficou um tempo no MSN sozinha porque eu estava sem paciência para conversar.
Sentei em frente à minha casa, na cadeira da minha mãe e fiquei lá me balançando. Não consigo recordar que horas a Ana foi embora, mas quando dei por mim ela já tinha ido. Lembro de ela dizer que passaria na minha casa para irmos ao salão às 14 horas no sábado.
Demorei mais tempo que o normal no banho, estava ficando doente. Não podia deixar isso acontecer, porque não tinha quem cuidasse de mim. Fui dormir, mas dessa vez não chorei, as lágrimas pareciam ter realmente se esgotado. Tive aquele maldito pesadelo de novo, acordei com a campainha tocando, desci as escadas e abri a porta.
— Oh, meu deus, Acaiah! Não acredito que você ainda não está pronta?
— Pronta para o quê, Ana?
— Acaiah, acorda! Temos salão daqui a meia hora! — não podia acreditar que já era sábado, havia dormido por mais de 12 horas! Isso nunca havia acontecido.
— Ai, perdi a hora. Vou me jogar no chuveiro e já venho — tomei o banho mais rápido da minha vida, joguei um vestidinho verde escuro no corpo e fomos para o salão.
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Me senti uma dondoca. O “esquadrão da beleza” entrou em ação e fizemos hidratação, escova, unhas e depilação. Quando já estava ficando com a bunda quadrada chegou a parte II, maquiagem.
O cabelo castanho-claro da Ana estava todo preso com dois fiapos soltos no rosto. Ela estava muito bonita, uma maquiagem que ressaltava o tom de mel dos seus olhos.
Olhei-me no espelho e quase não acreditei. Pela primeira vez me sentia realmente muito bonita, meu cabelo estava todo solto com alguns cachinhos nas pontas. Provavelmente eles se desmanchariam, pois meu cabelo era extremamente liso e não aguentaria aquele penteado.
Meus olhos estavam ressaltados com um delineador preto e uma sombra verde, minha boca estava toda demarcada com um batom rosado, nunca tinha me imaginado daquele jeito.
— Uau, Acaiah! Você está um arraso!
— Você também, amiga.
— Vamos, pedi para o meu pai deixar nossos vestidos na sua casa, ele vai nos buscar às sete — olhei para o relógio e já eram dez para as seis, isso significava que tínhamos pouco tempo. Nem sabia como era o vestido que a Ana havia comprado e também não me lembrava da sandália. Deixar na mão da Ana uma surpresa dessas não tinha sido uma boa ideia.
Chegando em casa, subimos para meu quarto e a Ana quase me deixou doida, ela havia comprado até mesmo lingerie nova. Nunca tinha visto algo tão lindo, mas era sensual demais, não tinha nada parecido com aquilo. E quando ela tirou o vestido da sacola realmente me assustei.
— Ana! O que é isso?
— É o seu vestido, Acaiah, e ele é maravilhoso.
— Ele é aberto demais, curto demais. Ana, como vou usar isso? — o vestido era preto, de um tecido chique e brilhava como cetim. Tinha um decote em V na frente e o mesmo decote um pouco menor nas costas. Vinha até a coxa,
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a quase dois dedos do joelho e tinha uma espécie de faixa acima da cintura. Ele era muito bonito, mas não era muito o meu estilo.
— Usando, Acaiah. Vá se vestir que eu também vou — ela foi tirando a roupa e colocou uma lingerie tão sensual quanto a minha. A Ana não tinha um corpo de miss, mas ela tinha curvas muito bonitas e sabia como usar um vestido curto. Eu não.
O vestido dela era preto tomara que caia, com um tecido fino, todo plissado no peito e também tinha uma espécie de faixa marcando a região acima da cintura, descia liso e formava um leve balonê embaixo, era tão curto quanto o meu. À medida que me vestia ia repassando mentalmente minhas opções dentro do meu guarda-roupa, mas não havia nada a não ser um vestido preto comprido de ficar em casa e com ele ficava parecendo a Mortícia da família Adams.
Coloquei a sandália, um salto alto, que com toda certeza me faria cair, como não vi isso na loja?!
O sapato da Ana tinha uma plataforma maior e o salto era grosso, nos olhamos no espelho juntas e estávamos muito bonitas. Se fosse dar notas, daria dez para sensualidade, porém zero para conforto.
O pai da Ana chegou pontualmente às sete e já estávamos prontas. Fomos para a festa e no caminho imaginei se Gabe iria, a namorada dele provavelmente estaria lá, então essa festa não seria muito legal para mim. Ia dormir essa noite na casa da Ana.
A chácara era bem distante da cidade, chegando à entrada dava para ouvir o som tocando alto e ver algumas luzes. O pai da Ana nos deixou na entrada para carros e foi embora, ele tinha muito ciúmes dela e nos passou um sermão a respeito de comportamento. Fomos andando por um caminho todo iluminado que levava a uma estrutura montada no gramado, um pouco distante da casa. Estava tudo muito bonito. Encontramos a aniversariante e demos os parabéns, lembrei que não havia levado presente.
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— Este presente é meu e da Acaiah, espero que você goste — a Ana parecia ler meus pensamentos às vezes. Era uma linda pulseira com pingente de trevo de quatro folhas.
— Obrigada, meninas, adorei. Vou usá-la já — ela dizia enquanto colocava no braço. — Fiquem à vontade.
Procuramos uma mesa, já havia algumas pessoas; a noite estava quente, mas ventava um pouco. O som estava muito bom, dava até vontade de dançar, só não me sentia confortável o bastante para fazê-lo.
— Quero uma batida de maracujá — nem percebi que o garçom havia chegado. — E você, Acaiah?
— Só uma água.
— Essa batida tem teor alcoólico?
— Não, senhorita — respondeu o rapaz.
— Ok, me viro com isso mesmo.
Bebidas nunca haviam sido algo que me chamasse atenção, ela tomou a batida em um gole só e pediu outra.
— Ana, vai com calma. Não quero cuidar de ninguém de pileque por aí.
— Ah, Acaiah, isso não tem álcool, sua louca.
Olhei para as escadas e vi algo que realmente mexeu com minhas estruturas: Gabe descia de mãos dadas com a maldita Glitter. O vestido dela brilhava todo e tinha umas pluminhas no decote e na barra. Era quase um pavão.
Ele estava lindo de doer, vestia uma calça jeans escura, uma camisa preta, os dois últimos botões estavam abertos e ele usava uma jaqueta de couro preta por cima, o cabelo estava todo caidinho, parecendo molhado, usava um anel prateado no dedo indicador. Quase enfartei. Por um segundo achei que fosse uma aliança de namoro, mas estava no dedo errado.
As duas outras Glitters vieram logo atrás, uma com um vestido de couro preto e a outra com um macacão jeans preto, extremamente justo. Danny estava atrás deles e usava uma calça jeans preta e uma camisa social preta. Os dois se
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destacavam no meio daquelas peruas, a Ana seguiu meu olhar e viu a mesma cena. Soltamos o ar pesadamente.
— É... Nem tudo é perfeito. Não temos tido muita sorte com homens — ela dizia enquanto pegava das mãos do garçom mais uma batida de maracujá e virava em um gole só — traga mais um negócio desses, por favor. Hoje está difícil.
— Traga um para mim também — minha voz estava mais baixa que o normal, ele estava abraçando ela e sorria bastante. Eles pareciam um casal bem feliz.
— Acaiah, você vai beber? Choquei! Mesmo sem ter álcool, choquei.
— Só um copo, Ana — na verdade queria que tivesse álcool, quem sabe assim esqueceria aquela cena. Ele estava lindo, com a namorada e eu era a outra. Perfeito.
CAPÍTULO APÍTULO 14
Tomei aquela coisa e até que era gostosinho, parecia um mousse. Começou a tocar umas músicas mais
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animadinhas e a Ana resolveu levantar para dançar; a festa já estava bem cheia e tinha muita gente dançando.
Perdi Gabe de vista e resolvi dançar com a Ana, não queria ficar pensando nele. A festa estava muito legal e precisava me divertir. Cheguei à rodinha de dança e algumas meninas ficaram me olhando. Começamos a dançar, olhei para trás da nossa roda e vi a Samara colocando um docinho na boca do Gabe. Depois ela o beijou, na boca.
Aquilo foi demais para mim, achei que iria cair no chão. A Ana chegou perto de mim e me abraçou, mas continuou dançando para disfarçar e cochichou no meu ouvido:
— Se acalme e respire fundo. Você não pode borrar essa maquiagem.
Trocamos de lugar e fiquei quase de costas para eles, pelo menos não conseguia mais vê-los. Animação? Qual? Ah, sim, aquela que saiu correndo! A Ana parecia animada, mas não queria nem pensar se acontecesse algo semelhante com ela. Já ouviu dizer que pensamentos atraem atitudes, pois é.
Percebi a Ana murchar ao meu lado. Do nada ela saiu correndo em direção ao banheiro, olhei por instinto para a mesa do Gabe e vi que a Sílvia, a mais loira das Glitters estava passando a mão no rosto do Danny e fiquei contemplando a cena tempo suficiente para vê-lo retirar a mão dela e sair da mesa.
Gabe ainda estava lá me encarando, fui para o banheiro atrás da Ana, minha vontade era de ficar lá o resto da noite.
— Amiga?
— Não quero falar com ninguém, Acaiah — ela estava trancada no último box no banheiro.
Entrei no box ao lado e subi no vaso olhando para ela por cima da divisória, estava sentada com a cabeça abaixada entre as pernas, era muito ruim ver minha amiga assim. Aquela festa havia se tornando uma festa dos horrores, primeiro ver aquela cena ridícula do Gabe e agora a Ana.
— Ana — ela olhou para frente, para os lados e enfim para cima. — Amiga, saia daí. O Danny não está ficando com
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aquela Glitter. Eu o vi arrancando a mão dela do rosto dele e saindo da mesa — ela se levantou e saiu do box e fiz o mesmo. Limpou o borrado da maquiagem e olhou nos meus olhos:
— Jasmim Acaiah, fiz de tudo para a gente se divertir nessa festa. Não posso deixar que a nossa felicidade dependa daqueles dois. Tem muito homem por metro quadrado nessa festa e realmente não quero ficar sofrendo por eles. Gosto do Danny como nunca gostei de ninguém na vida — a voz dela começava a falhar —, mas não vou deixar que isso estrague a minha diversão. Sei que você também está sentindo a mesma coisa pelo Gabe, por mais que você não esteja me dizendo nada, sei que existe alguma coisa com vocês dois. Não importa. Não deixe a tua diversão sumir por causa dele.
Aquilo era verdade, a mais pura verdade, nunca tinha ido a uma festa tão divertida e queria me divertir, se não fosse do jeito que queria, seria de outro. Respirei fundo, abracei a Ana e disse que ela tinha razão.
— Vamos voltar para aquela festa e dessa vez só volto para o banheiro para fazer xixi — disse já rindo, iríamos nos divertir a qualquer custo.
Na saída esbarramos com a Samara que entrou correndo no banheiro, inconscientemente desejei que ela apagasse lá dentro, talvez fosse conscientemente. Não pude deixar de sorrir ao pensar nisso, voltamos à rodinha e agora tinha bem mais gente, inclusive o Rafael e o Anderson, os meninos do shopping. O olhar que eles lançaram em nossa direção me fez sorrir mais que o normal, cumprimentei apenas com um aceno de cabeça, a noite começava a ficar divertida.
O DJ chamou a Ariel no pequeno palco montado com os apetrechos de som e as pessoas se reuniram em torno do microfone, as duas outras Glitters subiram no palco e leram uma homenagem para a Ariel. A Samara não estava junto e imaginei que talvez minha praga tivesse pegado e ela talvez estivesse apagada no banheiro.
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Os garçons distribuíam champagne em taças muito chiques para um brinde à aniversariante. Brindamos, tomei só um gole daquilo e joguei o resto no chão. Cantamos parabéns e o som voltou a rolar, fomos deixar as taças na mesa, já que não havíamos achado nenhum garçom, quando vimos Gabe e Danny na mesa ao lado.
Estavam sentados sozinhos de cabeça baixa, levantaram a cabeça juntos como se sentissem nossa presença. Gabe me olhava admirado, sorria de um jeito amistoso, parecia feliz em me ver, olhou desde o último fio de cabelo até os pés. Não devolvi o sorriso, dessa vez ele não me faria de palhaça.
A Ana me puxou de volta para a pista de dança e percebi que ela os havia ignorado também. Começou a tocar uma música eletrônica, o Rafael e o Anderson vieram dançar conosco.
— Oi, moça bonita — era o Rafa. — Podemos dançar? — fiz questão de olhar para a mesa do Gabe antes de aceitar, ele estava com a cara fechada, dessa vez quem apanharia era ele se me atrapalhasse.
— Claro, seria um prazer.
Ele me segurou pela cintura e começamos a dançar. Tentava realmente jogar meu olhar mais sexy para ele. Percebi que a Ana estava praticamente dando um show particular para o outro menino. Ela se soltou e eu fiz o mesmo, afinal aquelas vezes em que ligávamos o som no quarto e ficávamos rebolando tinham que servir para alguma coisa.
Virei de costas para ele e peguei seu braço, colocando na minha barriga. Ele estava abraçado a mim pelas costas e eu ficava fazendo ondas com o corpo enquanto uma das mãos dele segurava minha barriga e ele não sabia onde colocar a outra.
Percebi que o Gabe não tirava os olhos de nós, reuni muita coragem e levantei um de meus braços e passei a mão pela nuca do Rafa, estava o deixando maluco enquanto a Ana soltava um gritinho de “uhul”.
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Gabe estava com os braços cruzados na mesa, estava extremamente bravo, era visível. A música mudou e continuamos dançando, o Rafael falava uma vez ou outra alguma coisa difícil de entender, fiz sinal para ele dizendo que não estava escutando nada. Ele se aproximou mais do meu ouvido e apertou os braços em volta da minha cintura.
— Você está muito linda hoje — ele berrava no meu ouvido e mesmo assim era difícil ouvi-lo. — Desculpe por aquele dia — ele se afastou subitamente, ao mesmo tempo em que Gabe o puxava para trás.
— Já disse para você ficar longe dela — ele cuspia as palavras entre os dentes com uma cara que deixaria qualquer um com medo. Havia atingido meu objetivo, mas não estava muito segura agora com relação a essa ideia.
— Fique você longe de nós, Gabriel — não sei de onde tirei forças para dizer aquilo.
— Jasmim... — ele dizia tremendo.
— Por que você não vai atrás da sua namoradinha e me deixa em paz? — havia conseguido despertar o seu ciúme, mas não estava me sentindo tão bem quanto imaginei.
— Não faça isso, Jasmim...
— Tarde demais, Gabriel. É isso que quero.
Ele saiu e no caminho derrubou uma cadeira, não olhou para trás. O Danny seguiu atrás dele, o olhar que ele lançou para a Ana foi de dar dó, senti o Rafael colocando as mãos na minha cintura.
— O que há entre vocês dois, afinal? — não respondi. — Não entendo como aquela gata namora com ele, o cara nem foi levá-la até o táxi.
— A Samara foi embora? — aquilo me pegou totalmente de surpresa, será que ela havia realmente desmaiado?
— Pois é, ela estava passando mal no banheiro e foi embora, enquanto ele fica aqui, sem cuidar da namorada e cuidando você. Não entendo isso — nem eu entendia. Por que ele não foi embora com ela? Me arrependi realmente de toda aquela cena com o Rafael, eu não era assim.
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— Você está bem? Está meio pálida.
— Não. Desculpe — queria poder desfazer tudo aquilo. — Vou pegar um refrigerante.
Chamei a Ana e ela veio comigo, sentamos na mesma mesa que estávamos no início, mas agora parecíamos mais tristes do que quando chegamos.
— Nossa, Acaiah, o Gabe estava louco, achei que ele ia bater em você quando começou a falar. O Danny me olhou com uma cara... Mais uma vez pisei na bola com ele.
— Acho que você deveria ir falar com ele.
— Talvez, mas agora estou com vergonha demais para isso.
Ficamos lá de cabeça baixa e para ajudar o DJ começou a tocar uma musiquinha mais lenta. Queria muito ir embora, mas as Vans ainda demorariam a sair e não tinha dinheiro para um táxi.
— Curtindo a festa? — aquela voz me fez pular subitamente na cadeira, era o Danny, mas o Gabe não estava com ele.
— Oi — disse sem ânimo nenhum.
— Pois é, noite de muitas emoções... E você? — ele agora se dirigia a Ana. — Cansada demais para dançar comigo?
— Não. Não estou cansada — ele segurou sua mão, fazendo a Ana se levantar e eles começaram a dançar. Nenhum deles estava de olho aberto e aquilo era visualmente lindo. Eles combinavam muito, desejei estar no lugar dela.
Saí da mesa e eles nem notaram, encontrei uma pequena trilha com pedrinhas que levava a um pequeno bosque, com árvores baixas. Resolvi caminhar um pouco, antes que o Rafa resolvesse vir atrás de mim novamente.
Entrei no pequeno bosque, tinha umas pedrinhas pintadinhas sinalizando a pequena trilha. No meio tinha uma linda árvore, maior do que as outras. Adorava árvores.
Tinha vários arbustos floridos em volta da trilha. Somente a luz da lua e as estrelas iluminavam o caminho. A
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flor nos arbustos era Jasmim, sabia por que meu pai sempre me mostrou jasmins. Era a flor preferida da minha mãe, por isso ela me deu esse nome.
Circulei a árvore e olhei novamente para a festa. Entre os troncos podia ver Danny e a Ana ainda abraçados dançando. Gabe estava me deixando cada dia mais confusa, ele me levava do céu ao inferno em minutos.
CAPÍTULO APÍTULO 15
— Cansada de dançar com o “Rafa”? — ele pronunciou o nome com nojo. Gabe estava sentado no pé da maior árvore.
— Gabe — fechei os olhos, estava cansada disso tudo. — Resolvi ficar um pouco sozinha — me limitei a dizer. — E você, o que está fazendo aqui sozinho?
— Cansei da festa, ficou meio apelativa para mim.
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— Apelativa? Por que está me dizendo isso, Gabe? — essa troca de ofensas constantes estava pra lá de cansativa e apesar de ter dito na academia que não queria mais nada com ele, nesse exato momento só pensava em seus braços me envolvendo.
— Por quê? Você ainda pergunta? — ele ficou de pé. — Você estava se amassando com aquele menino e agora vai fazer de conta que não foi nada?
— Eu? — agora ele estava apelando. — Não estava fazendo nada de errado, Gabriel — talvez estivesse, sei lá, mas não ia admitir isso a ele. — Você esqueceu que não tenho namorado? Você esqueceu que você tem namorada? Eu não esqueci — ficamos em silêncio nos olhando por um instante.
— Gabe. Já falei para você só me chamar de Gabe.
— Qual é a diferença? Por que você se importa tanto com o modo como te chamo? Isso não muda nada, não muda tudo isso — ergui as mãos em sinal de protesto, suspirei, isso não estava nos levando a nada.
— Realmente não — ele disse enquanto vinha em minha direção. — Algumas coisas estão fora do nosso alcance — antes que pudesse mover um dedo sequer ele me beijou.
Me beijou como se aquele beijo fosse o último das nossas vidas. Suas mãos estavam histéricas descendo e subindo pelas minhas costas, me apertando com força, depois me abraçou e continuou beijando meu pescoço.
— Jasmim... — ele suspirou. — Sempre foi a minha flor preferida — o encarei.
— Mas você disse que...
— Menti. Sempre amei jasmins.
— Faz isso com frequência?
— O quê? — ele perguntou, enquanto beijava meu pescoço, tinha medo da resposta dele.
— Mentir — ele me olhou sério.
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— Sim. O tempo todo — fechei meus olhos, estava perdida, totalmente perdida e era doida por ele.
— Queria saber o que você sente — disse, desejando realmente que isso fosse possível.
— Seria terrível, lhe garanto. Imagine sua vida sabendo sempre o que todos à sua volta sentem! Medo, alegria, tristeza, amor, ódio, paz, raiva, nojo... Não seria uma vida, seria uma prisão — estava tremendo, algo me dizia que ele não estava apenas imaginando isso, sua cara era de quem sabia muito bem como era, mas como isso seria possível? Já estava delirando.
— Realmente queria saber o que você sente, porque quando te vejo com a Samara eu... — fechei os olhos e me lembrei da cena, ela dando um docinho em sua boca e beijando-o. — Eu... Você sempre está me olhando, mesmo quando está com ela — ele estava mexendo em meu cabelo. Percebi que havia me entregado, totalmente.
— E você acha que saber o que sinto resolveria alguma coisa? As pessoas são confusas, não sabem o que sentem, misturam sentimentos o tempo todo — ele deu um riso debochado. — Não suporto vê-lo com você.
— Ver quem? — estava ofegante, o que era tudo aquilo que ele estava me dizendo? Procurei lógica em suas palavras e em suas ações, mas não consegui encontrar.
— Rafael... Simplesmente não suporto, não suporto ver ninguém tocá-la. Mas não posso Jasmim, eu... Estou com a Samy, fui eu que quis ficar com ela, escolhi isso, agora tenho que aceitar o peso das minhas decisões — ele se separou de mim, fiquei lá estática, com os braços pendendo ao lado do corpo.
— Ah é. A Samy — estava me esforçando muito para não chorar. — Claro, ela é realmente linda — ela era uma idiota, mas linda isso ela era. Minha boca tremia pelo esforço de reprimir o choro, minha voz estava entrecortada.
— Você é linda também — ótimo, grande consolo.
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Me virei para ir embora. Ele me abraçou por trás, minha vontade era gritar. Por que estar com ele era tão bom? Ele ficou respirando em minha nuca.
— Você está gelada — ele tirou sua jaqueta de couro e colocou em cima dos meus ombros, agora o cheiro dele estava por toda parte, me virei para olhá-lo.
— Eu estou tão...
— Triste — ele complementou, será que isso era tão visível assim?
— Não sei o que sinto por você, Gabe!
— Tem certeza disso? Porque acho que você sabe — só balbuciei algumas palavras, só porque ficávamos de vez em quando, ele não poderia presumir que eu... Não, claro que não. Ficamos em silêncio um pouco.
— Gabe, o que aconteceu naquele dia no bosque? O que realmente aconteceu?
— Você é diferente.
— Por que diz isso?
— Porque você se lembra.
— Como assim eu me lembro? — ouvimos passos se aproximando e Gabe tampou minha boca e sussurrou em meu ouvido “fique quieta”.
Droga, logo agora que ele estava quase me contando, os passos se aproximavam cada vez mais. Eram duas pessoas, pararam do lado oposto da árvore e como o tronco era grosso, eles não nos viram. Gabe estaria encrencado se o vissem comigo ali, poderiam contar para sua namorada e por um minuto de egoísmo achei que era uma ideia interessante.
— É um lindo lugar... Mas por que você me trouxe aqui? — a voz da Ana me deu um sobressalto e olhei para Gabe que sorria e colocava o dedo nos lábios pedindo silêncio.
— Porque combina com você — era ela e o Danny.
— Obrigada — fiquei imaginando a cara dela de derretida. — Nossa, a lua está linda.
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— Está mesmo, acho que nunca vi um céu tão estrelado assim... Adoro estrelas.
— Eu também — ela respondeu e isso era verdade, o quarto dela era todo decorado com estrelas.
— Você é mais linda que todas elas juntas — Gabe colocou novamente o dedo nos lábios pedindo que continuasse em silêncio.
Me deu vontade de rir, Danny me pareceu aqueles galanteadores de 1800.
— Nossa Danny, obrigada, mas você está se enrolando muito para me beijar, sério — isso era tão... Ana, que tive que sorrir.
— Ana... Não sou assim, jamais te beijaria se você não fosse minha namorada.
— Nossa — ela devia estar muito assustada, ela não era assim... Digamos... Certinha.
— Você quer namorar comigo? — achei tão fofo da parte dele.
— Você está me pedindo em namoro, sem nem ao menos me beijar antes? — ela conseguia estragar todo o romantismo dele. Gabe estava sorrindo.
— Já disse que não funciono assim. Beijar não é motivo suficiente para estar com alguém.
— E o que é motivo suficiente para você?
— Ana... Amo o jeito que você sorri, que anda, fala, amo seu cheiro e tudo em você. Sou louco por você, quero ficar com você. Isso é motivo para mim.
— Hã... Eu... Não esperava por isso, Danny — eu mesma ia matá-la se ela falasse não.
— Sei que você mal me conhece, mas ainda sim, não consigo mais resistir. Vou arriscar tudo — Gabe pareceu ficar tenso. — Ana, quero namorar com você.
— Danny... Eu... Nem sei o que te dizer — burra.
— Você não quer?
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— É claro que quero, mas sei lá... A gente nem ficou nem nada. Não estou acostumada com isso. Não me entenda mal, é maravilhoso, mas a maioria dos meninos não é assim. Acho que isso me assusta um pouco.
— Não sou como a maioria. Só que por enquanto ninguém pode saber, preciso que seja segredo. Como te disse na praia isso tudo envolve muita coisa que você ainda não pode saber — Danny tinha o mesmo papo que o Gabe, agora tinha mais uma certeza, seja lá o que Gabe era ou fazia, Danny era como ele.
— Então você quer namorar comigo? — Danny perguntava de novo.
— Quero... — finalmente, pensei.
— Ótimo, porque não sabia por mais quanto tempo resistiria a você — estava morrendo de vergonha de estar ali, atrás da árvore, presenciando aquele momento tão íntimo dela.
Provavelmente eles estavam se beijando, porque ficou tudo em silêncio, durante um tempo. Gabe me olhava e selou nossos lábios de leve. Nos beijamos também, com a diferença de que ele não tinha me pedido em namoro; ele já tinha namorada. Mas eu podia fantasiar que era isso que tinha acontecido.
— Ana, acho que temos plateia.
— Como assim, Danny?
— Desculpe, não queria me intrometer, mas nós já estávamos aqui — porcaria, por que sempre era pega nessas coisas?
— Nós? — perguntou a Ana, ela deu a volta na árvore e entrou em choque. — Oh, meu Deus, Acaiah? O que você está... — fiquei com uma cara de criança quando faz alguma travessura. — Oh meu Deus! Acaiah! Você e o Gabe... — não a deixei terminar.
— Não, foi coincidência encontrá-lo aqui.
— Você sabe que odeio que mintam para mim, você está com a jaqueta dele. Nem vem, vocês dois estavam ficando.
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— Realmente, Ana, nós estávamos ficando — Gabe respondeu, quase desmaiei, ele estava admitindo isso?
— Amiga, que fofo, você deu seu primeiro beijo — Jesus! Queria matá-la... Bem lentamente. Gabe caiu no riso. Perfeito.
— Obrigada, Ana.
— Que foi? — ela era tão sem noção às vezes. — Achei fofo, estava na hora de você aprender a beijar.
— Ana, mais uma palavra e juro que mato você — ela ergueu os ombros como quem quer dizer “Tanto faz”.
— Estou namorando — ela abriu um sorriso enorme. Minha raiva foi embora, ela parecia uma criança feliz, mas a vergonha ainda estava ali com toda certeza, mal consegui olhar para Gabe, que para piorar, ainda estava rindo. — Oh, desculpa, Danny, não era para ninguém saber, mas eles já estavam aqui.
— Não tem problema, meu anjo. Tenho certeza que você não esconderia nada da Jasmim e eu também não esconderia do Gabe. Eles podem saber.
— Ana, que horas são?
— São exatamente meia-noite, amiga, temos tempo, as Vans saem bem mais tarde.
— Acho que vi algumas pessoas indo embora — realmente estava vendo pelas árvores, que já não havia uma multidão na festa.
— Algumas pessoas devem ter ido embora de outro jeito. Gabe, e a Samara? Você terminou com ela aqui, em plena festa? — ele fechou a cara.
— Não terminei com ela — aquilo doía.
— O quê? — acenei para a felicidade, ela estava indo embora. — Mais vai terminar, não é?
— Ana, venha, meu anjo... Vamos subindo, precisamos disfarçar. Vou te deixar próximo ao banheiro — Danny já saiu puxando-a
— Ok, mas...
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— Vamos, Ana — eles nos deixaram ali. Gabe estava com uma cara de raiva.
— Então, que fim deu sua namorada? — resolvi perguntar, já tinha ido tudo por água abaixo mesmo.
— Isso não é da sua conta.
— É, para falar a verdade não é mesmo — era incrível como ele conseguia acabar com tudo com um simples abrir de boca. — Ela é nojenta.
— Ela não é assim tão ruim — meu sangue estava fervendo. — Se fosse, ela não teria metade da escola dando em cima dela — aquilo foi demais para mim. Virei as costas e disse:
— Ótimo, vá para casa atrás daquela vaca, ela deve estar entalada em um vaso — realmente desejava que ela estivesse com um problema gastrointestinal bem forte. Tirei a jaqueta dele e joguei no chão, fui voltando para a festa e encontrei a Ana e o Danny no caminho.
— Hey, o que houve, Jasmim? — perguntou o Daniel.
— Seu amigo realmente é um idiota, ele sempre consegue estragar tudo. Vamos, Ana — a puxei, ela fez cara de “Por quê?”. — Vocês precisam disfarçar, lembra? E preciso de você nesse exato momento.
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CAPÍTULO APÍTULO 16
Voltamos para a festa, a Ana e eu fomos para um lado enquanto os meninos iam para outro. O sorriso no rosto dela era tão grande quanto a minha infelicidade.
Gabe ficava me olhando do outro lado da pista de dança com os braços cruzados no peito, totalmente sexy. Uma coisa havia aprendido sobre Gabe, ele reagia a qualquer contato masculino que tivesse, já que era assim que ele mostrava alguma emoção. Então assim seria, minha tristeza já estava virando raiva.
— Jasmim — era um menino da sala, mas nem sabia o seu nome.
— E aí? — realmente eu era muito pateta nesse assunto de paquera.
— Cara, você está linda, muito diferente, no colégio você não é assim.
— Ah, obrigada — não sabia muito bem o que dizer, a Ana dava sorrisinhos, mas não sabia se eram para mim ou para o Danny.
— Realmente quero ficar com você — enquanto processava a informação, a Ana segurou o meu braço.
— Acaiah, não é uma ideia muito boa — olhei para onde ela apontava com a cabeça e foi realmente assustador ver a cara que o Gabe nos olhava. Danny estava segurando o seu braço, falava em seu ouvido, provavelmente tentando acalmá-lo. Sorrir foi inevitável, hoje ele saberia como era ficar no meu lugar. Antes que pudesse responder ao menino, fomos interrompidos.
— Desculpe, posso roubar a moça? — o menino não gostou nada da interrupção, mas acabou cedendo e disse piscando “Conversamos no colégio”. Ótimo, agora ia ter mais um pepino no colégio para resolver.
— Rafa, você não desiste nunca? — falei com um sorrisinho falso nos lábios.
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— De você? Não, nunca. Não é por qualquer uma que apanho do meu professor de artes marciais no shopping.
— Sinto muito por aquilo — era a primeira vez que ele tocava no assunto.
— Também sinto... Queria ter te beijado — ele segurou meu rosto, paramos de dançar, estava confusa e começava a me perder de quem eu era por causa de Gabe. — Posso?
— Pode o quê? — estava olhando em seus olhos, ele não era tão mal assim, mas logo pensei no Gabe e tudo desandou, queria estar dançando com ele, queria que fosse ele.
— Te beijar. Posso?
— Rafa, eu não...
— Só um beijo? Vai, por favor? — ele fez uma cara tão fofa, queria isso, queria alguém que me beijasse em público, sem vergonha de gostar de mim. — Morreria por um beijo seu — ele veio para cima de mim rápido demais e me deu um selinho, então o empurrei, não conseguiria fazer isso.
— A parte de morrer posso resolver para você — agora era o Gabe. O Rafael me soltou, dessa vez ele parecia disposto a brigar também, intervim nessa palhaçada.
— Gabe, não — ele me olhou espantado, ergueu as duas mãos em sinal de “Lavo as minhas mãos” e foi se afastando devagar, ainda nos olhando. Virei para o Rafa.
— Você também, chega — ele ia responder algo, mas não deixei. — Realmente não gostei do que você fez, não concordei com aquele beijo — não esperei por explicação nenhuma, o deixei lá e fui procurar a Ana, agora realmente queria ir embora. Acabei descontando tudo no Rafael.
— Por que está fazendo isso, Jasmim? — dei de cara com o Danny.
— Fazendo o quê?
— Para que beijá-lo? Qual é o seu objetivo com isso?
— Não o beijei, ele me beijou — depois de tudo aquilo, levar lição de moral do Daniel era demais para mim.
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— Eu avisei, avisei vocês dois, mas não quiseram me ouvir — esse assunto já tinha dado para mim, não queria e não iria mais falar sobre isso.
— Cadê a Ana?
— Conversando com Gabe — droga, o que ela estava fazendo?
— Tenho um recadinho para você, Danny. Pise na bola com ela e você vai se arrepender de ter nascido, ainda vou descobrir o que vocês são e se isso magoar minha amiga acabo com você — assim que terminei de falar a Ana se aproximou de nós.
