quarta-feira, 19 de junho de 2013

Amor para despertar

Amor Para Despertar
Hired: Nanny Bride
Cara Colter
Uma babá em um milhão...
O playboy e magnata Joshua Cole não contava ser incomodado por uma babá sem
graça e um bebê chorão em seu escritório ricamente mobiliado. Mas a criança em
questão é seu sobrinho, então ele se prontifica a ajudar! Dannie Springer tem se
escondido dentro de um sério uniforme de babá desde que seu coração foi partido.
Porém, depois de algumas semanas convivendo com Joshua, ela começa a enxergar o
verdadeiro homem, e não somente o executivo em ternos sofisticados. Em contrapartida,
Joshua se vê dominado por um desejo íntimo de conhecer a verdadeira Dannie...
Disponibilização: Projeto Revisoras
Cara Colter - Amor Para Despertar (Special 66)
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Tradução Fabia Vitiello HARLEQUIN 2012 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: HIRED: NANNY BRIDE Copyright © 2009 by Cara Colter Originalmente publicado em 2009 por Mills & Boon Romance Projeto gráfico de capa: núcleo i designers associados Arte-final de capa: núcleo i designers associados Editoração eletrônica: ABRELTS SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11) 2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186/2195-3185/2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virgínia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br
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CAPÍTULO UM Joshua Cole ouviu o som pouco familiar e foi tomado por uma sensação inquietante. Algo que sentia tão raramente que demorou alguns segundos para identificar. Medo. Joshua se orgulhava de ser o tipo de homem que pura e simplesmente segue em frente sem hesitar, sem olhar para trás, não importando que tipo de situação ocorra à sua volta. Habilidade fundamental nas altas esferas do poder pelas quais transitava com tanto sucesso. Apanhando o interfone para se comunicar com a secretária que trabalhava na antessala, Joshua parecia completamente à vontade no escritório moderno, decorado com cuidado. Uma parede inteiramente de vidro revelava uma vista fantástica de Vancouver. Arranha-céus ousados e impressionantes contra a imensidão azul. Apesar de parecer integrado àquele ambiente, a voz de Joshua, quando foi atendido pela secretária, revelava uma ponta de... Apreensão. — Diga-me que não ouvi o que penso ter ouvido, srta. Amber. Mas, de repente, lá estava o som mais uma vez, atravessando a maciça porta entalhada, um tesouro artesanal, que separava seu escritório do resto do mundo. E o pior: o som fora amplificado pelo interfone. Não havia como alguém se enganar, aquele som odioso era o choro de um bebê. Primeiro, soluços altos e hesitantes, e depois, gritos estridentes. — Bem, sr. Cole... Foi dito que o senhor estaria esperando por eles — explicou insegura sua recepcionista, Amber, tendo que falar um pouco mais alto que o tom bem modulado e discreto que costumava usar, movida pelo pânico ou apenas para se fazer ouvir diante dos gritos do bebê. Joshua não tinha certeza. Claro que ele os esperava. Mas não hoje. Não em seu escritório. Crianças, particularmente bebês chorões, eram tão bem-vindas em qualquer um dos escritórios da empresa que ele fundara quanto um touro em uma loja de cristais. Joshua Cole construíra sua fortuna e seu império elaborando e administrando resorts de alto nível. Eram hotéis diferenciados que pertenciam a seu grupo, o Sun Empreendimentos. Cada resort ou hotel de sua rede estava baseado no conceito de divertimento exclusivo para adultos e ambientes livres de crianças. Seu escritório nada mais era que um reflexo do estilo que fizera de seu empreendimento um sucesso: ambientes de bom gosto, modernos e bem decorados, tudo muito clean e equilibrado. Obras de arte autênticas, antiguidades raras, tapetes feitos pelos melhores artesãos do Oriente Médio, tecidos caros revestindo móveis e almofadas. Nada ali estava sobrando ou fora do lugar. O uso habilidoso de texturas inusitadas e cores exóticas transformava o escritório de Joshua Cole em um oásis masculino, sedutor e carismático. Quando Joshua se sentava à sua cadeira, a parede atrás dele mostrava uma centena de capas de revistas para homens de negócios e empreendedores com ele nas capas. Joshua Cole era uma celebridade no mundo dos negócios. E fora dele. Tudo naquela sala remetia a conceitos como sucesso, riqueza, autoestima, coragem.
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Naquela manhã, até ser rudemente interrompido por um bebê que ousava manifestar-se em seus domínios, Joshua Cole estudava com afinco aquilo que, esperava, fosse transformar-se em seu novo projeto. Sua mesa estava coberta com pilhas de fotos de um resort falido, ou quase, em uma região praticamente selvagem do interior da Colúmbia Britânica. Ao examinar aquelas fotos cuidadosamente, Joshua tinha aquela sensação, aquela que o acometia quando estava prestes a abraçar um projeto fadado ao sucesso. Ele podia sentir nos ossos que aquele lugar seria mais um de seus resorts espetaculares. O hotel Cabanas do Lago do Alce tinha tudo para se tornar o destino preferido dos aventureiros endinheirados do hemisfério Norte. Yuppies em busca de diversão, esportes de inverno, aventuras e relaxamento iriam uma primeira vez ao Cabanas por confiar no conceito dos resorts que faziam parte do grupo Sun Empreendimentos. Mas, depois que conhecessem o lugar... Depois que desfrutassem de suas acomodações luxuosas, depois que tomassem parte em suas atividades... Nunca mais deixariam de ir. O lugar se tornaria rapidamente a estrela de seu império. Ele tinha certeza. Os clientes do grupo Sun Empreendimentos eram executivos, líderes em suas áreas, pessoas ricas e mimadas que exigiam refeições cinco estrelas, acomodações incríveis e hotéis controlados por equipes que praticamente adivinhassem seus menores desejos e satisfizessem seus menores caprichos. Eram pessoas que trabalhavam duro, que ganhavam muito dinheiro e que, em seus momentos de folga, queriam relaxar, queriam ser bem tratadas, esquecer do mundo lá fora e não se estressar com absolutamente nada. A primeira tentativa de negociação para a compra do Cabanas do Lago do Alce não tinha ido bem. Os donos sequer queriam conversar com ele, quanto mais vender a ele seu precioso hotel. Joshua percebeu que sua reputação de playboy pesara na relutância dos donos. Eles temiam que seu adorado hotel caísse nas garras de um mulherengo irresponsável e que isso afetasse toda a região pacífica onde ele estava instalado. Ora, bolas. Eles realmente acreditavam que um mulherengo irresponsável construiria um império do tamanho da Sun Empreendimentos? Joshua sabia que o hotel tinha sido fundado em 1930, baseado em valores familiares e que, ao longo das décadas, oferecera lazer e diversão para... Bem, famílias. Mas os tempos eram outros. O dinheiro mudara de mãos e quem mandava agora, quisessem ou não os donos do lugar, eram os solteiros endinheirados. Aliás, era exatamente por não atender a essa visão que o hotel se encontrava em péssimas condições financeiras. E o apego dos donos ao lugar não ajudava a ninguém, nem a eles nem à região que precisava desesperadamente do dinheiro que o turismo poderia oferecer, nem... Nem a Joshua. Diabos, ele queria o lugar. Sabia que o faria dar certo, sabia que tinha uma mina de ouro em potencial bem debaixo de seu nariz. Apego emocional não pagava as contas, eles ainda não tinham aprendido isso? Joshua Cole fizera sua lição de casa e sabia muito bem que não havia exatamente uma fila de compradores, ávidos por adquirir o Cabanas. Por isso, já tinha arquitetado sua próxima jogada. Ele iria até lá, convencer pessoalmente a família Baker, os donos do lugar, de que seria capaz de respeitar a história do lugar e, ao mesmo tempo, modernizar o hotel, transformando-o em um destino de férias atraente e rentável. Um lugar do qual todos se orgulhariam. Joshua sabia que indo até lá pessoalmente conseguiria dobrá-los. Ele era um ótimo negociador. Ah, como adorava trabalhar nesse ramo! Adorava todos os aspectos da hotelaria:
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comprar, reformar, inaugurar e gerenciar. Joshua era dono de um resort na floresta amazônica que oferecia atividades, como arborismo, e de outro resort, na savana africana, onde se realizavam safáris fotográficos. Tinha também um hotel na Itália, na região da Toscana — na verdade, uma pousada exclusiva e cheia de estilo — onde seu império começara, que oferecia festivais gastronômicos respeitados em toda a Europa e degustações de vinhos. Mais recentemente, o grupo Sun Empreendimentos inaugurara um resort no Havaí, voltado para o público que amava surfe, atividades aquáticas e que podia pagar pelo hotel cinco estrelas em um dos destinos mais lindos do mundo. E nenhum, nenhum mesmo desses hotéis, permitia a entrada de crianças. Claro que entre os clientes de Joshua havia solteiros sem filhos, mas vários dos hóspedes eram pais. Pais cansados, estressados e desesperados por alguma diversão. Sem. As. Crianças. — Buá! Buá! Jesus, que barulheira! Como um ser tão pequenino podia gerar tantos decibéis? Não era de espantar que sua irmã, Melanie, a deusa do lar, a mãe perfeita, aceitara de presente uns dias em um dos hotéis do irmão. Ela e o marido precisavam mesmo de férias. E Joshua adorava a irmã. Uns dias no Havaí lhe fariam bem. Mas por que ela já estava ali com as crianças? A viagem fora marcada para amanhã. O avião que os traria de Toronto chegaria às 10h da manhã em ponto. Joshua planejara cada detalhe pessoalmente e supervisionara cada providência tomada por sua secretária. A irmã, o marido dela e os filhos chegariam de avião a Vancouver. Joshua iria até o hangar, onde daria um abraço na irmã, elogiaria o sobrinho e a sobrinha, de preferência de longe, sorriria para o cunhado e veria a babá caríssima que ele contratara levar as crianças para um hotelzinho simpático no interior, que adorava crianças. Melanie e o marido entrariam no avião particular de Joshua rumo ao Havaí e a babá e as crianças iriam num carro alugado por Joshua para o hotel no interior. Ele acenaria para todos e voltaria a seus afazeres. Férias luxuosas para mamãe e papai, babá da realeza inglesa para cuidar dos pequenos, titio Joshua seria o herói da década. O bebê chorava sem parar. A criaturinha certamente não respirava como os demais mortais. Esse bebê tem pulmões de aço, pensou Joshua, sentindo uma enxaque-ca se formar a partir de sua têmpora direita. Meu Deus. As pessoas passavam voluntariamente por aquilo. Bem, algumas pessoas. Joshua dera aquelas férias para sua irmã e Ryan, o cunhado, após o nascimento do segundo bebê, um menino. A verdade é que Joshua ficara alarmado ao ver a irmã tão desgastada, tão exaurida em suas conversas pela câmera do computador. Mas ele deveria saber que as coisas nunca aconteciam como o planejado quando a irmã estava envolvida. — Que diabos está acontecendo aí, srta. Amber? — Bem, sr. Cole... Há uma senhora aqui com duas crianças, um bebezinho e uma menina, e ela diz que... — Eu sei quem está aí aprontando essa confusão. Estou perguntando por que eles chegaram com um dia de antecedência. E por que esse bebê não para de chorar. Crianças e seus humores eram a única coisa capaz de abalar a calma e a elegância de Joshua. — O senhor sabe quem eles são? — perguntou Amber. — Mas então, sr. Cole, por que o senhor não... Ei! Menina! Você não pode entrar aí de jeito nenhum!
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Mas antes que Amber pudesse tomar alguma providência, a porta maciça, que costumava proteger Joshua Cole do resto da humanidade, foi aberta. Pelo vão, passou uma garotinha sorridente de 4 anos e atrás dela uma mulher estranhamente calma no meio daquele caos, com um bebê berrando nos braços. Ei. Aquela não era sua irmã. Assim que o viu, sua sobrinha parou de sorrir e avançou para cima dele. Como os gatos, crianças se sentem estranhamente atraídas por quem não se sente à vontade junto delas. Em sua última visita à casa da irmã em Toronto, Melanie estava.grávida, esperando o bebê que agora desafiava as leis da Física tentando romper a barreira do som. Joshua passava todo o fim de semana tentando se livrar da pequena, que insistia em ir com ele a todos os lugares, andar ao seu lado com as mãozinhas agarrando as suas calças e fazer todas as refeições em seu colo. Por Deus, se ele permitisse, a pequena teria dormido com ele todas as noites. Joshua Cole voltou sua atenção para a mulher que acompanhava seus sobrinhos. Fazia tempo que não via uma mulher como aquela. Afinal, estava cercado, durante todo o dia, por mulheres superatraentes, altas, bem cuidadas, com corpos esculpidos por exercícios e cirurgias, que usavam roupas deslumbrantes, cabelos perfeitamente arrumados e eternamente maquiadas. Suas funcionárias eram assim, seus casos também. A mulher parada na frente dele era, por assim dizer, o retrato fiel do que se pode esperar de uma babá. Sem um pingo de maquiagem, cabelos presos, sapatos baixos e fechados, blusa branca, saia preta até os joelhos e meias pretas grossas que terminavam em sensatos mocassins pretos. Por cima de tudo isso, um casacão. Preto, é lógico. Tudo nela gritava "senso de dever". Eis aqui, pensou Joshua, um ótimo exemplo de alguém que deixou a si mesma de lado em nome da criação dos filhos. E o pior, filhos dos outros. Bem, ele sempre soube que era isso o que as crianças faziam. Ela era mais jovem do que ele esperava e parecia muito digna e composta, apesar da idade e da lamentável escolha de profissão. Um delicado medalhão dourado pendurado no pescoço da moça chamou a atenção de Joshua para sua pele branca e imaculada. Mechas de seu cabelo preto escapavam do coque, mas aquilo não emprestava a ela o ar desleixado que Joshua vira em outras mulheres. Era como se as mechas lembrassem a ele que havia algo mais ali, que não lhe era permitido. E então os olhos dela encontraram os dele. Eram olhos turquesa, de um azul profundo, camadas e camadas de azul, que não precisavam de maquiagem para brilhar. Infelizmente havia algo de desaprovação neles. O rosto dela revelava frescor, doçura, ainda que, sorriu ele para si mesmo, ela tentasse parecer severa. Era como se ela fosse a única coisa real naquela sala, naquele mundo fantasioso que Joshua criara para si com tanto cuidado. Aquela mulher emoldurada pela porta da sala dele era um lembrete de que faltava ali algo essencial, fundamental naquele mesmo lugar onde, segundos atrás, Joshua Cole julgara ter tudo. — O titio odeia a gente — disse a sobrinha dele, Susie, tirando Joshua do devaneio e devolvendo-o à terra dos bebês barulhentos. Droga. Um segundo antes de ele dar seu sorriso mais sedutor para a moça. Que menina... certo. Controle-se. Mas antes que ele pudesse apresentar qualquer tipo de desculpa, a moça disse: — Ora, Susie, que coisa feia de se dizer! — A voz dela era rouca e baixa. Meu Deus. Joshua sabia que teria problemas com aquela voz e aqueles olhos azuis. — Eu não odeio vocês, Susie. Não diga isso — disse ele, perturbado por ter sido
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posto na defensiva por alguém que, apenas há um ano, andava atrás dele, beijando-o e abraçando-o em qualquer oportunidade e fazendo desenhos que mostravam, em uma versão um tanto abstrata, afinal a artista tinha 3 anos na época, uma menina e seu tio. — Tenho medo de vocês. Há uma diferença. — Ele tentou sorrir. A moça tocou o medalhão em seu pescoço com sua mão livre, como se fosse dizer alguma coisa. — Você odeia a gente sim! — exclamou Susie muito dona de suas opiniões. — Por que você acha que papai e mamãe precisam de férias da gente? Ele encarou a menininha. — Bem... por que será, não é mesmo? — Jesus! Joshua estava na mesma sala que as crianças há trinta segundos e ele precisava de férias. — Ela só está cansada, sr. Cole — disse finalmente a babá. — Susie, vamos nos acalmar, querida. — Joshua não conseguia desviar os olhos da mão dela sobre o meda-lhão. Havia algo de delicado e inseguro naquele gesto, feito pela mulher tão calma e segura. Ele estava intrigado. — Senhor, parece ter havido um pequeno esquecimento — continuou ela — da parte de quem deveria nos buscar no aeroporto. — Bem, parece que tivemos algum problema com as datas. Se a senhora tivesse ligado para cá, alguém teria ido buscá-los no aeroporto. — Senhorita — corrigiu ela, sem alterar a expressão. — E eu liguei, sr. Cole. Mas, aparentemente, apenas pessoas muito, muito importantes podem falar com o senhor ao telefone. Oh, meu Deus! — Eu sinto muito, realmente. E onde está minha querida irmã? — Bem, ela nos deixou no saguão do aeroporto, e então ela e o marido correram para o balcão de uma companhia para procurar passagens, conseguiram embarcar imediatamente para o Havaí. Cole estava mudo. Nunca vira tamanho desprezo por uma combinação. — Aquelas mulheres estão sem roupa? — perguntou Susie, apontando para um vaso de cristal caríssimo e muito raro que adornava a mesa de café. Em alto-relevo no cristal azul, silhuetas femininas decoravam a peça que custara em torno de 40 mil dólares. Só de pensar em ter crianças agitando-se em torno daquela obra de arte, Joshua sentia... — Susie, eu pedi para você se acalmar. — Sinto muito, srta. Pringy — murmurou Susie. — Mas elas estão sem roupa, sim. — Querida, tenho certeza de que, no círculo de amizades de seu tio, esse vaso é considerado um elemento de decoração adequado. Srta. Pringy. Bem, então agora a querida, severa e bastante atraente, quando Joshua parava para pensar, srta. Pringy, achava que ele não apenas odiava criancinhas, como ainda por cima era um velho libertino. Que ótimo. — E que círculo, de amizades seria esse, senhorita? — perguntou Joshua erguendo uma sobrancelha. — Tive o prazer de ler tudo sobre o senhor no avião, sr. Cole, durante a nossa viagem para cá. Esclarecedor. O senhor é uma... celebridade. Digamos assim. O tom dela completava a frase. Um playboy, superficial, arrogante e esbanjador.