— Amiga, estamos com um problema. Você tinha razão as Vans já foram embora, meu relógio está quebrado, minha mãe vai me matar — ela parecia bem preocupada.
— E agora? — estávamos em um fim de mundo, sem ter como ir embora.
— Levo você, meu anjo e você também, Jasmim. Eu e o Gabe viemos de carro.
— Como assim? Pirou? Vocês não têm idade para dirigir — a Ana falou bem brava.
— Pois é, lá em casa eles não ligam para isso, contanto que não sejamos pegos. Vocês não vão ficar aqui de jeito nenhum — ela já estava com aquela cara de derretida dela. — Não é, Gabe? — droga, ele estava atrás de mim. Olhei rapidamente e abaixei a cabeça.
— Tanto faz — óbvio, para ele eu não significava nada.
— Podem ir na frente, preciso ir ao banheiro.
— Te espero, Acaiah.
— Não precisa, Ana, encontro vocês no estacionamento, — eles foram indo, passei no banheiro e a fila estava bem grande. Devo ter demorado uns 15 minutos.
Quando saí de lá, o caminho para o estacionamento estava bem escuro, não estava enxergando nada. A neblina da madrugada estava nos meus joelhos, me arrependi de não ter deixado a Ana me esperar, comecei a ficar com medo.
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Muito medo, aquele medo avassalador novamente, igual ao dia do bosque. Mal conseguia respirar, estava na metade do caminho, que era uma subidinha pela grama. Comecei a pressentir que não estava sozinha, andei mais rápido, tropecei, olhei para trás, tinha um homem lá e seus olhos eram brancos.
Meu coração batia três vezes mais rápido do que o normal, o medo estava me esmagando, não conseguia me mover, não conseguia gritar, só queria me encolher e chorar. Nunca senti um medo desses, não assim, a adrenalina estava acabando comigo. Ele se aproximou bem devagar, seus olhos não saiam dos meus, não conseguia desviar o olhar. Não poderia ser o Gabe.
Meu coração não ia aguentar esse ritmo. Meu braço esquerdo formigava e isso não era um bom sinal, sentia pontadas no meu peito, todos os músculos do meu corpo estavam enrijecendo.
Comecei a perder os sentidos, estava apagando, não ia resistir muito a seja lá o que fosse aquilo.
Ouvi ao longe alguém chamar “Jasmim”. Foi o suficiente para o estranho olhar para longe. Por um segundo raciocinei: era a minha chance de escapar, levantei meio cambaleando e corri, corri e corri mais.
Não parei, nem ao menos olhei para trás, minha bronquite começou a dar sinais, não sabia qual era a porcaria do carro, mas deduzi que era o que estava com os faróis ligados. Danny estava ao volante com a Ana ao seu lado, Gabe sentava atrás da Ana. Abri a porta correndo, aquilo me deu um alívio, havia conseguido escapar.
— Nossa, Jasmim, onde você se meteu? — perguntou o Danny, meu medo tomava conta de mim, que merda era aquilo tudo?
— Tranque o carro! — disse berrando, enquanto lágrimas deixavam meus olhos.
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— O que foi? — a Ana estava bem assustada. Eu tinha quase morrido, de alguma maneira sabia disso, por poucos minutos, muito poucos, teria morrido.
— Tranque o carro, Danny, por favor! — dizia berrando e pulando no banco como uma doida.
— Pronto, está trancado — ele disse virando para trás para me olhar, a Ana me olhava com os olhos saltados. Não olhei para Gabe, estávamos em lados opostos do banco. Comecei a sentir o pânico crescendo novamente, não podia mais sentir aquilo, não ia aguentar.
CAPÍTULO APÍTULO 17
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Coloquei minha cabeça entre os joelhos e fiquei me balançando para frente e para trás, aos berros, literalmente aos berros. Nunca chorei tanto em minha vida, era uma sensação que não desejaria nem a Samara.
Me atrevi a olhar para fora, parecia que via aqueles olhos em todos os lugares, era como se aquele sujeito estivesse em todas as partes. Ninguém no carro falava ou fazia nada, vomitei no chão bem próximo a porta.
— Por favor, isso tem que parar. Alguém faça isso parar! — gritei.
— Acaiah — a Ana estava chorando, triste por me ver nesse estado. Tentei me controlar, mas estava em uma crise de pânico.
— Não. Não. Não. Não — meu corpo todo tremia, minha vontade era vomitar novamente, me esconder em casa e não sair nunca mais.
— Jasmim. Calma — Gabe me puxou para perto dele, estava segurando meus braços. Tentei me soltar, não sabia o que estava fazendo, só queria fugir de tudo e de todos naquele momento. — Está tudo bem agora. Tudo vai ficar bem. Estou aqui agora — ele me puxou para seu peito, me deixei levar, fiquei ali chorando. — Estou aqui agora — ele dizia enquanto limpava as minhas lágrimas e mexia em meu cabelo, como se me embalasse para dormir.
— Vamos embora, Danny. Rápido — ele disse para o amigo.
Danny deu partida no carro e saiu a mil por hora dali, durante uns minutos ninguém disse nada.
— Alguém pode me explicar o que é isso tudo? — perguntou a Ana.
— Agora não — Danny respondeu.
— Danny, ligue para casa. Precisam achar Michael, isso tem que parar — quem era Michael? Casa? O que a família dele ia fazer?
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Daniel ligou e meio que explicou o que estava acontecendo a alguém, não estava entendendo nada e começava a me perguntar se realmente queria entender.
Ninguém disse mais nada sobre aquilo. Gabe ficava me dizendo “Estou aqui agora”. Depois de muito tempo parei de chorar e dormi em seus braços.
Acordei em frente à casa da Ana, o carro estava parado, Danny desceu e bateu a porta. Me assustei, meu coração estava acelerado de novo, meu peito estava dolorido.
— Amiga, chegamos — a Ana desceu quando o Danny abriu gentilmente a porta para ela, somente Gabe e eu ficamos no carro.
— O que você viu, Jasmim? — o tom da voz dele estava muito calmo, mas ao relembrar o que tinha acontecido voltei a chorar. — Me conte, Jasmim.
— Achei que fosse morrer, Gabe — disse em meio ao choro, ele beijou minha testa.
— Vou matá-lo por fazer isso a você — ele trincou os dentes. — Está a salvo agora — sua preocupação era visível.
— Não conseguia correr, nem gritar, só conseguia olhar para aqueles olhos — quando ele ouviu a última parte, deu um soco no banco da frente que estava vazio. — Queria que você estivesse lá — não sei por que disse aquilo.
— Queria ter estado lá. Você tem que me prometer que não vai andar sozinha — o que ele estava me escondendo, afinal?
— Gabe...
— Prometa, Jasmim. Não ande sozinha, por favor.
— Tudo bem — ele não ia sossegar enquanto não prometesse. A Ana bateu na janela, tinha que descer, mas não queria. Estava com medo daquela sensação que não me abandonava, não queria deixá-lo.
— Está tudo bem. Não tem ninguém lá fora — assenti com a cabeça, ele desceu para que eu pudesse descer também, já que meu lado estava vomitado.
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— Danny, sinto muito pelo carro — estava com muita vergonha, tinha sido patético vomitar.
— Isso não foi nada — ele piscou e se virou para a Ana. — Boa noite, meu anjo — deu um beijo nela.
Eles eram muito fofos juntos, ouvi um ruído e quase caí para trás. Gabe me segurou, me abraçou bem forte, fez com que me sentisse melhor.
A Ana começou a caminhar na direção da porta da sua casa e tinha que ir atrás, afinal ia dormir ali, mas não queria ficar sem o Gabe. Me soltei relutante dos seus braços e entrei na casa. Eles partiram no carro, a mãe da Ana estava nos esperando na sala, com uma cara nada amigável.
— Ana Paula, você faz ideia de que horas são? Sabe quantas vezes liguei para o seu... — ela parou no meio da frase. — Jesus, Jasmim, parece que você foi atacada por lobos selvagens.
— Oi, tia Su — era assim que chamava a Sra. Suzana Werner desde pequenininha.
— Ana — ela fez aquele tom de voz como quem diz “Se explique, mocinha”.
— Mãe, a Acaiah comeu uma coxinha na festa e acho que estava estragada, ela passou mal, mas já está melhorando, vou levá-la para o quarto.
— Sim, claro, mas depois vamos conversar sobre essa festa, mocinha. E quero saber exatamente quem te trouxe, porque você não veio na Van.
Subimos até o quarto dela, me joguei em sua poltrona reclinável que ficava em frente a sua cama de casal, o quarto dela era um sonho, mas hoje minha noite estava mais para pesadelo.
Ela me obrigou a tomar um banho. Lavei e sequei meu cabelo, mas as lágrimas não paravam. Acho que estava com medo até da água. Ana me emprestou um pijama, me joguei em sua poltrona novamente e fiquei lá chorando enquanto ela tomava banho.
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Quando ela saiu do banheiro, trancou a porta do seu quarto, ela sempre fazia isso quando eu dormia lá.
— Acaiah, me conte o que aconteceu — como ia explicar isso a ela?
— Nem sei por onde começar, Ana — meu choro atrapalhava minha fala. — Primeiro o Gabe me beijou no bosque há algumas semanas.
— O quê? Vocês ficaram no bosque antes de hoje? — droga, esqueci que ela não sabia. Logo quando ela já ia surtar, ouvimos uma batida na janela. Quase gritamos, quase desmaiei de medo. Olhamos pela janela, era o Danny, a Ana abriu a janela para ele.
— O que você está fazendo aqui, Danny? Está Louco? Minha mãe me mata se te pega aqui.
— Ela não vai ficar sabendo. Além disso, precisei voltar, o Gabe estava tendo um ataque longe da Jasmim — ele deu um sorrisinho e foi entrando, atrás dele, vinha Gabe.
Assim que o olhei me joguei nele, passei meus braços pelo seu pescoço e fiquei ali. Provavelmente o casal estava nos olhando, mas não liguei.
Gabe enlaçou seus dedos por baixo do meu cabelo, podia sentir o calor da sua mão na minha nuca, segurando firme.
— Ele nunca mais vai chegar perto de você. Ele não vai fazer isso de novo. Te prometo — ele me beijou. Isso me acalmou, ele me trazia paz apesar de tudo.
— Uau, isso foi profundo, mas alguém aqui vai ter a decência de me explicar o que diabos está acontecendo? — a Ana estava muito indignada, conhecia sua cara.
— Ana, vem aqui, meu anjo. Agora não é hora para explicações.
— Você está me tratando como criança, Daniel, e não estou gostando nada, nada disso. Poxa. Minha amiga estava prestes a ter uma síncope há alguns minutos atrás e agora vem o Gabe falando como se tivesse um lobo mau atrás da Acaiah — ela olhava para o Danny enquanto dizia. — Alguém
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pode me explicar que conspiração é essa? Nem que eles já estavam ficando eu sabia... — ela fez seu beiçinho típico.
— Ana... Amanhã. Por favor. Aproveite seu primeiro dia de namoro com meu amigo aí. Me deixe cuidar dela, só por hoje — ainda estava agarrada nele e não iria soltar tão cedo.
— Ok... Bem, se você quiser deite aqui com ela — ela apontou para o meu colchão.
— Ficaremos confortáveis aqui — disse se referindo a poltrona reclinável dela. Gabe me segurava como se eu fosse um bebê. Quando achei que a Ana apagaria as luzes, ela se volta para nós três.
— Oh, meu Deus, e o carro? — ela perguntava quase desesperada. — Onde vocês enfiaram o carro?
— Deixei na outra esquina, meu anjo, não se preocupe.
— Tudo bem. Casal, qualquer coisa gritem, tá?
— Boa noite, Ana — Gabe dizia já perdendo a paciência.
Ela apagou as luzes. Somente a luz da lua entrava pela janela. Gabe tirou a camisa e me enrolou em um edredom, fiquei deitada no peito dele de lado. Ele só com aquela calça jeans era um absurdo, sua pele era tão macia e quente.
CAPÍTULO APÍTULO 18
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— Quer dizer então que seu primeiro beijo foi comigo? — oh, eu queria sumir. Não melhor, queria subir na cama e sufocar a Ana Paula. Senti minhas bochechas esquentarem.
— Foi — não deu para responder mais nada, me aninhei em seu peito, tentando me esconder. Ele estava rindo.
— Qual é a graça?
— Nada — ele não conseguia parar de rir. — Você fica linda com vergonha.
— Gabe? — não queria tocar no assunto, mas precisava estar preparada no dia seguinte.
— Hum? — ele estava de olhos fechados.
— Você vai estar com a Samara no colégio, não é?
— Sim — Apertei-o mais contra mim, não queria deixar esse momento acabar. — Vi o Rafael te beijar e... — sabia que ele tinha visto, quase deslocou o ombro do menino na hora, só não sabia que ele iria comentar.
— Tecnicamente não foi um beijo. Foi um selinho.
— Você é minha — queria responder, mas meus olhos pesavam e sua voz estava muito longe, estava caindo no sono.
Claro que meu pesadelo de sempre não poderia faltar.
Está chovendo, acordo no meio da noite, sinto que há algo errado. Desço as escadas descalça e, correndo, saio na rua. Um carro está parado lá, bem no meio, com todas as portas abertas. Me encharco inteira, mas não ligo. Corro até o carro, uma mulher está estirada lá, tem sangue por toda parte. Ela apenas diz, “Cuide do meu bebê”. Olho em volta e não há criança alguma.
Digo a ela: “Não consigo encontrar seu filho”. De repente ela vira o cara que me atacou na festa. Começo a berrar, tento me soltar dele, mas ele é mais forte. Ele me diz “Você não pode escapar de mim”.
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Acordei com Gabe segurando meus braços, me dizendo que era só um sonho, mas aquilo não era só um sonho, há anos tinha aquele pesadelo, começava a achar que era meu subconsciente me mandando uma mensagem.
O pesadelo se repetiu a noite toda. Em uma das vezes, sonhei que Gabe vinha e me tirava daquele maldito carro e corríamos pela chuva, mas acordei nessa parte.
Gabe foi embora logo que o sol nasceu. A Ana estava sorrindo dormindo, deitada no peito do Danny. Gabe me colocou na cama e me beijou.
— Não se preocupe. Já passou — assenti com a cabeça e os vi saltando pela janela, acabei adormecendo.
Acordamos já era meio-dia, com a mãe da Ana batendo na porta. A Ana acordou e abriu a porta.
— Bom dia, meninas. Já está quase pronto o almoço, fiz aquela macarronada italiana que você gosta, Jasmim. Imagino que deva estar com fome depois de comer coisas estragadas na festa.
— Obrigada, tia Su.
— Já descemos, mãe — a Ana dizia enquanto se espreguiçava e tia Su fechava a porta de seu quarto.
— Bom dia — disse.
— Bom dia — ela respondeu. — Vamos comer e vamos para sua casa, temos muita coisa para esclarecer hoje, mocinha.
Nos arrumamos e descemos, o cheiro da comidinha caseira da mãe da Ana estava perfeito. Aquilo era muito bom, uma família. Estava o tio Roberto, pai da Ana, e a Luísa, sua irmã. Até o pequeno e fofo Doddy estava lá rondando a mesa, era um lindo poodle preto.
A família da Ana me recebia muito bem e eu realmente me sentia em casa. Muitas vezes tia Su cuidou de mim quando fiquei doente ou cozinhava algo diferente para eu comer, era a mãe que queria ter.
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Após o almoço ajeitamos a louça (coisa que a Ana só cuidava nos finais de semana, pois ela tinha uma diarista) e fomos para minha casa. Ela subiu para meu quarto e se jogou na cadeira do computador. Me sentei na cama já esperando pelo interrogatório.
— Ok, Jasmim Acaiah. Não me esconda mais nada, você nunca fez isso, estou decepcionada com você. Se não me disser o que está acontecendo, vou dar um jeito de descobrir.
Já estava realmente de saco cheio de esconder tudo aquilo dela, nem sabia por onde começar, nem sabia o que contar.
— Está bem. Vou tentar resumir ao máximo. Fui um dia no bosque e perdi a hora lendo, sai de lá era noite, ouvi alguém atrás de mim — claro que pouparia o Gabe. Não contaria que ele talvez fosse um dos olhos brancos. — Gabe me tirou de lá e me beijou, depois fingiu que nada tinha acontecido no colégio.
— Oh, que lindo para um primeiro beijo, amiga.
— É, mais ou menos. Nesse dia tinha alguma coisa ou alguém me perseguindo — essa parte não era bem verdade, porque o alguém era o Gabe. — Depois disso teve aquela cena no shopping. Aí, o Danny foi à minha casa.
— O Danny? Como assim?
— É, ele pediu que me afastasse do Gabe e vi pela janela da cozinha um par de olhos brancos me olhando. Foi horrível.
— Olhos brancos?
— Me deixe terminar, por favor, Ana — ela somente assentiu com a cabeça. — No final de semana, ele me agarrou no vestiário da academia. Foi coisa de louco, amiga — ela riu. — Depois brigamos um pouco e ele resolveu me fazer panquecas, veio para a minha casa, cozinhou para mim e agiu como se fôssemos namorados. Aí, ele me pegou no quarto de toalha saindo do banho...
— Meu Deus, Acaiah! Seu primeiro beijo foi com ele e...
— Não. Não — interrompi antes que ela acabasse a frase. — Ainda sou virgem, mas senti que aquilo foi um
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quase. Depois que saí do quarto ele sumiu, tinha ido embora e na semana de provas estava me tratando como se nada tivesse acontecido. Me agarrou de novo naquele dia nas escadas, o dia da boca vermelha, e me ignorou depois. Fui à academia para brigar com ele e realmente foi o que aconteceu. Discutimos e ele disse que não poderia terminar com a Samara e falei que assim não queria. Na festa ele teve um ataque de ciúmes e depois nos encontramos lá nas árvores e foi perfeito. Aí, brigamos de novo por causa da Samara e beijei o Rafa, quer dizer, ele me deu um selinho. Na hora de ir embora, quando subia para o estacionamento percebi que havia alguém vindo atrás de mim. Vi os olhos brancos, quase morri de tanto medo. Sentia que aquilo ia, sei lá, me engolir viva, mas aí ele se distraiu e fugi. Acho que isso é tudo, amiga — estava sem fôlego.
— Ok... Mas que história é essa de olhos brancos?
— Não sei se minha mente produziu isso, mas definitiva-mente algo está me perseguindo.
— Meu Deus, amiga. Isso não é muito legal.
— Nem me fale.
— É tipo um ET? — tive que rir.
— Não, amiga... É uma pessoa normal de olhos brancos, fluorescentes. É muito estranho.
— A probabilidade de isso ser sua imaginação é mínima, não é?
— Acho que sim.
— O Gabe e o Danny tem alguma coisa a ver com isso?
— Não sei, Ana — apesar de ter quase certeza que sim.
— Eles sabem?
— Acho que sabem. Acho que eles também viram, não sei — menti, Gabe também era “aquilo”.
— Olha, amiga... Nem sei o que te dizer. Bem, estou feliz, por mais estranho que o Danny seja, sei que ele tem seus mistérios, mas isso me atrai. Acho que com relação ao Gabe você é igual. Vocês combinam, Acaiah, e ele é muito
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gato, parece superprotetor. Quando fui falar com ele na festa ele me falou “você pelo menos podia me ajudar a colocar algum juízo na cabeça da Jasmim”.
— Sério? Ele é quem precisa disso.
— Acaiah... Ele parecia triste, falou que ia precisar de mim para cuidar de você.
— Como se não soubesse me cuidar sozinha — fiquei irritada e nem sabia ao certo o motivo.
— Você sabe se cuidar, Acaiah, mas não foi bem nesse sentido que ele se referia. Ele realmente parece gostar de você.
Fiquei deixando aquelas palavras ecoarem na minha cabeça por um tempo, a Ana levantou e foi embora, disse que precisava dormir mais. Fiz o mesmo, afinal de contas meus domingos não costumavam ser lá muito movimentados.
Resolvi que as coisas precisavam ser diferentes, já estava na hora de mudar algo. O que Gabe havia me dito sobre a Samara ter metade do colégio atrás dela mexeu muito comigo.
Nunca havia sido popular, sentia meu ego se remexendo dentro de mim, não era só o meu visual que precisava mudar, mas sim minhas atitudes. Precisava fazer uma nova Jasmim.
No dia seguinte fui ao colégio hiperarrumada. Deixei o moletom em casa, só por garantia. É difícil quebrar velhos hábitos.
Chegando lá, a Ana me esperava no portão, falou algo como: “É isso aí, Jasmim, pronta para arrasar”. Entramos juntas. Ela me contava e ria de algo que o Danny havia feito na festa, não consegui prestar muita atenção porque estava me preparando psicologicamente para ver o Gabe. Quando chegamos à porta da sala a Ana simplesmente empacou.
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CAPÍTULO APÍTULO 19
— Que porcaria é essa? — ela perguntava enquanto nós duas olhávamos para o fundo da sala. Meu coração estava esmigalhado, realmente tinha esperanças de não vê-lo ao lado da Samara, mas lá estava ele, abraçadinho nela. Percebi que algumas pessoas estavam nos olhando e puxei a Ana para fora da sala.
— Acaiah?! O que aquele idiota está fazendo com aquela sem noção?
— Ana, por favor, eu é que deveria estar sendo acalmada.
— Acaiah! Meu Deus, cara... Aquele idiota dormiu na minha casa e está lá se agarrado com aquela guria? Ele não ia terminar com ela?
— Não sei, Ana... — dizia prestes a chorar.
— Ah, mas isso não vai ficar assim, não mesmo — ela escapou e voou de volta para a sala. Não tive forças para segurá-la. A Ana era um pouco mais entroncada que eu e quando ficava nervosa nem um guindaste conseguiria segurá-la.
Ela entrou na sala parecendo um furacão e se dirigiu na direção do casal, arrastando o que e quem estivesse no caminho. Danny parou antes que ela chegasse bloqueando sua passagem.
— Ana, calma. O que houve? — ele perguntava, eu estava logo atrás dela.
— Saia da minha frente, Daniel, tenho um probleminha para resolver.
— Ana, por favor, agora não é hora para...
— Não tente me segurar, ninguém brinca com a minha amiga e fica impune — ela dizia enquanto empurrava o Danny de lado para abrir passagem. Ele me olhava como se eu pudesse fazer algo.
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Gabe estava de olhos fechados com a Samara encostada no seu peito mexendo no celular. A Ana se aproximou e sentou um enorme tapa na cara dele.
— Você é um cachorro, daqueles bem nojentos — ele e a namorada haviam se levantado, mas não se mexiam. O rosto de Gabe estava bem vermelho.
— Hey, que palhaçada é essa, Ga...
— Cala a tua boca que o teu dou daqui a pouco — a Samara se encolheu junto com as outras Glitters só com o grito da Ana.
— Você não deveria ter feito isso... — Gabe dizia olhando-a nos olhos. Ele intimidaria qualquer um com aquele olhar, menos a Ana.
— Nem ouse, Gabe — disse o Danny.
— Faço isso e muito mais. Vou te dizer uma única vez, Gabriel: se você chegar perto dela de novo, o bicho vai realmente pegar para o seu lado. Ninguém, e absolutamente ninguém, faz a minha amiga de palhaça desse jeito.
— Ana Paula... — a voz dele estava ofegante.
— Cale a boca porque não acabei — ela dizia praticamente sem respirar enquanto Gabe tentava dizer algo. — Não se aproxime dela, você fez sua escolha e isso inclui aquela sebosinha ali, então da próxima vez o buraco vai ser bem mais embaixo.
— Sebosinha? Eu? O que está havendo, Gabe? Do que essa louca está falando? — a Samara falava com cara de cachorro perdido.
— Vou te mostrar quem é a louca aqui — Danny pegou a Ana praticamente no ar, ela estava quase pulando na Samara. Minha cabeça estava girando com aquilo tudo. Gabe só me olhava sem se mexer, Danny estava segurando a Ana e ela sacudia as perninhas no ar. A sala estava um caos.
— Chega, Ana — falei extremamente irritada. — Chega... — me virei e fui andando em direção à porta. A sala atrás de mim agora estava em silêncio e ouvi a Ana dizer “Está avisado”, antes de sair finalmente da sala.
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Corri para o banheiro e me tranquei lá. Como as coisas chegaram naquele ponto? A Ana entrou correndo e gritando no banheiro:
— Acaiah, cadê você, amiga? Me perdoe — ela chorava tanto quanto eu. — Não podia deixá-lo fazer isso com você — abri a porta e a abracei.
Enquanto nós duas chorávamos ela sussurrava “ele não podia ter feito isso” a coordenadora veio nos chamar na porta do banheiro. Dizia que se não fôssemos para a sala estaríamos encrencadas. Limpamos o rosto como dava e fomos, era melhor do que ser suspensa por brigar na escola.
A sala estava silenciosa e seriam cinco aulas infernais. A Samara nos olhava e parecia realmente estar com medo da Ana, assim era melhor.
Na saída nós conversamos um pouco. A Ana me pedia intermináveis desculpas pelo acesso de fúria na sala. Algumas pessoas chegavam perto da gente para saber o que tinha acontecido, mas só com a cara da Ana todos se afastavam. Fomos para casa.
Estava muito triste, afinal agora minha melhor amiga estava furiosa com o Gabe, justamente quando eles pareciam se dar bem e ele... Bem, ele parecia muito bem com a super ultra mega namoradinha.
Aquilo tudo estava me corroendo por dentro, lembrei do que eu estive pensando na noite anterior, sobre uma nova Jasmim. Já estava de saco cheio se sofrer por ele, entrei no MSN e deixei um recado para a Ana, que estava offline.
“Amiga, realmente fiquei mto triste com aquilo tdo hj, quero te pedir uma coisa. Não fale mais do Gabe para mim, estah na hora de mudar as minhas atitudes. Bjo.”
Ela leria antes de dormir. No dia seguinte acordei moída por dentro, mas decidida. Me produzi mesmo, fiz uma bela maquiagem e enrolei um pouco as pontas do cabelo com o secador, coloquei um lindo par de brincos verdes, que combinavam com meus olhos e fui para a aula. Entrei na escola sozinha.
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— Hey, Jasmim?! Lembra de mim? — era o garotinho da festa.
— Oh, claro que sim... Só que... Bem não me lembro do seu nome — estudava com ele e nem sabia seu nome, que mico.
— Bem, me chame de Teddy. É meu apelido por aqui.
— Teddy... É engraçado, parece nome de bicho de pelúcia — não pude deixar de conter o riso.
— Sempre falam isso. Você está indo para sala?
— Estou sim.
— Posso te acompanhar? — ele falava de um jeitinho tão querido, não poderia dizer não e entrar com ele na sala seria ótimo para mim. Não que quisesse fazer ciúmes, mas para a “operação popular” seria bom.
— Claro — falei ainda sem graça. — E aí, curtiu a festa? — perguntei enquanto caminhávamos para a sala.
— É estava boa... Teria sido melhor se tivesse ficado com você — mais ou menos esperava por aquilo, não tão diretamente, mas esperava. — Se aquele menino não tivesse nos interrompido...
— Pois é... O Rafa tem o costume de ser inconveniente — falei lembrando do selinho que ele havia me dado.
Entramos na sala e não olhei para ninguém. Fui para o meu lugar e o menino me acompanhou.
— A gente podia ir ao cinema um dia desses, não é? — ele dizia encostado na minha mesa. Nunca tinha sido convidada para ir ao cinema, não por um menino. Me parecia interessante e a nova Jasmim aceitaria.
— Vamos sim, com certeza.
— Vão aonde, posso saber? — a Ana nos interrompia sentando na carteira ao lado.
— No cinema — falamos juntos e começamos a rir, era bom sorrir para variar o dia.
— Nossa, que sincronia, hein! — ela dizia em meio aos risos.
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— Pois é, agora vou indo antes que você me bata, dona Ana. Ontem você tocou terror na sala, hein — ela fechou a cara e fez uma careta para ele. — Até mais, meninas! — Teddy dizia enquanto me dava uma piscadinha. Ele tinha um humor irresistível, pelo menos ele me manteria animada.
A Ana e eu começamos a conversar, ela ficou feliz por eu estar “vestida de menina” e porque iria ao cinema com o Teddy, a monga da Ariel caminhava na direção das nossas mesas.
— Ai, Ana, a Ariel está vindo para cá — revirei os olhos.
— O que você tem contra a menina, afinal?
— Qual é? Ela tem nome de desenho animado — isso não era um bom motivo?
— Ah tá, ô namorada do Aladim — nos matamos de rir.
— Oi, meninas.
— Oi — respondemos em uníssono.
— Preciso contar uma coisa para vocês — oh, meu Deus, lá vinha merda, provavelmente era algo sobre nosso barraco de ontem.
— Fui ao shopping nesse domingo e quase fiquei com um gatinho. Nossa, estou muito a fim dele.
— Sério?! Que lindo, flor. E posso saber quem é esse gatinho? — a Ana dava atenção para ela, mas eu não. Não tinha a menor vontade de saber quem era o pobre coitado.
— Ele é aqui da sala. Ele é muito fofo. Nossa, e está caidinho por mim — meu Deus, o ego dela era maior que suas unhas postiças. — O nome dele é Daniel, mas eu o chamo de Danny. O amigo do Gabe — agora que o bicho ia realmente pegar.
— Ah — a Ana falou com mais ênfase que o normal. — Você o chama de Danny? — a Ana perguntou mordendo os lábios e se jogando para trás na cadeira, ela me olhava com muita raiva. Meu Deus, isso não ia acabar bem.
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CAPÍTULO APÍTULO 20
Precisava de ajuda. Procurei o Danny e não o vi, percebi que Gabe estava com os olhos cravados em mim. Se
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era para não deixar minha amiga ir presa por matar a pequena sereia, estava valendo pedir ajuda a ele.
Joguei um olhar rápido para o Gabe, que sentava nos fundos da sala, ele ficou me olhando, mas acho que não entendeu minha súplica silenciosa.
— Chamo sim, ele me pagou um lanche e um sorvete. Foi perfeito — essa garota estava cavando a própria cova.
— Nossa — a Ana falava de um jeito muito desdenhoso. — Posso imaginar — ela estava um pimentão, precisava fazer algo urgente.
— Nossa, Ariel, sua festa estava muito bacana — tentei desconversar, pelo amor de Deus o Gabe precisava me ajudar, elas iam se matar ali mesmo, conhecia a Ana.
Olhei para trás e fiz sinal para o Gabe vir até nós, esperava sinceramente que ele me ajudasse. A Ana segurou minha mão por baixo da carteira e começou a apertar.
— Mas e aí, Ariel, me conte mais. O que ele te disse? — ela dizia tentando reprimir o ódio, mas ainda assim com um tom de cinismo perceptível, só a imbecil da Ariel mesmo para não ver nada de errado.
— Ai, gente, ele é um fofo. Uma hora me sujei e ele limpou o cantinho da minha boca com o polegar — a Ana havia abaixado a cabeça bem de leve e respirava fundo, ela iria matar a menina, não queria estar na pele do Danny. Não mesmo. — Nossa, me derreti toda.
— Hum, ele limpou a sua boca?! Nossa — ela mexia as pernas e acho que nem percebeu que estava fazendo barulho de tanto bater na mesa.
— É. Depois ele me levou em casa, até abriu a porta do carro para eu descer. Você consegue imaginar como é maravilhoso estar com ele?
— Realmente, Ariel, consigo imaginar — a Ana apertava tanto a minha mão que parecia que ia quebrar.
— Oi, meninas — graças a Deus Gabe tinha vindo me ajudar.
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— Caia fora, Gabe. Já falei para você ficar longe — a Ana disse entredentes.
— Hey, Gabe, onde está o gatinho do seu amigo? — Gabe olhou para mim, depois para a Ana, coçou o cabelo.
— O Danny? Ele está no banheiro, Ariel.
— Fala para ele que vou sim hoje à casa dele — não entendi por que ela pediu para ele dar o recado, fez só para se mostrar, só podia.
— Claro — Gabe me olhava, a Ana ainda apertava a minha mão que já estava ficando roxa.
— Gabe, aproveita que você é o garoto de recados e entregue um ao seu amiguinho por mim — a cara da Ana não era das melhores.
— Sim.
— Diz para ele que acabou.
— Que amigo? — perguntou a sonsa da Ariel. Jesus, aquela criatura não tinha neurônios.
— Nenhum que você conheça — disparou Gabe, ele foi se sentar em seu lugar. Todos foram, inclusive a pequena sereia, a professora estava entrando na sala.
— Jasmim — ela só precisou dizer isso, sabia tudo o que ela estava sentindo.
— Ana, se acalme, amiga — a gente precisava se benzer. Não era possível. Dois dias seguidos de desilusões amorosas. Agora nós duas precisávamos de colo.
Ela virou para frente e quando viu Danny entrando na sala virou a cara para a janela. Ele passou no nosso corredor, olhando para nós. Apontei o dedo na direção dele disfarçadamente e em seguida passei pelo meu pescoço, indicando que iria matá-lo. Havia avisado que não fizesse minha amiga sofrer.