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Pelo jeito, ele fora julgado e condenado antes mesmo de a moça descer do avião. Joshua Cole não permitiria que uma... Mulher, saída sabe Deus de onde, o julgasse daquela forma. Era só o que faltava. — Sou um homem de negócios, senhorita. Não uma celebridade. — Ele sabia que aquele título ridículo de "Solteiro Mais Sexy do Mundo", traria problemas. — As revistas de celebridades não são o veículo ideal para conhecer alguém. E, certamente, elas não dizem tudo sobre quem quer que seja. Não passo meus dias sem camisa, passeando de lancha com modelos, nem sobre uma prancha de surfe, nem voando de jatinho atrás das melhores festas. Passo meus dias aqui. Trabalhando. Ou viajando para inspecionar meu hotéis. Ah, sim, e usando camisa, senhorita. Sempre. Aquele era o tipo de fofoca que atrapalhava seus negócios. Era por causa de coisas como essa que os donos do Cabanas não queriam vender seu hotel. Quem poderia confiar em um bon-vivant de 30 anos que, segundo a imprensa especializada, passeava pelo mundo de bar em bar, com uma mulher a cada noite, bebendo e fazendo sabe-se lá que outro tipo de coisa sórdida? De qualquer forma, não ficaria ali parado sendo criticado pela srta. Pringy, por mais macios que os lábios dela parecessem. Ah... de onde viera esse pensamento? — Desculpe-me, sr. Cole — disse ela, sem parecer arrependida de fato. — Claro que o senhor tem razão. — Ela ainda tocava o medalhão em seu pescoço, como se fosse um amuleto e Joshua fosse um lobisomem. — Bem, meu nome é Danielle Springer. As crianças me chamam de Dannie. — Ou de srta. Pringy — disse ele sorrindo. Sob circunstâncias diferentes, muito, muito diferentes, Joshua tinha certeza de que ele a acharia sexy. — -Fui informada de que o senhor nos encontraria no avião. — Parece que tivemos algum problema com as datas — disse ele pela segunda vez. — Isso não é incomum quando minha irmã está envolvida. — Bem, não é fácil planejar uma viagem quando crianças estão envolvidas, sr. Cole. — Mas não é exatamente para isso que Melanie conta com sua ajuda, srta. Springer? A senhorita é a babá das crianças, não é, não a babá inglesa que contratei para as férias. Ela ergueu o queixo e o encarou. — Sabe, não me espanta que o senhor acredite que uma viagem dessas é apenas uma questão de empacotar roupas e escovas de dente. — Ah, não? — Cuidar de crianças é mais do que dobrar camisetas e amarrar seus tênis, sr. Cole. E sua irmã sabe disso. — Santa Melanie — disse ele. — O que isso quer dizer? — Que estou sempre levando broncas nada agradáveis sobre como sou imaturo, inadequado e sobre como não conheço nada do mundo real — disse ele. — Mas, apesar de ser um sujeito tão mau, srta. Springer, um devasso, malvado com criancinhas, realmente tinha certeza de que vocês chegariam amanhã. Minhas mais sinceras desculpas. Não quis chatear nenhum de vocês, especialmente você, Susie.
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A menina olhou para ele com ar de suspeita e depois enfiou o dedão na boca. Certo. Dannie ajeitou o bebê em seu braço e, com delicadeza, afastou o dedo de Susie da boca. De repente, Joshua percebeu que, apesar da seriedade e do profissionalismo de Danielle, ela estava cansada. De forma totalmente inesperada, ela andou na direção dele e estendeu o bebê. — O senhor se incomoda em segurar seu sobrinho um instante? Acho que preciso trocá-lo. Vou pegar uma fralda limpa na sacola. Por um momento, Joshua Cole, empresário, administrador, empreendedor, bilionário por mérito próprio e filantropo, ficou completamente paralisado. Antes que pudesse preparar-se ou sequer pensar no que estava acontecendo, tinha Jake, seu sobrinho, em seus braços. Um bebê chorão, gorducho, bastante agitado e, ao que tudo indicava, com a fralda suja. Céus! Joshua fechou os olhos, tentando imaginar-se em outro lugar. Mas uma lembrança de muito, muito tempo atrás tentou se insinuar em sua mente, enquanto sentia o peso morno do bebê em seu colo. Não. Agora não. E foi então que Joshua notou uma enorme mancha em sua gravata de seda e outra em sua camisa cara. Oh, Deus. Bem, pelo menos Danielle pensara que a reação dele ao segurar o bebê fora por causa do xixi. O bebê se acalmou no colo do tio. Por aproximadamente dez segundos. Mas depois franziu a testa. Seu rostinho ficou vermelho. E ele urrou, fazendo com que todo o choro ouvido até então parecesse coisa de amador. — O que há de errado com ele? — perguntou Joshua olhando pálido. — Bem... pelo jeito não é apenas xixi. Meu Deus, o cheiro. — Srta. Amber! — gritou ele. — Chame a polícia! Estão tentando me matar! — O rosto de Danielle se abriu num quase... Ah, o que seria aquilo? Um sorriso? Pelo menos O esboço de um? Joshua gostou de fazê-la rir. De quase fazê-la rir. E então, subitamente, os céus se abriram e Danielle gargalhou. Um som cristalino. Ele a fizera rir. Rir de verdade. Ele a fazia feliz e aquela era a melhor sensação que Joshua tinha em muito, muito tempo. A secretária dele apareceu na porta do escritório, parecendo estarrecida com toda a situação. — Ah... sr. Cole? Há algo que eu possa fazer? Olhando para Danielle, Joshua perguntou: — Do que vocês precisam? — Bem — respondeu ela —, as crianças ainda não comeram. Será que elas podem almoçar? — Às 11h? Da manhã? — Sr. Cole, crianças comem nesse horário — respondeu ela, recuperando sua dignidade. Olhando em volta, para o caos que se instalara em seu escritório, imaculado até
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então, Joshua procurou uma resposta. Então, baixou os olhos e viu o rosto do bebê em seus braços. Sim. Dentre todas as pessoas do mundo, ele deveria saber quão rápido uma criança muda tudo o que está à sua volta. Um bebezinho minúsculo envolto em uma linda manta azul, na porta de um hospital e... Pare com isso, seu maldito imbecil, ordenou Joshua a si mesmo abanando a cabeça para afastar os pensamentos que não deveria ter. Joshua olhou de novo para Danielle, que, notando que ele não sabia o que fazer, decidiu: — Vamos fazer o seguinte. Enquanto troco Jake, o senhor pede o almoço. — Espere aí um instantinho, vocês vão comer aqui? — Há um refeitório neste prédio? Não, não havia, claro. Vencido e humilhado pela adversária, Joshua removeu o caríssimo vaso de cristal de cima da mesinha de café, pediu à secretária que encomendasse o almoço e depois se voltou para Danielle. — Bem, há um banheiro confortável atrás daquela porta, se a senhorita não se incomodar em trocar o bebê lá, srta. Pringy... — Springer — corrigiu ela, dirigindo-se ao banheiro com o bebê novamente em seu colo. Instantes depois ela voltou, trazendo um Jake calmo e sorridente. Notando que ele não apenas tirara o vaso com as mulheres nuas da mesa, mas que também havia jogado um suéter sobre ele para esconder as mulheres nuas, Danielle olhou para ele e disse: — Obrigada. — Não por isso. Olhe, a comida está aqui — disse ele, apontando para os sanduíches e copos de suco. — Não é nada legal ficar pelado — disse Susie ao tio, apanhando uma batatinha. — Bem, minha querida, depende... — começou a dizer Joshua, parando subitamente ao notar o olhar que Dannie lhe dirigia. — Mudando de assunto, assim que vocês terminarem de comer, vou tomar as providências para enviá-los a Whistler. Vocês vão amar o lugar. — Whistler? — perguntou Danielle. — Melanie não disse nada sobre isso. Ela disse que ficaríamos com o senhor. — Eu não quero ficar com ele — afirmou Susie. — Ele odeia a gente. Ele se perguntou se deveria mostrar à sobrinha o desenho da menina e do titio que ela rabiscara para ele menos de um ano antes, cheio de coraçõezinhos tortos, que ele cuidadosamente mantinha dobrado em sua carteira. Melhor não. Danielle encararia o gesto como uma fraqueza, uma tentativa de chantagem. — Não se preocupe, Susie — disse ele. — Vocês não ficarão comigo. Tenho que viajar e não quero... — Não se atreva a terminar essa frase, sr. Cole. Ei, como se o dia já não tivesse sido bastante cheio de surpresas, agora ele tinha uma babá plantada em sua sala, comendo sanduíches e fazendo ameaças! — Srta. Amber! — chamou ele. A secretária apareceu prontamente em sua porta.
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— Sim, sr. Cole. — Fique com as crianças um instante. A srta. Pringy e eu temos que trocar uma palavrinha. A sós, Amber parecia apavorada. — Mas, sr. Cole. Ficar com eles? Como assim? — Fique com eles na antessala um pouco, Amber, por favor. Concordando com a cabeça, ela estendeu os braços para pegar o bebê. — Vá, querida — disse Danielle a Susie. — A srta. Pringy e o titio vão conversar. — O senhor não ia dizer que não queria ficar com eles, ia? — perguntou ela assim que a porta foi fechada. Aquela mulher o incomodava. Seu jeito autoritário o incomodava, a forma inadequada como se comportava e falava com ele o incomodava. Mas, respirando fundo, Joshua resolveu não fazer caso de nada disso. Ele só queria resolver a questão e continuar seu dia. — Srta. Springer. Fiz arranjos para que a senhorita fique com as crianças em um hotel maravilhoso, cheio de atividades para Susie. Não sei o que minha irmã irresponsável disse, mas não há a menor possibilidade de que vocês fiquem comigo. Tenho muito que fazer, uma viagem a trabalho e muitas coisas a resolver. — Não. Eu não aceito isso — disse ela simplesmente. — Como é? — Joshua não estava acostumado a ouvir palavras sequer parecidas com aquelas. — Não aceito nada disso. Não foi esse o combinado. — Pelo amor de Deus. — Melanie não me disse nada disso. Ela disse que ficaríamos com o senhor. E é ela a minha patroa, não o senhor. Meu Deus, Joshua amava a irmã, mas Melanie era uma criatura irritante. Era uma excelente mulher de negócios e, enquanto trabalhara com ele, era um tufão no escritório. Mas um belo dia, quebrando todas as regras, apaixonara-se por um cliente, casa-se com ele e tivera bebês. E agora parecia ter enlouquecido. Errando a data dos compromissos. Dispensando o jatinho dele e pegando vôos comerciais. Empurrando as crianças para cima dele. — Por que o senhor convidou as crianças para visitá-lo se queria apenas dispensá-las o mais rápido possível? — Eu... eu... — Que mulher impossível. — Minha irmã se enganou! Ela se enganou sobre a data e sobre o que as crianças fariam, e com quem ficariam na ausência dela! — Susie e Jake são as prioridades da vida de sua irmã, sr. Cole. Tenho certeza de que ela não se enganou. Abanando a cabeça, Joshua disse: — Senhorita, não quero brigar. Vou ligar para o hotel e avisar que vocês chegarão lá um dia antes. — Sr. Cole sinto muito, mas nós não iremos. — Como não? — Um hotel frio e gigantesco, cheio de recreacionistas não é o tipo de lugar adequado para férias de crianças. Não vamos.
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— Meu Deus — gemeu Joshua. — Diga-me, por favor, qual é o tipo de férias adequadas para as crianças, então? Ele estava preparado para qualquer coisa. Poderia mandá-los para a Disneylândia, para a praia, para a Riviera Francesa. Para qualquer lugar que ela quisesse. — Crianças têm que ficar com as pessoas que as amam, sr. Cole. Assim, vamos passar nossas férias com o senhor. Epa. Joshua não estava preparado para qualquer coisa, afinal. Férias? Com ele? Alguém ali sofrera danos mentais severos. Talvez a irmã. Talvez aquela linda moça, com lábios sensuais e olhos misteriosos parada à sua frente. Alguém não estava bem e deveria ser internado pelo resto da vida em uma instituição. — Senhorita, eu... Eu o quê?, perguntou Cole a si mesmo. O que ele diria à bela srta. Danielle Springer? Quanto de seu passado e de suas dores estaria disposto a revelar, na tentativa de explicar a ela por que ele não poderia passar nem uma hora inteira com aquela menininha bonita e aquele bebê gorducho adorável? Ali estava ele. Abrindo-se para a extraordinária e aterrorizante experiência de passar as férias com crianças pequenas. E permitindo-se pensar em sua dor maior mais vezes naquela manhã do que pensara em anos. Seu filho. Ele queria ser um homem melhor e merecer a confiança de sua irmã e daquelas crianças bonitas que esperavam por ele na sala de espera. Mas Joshua perdera a fé em si mesmo e em sua habilidade em fazer a coisa certa há muito tempo. A irmã nunca soube da gravidez de sua colega de faculdade. — Bem, sr. Cole, e o que o senhor fará conosco? As crianças precisam descansar, precisam tomar banho e tirar uma soneca. Joshua estava com medo. E tão cansado quanto as crianças. Na verdade, ele também gostaria de uma soneca. E de repente ele se deu conta de que aquelas crianças eram mesmo sua responsabilidade. Sangue de seu sangue. Seja um homem melhor, disse ele a si mesmo. Joshua finalmente cedeu. — Tudo bem, srta. Springer. Ponto para a senhorita. Fico com as crianças. Danielle Springer olhou para ele com surpresa e sarcasmo. Claro. Mas não importava. Joshua Cole faria o que o certo. CAPITULO DOIS Dannie se sentou no banco de trás do táxi, louca de raiva. A próxima vez que eu vir Melanie, vou matá-la, decidiu. Aquela confusão era inadmissível para uma mulher que se
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orgulhava de si mesma por sua natureza estável e também por sua calma imperturbável. Joshua Cole era o tipo do homem que a deixava fora de si. Ele era um pacote de masculinidade e beleza completo, com aquele sorriso brilhante, aqueles olhos cor de jade, o rosto masculino, a atitude, as roupas sofisticadas e caras que cobriam seu corpo esguio e bem trabalhado. Nem a santa Madre Teresa teria forças para se manter inabalável. Dannie sabia que o irmão de Melanie era atraente. Tinha visto duas fotos dele na casa de Melanie. Não que essas fotos a tivessem preparado para o que Joshua Cole era em carne e osso. As duas fotos de Melanie mostravam seu irmão através das lentes de uma família comum. Nada extraordinário a respeito de Joshua aos 12 anos, na praia, magrinho, sem nenhum indício do homem que ele viria a ser. Na verdade, havia um sorriso travesso no menino de 12 anos que parecia ter sumido inteiramente do rosto do homem adulto. A outra foto mostrava Joshua em um uniforme de futebol do colégio, irritantemente arrogante e confiante. Apesar de ser inegavelmente bonita, aquela foto mostrava apenas um vislumbre do homem que ele era agora. — Ele nunca terminou o colégio — dissera Melanie com um toque de tristeza, quando viu Dannie olhando para a fotografia. Por alguma razão, Dannie pensou que a tristeza fosse pelo potencial perdido do irmão dela. Melanie parecia ver Joshua como o caçula irritante, especialista em frustrar todos os esforços dela em interferir em sua vida com sua sabedoria e bem-intencionada orien-tação fraternal. Das não tão freqüentes menções que Melanie fazia, Dannie concluiu que ele gerenciava um hotel ou uma agência de viagens, não que ele era o presidente e diretor-executivo de uma das mais importantes companhias do mundo! Então, o artigo na revista de celebridades foi um choque. Primeiro, as fotos capturaram um pouco do puro magnetismo daquele homem. O garotinho travesso era apenas uma vaga lembrança na realidade deste homem decididamente sensual, musculoso, másculo, à vontade com seu corpo, ostentando uma confiança que muitos homens jamais dominarão. Melanie certamente nunca indicou seu irmão para candidato ao "Solteiro Mais Sexy do Mundo", mesmo que o estado civil dele pareça aborrecê-la. O perfil de Joshua traçado na revista parecia combinar mais com o homem das fotos do que as informações casuais que Melanie dava sobre ele. A revista o descrevia como podero-so, engajado e terrivelmente charmoso. E isso era apenas quanto à personalidade. Profissionalmente era como líder. Sua idéia de abrir hotéis somente para adultos era vista como brilhante. No artigo, o nome aparecia ao lado de algumas das mulheres mais ricas e famosas, incluindo a atriz Monique Belliveau, a cantora Carla Kensington e a herdeira Ste-phanie Winger-Stone. Danielle Springer estava nervosa por pensar que em breve iria conhecer Joshua Cole, o "Solteiro Mais Sexy do Mundo", e sentia que não gostaria dele, de sua arrogância. Ele deveria ter uma vida fácil, onde só a beleza física importava, acumulando sucessos, viajando ao redor do mundo, partindo corações, mas nunca sofrendo. Danielle tinha certeza, mesmo antes de o avião pousar, de que Melanie cometera um erro sério de julgamento ao enviá-los para Vancouver. E sua certeza só se confirmara quando o "Solteiro Mais Sexy do Mundo" não aparecera para apanhá-los no aeroporto, como se as crianças não significassem nada em sua vida gloriosa, cheia de modelos, atrizes e negócios milionários. Mas então... Bem, havia algo inesperado sobre ele. Joshua Cole não era todo arrogância e charme afinal, ela tivera que admitir. Havia algo nele, em seu olhar. Quando ela colocou o bebê em seus braços, algo no rosto de Joshua dizia que sua vida não tinha
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sido feita só de glamour e drinques à beira da piscina. Havia algo ali. Pare, disse a si mesma com firmeza. Ela e as crianças deveriam passar a noite com ele. Amanhã, descansada, decidiria o que fazer a seguir. O plano original não pare-cia mais possível. Passar uma semana com ele? Por Deus! O que Dannie não faria era ligar para Melanie, e Ryan, que precisavam desesperadamente de um tempo juntos. A qualquer sinal de perigo, Melanie voltaria para casa. Mas será que passar um tempo com o tio seria a melhor coisa para as crianças? Joshua deixou claro que ficava desconfortável com crianças. Na verdade, seu sucesso se baseava na criação de um mundo livre delas! Não havia sentido ver qualquer coisa de nobre no seu capricho repentino de bancar o herói e passar um tempo com sua sobrinha e seu sobrinho. Por que ele os convidara, em primeiro lugar? Além do bem-estar das crianças, outra coisa preocupava Dannie. Quanto tempo uma mulher com sangue correndo em suas veias pode passar ao lado de um homem como aquele sem sucumbir? Não, lembrou ela a si mesma acidamente, não havia nada ali para sucumbir. Ele era rico e poderoso e definitivamente charmoso. Mas não havia lotos dele acompanhado de mulheres como ela no artigo. Mulheres comuns, não sofisticadas, gordinhas e vestidas de forma simples. Ele não iria querê-la. Antes assim. Dannie tocou o medalhão em seu pescoço e sentiu dor. Brent dera o medalhão a ela antes de ir para a Europa. — Uma promessa — dissera ele. — Eu voltarei para você. Talvez fosse melhor parar de usar o medalhão, agora que ele representava uma promessa quebrada. Por outro lado, ele ainda a protegeria, lembrando-a da inconstância do coração humano. Especialmente do coração masculino. Além do mais, ainda não estava pronta para tirá-lo. Ainda olhava para a foto que estava dentro dele todas as noites e sentia a dor da perda e a agitação da esperança de que Brent perceberia que cometera um erro... Contudo, o pior erro talvez tenha sido dela. Acreditar no que sentia por Brent, mesmo depois de ela ter crescido sabendo que o amor não era como nos filmes e que se apaixonar não salvava ninguém, não redimia o passado, não iluminava o futuro. Seus pais se separaram e tinha sido uma coisa terrível, assustadora. A paixão deles se transformou em um ódio explosivo que destruiu tudo que tocou, incluindo os filhos. Talvez especialmente os filhos. Graças a Deus, pensou Dannie, pelos Maynard, por Melanie e Ryan, por Susie e Jake. Graças a Deus ela já fora recebida no seio da família quando o furacão de desgosto a atingiu. Sobreviveu porque eles deram a ela um sentido de família e a certeza de que pertencia a um lugar seguro quando o mundo dela estava se despedaçando. — Ei, moça, vamos a algum lugar, ou ficaremos apenas parados aqui? — perguntou o motorista do táxi a ela, esperando impaciente pelas instruções. — Quando o senhor vir um horrível carro amarelo, siga-o — disse Dannie. — Um carro amarelo? — perguntou o motorista. — Você acha que pode ser mais específica? Dannie olhou por cima do seu ombro. — Ele vai passar ao nosso lado agora.
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Realmente um carro esporte moderno e muito caro passou por ele. O motorista deu um assobio quase imperceptível. — Tudo bem, senhorita, vou segui-lo, mas não é um horrível carro amarelo. É um dos carros mais caros e velozes que existem no mundo! — Totalmente inadequado ao transporte de crianças — resmungou ela. O carro amarelo horrível, com seu maravilhoso-horrível motorista, passou por eles devagar. Um homem como aquele poderia fazer uma mulher arrancar um medalhão do pescoço. Um homem como aquele poderia despedaçar um coração apenas por estar na mesma sala, um único olhar, os olhos verdes prolongando um toque muito longo nos lábios dela... Os olhos de Joshua provavelmente faziam promessas que ele não tinha a in-tenção de cumprir. Irrealizável para meras mortais, lembrou Dannie a si mesma com um gemido. Não que ela fosse uma mortal no mercado! Acabou. Brent terminou tudo para ela. Deu uma chance para o amor, nutriu suas esperanças e sonhos ao longo do ano, em que Brent estivera fora. Dannie vivia para os cartões, bilhetes e e-mails dele e fora traída. Com isso, abandonara toda e qualquer esperança de felicidade ao lado de um homem e jurara permanecer só. E era terrível como seu juramento pudera ser facilmente abalado pelo olhar intenso de Joshua Cole! Como a simples presença dele pudera despertar seu desejo depois do término terrível com Brent, que fez com que ela se fechasse completamente? Foi o fim da maquiagem, cabelos elaborados, roupas coloridas. E havia oito quilos a mais, resultado da terapia intensiva à base de chocolate. Dannie pretendia fazer de si mesma invisível e, portanto, permanecer segura. O carro esporte passava tão devagar que ela pôde olhar pela janela e ver Jake no assento de seu carro novo, usando cinto de segurança, recostado, seu cabelo espetado. Ela se recusou a suavizar a opinião que tinha de Joshua Cole só porque ele insistira no assento de carro para levar o bebê para casa. Uma vez que suavize o julgamento que tem de um homem letalmente charmoso, você está acabada. É isso que letalmente significa. Além do mais, não tinha espaço suficiente naquele carro ridículo para ela e Susie irem com eles. Um carro como aquele dizia muito sobre um homem. Rápido e chamativo. Autocentrado. Ególatra. Solitário e planejando continuar assim. Desde que ela também tinha ficado solteira e também planejava ficar assim pelo resto da vida, uma pobre babá solteirona no porão, era provavelmente injusto ver isso como uma falha nele. Exceto que o carro significava que ele era um caçador, na ativa. Certo? — O que um carro como esse significa para você? — perguntou ela para o taxista, apenas para o caso de ela estar errada. — Que você pode ter qualquer garota que quiser — murmurou ele. Bingo. — Se ele acelerar, não serei capaz de segui-lo — avisou o motorista. — Se ele acelerar, eu irei matá-lo — disse ela. — Ele tem um bebê lá dentro. Meu bebê. É claro, Jake não era oficialmente dela. Extraoficialmente ele ganhara o coração e a alma dela no primeiro sorriso desdentado. E agora, depois de tudo o que passara com Brent, decidira que Jake deveria ser o único bebe que teria. Duas vezes, no espaço de cinco minutos, a calma e confiável Dannie pensara em matar pessoas. Isto é que faz um coração despedaçado: transforma pessoas normais, meigas e confiáveis em sobreviventes amargas, transforma-as em quem elas menos
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queriam ser. Na verdade, pareceu-lhe que sua recente tragédia tinha potencial para transformá-la em seus pais, que passaram o casamento deles inteiro tentando matar um ao outro. Bem, isso era um modo de dizer. Quase o tempo todo. — Você não devia dizer que vai matar pessoas — disse Susie a ela, uma confirmação daquilo que já sabia. Susie estava abraçando o ursinho de pelúcia que encontrara no escritório do tio junto com o assento de carro. Mas na visão de Susie, tio Josh era o vilão que tinha tomado a mãe dela. O ursinho de pelúcia não consertaria isso. Uma lição que tio Josh sem dúvida precisava aprender. Não se pode comprar afeição. O assento do carro e o ursinho de pelúcia chegaram minutos após uma ligação discreta. Dannie o ouviu dando instruções para colocarem um berço em seu apartamento. No quarto de visitas com a hidromassagem. O que trouxe a questão não de quantos quartos de hóspedes havia, mas por que diabos alguém precisa de um quarto de hóspedes com hidromassagem? Obviamente pela mesma razão pela qual você precisa de um carro como aquele. Diversão. Ela entendeu a mensagem. Ele fala, as pessoas obedecem. Bem, seria melhor ele não tentar fazer isso com ela. Talvez fosse do tipo obediente antes da traição de Brent. Não era mais. Chegando ao prédio onde Josh vivia, Dannie tentou duramente não ficar impressionada. Tentou, mas não conseguiu. Mesmo que Melanie e Ryan não tivessem dificuldades financeiras, sabia que estava se movendo em um meio totalmente diferente agora. Ele morava em um de seus hotéis, é claro. O edifício alto parecia ser construído de mármore branco, vidro e água. A paisagem em frente à entrada era requintada: grama exuberante, flores exóticas, uma fonte de ônix de onde minava água gorgolejante. Ela estava pegando sua carteira da bolsa quando Joshua apareceu na janela do motorista, como bebê no colo, e pagou o motorista. Ele parecia bem à vontade com Jake no colo. Estranho. Quando foi que isso aconteceu? Um porteiro veio correndo para tirar o carro de Joshua do lugar proibido onde ele o estacionara displicentemente, sem se importar com as regras. Outro funcionário des-carregava sua bagagem do porta-malas do táxi. Joshua saudou os dois pelo nome com grande gentileza, o que a surpreendeu. E depois ele a levou pelo saguão do hotel, o que a lembrou de que aquele era o primeiro e único hotel cinco estrelas no qual ela já havia se hospedado. O saguão tinha pé-direito alto, tapetes felpudos sobre o chão de mármore e mobília em couro. Com tudo isso, por que a coisa mais bonita do lugar era aquele homem seguro de si carregando um bebê tão carinhosamente e parecendo tão à vontade? Poucos homens, pela experiência de Dannie, ficavam realmente confortáveis com crianças. Brent dizia que gostava delas, mas ela percebera que ele era condescendente e fingiu um entusiasmo que não sentia realmente. Bem, parece que encontrara um defeito em seu príncipe encantado, afinal. Que aquilo fosse um sinal de cura. Joshua Cole não dissera nada sobre gostar de crianças. Na verdade, propagandeou um indesculpável desconforto em estar junto delas. E agora, um Joshua Cole relaxado e tranqüilo carregava o sobrinho em seu quadril, como se aquele fosse seu bebê, como se aquela fosse a coisa mais natural do mundo a ser feita. Zona de perigo, disse Dannie a si mesma. O que havia de errado com ela? Fora
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terrivelmente desapontada por um homem. E nem fazia tanto tempo assim. Por que ficava procurando qualidades em outro homem que mal conhecia? Chega de fantasias, disse a si mesma. Era uma mulher patética o suficiente para gastar suas parcas economias em um vestido de casamento baseada numa vaga promessa. Isso não iria acontecer de novo. Nunca mais. Joshua foi até uma porta ao lado dos elevadores e inseriu uma chave. A porta deslizou e se abriu. Era um enorme elevador panorâmico privativo. Subiram em silêncio, observando a vista da cidade. Dannie estava extasiada e Susie se esqueceu de ficar brava com seu tio, e suspirou de deleite enquanto subiam suavemente cada vez mais alto. A vista se tornava mais linda a cada segundo. O problema com elevadores, especialmente para uma mulher tentando desesperadamente reaver o controle dos seus pensamentos repentinamente indisciplinados era que, por maior que fossem, exigiam aproximação física. Ela podia sentir o cheiro de Joshua, a colônia cara misturada com sabonete. Seu ombro largo esbarrou nela quando ele se virou para mostrar a vista ao bebê, e ela sentiu um arrepio que não era nada, nada profissional. Dannie se forçou a olhar a vista, que ela sabia nada ter a ver com a batida de seu coração. Podia ver o azul-marinho profundo da baía. Estava pontilhada de veleiros. Surfistas dançavam sobre as ondas. E do lado de fora da baía, um navio de cruzeiro deslizava. Tudo em que Dannie podia pensar é que havia cometido um erro terrível em insistir tanto que as crianças ficassem com ele. Que loucura. Como suportaria passar dias e dias ao lado dele? E para tornar tudo ainda pior, Dannie sabia que Joshua não a havia notado. Bem, claro que não, aquele era um homem que namorava atrizes e modelos. Ela tocou seu medalhão. Seus poderes de proteção pareciam insuficientes e inadequados. O elevador parou, as portas se abriram, e Dannie deu as costas para a vista para entrar no apartamento. À sua esquerda, portas de vidro que iam do chão até o teto tomavam todo o comprimento do apartamento e se abriam para um terraço. Plantas de flores exóticas rodeavam móveis de vime escuro, estofados com almofadas fofas em tons de branco e verde. Cortinas brancas, tão transparentes que tinham que ser de seda, balançavam graciosamente trazendo o cheiro de brisa salgada. Dentro do apartamento, havia sofás brancos longos, ultramodernos e elegantes, cobertos casualmente com as manias mais lindas que Dannie já vira. No centro, uma lareira enorme em aço inoxidável, emoldurada por vidros cor de cobre. Os materiais couro, vidro e aço se repetiam. O olhar se movia naturalmente da área de estar para um bar que a separava da cozinha. A cozinha parecia ter saído direto de uma revista de decoração. Bem arrumada, perfeita, gabinetes pretos, panelas francesas exclusivas penduradas em um gancho que tinha que ter sido feito sob medida, balcões de granito, mais aço inoxidável, mais vidro temperado colorido. Havia uma adega climatizada top de linha também. Era tudo sutil e sexy. — Não me diga que o senhor sabe cozinhar — disse ela, mais espontânea do que pretendia. Ele riu e perguntou: — Bem... Sei abrir uma garrafa de vinho, isso conta? Ah, certo. Claro. Saber como abrir uma garrafa de vinho combinava com o carro esporte e a hidromassagem. Um conquistador, claro.