Ouvi Gabe dando o recado e esclarecendo a situação para o Danny. Percebi que ele ficou desesperado, pelo que estava entendendo ele queria levantar e falar com ela ali mesmo. Quando o sinal tocou para o intervalo, a Ana desceu
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como um raio e fui atrás dela. Ela foi para um jardim, próximo à biblioteca, andava e falava com muita raiva.
— Caramba, Jasmim. Não acredito que ele está dando em cima da Ariel. Era por isso que ele queria manter nosso namoro em segredo — ela dizia chorando. — Ele é um safado, como o Gabe. Que ódio.
Percebi que Gabe e Danny estavam vindo. Ela também os viu, virou na direção contrária e foi caminhando, tentei falar quando Danny passou por mim.
— Muito bonito, hein, seu... — mas ele me ignorou, parecia só ver ela na frente. Gabe parou ao meu lado, ficamos olhando a cena, era só o que poderíamos fazer. Bom, poderíamos ter saído dali, mas estava curiosa.
— Ana, espere aí.
— Espere aí? O que você acha que eu sou? Uma qualquer? — ela dizia se virando para ele e limpando as lágrimas.
— Claro que não, Ana. Me deixa explicar.
— O que ela vai fazer na sua casa, posso saber?
— Trabalho de Biologia, Ana Paula. Sento com ela no laboratório. Com ela e com a Samy.
— Samy é o cacete, Daniel. “Ai, eu ssssento com ela e com a Ssssamy” — ela falava com uma voz engraçada, com a língua entre os dentes, literalmente debochando.
— Meu Deus, Ana, se acalme.
— Não quero me acalmar, Daniel.
— Ana, você entendeu tudo errado, ela fantasiou as coisas. Não estou a fim dela, por favor.
— Era para isso que você queria segredo? Para correr atrás da Ariel? Óbvio, né. Vamos fazer a Ana de trouxa. Você dorme na minha casa com o seu amiguinho, me diz coisas maravilhosas e depois sai com a pequena sereia? Foi tudo ensaiado, Danny? Tudo com o propósito de me enganar? — ela falava ininterruptamente.
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— Claro que não — Danny estava mesmo agoniado, mas ele havia pisado na bola. — Ana, eu amo você.
— Sabe, Daniel, quase acreditei nas suas baboseiras de “quero namorar sério, respeito você e blá, blá”... Desculpe o que você disse?
— Disse que te amo, Ana. Você. Não ela.
Gabe me puxou para longe, o momento era deles. Caminhamos até um túnel, bem próximo à portaria da escola.
— Gabe, obrigada por me ajudar na sala hoje.
— Sem problemas.
— Você vai pegar o ônibus escolar? — tentei ter uma conversa civilizada. Ele não respondeu apenas olhou na direção do carro do pai da Samara.
— Ah, certo, sua namorada, aquela que tem metade do colégio correndo atrás dela.
— Você realmente é amiga da Ana.
— Como assim?
— Entende tudo errado.
— Talvez você pudesse me ajudar a entender — queria que a nova Jasmim saísse correndo. Como era maravilhoso estar perto dele, ignorar sua presença por um dia havia sido muito difícil.
— Entender o quê? O que você quer entender, Jasmim Acaiah? Que sou louco por você? Que não suporto ver outro homem perto de você? Que se pudesse estaria te beijando agora mesmo? Achei que você tivesse entendido ao menos o básico — dizendo isso ele foi embora, a Samara que vinha logo atrás, o abraçou, queria matá-la.
Resolvi ir à academia à tarde atrás dele novamente. Havia prometido para mim mesma nunca mais falar com ele, mas ele me disse que era louco por mim e infelizmente não resisti.
Esperei a aula de artes marciais acabar, fiquei esperando por ele na recepção. Ele saiu da sala e fechou a
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cara assim que me viu. Fiquei triste na hora, mas agora não dava para voltar atrás, ele já tinha me visto.
CAPÍTULO APÍTULO 21
— Jasmim, hoje não é um bom dia.
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— Era um bom dia para dizer que era louco por mim no colégio.
— Sinceramente, Jasmim, está ficando tarde. Já vai anoitecer, estou cansado e quero ir para casa.
— Podemos conversar no caminho.
— Não, Jasmim, a Samara vai estar lá me esperando — ele começou a sair, já estava fora da academia, corri atrás dele.
— Gabe — ele parou e me olhou, percebi que não estava nada bem.
— Pelo amor de Deus, Jasmim, está anoitecendo. Você me prometeu que não iria andar sozinha. Vá embora.
— Não!
— Não vou ficar aqui e discutir com você — ele ia embora a pé. O segui, mas estava a alguns passos atrás, andamos vários minutos. Começou a escurecer, ele parou de andar e veio na minha direção. As ruas por onde ele andava estavam desertas, não me lembrava de ter andado por aquele lado da cidade antes.
— Não vou embora até você resolver falar comigo — disse antes que falasse algo. Ele olhava para algo atrás de mim, me virei e não vi nada.
— Parece que você não é a única que resolveu me seguir hoje. Que droga, Jasmim! Agora não posso te deixar sozinha — ele me arrastou para dentro de uma casa vazia, meio demolida, que estávamos na frente. Me apoiou em uma parede.
— Era o cara que me atacou na chácara?
— Provável — fiquei com medo na hora. Só de pensar em sentir aquilo, Gabe me abraçou.
— Ele não vai chegar perto de você. Não vou deixar — sabia que isso era verdade. — Está escurecendo muito rápido. Jasmim, quando as coisas saírem do controle não olhe para mim, corra o mais rápido que puder. Volte para a academia, o cara não vai te seguir, ele já me pressentiu.
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— Como assim quando as coisas saírem do controle, Gabe? — já estava apavorada.
— Não posso explicar agora, só... — ele parou de falar, caiu no chão de joelhos, apertava seus olhos, suas pálpebras estavam vermelhas.
— Gabe? — ele apenas gemia de dor, isso estava acabando com ele. De repente, os gemidos pararam, ele se levantou, estava na sua frente. Gabe abriu seus olhos, eles estavam brancos.
Comecei a me sentir triste, muito além do imaginável. Era como o medo, só que o sentimento era outro. A infelicidade é algo difícil de aguentar, cada célula do meu corpo entrava em depressão. Gabe fechou os olhos.
— Jasmim, corra — ele parecia fazer força para parar aquilo. No fundo algo me dizia que ele não fazia aquilo com os olhos de propósito.
— Não vou te deixar aqui assim, não sei o que é isso, nem o que você é, mas não vou te deixar.
— Jasmim, não vou aguentar muito tempo. Você é irresistível para mim.
— Então não resista — ele estava se abrindo para mim, da forma dele, esperei por isso desde aquele dia no bosque, não ia fugir agora. Segurei sua cabeça de frente para a minha. — Olhe para mim, Gabe.
— Jasmim, por favor, isso dói...
— Olhe para mim — ele olhou com seus olhos brancos e eles pareciam arrancar a minha alma.
Aquela tristeza era insuportável, mas não ia deixá-lo. Percebi que ele precisava disso, então daria isso a ele.
Não sei dizer quanto tempo se passou, mas não estava suportando mais. Caí de joelhos no chão, não conseguia quebrar aquele contato visual.
Queria desistir da vida, queria que aquilo parasse. Deitei no chão, ainda olhando para ele. Senti meu corpo inerte, anestesiado, comecei a ter convulsões, os olhos dele voltaram ao normal.
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— Jasmim? Oh, Meu Deus, disse para você correr — não conseguia responder, podia ouvir o que ele dizia, mas não podia me mover. — Jasmim, você não pode se entregar, por favor, resista, lute. Venha, vamos buscar o carro — ele me colocou no seu colo, deve ter me carregado até a academia, porque era onde havia visto seu Eclipse estacionado. Só agora me perguntava por que ele tinha ido a pé e não de carro. Ouvi quando ele me colocou no banco de trás e ligou para o Danny no viva-voz.
— Alô.
— Danny.
— Fala cara.
— Estou levando a Jasmim ao hospital. Me alimentei dela, tentei fazê-la voltar, mas ela é teimosa e não me ouviu. Michael estava lá, não consegui me controlar. Já te disse o que sinto com relação a ela. Não deu, Daniel, tentei, doía demais e ela permitiu — nunca até aquele momento o havia visto tão desesperado. — Não sei se ela vai resistir.
— Meu Deus, Gabe. O que você fez? — a voz do Danny assumiu um tom grave.
— Gabe, onde ela está? — era a voz da Ana, provavelmente o Danny também estava com o celular no viva-voz.
— Estou levando-a para o hospital. Ela vai precisar de você, Ana — ele desligou o telefone e dirigiu feito um louco.
Chegando ao hospital, ele me carregou no colo. Me levaram para uma sala e por um bom tempo apaguei, depois percebi as enfermeiras colocando soro no meu braço. Não me lembro de mais nada e não faço ideia de quanto tempo fiquei apagada.
Sentia muita vontade de me matar, mas não era algo como uma crise de adolescente. Sentia dor física, no meu peito parecia haver um buraco enorme, vazio, me sentia pesada demais para mover um músculo sequer. A vida tinha perdido o sentido em segundos, queria acabar com aquela dor. Acordei com vozes no quarto.
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— Que diabos significa “Me alimentei dela”? — perguntava uma Ana, muito brava.
— Ana... Gabe se expressou mal — Danny dizia, parecendo estar arrasado.
— Se ele a estuprou vou descobrir e ele irá para a cadeia — a Ana dizia quase sussurrando. — Você está me ouvindo, Gabe, para a cadeia.
— Não foi isso, Ana, ele realmente só se expressou mal.
— Não vem com essa, Danny. A Acaiah me falou de uma história de que ela estava sendo perseguida por um cara de olhos brancos
— Como assim? — ouvi a voz do Gabe, ele parecia bem mais próximo que os outros, mas não conseguia abrir os olhos para ver onde ele estava.
— Ah, não se faça de bobo, Gabriel. Ela me contou que tinha uma cara de olhos brancos atrás dela. Ela tem muito medo disso e realmente acho que todos além de mim nesse quarto sabem o que está acontecendo.
— Gabe... — consegui dizer, meu estômago se revirou, só com o esforço de pronunciar o nome dele. Ouvi passos em direção à cama.
— Jasmim, estou aqui.
— Eu também, amiga, e o Danny.
Consegui abrir os olhos, mas esse movimento fez meu mundo girar. Gabe estava ao meu lado e a Ana ao lado dele, Danny estava aos pés da cama.
— Vocês podem me deixar sozinha com o Gabe?
— Acaiah... Você tem certeza? — ela me olhava como se a última coisa do mundo que quisesse fazer fosse aquilo.
— Sim, precisamos conversar.
— Venha, meu anjo, vamos deixar os dois — Danny ia empurrando a Ana pelos ombros, pude ouvir ela dizendo, “ok, mas não vou engolir essa de se expressar mal”. A porta se fechou atrás deles.
— Jasmim, insisti tanto para que você não ficasse.
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— Gabe... Não podia deixar você sozinho... Estava com medo, por você.
— As coisas saíram do controle, tive medo que você tivesse morrido.
— Me explique o que aconteceu — ele fechou os olhos.
— Ainda não posso — comecei a chorar compulsivamente.
— Gabe, por favor, estou implorando a você — ele agarrou seus cabelos com as duas mãos.
— Você estaria em perigo, não posso.
— Que perigo? — ele suspirava e andava de um lado para o outro. — Michael?
— Michael é o menor dos nossos problemas.
— Não suporto mais isso, não aguento mais suas mentiras e meias verdades — meu corpo doía, mas o que sentia em meu peito passava essa dor física.
— Você acha que gosto disso tudo?
— Parece gostar.
— Você me conhece muito pouco.
— Começo a me perguntar se quero realmente te conhecer — maldito cinismo, meu e dele.
— Não faça isso, estou quase resolvendo tudo, logo a Samara...
— Como foi que o nome dela veio parar na conversa?
— Meu Deus, Jasmim... Se soubesse o quanto estou tentando...
— Não está sendo o suficiente — ele soltou o ar pesadamente.
— Sei disso.
— Então converse comigo, seja lá o que você for não vou contar a ninguém. Confie em mim.
— Confio em você, não confio... No que vão fazer conosco se acharem que você sabe.
— Pare de falar em malditos códigos! — berrei.
— Vou resolver tudo, só me dê mais algum tempo.
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— Não, Gabe, quero saber de tudo agora.
— Seja razoável, Jasmim, não acha que se pudesse... Se fosse fácil, já não teria lhe contado. Por favor, só mais um tempo.
— Vá embora — o que estava fazendo? — Saia daqui — seja lá o que fosse não conseguia parar.
— Não faça isso. Não quero ir — meu choro aumentou.
— Você me deixa infeliz, o tempo todo. Não quero mais sentir isso — não sabia ao certo o que estava dizendo, mas pareceu feri-lo gravemente.
— Acredite ou não, tudo o que fiz foi para o seu bem.
— Difícil de acreditar realmente — queria engolir meu orgulho, não queria que ele fosse embora, mas não conseguia.
— Você é tudo para mim e isso não vai mudar, não importam as minhas atitudes porque elas não condizem com o que sinto — seus olhos miravam o nada e naquele momento minha vida virou um vazio.
CAPÍTULO APÍTULO 22
Os dias que se seguiram foram os piores da minha vida. Os médicos não sabiam o que tinha provocado as convulsões e todo o resto, acharam que era só mais uma menina depressiva, mas fiquei de molho alguns dias por precaução. Não aguentava mais ver enfermeiras, nem tomar remédios pela veia. Meus braços doíam, meu coração doía.
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Gabe não apareceu mais no hospital. Como poderia? Eu o tinha mandado embora.
Comecei a repassar tudo pelo que passamos. Lembrei que era um problema para o tal Luke e que Gabe tinha de acabar com o problema e realmente ele quase conseguiu. Aquele jogo de morde e assopra estava me deixando um lixo. Desejei que as coisas fossem diferentes, que Gabe não tivesse aqueles olhos, que não fosse namorado da Samara e por fim desejei que ele nunca tivesse existido.
Chorei minutos, horas, dias e a dor não diminuía, nada preenchia o vazio que ele causava e o engraçado era que Gabe nem fazia parte da minha vida direito.
Acordei em um dos dias ouvindo a Ana e o Danny conversando no quarto.
— Daniel, você precisa me explicar que historia é essa de “me alimentei dela”. Alguma coisa está muito errada.
— Ana... Eles devem ter discutido e isso, sei lá... Deve ser alguma gíria ou... — ele respirava fundo, tenso. — Não sei o que ele queria dizer com isso, meu anjo.
— Não vem com essa, Danny. Não sou nenhuma idiota que você vai ficar enrolando. Pode até continuar me escondendo a verdade, mas pode ter certeza, não desisto fácil e vou descobrir o que está rolando aqui. Principalmente porque percebi que a vida da minha amiga corre risco.
— Você não deveria se meter nisso.
— Quem decide onde me meto ou não sou eu mesma. Acho melhor você ir embora, porque o pai da Acaiah está chegando.
— Por que tenho que ir embora?
— Porque não quero que ele saiba que estou namorando, contaria para os meus pais e além do mais você pediu segredo lembra?!
Já estava ouvindo a voz da Ana longe, acabei caindo no sono de novo. Não sei distinguir os dias, mas quando finalmente acordei a Ana e meu pai estavam no quarto.
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— Você tem certeza que ela estava sozinha quando apagou? — meu pai dizia com a voz exasperada.
— Tenho sim, tio. Ela fica muito sozinha, acho que nem estava comendo direito. Você podia dar um celular para ela... Assim pelo menos poderia localizá-la mais fácil e talvez a Acaiah nem estivesse aqui hoje.
— Ela não tem andado com ninguém estranho ou feito coisas esquisitas?
— Não. Nós temos a mesma turminha de sempre, mas por que você está perguntando isso, tio? — essa era uma excelente pergunta. Por que do nada ele resolvia bancar o pai?!
— Por nada... Por nada, Ana — abri os olhos e mexi a cabeça. Meu corpo ainda doía um pouco, quanto a isso já me sentia bem melhor, mas emocionalmente estava um caco.
— Jasmim... — meu pai dizia de um jeito quase emocionado enquanto se aproximava da cama. — Está se sentindo bem?
— Estou — sempre quis que ele bancasse o pai, mas agora que ele estava tentando, me dava raiva.
— O que aconteceu, Jasmim? — aquela pergunta de certa forma me deu arrepios, afinal era impossível não se lembrar do que havia acontecido, impossível não se lembrar dele.
— Nada — pela cara dele e da Ana a resposta não foi muito boa. — Andei meio nervosa com algumas provas na escola, acabei ficando sem comer e passei mal, só isso.
— É só isso mesmo, Jasmim? — ele perguntava com um tom de interrogatório, era como se de alguma forma ele soubesse tudo o que acontecia na minha vida.
— É sim, pai.
— Ana, você poderia nos dar licença só por um momento? — isso não era bom. Ela deu um sorrisinho forçado para mim.
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— Claro, tio. Daqui a pouco eu volto, amiga, você já vai ter alta — ela dizia saindo do quarto. Graças a Deus porque não aguentava mais aquele lugar.
— Jasmim, preciso me desculpar com você. Trabalho demais e te deixo muito sozinha. Sou um pai totalmente relapso — ele parecia muito cansado e eu não sabia lidar com “esse” pai. — Filha, eu devia ser mais presente, mas é difícil ficar em casa. Sei que vai parecer egoísmo, mas você me lembra muito a sua mãe e... Nunca deixei de sentir a falta dela — meu pai raramente falava sobre a minha mãe, ele parecia se sentir culpado e isso só fez minha raiva aumentar, não tinha culpa de me parecer com ela.
— Sempre vivi muito bem assim. Vacilei dessa vez, não vai se repetir — disse com um sorriso meio torto na boca.
— Ok, mocinha — ele parecia mais aliviado. — Vou ao mercado e comprarei uma boa quantidade de congelados, verduras e legumes. Acho bom você começar a comer direito, senão vou ser obrigado a contratar uma babá — ódio, muito ódio era o que sentia, a opção era contratar uma babá e não ele ficar comigo.
— Tudo bem — o médico estava entrando no quarto, me receitou algumas vitaminas e me deu alta. Meu pai trocou algumas palavras com a Ana e foi embora. Nos deixou com um dinheiro para o táxi e disse que depois ia mandar entregar as coisas que ele compraria no mercado.
Ainda estava meio grogue devido aos medicamentos, então por sorte tive uma desculpa para chegar em casa e cair direto na cama. A Ana estava sendo extremamente paciente comigo, sabia que ela estava louca por detalhes, mas não me perguntou nada.
Meu pai estava tendo crises de consciência, algo inédito e irritante. Como queria minha mãe ali, dava tudo para poder conversar com ela, acho que comentei isso com a Ana.
Gabe, eu o amava de um jeito louco, não poderia mais negar isso, mas ele era algum tipo de ser estranho, que se alimentava de alguma coisa nas pessoas e garanto que isso
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era algo extremamente doloroso. Acho que poderia conviver com isso, se ele me contasse toda a verdade.
Tinha dispensado Gabe, não podia contar toda a verdade para a Ana e para piorar tinha algum ser lunático atrás de mim. Ela me fez uma sopa, logo depois tomei meus remédios e dormi, como estava de atestado, não iria para o colégio.
Acordei no dia seguinte, já eram três da tarde. Esses remédios davam muito sono. Ouvi uma respiração pesada atrás de mim, próximo a janela. Quando me virei quase morri do coração, sabia que tinha alguém no meu quarto e foi um alívio vê-la.
— Ana Paula, você quase me matou do coração — ela estava sonolenta deitada no meu colchão para visitas.
— Bem, então estamos quites, porque você quase me matou também. E aí, vou ter que descobrir sozinha ou você vai me contar o que aconteceu? — tinha demorado para ela tocar no assunto.
— Ana... Por favor, não quero falar sobre isso, não quero mais saber do Gabe e você também deveria se afastar do Danny, porque acho que eles são iguais.
— Acaiah, não vou me afastar do Danny e você sabe que não vai se afastar do Gabe — ela estava errada, tinha que estar, eu conseguiria. —— Vocês estão formando um triângulo do segredo dos olhos brancos, não vou desistir, vou acabar descobrindo o que seria “me alimentar de você”.
— Ana...
— Não perca seu tempo, não vai me fazer mudar de ideia — ela dizia levantando e indo em direção à porta. — Minha mãe fez uma canja para você. Essas pessoas mais velhas têm mania de achar que uma bela canja revigora tudo, então não faça desfeita e coma. Está em cima do microondas na cozinha, mais tarde te ligo para ver como você está e amanhã nos vemos na escola.
— Obrigada, amiga e agradeça a sua mãe também — a Ana foi embora.
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Meu corpo já não doía tanto. Depois de um tempo levantei e esquentei a canja, estava deliciosa. Resolvi tomar um banho, ainda estava com cheiro de hospital. Enquanto secava meu cabelo, liguei o computador e entrei no MSN. Algumas pessoas vieram me perguntar o que eu tinha, as cinco janelas começaram a piscar quase ao mesmo tempo, fui olhando uma por uma, o Rafa, Teddy, Anderson, Ana. Como o Rafael e o Anderson conseguiram meu MSN era uma incógnita para mim. A última tela era um nome que me fazia tremer.
#Gabe#: Jasmim?
*.*Jasmim*.*: — Gabe? — não havia o adicionado no MSN e não tinha recebido nenhum convite seu.
#Gabe#: — Como vc tá?
*.*Jasmim*.*: — Como vc tem meu msn?
#Gabe#: — Isso realmente importa?
*.*Jasmim*.*: — Claro + vc não vai me responder, deve ter algum motivo sobrenatural também neh — ele me deixava mesmo muito nervosa.
#Gabe#: Incluí meu msn na sua lista de amigos naquele dia que cozinhei para vc.
*.*Jasmim*.*: — Hummm
#Gabe#: — Como vc tá?
*.*Jasmim*.*: — Bem
#Gabe#: — Tô indo para sua ksa... — meu coração disparou.
*.*Jasmim*.*: — Gabe — digitei e apaguei várias vezes, meu orgulho não me deixava voltar atrás. Queria vê-lo, queria ele. — Vou me afastar d vc.
#Gabe#: — Acha mesmo que consegue? — garotinho petulante.
*.*Jasmim*.*: — Sim.
Não esperei resposta e fiquei offline, bloqueei Gabe no MSN para ter certeza que não cairia em tentação de falar com
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ele de novo. Não tive coragem de excluí-lo, talvez eu realmente não fosse conseguir.
Fiquei jogada na cama, ouvindo música, querendo muito me jogar pela janela. Ouvi a companhia, achei que fosse a Ana, fiz a cagada de abrir a porta, sem olhar pelo olho mágico.
— Gabe? — fiquei mole de imediato.
— Disse que estava vindo — aquele sorriso de cínico, era tudo de bom, apesar de tudo ele me fazia feliz, só rindo.
— O que... Você...
— Venha, vamos viajar.
— Ficou louco, Gabe? — o que ele estava fazendo? — Viajar para onde?
— Venha, você vai ver — ele estendeu sua mão para mim, meu coração parecia que ia saltar pela boca.
— Aonde você vai me levar? — oh, meu Deus, já estava ponderando a possibilidade de ir.
— Venha. Confie em mim — coloquei minha mão sobre a dele e o segui porta afora.
CAPÍTULO APÍTULOAPÍTULO 23
Entramos em seu Eclipse preto, coloquei o cinto de segurança e procurei não pensar em mais nada, deixei os problemas do lado de fora do carro. Os minutos que se seguiram foram de silêncio completo, não fazia ideia de onde ele estava me levando.
Gabe ligou o rádio, conectou seu MP4 ao som, não acreditei no tipo de música que ele ouvia.
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— Música clássica? Sério? — Gabe deu seu sorriso cínico que me deixava louca.
— Me faz relaxar.
— Olha só, nem suspeitava desse seu lado.
— Não suspeitava que você fosse bem humorada.
— Muito engraçado, Gabe — começamos a sorrir. Estranho como todos os nossos problemas haviam desaparecido, pelo menos por hora. — Onde estamos indo, afinal?
— Surpresa — revirei os olhos, passamos mais alguns minutos em silêncio. Gabe passou por um outdoor que falava de vestibular. — Já pensou no que quer cursar na faculdade?
— Não — era a mais pura verdade, ele pareceu não acreditar pelo seu olhar. — É sério, não sei. E você?
— É complicado.
— Me recuso a aceitar essa resposta, Gabriel De La Cour — ele pareceu ponderar antes de me responder.
— Médico. Gostaria de salvar as pessoas.
— Não consigo imaginá-lo como médico.
— Não? Mas sou tão charmoso.
— E presunçoso também.
— Faz parte do meu charme — nunca havíamos ficado assim. Era como se ali comigo, Gabe pela primeira vez fosse ele mesmo.
— E vai cursar Medicina?
— Não — triste, era exatamente isso que ele era. Embaixo de toda aquela presunção, orgulho e todo resto, se escondia um menino triste.
— Pena, você seria um ótimo médico — se me perguntassem isso uma hora atrás, eu diria que não, Gabe não dava para isso, mas naquele momento, tudo tinha se transformado.
— Quem sabe um dia.
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— Sim, quem sabe — olhei para fora, uma fina garoa caía. Não tinha nenhum casaco comigo, me encolhi e esfreguei meus braços.
— Tenho um moletom ali atrás — sorri para ele, tirei o cinto de segurança e me debrucei para trás, alcancei seu moletom e algo caiu do seu bolso.
— Você carrega um espelho?
— Todos nós carregamos.
— Todos nós quem? — sua cara indicava que ele havia falado demais, vesti seu moletom e Gabe não disse mais nenhuma palavra. O clima no carro ficou tenso. — Estamos chegando? — desconversei, ele não me contaria nada mesmo.
— Quase — começávamos a entrar em uma cidade, tudo indicava que era daquelas pequenas, onde todos sabem da vida um do outro. A cidade parou para nos ver passar. Também, com um carro daqueles, quem não pararia.
— Esse lugar não... Não me é estranho.
— Não?
— Gabe, por favor, me diga que você não me trouxe onde estou achando — ele ficou sério, encarando apena o asfalto na nossa frente.
— Me leve de volta agora, você não tinha esse direito.
— Não vou voltar, tenho uma promessa a cumprir — aquilo era um pesadelo, quem ele pensava que era para se meter na minha vida daquele jeito?
— Que promessa? Ficou maluco, Gabe?
— Talvez.
— Gabe, quero voltar.
— Faça um esforço, Jasmim.
— Esforço por quem? Ela não está mais aqui para ver esforço algum.
— Faça por você mesma — percebi que era inútil argumentar com ele. Assim que Gabe parasse o maldito carro, pegaria um ônibus ou sei lá o quê para casa. Finalmente chegamos onde ele queria, desci do carro e bati a
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porta, caminhei pela calçada na direção oposta de onde ele planejava.
— Aonde você vai, Jasmim?
— Para casa.
— Com que dinheiro? Porque não vi você pegar nenhum — droga, era verdade, não tinha nenhum dinheiro, nenhuma roupa, nenhum documento.
— Ótimo — disse derrotada.
— Qual é, não pode ser tão ruim assim, pode?
— Pode — estava muito nervosa, irritada e sei lá mais o quê.
— Venha. Como eu disse, tenho uma promessa a cumprir — não tinha outra opção a não ser segui-lo.
Aquele lugar me dava arrepios. Começamos a passear pela lápides, a garoa estava molhando nossos rostos. Gabe ia na frente, como se soubesse o caminho de cor, eu nunca tinha ido naquele lugar e preferia ter continuado assim.
Todos aqueles túmulos, todas aquelas pessoas amadas que se foram, o lugar era deprimente. Ao longe ouvi um padre dizendo algumas palavras, não puder ver nada, mas o choro dos familiares era de cortar o coração, com certeza a tristeza fazia morada lá.
Gabe pegou minha mão, como se para me dar forças e eu precisava disso, precisava de forças para continuar. O caminho parecia se tornar mais difícil, meus passos estavam pesados e meu coração triste. Paramos na frente da lápide dela.
Cecília Goldin Acaiah
Amada esposa
Nenhuma menção a amada mãe, meu pai era um ser absurdamente egoísta.
— Ciça — ele fez uma reverência para ela, fez uma reverência para a minha mãe. Não sei bem o motivo, mas aquilo deu um nó na minha garganta. — Trouxe a Jasmim, como te prometi — essa era a bendita promessa, me levar ao
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túmulo da minha mãe. Espera aí, Ciça? Que intimidade era essa?
— Ótimo, Gabe, promessa cumprida. Vamos embora agora? — no túmulo dela havia uma foto em preto e branco. Quase desmaiei quando prestei atenção nela, éramos idênticas, tirando, claro, o fato de que ela parecia ser uns anos mais velha.
— Vocês não são parecidas? — Gabe disse após acompanhar meu olhar.
— Ela é... — era a criatura mais linda que já tinha visto, nunca havia visto uma fotografia da minha mãe antes. Mesmo sendo só uma foto, dava para ver como éramos diferentes, ela parecia tão meiga, tão doce, tão feliz. — Linda.
— Vocês duas são lindas.
— Por que me trazer aqui, Gabe?
— Porque quero que você converse com ela — fechei meus olhos, cansada. — Ela pode te ouvir. Não precisava ser aqui, mas queria que você a visse. Queria que visse como você é linda e o quanto era importante para ela — não entendi a última parte, mas deixei passar.
— Não sei como falar com ela — comecei a chorar, as lágrimas se misturaram a garoa, meu peito estava pesado, mal conseguia respirar. — Nunca disse nada à minha mãe.
— Estou aqui e vou te ajudar, ok? — assenti com a cabeça, enquanto ainda chorava. Ele se colocou atrás de mim e me abraçou, nós ficamos de frente para sua lápide. — Conte sobre a escola — minha voz demorou alguns minutos a sair.
— Oi, mãe — Deus, como isso era difícil. — Aham, a escola... Vou bem na escola, tirar notas altas não é difícil — não sabia como continuar.
— Fale sobre seus amigos — disse Gabe.
— Minha melhor amiga se chama Ana. Somos amigas há muito tempo, ela é tão engraçada e doida, acho que ela faria você rir — meu choro aumentou, Gabe apertou seus
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braços em minha volta. — Andei conhecendo pessoas novas, como o Teddy e o Rafael...
— Só para você saber, Ciça, não aprovo essas duas últimas amizades — fui obrigada a rir. Ele falava com ela tão naturalmente, como se minha mãe estivesse mesmo ali e eles se conhecessem há anos.
— Mãe — continuei. — Conheci um menino, Gabe... — disse mentalmente, gosto tanto dele, mãe. Ele tem segredos, mas me faz rir, me deixa feliz. Ele é importante e não sei o que fazer.
— Hum, a conversa ficou particular? — ele me perguntou, sorri em meio às lagrimas e continuei, antes que a coragem fosse embora.
— Acho que ele não confia em mim, porque não me conta seus segredos — continuei falando mentalmente, enquanto ele trocava de perna, como se ficasse apreensivo, mas não deixou de me abraçar. — O mandei embora no hospital, mas me arrependi assim que ele saiu pela porta, porque de alguma maneira estúpida, não consigo ficar longe dele. Me ajude, mãe — Pedi por pensamento. — Se está mesmo me ouvindo, me ajude.
— Viu, não foi tão ruim. Foi?
— Foi difícil, mas não foi ruim — fiquei de frente para ele. — Não queria ter te mandado embora, quer dizer queria... Não sei... Não quero ficar sem você na minha vida — ele abriu um sorriso enorme, beijou minha testa.
— Venha, quero te levar a outro lugar agora — olhou para o túmulo da minha mãe. — Tchau, Ciça. Obrigado — fiz cara de questionamento. — Ela me deu você.
— Tchau, mãe — Caminhamos de mãos dadas de volta para o carro e parecia que o peso do mundo finalmente tinha sido tirado das minhas costas.
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CAPÍTULO APÍTULO 24
Entramos no carro novamente. Gabe dirigiu por alguns minutos e paramos na frente de uma casa. A minha casa, quer dizer, a antiga.
— Gabe, deve ter alguém morando aqui — iriam chamar a polícia se vissem dois adolescentes rondando a casa.
— Não tem, já verifiquei. Seu pai nunca vendeu a casa, ainda é de vocês.
— Sério? — meu pai havia me dito que tinha vendido.
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— Sério. Quer saber a melhor parte?
— E tem melhor parte?
— Sim. As coisas da sua mãe estão todas aí dentro, no sótão.
— Como sabe disso?
— Porque já entrei na casa.
— Gabe!
— Foi por um bom motivo.
— Que é?
— Você — ele me puxou para dentro da casa e abriu uma das janelas da cozinha que estava com o trinco estragado. Pulamos a janela e fomos para o sótão.
— Cuidado com a cabeça — ele me disse. — Quero que veja isso, vou acender a luz — ele puxou uma cordinha e tudo se iluminou.