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— Obviamente — disse Dannie com firmeza — nós não podemos ficar aqui. Lamento. Eu nunca deveria ter insistido. Se o senhor conseguir marcar um voo para nós, eu levaria as crianças para casa e esperaria Melanie lá. — A verdade era que pensar nisso deixava Dannie com vontade de chorar. Disse a si mesma que não era porque o apartamento parecia algo vindo de um sonho, que despertou uma parte dela que queria muito ser mimada, que queria, apesar de todos os seus esforços, abraçar a fantasia em vez de rejeitá-la. Não. Ela estava cansada. As crianças estavam cansadas. Ela hão poderia colocá-las de volta em um avião hoje. Talvez amanhã. — Vamos ficar em um hotel hoje à noite — disse ela cansada. — E amanhã vamos para casa. — Mas, senhorita, estamos em um hotel. E, além disso, o que tem de errado com meu apartamento? De repente, tudo parecia errado. Sua vida inteira. Dannie jamais quisera algo como a elegância daquele apartamento porque ia muito além dos sonhos simples que nutrira para o futuro dela e de Brent. Ela jamais quisera um homem alto, lindo e gentil como Joshua. Apenas Brent. Atarracado, polido, mas não gentil, e seguro. E nem aquele homem fora capaz de manter. Nem Brent a quisera. O bebê parecia absolutamente confortável no colo de Joshua Cole, que olhava para ela com as sobrancelhas franzidas, não irritado, mas extremamente intrigado. O que, em nome de Deus, havia de errado com sua casa? O apartamento não era bom o suficiente para ela e as crianças? Antes que ele falasse mais alguma coisa, Dannie se adiantou: — Obviamente não posso ficar aqui com as crianças. Elas destruirão o lugar em cerca de vinte minutos. A fantasia era a de ser mimada, desfrutar daquele ambiente luxuoso. A realidade era que as crianças quebrariam o lugar e ela ficaria atrás tentando manter tudo em ordem. Realidade. Fantasia. Quanto mais ela as mantivesse separadas, mais seria capaz de sobreviver a essa situação constrangedora. — Isso é ridículo — disse ele sem muita certeza. — Di-cu-lo — concordou Susie, os olhos brilhando em direção a uma escultura de golfinho feita de cristal e que estava no centro da mesa de canto. Dannie segurou mais firmemente a mão de Susie, quando a criança quis escapar. Ela já podia imaginar pequenas marcas de dedos cheios de geleia nas cortinas, marcas de giz de cera nos sofás, vinhos tirados da adega. — Não. Jamais daria certo, sr. Cole. Não sei onde eu estava com a cabeça — disse ela. — É óbvio que o senhor não tem experiência com crianças. Terei um ataque de nervos tentando proteger suas coisas. — São apenas coisas — disse ele com tranqüilidade. É claro que ele não sabia o que estava dizendo. Crianças eram uma alegria e uma bênção, mas, ao mesmo tempo, representavam um risco para o patrimônio e o fim da ordem doméstica de qualquer um. Nem pensar. — O senhor se importa menos com tudo que há em sua casa do que com o vaso que está em seu escritório? — perguntou Dannie em um tom que revelava toda a sua descrença. — Não, posso mudar de lugar tudo que seja quebrável. — Comece com os vinhos — disse ela, apenas para dar a ele a idéia do imenso trabalho que ele teria pela frente.
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— A adega pode ser trancada. Farei isso agora. — Como ele andava pela sala, disse isso por cima do ombro. — E vou providenciar alguns brinquedos para elas. Ela teve que se recompor. Bem, ele parecia... flexível, digamos assim. E a idéia de levar as crianças para um hotel pareceu quase insuportável. Eles ficariam ali naquela noite. Uma noite. Descansada, ela tomaria melhores decisões amanhã. Descansada, estaria menos suscetível à tentação do belo mundo que cercava Josh Cole. E de seus maravilhosos olhos. E de seu sorriso avassalador, que estava apontado diretamente para ela agora. — Que tipo de brinquedos devo pedir? — perguntou ele. Ele se aproximou e deu a ela a chave da adega, dobrando a mão dela sobre a chave. Ela desejou desesperadamente que ele não tivesse feito aquilo. Seu toque quente, forte e cheio de confiança a confundiu ainda mais sobre realidade e fantasia. Como poderia um simples toque fazê-la se sentir como se tivesse recebido um choque? — Srta. Springer? Quais brinquedos devo pedir? — perguntou ele mais uma vez. Ele estava sorrindo perversamente, como se conhecesse o poder do toque de sua mão. — Eu quero a princesa Tasonja! — gritou Susie, antes que Dannie pudesse responder. — E o conjunto de acampamento. E tenho que ter a barraca e a mochila. E o cachorro real, Robert! — Ver o tio tão receptivo despertou sua cobiça para um jogo diferente, e ela acrescentou outra peça: E a carruagem do casamento real. Não se incomode com Jake, titio, ele é um bebê. Ele tirou seu celular do bolso e tentou discar um número enquanto estava com o bebê no colo. Aparentemente alguém traria todos os brinquedos que sua sobrinha pediu. — Eu não me incomodaria com a princesa Tasonja, se fosse o senhor — disse Dannie, quando Susie se desvenciIhou da mão dela e se jogou no sofá escondendo o rosto nas almofadas de seda. Dannie tinha quase certeza de que havia restos de almoço no rosto da menina. — Por que não? Por que se preocupar em dizer que a atenção de Susie despertada pela princesa Tasonja e toda sua comitiva duraria cerca de trinta segundos? Por que não deixar Joshua Cole aprender sozinho, e do jeito mais caro pelo visto, que comprar a afeição das crianças normalmente não acabava bem? Susie se transformaria em um monstro mimado a partir do momento em que a primeira exigência fosse satisfeita. Essa era uma lição que ele provavelmente precisava aprender sobre o carro também. Qualquer mulher que ficasse impressionada com uma demonstração tão infantil de riqueza certamente não valeria a pena conhecer. — Suspeito que o senhor pense que isso a manterá ocupada e que assim Susie não tocará em seu golfinho de cristal. Mas não será assim, posso garantir. A menos que o senhor esteja interessado em brincar de princesa com ela, esse recurso é estritamente limitado. — O que vou fazer com ela se eu não comprar seus brinquedos? — perguntou ele. — O senhor não tem mesmo idéia, não é? Isso é triste — disse ela para em seguida corar com a própria audácia. — Senhorita, não lido bem com crianças. Isso não faz de mim uma aberração. Nem uma pessoa digna de pena. — Ele olhou para ela um tanto indignado. — A senhorita não apenas trabalha para minha irmã, não é? Tem a língua comprida demais e opiniões demais para ser apenas uma babá. Vocês são amigas? Estou surpreso que ela não tenha
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encontrado um marido para a senhorita. — Ele pareceu suspeitar de alguma coisa repentinamente. — A menos que seja por isso que a senhorita esteja aqui. — Desculpe-me? — É melhor que minha irmã não esteja pensando em bancar o cupido por aqui — Como? Quem? O senhor? — Dannie rangeu os dentes, três vezes mais indignada do que ele. — O senhor e eu? O senhor ficou maluco. O olhar de Joshua estava duro, pesado. — A senhorita tem namorado? — Não no momento — admitiu ela. Usar as palavras no momento dava a impressão de que ela tivera dúzias de namorados, quando na verdade só tivera um relacionamento sério, e grande parte dele fora à longa distância. Mas não explicaria isso àquele homem insuportável nem morta. — Mas não precisa se preocupar, sr. Cole. Sua irmã me conhece bem o bastante para saber que o senhor não é o meu tipo! Ele pareceu ofendido, como se assumisse naturalmente ser o tipo de todas as mulheres, o título de "Solteiro Mais Sexy do Mundo" obviamente tinha subido à cabeça dele. — Sério? E qual é o seu tipo? — Ela podia sentir o seu rosto ficando vermelho. — Certamente não é o senhor. — Isso não foi realmente uma resposta. — Estudioso, que leve a vida com seriedade, certamente não materialista. — Padres não estão disponíveis para casamento, senhorita — disse ele reprimindo um sorriso. — Eu quis dizer alguém como um professor universitário. — Que era a profissão de Brent. Amarrotado. Acadêmico. Vagamente preocupado todo o tempo. O que ela achava que era adorável. — Seu homem ideal é ura professor universitário? — Sim. — Ele estava com cara de quem iria cair na risada a qualquer momento. Como ousava? — Srta. Danielle Springer, nunca jogue pôquer. A senhorita não consegue mentir. — Não gosto de pôquer. E meu homem ideal também não gosta. — O professor universitário. — Agora ele ria francamente, sem tentar esconder. — Sim! E agora, por favor, distraia Susie um pouco, sim? É hora de eu dar banho em Jake. Claro que não estava nem perto do horário de Jake tomar banho, mas Dannie precisava escapar daquela conversa. E rápido. Ela duvidava que o sr. Playboy do Universo soubesse alguma coisa sobre a hora do banho de bebês. Ou mesmo sobre professores universitários. Contudo, ele parecia saber demais sobre as mulheres e seu olhar era cortante. — Distrair Susie? — perguntou surpreso, como ela esperava. — Como? A senhorita acaba de proibir a princesa Tasonja. — Tente o jogo da velha. Ele franziu a testa. — Jogo da velha — repetiu Joshua, abismado. — Jogo da velha.
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Ele parecia confuso, descobrindo o quanto seus mundos eram e sempre seriam distantes. — Pegue um pedaço de papel e um lápis, Susie ficará feliz em ensiná-lo como se joga — disse ela, e foi sua vez de rir. — A senhorita quer dizer que um pedaço de papel e uma caneta a manterão mais entretida que a princesa? — Muito mais. — E eu devo deixá-la ganhar? — perguntou ele sussurrando. Ele olhou preocupado para a sobrinha. — O que seria honesto? — Pelo amor de Deus, eu não estou interessado em honestidade. — Eu estou certa de que as palavras mais verdadeiras nunca foram ditas — disse ela para se vingar do tom desdenhoso que ele usou ao falar do professor universitário. — Eu estou interessado em não fazer uma menininha chorar. — É só passar um tempo com ela. Essa é a parte importante. Não perder ou ganhar. — Eu tenho muito a aprender. — Sim, o senhor tem, sr. Cole. — Ela sabia que soava arrogante. — A senhorita tem muito a aprender também — disse Joshua, tranqüilamente, olhando para ela com uma intensidade perturbadora. — Como o quê? — perguntou Dannie controlando-se para não sair correndo dali no mesmo instante. — O professor universitário. Não é algo que vá fazê-la feliz. — Como o senhor sabe? — Sou ótimo juiz de caráter. — Não, o senhor não é! Nem ao menos sabe se quer ou não ser honesto no jogo da velha. — Não com pessoas abaixo dos cinco anos. Mas a senhorita... Ah, sim, sei alguma coisa sobre a srta. Danielle Springer. Coisas que a senhorita nem imagina. — O senhor não sabe nada sobre mim que eu mesma não saiba! — respondeu indignada. Mas parte dela queria ouvir o que ele tinha para dizer. Ele ergueu o queixo dela com a ponta do dedo e olhou profundamente em seus olhos. Se fosse possível que um ser humano simplesmente derretesse, ela o teria feito. Dannie fechou os olhos sacudindo a cabeça e se afastou. — Vocês ficam no quarto no final do corredor — disse ele, como se não tivesse acabado de tirá-la do eixo. — Mandei colocarem um berço lá, certo? — Perfeito — respondeu ela tentando parecer inabalável. — Ei, Susie! — disse ele virando-se para a menina, depois de um último olhar para Dannie, parecendo mais preocupado que triunfante. — Você quer jogar jogo da velha? Susie olhou para o seu tio parecendo dividida entre o desgosto de não ganhar a boneca nova e a tentação de seu jogo favorito.
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— Certo — disse a menina afinal. Danielle foi pelo corredor com o bebê. O quarto no final tinha a mesma vista espetacular das outras janelas do apartamento. A decoração era tão romântica que chegava a ser decadente, o quarto inteiro era em tons de marrom e rosa-chá, exceto pelos lençóis da cama, que eram num tom creme luxuoso e sedutor, convidando para o mar de cor chocolate escuro. As malas dela estavam sobre a cama. Como haviam chegado lá ela não sabia ao certo. Um berço para Jake também foi colocado num canto. A porta fechada levava para um banheiro onde havia a hidromassagem. Uma banheira de hidromassagem feita para dois. — Nós temos que ir embora daqui, Jake, meu querido — confidenciou ela para o bebê, enquanto tirava as roupas de seu corpo rechonchudo. O fato de Joshua pensar que sua irmã poderia estar armando um namoro entre os dois, coisa que ela não poderia dizer com cem por cento de certeza que Melanie não estava, apenas aumentava sua urgência em sair dali o mais rápido possível. Será que Melanie estava armando alguma coisa? Dannie franziu a testa, pensando em todas as conversas que tiveram ao longo do tempo em que trabalhava para a família. Bem, a verdade é que Melanie deixava bem claro que sonhava em ver todas as pessoas com quem se importava casadas e felizes. Não era exatamente um segredo. Mas... Bem, ela não armaria férias, nem um encontro dela com Joshua apenas para forçar um romance entre os dois, não é? Não. Melanie não faria isso. Ela era impulsiva e uma defensora ferrenha do casamento, mas não manipularia os sentimentos de Dannie daquela forma. Mais uma vez, Dannie fechou os olhos, sacudiu a cabeça e, respirando fundo, concentrou-se em seu trabalho, o trabalho que adorava. E como sempre, o trabalho com o bebê fez sua mágica e o mau humor e sua tendência à introspecção sombria desapareceram. Dannie encheu o fundo da banheira enorme, e Jake chapinhou alegremente na água morna. Quando o bebê começou a rir muito alto, ela foi contagiada e riu também, espirrando água na barriga do pequeno. Isso fez com que ele ficasse quase histérico de alegria. — Eu levo a mim mesma e a vida muito a sério, meu querido sr. Jake? Ah, meu Deus, e se Melanie a enfiara nessa confusão para arrumar uma namorada para o irmão que adorava? — Oh, Dannie — repreendeu a si mesma em voz alta. — Pare imediatamente com isso! Percebendo que seu banho chegava ao fim, Jake cooperou e estendeu os bracinhos para ela. Relaxe, Dannie, pensou ela. Se você ainda souber como. Respirou fundo e pegou o bebê no colo, envolto em uma toalha felpuda.