Definitivamente as coisas lá eram da minha mãe. Tinha um espelho enorme com uma barra fixa a ele; no canto superior uma foto dela, dançando, era bailarina. A foto era em preto e branco como a do túmulo e ela parecia estar sempre feliz.
— Não sabia que ela dançava. Nunca entrei aqui antes, era pequena quando nos mudamos.
— Imaginei que você fosse gostar, olha só esse baú — ele apontou para o chão, no baú estava escrito Ciça. Entendia agora por que ele a chamava assim.
Abri o baú, tinha cheiro de velho e acho que o cheiro dela. Havia sua roupa de balé, gasta e toda amarelada, umas roupinhas de bebê. Na tampa do lado de dentro tinha uma foto do meu pai e ela, abraçados, sorrindo. Ele nunca sorria, não para mim.
Embaixo de tudo tinha um caderno, embrulhado em um pano. O retirei de lá, era o diário dela. Abri em uma página aleatória.
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“Hoje é o dia mais feliz da minha vida. Alberto e eu descobrimos que vamos ser pais, finalmente o teste deu positivo, não vejo a hora de segurar meu bebê no colo.”
Estava chorando de novo, meu pai nunca demonstrou afeto por mim, mas ali estava a prova de que eu era amada. Abri em outra página.
“O bebê mexeu hoje. Queria que Alberto estivesse aqui para senti-la. É uma menina, tenho certeza disso.”
Folheei as páginas mais um pouco.
“Depois de discutirmos muito, Alberto e eu chegamos a um acordo. Se for menina eu escolho o nome, se for menino ele escolhe, mas tenho certeza que é a minha Jasmim.
Meu pai sempre me disse que ela escolheu meu nome, mas vê-la falando de mim assim, era... Tudo o que sempre sonhei. Continuei lendo vários trechos.
“A Jasmim não me deixou dormir a noite toda, não parava de se mexer. Estou muito ansiosa para ver seus olhinhos, sentir seu cheirinho, lhe contar histórias antes de dormir.”
“Quero vê-la crescer e estar lá quando arrumar seu primeiro namorado. Ela é a melhor coisa que já me aconteceu.”
Ouvimos algumas vozes perto da casa e Gabe foi olhar através de uma janela pequena e redonda. Fui atrás dele, tinha algumas pessoas olhando o carro, mas elas eram estranhas, me davam arrepios. Estavam todos de preto, como se fosse um uniforme ou sei lá o quê.
— Merda! — Gabe disse, me puxando para fora do sótão.
— O que foi, Gabe? O que isso significa?
— Que não fiz minha lição de casa como deveria.
Começamos a descer a escadinha que dava para o sótão. Gabe fez sinal para ficarmos quietos. Alguém forçava a porta da frente, era questão de minutos até eles chegarem na janela da cozinha, que estava aberta. Esperamos um pouco, resolvi voltar ao sótão, Gabe veio atrás feito louco.
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— O que está fazendo? — ele perguntou sussurrando.
— Vim buscar o diário — o havia deixado no chão.
— Venha, Jasmim, não temos tempo.
— Quem são eles?
— Onde está o espelho? — não acreditei naquilo, por que ele queria um espelho agora?!
— No chão do carro
— Droga! A coisa pode ficar feia. Dessa vez, quando te mandar correr, corra — fiz que sim com a cabeça. Abracei o diário da minha mãe e nos esgueiramos pela casa.
Aqueles caras haviam cercado a casa, estavam por todos os lados. Ouvimos um barulho na cozinha, eles estavam entrando, de algum modo sabia que aquilo não era bom. Gabe abriu uma gavetinha próxima à porta, meu pai guardava as chaves naquele lugar, disso eu lembrava.
— Jasmim, quero que abra a porta e não importa o que aconteça ou o que ouça, corra, o mais longe e rápido que puder. Pegue um ônibus para casa, de preferência vá para a casa da Ana — não estava gostando nada daquela história.
— Mas e você?
— Vou ficar bem.
— Não vai não — ele me olhou incrédulo. — Você está mentindo.
— Preciso que você vá.
— Não vou a lugar algum sem você. Quem são essas pessoas?
— Caçadores.
— Caçadores do quê? — na mesma hora que perguntei, meu subconsciente me deu a resposta. Estavam caçando Gabe, seja lá o nome do que ele era, estavam caçando isso. — Oh, meu Deus. Gabe?
— Vou ficar bem, se você sair daqui, me saio melhor sozinho.
— Tudo bem, mas não vou para casa... — me calei, tinha alguém passando no outro cômodo da casa. Estava
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tremendo dos pés à cabeça, Gabe colocou sua mão tapando minha boca.
— Te encontro na sua casa. Vá — levantei contra minha vontade e corri até a porta. Passei pela figura de preto e o olhei de relance, ombros largos, alto, olhos... Não sei definir, mas eram bem estranhos.
Parei na frente da porta, mas tremia tanto que não conseguia achar a chave, que estava no molho que Gabe havia colocado na minha mão. O chaveiro caiu no chão, o tal de caçador estava se aproximando, mas ele não corria, como se não tivesse pressa de me pegar.
Olhei para trás, aqueles olhos eram muito estranhos. Não eram brancos, mas não conseguia olhar para eles, como se alguma coisa me fizesse recuar. Gabe se levantou e parou um pouco atrás do cara.
— Estou aqui — ele estava de olhos fechados.
Meu desespero só aumentou. O cara foi na direção de Gabe e eles começaram a rolar pelo chão. O cara gritava “Olhe para mim” e Gabe continuava com os olhos fechados, ele não aguentaria lutar por muito tempo daquele jeito.
Finalmente consegui achar a chave e abri a porta. Saí correndo, dois caras pularam em cima de mim, caí de boca no chão e senti o gosto de sangue.
Um dos caras saiu de cima de mim e correu para dentro da casa, correu para ajudar a pegar Gabe. Me debati, joguei a terra que consegui pegar do chão nos olhos do caçador. Ele levou as mãos ao rosto e enquanto isso levantei e corri. Estava chegando na esquina quando ouvi os berros de Gabe, aquilo ecoou pela minha alma.
Parei de correr, olhei em volta e vi um taco de beisebol, em um quintal, era aquilo mesmo que usaria; peguei o taco e voltei correndo. Chegando lá não tinha mais ninguém fora da casa, estavam todos lá dentro e Gabe não parava de gritar.
Não pensei duas vezes, quebrei o vidro do carro e abri a porta por dentro. Não conseguia achar a bosta do espelho,
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cortei minhas mãos nos cacos de vidro, mas finalmente o achei. Peguei o espelho e o taco, entrei na casa.
A cena que vi era perturbadora. Havia três homens em cima de Gabe, ele estava ensanguentado, de olhos fechados, mal respirando.
— Hey — berrei. O cara mais próximo a mim me olhou e o acertei com o taco, bati o mais forte que consegui. — Gabe — ele virou a cabeça na minha direção. — Pegue — joguei o espelho para ele, deduzi que era disso que ele precisava. Ele agarrou o espelho no ar, não sei como fez isso de olhos fechados.
Outro cara partiu para cima de mim, tentei acertá-lo, mas ele desviou, estava bom demais para ser verdade. Ele tirou o taco das minhas mãos sem nenhuma dificuldade e me acertou bem no estômago. Caí sentada, aquilo doía e muito. Olhei para Gabe, ele segurou o espelho de frente para seu rosto e abriu os olhos, procurou os caras pelo espelho e no momento que um deles encontrou seu olhar, aquele olhar branco, caiu morto no chão. Simples assim. Seus olhos voltaram ao normal.
Gabe levantou, deu uma cambaleada e conseguiu acertar o terceiro homem. Veio na minha direção, pegou minha mão e me levantou do chão. Meu coração martelava no peito, ele não parecia nada bem. O cara que me acertou tentou impedir que saíssemos, mas Gabe o acertou também, aquele espelho realmente fazia a diferença. Entramos no carro, os caras já estavam levantando, Gabe deu partida e saiu cantando pneu, ele não parava de olhar no retrovisor e sinceramente eu também não.
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CAPÍTULO APÍTULO 25
A velocidade que ele estava dirigindo era absurda, o carro derrapava às vezes. Gabe estava quase desmaiando, tinha perdido muito sangue, desejei saber dirigir, mas não sabia. Um carro surgiu na estrada atrás de nós, estavam nos seguindo.
Nosso carro deu um solavanco para frente, olhei pelo espelho, eles estavam nos empurrando com o carro deles.
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Queria fazer alguma coisa, mas o quê? Como poderia competir com aqueles “seres”?
— Coloque o cinto — Gabe me disse, estava apavorada demais para entender,
— O quê?
— Coloque o cinto — obedeci, ele não diminuiu a velocidade nem por um minuto.
Percebi que ele ia fazer alguma coisa e não era nada bom. Gabe freou do nada, o carro dos caçadores bateu no nosso e capotou, passou voando acima do teto do Eclipse. Fiquei pasma olhando a cena. O golpe que levei na antiga casa estava doendo, o solavanco contra o cinto de segurança estava queimando minha pele, mas isso não era o pior. Gabe estava perdendo os sentidos, ele não me disse nada, mas isso era óbvio.
Ele deu a volta pelo carro capotado, ninguém lá dentro se mexia e continuou dirigindo velozmente, sempre olhando pelo retrovisor, mas seria impossível alguém ter saído vivo daquele carro. Se passaram alguns minutos sem falarmos nada.
— Merda — exclamei, ele me olhou assustado.
— O que foi? Está ferida?
— Não. Perdi o diário da minha mãe.
— Onde?
— Não sei onde.
— Se esforce, onde o perdeu?
— Já disse que não sei — berrei, meus nervos estavam em frangalhos.
— Droga, Jasmim, provavelmente eles acharam que entrei lá apenas para me esconder. Se pegarem o diário, vão ligá-lo a você. Aquilo é uma arma... Irão caçá-la.
— Por que o fariam? Não sou como...
— Sim, você não é como eu, mas eles não sabem disso.
— Gabe? Gabe! — ele desmaiou, estávamos em alta velocidade, o carro foi parar na pista do lado. Estávamos na
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contramão e um carro vinha na nossa direção. O chacoalhei e ele despertou por um breve momento, o suficiente para tirar o carro segundos antes de batermos e o parar no acostamento, então apagou de novo.
Entrei em pânico total, não conseguia acordá-lo de jeito nenhum. Estávamos no meio do nada, Gabe estava desmaiado e não conseguiria carregá-lo para lugar nenhum. Não tinha forças, não sabia dirigir, estávamos ferrados.
Comecei a revirar o carro em busca da carteira dele. Achei-a no porta-luvas, me espantei com a quantidade de cartões de crédito, identidades falsas e dinheiro que havia ali. Peguei só o dinheiro, sempre vi na TV que eles rastreiam as pessoas pelo cartão de crédito. Desci do carro, meu corpo doía, estava , sem saber o que fazer. Avistei uma caminhonete e fiz sinal como se pedisse carona, o motorista parou. Ele tinha uma cara de tarado, drogado e sei lá mais o quê, mas não tinha outra opção.
— Preciso de carona — o cara me mediu, olhou para o carro e viu Gabe.
— Que diabos...
— Eu pago, mas por favor nos leve para algum lugar.
— Paga quanto? — agora estava falando a língua dele. Já havia contado o dinheiro no carro, mas não podia dar tudo a ele.
— Mil reais, é tudo o que tenho, nos deixe em algum lugar — provavelmente essa era uma péssima ideia. O cara podia nos matar ali mesmo e levar o dinheiro, ou fazer algo pior, mas precisava arriscar.
— Levo só você, o rapaz aí vai sujar meu estofado — ainda não sabia como estava de pé, talvez devesse esperar outro carro parar, mas não sabia quanto tempo Gabe resistiria.
— Mil e quinhentos e você leva nós dois — o cara pensou por uns segundos que pareceram uma eternidade.
— Certo, mas você carrega o rapaz, não vou sujar minhas mãos — como desejei ter aquele taco de beisebol.
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Coloquei Gabe com muito sacrifício do lado do sujeito e eu fiquei na porta. Depois de uns quinze minutos aguentando aquele cara falando coisas nojentas, avistei um motel.
— Ali, nos deixe no motel.
— Garota, acho que seu namoradinho não está muito bem para isso — imbecil, se pudesse matá-lo o faria.
— Você entra comigo, vou abaixar... Meu namorado e você entra no estacionamento comigo, não permitiriam minha entrada com ele assim.
— Você é esperta, gosto de menininhas espertas — ele esticou o braço para me tocar, Gabe segurou seu braço.
— Cara, estou mal, mas não estou morto. Se tocar nela, acabo com você.
— Gabe! — nunca fiquei tão feliz em minha vida.
— Faça o que ela disse — ele mesmo se abaixou. O cara pediu um quarto, a moça da recepção me deu uma encarada, mas não pediu minha identidade. O palhaço estacionou, nós descemos do carro, paguei o que prometi a ele, mesmo sem vontade de fazê-lo.
O cara não disse mais nenhuma palavra depois de Gabe ameaçá-lo. Ele saiu dirigindo, feliz com seu dinheiro.
— Entre no quarto, Jasmim.
— Aonde você vai?
— Falei para entrar no quarto — ele começou a caminhar na direção da recepção. — Já volto.
— O que você vai fazer?
— O necessário — não sei por que, mas não o segui, não o impedi e também não entrei no quarto.
Fiquei lá tentando absorver as novidades do dia: conversar com minha mãe, ser caçada, capotar carros, pedir carona para tarados, essas coisas. Acho que uns cinco minutos depois Gabe voltou e não acreditei no que vi.
— Como? Como... O que você fez? — tentei olhar para a recepção.
— Ela vai ficar bem. Daqui um tempo.
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— Oh, meu Deus — ele não precisou me dizer, eu já sabia: Gabe se alimentou da recepcionista. — E se ela contar para alguém?
— Não vai.
— Como você sabe? Ela pode...
— Confie em mim, ela não vai dizer nada a ninguém — estava pasma, havia restado somente o sangue seco nele, estava completamente curado, forte.
Entramos no quarto. Não conseguia parar de pensar na pobre moça, já tinha sentido o mesmo que ela e não era nada bom. Só naquele momento percebi que estava em um motel com o Gabe, sem nada para vestir, apenas minha roupa ensanguentada. Ainda estava com o moletom dele, repleto de sangue.
— Vá tomar um banho, vou pegar algumas roupas para nós. Já devia ter pegado, aliás.
— Vai pegar roupas onde?
— Na recepção.
— Jesus, você pirou. Como vai voltar lá?
— Você devia confiar um pouco mais em mim — ele era doido, essa era a explicação mais plausível.
Ele foi até lá e voltou logo em seguida, com roupas terrivelmente feias e grandes.
— Era o que tinha lá.
— Serve — disse de má vontade. Não era pelas roupas, era por tudo isso. Ele poderia ter matado aquela moça. Ele matou aqueles caras. Não o estava julgando porque provavelmente os caçadores o matariam, mas era pela situação em si.
— Hum, você não entrou no banho. Estava me esperando? — e lá estava meu sorriso cínico preferido.
— Engraçadinho — fiz uma careta e me tranquei no banheiro, o chuveiro não era lá aquelas coisas, mas a água quente foi bem-vinda.
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Saí do chuveiro e coloquei uma blusinha e uma calça onde caberiam três Jasmim dentro. Saí do banheiro e Gabe entrou. Liguei a TV só para não ficar naquele silêncio todo. Sinceramente aquela viagem toda estava sendo... Impossível. Deus do céu, impossível era Gabe saindo do banho somente com uma toalha amarrada na cintura, com o corpo todo molhado. Aquilo sim era impossível.
— Algum problema, Jasmim?
— Não... — ele era definitivamente um problema, aquele corpo sarado, molhado, praticamente nu, no mesmo quarto que eu era um problemão. Ele riu.
— Certo, vou poder dormir na cama ou serei obrigado a ir para o chão? — talvez fosse melhor ele ir para o chão, mas tadinho tinha passado por tudo aquilo e... Qual é? Estava louca para dormir na mesma cama que ele.
— Vai poder dormir na cama — abri um sorriso enorme e desnecessário. Fiquei vermelha e ele percebeu.
— Você está bem? Estou te achando um pouco vermelha.
— Estou ótima — quase enfartando, mas bem. Aquela seria uma noite tremendamente longa.
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CAPÍTULO 26
Deitei na cama. Meu estômago roncava, não havia comido nada além da canja da tia Su, mas a fome era o menor dos meus problemas aquela noite, sem contar que havia uma espécie de caçador atrás de nós. Gabe estava deitando na cama, só de bermuda, tentei pensar em outra coisa, mas estava muito difícil. “Pense em outra coisa, pense em outra coisa... Ah meu Deus, ele está na mesma cama que eu, na mesma cama, só de bermuda... Foco, Jasmim. Não, foco não, porque meu foco está localizado naquele peito nu e ainda úmido. Ai, preciso de ajuda”. Gabe ria ao meu lado, ele estava virado para mim, apoiado em um braço.
— Jasmim, você está bem?
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— Sim, por quê? — as palavras saíram cuspidas da minha boca, como se o simples fato de abri-la fosse quebrar minha concentração.
— Talvez porque você esteja agarrada ao lençol, com cara de dor.
— Impressão sua — ele segurou minhas mãos para me fazer soltar do lençol, os nós dos meus dedos já estavam brancos. Aquele gesto fez meu coração saltar, não aguentava mais essa sensação sempre que Gabe estava perto. Isso nunca diminuiria?!
— O moletom ficou bem em você.
— Claro, é três vezes o meu tamanho e tem o pateta estampado. Perfeito — ele estava rindo de mim, de novo.
— Se considere com sorte. Só achei uma bermuda, vou ter que ficar sem camisa — Jesus, ele estava fazendo de propósito. Não queria, mas acabei olhando mais atentamente aquele peito, barriga, analisei cada pintinha do seu corpo, cada detalhe, era demais para uma menina de quinze anos.
— Percebi.
— Notei que você percebeu — ótimo.
— Estou cansada e com sono — ele não parava de sorrir, queria entrar embaixo dos travesseiros. — Qual é a graça?
— Nenhuma — do nada ele ficou sério, com uma expressão vazia. — Obrigado.
— Pelo quê?
— Por ter voltado, se você não estivesse lá, eles teriam... Obrigado.
— Não podia deixá-lo lá, ouvi seus gritos e... — minha garganta deu um nó, quando me lembrei dele gritando. — Quando entrei lá e te vi daquele jeito, só...
— É — foi o que ele me disse. — Bem, você está cansada e com sono, lembra? Vamos dormir.
— O que eles caçam exatamente?
— Jasmim...
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— Qual é, eu estava lá, os vi — Gabe deu um longo suspiro.
— Eles caçam... O que eu sou.
— E o que você é?
— Boa tentativa, mas não foi dessa vez — ele tentou rir, mas não conseguiu.
— Não vou contar a ninguém.
— Esse não é o maldito problema, confio em você — ele se jogou no travesseiro de barriga para cima. — Não confio neles e no que podem fazer a você, e eles não são nosso único problema.
— Poderia ajudar mais se você me explicasse.
— Você saber de tudo só vai complicar mais as coisas. Se eles suspeitarem que você sabe das coisas, vão presumir que é importante para mim...
— Ah, claro, ninguém aqui quer isso — o que havia de errado comigo? Porque estava sempre na defensiva quando estava com ele?
— Jasmim! — ele alterou a voz. — Você está sempre, sempre, entendendo tudo errado — Gabe levantou da cama e caminhou até a porta.
— Aonde você vai?
— Fazer uma ronda e pegar comida, não aguento mais seu estômago roncando — não havia percebido que meu estômago estava roncando tão alto, puxei o travesseiro e tentei me sufocar, não deu certo.
Cochilei por algum tempo, acordei com Gabe me chamando. Ele sentou na cama, com cara de cansado, não fisicamente, mas como se carregasse o mundo nas costas.
— Trouxe batata frita, mas está fria. O local mais próximo era meio longe e estou sem carro — sentei correndo, meu estômago estava nas costas, comecei a comer compulsivamente. Mesmo frio, parecia a melhor coisa do mundo.
— Obrigada. Como vamos para casa?
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— Vou chamar um táxi logo cedo. Vai dar tempo de você ir ao colégio.
— Táxi? Vai sair uma fortuna.
— Você me subestima — já devia ter entendido que dinheiro não era problema ali, o cara tinha uma academia com seu nome. — Estava mesmo com fome — ele apontou para o pacote com as batatas, já estava quase no fim.
— Oh, meu Deus. Você quer? Já comeu?
— Já, comi lá — achei que era mentira, mas não adiantava argumentar com ele. — Quero outra coisa.
— O quê? — ele se aproximou de mim, bem perto, começou a mexer em meu cabelo. Tirou o pacote de batatas da minha mão e beijou meu pescoço, meu corpo todo se arrepiou. Gabe riu contra minha pele, aquilo só fez os arrepios piorarem. Beijou minha orelha, já estava ofegante, me deu um selinho.
— Só vou te beijar se você me pedir — ele passou a língua nos meus lábios, mas não me beijou. Gabe estava falando sério? Estava com a boca aberta, olhos fechados e provavelmente com cara de boba. — Peça.
— Aham... Aham — qual é? Não dava para falar com ele, beijando meu pescoço e passando a mão pelo meu cabelo.
— Peça.
— Me beije — Gabe apertou sua mão no meu cabelo.
— Peça direito — aquilo não estava acontecendo, era tortura do mais alto nível.
— Me beije, Gabe — olhei para ele, aquela boca. — Por favor — ele nem hesitou, me beijou ferozmente, mas logo saiu de perto de mim.
— Isso foi por aquele dia no bosque, lembra? Quando disse que te dava nojo e que perderia meu tempo, tentando te beijar de novo.
— Você já me beijou depois daquele dia.
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— Verdade, mas dessa vez... Você implorou — lá estava meu sorriso cínico, atirei um travesseiro nele e fiquei emburrada.
Me tranquei no banheiro, garoto metido e esnobe e... E... Tremendamente lindo, que ódio. Lavei meu rosto, tentei me acalmar. Sentei na privada e tentava criar coragem para sair do banheiro. Ouvi uns ruídos na janela e meu coração disparou, precisava ir a um cardiologista urgente.
Fiz a idiotice de me aproximar, para analisar melhor o barulho. Do nada a janela se abriu e algo grudou no meu rosto. Dei um berro. Gabe arrebentou a porta do banheiro e me olhava assustado. Consegui tirar aquilo da minha cara.
— Ah, é só um gato — foi um alívio.
— É. Agora tenho que pagar uma porta nova — começamos a rir, ele quase derrubou a parede toda. — Vou colocar o gato para fora.
— Não! Deve estar com fome e com frio — não o deixaria fazer isso, colocar o bichinho na rua.
— Você vai levá-lo para casa?
— Sim — respondi sem hesitar.
— Seu pai vai concordar?
— Não — sem hesitar de novo, meu pai nunca permitiu animais em casa. — Só até acharmos um lugar para ele.
— Droga!
— Que foi?
— Você falou no plural — sorri maliciosamente para ele.
— Quem vai pedir por favor agora? — tentei dar uma de Gabe, mas não deu certo, a frase não fazia sentido e ele me olhava com cara de não entendi. Foi idiota.
Fomos todos para a cama, nós três, Gabe, eu e o gatinho preto, que deveria ter uns três meses de vida. Estava na hora de dormirmos. Engraçado como só naquele momento senti meu corpo doer.
— Ai.
— O que foi? — Gabe perguntou preocupado.
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— Meu tórax está doendo.
— Tire a blusa.
— Ficou maluco?
— Vamos ver o que é, Jasmim. Talvez precise ir ao hospital.
— Não mesmo.
— Não foi uma pergunta, foi uma ordem — não estava em meu melhor estado mental, obedeci. — Acho que não precisa de um hospital, mas vamos passar em uma farmácia e comprar pomada para passar em você — o cinto de segurança me deixou com uma faixa nada interessante no corpo. Achei que Gabe fosse se aproveitar da situação, mas não, assim que coloquei o moletom, ele deitou na cama e não disse nada.
Acordei com Gabe se remexendo na cama. Incrivelmente tinha sido uma noite sem pesadelos, acho que estava cansada demais até para isso. A cena de nós na cama devia ser engraçada, se observada de longe. Lá estava eu estirada sob o peito de Gabe, ele se remexendo, porque o rabo do gatinho estava na sua cara e o gato, dormindo bem ao lado do rosto dele. Por um segundo, consegui imaginar como seria minha vida com ele, com eles.
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CAPÍTULO APÍTULO 27
Gabe acordou, não muito feliz por ter um gato em sua cara. Ligou do telefone do quarto para um táxi, que chegou em dez minutos. Entramos no carro, na parte de trás. Ele deu as coordenadas ao motorista e na maior parte do tempo ficamos calados, tirando alguns miados no carro.
— Vou te deixar em casa — isso significava que ele não ficaria comigo. — É melhor você ir para a aula.
— Ok — estávamos quase chegando à minha casa, isso era um tchau. — Você não vai para a aula?
— Não. Preciso descobrir como eles me acharam e depois ver a Samy — fiquei parada, sem mover um músculo, com o queixo caído.
— Ah é, sua namorada.
— Sim, minha namorada — não disse mais nada, não havia nada a ser dito, meu coração mal batia.
O taxista parou na frente de casa. Desci do carro e peguei o gato, não olhei para Gabe. Bati a porta com toda minha força, entrei em casa com a chave reserva, já que nem isso tinha levado no “passeio” com Gabe. A chave ficava na varanda embaixo de um vaso. Coloquei o gatinho no chão, me encostei na porta e chorei.
Era inacreditável como no fim ele sempre voltava para a Glitter ruiva. O gatinho não parava de miar, levantei e servi um pouco de leite para ele. O coitado quase se afogou, sua barriguinha até estava dilatada. O telefone tocou e nem precisava atender para saber que era a Ana, não atendi, logo a veria no colégio. Comecei a ensaiar minha melhor cara de paisagem e fui para o matadouro, quer dizer, escola.
A Ana me esperava na porta da sala, batendo o pé inces-santemente ao chão.
— Acaiah, onde foi que você se meteu? Te liguei a noite toda.
— Se eu te contasse você não acreditaria.
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— Nunca duvidei de você — era verdade. Por que tinha tanto medo de dizer a verdade a ela, então?
— Está a fim de gazear aula?
— Se for por um bom motivo — era a resposta que precisava.
— É um ótimo motivo.
Saímos correndo dali, pulamos o muro do colégio. Ralei meu joelho, a Ana soltava uns gritinhos de dor, precisávamos nos esforçar mais nas aulas de educação física.
— Aonde vamos afinal?
— Você sabe onde a Samara mora?
— A Samara? — ela pareceu meio confusa, mas acho que logo entendeu. — Sei, por quê?
— Porque é para lá que nós vamos.
— Certo — essa com certeza era uma das coisas que mais gostava na Ana: se era para aprontar, ela não questionava nada. Entramos em um ônibus, segundo a Ana, a ruiva não morava longe.
— Depois que fizermos isso, tenho que ir correndo para casa.
— Por quê?
— Porque deixei o Salem sozinho e quero ver como ele está.
— Quem é esse?
— Meu gato.
— Mas você não tem gato... Ou tem?
— Agora tenho.
— Acaiah, seu pai vai te matar.
— Ele vai ter que entrar na fila.
Paramos a duas quadras da casa da Samara. Era o mais próximo que chegaríamos de ônibus. Andamos aquelas quadras, quase não havia carros na rua, o sol começava a esquentar para valer.
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Finalmente ficamos de frente para a mansão dos Parker, definitivamente o pai da Samara era milionário. Que casa era aquela? Parecia saída de uma revista.
— Como vamos fazer para entrar? Não podemos tocar o interfone — a Ana havia feito uma ótima observação.
— Vamos ter que apelar para o muro de novo.
— Quem é você?
— Como assim, Ana?
— O que aconteceu ontem à noite? De repente, minha melhor amiga envelheceu anos, ficou madura, sei lá.
— Ana, você viaja. Vamos pular essa porcaria de muro logo — ela olhou para o muro e fiz o mesmo.
— Escalar, você quer dizer.
— É — aquilo era mais alto que nós duas juntas. A sorte é que havia um poste na rua, grudado ao muro. Subimos por ele e despencamos do outro lado.
— Não creio, torci meu pé — a Ana fez uma carinha de dor.
— Vamos ter que continuar, amiga.
— O que não faço por você? Dá para me contar por que estamos invadindo uma propriedade privada?
— Agora não, mas estamos seguindo o Gabe, ele me disse que viria para cá.
— Ah, claro. E aquele papo de vou me afastar dele? Morreu?
— Por aí.
— Não gostei.
— Do que exatamente? — ouvi uns ruídos, estava ficando boa nisso. Comecei a olhar em volta.
— O que meu namorado está fazendo aqui? — segui seu olhar, eram Danny e Gabe chegando. Eles entraram na casa, nós os seguimos, mas ficamos espiando pela janela. — Por que o Danny estava com a chave da casa da Samara?
— Calma, Ana.
— Calma o cacete, vou entrar lá e...
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— Não vai não, estou tentando descobrir o que eles estão fazendo aqui.
— Que droga, Acaiah — fiz sinal de silêncio. Eles entraram no que parecia ser o escritório do pai da Glitter.
Começaram a vasculhar gavetas, armários, mas deixavam tudo em ordem depois que olhavam. Abriram o cofre, Gabe tinha a combinação. Acharam algumas pastas lá dentro. Uma delas caiu no chão, estiquei meu pescoço e quase desmaiei. Era algum tipo de arquivo com uma foto minha.
— Ai, meu Deus. O que o pai da Samara está fazendo com uma foto sua?
— Não faço ideia — os dois olharam na direção da janela e nós duas nos jogamos nos arbustos.
Esperamos um tempo e voltamos à janela. Eles mexiam no computador do pai dela, mas pelo jeito não tinham a senha, porque não estavam conseguindo abrir os arquivos.
— Você não pegou a senha? — perguntou o Danny.
— Ainda não tive chance. Não é tão fácil assim dobrar a Samy — que nojo!
— Vai ter que se empenhar mais, o que precisamos está aí — Gabe suspirou e mexeu em seus cabelos.
— Vou ligar para ela, pedir que saia agora do colégio e venha para cá.
— É nossa última chance, não podemos mais perder tempo.
— Sem pressão, né, Daniel? — eles saíram de lá. Aquela conversa não fazia sentido nenhum para mim.
— Acaiah, a Samara tem animais de estimação?
— Aham — que pergunta era aquela? A Ana já estava sentada no chão, eu ainda estava olhando para o escritório como se algo ali fosse responder minhas dúvidas. — Acho que já a vi se gabando por ter um Rottweiler, por quê?
— Porque ele está olhando para nós — gelei, de verdade. Virei bem devagar para ver o cachorro.
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— Merda.
— O que você está pensando? — a Ana estava transparente.
— Estou cheirando a gato.
O cachorro correu na nossa direção. Levantamos dali, saímos correndo e gritando. Não tinha mais nada a fazer, aquele bicho parecia mais uma máquina do que um cachorro, a velocidade dele era incrível.
Contornamos a casa correndo, o que devido ao seu tamanho foi bem cansativo. Chegamos à piscina que, como havia imaginado, era quase olímpica.
Trombei com alguma coisa e caí sentada.
— Fúria. Senta — ordenou Gabe e o bicho sentou. — Boa menina.
— Boa menina? Esse filhote de capeta quase nos matou! — a Ana se apoiava nos joelhos, tentando retomar o fôlego.
— Posso saber o que você está fazendo aqui, Ana Paula? — o Danny parecia bem zangado. Continuei no chão, Gabe ficou me encarando com um olhar não muito amigável.
— Ah não, senhor Daniel, você não se livra dessa tão fácil. O que você está fazendo aqui e para piorar com a chave da casa da Glitter?
— Glitter?
— Você entendeu, Daniel — Gabe olhou para Danny e vice-versa. Era como se falassem uma língua silenciosa.
— Precisávamos achar pistas.
— Certo. Namoro o Sherlock Holmes, então? — Gabe riu, nem ele podia com a ironia da Ana.
Ele me ajudou a levantar, mas não falou comigo. O celular do Danny tocou.
— Alô. Tem Certeza? Certo.
— Era voz de mulher, Danny. Quem era?
— O pai da Samara está chegando — disse Danny.
— Droga! — Gabe parecia muito nervoso.
— E agora? — perguntou Danny.
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— Vão embora, vocês três. A Samy está vindo, vou dizer que gazeamos aula para namorar. Deixem que enrolo ele.
— Não vou a lugar nenhum — estava cansada de ser mandada embora.
— Não vou discutir com você, Jasmim. Você vai e pronto.
— Você não manda em mim — bati o pé, mas não estava pronta para o que ouvi.
— Vai embora. Saia da minha vida! — comecei a tremer. — Se pudesse, nunca mais veria você. Jasmim, você é infantil, dramática, chata, insuportável — dei alguns passos para trás. — Pare de atrapalhar minha vida. Porque é isso que você faz, atrapalha a vida de todo mundo, a minha, da Ana, do seu pai. Aliás, não foi por sua causa que sua mãe morreu?
— Gabe... — Danny ia dizer algo, mas ele não deixou.
— Não se meta, Danny — ele voltou a me olhar. — Saia daqui! Anda, garota, não quero mais sentir a sua presença — me afastei dele e me encolhi atrás da Ana, nem sei por que fiz isso.
— Gabriel — a Ana o chamou. — Lembra do que te disse na sala naquele dia? — ele não respondeu. — Eu não estava brincando, isso não vai ficar assim.
Não me lembro de sair de lá, nem de como vim parar em casa, nem onde a Ana estava. Mas quando dei por mim estava na minha cama, com Salem, em um estado de torpor.
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CAPÍTULO APÍTULO 28
Se minha vida antes era vazia, agora ela estava um nada completo. As lembranças daquele dia ainda me assombravam, passaram-se semanas e eu ainda me sentia triste.
Gabe nem olhava mais na minha cara. Algumas vezes o Danny veio conversar comigo a respeito, mas eu o cortava. Daniel era a mesma coisa que Gabe, tinha certeza disso. O pior era ele ser o namoradinho da minha amiga. O que ela havia me contado sobre a praia, me fazia acreditar que ele havia se alimentado dela também. Era muito estranho ela não se lembrar de nada, não sentir dores, afinal, eu lembrava e senti como se meu corpo estivesse sendo esmagado. Já tinha pesquisado no Google todo o tipo de palavra relacionada a olhos brancos, dores no corpo e nada de resultados satisfatórios.
Gabe não queria me contar o que ele era e não me queria na sua vida. Essa última parte é que doía.
Minha popularidade na escola estava alta agora, graças a influência de Teddy. Ele me apresentou a todos e sempre me incluía nas conversas e nos passeios. Agora eu sempre saía com o pessoal. Nunca tive tantas pessoas à minha volta e nunca me senti tão só.
Fui ao cinema com o Teddy algumas vezes e conseguia me sair muito bem ao cortar cada uma das suas investidas. O Rafa também continuava a dar em cima de mim nas horas vagas, porque agora ele estava pegando uma das Glitters, que por sinal era uma mula. Ele a levava nos lugares aonde íamos com o pessoal da turma e dava em cima de mim na cara dela. A Silvia nunca disse nada, mas nas últimas vezes pude perceber uma onda de ódio vindo dela. Muito em breve ela explodiria em purpurina.
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Repugnantemente isso me deixava feliz, por breves momentos. Ver as pessoas sofrendo era a única coisa que aliviava minha dor.
Gabe e Samara nunca saíam com a gente, muito menos o Danny e a Ana. Estava me afastando da minha melhor amiga, estava me afastando de quem eu era.
Minha melhor amiga estava namorando com um cara terrivelmente gato e incrivelmente apaixonado por ela, mas não estava totalmente feliz com esse relacionamento. Danny era algum tipo de “ser” e a Ana parecia desconhecer esse fato. Talvez fosse melhor ela não saber, eu mesma mal conseguia conviver com aquilo tudo.
Com ela namorando, fui ficando cada vez mais sozinha, cada vez mais andava com pessoas que não gostava. Isso porque andar com a “turma” fazia parte do plano “Nova Jasmim”.
Nessas semanas foram raras as vezes que vi Gabe me olhando, muitas foram as vezes que me peguei pensando nele, mais numerosas ainda foram as vezes que me arrependi de ter ido na casa da Glitter. Estava ficando louca com aquilo, me arrependia até o último fio de cabelo.
Mal o conhecia, ele mal fez parte da minha vida, mas no lugar dele havia um buraco enorme que estava me sugando e eu não conseguia reagir. A Ana não percebeu nada de anormal em mim, sua vida estava focada em outra pessoa agora e eu estava focada em não deixá-la perceber. Mas uma pessoa sabia como me sentia, ele sabia o que eu estava sentindo. De alguma maneira, muito louca, tinha certeza absoluta disso.
A Ariel continuava suspirando pelo Danny, mas agora a Ana tentava se conter. Ela até havia dado um passa-fora na Ariel, quando ela veio contando que o Danny tinha ligado para cancelar o trabalho na casa dele e que ele tinha sido todo carinhoso. A Ana virou as costas e deixou a menina literalmente falando sozinha.
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Várias e várias vezes senti que alguém me seguia. Isso estava piorando. Aquele lunático que me atacou na chácara no dia da festa da pequena sereia estava me cercando e ficar em casa sozinha já não me parecia uma ideia muito boa.
Umas três semanas após aquele dia que fui expulsa, estava em casa sozinha arrumando as coisas de sempre e resolvi tomar um banho. Já estava escurecendo, lavei meus cabelos, saí do banho e fui terminar os meus deveres. Liguei o computador, entrei no MSN. A Ana não estava on-line, portanto, não havia com quem conversar. Minha lista de contatos agora pipocava de gente, mas não falava com ninguém, apenas mantinha as aparências no colégio.
Estava entrando um ventinho frio pela janela do quarto, então resolvi fechá-la. Quase enfartei ao olhar pelo vidro, do lado de fora da minha casa estava aquele cara novamente, mas seus olhos estavam normais, não dava para ver a cor, mas estavam normais.
O pânico começou a me percorrer, graças a Deus sempre trancava bem a casa antes de ir para o meu quarto. Corri para o telefone, mas ligar para quem?! “Disque-eu-sou-doida-venha-me-levar-para-o-hospício”? Não seria uma boa ideia ligar para alguém. Fui para o MSN, não sabia ao certo quem procurava ali, ou talvez soubesse.
Gabe estava on-line. O desbloqueei e tive muito medo de ele me ignorar, mas o chamei.
;* Jasmim: Gabe — nada. Ele não respondeu. — Gabe, fale comigo — dois minutos e nada, nenhuma resposta. Fui para a janela, o cara estava rondando a casa, provavelmente arrumando um modo de entrar. Estava gelada. — Gabe, ele tah aqui! — Ele entenderia o que isso queria dizer.
+Gabe+: Jasmim, onde você está? — Desgraçado, estava só me ignorando.
;* Jasmim: — Em casa, ele tah lá fora — enviei a mensagem, engoli meu orgulho e resolvi escrever. — Vc poderia vir aqui em... — enquanto digitava, ele enviou sua resposta.
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+Gabe+: — Não saia daí. Chego em 15 min. — o momento era trágico, mas sorri, foi inevitável.
Contei os minutos, eles demoraram a passar. Ouvi um ruído no meu quarto, dei um grito, mas era Salem.
Gabe chegou antes do que havia prometido. Fiquei na janela vigiando, ele estava com seu Eclipse todo reformado, nem parecia que havíamos feito um carro capotar com ele. O cara correu assim que o avistou. Meu coração parecia que ia explodir quando vi Gabe ir atrás dele.
Desci as escadas correndo, nenhum dos dois estava mais lá, estava morta de medo. E se Gabe se machucasse? E se ele fosse morto? Aqueles minutos não acabavam.
Alguém bateu à porta. Congelei. Bateram novamente com mais força, olhei pelo olho mágico e vi que era Gabe. Abri a porta com pressa, minhas mãos e pernas tremiam, o olhei e ele devolveu o olhar, mas não disse nada, simplesmente ficou lá parado na porta da minha casa.
— Gabe? — ele não respondeu nada, me ocorreu que ele poderia estar ferido. — Gabe? — ele apenas abaixou a cabeça, isso era demais para mim. Me joguei em seus braços, ele passou os seus braços em volta da minha cintura. Me senti completa, em paz, pela primeira vez em semanas, mesmo depois de tudo o que ele me disse. — Você está ferido? — ele não me respondia, não ia aguentar esse silêncio. Segurei seu rosto entre as minhas mãos e comecei a beijá-lo. Não me pergunte de onde veio esse ímpeto. Beijei todo o seu rosto. — Gabe, ele machucou você? O que aconteceu? Você está bem? — Beijava todas as partes do seu rosto enquanto perguntava. Ele não emitiu nenhum som, apenas me apertou mais em seus braços. — Meu amor, fale comigo! — implorei, um pouco tarde demais percebi o que havia dito.
— Do que você me chamou? — oh, meu Deus. Fiquei vermelha, não sabia o que dizer. Optei pela verdade, não ia adiantar mentir agora, ele sabia o que eu estava sentindo, tinha certeza que sabia.
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— Te chamei de meu amor — ele não me deixou dizer mais nada, apenas me beijou, foi o nosso melhor beijo até aquele dia.
Ele me apoiou na parede e se virou para trancar a porta. Voltou tão rápido que mal me deu tempo para tomar fôlego e nos beijamos. Assim que terminamos o beijo ele resolveu falar.
— Minha flor — abri um sorriso enorme, estava até boba de tão feliz.
— Gabe... — ele me interrompeu.
— Você faz ideia do inferno que vivi essas semanas? — ele passava as mãos pelo meu cabelo, fazia carinho no meu rosto. Fechei meus olhos, esse era o melhor toque do mundo.
— Eu... — ele não me deixava falar.
— Você faz ideia do quanto senti sua falta? — me agarrei à sua camisa, minha vontade era chorar, rir, estava confusa.
— E você? — ele me olhou assustado. — Faz ideia do quanto senti a sua falta? — ele sorriu. Nesse momento percebi que daria a minha vida para vê-lo sorrir.
— A coisa mais difícil que já fiz na vida foi falar tudo aquilo para você. Mas você é tão teimosa, precisava tirá-la de lá, ele não podia fazer a ligação entre nós dois. Já estava com suas fotos... — presumi que se referia ao pai da Glitter.
— Você não falou sério?
— Claro que não, Jasmim. Jamais te culparia pela morte da sua mãe, mas sabia que iria te afetar e assim você sairia de lá. Sua mãe te amava mais que tudo.
— Ah, Gabe, essas semanas, fiquei tão...
— Eu senti.
— Tinha certeza que você sabia o que eu estava sentindo.
— Você me chamou de meu amor — ele disse com uma cara de bobo que me deixou toda derretida.
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— Só te chamei assim porque achei que você estivesse ferido — ele ficou sério.
— Você me chamou assim porque eu sou o cara — cara de pau. — Achei que tinha chegado tarde demais. Se isso acontecesse... Se perdesse você... Eu não... — não o deixei terminar com aquela tortura.
— Estou aqui, Gabe. Estou bem — disse me aproximando de sua boca. — Estou aqui e estou louca para te beijar — estava ficando assustada comigo mesma.
— Sinta-se à vontade — ele fez sua melhor cara de cínico.
Nos beijamos por várias horas. Ainda estávamos de pé, minhas pernas doíam, minhas costas também. Se valia a pena? Com toda certeza!
— Gabe, preciso sentar — disse por fim, me jogando ao sofá. Sabia que esse momento não iria durar para sempre, logo teríamos de enfrentar a nossa realidade, mas não agora. — Você não vai embora, vai? — ele se sentou ao meu lado. Meu Deus, como ele era lindo.
— Só se você quiser — meu coração dava pulos de alegria.
— Ótimo! Porque não quero.
— Posso dormir na sala. Michael pode resolver voltar.
— Bem, tinha pensado em dormirmos juntos na cama do meu pai — falei já ficando vermelha, mas era isso que eu queria, estava pronta.
— Jasmim... — ele passava a mão em seus cabelos, sabia que ele só fazia isso quando estava nervoso. — Jasmim, não é uma boa ideia. Nós dois em uma cama de casal, a noite toda — ele mordeu o lábio inferior enquanto fechava os olhos, aquilo me deixou doida.
— Por que não? Eu quero!
— Jasmim, você só tem 15 anos. Não acho que...
— Tecnicamente tenho 16 após a meia-noite de hoje.
— Amanhã é seu aniversário?
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— Sim — sempre odiei meus aniversários, pelo simples fato de que meu pai nunca se lembrava deles. Talvez lembrasse, mas também, era o dia em que minha mãe morreu e isso, ele preferia esquecer.
— Jasmim, não acho que seja uma boa ideia. Daqui a alguns anos você vai olhar para trás e ver que... — subi em seu colo, ficando com uma perna de cada lado do seu corpo e o abracei. Ele gemeu em meu ouvido.
— Daqui a alguns anos vou olhar para trás e ver que a primeira vez que fiz amor foi com um cara incrivelmente lindo e que eu era completamente doida por ele — ele me beijou, colocando as mãos em meu quadril e me apertando forte, me levando ao delírio total. Afinal eu era uma adolescente cheia de hormônios. Ele parou de me beijar, me deitou no sofá e subiu por cima de mim. Aquele era o momento perfeito.
— Não hoje. Não assim — não acreditei quando ele se levantou e ficou em pé ao meu lado, olhei para ele atônita.
— Sério? — ele apenas confirmou com a cabeça. Tive que me conformar.
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CAPÍTULO 29
Fui para o meu quarto e ele ficou na sala. Deixei um travesseiro e uma coberta para ele, não podia acreditar que isso estava acontecendo. Estava com uma crise de coragem repentina e ele havia dado para trás? Logo o Gabe? Não consegui dormir. A qualquer ruído ficava imaginando se era o tal de Michael e se ele me atacaria de novo.
Gabe entrou no meu quarto, vestindo apenas sua box preta, realmente assim ficava difícil. Ele estava com o Salem no colo.
— Com medo? — fiz que sim com a cabeça e ele se enfiou debaixo das cobertas comigo. Deitei em seu peito e coloquei minhas pernas em cima das dele. Salem se aninhou aos nossos pés.
— Jasmim... Esse seu pijaminha é altamente sensual.
— É, Gabe. Talvez hoje eu não seja alguém com as melhores intenções do mundo.
— Não costumo fugir de pessoas mal-intencionadas, mas hoje vou te pedir que pare de me seduzir — ok, aquilo era um balde de água fria. Na verdade, quase uma caixa d’água inteira.
— Gabe?
— Hum?
— O que estou sentindo? — ele respirou profundamente.
— Paz — sorri, era isso mesmo.
— Sabia, sabia que era isso.
— Isso?
— O que você faz — tinha certeza que naquelas semanas, ele sempre sabia o que eu estava sentindo.
— E o que você acha que faço?
— Você sabe o que as pessoas sentem. Quando seus olhos estão brancos, você... Você... Não sei explicar, mas, você tirou alguma coisa de mim.
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— Bem próximo da realidade, mas não posso...
— Eu sei — ele me olhou assustado. — Tudo bem, Gabe. Sei que você irá me contar assim que isso for possível.
— Não te entendo. Você não fala em outra coisa desde que te conheço e agora banca a compreensiva?
— É, sou complicada — rimos em uníssono.
— Você ainda vai me deixar louco. O que você me diz de todos aqueles meninos atrás de você? Você saiu com eles quase todos os dias.
— Estamos empatados. A ceninha da Samara te dando docinho na boca, na festa da Ariel, ainda me dá pesadelos.
— É a Samara...
— Você não vai terminar com ela? — ele apenas fechou os olhos, na tentativa de reprimir algo. — Gabe, por que diabos você está com ela?
— Porque preciso, Jasmim. Ainda preciso dela — me soltei de seus braços e ia levantar da cama louca da vida. Seus segredos e grosserias eu podia suportar, mas o fato dele ter namorada era demais para mim. — Jasmim, não é isso que você está pensando. Não gosto dela.
— Finge muito bem.
— Sou bom em mentir.
— E quem me garante que você não está mentindo agora?
— Não estou, deite aqui comigo — sentei na cama de volta.
— Queria saber o que você sente.
— Me pergunte e eu te conto — dei uma risada sem graça.
— Gabe, o que sou para você?
— Já disse, você é tudo, lhe disse isso lá na academia — é, eu me lembrava, só não conseguia acreditar plenamente naquilo ainda.
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— O que você sente por mim? — estava com medo, ansiosa, porque o Gabe nunca era previsível, assim como as suas respostas.
— Exatamente o mesmo que você sente por mim — sorri. — Infelizmente.
— Por que infelizmente? — agora estava triste.
— Porque não sou normal, Jasmim. Cedo ou tarde vou perdê-la e isso vai acabar comigo.
— Como assim cedo ou tarde? Você é imortal ou algo do tipo? Não posso ser igual a você?
— Meu Deus, Jasmim, o que você anda lendo? Não sou nenhum vampiro, lobisomem ou anjo caído. Não, eu não brilho no sol.
— O que tem de errado? Gosto dessas histórias.
— Não sou uma história, sou real. Posso morrer e tenho sangue correndo nas veias. Só tenho algum tipo de autoimunidade que não me deixa ficar doente e... Também envelheço muito devagar.
— Como assim devagar? Nada de rugas ou... Gabe, quantos anos você tem de verdade?
— Hummm, essa pergunta é tão indelicada, Jasmim — cínico, estava brincando comigo, Deus, ele tinha que estar brincando. — Tecnicamente você está na cama com um coroa.
— Quantos anos, Gabe?
— Não sei ao certo, tenho tantos documentos que... — ele estava enrolando.
— Gabe?
— Aproximadamente 133 anos.
— Oh meu Deus.
— Mas já estou na aparência física de 19.
— Dezenove? Por isso você dirige e é mais sério que os outros... Oh, céus, 133 anos. Como isso é possível? — ele estava rindo. — Qual é a graça?
— Nada, você está meio pálida, só isso.
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— Você disse que pode morrer...
— Sim, posso, mas só de um jeito — acho que sabia como. — Só posso ser morto por um caçador. Acidentes não me causam nada, na verdade causam, mas temos um jeito muito bom para nos curarmos — lembrei da recepcionista do motel.
— Eu vou morrer e você não?
— Sim — Gabe tinha razão, cedo ou tarde acabaríamos separados.
— Por que sempre fala nós, no plural?
— Porque existem vários iguais a mim.
— Danny?
— Também.
— Sabia. Ele também é velho?
— Jasmim, isso pareceu uma ofensa — Jesus, nada derrubava esse cinismo dele. — Provável, mas cada um de nós envelhece no seu tempo, não é igual para todos — havia borboletas em meu estômago e minha cabeça girava. Só queria beijá-lo, queria ficar ali para sempre
— Me beija? — não precisei pedir de novo. Ele veio para cima de mim com um beijo daqueles arrebatadores. Seu corpo quase nu colado ao meu estava me deixando extremamente quente.
— Jasmim — ele disse ainda com a boca colada a minha. — Eu não vou parar.
— Não quero que você pare.
— Jasmim, depois vai ser tarde demais... — ele dizia beijando meu pescoço.
— Quero você, Gabe.
Ele me olhou nos olhos e me beijou de novo. Fiquei sem fôlego. Ele subiu em cima de mim, entre as minhas pernas, e segurou meus braços acima da minha cabeça. Cada minúscula célula do meu corpo desejava ele.
— Jasmim, vou perder o controle...
— Espero que você perca mesmo.
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— Não — ele dizia enquanto deitava novamente ao meu lado. — Hoje você vai ficar só na vontade.
— O quê? — de novo não.
— Vai ter que esperar mais um pouco — me dei conta que a virgem na história era eu, afinal ele já teve 133 anos de treino. Tentei me acalmar e não argumentar. Não deu para me acalmar. Se ele tivesse uma mulher por ano, ele teria no mínimo umas 100. Imaginei isso e fiquei com ciúme, muito ciúme.
Salem decidiu se juntar a nós miando e se esfregando nas cobertas, Gabe fez carinho em sua cabeça.
— O que seu pai achou dele?
— Não achou nada, ainda não viu.
— Como assim?
— Ele ainda não veio para casa desde quando estava no hospital, acho que faz quase um mês.
— Ele fica tanto tempo assim sem vir para casa?
— Às vezes, mas fazia tempo que não. Geralmente ele vem pelo menos uma vez por semana.
— Ele ligou?
— Não. Que interesse é esse no meu pai?
— Nada — sabia que não era nada. — Só não consigo entender como ele pode fazer isso com você — algo me dizia que não era só isso.
Acabamos dormindo. Quando acordei, ele não estava na cama, o engraçado é que não fiquei surpresa com isso.
Desci as escadas e o cheiro de comida estava maravilhoso, ele havia feito uma omelete com queijo, que estava dentro do micro-ondas com um bilhete colado do lado de fora.
Espero que você saiba usar o micro-ondas! (tem que fechar a porta antes de ligar)
Com amor,
G.
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Muito engraçadinho. Devorei tudo, estava uma delícia. Era meu aniversário e nunca na vida havia ganhado café da manhã. Me arrumei para o colégio e me preparei psicologicamente para ver o Gabe e a Samara juntos.
CAPÍTULO APÍTULO 30
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A Ana estava encostada no portão da escola, conversando com o Danny.
— Nossa, Acaiah! Viu um passarinho verde por acaso?
— Não, Ana — não conseguia parar de sorrir.
— E aí, Jasmim, dormiu bem? — perguntou o Danny
— Perfeitamente — claro que o Danny sabia que o Gabe tinha dormido comigo.
— Hummm, isso tem uma pitadinha de Gabe, por acaso? — perguntou a Ana.
— Não, Ana, apenas estou feliz e dormi bem.
— Uhum, sei.
— Meu anjo, vou ver se encontro o Gabe. Nos vemos depois, certo?
— Claro, Danny — ela deu um beijo nele enquanto eu fazia cara de paisagem. Depois que ele se afastou, ela me puxou para um canto e começou o interrogatório habitual.
— Desembucha. Você estava com o Gabe?
— Não.
— Não minta para mim, Acaiah. Esse sorriso você só dá quando tem Gabe na história.
— Ok, estava.
— Eu sabia. Onde?
— Na minha casa. Ele dormiu na minha cama comigo.
— Não acredito, Acaiah!
— Só de cueca — estava sorrindo feito criança. Não podia contar sobre o motel, porque envolveria falar dos caçadores, mas achei que falar sobre a noite passada não tinha problema.
— Oh, meu Deus... Vocês já...
— Não, ele não quis — fiz beicinho.
— Capaizzz. O que tem de errado com eles? Ou com a gente?
— Como assim, Ana?
180
— Porque você não foi a única. O Danny disse que só vai fazer sexo comigo depois do casamento.
— Oh. Hum... — o que eu diria depois disso? A Ana tinha 17 anos, entrou depois na escola, graças a Deus porque se não fosse por isso não teríamos estudado juntas, mas para casar ainda tinha alguns bons anos. Ela já não era mais virgem e tinha os hormônios muito à flor da pele.
— Pense pelo lado bom. Ele quer casar com você.
— Muito engraçado. Não sei se vou aguentar isso.
— Ele sabe que você não é mais virgem?
— Sabe, contei para ele. Danny não ficou nada feliz — podia imaginar que não mesmo. — Ele quer me pedir em namoro para os meus pais.
— E qual o problema?
— Ah, Acaiah... Isso é um mico.
— Pare de reclamar. O cara te ama, aproveita.
— Bem que queria aproveitar ele todinho. Mas falar com meus pais já é demais — a Ana sempre pirava pelos motivos errados.
— Bom dia! — era o Gabe.
— Eu não falo com você — a Ana ainda estava furiosa com ele, por causa da cena na casa da Samara.
— Ana! — fiz cara de gatinho do Shrek para ela.
— O que é? Nem vem, Jasmim. O cara namora a ruiva.
— Não — nós duas nos olhamos e em seguida olhamos para ele esperando uma resposta. — Terminei com a Samy hoje de manhã — o sorriso que brotava de mim era impossível de conter, a Ana estava com a boca aberta literalmente. — Fui na casa dela e terminei.
— Nossa, Jasmim... Você poderia pelo menos tentar disfarçar sua alegria pela desgraça alheia — de vez em sempre a Ana era muito palhaça. — Tudo bem, Gabe, você subiu alguns pontos no meu conceito, mas ainda falta um pouco para gostar de você. Afinal ainda tem um problema que preciso investigar — aquilo não era nada bom.
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— Verei o que posso fazer, Ana. Preciso falar com a Jasmim a sós.
— Aff, nem pediu ela em namoro e já está me despachando? — ela dizia brincando fazendo cara de ofendida. — Ok, ok, eu saio — a vi piscando por trás do Gabe ao entrar no colégio.
— Jasmim.
— Hum? — estava muito ansiosa para saber o que ele iria falar.
— Ninguém pode nos ver juntos. Terminei com a Samy, mas ninguém pode saber ainda.
— Saber o quê, Gabe? — ele estava tentando me dizer que não me queria?
— Ninguém pode saber ainda — ele enfatizou o ainda — que você é minha. Se houver algum engraçadinho perto de você, juro que acabo com ele.
— Não sou propriedade sua, Gabriel.
— Gabe, me chame de Gabe — qual era o problema com o nome Gabriel?
— Certo, Gabe.
— Está avisada, Jasmim Acaiah. Você é minha — ele dizia me olhando de um jeito muito sensual, com um ar de proibido.
— Isso vale para você também — resolvi dizer sustentando seu olhar, que bicho tinha me mordido ultimamente?
— A propósito, você vai fazer artes marciais, todos os dias.
— Ir a uma aula experimental é uma coisa, mas ir todos os dias é outra bem diferente.
— Quero você perto de mim o máximo de tempo possível. Estamos tentando localizar o Michael, mas ainda não conseguimos, então quero você perto de mim.
— Como assim estamos? Você e mais quem?
— Meus amigos.
182
— Eles são como você?
— Sim — ok, isso era novidade.
— Eles sabem sobre mim?
— Alguma coisa. Vou entrar agora para ninguém perceber.
— Tudo bem — na verdade não estava tudo bem, queria saber mais sobre tudo, mas fazer o quê?
— A propósito, feliz aniversário — ele havia lembrado.
— Obrigada, Gabe — ele piscou para mim e me deu uma caixinha preta aveludada e saiu como se nada tivesse acontecido.
Estava prestes a morrer de curiosidade. Abri a caixinha e era um colar, com um pingente muito estranho em formato esquisito. Tinha um cartão junto que dizia:
Um dia você vai saber o que significa!
Sou louco por você.
G.
Corri para mostrar para a Ana, mas a sala estava uma confusão. Tinha gente berrando, gritando, umas sobre as outras, reunidas em uma rodinha.
— Você terminou comigo por causa daquela songamonga, não foi?
— Samy, pare — Gabe dizia, muito calmo.
— Pronto, chegou a vagabunda — ela apontou para mim, escondi a caixinha atrás do meu corpo, estava muito bom para ser verdade mesmo.
— Pare, Samara. A Jasmim não tem nada a ver comigo.
— Não? Tem certeza? — lá vinha merda, ela sabia de alguma coisa. — Então por que isso aqui caiu da sua mochila hoje de manhã? — não acreditei no que vi. Meus olhos se encheram d’água, era o diário da minha mãe. O que o Gabe estava fazendo com ele?
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— Samara, me devolva isso — Gabe foi tirar da mão dela, mas ela foi mais rápida e desviou. Abriu uma das páginas e começou a ler.
“Não me sinto muito bem hoje. Alberto nunca está em casa e sinto como se algo sugasse minha alma. Não posso mais sair da cama, o médico disse que a Jasmim corre perigo. Passo os dias aqui sozinha, sem poder me mover, apenas com meu bebê.”
Todos riam. Nem todos. A Ana, o Danny e o Gabe estavam sérios. Minha melhor amiga também tentou tirar o diário da mão dela, mas a Glitter não largaria aquilo por nada.
— O que foi, Jasmim? Espantada em saber que matou sua mãe? Ninguém ainda havia te contado isso?
— Cala a boca, Samara. Devolva — ordenei, quase chorando.
“Alberto está com raiva do bebê, ele acha que a Jasmim é a culpada pelo meu estado. Mas é mentira, sei que é, alguém está me visitando à noite, só que não consigo me lembrar quem.”
Ela continuou lendo, mas não prestei mais atenção. Olhei para Gabe e sabia que ele também tinha entendido, alguém como ele estava visitando minha mãe, estavam tirando algo dela.
— Sua mãe era louca Jasmim — disse a ruiva sem noção. E digo sem noção porque você nunca sabe o limite de uma pessoa e ela havia chegado ao meu.
Virei um tapa tão grande na cara dela que meus dedos ficaram impressos em sua face. Arranquei o diário da minha mãe das mãos dela.
— Mais uma palavra, Samara, e eu acabo com você — a algazarra da turma acabou com a chegada da professora.
184
No intervalo eu e a Ana fomos para o banheiro e mostrei o pingente a ela.
— Nossa, Acaiah! Isso é... É... Diferente — ela também não havia decifrado aquilo. — Desculpe quebrar o barato do seu presente, mas que história de diário foi aquela? Por que diabos o Gabe estava com ele?
— Nem eu sei direito... — contei tudo para ela sobre a viagem, quer dizer, tudo menos a parte dos caçadores. Não sabia por que ainda estava escondendo tudo isso dela. — E é isso.
— Acho que eles moram juntos e em algum lugar afastado da cidade — fiz aquela cara típica de boiei. — Danny e Gabe. Eles devem morar sozinhos ou com outras pessoas, mas não é família. Não sei por que, mas eles escondem a gente de alguém — Ai, Jesus. Como ela sabia que moravam com mais alguém?
— Uau — foi o que consegui dizer. — Você daria uma excelente detetive — isso no fundo me preocupava.
— Ah, qual é? Só faço cara de bobinha, vou ligando os fatos, Acaiah, e já tenho algumas coisas nas mãos. Eles têm um segredo, um segredo que pode machucar as pessoas, por isso eles são estranhos. Eles têm medo que a gente se machuque, por isso nos escondem. Eles moram afastados e tem grana. Com carros legais e as roupas que eles vestem, isso está na cara. O que mais me chateia... É que você sabe uma boa parte desse segredo e não me conta.
— Ana... Eu não sei de nada — disse mentindo com dor no coração.
— Vou arrancar isso do Danny, Jasmim, você querendo ou não.
Saímos do banheiro e fingimos não ter tido aquela conversa. Na hora de pegar o ônibus escolar para ir embora ela não me deixou entrar.
— Hoje você vai jantar na minha casa e vamos passar a tarde no shopping. Você acha realmente que vou te deixar largada no dia do seu aniversário?
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— Ah, Ana... Não quero dar trabalho — todos os anos a família dela fazia um bolo para mim. Meu pai? Ele não. Nunca nem lembrava, talvez porque o dia do meu aniversário era também o dia da morte da esposa dele.
— Não é trabalho nenhum. Meus pais até já compraram um iPod de presente surpresa para você.
— Amiga, você precisa aprender melhor o conceito de surpresa.
— Ok, vamos ver se com o decorrer do dia eu aprendo — ela dizia me arrastando para o shopping.
Passamos a tarde entrando de loja em loja e provando milhares de roupas, bolsas e sapatos. Comemos alguma coisinha e voltamos à maratona de lojas e salão.
Saímos do shopping e, como sempre, a Ana me comprou uma dúzia de roupas. Fizemos a unha e uma escova no cabelo, essa parte eu até gostava.
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CAPÍTULO APÍTULO 31
— Amigaaaaa! — a Ana dizia na última loja em que entramos, quando saí do provador com o que seria a última coisa que provaria, porque do contrário iria matá-la. — Você está linda com esse vestido verde. Nem precisa tirar, agora vamos comprar uma sandália bem linda para combinar — o vestido era realmente muito bonitinho. Era frente única, quase anos 60, relativamente curto, em um tom de verde que combinava com meus olhos. Ela ainda comprou uma sandália em um tom bege, com um saltinho de médio a baixo. A Ana estava com um vestido tomara que caia rosa, muito bonitinho. Fomos para a casa dos pais dela. As outras sacolas seriam entregues depois. Estava exausta.
Já deveria imaginar que a Ana não resumiria meu aniversário a uma tarde de compras. Chegando na casa dela, estava escuro. Quando entramos, eles acenderam as luzes e tinha bastante gente lá dentro. Estava tudo enfeitadinho, com um bolo que dava no mínimo para o dobro de pessoas.
Estava a família da Ana e algumas pessoas do colégio cantando parabéns para mim enquanto a Ana me empurrava em direção à mesa, onde estava o bolo com a velinha rosa em formato de estrela (porque a Ana tinha uma verdadeira fixação por aquelas coisinhas brilhantes no céu). Estava chorando, nunca tinha ganhado uma festa. Meus aniversários eram restringidos a família Werner.
Estava tudo muito lindo. Abracei a Ana e ela também estava chorando. Quando acabaram os parabéns ela me pediu que fizesse um pedido antes de apagar a vela.
Olhei para todos ali e o vi. Gabe estava do outro lado da sala, me olhava com uma cara apaixonante. Já sabia o que pediria, se essa coisa de pedido em aniversário funcionava, então muito em breve eu saberia absolutamente tudo sobre o Gabe.
Assoprei as velas e a turminha veio me abraçar e me dar presentes. Realmente conhecia a maioria só de vista ou então
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dos passeios que fiz nas últimas semanas com o Teddy, mas todos me deram presentes, nem sabia o que abrir primeiro.
Estava realmente muito emocionada. Os pais da Ana eram como se fossem pais para mim, me deram o “iPod surpresa”. O Teddy me deu um ursinho e um cartão dizendo que o nome do urso também era Teddy e que pelo menos o urso poderia estar representando-o na minha cama. Eu teria que esconder esse urso. Gabe parou do meu lado e leu o cartão por cima do meu ombro.