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CAPÍTULO TRÊS — Onde está a Dannie? Bu! Sumiu! Ah! Apareceu! A voz e a risada de Dannie, intercaladas com os sons felizes do bebê e barulhos de algo espirrando, flutuaram pelo corredor e alcançaram a sala onde Joshua estava sen-tado em frente a Susie no sofá. Era evidente que Dannie estava brincando com o pequeno de se esconder atrás de alguma coisa, uma toalha ou talvez as mãos. Jake ria alto, achando tudo muito divertido. Quem poderia imaginar que aquela moça solene, e levemente tensa, poderia ser tão divertida? Tão curiosamente despreocupada? Não que essa fosse a verdade sobre ela. Não, a verdade era o que ele sentiu quando tocou a pele dele com um dedo apenas. — Ganhei! — gritou Susie, e traçou uma linha triunfante sobre sua fila de cruzes. Alguma coisa inesperada estava acontecendo com ele. Dado que sua agenda cuidadosamente estruturada fora mudada, ele se sentiu inesperadamente relaxado, como se uma bobina enrolada fortemente dentro dele estivesse se desenrolando. Assistindo à sua sobrinha, cuja língua estava presa entre os dentes numa pose de concentração, preparando-se para a próxima partida, e ouvindo Dannie e o bebê brincando, ele sentiu algo novo em seu peito. Não era possível ser um anseio. Ele tinha a vida que todo homem trabalhava para ter, sucesso além dos sonhos mais loucos, um ótimo carro, um apartamento fabuloso. Mulheres maravilhosas eram tão abundantes em sua vida quanto maçãs numa árvore. Prontas para serem colhidas também. E ainda tudo isso parecia pouco diante da risada de um bebê e de uma menina jogando jogo da velha. Tudo isso era pouco em comparação com a maciez da pele de uma mulher sob seu dedo. A irmã dele e sua intriga diabólica tinham conseguido, de algum jeito, encher a cabeça dele com idéias que, ainda naquela manhã, não estavam lá. Naquela manhã, ainda era ele mesmo. Seus pensamentos estavam em seu mundo, em seus negócios, sucessos, planejamentos. Joshua estava absolutamente focado em sua capacidade de gerar lucros, de acumular mais e mais coisas. Coisas que falharam em fazê-lo tão preenchido como ele se sentia naquele momento, constatava ele, muito surpreso. A verdade é que a lembrança de qualquer outra coisa fora daquelas paredes, daquela atmosfera familiar e cálida, abandonara Joshua Cole no segundo em que tocara a pele de Dannie. Algo profundo e doce se instalara em seu coração. Pare, disse ele a si mesmo. O que há de errado comigo? — Eu ganhei — disse Susie, cuidadosamente, checando o lugar de suas cruzes. — De novo. Você é um bobo, tio Josh. Ele olhou para Susie, e então começou a rir. Ontem, não concordaria, provavelmente discutiria. Mas hoje, depois de fazer uma estupidez atrás da outra, começando por convidá-los a se hospedarem lá e terminando por tocar a pele macia e morna de Dannie Springer, ele sabia que Susie estava certa. — Que isso sirva de lição para você, Susie — disse ele. — Nunca largue a faculdade. — Eu ainda não vou para a faculdade. Eu nem comecei a escola — informou Susie. — Mas quando eu for, vou adorar. Nunca, jamais, nem em um milhão de anos vou querer parar de ir.
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Joshua já se sentira exatamente assim em relação à faculdade. Desde o primeiro dia, sentiu que pertencia àquele lugar. Adorava aprender coisas. Adorava jogar futebol. Adorava as garotas, as festas, tudo aquilo. E então, no último ano, conheceu Sarah. Eles eram o casal do campus. Os mais legais. Aqueles que todos queriam ser. Ela era a rainha, ele era o rei. Relembrando, coisa que Joshua raramente fazia, ele via claramente que aquilo que haviam chamado de amor era algo ridiculamente superficial. E, no final, era mesmo. Mesmo com todas as precauções, Sarah ficou grávida. Quando descobriu, ele sentiu um calor, não de medo, mas de excitação. Estava disposto a fazer de tudo para dar ao seu bebê uma família, uma vida boa. Sarah pôs fim ao seu entusiasmo: — Eu não vou ficar com o bebê. Naquele dia, algo dentro da alma de Josh morreu. Ele sentiu essa amargura, algo tão real e forte que quase podia sentir seu gosto na língua. Ainda pensou em manter o bebê sozinho. Sem ela, sem ninguém. Mas não tinha emprego, diploma ou meios de cuidar do bebê e, relutantemente, foi obrigado a concordar com Sarah. Finalmente o bebê nasceu. Era um menino. E então ele cometeu um erro. Enorme. Fatal. Joshua Cole segurou o filho em seus braços. Sentiu o peso morno do bebê contra seu peito e uma enorme onda de amor o tomou. Olhando nos olhos de seu filho, expe-rimentou uma conexão tão intensa que parecia que nada mais na vida dele, a partir daquele instante, teria importância. Ele soube desde o primeiro momento. Eu nasci para fazer isso. Mas era tarde. Joshua teve seu bebê nos braços, seu filho, por cerca de cinco minutos. Então ele foi embora. Nada mais importava a Joshua depois disso, nem a faculdade, nem a vida, nem pessoa nenhuma do mundo. Sua tristeza era real, enorme, debilitante. Sarah, por outro lado, escolhera não ver o bebê, e seguiu em frente, como se nada tivesse acontecido. Joshua e o bebê faziam parte do que ela havia deixado para trás. Joshua Cole largou a faculdade um mês antes da formatura. Fez as malas. Comprou uma passagem para algum lugar. E viajou. Passou a não suportar lugares onde houvesse crianças. O som da risada delas, a energia, seus rostos, eram lembranças dolorosas. Quando se deparou com o obituário de Sarah, poucos anos antes, morta em um acidente de esqui na Suíça, ele tomou sua falta de emoção como um sinal de que era mesmo um homem indigno de criar uma criança. — O senhor está bem? Ele não notou quando ela entrara na sala com o bebê nos braços, mas agora Dannie estava parada na porta, Jake enrolado numa toalha branca, apenas seu rosto re-dondo e rosado aparecendo junto com algumas pontas de seu cabelo escuro. A blusa dela estava molhada, mostrando curvas cheias e exuberantes, e ela parecia tão rosada quanto o bebê. Dannie parecia em casa com Jake, confortável com sua vida. Por que se contentava em criar as crianças de outras pessoas, quando parecia ter nascido para segurar seus próprios bebês recém-saídos da banheira? — Bem? — gaguejou ele, levantando-se do sofá. — Sim. Sim. Estou bem. É claro. — Mas ele não estava bem. Ficar tão próximo das crianças e de Dannie estava fazendo
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com que sentimentos há muito enterrados e esquecidos renascessem. Aquela situação fazia com que Joshua sentisse coisas que escolhera não sentir e o obrigava a revisitar lugares que ele se sentia aliviado por deixar para trás. Tudo que ele tinha que fazer era sobreviver àquela noite. Amanhã de manhã, descobriria como se livrar deles, ou talvez ela mesma tivesse decidido ir embora. Seria o melhor para todo mundo. Para o inferno a desaprovação de sua irmã. — O senhor tem certeza de que está tudo bem? — perguntou Dannie, preocupada. Ele voltou a si, jurando que não pensaria mais no momento em que segurou seu bebê nos braços. Joshua sabia que não poderia revisitar a dor de ver aquele menininho ir embora e sobreviver. Ele não poderia. Deveria permanecer concentrado. Foco. — Tão bem quanto um sujeito pode se sentir depois de ser nocauteado no jogo da velha 33 vezes por uma menina de 4 anos. Ele olhou para Susie, que estava fazendo um desenho no verso do pedaço de papel que usaram para jogar. O desenho dela mostrava uma mamãe, um papai, uma criança suspensa entre os braços deles, sorrisos grandes em suas cabeças enormes. O mundo que ele tinha deixado. Seu filho tinha três anos a mais do que a sua sobrinha. Ele se pareceria com Susie? — Sr. Cole! Susie riu, encantada com o tom de voz usado pela sua querida srta. Pringy. — Desculpe-me — murmurou ele. — Vamos pegar alguma coisa para comer. — Sua mente vagou pelo pensamento de Danielle comendo espaguete. — Tem um restaurante italiano na esquina. Cinco estrelas. Dannie revirou os olhos. — O senhor já levou um bebê e uma criança de 4 anos a um restaurante? Não, queria ele gritar com ela, porque eu deixei essa vida. — Então, vamos pedir pizza. — Pizza — suspirou Susie —, meu prato favorito. — Pizza, crianças pequenas e couro branco. Hum — disse Dannie. — Eu não me importo com o maldito couro! — disse ele. Ele esperava outra reprimenda, mas ela olhou para ele. — Pizza parece bom — disse ela suavemente. Joshua pegou o cardápio da gaveta e o telefone. — Que sabor? — perguntou. — Queijo — disse Susie. Obviamente a menina levava pizza a sério. — Apenas queijo? — Eu odeio todo o resto. — E quanto a nós, srta. Pringy? Podemos pedir uma pizza de adulto? Pode ser? — Isso inclui anchovas? — Sim.
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— Acho que estou no paraíso — disse ela. Ele olhou para a camiseta molhada dela. Ora, a definição de paraíso podia variar. Dannie percebeu o olhar dele e quis desaparecer. Colocou o bebê embrulhado na toalha nos braços dele e disse: — Eu preciso vestir alguma coisa seca. O bebê estava quente, a toalha, levemente umedecida. Josh olhou para o bebezinho em seus braços e entendeu que a sobrevivência de seu mundo provavelmente dependia de ter essas crianças e Dannie fora de sua vida. O mais rápido possível. Ela queria ir. Ele queria que ela fosse. Então, qual era o problema? O problema era, ele suspeitava, que ambos sabiam o que queriam, mas nenhum deles sabia do que precisavam. Quando Dannie voltou para a sala, a pizza já estava sobre a mesa. Ela estava vestida casualmente, calças pretas de ioga e um casaco de capuz combinando, o que, ele suspeitava, tinha a intenção de esconder seu corpo. Sua figura, tirando a horrível blusa preta, era incrível, exuberante. Sua pele ainda estava rosada do banho. Ou ela estava corando sob o olhar franco dele. Josh olhou para os pés dela. Ela estava descalça e tinha as unhas dos pés pintadas de uma cor quente, um rosa exótico. Professor universitário, sei! Josh teve a idéia maluca e, graças a Deus, breve, de persegui-la pelo apartamento até ela ficar sem fôlego de tanto rir. O que ele faria com ela quando a pegasse? Quase disse um palavrão em voz alta. Vendo a mesa posta, Dannie se dirigiu à cozinha sem dizer nada e estacionou de cara feia na frente da geladeira. — Isso é patético — disse ela a ele. — Eu sei. — Joshua tentou não olhar para os pés dela mais uma vez. — Não tem leite. Suco. Ketchup. — Ketchup na pizza? — perguntou ele. — Eu estava fazendo apenas uma observação. — Que é? — Sua geladeira está vazia? — Isso soou mais como se ela tivesse dito que a vida dele estava vazia. Ridículo. A vida dele era superlotada. Trabalhava 12 horas por dia regularmente e até 16 horas alguns dias. Sua vida era preenchida de constantes encontros, viagens internacionais, milhares de decisões que só poderiam ser tomadas por ele. Sua vida era resorts de milhões de dólares e grandes inaugurações. A vida de centenas de pessoas dependia do trabalho dele. Famílias inteiras se alimentavam, pagavam aluguel e as demais contas graças aos seus hotéis. Então por que ele estava tomando o inventário dela sobre sua geladeira como uma acusação? — O senhor tem manteiga de amendoim? — perguntou ela, fechando a geladeira e abrindo o armário. — Para a pizza? — perguntou ele alarmado. — Ou a senhorita está apenas fazendo uma observação de novo? — Apenas pensando além da noite de hoje — disse ela. — Café da manhã, almoço.
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Ela ficou subitamente interessada num pacote de café gourmet, pegou-o e leu o rótulo. — A senhorita quer vinho? — perguntou ele para preencher o silêncio. — Como vê, minhas opções de bebidas são limitadas também. — Não, obrigada — disse ela. Bom para ela. Uma taça de vinho seria a coisa errada a adicionar nesse contexto. Especialmente para ela. Ela provavelmente ficaria bêbada com o cheiro da rolha. Eles não tinham cadeirão de bebê, então ele segurou o bebê em seu colo e o alimentou com pedaços de massa e queijo. Ela estava certa sobre a bagunça. Mesmo com todos os cuidados, Jake parecia que tinha sido cozido dentro da pizza. O telefone dele tocou durante o jantar. Susie, seus lábios envoltos em molho de tomate, fez uma careta quando ele o tirou do bolso. — Meu pai nunca atende o telefone quando estamos comendo — informou a ele. — Eu não sou... — Joshua engoliu quando viu o aviso no rosto da srta. Pringy e desligou o telefone. — Também não vou atendê-lo. Imediatamente quem tinha tentado falar no celular dele tentou sua linha fixa. A secretária eletrônica atendeu. — Sr. Cole, é Michael Baker. Se o senhor puder me retomar assim que possível... Joshua praticamente jogou o bebê manchado de molho de tomate para cima de Dannie. Susie, percebendo que as mãos de Dannie estavam cheias, decidiu que tinha que ter um lápis naquele momento. Ela pulou de seu lugar. — Não! — disse Dannie. — Susie, suas mãos estão sujas! Era tarde demais. A marca de mão feita de pizza decorava o sofá branco dele. — Michael — disse Josh, atendendo o telefonema do dono do hotel Cabanas do Lago do Alce —, que bom ouvir você. Susie estava olhando para a mancha de pizza no sofá dele. Ela tirou sua blusa e tentou limpá-la. Pelo canto dos olhos, ela viu Dannie vindo até ela. — Eu consigo consertar sozinha! — gritou a menina. — Foi sem querer. — Um instante, sim? — Ele colocou o telefone contra o peito. — Não é nada — disse para a menina. — Esqueça. Susie decidira que aquilo era algo. Ou algo era alguma coisa. Ela começou a uivar. Cada vez que Dannie chegava perto dela, ela corria para longe, gritando e espalhando molho de tomate. Um desastre. Dannie, presa ao bebê, não tinha esperança de alcançá-la. — Desculpe-me — disse ele ao telefone. Como uma garotinha podia fazer um som como se a Terceira Guerra Mundial estivesse em curso no meio da sala da casa dele? Como uma garotinha podia espalhar um galão de molho de tomate, quando ele podia jurar que na pizza havia apenas algumas poucas colheres? O bebê, vendo sua irmã chorar, começou a chorar também. Alto. Ele iria pegar o telefone e desaparecer na sua toca, mas algo dentro dele não permitiu que deixasse Dannie lidar com essa bagunça. Ele suspirou. Cheio de remorso, ele se desculpou: — Terei que ligar de volta para você, Michael. Em alguns minutos. Ele foi pegar o bebê de Dannie e se sentou no sofá, não se importando com o fato
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de que o bebê parecia uma lata de molho de tomate. — Eu quero a mamãe! — gritou Susie. E depois, de novo, como se ele não tivesse entendido a mensagem da primeira vez: — Eu quero a mamãe! — É claro que você quer sua mãe, querida — disse ele, com sinceridade. Ele também queria muito a mãe dela naquele momento. Ali, não tomando sol no Havaí, mas exatamente ali, guiando-o através daquela situação complicada. Alguma coisa na voz dele, provavelmente a sinceridade, fez com que os uivos de Susie parassem. Ela olhou para ele, e então se sentou no sofá ao seu lado. Ele segurou a respiração. O bebê imitou a irmã novamente e ficou quieto, observando-a atentamente, esperando para ver qual seria o próximo movimento. Susie encostou a cabeça no braço de Joshua, suspirando, colocando o dedo na boca, e então a sala de repente ficou silenciosa, exceto pelo som da respiração da me-nina, cada vez mais profunda. Os olhos dela tremeram, fecharam, abriram, depois fecharam novamente. O bebê enterrou a cabeça no peito do tio e também dormiu. — O que foi isso? — perguntou Joshua para Dannie. — Duas crianças muito cansadas — disse ela. — Susie está agindo assim desde que soube que os pais estavam planejando férias que não a incluíam. Erro dele. Algumas vezes, mesmo que o sujeito tenha a melhor das intenções, as coisas acabam drasticamente errado. — Lamento — disse ele. — Sr. Cole, acredito que é bom para eles, enquanto família, experimentarem uma pequena separação agora. Isso ajudará as crianças a entenderem que o mundo não acabaria se Mel e Ryan fossem embora. — E agora? — disse ele. — Bem, se o senhor não se importa com mais algumas manchas de pizza, sugiro que apenas os coloquemos em suas camas. Posso limpá-los pela manhã. Ela estendeu os braços para o bebê, profundamente adormecido. Então, Joshua pegou sua sobrinha. Que era um pouco mais nova que o seu filho. E pela primeira vez em sua vida pôs uma criança na cama. Ele colocou lençóis limpos sobre Susie dormindo, tão pequena. Tão vulnerável. Quem estaria cobrindo seu filho naquela noite? A família que o adotou era boa o suficiente? Meiga? Decente? Amorosa? Pessoas com valores antiquados e virtudes? Esses eram pensamentos que ele odiava ter, dos quais poderia fugir caso se mantivesse ocupado o suficiente, se tivesse bebido o suficiente. Ele deixou o quarto de Susie como se seus pés estivessem pegando fogo e esbarrou em Dannie no corredor fora do quarto onde ela deixada Jake. — O senhor está bem? — perguntou pela segunda vez naquela noite. — Ah. Claro. Bem. Por que eu não estaria bem? Ela olhou para ele com seus enormes olhos azuis, olhos que esperavam honestidade, e ele tinha a sensação de que, se alguém passasse tempo suficiente perto dela, não seria capaz de mentir. — É como se o senhor... — Ela inclinou a cabeça como se estudasse o rosto dele — como se tivesse visto um fantasma. Um fantasma.
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— Um tipo de fantasma — disse ele, tentando suavizar seu tom de voz. — Eu apenas me lembrei de como era minha casa antes da pizza. Ela sorriu. — Eu tentei avisar. Vou limpar tudo num instante. — Não, nós limparemos isso. Num instante. — Quem diz coisas como essas? Provavelmente pessoas com virtudes e valores antiquados. Um pouco mais tarde, ele jogou o pano úmido na pia, Joshua Cole era um homem que fizera excursões pela África, explorações em cavernas no Peru, mergulho na costa do Havaí e bungee jumping na Virgínia Ocidental. Como uma coisa que era tão simples como tirar manchas e mudar de lugar tudo que era frágil parecia tão mais divertido! Fazia anos que ele não se sentia tão vivo. Tão feliz. Era isso que uma mulher como aquela fazia com a vida do homem que a amasse? — A senhorita quer uma taça de vinho? — perguntou ele, quando ela jogou o pano coberto de molho de tomate ha pia. — Está de folga, não é? — Eu nunca estou de folga, sr. Cole — disse ela. Ela parecia estar tratando a oferta dele com cautela. O que era inteligente. Como sua sobrinha havia apontado mais cedo, ele não era inteligente. Agia como um velho idiota. — É mais do que um trabalho para você, não é? — perguntou ele, mesmo pensando que deveria deixá-la fazer seja lá o que as babás fizessem quando as crianças vão para a cama. — E me chame de Joshua, pelo amor de Deus. Dannie piscou, concordando, olhou ao redor e depois disse num tom baixo e rouco, cheio de reverência: — Eu amo essas crianças, Joshua. Joshua acreditou em suas palavras assim que as ouviu. Ele sentiu o vínculo dela com sua sobrinha e seu sobrinho e sabia quanta sorte sua irmã tinha por ter encontrado essa mulher. Mas como acontecera de Dannie amar essas crianças o suficiente, aparentemente, para colocar em espera os sonhos com seu professor universitário, seus sonhos para sua vida, suas próprias ambições? Joshua queria dizer alguma coisa, mas não conseguiu. — Acho que devemos ir embora amanhã — disse ela, respirando fundo. — Sei que suas intenções são boas, mas as crianças realmente precisam de um lugar no qual possam brincar. Um lugar não tão vulnerável a mãos pequenas, molho de pizza e às outras catástrofes diárias que toda essa energia gera. Os olhos dela diziam preciso ficar longe de você. E ele precisava ficar longe dela. Rápido. Antes que fizesse mais perguntas cujas respostas revelassem mais a ele sobre aquela mulher incrível, dona daquela voz rouca, daquele corpo macio, daqueles olhos... — Bem, se é isso que você quer, farei os arranjos — disse ele. — E tenho que retornar uma ligação imediatamente. — Eu direi boa-noite, então, e falarei com o senhor pela manhã. — Você. — Eu? Joshua teve que rir.
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— Não, Dannie, estou pedindo que me chame de "você", não de "senhor". Ela sorriu assentindo e o coração dele pareceu ocupar mais lugar em seu peito do que segundos atrás. Dannie se afastou, e ele percebeu que ela não voltou para seu quarto. Foi na direção do terraço. Ele a observou por um momento enquanto ela fitava a escuridão ponti-lhada por luzinhas que eram refletidas na água, as estrelas piscando no céu. A brisa do mar balançou seu cabelo, e ele ansiou por estar perto dela. Sem saber que estava sendo observada, ela se virou ligeiramente. Joshua a viu pegar a corrente em seu pescoço, abrir o medalhão e olhar dentro dele. Não havia dúvida, por sua expressão ela também tinha um pedaço de seu passado com o qual lidar. E ele não queria saber qual era. Joshua se afastou das portas abertas do terraço, e momentos depois bateu a porta de seu escritório de casa. Esperava que um cenário familiar agisse como um bálsamo sobre ele, que o trouxesse de volta ao seu próprio mundo, mas isso não aconteceu. Pensou nela parada no terraço, o vento tocando os cabelos dela com gentileza. O fato repentino de ele não querer que ela fosse embora era mais um motivo para fazer os arranjos imediatamente. Pensar na partida dela e das crianças o deixou aliviado. E tam-bém sentindo remorso. Em proporções iguais. Ele olhou para o relógio. Fazia menos de oito horas que ela chegara à sua vida. Seu mundo inteiro fora colocado de cabeça para baixo. Joshua revisitara, mais de uma vez, um passado que pensava ter ficado para trás. Estava sentindo incertezas que não queria sentir. Precisava do conforto e da segurança de seu mundo de volta. Discou o número de Michael Baker. Michael parecia menos tenso do que das outras vezes que conversaram, quase jovial. — Pareceu que você estava ocupado — disse ele para Joshua. — Meus sobrinhos estão aqui para uma visita. — Minha esposa e eu tínhamos a impressão de que você não gostava de crianças — disse Michael. — Não acredite em tudo que você lê. — Bem, Joshua, decidimos não aceitar sua oferta — disse Michael. — Cabanas do Lago do Alce não é nada parecido com os seus resorts. — Nenhum dos meus resorts se parece com os outros. Eles são únicos, cada um à sua maneira. — Este é um resort de família. Esperamos que seja para sempre. Apenas dizer não fecharia a porta irrevogavelmente. Mas aquele era um homem que parecia razoável. Eles tinham mesmo que se encontrar pessoalmente. Joshua precisava que eles confiassem e gostassem dele. Tinha certeza de que conseguiria fazer com que eles entendessem sua visão para o Cabanas do Lago do Alce. Caminhadas. Canoagem e aventura com caiaques. Montanhismo. O último retiro antigo com atividade, energia e excitação. Se esse futuro incluía crianças ou não, e não incluiria, era algo que Joshua não sentia que devesse revelar agora. — Eu posso ir aí amanhã — disse Joshua. — Apenas se encontre comigo. Não sou um homem irresponsável e superficial como a imprensa me faz parecer.
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Conversaremos. Você não tem que concordar com nada. — Você provavelmente fará essa viagem em vão. — Estou disposto a arriscar. Adoraria ver o resort. É um belo lugar, a julgar pelas fotos. Ele sempre fazia sua lição de casa. — Poder apenas ver o Cabanas seria fantástico. Eu entendo que seu avô manteve as árvores do lugar intactas, construiu quase tudo com suas próprias mãos, usando ferramentas e roldanas. Entendo seu amor pelo lugar, Michael. Hesitação. — Talvez tenhamos sido precipitados em nosso julgamento. Nós não sabemos nada sobre você. — Não, vocês não sabem. — Provavelmente uma conversa não fará mal. — É a mesma coisa que eu acho. — Sem advogados, no entanto, a menos... — A menos que... — Quanto tempo seus sobrinhos ficarão com você? Mais algumas horas. — Isso ainda não está decidido. — Olha só, por que você não os traz para passar alguns dias aqui? Sally e eu poderemos conhecer você um pouco melhor e ouvir seus planos para o Cabanas do Lago do Alce. As crianças podem aproveitar o lugar. Este é o primeiro ano que não temos reservas de famílias, porque estamos tentando vender o lugar e não queremos desa-pontar ninguém caso isso ocorra. Sentimos falta do som de crianças. Aquela era a resposta às suas preces, pensou Joshua. Realmente, como alguém poderia sentir falta do som que tinha acabado de encher seu apartamento, Joshua não sabia ao certo. Ainda assim, a situação estava caminhando para uma vitória dupla. Ele podia dar às crianças as férias que prometera à sua irmã. Poderia conquistar os donos do Cabanas do Lago do Alce. E poderia passar mais algum tempo com a deliciosa srta. Pringy. Ocorreu-lhe que precisava perguntar a Dannie se ela pensava que essa viagem seria boa para as crianças. Ela poderia pensar que estava usando as crianças. Ele estava usando as crianças? — Estaremos aí amanhã — disse ele seguindo um impulso. — Eu pousarei na faixa de terra ao lado do lago. — Ele fazia malabarismos pensando em como ficaria sua agenda. — Dois dias seria muito inconveniente? — Dois dias? Você diz chegar num dia e ir embora no outro? Isso não vale a viagem. Por que vocês não ficam quatro dias? Ele não poderia ficar por quatro dias. Era impossível desperdiçar quatro dias de sua agenda. Por outro lado, se ficasse quatro dias, podia mandar as crianças para casa sabendo que seus pais teriam apenas um ou dois dias ainda de férias. Poderia dizer que deu a eles umas férias de verdade. Mais, teria quatro dias inteiros para convencer os Baker de que o Cabanas ficaria seguro nas mãos da Sun Empreendimentos. — Quatro dias — disse ele. — Bem, isso parece perfeito. — Bem, nós vamos buscá-los na pista.
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Joshua desligou o telefone, pensativo. Quatro dias ao lado da srta. Pringy. Bem. Seria uma aventura. CAPÍTULO QUATRO Dannie acordou e se espreguiçou. A cama onde acabara de dormir era fenomenal, os lençóis eram lindos e macios, o colchão parecia abraçar seu corpo. Ela se aconchegou ainda mais no edredom, estranhamente contente, até se lembrar de que não havia nada a não ser incertezas naquele dia. Joshua teria marcado o voo deles? Por que ela se sentia triste ao invés de feliz com essa perspectiva? Estaria cedendo ao charme de todas aquelas coisas? Aos quartos luxuosos e à vista de milhões de dólares? Ou estaria cedendo ao charme dele? Dannie pensou naqueles olhos profundos, cor de jade, na clara autoconfiança que transparecia na voz dele, e sentiu o toque dele. O que quer que restasse do seu contentamento, evaporou. Em vez disso, sentiu um mal-estar, um peso no coração, semelhante à sensação que tinha quando a montanha-russa rangia ao subir para depois descer em direção à terra. Era ansiedade, excitação ou uma diabólica mistura dos dois? Tocou seu medalhão, lembrando a si mesma onde essas coisas a levaram. Ela nem ao menos tinha superado Brent. Como era possível estar pensando em uma montanha-russa com outro homem? — Fantasia — lembrou a si mesma bruscamente. — O que quer que esteja acontecendo nos seus pensamentos com Joshua Cole, não, não é real, mesmo que ele tenha me tocado. Normalmente ela olharia seu medalhão assim que acordasse pela manhã e permitia a si mesma desejar aquilo que não aconteceria, mas hoje apenas o deixou acomodado em seu pescoço e não o abriu. Jake balbuciou no berço. Dannie se apoiou em seus cotovelos e o observou fazendo seus alegres barulhinhos matinais. A melhor coisa sobre crianças é que elas não permitiam a ninguém viver muito tempo no reino da mente, elas buscavam a pessoa de volta dessas confusas cavernas do pensamento. Convidavam você a dançar, a rir, a tomar providências práticas, a vislumbrar como a vida era simples e complexa, doce e furiosa, tranqüila e surpreendente, tudo ao mesmo tempo. Crianças davam a exata dimensão da importância de algumas coisas e da falta de importância de muitas outras, e também ensinavam a cada instante como era necessário aproveitar cada simples momento de prazer. Jake era especialmente bom nisso, rindo para ela, estendendo seus braços, inventando uma nova canção. — Ba, bab, da, da, boo, boo, doo. Dannie não podia resistir. Esta era a primeira manhã em um longo tempo em que não sentia vontade de chorar. Jogou as cobertas longe e pegou Jake do berço, dançou ao redor do quarto com a música dele. A porta do quarto se abriu e Susie entrou vestindo a mesma roupinha do dia
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anterior, o ursinho novo debaixo do braço. Ela foi para a cama e começou a pular. Normalmente Dannie não encorajaria pular em cima da cama, mas as crianças estavam de férias, não é? Por mais algumas horas, de qualquer jeito. Isso deveria ser bom. Ela resolveu parar de se preocupar e, com o bebê nos braços, pulou na cama com Susie. Elas pularam e pularam, e então caíram na risada. Por fim, Dannie se deixou ficar jogada na cama, com o bebê sobre sua barriga, tentando recuperar o fôlego dos pulos e das gargalhadas. O quarto ficou muito quieto. Elas perceberam que não estavam mais sozinhas. Dannie se inclinou um pouquinho. Joshua Cole estava parado na porta, um leve sorriso nos lábios. Ao contrário dela, ele não estava de pijama, embora vestido mais casualmente do que no dia anterior, com uma calça caqui de caminhada, uma camisa social bonita e bem passada por dentro da calça. Ele tinha tomado banho e se barbeado, seu cabelo castanho-dourado estava mais escuro por conta da umidade, seu rosto parecia mais suave por causa do encontro dele com a lâmina de barbear. Dannie queria tocá-lo, para ver se estava tão macio quanto parecia. Ele tomou um gole de café fumegante, levando os olhos até os lábios dela. Ela imaginou como ele se sentiria se ela fosse até ele e colocasse as mãos sobre seu rosto. Depois imaginou como ela se sentiria. Como uma idiota, provavelmente. O "Solteiro Mais Sexy do Mundo" poderia sair de uma situação um pouco cômica com certa dignidade. A "Babá Mais sem Atrativos do Mundo", não. O pijama dela eram calças de flanela largas e vermelhas, amarradas por um cordão na cintura. Uma camiseta branca masculina muito larga a cobria confortavelmente como uma proteção adicional. Tarde demais, ela se lembrou de que em sua camiseta estava escrito "Uhu! Fui feliz no Havaí!" Ele a encarou ainda sorrindo. — Você já esteve no Havaí, Dannie? — perguntou ele. — Não, eu receio que não. Isto foi presente de um amigo. — Ah, você iria adora o lugar, posso garantir. Como você sabe que eu iria amar?, pensou ela irritada. Não havia dois mundos mais contrários que o dele e o dela. Se o Havaí fosse uma fração da maravilha que era aquele apartamento, contudo, ele estava coberto de razão, para falar a verdade. — O ar cheira como seu perfume — disse ele tranqüilamente. Ela ficou muito quieta. Isso era uma citação, obviamente. Uma citação torta de um homem que usava várias citações para marcar muitos pontos com as mulheres mais sofisticadas do que ela. — Eu não estou usando perfume — disse ela, deixando a mudez de lado. — Sério? — Ele pareceu genuinamente maravilhado, como se realmente quisesse dizer que o Havaí tinha o cheiro dela. Então ela percebeu que estava tendo essa conversa íntima com um bebê sentado em sua barriga. Arrastou-se e se sentou fazendo malabarismos com Jake. Seu cabelo estava voando por todos os lados, elétrico com a estática, e ela correu a mão por ele, tentando domá-lo. Ele tomou outro gole de café. — Talvez seja o seu cabelo que me faça pensar no Havaí.