— Vou matar esse cara — o segurei pelo braço, outro escândalo no dia era demais para mim. — Ainda pego esse sujeito — ele disse, ficando do meu lado e analisando todos os presentes, mas pelo menos não foi matar o coitado do Teddy.
Ganhei uma bolsa da Ariel, um chaveiro de coração do Rafa, que fez o Gabe fechar os punhos, um DVD do Anderson e tantas outras coisas que mal sabia o que era de quem. As meninas do vôlei me deram roupas, o Danny me deu uma linda luminária.
Por fim fomos para uma improvisada pista de dança na sala, algumas pessoas conversavam pelos cantos da casa. Os pais da Ana conversavam com alguns amigos nossos na cozinha. Gabe me puxou para a varanda.
— Feliz aniversário — ele dizia sussurrando em meu ouvido, me dando um abraço.
— Obrigada — consegui dizer meio sem jeito.
— Você ficou lindíssima com esse vestido. Combina com meu outro presente.
— Como assim outro presente? — tinha mais?
— O pingente que te dei.
— Sim, mas você me deu só o pingente... Ou tinha mais alguma coisa na caixinha que não vi? — meu Deus, perder o presente do Gabe era a morte.
— Não, mas combinei com a Ana, esse vestido é presente meu — nem consigo definir a cara que fiz.
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— Você realmente achou que eu escolheria esse vestido lindo sozinha? — nem havia reparado a Ana e o Danny atrás de mim. — Agora conheço o conceito de surpresa?
— Com certeza, Ana. Dessa vez você se superou!
— Pois é, o Dom Juan aí já tinha deixado o vestido escolhido na loja. Ó, tive que fazer uma ceninha para você experimentá-lo — queria beijá-lo, mas não podia.
Ficamos conversando nem sei definir por quanto tempo. Algumas pessoas estavam indo embora, então acabei entrando e deixando Gabe na varanda. Por fim só estava a família da Ana, o Danny, o Teddy, duas meninas do vôlei e o Gabe. Daniel pediu a atenção de todos para falar.
— Quero pedir um minutinho da atenção de todos, por favor — o Danny era meu amigo, mas não esperava nenhum tipo de homenagem naquela noite. Não vinda dele.
— Bem, quero mais uma vez parabenizar nossa colega Jasmim por mais esse ano de vida e desejar que ela seja muito feliz — ele me deu uma piscadinha de amigo. — Mas nesse momento quero aproveitar a oportunidade de pedir ao senhor e a senhora Werner a permissão para namorar a sua filha — ok, não era só a minha cara que estava chocada. A Ana ia ter uma síncope.
— Como é, jovenzinho? — o pai da Ana perguntava como se fosse bater no Danny.
— Senhor Werner, eu amo a sua filha e quero muito sua permissão para poder namorá-la.
— Danny, você está louco? — a Ana dizia quase sem voz. — Meus pais não precisavam aprovar isso.
— O que você quer dizer com isso, mocinha? — o pai da Ana perguntava para ela.
— Ah, pai, você sabe que não sou nenhuma criança... Eu só... Só... Nunca namorei com ninguém assim... Em casa.
— Se acalme, querido — a mãe da Ana dizia muito mais calma que o habitual. — Já estava mais do que na hora da nossa menininha trazer um namorado em casa ou você prefere que ela namore escondido?
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— Não, mas... Ela não é meio nova demais?
Gabe tocou meu braço e fomos para a varanda. Aquele assunto era de família. Por mais próxima que eu fosse, aquele era um momento só deles. O resto do pessoal se dispersou pela sala também e aumentaram o volume do som.
— Você está linda!
— Obrigada! O pingente e o vestido são lindos. Só não entendi bem o que é esse pingente.
— Ficou perfeito em você — ele me puxou para mais perto. — Vai saber quando chegar a hora.
— Estou feliz, Gabe — ele não permitiu que eu dissesse mais nada, me beijou escondido, de um jeito suave e doce, muito fora do comum para nós dois.
— Isso vai ser complicado, Jasmim.
— Gosto de coisas complicadas — minha intenção era fazê-lo rir, mas ele permaneceu sério.
— Você não faz ideia de onde está se metendo e das proporções que isso pode tomar. Luke não vai aceitar isso bem, nenhum deles vai. Sou perigoso e...
— Eu aguento.
— Sei que aguenta, mas não sei até onde eu aguento.
— Por quê? — ele se apoiou na varanda, de costas para mim. Me aproximei e coloquei minha mão na sua, tentando mostrar a ele que podia confiar em mim.
— Eu quero... Droga... Quero me alimentar de você de novo, Jasmim — aquilo gelou a minha alma. — Luke sempre nos disse para não se alimentar de alguém por quem nutrimos alguma espécie de sentimento.
— Por que não?
— Porque o vínculo fica muito forte. Eu preciso de mais... E pior, preciso de mais de você.
— Tudo bem — eu me lembrei da dor e da cara dele, da dor que ele parecia sentir. Aquilo equibrava um pouco as coisas e me dava coragem. Não poderia deixá-lo sofrer, conter aquilo o fazia sentir muita dor.
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— Tudo bem? Não, Jasmim. Você não entende. Posso matá-la, não sei se vou conseguir parar nas próximas vezes.
— Você parou naquele dia no bosque.
— Não foi fácil.
— Parou naquele dia na casa abandonada.
— Foi mais difícil ainda.
— Você não vai me matar.
— Eu posso te matar, Jasmim. Acredite.
— O que exatamente você tira de mim? O que é o “alimento”?
— Sugo a alegria do seu corpo e da sua alma e lhe devolvo tristeza em troca — agora podia entender o que sentia quando ele estava com os olhos brancos. — Não posso te perder, Jasmim... Não você — ele se virou e me abraçou.
— Não vou a lugar algum. Os outros fazem a mesma coisa?
— Sim, mas muda o sentimento, cada um suga um sentimento diferente do outro — era muita coisa para processar. — Danny, por exemplo, suga tristeza e devolve alegria.
— Nossa — tantas coisas passavam pela minha cabeça.
— Somos sugadores, Jasmim. Existimos há milhares de anos, sugamos sentimentos que somos incapazes de sentir, precisamos deles para sobreviver. No meu caso, não consigo sentir alegria, então preciso sugar isso dos outros.
Queria fazer tantas perguntas, mas também queria ficar calada para poder digerir tudo aquilo. Ele havia me avisado que saber o que ele era não facilitaria nada. Era verdade, não facilitava.
— Aham — o Danny pigarreava atrás de nós. — Preciso de ajuda... A Ana se trancou no quarto e não quer sair.
— Ok — respondi.
— Não entendo a Ana — Gabe falava olhando para mim e para o Danny. — Ela ama o Danny, mas não admite isso a si mesma. Fica se fazendo de durona.
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— Ah, Gabe, não é assim. Ela tem medo que ele vá embora. Ela tem medo de sentir o que sente.
— O Danny? Ir embora? — fiz que sim com a cabeça. — Ele nunca vai deixá-la, ele vai casar com ela, se a Ana quiser.
— Ela não pensa em casar tão cedo.
— Ele tem tempo.
— E nós?
— O que tem? — estava perguntando sobre casamento, mas decidi desconversar, já que ele não havia entendido a indireta.
— Não existe uma cura, para o que você é?
— Não que eu saiba...
— Não posso ser como você?
— Não. Tem que nascer assim.
— Jasmim? — o Danny já estava entrando em pânico na porta, nem tinha notado que ele havia saído e já estava de volta.
— Ok. Estou indo.
CAPÍTULO APÍTULO 32
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Entrei e os pais da Ana conversavam na sala. Tio Beto estava com uma cara mais amistosa, apesar do seu ciúme quase incontrolável. A Ana era o xodozinho do papai e da mamãe. A Luíza estava como sempre enfurnada dentro do seu quarto, não desceu em nenhum momento da festa. Subi as escadas e bati na porta do quarto.
— Quem é? — ela dizia com uma voz muito brava.
— Sou eu, Ana. Abre logo, vai. Você vai fazer fiasco justo no dia do meu aniversário? — ela abriu a porta e estava com a maquiagem toda borrada. — Ana, não te entendo — qual é? Quem não quer um gato, tremendamente gato, te pedindo em namoro. — O que foi, amiga?
— Ahhh, Acaiah... É que agora fudeu. Cara, fui pedida em namoro para os meus pais. Você tem noção do que isso significa? — ela se jogou no sofá próximo à janela, realmente eu não tinha noção do que era isso, mas parecia bom para mim. — Compromisso sério. Gosto do Danny e muito, mas sei láa... Nunca tive um namoro assim. Tenho medo que meus pais fiquem me regulando agora, porque sabem que estou pegando alguém. Tipo “namoro no sofá da sala com a irmã mais nova no meio”. Olha bem para mim... Você acha que tenho cara de quem gosta disso?
— Ana, você é muito boba mesmo. Seus pais são tranquilos, Ana... E não vão fazer isso. Eles são jovens e tem uma noção de que as coisas mudaram. Tia Su não está brava com você e com certeza ela prefere que você namore com alguém dentro de casa do que fique invadindo salões de festa ou banheiros femininos para se pegar com caras que te ignoram depois. Seu pai deu um piti porque ele foi pego de surpresa, quem me dera ter alguém me pedindo em namoro assim.
— Amiga... Mas nem sei namorar. Meu namoro mais longo durou uma semana.
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— Você aprende, pode ter certeza disso — ouvimos passos no corredor, paramos de falar e olhamos para a porta.
— Oi — Gabe foi entrando no quarto, sentou na cama ao meu lado. — Então, ainda está em crise? — a Ana mostrou a língua para ele enquanto tentava sem sucesso limpar os olhos borrados.
— É que para mim isso tudo é muito novo... E tenho medo. Nunca namorei. Possivelmente meu pai só imaginava que eu tinha beijado alguém, nunca tinha realmente estado ciente de que me envolvia com alguém do sexo oposto. E... Vocês têm seus segredinhos... isso me assusta também. Tenho medo dele ir embora.
— Ele não vai fazer isso, Ana Paula — Gabe disse em tom firme. — Não é mesmo, Danny?
Olhamos novamente para a porta onde o Danny apareceu com uma feição muito triste. Ele encostou-se ao batente da porta e ficou olhando-a nos olhos.
— Você tem razão, Ana. Talvez eu não seja nem de perto o homem dos seus sonhos, talvez tenha me precipitado ao ir falar com seus pais sem seu consentimento. Mas tenha uma certeza — ele começou a andar em direção a ela —, eu amo você, Ana, desde quando nos falamos pela primeira vez. Sou louco por você, por cada pedacinho da sua personalidade e não vou te deixar nem que você queira — não sei a Ana, mas eu estava derretidinha. — Sei que tenho muita coisa para te contar, mas te peço paciência — ele ajoelhou na frente dela. — Prometo a você que vou te contar tudo na hora certa, mas, por favor, Ana... — a voz dele começava a falhar. — Não me deixe assim. Não acabe com tudo antes de sequer ter começado. Seus pais já autorizaram nosso namoro — ele deu um suspiro muito fundo. — O que você quer?
Ela o puxou para a cama e o abraçou chorando. Foi tão bonitinho que acabei até dando um suspiro. Gabe me olhava como se tudo aquilo parecesse engraçado demais para ele. Gabe nunca seria como o Danny, era incrível eles se darem bem, sendo tão diferentes.
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— Quero você, Danny. Muito — respondeu a Ana.
— Acho melhor fechar a porta. Se a tia Su nos pega aqui em cima, pode ficar brava — disse baixinho ao Gabe, imaginei que ela não queria ver a filha abraçando o namorado na cama, sei lá.
— Foi ela mesma que nos disse para subir... — Gabe me dizia em tom divertido.
— Como assim? — perguntamos a Ana e eu em uníssono.
— É — o Danny respondeu. — Minha sogrinha nos chamou na sala e disse: “Acho melhor vocês darem uma força para a Jasmim, porque ela não vai conseguir tirar a Ana do quarto sozinha”.
— Inacreditável. Se soubesse que seria assim tão tranquilo... — disse a Ana.
— Viu só, sua boba? Não tem motivos para se preocupar — pisquei para ela.
— Jasmim? — a Mãe da Ana gritava lá de baixo. — Venha até aqui. Temos mais uma surpresinha para você! — olhei para a Ana e ela parecia tão surpresa quanto eu. Fomos os quatro para baixo.
Não conseguia acreditar no que estava vendo. Lá estava ele parado na porta da casa da Ana com uma caixa rosa nas mãos.
— Pai? — empaquei no último degrau da escada. — Mas... O que... O que você está fazendo...
— Desculpe, filha. Acho que me atrasei para sua festinha — ele olhava mais para o Gabe parado ao meu lado do que para mim. Ficamos todos parados sem reação, nem mesmo os pais da Ana se moveram. Por fim acabaram quebrando o gelo:
— Imagine, ainda temos um bolinho para você. Não é, Jasmim? — desci o último degrau.
— Claro... Mas você não estava trabalhando, pai? — era surreal o fato de ele ter aparecido para me ver.
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— Estou. Na verdade passei aqui somente por que... Por que a senhora Werner me ligou falando da festa e por que queria te dar seu presente — ok, aquilo era ainda mais surreal. Ele veio em minha direção, me deu a caixinha e tentou me abraçar, mas como nunca fazíamos isso, ele resolveu bagunçar o meu cabelo. Aquilo era demais para mim. Sem soluços, sem desespero, mas não tive como conter a lágrima rolando pelos meus olhos. Meu pai parecia se preocupar comigo e ter aparecido... Até parecia que ele me amava. — Feliz aniversário, Jasmim. E me perdoe por ser assim tão ausente.
— Obrigada, pai — olhei para ele nos olhos. A cor dos nossos olhos era tão idêntica, mas nunca conseguia olhar para eles por muito tempo, nunca soube o porquê disso. Ele sempre disse que eu era estupidamente parecida com minha mãe. Depois de ver fotos dela sabia que isso era verdade, mas conseguia ver coisas dele em mim também. Por mais distante que fosse, ele era meu pai e eu o amava do meu jeito estranho. Abri a caixa rosa e fiquei ainda mais surpresa com o que havia dentro.
— Pai! É um... Um celular?
— Agora ninguém mais vai te perder na rua. Fiquei muito preocupado com você quando esteve internada e acho que isso pode ajudar se você passar mal de novo — não pude deixar de perceber Gabe e Danny abaixando a cabeça. A Ana me lançou um olhar de canto de olho e disse.
— Já não era sem tempo, Acaiah!
— Obrigada, pai — consegui dizer por fim. — Venha, acho que ainda tem um pedaço de bolo para você.
— Não posso demorar muito, Jasmim, mas acho que tenho tempo para comer o bolo de aniversário da minha filha — ele olhou para os meninos. — E você não vai me apresentar seus... Amigos? — oh, meu Deus, agora eu mais ou menos entendia o que a Ana estava sentindo. Se Gabe me pedisse em namoro ali acho que morreria de vergonha.
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— Hã... Este é o Daniel, namorado da Ana — disse apontando para o Danny que lhe cumprimentou com um aperto de mão. — E este é o Gabe... Gabriel... Um... Amigo da escola — o que eu ia dizer? Pego ele de vez em quando, depois que ele se alimenta de mim?
— Prazer em conhecê-los — meu pai dizia apertando a mão do Gabe.
— Os nossos outros colegas foram embora agora a pouco — me apressei em ressaltar.
Os dias seguintes foram muito bons, muito mesmo, minha vida estava finalmente boa. Até a escola era suportável agora. Adorava ir para lá, apesar de que ninguém podia me ver com o Gabe, ele sempre dava um jeitinho de me agarrar em algum canto. E ele estava sempre por perto, com a desculpa de ser amigo do Danny e ele namorar minha melhor amiga.
Saímos algumas vezes juntos. Fomos ao cinema, mas Gabe não me deixou prestar atenção no filme, ao contrário de Danny que fez a Ana assistir tudinho, para desgosto dela. Minhas notas estavam altas, tinha um celular, estava meio que namorando. Tudo perfeito, mas quando a esmola é demais...
Algumas semanas depois, a Ana ainda estava babando na minha cama, porque se meu horário para acordar era às sete, o dela, tirando os dias de aula, era às duas da tarde.
Resolvi ligar meu computador e verificar se havia algo interessante para se ver. Entrei no MSN, deixei carregando enquanto pegava uma xícara de café. Quando voltei já havia uma tela piscando. Sorri ao ver quem era.
/Gabe\ — Bom dia, minha flor.
/Gabe\ acaba de chamar sua atenção.
*.*Jasmim*.* — Oi!
/Gabe\ — Aconteceu alguma coisa?
*.*Jasmim*.* — Não. Fui pegar uma xícara de café.
/Gabe\ — Fiquei preocupado...
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*.*Jasmim*.* — Rsrsrsrsrs... Desnecessariamente.
/Gabe\ — O que vc vai fazer hj à tarde?
*.*Jasmim*.* — Acho que nada, talvez vá a casa da Ana mais tarde.
/Gabe\ — Ok, então já avise a Ana (sei que ela dormiu aí) q nós vamos fazer um piquenique hj à tarde. Passo p/ pegar vcs às três. Danny e eu levamos a comida e vcs o resto. Sem desculpas.
/Gabe\ ficou offline
Ótimo. Já era meio-dia e meia e tínhamos um piquenique em duas horas e meia. Acordei a Ana com muito esforço e várias tentativas. Corremos para arrumar as coisas. Tudo bem que Gabe disse que eles levariam a comida, mas ainda teríamos que nos arrumar e, conhecendo minha amiga, isso levava tempo.
Pontualmente às três, Gabe buzinou em frente à minha casa. Danny já estava no carro. Fomos para o bosque, a tarde se passou de uma forma inimaginável, rimos e conversamos muito. Tirando os momentos em que algum bichinho aparecia e a Ana dava um pequeno escândalo, o restante da tarde correu muito tranquilamente. Já deveria ter percebido que quando as coisas começam a dar certo demais para mim é porque tem algo errado.
Nós quatro fomos fazer um piquenique no bosque, primeira atitude idiota.
Estávamos nos divertindo tanto que ficamos até o anoitecer, segunda atitude idiota. Tudo bem que não poderíamos imaginar que as coisas poderiam dar tão errado, mas devíamos ter ao menos tido a prudência de ir embora cedo. Quando nos demos conta de como estava escuro, começamos a juntar nossas coisas, foi aí que Michael apareceu com um sorriso diabólico nos lábios, aquele cara era a personificação de todos os meus medos.
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CAPÍTULO APÍTULO 33
— Cheguei na hora certa — ele disse debochando. Pelo canto dos olhos vi Gabe trincar os dentes. Até Danny, que era sempre o calmo do grupo, estava rígido. Isso me deu calafrios. — Ora, Ora, Gabriel, você costumava ser mais simpático, meu amigo — opa, para tudo. Como assim amigo? Olhei para Gabe, mas ele nem ousou desviar o olhar de Michael.
— E você costumava ter princípios, Michael — disse Gabe, cuspindo as palavras.
— Hum. Depende dos critérios que se adotam. É uma questão de ângulo, meu caro — aquele cara nem precisava dos olhos brancos para me dar medo. Gostaria de ter perguntado mais sobre tudo aquilo ao Gabe agora. Nessas últimas semanas nem havia tocado no assunto dos sugadores com ele.
— O que você quer aqui, Michael? — Danny já estava de pé. Gabe levantou logo depois dele. E eu? Bem, eu fiquei lá petrificada, sentindo a presença dele dentro de mim, como se ele conseguisse mexer comigo.
— Quero vingança — nunca vi nada mais perturbador que aquele sorriso, não até aquele momento pelo menos.
Tudo se movimentou ao meu redor tão rápido que mal pude perceber como as coisas chegaram naquele ponto. Gabe, Danny e Michael se atracaram no bosque, estava escuro e não dava para distinguir muito bem o que estava acontecendo. Lembrei que a Ana estava conosco e pela primeira vez desde que Michael apareceu, olhei para ela e percebi que estava segurando uma das facas que levamos para o piquenique, enquanto se levantava e ia para perto
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deles. Não conseguia processar nada daquilo, não conseguia chorar, nem me mover, nem gritar.
O pânico estava tomando conta de mim. Minha cabeça não conseguia formar nem um tipo de pensamento. Ouvi um gemido, seguido de um grito de ódio. Engatinhei para onde vi um corpo caído na grama, quando cheguei perto percebi que era a Ana.
Coloquei a mão em cima da dela e apesar de estar muito escuro, sabia que aquele líquido que estava por todos os lados era sangue. Sangue da minha melhor amiga. Olhei em volta procurando uma ajuda que não viria.
— Jasmim... Você... Você tem que ajudá-los — minha amiga ensanguentada estava me pedindo para ser forte e a única resposta que dei foi chorar.
— Ana... — estava sufocando.
— Jasmim — o grito dele cortou o bosque, cortou meu coração. O som daquela voz sempre mexeria comigo ainda mais com todo aquele desespero. Gabe estava desesperado e isso não era bom.
De uma forma que não sei explicar, Michael estava com uma faca na minha garganta, me fez levantar e ficar de escudo para ele. Gabe estava parado na nossa frente, enquanto Danny estava agachado junto a Ana. Não foi a primeira vez na vida que pensei: “Se eu morresse seria tudo mais fácil”. O único problema é que agora eu não queria morrer, agora queria ficar.
— Seu gosto é quase tão bom quanto as suas emoções — Michael disse após lamber meu rosto. Gabe deu um passo na nossa direção e Michael deu um passo para trás. — Nem pense nisso, Gabriel — senti a faca em meu pescoço começar a cortar a minha pele. — Que romântico, ele lhe deu o símbolo do seu chakra — sabia que ele falava do meu pingente, porque ele passava a faca por ele. — Sabe o que significa, belezinha? — ele não esperou resposta alguma. — Que ele te ama. Só damos o símbolo do chakra para nosso
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amor verdadeiro. Que pena, agora ele vai ter que vê-la morrer.
— Solte-a, Michael. É a mim que você quer — disse Gabe.
— Não, Gabriel, eu quero ela. Olho por olho. Você matou a mulher que eu amava, agora vou matar a sua — o quê? Alguém poderia me explicar o que estava acontecendo aqui? — Ah, vejo pelas suas emoções, Jasmim, que seu amado não lhe contou tudo. Gostaria de saber quantas pessoas ele matou?
— Cale essa boca, Michael, vou acabar com você — senti que Gabe não estava para brincadeira. Michael também não estava. Quanta verdade haveria em suas palavras? Já estava sentindo meu pescoço sangrando.
— Talvez, mas antes acabo com ela.
— Veremos — a coisa estava feia para o meu lado, não que duvidasse das habilidades do meu namorado. Gabe lutava muitíssimo bem, mas vi Michael lutando contra ele e Danny. Vou ter que confessar que o cara se livrava deles fácil.
Me lembrei de todas as aulas que Gabe deu, ele me fez ir todos os dias para academia desde o meu aniversário e agora aquilo fazia sentido, toda aquela preparação.
Algo pareceu começar a funcionar em minha cabeça e resolvi aplicar um golpe em Michael, terceira atitude idiota do dia.
Consegui deferir um golpe rápido nele, juntamente com uma cotovelada em seus olhos. Ele me soltou e caí no chão de quatro. Olhei para Gabe, que avançou tão rápido para cima de Michael que nem mesmo vi seu borrão.
— Corra, Jasmim, corra — ele disse enquanto prendia Michael, dando uma chave de braço nele. Aquilo não iria durar muito, tentei ficar de pé, mas minhas pernas estavam moles. Olhei para onde a Ana estava caída e não havia nada nem ninguém lá. Onde diabos estavam Danny e ela? — Jasmim — Gabe gritou novamente para chamar minha
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atenção. Foi inevitável, olhei para Michael que estava com o corpo na frente do dele, cabeça baixa, sorriso diabólico.
— Se eu fosse você, correria — disse Michael. Deus, aquilo de novo não, seus olhos estavam ficando brancos. Sabia porque já havia visto isto com Gabe.
Creio que o medo me deu forças, levantei e corri. Estupi-damente, não corri para casa ou para a rua onde haveria pessoas para pedir ajuda. Não. Corri para o meio da mata fechada, parte proibida do bosque, cercada por telas de proteção. Claro que alguns viciados haviam feito um buraco nela. Como ia muito ao bosque sabia disso, o terreno era enorme de pura mata fechada. Sim, claro, foi para lá que corri. Quarta atitude idiota do dia.
Tropecei inúmeras vezes, meus pulmões não iam aguentar muito mais tempo. Minha bronquite trancava minha respiração, fazia minhas costelas doerem como se uma faca me atravessasse. Corria e olhava para trás, ninguém estava me seguindo ou foi o que pensei até sentir alguém puxar o meu cabelo com força.
Michael me tinha em suas mãos novamente. Esse cara era rápido, muito rápido. Como ele tinha me alcançado tão facilmente?
Ele enrolou meu cabelo em sua mão e arremessou minha cara diretamente para uma árvore. Imediatamente senti meu mundo rodar e ficar muito lento. Caí no chão, algo descia pelo meu rosto. Foi realmente difícil fazer meu braço levantar, meu cérebro estava amortecido e meu corpo não estava respondendo. Depois de umas três tentativas, consegui passar a mão pelo líquido. Era sangue, muito sangue.
O medo começou a tomar conta de mim. Onde estava Michael que não estava terminando o serviço? Olhei para trás e não gostei do que vi. Era como triturar meu coração.
Queria que aquilo parasse, queria acordar daquele pesadelo, queria voltar a meses atrás quando não tinha que
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pensar nessas coisas. Mas não podia fazer isso, tinha de lidar com o que estava acontecendo bem na minha frente.
Michael estava matando Gabe. Ele mal podia respirar com as mãos de Michael em volta do seu pescoço. Como previra, ele era mais forte, mais rápido e mais experiente, Gabe não tinha chance alguma, nunca teve.
Você seria capaz de matar para salvar a vida de alguém? E se fosse alguém que você ama? Nunca precisei pensar nessas coisas antes e agora tinha menos de 15 segundos para me decidir. Como faria isso? Como salvaria Gabe, sem morrer junto? Como poderia detê-lo, se Gabe não estava se saindo bem? O que eu poderia fazer?
Tinha que tentar alguma coisa, não poderia deixá-lo morrer. Me arrastei para perto deles. Gabe estava deitado no chão, com Michael em cima dele. Eu não conseguia ficar de pé, meu olho direito não abria, não sabia se por conta do inchaço ou pelo sangue que escorria em cascata pelo meu rosto.
Quando cheguei perto o suficiente, Michael me olhou, ele não estava apenas estrangulando Gabe estava se alimentando dele também. Quando seus olhos brancos focaram os meus, comecei a sentir aquele medo, novamente. Aquilo era insuportável. Tudo ficou preto em questão de segundos.
Lutei na minha inconsciência para abrir os olhos, mas já não sabia se eles estavam fechados. Sentia meu corpo sacolejar, mas não exercia poder algum sobre ele. Estava morrendo. Gabe também estava e nada mais poderia ser feito.
Ouvi algumas vozes, gritos, passos, batidas, depois as vozes se calaram. Não sei ao certo quanto tempo depois consegui abrir meus olhos, ou melhor, meu olho esquerdo, mas algo já podia afirmar, tudo estava diferente. Se melhor ou pior ainda não conseguia distinguir.
Estava em um carro em movimento, diga-se de passagem, um movimento veloz demais para meu gosto e minha cabeça avariada. Ao meu lado estava Danny e alguém
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estava dirigindo, uma mulher. No lugar do passageiro havia um homem. Quem eram aquelas pessoas, eu não fazia ideia.
— Acordou, Jasmim? — Danny perguntou como se fosse por mera obrigação. — Como está a cabeça? — Danny não me olhou nem por um segundo, estava com o corpo virado para a janela. Ia responder que ela estava doendo, quando a lembrança de tudo que aconteceu me voltou de uma vez só.
— Gabe? Ana? — não conseguia perguntar, Danny estava muito estranho, muito frio, comecei a chorar, será que ele não queria me contar que eles tinham... Não eles tinham que estar bem. — Daniel? — ele não se movia e não pronunciava nada. Em um ataque de nervos, comecei a socar seu braço. Alternava entre socos frouxos e tapas molengas, meus braços não me obedeciam. Estava com raiva, mas não dele, queria matar Michael, queria mesmo.
— Pelo amor de Deus, Danny, controle essa garota — o cara que estava na frente me pareceu bem irritado.
— Alguém pode me dizer o que está acontecendo aqui? Onde estão o Gabe e a Ana? Quem são eles, Danny? — falei em meio ao choro.
— Eles estão no outro carro — ele ainda não me olhava.
— Por quê? Que carro? De quem? — Danny estava me deixando muito nervosa. — Eles estão bem?
— O corte da sua amiga foi profundo, mas nada grave. Iremos dar uns pontos e ela logo ficará boa — disse nossa motorista, que me pareceu muito calma diante dos fatos. Não alterou sua voz nem por um segundo.
— Ela precisa de um hospital. Como assim iremos dar uns pontos? Daniel?
— Não podemos levá-la, Jasmim, eles fariam perguntas demais — não sei se processei a informação nem se aceitei aquilo, mas eles não haviam falado nada sobre Gabe ainda.
— E Gabe? — um silêncio tomou conta do carro. Passei os olhos pelos três e ninguém me respondeu. — E o Gabriel?
— Não sabemos as consequências de um sugador se alimentar de outro. Não temos o que fazer quanto a ele,
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somente esperar. Ele estava inconsciente até sairmos do bosque e acredito que ainda esteja — se eu achava que ser sugada por Gabe ou Michael era ruim, nada, mas nada se comparava ao que senti ouvindo aquilo.
— Não. Ele não — consegui balbuciar, estava em choque, queria estar no mesmo carro que ele, queria estar no lugar dele.
— Nós avisamos a vocês para ficarem longe dessas menininhas. Vocês não ouviram, agora aguentem as consequências — disse o cara para Danny. Senti que aquilo era para deixar claro que a culpa era minha.
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CAPÍTULO APÍTULO 34
Entrei em estado catatônico, não sei quanto tempo demorou para chegarmos ao nosso destino. Não pensei em nada nesse tempo, um torpor tomou conta de mim.
Senti quando o carro estacionou. Outro carro parou do nosso lado, não me movi até que vi dois caras carregando meu namorado inconsciente. Abri a porta do carro e saí tropeçando. Danny veio ao meu encontro e me segurou. Os caras entraram com Gabe e Daniel não me deixou ir atrás. Gritei, me debati, chutei, esperneei, mas ele era mais forte que eu. Quando fecharam a porta por onde entraram com ele, Danny me soltou.
— Qual é o seu problema, afinal? — berrei assim que consegui olhar em seus olhos. Minha cabeça parecia que ia explodir. O sangue voltou a escorrer, só aí me dei conta de que no carro ele havia parado de jorrar. Os olhos dele desviaram dos meus até o carro de onde tiraram Gabe.
— Ana! — olhei para trás e a Ana saía de lá, com algum tipo de tecido pressionando o ferimento. Corri, para ajudá-la. Danny não se moveu.
— Me perdoe, meu anjo. Eu sinto tanto — ele disse a tirando do meu braço e a apertando forte contra o peito. Isso não era justo, queria que Gabe estivesse bem também. Por que eles estavam bem e Gabe estava morrendo em algum lugar? Oh, meu Deus, o que estava pensando? Era a Ana, a dor estava tomando conta da minha razão. A Ana saiu dos braços dele e veio até mim.
— Amiga... Sei que não te consola... Mas ele resmungou seu nome o tempo todo — tive uma crise de choro, não poderia perdê-lo, não ele. O que mais poderia ser tirado de mim? Se existia um Deus, onde ele estava que não via isso?
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— Vamos! — o cara mal-humorado que veio comigo me puxava pelo braço, para longe da Ana e do Danny. Para longe de onde haviam levado Gabe. Demorei uns minutos para reagir, estava exausta demais.
— Onde está o Gabe?
— Sendo tratado da melhor maneira que podemos — esse cara era frio demais, assim como o lugar, aquele lugar fazia o castelo do Conde Drácula parecer divertido.
— O melhor que vocês podem? Isso não é o suficiente — me soltei de suas mãos e comecei a me sentir muito, muito tonta.
— Não é o suficiente, mas é tudo o que ele tem agora — foram as últimas palavras que ouvi antes de desmaiar, de novo.
Quando acordei novamente estava deitada em uma cama, muito grande, estilo aquelas camas antigas com véu caindo do teto. Sentei e me senti zonza, lembrei do sangramento na minha cabeça e coloquei meus dedos no local que estava latejando.
— Vai ficar cicatriz, mas dá para cobrir com uma franja — olhei para o canto do quarto, uma mulher estava sentada em uma cadeira. Não conseguia ver seu rosto direito, a luz era muito fraca. Procurei para ver de onde vinha a iluminação e encontrei vários castiçais espalhados pelo quarto. Velas... Sério?!
— Hum. Quem é você? — a mulher se levantou e caminhou até a cama.