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O flerte a estava fazendo corar. Uma mulher diferente saberia como responder a isso. Uma mulher diferente podia rir e piscar os olhos e falar sobre nadar nua nas águas quentes do Pacífico. Com ele. Mesmo pensar em nadar nua já fazia o rosto dela ficar vermelho. Pensar em nadar nua em qualquer lugar perto dele a fez sentir que devia se confessar ao primeiro padre que encontrasse. E ela nem mesmo era católica. Além do mais, jurou ficar longe dos homens. E de romance. E, bem, quase certamente de nadar nua! Mesmo que parecesse uma vergonha jurar não fazer algo mesmo antes de tentar. Depois de deixá-la completamente abalada, ele sorriu com a satisfação de um gato que conseguiu o que queria. — Eu mandei trazerem o café da manhã — disse ele. — Fruta, iogurte. Algum outro pedido? — Eu quero cereais para o café da manhã — disse Susie a ele. — Ela não quer — disse Dannie com firmeza. — Iogurte está bom. Se você nos der licença por um minuto, eu me arrumarei e arrumarei as crianças, é claro. — Pois eu acho que você está bastante apresentável. Não pense que você tem que se vestir para o café da manhã. Eu quero que você se sinta em casa. — Por quê? Nós estamos indo embora. — Até vocês irem — disse ele com tranqüilidade, e então fechou a porta silenciosamente. Alguns minutos depois, tinha lavado e vestido as crianças. Dannie realmente lamentou a escolha de roupas que fez para trazer, mas vestiu a melhor coisa que encontrou em sua mala, um blazer de listras azul-marinho e calças combinando. A roupa era decididamente eficiente, quase um desafio ao convite de sentir-se em casa. No ultimo momento, ela se maquiou, grata por haver sobrado um estojo com sombras e batons de sua última viagem na bolsa. Dannie deixou o quarto com as crianças e entrou na sala. A mesa do café da manhã já tinha sido arrumada no terraço. Pães, iogurtes, frutas e croissants. Várias caixi-nhas de cereais, incluindo o favorito de Susie, estavam disponíveis. Também havia opções de leite, achocolatado ou suco, e o café cheirava maravilhosamente bem. Como seria viver assim? Apenas estalar os dedos e ter um banquete incluindo cereais entregues no mesmo instante? Bem, tudo o que Dannie conseguia pensar era que parecia ter morrido e ido ao paraíso. Deu um gole em seu café. Divino. O sabor era ainda melhor do que o aroma. Ela renovou seu compromisso de levar as crianças para casa, antes que fossem todos permanentemente estragados para a vida real. Antes que ela começasse a sonhar e desejar luxos que jamais poderia ter. — Você gosta de fazer as refeições no terraço? — perguntou Joshua. Ele parecia ainda mais adorável naquela manhã. O homem era um sedutor profissional e ela não deveria baixar a guarda nem por um segundo. Ele pegou o bebê do colo dela com mais facilidade do que no dia anterior. — Venha, pequeno, vamos deixar a srta. Pringy tomar o café dela. Ela parece adorar. Sem pensar no que fazia, Joshua começou a dar colheradas de iogurte a Jake, que cooperativamente abria a boca como um passarinho à espera de uma minhoca. Em meio a essa atividade, ele deu conta de abrir a caixa de cereais de Susie, colocar os cereais e o leite em uma tigela e entregar uma colher à menina. Dannie observava o movimento escondida atrás de sua caneca de café. Estava fascinada. Quem,
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em nome de Deus, era aquele homem? Finalmente Dannie se obrigou a desviar o olhar e observar a cidade, que era espetacular à luz da manhã. A brisa do mar era fresca e cheirosa. E a imaginou que o Havaí deveria ser maravilhoso também. Iluminado, vibrante e... — Você não respondeu, Dannie. Gosta de tomar o café no terraço? Ela não respondeu num primeiro momento. Ainda estava fascinada com a vista, com a desenvoltura dele com as crianças, com... — Sim. Sim, gosto muito. É tudo muito bonito aqui, fora e dentro do apartamento. — Ele ergueu uma sobrancelha como se tivesse recebido um elogio. — Não, quero dizer. Ah... as coisas. A decoração! Ele riu. — Eu entendi, relaxe. Ela ordenou a si mesma aproveitar o lugar e o momento, mas isso provou ser impossível. Ela precisava saber o que vinha a seguir. Era de sua natureza. — Eu devo perguntar quais são os seus planos para mim e para as crianças? — O pensamento de viajar novamente a deixava exausta. O pensamento de ficar aqui com ele era aterrorizante. — Bem — disse ele e sorriu abertamente —, eu tenho uma surpresa para vocês. Danielle prendeu a respiração. Oh, não. — Tenho que viajar para inspecionar uma propriedade por alguns dias. Chama-se Cabanas do Lago do Alce. E pensei que talvez Susie adorasse ver o lugar. Todos nós. Férias de verdade na Colúmbia Britânica selvagem. Vamos voar até lá, vamos nos divertir e conhecer melhor uns aos outros. Conhecer melhor uns aos outros? Jesus. — Vamos acampar, srta. Pringy? — Susie suspirou. — Eu amo acampar. — Você não sabe nada sobre acampamentos — disse Dannie. — Eu sei. Ela estava olhando para Joshua com um sentimento crescente de raiva. Então era por isso que ele estava tão charmoso naquela manhã! Cheirar como o Havaí, sei. Ela o fez pensar no Havaí. Claro que fez! — Você está me informando ou me consultando? — perguntou ela arisca. Ele pensou por um momento. — Eu realmente iria gostar se vocês viessem. Essa era uma resposta evasiva. Isso significava que ele não havia marcado as passagens para casa. — A verdadeira questão é por que você quer levar duas crianças e uma babá a uma viagem de negócios. — Não são estritamente negócios. Ela ergueu uma sobrancelha e esperou. — Você sabe tão bem quanto eu que Melanie me mataria se eu mandasse as crianças para casa depois de eu ter prometido a ela que eles teriam férias divertidas.
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Essa ainda não era toda a verdade. Ela podia sentir isso. — Diga sim, srta. Pringy! — disse Susie colocando sua mão sobre Dannie e piscando para ela com a mais adorável expressão. — Por favor, diga sim. Acampamento! Susie gosta muito de acampar! Que menina impossível e sedutora. Saíra ao tio, sem dúvida. Tudo em Dannie gritava não. Quase tudo. Algo nela gritava sim. As crianças veriam a natureza. Ela passaria mais tempo com... Ai. Meu. Deus. Uma parte dela que implorou para, pelo menos uma vez, dizer sim para o inesperado. Apenas uma vez para não saber o que o dia reservava. Não ter nenhuma pista. Abraçar a surpresa em vez de rejeitá-la. Deixar o paraíso de seu mundo seguro, previsível e controlado. O que seu mundo controlado tinha lhe dado até agora? Apesar de todos os esforços, ela acabara com o coração quebrado, de qualquer jeito: — O que você quer dizer com voar? — perguntou ela, procurando um jeito mais fácil de aceitar. Não queria apenas dizer sim por dizer, como se a promessa de uma aven-tura fosse o suficiente para fazê-la esquecer-se de suas muitas obrigações. Que homem irritante. Mas ela não queria ser de novo a babá sensata e chata, que interfere na promessa de diversão. — Tenho licença de piloto — disse ele. — Eu voo no meu próprio avião. — Isso é seguro? — perguntou Dannie um pouco apavorada. — Mais seguro que pegar o carro todo dia — disse ele. — Você sabia que tem mais chance de morrer no seu próprio banheiro do que morrer em um avião? Quem poderia discutir com uma declaração daquelas? Quem poderia olhar seu banheiro da mesma forma depois de ouvir algo como aquilo? Esse era o problema com um homem como Joshua Cole. Ele podia mudar tudo que estava ao seu redor apenas com uma afirmação. Tinha o poder de fazer com que o que sempre fora seguro parecesse a coisa mais perigosa de todas. E fazer com que a mais perigosa das coisas, ele mesmo, fosse a escolha natural, mesmo de uma mulher sensata como ela. E de mais a mais, a coisa mais perigosa não era morrer sem ter vivido? A coisa mais perigosa não seria viver a vida no piloto automático, sem desafios, sem suspenses, sem comprometimento? Comprometimento. Dannie odiava aquela palavra com muitos significados. Pensou que estava comprometida. Pela primeira vez, não tocou seu medalhão quando pensava naquilo. Ela respirou fundo, apertou a mão de Susie. — Tudo bem — disse ela. — Quando nós precisamos estar prontos? Dannie nunca voara em um avião pequeno e, até chegarem ao hangar, mal conseguia respirar. Mas ao ver a desenvoltura de Josh, ao assistir sua atuação dentro da aeronave e testemunhar a confiança com que mexia nos controles e checava os dados com a torre de comando, ela se sentiu mais tranqüila. O homem irradiava segurança, certo de suas habilidades. O sentimento de calma aumentou quando afivelou as crianças em seus lugares, Jake no assento para bebês, e então pôde se sentar no lugar do passageiro quase ao lado de Joshua. Ela adorou observar o rosto dele e vê-lo pronto para voar, intensamente focado e relaxado ao mesmo tempo. Ele tinha o ar de um homem ao qual eles podiam confiar suas
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vidas, o que, é claro, era exatamente o que estava fazendo. O nível de confiança dele a surpreendeu. Nessa mesma hora, um dia atrás, saindo do avião, depois de ler sobre Josh e suas aventuras amorosas, ela estava pronta para detestá-lo. Quando Joshua não foi ao aeroporto buscá-los, demonstrando não se importar com os sobrinhos, ela quase desmaiara de indignação. Mas depois de vê-lo no seu próprio ambiente e agora, no comando deste avião, Dannie percebeu que a confusão no aeroporto deveria mesmo ter sido coisa de Melanie. Joshua deu a impressão de ser um homem que fazia tudo seriamente. E, pelo jeito, tudo o que ele fazia, fazia bem. Ainda assim, esse giro de 180 graus, que ia de estar preparada para não gostar de alguém a sentir esse tipo de confiança nessa mesma pessoa em menos de 24 horas, não deveria ser boa coisa. Dannie devia estar cedendo ao charme lendário e letal de Josh. Como tantas outras. Bem, claro que estava! Por qual outra razão concordaria em voar para o desconhecido com um homem que era, bem, desconhecido? Então, ela tocou seu medalhão, um lembrete de que mesmo um conhecido podia se tornar desconhecido, até o previsível podia falhar. Antes que Dannie tivesse tempo de preparar a si mesma, o avião estava taxiando ao longo da pista e depois ergueu voo, deixando os laços da gravidade para trás. Dannie foi agradavelmente surpreendida pela sensação que a tomou. Descobriu que gostava mais de aviões pequenos do que dos grandes. Ela podia ver o rosto do piloto, sentir sua energia, ele não parecia desconhecido de tudo. Na verdade, tinha a sensação de conhecê-lo profundamente, enquanto observava suas mãos nos controles e estudava seu rosto. Ele olhou para ela de repente e sorriu. Por um segundo, ele era aquele garoto da fotografia na praia, cheio de malícia e prazer. Por um segundo, era o jogador de futebol da outra foto, confiante, certo de sua habilidade em enfrentar qualquer coisa que a vida trouxesse. Alguma coisa mudara no coração de Joshua Cole desde que aquelas fotos haviam sido tiradas. — Você ama isso, não ama? Pilotar? — perguntou ela. — É a melhor coisa que existe, Dannie. Sou livre aqui em cima, como em nenhum outro lugar. Não posso fazer nada, não posso atender ninguém, não posso resolver ne-nhum tipo de problema. Sentado aqui, vendo o azul infinito, sou apenas eu — disse ele, e voltou sua atenção para o que estava fazendo. E ela voltou a atenção para o mundo que se abria à sua frente. Um mundo de liberdade e beleza que seria difícil imaginar. Joshua apontava paisagens para ela, explicava algumas coisas mais simples que ele estava fazendo. Uma hora depois, o avião circundou um lago. A água era de um azul escuro profundo, e em volta dele havia uma série de cabanas charmosas e árvores. Muitas árvores. Um cais se estendia pela água. Exceto pelo fato de que ainda não era a época do ano para as pessoas estarem ali, um lugar que parecia um pôster de um verão perfeito. Ela realmente lamentou quando o voo chegou ao fim. Um carro esperava por eles no final da pista, e apresentações foram feitas. Sally e Michael Baker era um casal idoso, as linhas da experiência profundamente gravadas no rosto de ambos. Estavam modestamente vestidos com jeans e jaquetas marrons. Dannie gostou deles imediatamente. E gostou quando Joshua não a apresentou como babá, dizendo apenas que sua irmã a mandara junto porque não confiava completamente nele
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para cuidar sozinho das crianças. Os Baker os trataram direta e amigavelmente e fizeram as crianças se sentirem imediatamente confortáveis. Jake foi ansioso para os braços de Sally. — Eu acho que ele esteve esperando por toda sua curta vida para ter uma avó — disse Joshua. — Ele não tem uma avó? — perguntou Sally horrorizada. — Os avós por parte do pai das crianças moram na Austrália. Minha mãe e meu pai foram mortos em um acidente enquanto eu crescia. Melanie tinha dito a Dannie que seus pais haviam morrido, mas nunca explicara em quais circunstâncias. Dannie presumiu que fossem idosos e que haviam morrido de causas naturais. Agora ela imaginava se era esse o fardo que Joshua carregava. Havia muito que descobrir sobre aquele homem. Mas isso era um convite a mais e mais problemas. Porque até saber que ele perdeu os pais quando era jovem amaciou sua visão sobre ele. — Isso deve ter sido muito difícil — disse Sally, seus olhos castanhos cheios de genuína preocupação. — Provavelmente mais difícil para minha irmã do que para mim — disse ele. — Ela era mais velha. De repente, Dannie viu a atitude de Melanie para com o irmão, como se ele fosse uma criança e não um homem de muito sucesso, sob uma luz diferente. Michael colocou a bagagem deles no porta-malas da caminhonete espaçosa do casal, e eles logo estavam em uma estrada bonita que serpeava ao redor da água, com árvores de um lado e o lago, brilhando com a luz, no outro. Então chegaram numa clareira. Uma cabana de madeira, bonita e antiga, estava de frente para o lago e, ao final dela, cercada por maravilhosos gramados e canteiros de flores que iam até a areia das margens. Espalhadas pelo morro atrás da cabana estavam cabanas da mesma época. — É lindo! — Dannie suspirou. Mais do que lindo. Alguma coisa naquele lugar remetia imediatamente a verão, risadas, fogueiras, jogos na água, crianças brincando sob o crepúsculo. Um parquinho para as crianças ficava em uma parte do gramado bem espaçosa, perto da área do lago, e Susie começou a se contorcer logo que o viu. — É uma casa na árvore? — perguntou ela. — Eu quero brincar! Sally riu. — É claro que você quer brincar. Você ficou confinada a um avião. Por que não fico olhando as crianças no parque enquanto Michael ajuda vocês dois a se instalarem? Dannie esperava ouvir algum protesto de Susie, mas não houve nenhum. Tão logo a porta do carro se abriu, a menina correu para o parquinho. Michael e Joshua descarregaram as malas, e então eles seguiram Michael por uma encantadora passagem ao ar livre, que começava atrás da cabana principal, por onde sussurravam alamos, pinheiros e árvores de bordo. O cheiro doce, puro, limpo quase deixou Dannie sem fôlego. A passagem chegou a uma série de escadas ao lado do morro, e no topo estava a primeira de uma dúzia de cabanas que apareciam atrás das árvores na superfície brilhante da água. A cabana tinha o nome gravado em uma placa de madeira que parava acima das escadas na varanda.