— Te trouxe até aqui, você se lembra disso? — fiz que sim com a cabeça. — Bem, as apresentações ficam para mais tarde.
— Por quanto tempo eu dormi?
— Três dias.
— O quê? Não, não pode ter passado tanto tempo.
— A pancada na cabeça foi forte — disse ela.
— E a Ana? E o Gabe?
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— Sua amiga foi para casa, Gabe... Bom, Gabe... É melhor lhe mostrar — ah, isso era mau, ela não tinha coragem de me falar.
Saímos do quarto, eu ainda vestia as roupas que usei no piquenique, mas isso não estava me incomodando agora. Passamos por vários corredores e portas, quadros horripilantes estavam pendurados pela parede. Tudo tinha pó e cheirava a mofo, o chão rangia ao pisarmos nele, a casa emitia ecos. Casa não, castelo. Sim, isso me lembrava de ter visto, era uma espécie de castelo.
Entramos em um tipo de sala oval. Havia algumas pessoas lá que me encaravam de modo muito estranho, mas isso não era o assustador. Assustador eram os gritos vindos de trás de uma porta.
— Onde ele está? — perguntei após um tempo. Ninguém me respondeu, mas os olhares confirmaram meus temores, ele estava atrás da porta. Eram dele aqueles gritos. Gritos de desespero, de dor. — Oh, Meu Deus! — meu corpo inteiro estava amortecido. — O que há de errado com ele? — perguntei enquanto me dirigi à porta, havia vários tipos de tranca do lado de fora. Olhei para aquelas pessoas horrorizada. — Vocês não podem deixá-lo lá assim — Danny apareceu, foi um alívio. Eles eram amigos, não iria deixar o Gabe sofrer daquele jeito. — Danny, nós temos que soltá-lo.
— Não podemos — ele disse de cabeça baixa. Parecia tão cansando, tão exausto.
— Como assim? Danny, ele é seu amigo — aquilo não estava acontecendo, aquilo não podia estar acontecendo.
— Ele precisa se alimentar, Jasmim — era esse o maldito problema?
— E? Não entendi ainda o problema? Vocês não fazem isso sempre?
— Sim, mas...
— Mas o quê, Daniel?
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— Ele... Nós não sabemos os efeitos de Michael ter se alimentado dele, provavelmente... Ele... Não vai parar até matar a pessoa. Ele pediu para ser trancado.
— Ok — andei de um lado para o outro com as mãos na cabeça. — Deixem ele se alimentar de mim — ouvi risos.
— A garota é louca — um cara não parava de rir. — Por isso o Gabe gosta dela — ele estava sendo um babaca, mas no fundo gostei de ouvir aquilo. Gabe falava de mim para eles.
— Está fora de cogitação, Jasmim — Danny agora me olhava.
— Por quê?
— Por quê? Bem, vejamos, porque ele vai matá-la em minutos e depois vai nos matar por termos deixado — isso veio de outra menina, mas não era aquela que estava no quarto comigo. Que pessoas eram aquelas? Assim que pensei na pergunta soube a resposta. Se eles sabiam o que Gabe era só tinha uma explicação, eram todos sugadores também.
— E o que acontece se ele não se alimentar? — perguntei. Todos se entreolharam. — Danny?
— Ele morre. Nós vamos dar um jeito nisso, Jasmim, não se meta — aquele não era o Danny que conhecia, ele não era frio assim.
— Desculpe, mas não posso deixá-lo morrer — comecei a abrir as trancas, Gabe dava socos e chutes na porta que devia ser de ferro puro. Danny avançou em velocidade sobre-humana para meu lado e me empurrou de leve, estava à beira de um ataque de nervos.
— Meu Deus, Danny, pare com isso. Aja como um ser humano normal, não fique usando velocidade excessiva.
— Nós não somos seres humanos normais — reconheci aquela voz. Era o cara do parque, aquele que vi conversando com Gabe. Luke.
Ignorei aquilo, ignorei a todos e tentei avançar para perto da porta novamente. Danny não saiu da frente dela e vários braços me agarraram. Chutei, me debati, empurrei,
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gritei, chorei, mas não foi o suficiente, eles me levaram de volta para o quarto. Me jogaram na cama, saíram e trancaram a porta.
Tentei abri-la, forcei o trinco, berrei, mas nada aconteceu e ninguém apareceu. Sentei no chão em um tapete que deve ter sido muito caro na época de Dom Pedro II e chorei. Gabe estava morrendo e eu não podia fazer nada para impedir.
Algum tempo depois me dirigi à janela. Caía uma tempestade lá fora, não dava para enxergar nada a não ser os raios. Em um dos clarões percebi que não estava no térreo, para ser sincera estava bem acima do chão. Abri a janela, a chuva cortava meu rosto, mas não liguei queria poder morrer afogada nela.
Olhei para baixo e percebi que havia um beiral bem largo, conseguiria andar por ele e encontrar uma janela destrancada? Só havia um jeito de descobrir.
Passei minhas pernas para o lado de fora e me apoiei no beiral, virei de frente para o interior do quarto e comecei a andar. Parecia que aquilo não acabava mais, a chuva não dava descanso e comecei a achar que aquela não tinha sido uma boa ideia.
Finalmente cheguei em uma janela, forcei, mas estava trancada, teria que achar outra. Caminhei mais um pouco, tropecei várias vezes e a ironia era que toda vez que isso acontecia rezava para não morrer, mas ao mesmo tempo estava indo ao encontro de Gabe, para ele me matar.
Dei mais sorte na segunda janela, ela estava destrancada. Entrei ensopada em alguma sala. Quantas salas haviam naquele lugar? Encontrar Gabe não seria difícil, bastava seguir os gritos. Após um tempo, encontrei a saleta oval. Não havia ninguém lá, comecei a abrir as trancas da porta.
— Estou indo, Gabe. Calma. Já vai passar — minhas mãos tremiam. Sabia que era isso que queria fazer, mas sentir medo era inevitável, com sorte morreria rápido.
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— Jasmim — desde o bosque foi a primeira vez que ouvi sua voz. Isso só fez meu choro aumentar, já estava na terceira trava e ainda tinha outras três. — Não entre aqui — seus gritos, socos e chutes voltaram, sabia que ele não podia se controlar àquela altura. Seja o que quer que fosse encontrar naquele lugar, não era meu Gabe.
— Vai ficar tudo bem — não, não ia ficar nada bem
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CAPÍTULO APÍTULO 35
Abri a porta e foi tudo muito, mas muito rápido. Gabe colocou uma de suas mãos em volta do meu pescoço, me encostou em uma parede e começou a se alimentar. Aquilo era fora do real. Aquela dor no corpo e aquela tristeza jorrada em mim eram insuportáveis. Ele estava me sufocando também, sua mão não parava de apertar meu pescoço. Segurei seu braço e tentei afastá-lo um pouco, mas ele bateu minha cabeça contra a parede. Foi pior do que das outras vezes, muito pior, muito mais rápido, como se ele estivesse sugando milhões de vezes mais rápido. Não ia aguentar muito mais tempo, comecei a perder os sentidos. Apesar disso, reconheci a voz do Danny.
— Gabe! Gabe! Solte-a — sabia que ele não iria parar e não me importava desde que ele ficasse bem. — Alguém me ajude a segurá-lo.
Sabia que ele não estava mais se alimentando, pois a dor havia amenizado. Meu corpo estava queimando e era impossível lidar com aquela tristeza, completamente avassaladora. Minha vontade era morrer, agora entendia o sentimento daquelas pessoas que se matam. Esse sentimento era demais para conviver com ele.
— Levem a Jasmim daqui! Agora! — disse Danny.
— Não. Ele precisa de mim — tentei dizer a eles, via vários vultos diante de mim, mas não conseguia distinguir nada.
— Saiaaa! — Gabe. Essa era a voz dele.
Duas pessoas me carregaram para fora do cômodo, estava com um braço em cada um deles. Minha visão estava muito ruim, mas consegui ver aquilo. Uma menina provavelmente da minha idade era arrastada para dentro. Para ele. Tentei voltar, mas não deixaram. Ele iria matá-la. Foi meu último pensamento antes de apagar.
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Recuperei os sentidos, mas não abri meus olhos, havia mais gente ali. Aquelas vozes eu conhecia. Danny e... Luke.
— Achei que havia deixado bem claro para vocês dois que era proibido se alimentar de pessoas por quem se tem sentimentos.
— Sim, Luke, você deixou, mas... — Danny usava o mesmo tom de voz de obediência que Gabe usou aquela noite no bosque.
— Sem mas, Danny. Vocês dois são uns idiotas.
— Você não deu uma chance a elas, Luke. Se ao menos as conhecesse.
— Conhecer? Menininhas de colegial? Não me rebaixo a tanto, Danny — Daniel deu uma risada cínica. Continuei com os olhos fechados, não queria que percebessem que não estava mais dormindo.
— Ah, Luke — Danny parecia muito cansado, mas não fisicamente, parecia muito cansado daquilo tudo. — Elas são tão incríveis. As duas. A Ana é tão... Tão animada, de bem com a vida, tão despreocupada. Quando ela sorri, quando olho para ela, sei onde é meu lugar, é com ela — Luke não disse nada. — A Jasmim é... Bem, Gabe gosta dela e isso já deve dizer algumas coisas. Ela é forte, mais do que ela se dá conta, a maneira como ela olha para ele, como ele fica perto dela. Ah, Luke, você tinha que ver como ela pode mudá-lo. Nós nunca tiramos um sorriso dele e com ela, Gabe sorri.
— Mandei vocês dois se livrarem delas — Luke não alterava o tom de voz, sempre autoritário.
— Não vamos fazer isso.
— Faço por vocês.
— Você morre antes — Danny dizendo que iria matar alguém era surreal para mim. Luke começou a gargalhar, mas era muito sinistro.
— Júlia tinha razão. Vocês morreriam por elas — quem era Júlia? — Devo admitir que não esperava que uma adolescente se arriscasse assim para salvar Gabe. Quanto à
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sua namoradinha... Ela é divertida, meio doida, mas divertida.
— Luke...
— Não. Chega de discussões. Depois nos reuniremos e veremos como isso fica. Por ora vamos... Deixar como está — não sei quanto ao Danny, mas eu estava aliviada. — Aliás, sua amiguinha está acordada — que ótimo, pega de novo!
— Oi, Jasmim — Danny me olhou com aquela cara de “Te pegamos”.
— Oi. E o Gabe? — queria desesperadamente saber como ele estava.
— Isso é demais para mim, a garota mal acorda e pronuncia Gabe? Não dá para mim — Luke foi saindo do quarto e pelo sorriso discreto do Danny, percebi que estava tudo bem.
— Ele está bem, por ora.
— Como assim por ora? — levantei correndo, queria vê-lo.
— Não sabemos ainda sobre o quadro dele, isso não tinha ocorrido antes, Jasmim. Onde você pensa que vai?
— Vê-lo — Danny fez cara de “isso não será possível”. — Por favor, estou implorando
— Fazer o quê? Se eu não te levar, você vai acabar indo pelo beiral mesmo.
— Há, há, há. Muito engraçado, Daniel — ele sorriu. Nós sorrimos. Como há dias não fazíamos. Isso até eu me lembrar que uma menina tinha sido levada a Gabe.
— Oh, meu Deus! E aquela garota? Ela... Ela... — não conseguia terminar a frase.
— Ela está bem, já foi levada para casa.
— Para casa? Mas... Mas... Ela vai contar para as pessoas o que aconteceu.
— Não vai, Gabe deu o último beijo nela.
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— O quê? — a cara dele dizia que havia falado demais. — Ele fez o quê? Beijou a garota? — ele levou a mão na testa, puxou o cabelo, suspirou.
— Droga.
— Não me enrole, Danny. Como assim ele deu o último beijo nela?
— Certo. Isso ainda não havia sido explicado.
— Como assim? Você já sabe que eu sei?
— Sim. Gabe e eu não temos segredos — inacreditável que ainda houvessem coisas a serem explicadas. — O último beijo é como chamamos. Assim que nós sugamos, temos que beijar a pessoa, só assim conseguimos apagar a memória dela.
— Já beijei Gabe várias vezes e minha memória nunca foi apagada.
— Só funciona depois que nos alimentamos, Jasmim. Por isso sempre pegamos pessoas do sexo oposto, menos a Beth.
— Menos quem?
— Deixe essa parte para depois.
— Mas a primeira vez que beijei Gabe ele estava com os olhos brancos e me lembrei de tudo depois.
— Sim, nós ainda não sabemos por que isso aconteceu. Não sabemos por que com você é diferente.
— Claro. A cara de espanto dele no outro dia no colégio, quando comentei a noite anterior, agora faz todo sentido — estava tentando processar aquelas novas informações, enquanto Danny me levava até ele. — Precisa ser um beijo de língua? — perguntei. Ele sairia beijando outras pessoas por aí? Isso contava como traição?
— Não. Apenas selar os lábios já tem o efeito desejado.
— Por que um beijo? Não poderia ser um abraço? — não havia gostado nada, nada daquela parte da história.
— Os olhos são as janelas da alma, por isso nos alimentamos pelos olhos. A pessoa sugada nunca consegue
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quebrar o contato visual — sim, me lembrava desse efeito. — E a boca é a porta da consciência, por isso o beijo. Fechamos a consciência da pessoa, assim ela não se lembra de nada depois, nada relacionado a nós.
Continuamos andando, minha cabeça estava a mil. Era isso que ele havia feito com a recepcionista do motel, se alimentou dela e depois deu o último beijo, para apagar a memória dela. Por que comigo era diferente? Isso não me cheirava bem. Imaginar Gabe beijando várias mulheres, mesmo que tecnicamente sendo um selinho, era muito irritante.
Paramos em frente a um quarto, com móveis tão antigos quanto no que eu estava usando. Gabe estava lá, só de jeans, sentado na cama. Olhei para Danny, mas ele já estava saindo. Tudo que estava na minha cabeça sumiu naquele momento.
— Gabe — chamei assim que entrei no quarto. Ele veio correndo e me abraçou, uma atitude não muito típica dele. Não assim. Ele se afastou um pouco.
— Você é louca. Uma irresponsável. O que você estava pensando quando fez aquilo? — não conseguia responder. A alegria de ouvir a voz dele, de vê-lo, bem, vivo, não me deixava pronunciar nada. — Poderia ter te matado, não poderia conviver com isso, Jasmim — ele segurava meu cabelo pela nuca. — Nunca mais faça nada estúpido assim, você me entendeu?
— Eu te amo — realmente devia ser ou estar louca para dizer isso a ele naquele momento.
— Isso não justifica. Não posso perdê-la — estava esperando um “Eu também te amo”, não isso.
— Também não podia perdê-lo — nos beijamos, com muita vontade, como se nunca mais fôssemos nos ver. Só conseguia pensar: “Ele está vivo”.
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CAPÍTULO 36
Não queria tocar naquele assunto, mas agora que Gabe estava bem, tive que me preocupar com aquilo, não era um fato que se podia ignorar.
— E Michael?
— Fugiu — Gabe respondeu, com uma cara nada boa.
— Como assim? Você sabe o que aconteceu no bosque? — não sei bem ao certo se queria saber daquilo, mas precisava perguntar.
— Danny conseguiu se afastar e ligar para Luke — por isso ele e a Ana tinham sumido uma hora. — Os primeiros a chegar foram Christofer e Alan. Eles tiraram Michael de cima de nós, mas ele estava muito forte, por ter me sugado. Luke vinha logo atrás. Como todos nós o tememos, Michael fugiu. Ele estava muito veloz para conseguirem ir atrás dele.
— Christofer e Alan? — meu Deus, não aguentava mais essa sensação de “informação demais para o meu cérebro”. Por que todos têm medo dele?
— Sim, somos sete aqui em casa — Gabe respirou fundo, como se me dar explicações o ferisse mais do que qualquer outra coisa. — Cada sugador devolve um sentimento enquanto suga outro, geralmente esse sentimento que ele devolve é o que nos faz temê-lo ou não. E medo é uma coisa difícil de lidar, sem contar que pela força extrema Michael vem se alimentando de sugadores há muitos anos. — estava me referindo a Luke, não a Michael. Mas essa pergunta ficou sem resposta em meio a tantas outras.
— Aqui em casa? — Gabe morava ali? — Quer dizer que você e mais seis pessoas moram em um castelo deprimente? — se ignorei o resto da frase dele? Sim, ignorei.
— Não deixe Luke ouvir isso, o lugar era do pai dele — isso estava ficando cada vez melhor. O tal de Luke tinha cara
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de uns 30 anos para mais, se Gabe tinha 133 e aparência de 19 anos, quantos anos aquele cara tinha?
— Oh — sentei na cama, minha cabeça iria explodir, Gabe foi até um guarda-roupa medieval e tirou de lá uma camiseta.
— Moramos com Luke e sua esposa, Júlia. Ela que dirigiu o carro em que você estava até aqui — sim me lembrava dela, acho que gostei da sua calma e simpatia constantes. — Danny também mora conosco e Chris, Alan e Beth — já havia visto todos naquela sala oval, mas não conseguia ligar os nomes as pessoas, exceto por Luke e Júlia.
Meu celular tocou no meu bolso, nem havia reparado que estava com ele. Olhei o visor, era da casa da Ana. Provavelmente ela estava morrendo por notícias nossa.
— Oi, amiga.
— Jasmim? — ops, não era a Ana. Era a tia Su.
— Oi, tia. Tudo bem? — olhei para Gabe, com cara de desespero.
— Jasmim, onde vocês duas se meteram? — ah meu Deus, o que a Ana Paula estava aprontando dessa vez?
— Aham... Onde nós estamos? — olhei para Gabe, ele fez cara de não sei como te ajudar. — Nós estamos na casa de um amigo, fazendo trabalho. Por quê?
— Não me trate como uma de suas colegas, Jasmim — droga, a mãe da Ana era muito legal, mas quando estava fora do sério, o que parecia ser o caso, era osso duro de roer. — Quero saber exatamente onde é a casa desse amigo. Porque a Dona Ana me disse que estava passando uns dias na sua casa e hoje me ligaram da escola e disseram que vocês duas estão faltando há dias — ao ouvir aquilo meu coração parou. Onde a Ana estava? Entrei em pânico e fiz uma besteira por impulso, desliguei o telefone na cara da tia Su.
— O que foi isso? — enquanto Gabe perguntava, meu celular já estava tocando novamente.
— Temos um mega problema — respirei fundo. — A Ana sumiu.
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— Aconteceu o que com a Ana? — Danny entrou no quarto, pelo visto ele estava do lado de fora o tempo todo.
— Não sei direito, Danny. A mãe dela ligou e não sabe onde a Ana está — quando terminei a frase ele já estava fora do quarto. Virei para olhar Gabe.
— Isso não vai acabar bem — ele saiu dizendo, provavelmente indo atrás do amigo. Tive uma sensação muito estranha. Pela primeira vez minha amiga tinha problemas e eu não havia sonhado com ela. O que isso queria dizer?
Saí atrás dele, me perdi por entre os corredores. Finalmente segui uma menina, ela já tinha falado comigo antes, quando tentei entrar no quarto onde Gabe estava trancado, mas só agora reparei nela. Era a criatura mais linda e a mais estranha que já tinha visto. Cabelos negros como a noite, olhos extremamente azuis, as roupas eram uma mistura de sexy e gótica. Depois de um tempo ela se virou para mim e parei de andar.
— Não precisa ficar com medo, Jasmim, não mordo. A não ser que você queira — um homem parou do lado dela, Luke.
— Beth, deixe a menina em paz — ele realmente comandava tudo por ali. Ele me guiou até outra sala, toda preta, o lugar não era nada alegre.
Fiquei ao lado de Gabe, mas ele não me olhou, ninguém me olhou. Todos estavam voltados para o Danny. Seu cabelo quase loiro estava todo revirado, seus olhos castanhos escuro escondia um grande vazio. Acho que minha ficha só caiu naquela hora, todos começaram a discutir e entramos em um consenso. Michael havia raptado minha melhor amiga.
— Onde ele pode ter ido com ela? — Gabe perguntou.
— Nós o seguimos várias vezes, mas sempre perdemos seu rastro no mesmo lugar. Podemos partir de lá — disse o cara que estava comigo no carro, sempre com cara de amargurado.
— Demoraríamos muito, Alan — disse Danny, então aquele era o Alan. Os rostos começaram a criar nomes na
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minha cabeça. Esse Alan parecia ter uns 25 anos, mas era completamente infeliz ou algo do gênero, sua expressão era sempre de dor.
— Não temos outra opção, Danny. Sabemos que ele não vai ficar com ela muito tempo — essa era a Júlia. Como assim não vai ficar com ela muito tempo?
— O que isso quer dizer? — perguntei.
— Que vocês duas deveriam ter ficado em casa — Alan falou dando de dedo na minha cara.
— Para trás, Alan — Gabe disse me abraçando.
— Isso não vai ajudar agora, pessoal — disse Beth.
— Quietos, todos! — ordenou Luke. — Vamos partir de onde Alan nos disse, é a nossa melhor pista. Peguem os equipamentos. Jasmim — ele olhou para mim, aliás todos olharam. — Você fica aqui — Sozinha? Cada um seguiu para um lado, ficamos ali só Gabe, Luke e eu.
— Quero ficar com ela, Luke, e se ele voltar? — Gabe não estava feliz com aquilo. Na verdade nem eu. Algo dentro de mim gritava perigo.
— Já dei minha ordem, Gabe. Só ela fica e ponto final. Ele já tem o que quer, não virá atrás dela.
Luke saiu da sala também. O lugar era enorme e fazia eco por todos os lados, todos falavam alto e o chão do castelo todo rangia. Gabe me abraçou e beijou minha cicatriz, agora teria aquilo no meu rosto para sempre.
— Vou voltar logo e vamos trazer a Ana — não sabia o que responder, não queria que ele fosse, não queria ficar sozinha, mas a Ana precisava mais dele agora do que eu.
— Sei disso. Tenha cuidado, Gabe.
— Não me subestime — ele disse tentando ser o velho Gabe de sempre, mas ele não estava bem, algo dentro dele havia mudado.
Todos saíram. Usaram os mesmos dois carros com os quais tínhamos vindo para cá. Eu tinha uma longa noite pela frente no castelo do Conde Drácula e isso não era divertido.
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Rezei. Não me lembro de ter feito isso antes, nem por Gabe eu rezei, mas a Ana... Não dava para ficar sem ela. Talvez eu soubesse no fundo que Gabe podia se defender ao menos um pouco, mas a Ana devia estar assustada. Rezei durante muito tempo.
Tentei achar alguma coisa para comer. Finalmente achei a cozinha, o fogão era a lenha, ou seja, cozinhar estava fora de questão, não saberia usar aquilo. Parti para a geladeira, essa era mil vezes maior que a da minha casa e era de última geração, parecia deslocada naquele lugar. Abri a porta e nunca havia visto tanta comida na minha frente, parecia a seção de frios de um supermercado. Não estava com fome, não peguei nada. Tentei explorar a casa e não pensar na Ana, nem no risco que Gabe também correria.
Entrei em vários cômodos, vários quartos, mas não havia objetos particulares ali, de nenhum deles.
Imaginei a vida que Gabe era obrigado a levar. Me lembrei que uma vez ele me disse que saber o que as pessoas sentem era uma prisão. Será que era verdade? Ele conseguia saber tudo o que os outros sentiam o tempo todo? Danny também me disse algo parecido quando foi à minha casa me pedir para se afastar de seu amigo. Se eles realmente podiam fazer isso, aparentemente nenhum deles gostava disso. Todos os cantos da casa exalavam aprisionamento, infelicidade, segredos.
Escureceu e não havia achado nada para acender aquelas velas. Era praticamente impossível enxergar qualquer coisa, deveria ter me preocupado com isso quando estava claro.
Andei seguida pelo meu tato. Que burrice, como deixei para procurar um fósforo na última hora? Várias vezes bati o quadril em vários móveis e bati meus pés umas mil vezes. Derrubei uns dois vasos, Luke não iria gostar daquilo. Ouvi um ruído, próximo a mim algo caiu no chão.
— Gabe? Danny? — definitivamente tinha mais alguém ali comigo. — Gabe?
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— Não. Sentiu minha falta?
Ele agarrou meu cabelo e me arremessou contra uma parede. Caí no chão seriamente machucada, nunca havia quebrado nenhum osso, mas a dor deveria ser bem parecida. Enquanto tentava me levantar, levei um chute no estômago. Tossi sangue, não conseguia respirar. Mal me recuperei e Michael me chutou de novo. Caí de barriga para cima, não conseguia levantar, precisava correr.
— Perguntei se sentiu a minha falta — ele queria que eu respondesse àquilo?
— Você não vai...
— O quê? Conseguir me safar dessa? — ele me ergueu pelo pescoço, estava me sufocando, meus pés não tocavam o chão. — Acho que vou. Todos os idiotas que moram aqui foram para o lado errado.
— Cadê a Ana? — a risada dele foi diabólica.
— Vou fazer com você o mesmo que fiz com ela. Vou me divertir primeiro — onde estava Gabe? Precisava dele. Tive a impressão que a diversão de Michael não ia ser legal.
CAPÍTULO APÍTULO 37
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Fui arrastada para fora do castelo, literalmente arrastada. Fiz força para não me mover, mas Michael era mais forte. Ele me levou pelos cabelos para trás da casa de Luke. Estava tudo um breu e lá havia mata fechada. Por que essas coisas sempre acontecem em local sem iluminação e afastado da civilização?
Meu rosto foi atingido por vários arbustos, meu cabelo parecia que ia se desprender da cabeça, pela força com a qual ele era puxado. Perdi meus sapatos enquanto tentava me soltar, meus pés agora estavam sendo esfolados. Gritei, chorei, me desesperei, tentei me soltar, mas não adiantou.
Michael me levou até uma cabana bem afastada do castelo. Gabe jamais me acharia ali e de qualquer maneira ele estava bem longe. Fui arremessada porta adentro. Caí no chão e mal conseguia me mover. Nem sei explicar qual parte do meu corpo doía, talvez porque todo ele estivesse doendo. Avistei uma maca, havia alguém deitado nela. Ana.
Depois de um tempo consegui me mover e levantar, me apoiando na maca. Michael revirava algumas caixas. Me debrucei em cima da Ana, ela não se movia, mas estava respirando.
— Ana? Ana! — a chacoalhei, mas ela não se mexia.
— É inútil, ela está dopada — filho da mãe. Olhei para ela de novo, a Ana parecia bem, só estava dormindo.
— O que você fez com ela, seu monstro? — perguntei aos berros e continuei tentando acordá-la.
— Nada, a menina desmaiou à toa. Você era o meu objetivo, ela foi só uma distração — então ele havia usado a Ana para tirar Gabe de perto de mim? — Monstro? Eu? Acho que o único monstro aqui é o seu namorado, foi ele quem matou a mulher que eu amava.
— O que você quer de mim? — berrei. Ele se aproximou de mim e falou em meu ouvido:
— Quero ver a vida se esvair dos seus olhos — me deu vontade de vomitar. — Coloque isso. — Michael me entregou um vestido vermelho de alcinha, meio desbotado. — Quero
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que você morra com a mesma roupa que ela — nunca imaginei como seria estar perto da morte, era desesperador.
Coloquei o maldito vestido, não tinha outra opção. Ele se virou para que eu fizesse isso, ao menos teve essa decência. A Ana não se mexia, parecia tranquila dormindo. Melhor assim, não queria que ela visse o que estava por vir. Michael me deu um tapa na cara assim que terminei de me vestir, parecia que a minha pele tinha sido queimada.
— Isso é por você não se parecer com ela — esse cara era um psicopata, mas se eu tinha achado o tapa ruim era porque não sabia o que estava por vir.
Passei por uma eternidade de torturas, ao menos foi o que pareceu. Ele alternava entre tapas e puxões de cabelo, mas isso não era o pior. Nada se comparava com o que ele estava fazendo com o meu emocional. De alguma maneira ele estava jorrando algum tipo de sentimento em mim, mas ele não estava se alimentando. Podia jurar que era medo. Sim, um medo absurdo, era isso que ele estava me dando. Mas por que não estava tomando nada no lugar?
— Implore! Implore pela morte! — sádico desgraçado. — Você pode acabar com isso — com essa frase veio mais uma carga de medo, seguida por um empurrão. Voei por cima de alguns utensílios, nem sei dizer se aquilo doeu, meu corpo já estava ficando amortecido. Aquele medo era demais para suportar, mas não estava tão forte quanto no dia da festa da Ariel, provavelmente porque ele não estava sugando nada.
Aconteceu tão rápido que mal tive tempo de reagir, não sei como, mas a Ana se levantou da maca e subiu nas costas do Michael. Ela gritava “corra”. Sabia que ela não poderia segurá-lo por muito tempo, mas não podia deixá-la com ele. Não me mexi por uns segundos. Ela disse novamente “corra” e foi o que fiz. Saí dali correndo, deixando minha melhor amiga para trás.
Corri o máximo que pude. Minhas pernas não obedeciam, estava meio tonta e chorava compulsivamente. Olhei para trás e Michael estava atrás de mim, graças a
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Deus, pensei, ao menos a Ana teria tempo de fugir. Era questão de minutos bem curtos até ele me alcançar.
— Socorro! Alguém me ajude, por favor — tentei pedir ajuda, que novamente não viria. Não seria mais fácil parar de correr e deixá-lo me matar logo? Talvez, mas o instinto de sobrevivência era maior.
Aumentei a velocidade, mas não era muita coisa, vi alguns vultos à minha frente. Quando me aproximei, vi tudo acontecer em câmera lenta.
Os sete sugadores que conhecia estavam parados na mata, como estátuas. Tudo pareceu desacelerar, me senti como naquela cena do filme King Kong; assim que salvam a Anne e ela atravessa o portal e vê que os marinheiros querem capturar o gorila. Mas ao contrário dela, eu não parei, não lutei por ele, queria que aquele monstro morresse.
Passei por Gabe, bem ao seu lado, mas ele não me olhou.
Todos olhavam para frente, para Michael. Continuei correndo e tudo voltou à velocidade normal. Ouvi vários barulhos e gritos atrás de mim, mas continuei em frente. Eles eram sete contra um, davam conta, não davam? A resposta era não.
As coisas lá atrás não estavam boas. Alguns deles me alcançaram correndo, todos estavam correndo e Michael estava logo atrás de nós. Como aquele cara conseguia ser mais forte que todos eles juntos?
Gabe estava correndo ao meu lado e me disse “não pare”. Todos eles corriam, aquilo não nos levaria a nada. Uma hora ele nos pegaria e se não fosse hoje, seria outro dia.
Uma mão puxou o meu vestido, caí de cara no chão e minha boca encheu de terra e sangue. Michael me segurou pelos cabelos e arremessou minha cabeça contra o chão novamente. Gabe voltou por mim e pulou em cima de Michael me livrando dele e ele voltou a se alimentar de Gabe. Como ele conseguia controlar quando sugava alguém? Pelo jeito, ninguém ali sabia. Não corri mais, fiquei parada ali vendo
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tudo acontecer. Beth e Alan voltaram para ajudar Gabe, que caiu imóvel no chão. Com um empurrão, Michael fez Beth ir de encontro a uma árvore, partindo-a ao meio. Alan levou alguns socos que pareciam ser desferidos por mãos de ferro e caiu no chão, se arrastando para longe.
Julia e Luke caíram em cima de Michael ao mesmo tempo, mas ele se ergueu e atirou os dois longe. Chris havia ido ver como Beth estava. Ao mesmo tempo que vi Michael indo de encontro ao Gabe, percebi que corria na direção deles.
Avancei em Michel e arranhei sua cara. Ele sorria como um demônio, conseguiu me apoiar no chão e começou a me sufocar apertando minha garganta. Meu rosto ardia, estava inchado e sangrando. Gabe levantou cambaleando.
— Hei! — ele berrou para Michael. — Estou aqui — ele me soltou na hora e partiu para Gabe novamente.
— Vou terminar de sugar tudo o que você tem para me oferecer, Gabriel. Então você vai morrer e depois vou acabar com a sua namoradinha — os dois se atracaram aos socos, mas Michael estava muito forte, muito ágil.
Levantei e caí de joelhos. Tentei levantar de novo, dei mais uns três passos e minhas pernas cederam novamente. Estava quase conseguindo tocá-los, mas meu corpo não aguentava mais. Ouvi Gabe gritar e gemer várias vezes, mas a minha gota d’água foi ouvi-lo me chamar.
— Jasmim! — mal reconheci sua voz, pulei em cima de Michael.
Senti algo muito diferente em mim, uma espécie de asco, nojo. Meu estômago estava embrulhado, meus músculos estavam se enrijecendo, não sabia o que era aquilo. Mas era como um instinto, de repente, meu corpo sabia o que fazer. Consegui puxar Michael até que ele caísse de costas no chão.
— Olhe para mim! — berrei e ele obedeceu por algum motivo, ou talvez ele tivesse um plano em mente.
Olhei fixamente nos olhos de Michael, os dele estavam ficando brancos, ele iria se alimentar. Algo dentro de mim
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mudou, me senti forte, protegida, sem medo, sabia de algum modo que era aquilo que deveria fazer. Minha pele estava terrivelmente fria e sentia meus olhos estranhos e então ele se dissolveu diante dos meus olhos em uma poeira branca fluorescente, assim como os olhos dos sugadores, minhas mãos que o seguravam ficaram vazias.
— Isso pode ser potencialmente problemático — disse Beth. Por que todos me olhavam tão assustados? Como consegui matar Michael? Sua nuvem de poeira ainda pairava no ar.
— Jasmim? — Gabe estava tão perplexo quanto eu. Jamais o vi daquela maneira.
— Não sei como... Eu não... — ele me abraçou. Vi Danny sair correndo, ao menos alguém tinha se lembrado da Ana.
— Eu avisei para acabarmos com essas menininhas — disse Alan. Gabe se colocou na minha frente, me protegendo com o seu corpo, se fazendo de escudo para mim. Mas não conseguia entender, o Michael não era o problema, afinal? Por que estavam todos se virando contra mim agora?
— Ninguém vai chegar perto dela — disse Gabe.
— Você sabe o que isso significa, Gabe? — do que Luke estava falando?
— Não sabemos de nada ainda — Gabe não estava nada feliz. — Vou levá-la para casa — aquilo não era uma pergunta, era uma afirmação.
— E a Ana? — o que fariam com ela?
— Ela vai ser levada para casa, assim que arrumarmos outro local e a polícia for chamada. Vamos simular um rapto mesmo, para os pais dela não desconfiarem — mentira em cima de mentiras, era assim que seria minha vida dali para frente?
Saímos de lá, mas nenhum deles falou nada. Entretanto me olharam até o último segundo como se eu fosse um ET.
Gabe foi me levar até em casa. Meu corpo doía e o dele devia estar até pior que o meu, mas Gabe jamais admitiria sentir dor. Viemos no carro sem trocar nenhuma palavra, ele
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não parecia nada bem. Seria sempre assim? Estaríamos sempre em guerra? Ele parou o carro na frente de casa, entramos ainda em silêncio. Nem sinal do meu pai, tudo estava como eu havia deixado dias atrás. Impressionante o fato do senhor Acaiah não notar a ausência da sua única filha, desaparecida há dias.
Troquei de roupa, tirei aquele maldito vestido. Caí no choro ao relembrar as torturas pelas quais tinha passado. Havia matado uma pessoa de forma bizarra e pior... Quis fazer isso.
Estava me cansando dessa sensação de ser “sugada”. Que efeitos isso poderia me trazer daqui a alguns anos? O que isso faria com meu emocional? Coloquei água para esquentar, nem sei ao certo o motivo, talvez fosse só pelo hábito ou quem sabe estivesse tão imersa em coisas estranhas que queria fazer algo simples, como colocar uma chaleira no fogo, para me sentir humana.
A Ana não saía da minha cabeça, aquelas cenas não saíam da minha cabeça e pelo jeito não sairiam tão cedo. Como minha amiga conseguia lidar com aquilo tão melhor do que eu? Como ela e o Danny pareciam lidar com tudo tão melhor que Gabe e eu? Tinha inveja dos dois e essa história de inveja boa não existe, inveja nunca é bom.
Me dei conta de que estava parada na frente do fogão há vários minutos. Olhei ao redor, tentando achar Gabe. Ele estava parado próximo à bancada me encarando, aquilo por algum motivo me deu arrepios.
— Está com fome? Vou fazer algo para comer — a pergunta foi retórica, ele não estava com cara de fome, estava com cara de “vou embora”.
— Isso é bom, você precisa se alimentar — não estava gostando do tom de Gabe, alguma coisa estava muito errada.
— Nós precisamos, você parece abatido — “você parece abatido” imagina, Jasmim, claro que não. Idiota.
— Verificamos os voos, seu pai deve voltar para casa hoje.
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— Como assim verificamos os vôos? Você e quem mais? A CIA o FBI?
— Luke olhou para mim.
— Pena que o Luke não pode resolver todos os nossos problemas — estava sendo cínica, mas não conseguia evitar. Estava com raiva dele. Com raiva de mim.
— Estou tentando ter uma conversa civilizada com você.
— Bom, não está dando certo, Gabriel, se esforce mais — ele apenas deu uma risada, aquele seu sorriso cínico.
CAPÍTULO 38
Por que estávamos brigando, afinal? Aquela hostilidade toda, depois de tudo o que passamos juntos, era muito injusto e no fundo muito inevitável também.
— Amanhã ligo para saber como você está — disse ele.
— Não, quero ficar sozinha — disse sem o encarar.
— Não vai, seu pai deve estar chegando.
— Você está fugindo.
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— Não. Estou cansado, preciso ir para casa.
— Cansei das suas mentiras, Gabe — ele me olhava com indiferença. — O que aconteceu lá, com Michael?
— Não sei.
— Pare de mentir para mim!
— Não estou mentindo, Jasmim. Eu não sei — lá estava ele mexendo em seu cabelo, coisa que o entregava quando estava nervoso.
— Então, por que parece que está me escondendo algo?
— Porque você tem imaginação fértil, talvez? — esse cinismo de Gabe, às vezes, deixava de ser sexy e virava muito irritante.
Não sei se foi o stress, o cansaço, a mudança na minha vida, as novas informações ou o medo imposto por Michael. Seja qual for o motivo, meu corpo entrava em colapso, ouvia a chaleira chiar ao fundo, anunciando que a água havia fervido, mas não conseguia me mexer. Saí de perto do fogão com muita dificuldade, não queria cair em cima dele quente e eu ia cair, isso era um fato que ficou comprovado logo depois.
— Jasmim! Você consegue me ouvir? — tentei responder, mas não encontrava minha voz, nem sabia ao certo o que estava sentindo. — Vou te levar ao médico — não sei se logo em seguida ou se demorou alguns minutos, mas meu pai entrou em casa e deu de cara com aquela cena, sua filha caída no chão, tendo espasmos, com um rapaz em cima dela.
— O que está acontecendo aqui? — nunca ouvi meu pai usar este tom de voz. Conseguia ouvir tudo à minha volta, mas me sentia presa dentro do meu corpo. Senti algumas sensações iguais às que aconteceram quando Michael morreu, meus músculos estavam virando pedra, meus olhos pareciam que iam explodir.
— Senhor, precisamos levá-la ao hospital — Gabe parecia realmente nervoso.
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— O que aconteceu com ela? O que você fez? — não conseguia ver o rosto do meu pai, mas seu tom de voz era novo para mim, medo, talvez?
— Senhor, não há tempo, ela precisa de cuidados médicos já.
— Saia de perto da minha filha! — queria ajudar Gabe, defendê-lo daquele ser estranho que depois de 16 anos ousava se preocupar, mas não era capaz nem de me ajudar naquele momento.
— Não vou deixá-la assim — eu ainda estava estirada no chão da cozinha, Gabe estava ao meu lado e meu pai em pé, parado próximo a nós.
— Saia da minha casa! — meu pai devia estar muito abalado com a cena para fazer o que fez. Ele foi para perto de Gabe e saiu o arrastando pelo chão. Gabe conseguiu levantar e tirar as mãos do meu pai de sua camisa.
— Não vou a lugar algum, com ela desse jeito, nem tente me impedir — meu pai partiu para cima dele com o punho fechado, Gabe desviou a maioria das suas tentativas. Ele era muito bom em luta, mas nós dois descobrimos que meu pai também era.
Meu pai acertou Gabe algumas vezes, fazendo o lábio dele sangrar. Se pudesse me levantar, se pudesse parar aquilo... Incrivelmente Gabe não revidou nenhum soco, só se protegeu. Isso não condizia muito com a sua personalidade, mas sabia que ele não estava fazendo aquilo pelo meu pai, estava fazendo aquilo por respeito a mim.
— Saia da minha casa e não volte mais aqui ou vou levá-la para longe. Tão longe que você nunca mais vai encontrá-la — meu pai disse se afastando dele. Gabe agora andava de um lado para o outro com as mãos atrás da cabeça.
— Não... Nem pense em fazer algo do gênero, não vou deixar isso acontecer.
— Sou o pai dela. Faço o que bem entender. Agora saia daqui ou você nunca mais vai vê-la.
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— Eu vou, mas não faça isso... Só não... Isso não — Gabe saiu de casa, praticamente levando a porta junto.
Isso só fez piorar meu estado e meu emocional estava um caco. Meu pai me pegou nos braços assim que chamou uma ambulância. Estava com tanta raiva dele, só queria que ele fosse embora, para sempre.
Não me lembro de entrar na ambulância, nem de chegar ao hospital, estava começando a pegar trauma daquele lugar. Devo ter acordado horas depois ou talvez fossem minutos. Escutei a voz exaltada do meu pai:
— Não acredito que você veio até aqui. Você é inacreditável.
— Senhor, precisava saber como ela está. Não teria paz.
— Com você por perto, sou eu que não tenho paz.
— Como ela está? — Gabe perguntou, com uma voz tão deprimente que me deu vontade de chorar.
— Você não desiste mesmo? — meu pai suspirou como se a única forma de fazer Gabe ir embora fosse ceder. — Ela está estável, mas não sabem o que a Jasmim tem. O que aconteceu, afinal?
— A amiga dela foi raptada quando estava indo para casa e creio que isso foi demais para ela — admirava a capacidade de Gabe de mentir contando meias verdades.
— A Ana foi raptada?
— Sim, mas Danny a encontrou.
— Quem diabos é Danny? — imaginei a cara de espanto do meu pai.
— O namorado dela. O que estava na festa de aniversário da Jasmim.
— Ah, sim, claro.
— A Ana já está em casa.
— Meu Deus. Preciso ligar para os Werner — meu pai deve ter se afastado para ligar, porque Gabe entrou no quarto.
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— Oi — dentre todos os nossos cumprimentos aquele foi o pior.
— Oi — queria dizer muitas coisas e ao mesmo tempo não dizer absolutamente nada.
— Como você está?
— Zonza por causa dos remédios, cansada por causa dos acontecimentos, com medo pela possibilidade de você ir embora.
— Não vou a lugar algum. A menos que você peça. Você quer que eu vá embora? — seus olhos sustentavam os meus, com Gabe era sempre assim, na lata.
— Não. Talvez. Não sei — ele se aproximou e segurou minha mão. — Você realmente matou a namorada do Michael?
— Sim.
— Meu Deus — soltei minha mão da dele. Meus medos se tornaram verdadeiros. Gabe matava pessoas, beijava pessoas e eu havia matado um homem.
— Jasmim, eu quero mudar, mas preciso de você para isso.
— Foi de propósito?
— O quê?
— Você a matou de propósito?
— Não. Ela não — como ele conseguia ser tão frio?
— Como assim ela não?
— Matei outras de propósito — entrei em choque. — Estava perdido, não dava valor a nada, mas isso foi antes.
— Antes do quê?
— De conhecer você.
— Gabe. Você me conhece só há alguns meses, não creio que...
— Que o quê? Você não acredita que mudei?
— Não é isso... Não sei... Você matou pessoas de propósito.
— Esse não é mais quem quero ser.
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— E quem você quer ser?
— Não sei. Talvez alguém normal, que estuda, trabalha e não tem metade dos problemas que tenho. Não sei quem quero ser, mas sei o que quero e o que não quero e... Não quero perdê-la.
— Gabe — fechei meus olhos, estava confusa, perdida, mas acima de tudo apaixonada. — Você não vai — ele deu aquela sua risada maliciosa. — Você sempre consegue o que quer de mim.
— Tenho meus truques — fui obrigada a sorrir, meu pai entrou no quarto com o celular na mão e a boca aberta.
CAPÍTULO APÍTULO 39
Aquilo não podia ser nada bom. A cara do meu pai não era das melhores. Não dava para tudo ficar bem por mais de cinco minutos?
— Qual dos dois vai me explicar por que o médico acha que estou espancando a minha filha? — droga, os chutes e socos de Michael. E agora?
— A Jasmim está treinando artes marciais, senhor — Gabe, graças a Deus, foi rápido ao pensar nisso.
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— Artes marciais? Desde quando autorizei isso?
— Desde quando você se importa? — perguntei, estava de saco cheio dele ali parado tentando desesperadamente bancar o pai que nunca foi.
— O que mais você faz pelas minhas costas, Jasmim?
— Nada! — berrei, ele estava me tirando do sério e agora vinha insinuar que eu aprontava por aí, era demais para um dia só.
— Não quero mais saber de você em aula nenhuma. Aliás, não me lembro de pagar por essas aulas — agora ele queria mandar em mim? Depois de tantos anos sendo indiferente. — Que tipo de lugar é esse que faz com que as alunas saiam da aula roxas?
— Senhor, a Jasmim está em um nível avançado de luta e acho que pegamos pesado demais.
— Pegamos? Você faz aula com esse garoto, Jasmim? — não sabia o que dizer agora, como explicar que um adolescente de 133 anos tinha uma academia?
— A academia é da minha família, senhor.
— Não quero mais você perto da minha filha — não deu mais para ouvir aquela baboseira.
— Quem você acha que é para decidir quem fica perto de mim? Meu pai? Não. Você é o cara que me banca, pai é aquele que está sempre presente, que te dá amor, carinho, que se preocupa. Você não é... — ia dizer nada, mas não consegui dizer isso. Não estava berrando, falei tudo em tom normal. — Gabe é uma das melhores coisas da minha vida, não vou ficar longe dele.
— Meu Deus — não sabia dizer se ele estava com raiva ou indignado. — Você parecia sua mãe falando agora.
— Não sou a minha mãe e está na hora de você aceitar esse fato — Gabe não saiu do meu lado, nem ao menos se moveu.
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Meu pai estava branco, não sabia o que estava passando pela sua cabeça, mas sabia o que passava pela minha, estava na hora da minha relação com meu pai mudar.
— Vou descer para tomar um café — não sei se ele disse isso para mim ou para si mesmo, quando pisquei ele já estava saindo do quarto.
— Ciça ficaria orgulhosa — disse Gabe.
— Que mania é essa de chamar minha mãe de Ciça?
— Acho que era como ela gostava, em todas as coisas dela havia gravado o nome Ciça — achei gentil de sua parte se importar com esse detalhe.
— Gabe, me conte como vocês me acharam — em algum momento teríamos que falar disso, então que fosse logo.
— Bem, íamos para onde Alan falou, mas na metade do caminho Danny começou a falar sobre o dia em que foi a sua casa e que você tinha visto Michael, sem contar a festa, o dia perto da casa em ruínas, eram muitas pistas... — por isso Daniel me disse aquele dia que esperava não saber quem era. Ele sabia que era Michael e que isso não era bom. — De alguma maneira eu soube que ele não queria a Ana, ele queria você, desde o começo. Fiz todos voltarem. Era o plano perfeito, ele sabia que deixaríamos você sozinha para ir atrás da Ana.
— Sim, mas não estávamos na casa, como nos acharam?
— Já disse que sinto sua presença. Entramos na casa e a coisas estavam reviradas. Não sei explicar, simplesmente sabia onde você estava.
— Como matei o Michael?
— Não sei.
— Virei uma caçadora? É isso o que sou? É Possível?
— Não — queria acreditar naquilo. — Os caçadores são exclusivamente homens e mesmo assim só conseguem matar um sugador depois dos 18 anos, você só tem 16.
— Então como eu... O matei?
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— Não sabemos, nunca vimos nada parecido. Luke está tentando entrar em contato com outros, para ver se alguém sabe de alguma coisa. Não existem livros para se pesquisar sobre nós.
— Outros?
— Sim, existem milhares como nós espalhados pelo mundo e para cada sugador, nascem quatro caçadores.
— Por que eles caçam vocês, afinal?
— Não sei lhe dizer o porquê. Cadeia alimentar, proteção da humanidade, instinto.
— Tem tanta coisa que quero te perguntar...
— Talvez porque eu seja irresistível.
— Ham? — o que aquilo tinha a ver com a conversa? Não que fosse mentira.
— Talvez eles me cacem por que sou irresistível.
— Claro, Gabe, isso faz todo o sentido — ficamos dois segundos sérios e então começamos a rir, ainda éramos capazes de entrar em um fio de felicidade em meio a tanto caos.
— Rapaz, não sei se gosto de você, mas... No momento que vi a Jasmim sorrir... Não a vejo sorrir assim desde... Nunca a vi sorrir assim — agora eu sabia de quem tinha puxado a mania de não terminar frases quando estava nervosa. Meu pai estava parado na porta do quarto, olhando para nós.
— Pai — que vergonha, tinha ficado da cor de um tomate maduro. — Ligou para a casa da Ana? — tentei desconversar, daquilo e de todo o resto.
— Liguei, estão nos esperando para jantar amanhã. Encontrei seu médico no corredor e ele vai lhe dar alta pela manhã. Vai tomar alguns remédios, mas vai ficar boa. Passaremos a receber visitas de uma psicóloga, para ver se você não sofre maus tratos. — Droga, isso não ia ser divertido — na verdade, você terá sessões com a psicóloga em casa — lancei um olhar para Gabe. — Se acalme, o príncipe
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encantado aí vai junto no jantar amanhã e tudo bem vocês namorarem — vi Gabe sorrir para o meu pai e tenho que admitir, gostava muito mais dessa cena do que daquela que presenciei em casa.
— Vou deixá-la descansar. Amanhã cedo, estarei aqui para te levar para casa — meu pai não ia gostar disso.
— Você não dirige, não é mesmo, rapaz? — sabia que ele não ia gostar.
— Não, senhor. Meu tio vem me trazer. Luke.
— Ah, sim, claro — nossa sorte era que Gabe sempre tinha uma resposta para tudo.
— Até amanhã — ele se inclinou e me deu um selinho, bem de leve, mas o fato de ter sido na frente do meu pai foi o suficiente para meu sangue circular somente em minhas bochechas.
— Boa noite — era a primeira vez que dizia isso a ele, realmente agora me sentia namorando.
Meu pai dormiu em uma poltrona pouco confortável que havia no quarto. Com tantos remédios achei que fosse apagar a noite inteira, merecia uma noite de sono tranquila, mas não foi isso o que aconteceu. Aquele maldito pesadelo de novo.
Está chovendo. Acordo no meio da noite e sinto que há algo errado. Desço as escadas descalça e correndo. Saio na rua e um carro está parado lá, bem no meio, com todas as portas abertas. Me encharco inteira, mas não ligo. Corro até o carro, minha mãe está estirada lá, tem sangue por toda parte. Ela apenas diz: “Cuide da minha filha”, olho em volta e não há criança alguma.
Digo a ela: “Eu sou sua filha”. De repente ela vira um homem todo de preto que agarra meu pulso e diz “Te Achei”. Gabe me tira do carro e me manda correr, olho para trás, meu pai está segurando um bebê no colo. Enquanto a chuva cai sobre os dois ele chora. Tento voltar até ele, mas Gabe não deixa. Acordo.
— Jasmim? — meu pai perguntou, com cara de assustado. — Achei que esse pesadelo tinha acabado —
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minha vontade era dizer que há muitas coisas que ele não sabia que aconteciam comigo, mas isso geraria muitas perguntas, achei melhor não dizer nada. — Quem sabe a psicóloga consegue resolver isso.
— É, quem sabe — quem sabe ela descobre o que sou, uma cura para Gabe, como livrar meu namorado de caçadores, essa mulher ia ter que ser muito boa.
— Tente dormir de novo — assenti com a cabeça, foi o que fiz, fechei meus olhos e não tive mais sonhos.
Acordei com Gabe e meu pai falando no quarto. Abri os olhos e Luke me olhava, não gostei muito da sua expressão.
— Então esse é seu tio?
— Sim, senhor.
— Prazer sou Luke. Lucas — ele apertou a mão do meu pai.
— Prazer. Gabriel me disse que não seria incômodo levar a Jasmim até em casa, mas...
— Não é mesmo, foi para isso que viemos — disse Luke.
— Vou aproveitar e dar uma passada no trabalho.
Nos arrumamos e fomos todos no carro de Luke, que era bem menos chamativo que o de Gabe. Cheguei em casa e me joguei na cama, estava meio grogue.
CAPÍTULO APÍTULOAPÍTULO 40
Acordei com meu pai me chamando. Demorei a entender o que ele falava, além de estar sonolenta, Gabe, que estava no meu quarto, não parava de rir.
— O quê, pai?
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— Posso saber por que tem um gato na minha cozinha, Jasmim? — droga, ele havia achado Salem.
— Foi bom enquanto durou — disse Gabe em meio a risos.
— Isso não tem graça, Gabe — já havia me apegado ao meu gato, não ia deixar meu pai tirá-lo de mim. Desci as escadas e fui falar com ele. Salem estava encurralado no canto da cozinha, o peguei no colo. — É meu gato, pai.
— Desde quando você tem esse bicho? — a cara dele era de nojo.
— Tenho Salem há pouquíssimos meses — para falar a verdade não havia contado quanto tempo ele estava em casa comigo.
— Salem?
— Sim, é o nome dele — meu pai coçou a cabeça, suspirou, fungou, andou de um lado para o outro. — Precisava ser um gato preto?
— Não escolhi a cor dele, o achei... — em um motel. — Na rua. Qual é, pai? Gato preto de olhos verdes é bacana.
— Qual é? Estou ficando velho.
— Salem não vai embora. Eu cuido dele, compro ração, limpo.
— Está bem, mas não o deixe entrar no meu quarto — de novo, pensei, Salem adorava dormir na cama dele. — Você terá que trabalhar para sustentá-lo, já está na hora mesmo e... Bem, não vou gastar dinheiro com ele, isso é responsabilidade sua agora.
— Tudo bem — ele pareceu estranhar a resposta, mas não disse mais nada. Subi para o meu quarto com Salem no colo.
— O gato vai ficar? — perguntou Gabe, apesar de que achava que ele já havia ouvido a conversa toda.
— Vai, mas preciso de um emprego — ele sorriu e me pareceu deboche, como quem quer dizer: “Você trabalhando?”.
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— Bom, tem uma vaga lá na academia, para recepcionista.
— O que aconteceu com a moça que trabalhava lá?
— Parece que arrumou outro emprego, não sei direito, ainda não fui lá — a ideia me parecia boa, pelo menos não teria que fazer entrevistas. — O trabalho é tranquilo, mostrar a academia, atender as ligações, fazer cadastro dos novos alunos, controlar a grade de professores. No geral é isso.
— Parece bom, mas nunca trabalhei antes... Não sei fazer nenhuma dessas coisas.
— Tudo bem, Jasmim, você aprende. Não tem muito segredo e o salário é razoável. E então?
— Por mim está perfeito.
Várias horas depois estávamos na casa da Ana. Danny estava lá também, como herói, sendo mimado pelos pais dela, coisa que não deixou minha amiga muito feliz. Meu estômago dava voltas de tanta fome. A Ana me puxou em um canto enquanto o resto da casa babava no Daniel.
— Acaiah, se perguntarem, você desligou o telefone na cara da minha mãe porque os sequestradores te ligaram e mandaram você não falar com ninguém. Aí quando você percebeu que minha mãe estava desconfiada, você desligou.
— Por que os sequestradores iriam me ligar? Nunca ouvi falar de casos onde ligam para a melhor amiga em vez da família.
— Porque eles estavam rondando o colégio e sempre nos viam juntas. A ideia deles era pegar você também, mas como Gabe estava com você, eles não conseguiram — ela falava dos “sequestradores” como se eles realmente existissem. — Agora vamos voltar para a sala.
— Ana! — segurei seu braço.
— Diga.
— Obrigada por ter segurado Michael... — não consegui terminar, a abracei.
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— Você faria o mesmo por mim. Estava me irritando aquele cara te batendo, mas precisei fingir que ainda estava dormindo.
— Ele fez alguma coisa com você?
— Não, Acaiah, ele só me dopou. Você aguentou o pior, lhe garanto — aquilo era um alívio, não queria que ela tivesse passado por tudo aquilo também. — Amiga, choquei, você matou o cara. Essa é a minha garota — sorri para isso, era tão Ana.
— Meninas, o jantar sai em meia hora, se quiserem podem subir com os meninos — disse tia Su.
Foi o que fizemos. Nós quatro fomos para o quarto da Ana. Os meninos ficaram de pé, nós duas nos jogamos na cama. Só ali havia pensado direito no que a Ana havia me dito, como ela sabia que eu tinha matado o Michael?
— Ana, como você sabe sobre o Michael?
— Depois do ocorrido, Danny me contou tudo.
— Contou? — não que eu não quisesse que ela soubesse, mas ele passou tanto tempo escondendo tudo dela, assim como Gabe de mim, que parecia pouco provável.
— Sim. Você sabia que os sugadores podem ter filhos com humanos e que esses filhos nascem normais, quer dizer, humanos também? — não, eu não sabia disso. — Para alguém nascer assim, tem que ter o pai e a mãe sugadores. Legal, não é? Nós duas em um futuro muito distante vamos poder ter filhos — Danny ficou vermelho, Gabe não segurou o riso e meu queixo caiu. Como ela sabia de tudo isso?
— Ana, eu nem tinha pensado nisso — não tinha mesmo, mal conseguia lidar com o fato de ter matado o Michael, quanto mais ter filhos com Gabe.
— Eu me preocupo com tudo, Acaiah — não duvidava disso. — O Danny tem uns 160 anos, sabia?
— Não — porque Gabe não era como o Daniel e me explicava todas essas coisas?
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— Pois é. Descobri que a melhor amiga do Gabe é a Beth, mas nem se preocupe, ela é lésbica e está meio a fim de mim.
— Beth? A sugadora?
— Ela mesma — disse a Ana toda sorridente.
— Como assim meio a fim de você?
— Ela deu umas indiretas para a Ana — disse Danny.
— Se conheço a Beth, não foram indiretas, foram diretas mesmo — disse Gabe.
— Ela é sua melhor amiga? — perguntei a ele.
— É. Beth me ajudou muito quando... Ela me ajudou muito.
— Você não me contou nada disso — estava frustrada.
— Não tive tempo, Jasmim, só isso — Danny tinha achado tempo, mas não reclamei mais sobre isso.
— O filho do Luke e da Júlia, Juliano, foi assassinado por caçadores — disse a Ana. Entrei em choque. Deus, como ela sabia disso tudo? — não me olhe assim, Acaiah, eu socializo, você não. Conversei um pouco com cada um deles.
— Não creio que nenhum deles queira socializar comigo depois que matei o Michael.
— Isso passa, Jasmim — disse Danny.
— Assim espero — respondi.
— Pessoal, o jantar está pronto — gritou a Luíza, irmã da Ana.
— Estamos indo, Lu — respondeu a Ana, com pouca vontade. — Droga, queria te contar todo o resto, Acaiah.
— Como assim todo o resto?
Não fiquei sabendo a resposta disso. Todos nós descemos e nos sentamos à mesa, havia uma maravilhosa lasanha quentinha no meio dela. Gabe sentou ao meu lado, nós ficamos de frente para a Ana e para o Danny. Meu pai ficou do meu outro lado e os pais da Ana um em cada ponta da mesa. A irmã dela não ia jantar, estava esperando o pai de
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uma amiga vir buscá-la, Luíza ia dormir lá. Assim que sentamos ouvimos uma buzina.
— Mãe, pai, estou indo.
— Comporte-se, Luíza — disseram os dois. — Tenha muito cuidado, filha.
O jantar correu bem, nada sobre o suposto sequestro era dito. Tia Su não comentou sobre eu ter desligado o telefone na cara dela, aparentemente estavam todos tão felizes e aliviados por ter a Ana em casa que não quiseram tocar nesse assunto. Nem sobre a minha internação falaram. Incrivelmente nossas vidas pareceram normais por vinte minutos, mas nada é normal comigo, alguma coisa sempre dá errado.
A mãe da Ana servia a sobremesa que era pudim, parecia estar uma delícia. Tio Roberto e meu pai não paravam de falar, acho que ninguém estava prestando muita atenção neles, não até aquele momento pelo menos.
— Alberto, você faz o que nas horas livres? — era normal ele perguntar aquilo, meu pai nunca falava com ninguém, provavelmente só falava com os Werner sobre mim. Sabia que ele tinha alguns amigos no boliche, mas nunca os havia visto.
— Gosto de caçar — meu coração parou, melhor, quatro corações naquela mesa pararam, nos entreolhamos e estávamos todos confusos. Algo me dizia que meu pai não caçava ursos.
— Tem caçado muito? — perguntou o pai da Ana.
— Não recentemente, mas um caçador é sempre um caçador, achar a presa é questão de tempo.
Segurei a mão do Gabe por debaixo da mesa, as minhas mãos estavam frias, completamente geladas, mas ele precisava saber que eu estava ali.
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Epílogo
GABE
Jasmim segurou minha mão, ela estava gelada, aquele maldito era um caçador. O pai dela era daquela raça, a raça que nos perseguia. Era igual àqueles que matavam todos que amávamos, assim como meus pais, minha família, minha irmã. Foi preciso muito autocontrole para não pular sobre a mesa e socar a cara daquele filho da mãe. Não me movi, não segurei a mão dela, não devolvi o apoio que ela estava me dando.
Meses namorando a Samara para quê? A bosta do inimigo era pai daquela que significava tudo para mim. Achávamos que era o pai da Samy, mas estávamos errados o tempo todo.
Estávamos atrás desse desgraçado há muito tempo, o chefe de todos os caçadores. Esses caras eram mortais, envelheciam normalmente como qualquer humano, mas sempre havia um chefe, um alfa entre eles. Luke recebeu a pista de que ele morava aqui. Todos nós viemos, Danny e eu começamos a estudar naquele colégio, Alan disse que o mais provável de ser o caçador era o senhor Parker, advogado corrupto que fazia de tudo para ganhar suas causas nos tribunais e nunca estava em casa. Esse é o ponto chave para achá-los, eles nunca estão com a família, estão sempre caçando.
Como não percebi que era ele? A Jasmim estava sempre sozinha, como me permiti ser tão cego? Namorei aquela garota à toa, me privei da Jasmim por nada.
Nossa função era matar o chefe dos caçadores, assim os outros ficariam dispersos e diminuiriam as caças até nascer um novo chefe. Luke já tinha feito isso uma vez e havia dado
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certo, mas ele era o pai dela. Eu poderia tirar a única família que ela tinha? Ela iria me perdoar? Não, sabia que não.
Tinha que tomar uma decisão. Para matar um caçador, teria que sugar ou ao menos estar com os olhos de um sugador, assim ele ativaria seus olhos, que funcionavam como um espelho. Por isso os sugadores morriam ao olhar diretamente para um caçador. Mas com um espelho era eles quem morriam e por isso sempre carregávamos um espelho conosco. Ficar com os olhos de um sugador, entretanto, não era simples, isso não funcionava quando queríamos, precisávamos estar com “fome”. Isso às vezes demorava vários dias, apesar de que não me alimentava fazia tempo e desde Michael ter me sugado me sentia estranho. Quem sabe com a adrenalina de atacar o chefe dos caçadores, eu conseguisse matá-lo. Tinha o espelho comigo, tinha Danny para me dar cobertura. Tinha vontade de sobra para fazer isso, depois poderíamos nos mudar e viveríamos em paz por um bom tempo.
Jasmim apertou mais minha mão, sabia o que ela sentia, tínhamos essa habilidade. Algo parecido com o que os cachorros faziam, era só farejar. Ela estava com medo, não do seu pai, medo de eu ir embora e para ser franco ela tinha motivos para isso, porque eu estava considerando a possibilidade.
Considerando matar o pai dela, bem diante dos seus olhos, e fugir. Éramos bons em fugir, mas olhei para ela, encarei seus olhos verdes e não tive dúvidas de que caminho seguir.
Não suportaria um dia longe dela, não suportaria seu ódio, me desprendi da conversa na mesa, que já havia mudado. Danny estava conduzindo tudo muito bem. O pai dela levantou e colocou a mão no meu ombro enquanto falava, não sei bem ao certo o que ele estava falando, não tirei meus olhos do dela. Jasmim apertava minha mão com toda sua força, se agarrava a mim, com todas as suas esperanças. Apertei sua mão também entrelacei nossos dedos.
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— E quanto a você, rapaz? O que gosta de fazer? — não sei se ele sabia que Danny e eu éramos sugadores, mas ele pareceu me incitar para ver se reagiria à provocação.
— Senhor, se me permite dizer, todas as coisas que gostava de fazer ficaram em segundo plano depois que conheci sua filha. Não existe nada mais importante e que eu goste mais do que a Jasmim — esperava que com isso ficasse claro para aquele boçal que ela era tudo para mim e que eu não aceitaria suas provocações. Ela era maior que tudo isso, maior que o ódio que sentia por esses caçadores.
Beijei sua testa, ela pareceu tão aliviada. Não ia perdê-la, não sem lutar. As coisas não seriam fáceis, não com um caçador tão próximo, não comigo querendo me alimentar dela o tempo todo. Isso estava me consumindo cada dia mais.
Não importa em que maldita luta tenha que entrar, farei isso ao lado dela, porque esse é o meu lugar.
FIM.
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