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Descanso do Anjo. Havia um par de cadeiras de balanço na parte coberta da varanda. As guarnições das janelas foram pintadas de branco, a floreira da janela estava tristemente vazia. Dan-nie pôde imaginar brilhantes gerânios vermelhos crescendo ali. Um carpete em frente à porta de entrada dizia: Seja bem-vindo. Michael abriu a porta, que rangeu muito alto e de alguma forma adicionou um charme rústico ao local. Ele colocou a bagagem para dentro. Ocorreu a ela que ele e Joshua ficariam juntos sob o mesmo teto. Por que era diferente de terem ficado sob o mesmo teto na noite anterior? A cabana era pequena, uma peça, tudo ali exigia intimidade, muito mais do que o interior luxuoso do apartamento de Joshua. Décadas de risadas, de família, de alegrias haviam deixado suas marcas naquele atmosfera aconchegante. — Esta é nossa maior cabana — disse Michael. — Há dois quartos embaixo e mais o mezanino. Às vezes, as crianças dormem na varanda nas noites quentes, embora ainda não esteja quente o suficiente para isso. — Que maravilhoso haver no mundo um lugar seguro o suficiente onde as crianças possam dormir numa varanda aberta — disse Dannie. Michael concordou. — Minha filha e meus netos ficavam aqui durante todo o verão, mas... — Ele parou bruscamente de falar e limpou a garganta. — O jantar é servido na cabana principal. Vejo vocês por volta das 18h. Tem sempre guloseimas disponíveis na cozinha, se vocês quiserem algo antes do jantar. Então ele fechou a porta e os deixou. Sozinhos. A cabana era mais do que pitoresca, era como se eles estivessem em uma pintura intitulada Lar. Havia tapetes finlandeses coloridos cobrindo o chão. Um velho sofá estampado com rosas dominava a decoração da sala de estar. No interior, as fechaduras que não ha-viam sido expostas ao tempo estavam douradas brilhando com a idade e o calor. Uma lareira feita com pedras de rio, a frente enegrecida pelo uso, tinha duas cadeiras de balan-ço pintadas de amarelo brilhante diante dela. Talvez tenha sido essa sensação de estar em um lar que tenha feito com que Dannie se aventurasse em um território muito pessoal. Estar nesse lugar, com Josh, fez com que ela se sentisse conectada a ele, como se o calor e o amor das famílias que passaram algum tempo ali tivessem emprestado à cabana uma atmosfera de proximidade. — Não acredito que trabalho há meses para sua irmã e não sabia sobre seus pais. Sabia que haviam morrido, claro. Mas desconhecia as circunstâncias. — Foi em um acidente de carro. Ela não fala sobre isso. Melanie, eu quero dizer. — Você fala? Ele encolheu os ombros. — Nós não somos realmente muito faladores na nossa família. — Preferem fazer a falar — adivinhou ela. — Sim. Acho que é isso aí. — Sem desculpas, quase como um aviso. Nenhuma simpatia permitida. Não toque nesse assunto, parecia advertir o tom de voz dele. Para encerrar a conversa, Joshua começou a explorar a cabana. Dannie podia
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dizer que sua avaliação era um tanto clínica, como se ele deliberadamente se fechasse para os sussurros do charme da cabana. Ele estava estudando as partes da janela que mostravam sinais de apodrecimento, manchas no piso que pareciam decididamente lascado. Ele subiu para o mezanino. — Vou dormir neste quarto — disse ele. Dannie sabia que não deveria ir até lá, mas foi. O quarto do mezanino era sóbrio. A chaminé de pedra do andar de baixo continuava por uma das paredes ali em cima e o quarto tinha uma lareira também. A enorme cabeceira da cama, antiga, coberta com uma colcha artesanal, ocupava grande parte do espaço. Ele estava olhando embaixo da cama. — Bicho-papão? — perguntou ela. Ele levantou a cabeça e a puxou de debaixo da cama, surpreso por ela estar lá. — Ratos. O romantismo rústico do lugar não o havia tocado. — E? — Está livre de ratos. Ou foi limpo recentemente. Dannie tinha medo de ratos. Ele estava com medo de se importar. Talvez aquela fosse a hora de pelo menos um deles confrontar seus medos. — Joshua, sinto muito sobre os seus pais. Deve ter sido incrivelmente duro para você — disse ela, mesmo sabendo que ele deixara claro que o assunto estava além dos limites. Ele se aproximou e abriu a porta do armário. Olhou para dentro. Dannie tinha a sensação de que ele já estava com a cabeça em outro lugar, pensando sobre reformas, planos, tomando notas, fazendo esboços mentais. — Obrigado — disse ele. — Foi há muito tempo. — Quais são seus planos para este lugar? — perguntou Dannie tentando respeitar o desejo dele de não tocar no assunto da morte dos pais. — Se você comprá-lo? — Vou transformá-lo em um resort do grupo Sun Empreendimentos. O que significa renovar completamente o interior destas cabanas. Pense numa cabana de caça luxuosa, mobília em couro, um bar, boa arte, tapetes de pele de urso. Ela na verdade sentiu uma sensação de perda quando ele disse isso. — Para atividades — continuou ele —, caminhadas noturnas, montanhismo, escaladas, jet-skis enfileirados amarrados a um novo cais. Ela estremeceu ao pensar nisso. — Jantares cinco estrelas servidos na cabana principal, um espaço de convivência, algumas cabanas com suas próprias banheiras de hidromassagem. — Só para adultos? — Ela sentiu o coração afundar. Como ele podia ser tão indiferente ao que este lugar significava? — É isso que nós fazemos. — Que vergonha. Este lugar implora por famílias. Parece tão vazio sem elas. — Bem, não é isso que o grupo Sun Empreendimentos faz.
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— Isso é por causa da sua própria família? — perguntou ela, ainda que isso fosse ultrapassar todos os limites segundo os olhos dele. — Esse é o motivo de você atender a pessoas que não têm família? Porque o assunto é doloroso para você? Ele parou, saiu do armário, olhou para ela com profunda irritação. — Eu não preciso ser analisado. Você parece a minha irmã. Dannie tocara em um ponto sensível. E percebera isso. E ela também viu que ele estava certo. Ficar naquele lugar, vê-lo com as crianças, voar no avião dele, ficar sozinha com ele nesta cabana criara uma falsa sensação de intimidade. Ela era a babá, a empregada. Não tinha o direito de sondar a vida pessoal dele. — Eu sinto muito, sr. Cole — disse com firmeza. Ele foi até ela. Ela percebeu o quanto ele era alto quando olhou para baixo para encará-la. — Ei, eu não quis magoar você. Chame-me de Joshua. — Não magoou. — Sim, eu magoei. Eu posso ver no seu rosto. — Eu tenho certeza de que você está imaginando coisas. — Não, eu não estou. — Agora é você quem está sendo muito íntimo. Ele a encarou. — Nós estamos tendo uma briga. Ele começou a rir e surpreendentemente ela também, e então a tensão que havia entre eles se dissipou, apenas para ser substituída por outro tipo de tensão. Quente e cla-ra. Ela podia sentir a respiração dele em sua bochecha. — Por favor, não me chame de sr. Cole novamente. — Certo, Joshua. — Apenas para constar, eu não comecei o negócio de resorts só para adultos por causa dos meus pais. Por um momento, havia uma dor tão grande nos olhos dele que ela pensou que ele iria chorar. Pareceu a coisa mais razoável do mundo tocar o rosto dele naquele momento, segurar seu queixo na palma da mão e descansar os dedos ao longo das duras planícies de seus ossos das faces. O rosto dele estava começando a ficar ligeiramente vermelho. Sua pele estava inesperadamente sensual, fria e tensa sob a palma da mão dela. Ele se inclinou para ela. Por um deslumbrante momento, ela pensou que ele iria lhe dizer algo. Algo importante. Talvez a coisa mais importante sobre ele. Então, o véu caiu sobre os olhos dele, e alguma coisa perigosa agitou o verde-jade. Ele iria beijá-la. Ela sabia que devia se afastar, mas era incapaz de fazê-lo. Então, ele cambaleou para trás como se tivesse recebido um choque elétrico, parecendo embaraçado, e voltou a inspecionar a cabana. — Tio! Dannie! — Susie apareceu na porta do andar de baixo. — Este não é o melhor lugar de todos? O melhor de todo sempre? Vocês têm que vir ver a casa na árvore. Sally disse que eu talvez pudesse dormir lá. Vocês querem dormir comigo? Seria muito melhor dormir lá fora do que ali na cabana, com ele. Mesmo que
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estivessem em quartos diferentes, o espaço de cima era aberto para o resto da cabana. Ela seria capaz de imaginá-lo ali, dormindo em outro quarto. Ela poderia ir até ali, na calada da noite, quando o seu coração falasse mais alto que sua cabeça. Seus olhos foram mais uma vez para a cama. Ela sabia que Joshua havia parado e a observava. — Onde vocês estão? — falou Susie. — Aqui em cima, mas estou descendo. — Longe da tentação, Dannie correu escada abaixo, aliviada pela distração das crianças. Seu trabalho, lembrou a si mesma firmemente, sua prioridade. — Você quer escolher um quarto? — perguntou ela a Susie. — Não, eu quero acampar na casa da árvore. É o melhor lugar do mundo! — disse Susie abraçando-a. — O Cabanas do Lago do Alce é o melhor lugar do mundo! — O melhor — concordou Dannie sem entusiasmo, sabendo que o futuro do Cabanas do Lago do Alce estava nas mãos de alguém que tinha uma visão um tanto dife-rente sobre o que era melhor. Mas por que ela sentia que debaixo daquele exterior de um frio, profissional coração endurecido do homem de negócios Joshua era completamente diferente? — Eu tenho que me trocar — disse Dannie, repentinamente lembrando que usava uma roupa irremediavelmente errada para o lugar. — Escolha um quarto — disse ela a Susie —, apenas para o caso de você não gostar de acampar na casa da árvore. Susie revirou os olhos diante dessa impossibilidade, mas escolheu um quarto. Então, Dannie pegou sua mala e entrou no outro. Sua mente foi até o encontro com Joshua no mezanino. Se o beijo tivesse acontecido, ela saberia quem Joshua realmente era? Ou estaria mais confusa do que nunca? Dannie viu a si mesma no velho espelho ligeiramente deformado. A primeira coisa que ela notou não foi os cinco ou oito quilos de tristeza que carregava, mas o medalhão piscando em seu pescoço. Ela o tocou, e então, por impulso, tirou-o e guardou-o no bolso de sua mala. Disse a si mesma que o gesto não tinha significado. O medalhão era apenas muito delicado para aquele tipo de passeio. Ela vestiu uma calça de ioga e uma camiseta. Olhou seu reflexo e teve uma pequena surpresa. Sentiu-se voluptuosa em vez de gorda. Essa avaliação deveria ser o suficiente para ela colocar de volta o medalhão, mas Dannie não fez isso. Deixou a peça onde estava. CAPÍTULO CINCO A coisa que Joshua Cole mais amava a respeito de voar era ser transportado a um mundo que só podia ser acessado através de absoluto controle, da precisão de
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pensamento e da autodisciplina, algo que apenas outro piloto podia entender completamente. Voar dava a ele uma sensação de liberdade absoluta, mas apenas depois que um rigoroso conjunto de regras fosse seguido. O mundo dos negócios era muito parecido. Trabalho duro, disciplina, precisão de pensamento levavam a um resultado final previsível, a uma tremenda sensação de satisfação, de realização. Mas relacionamentos... Bem, relacionamentos ficavam em um território completamente diferente. Relacionamentos nunca pareciam seguir algum tipo de planejamento. Não havia um conjunto rígido de regras lógicas a seguir para manter o sujeito longe de problemas. Como Dannie, por exemplo. Não que ele tivesse algum relacionamento com ela. Mas um homem podia ser arrebatado por aqueles olhos azuis e manter-se cativo do chamamento deles para sempre. Ele tinha visto algo nela quando eles voaram, algo que vislumbrou também quando ela saiu do quarto de seu apartamento com Jake enrolado naquela toalha branca, a blusa dela molhada, revelando suas curvas, as risadas ainda brilhando em seus olhos. Dannie Springer tinha a rara habilidade de se admirar, de se perder no momento. Algo sobre suas contradições, lúdico, pragmático e sensível, fez com que ele se sentisse vulnerável. E fora do curso. E parecia que por mais que tentasse ter controle sobre a situação, mais ficava fora de curso. Por exemplo, quando sentiu que ela estava sondando a tragédia da morte de seus pais, Joshua fez o que sempre fazia e se afastou. E então, ora, ele a magoara enquanto tentava proteger a si mesmo. Ao perceber isso, tornou a se aproximar dela. E num piscar de olhos, no desenhar de uma respiração, ele fora de tentar afastá-la para muito próximo de dizer-lhe sua verdade mais profunda. Josh quase contou a ela sobre seu filho. E nunca contara sobre aquilo a ninguém. Nem mesmo à sua irmã. Estivera a um passo de confiar numa mulher que era virtualmente uma estranha, apesar da luz que seus olhos emanava, turquesas raras. Joshua se orgulhava de ser capaz de se controlar. Sempre, em todas as circunstâncias. Joshua escutou quando ela voltava para a sala com Susie. Foi atraído para a grade que cercava o mezanino. Ela havia trocado de roupa, usava roupas confortáveis e sandálias que mostravam seus adoráveis dedos. Ele não era capaz de superar aquilo. E nem de se controlar. Quem pensava estar enganando? Ele mal a conhecia. Ela era a babá de sua sobrinha e de seu sobrinho. Levá-la a um nível diferente nem seria apropriado. Havia coisas extremamente atraentes sobre ela. E daí? Ele estava cercado de mulheres muito atraentes. E disponíveis. E ávidas por sua companhia. E evitara envolvimento com todas elas com sucesso. Claro que com todas as outras ele tinha um saco inteiro de truques que o dinheiro podia comprar para dar a ilusão de envolvimento, sem realmente investir no rela-cionamento. E aquele fora um arranjo feliz e satisfatório. As mulheres se deliciavam com suas ofertas superficiais, ele se deliciava com a distância emocional que mantinha. Dannie Springer faria muitas, muitas perguntas sobre ele. Ela iria querer saber mais, esperaria mais, mereceria mais. Fora uma boa coisa ele se afastar da tentação dos lábios dela no momento certo! Joshua levou sua mala até o mezanino, vestiu roupas mais casuais e então desceu e parou por um momento na varanda, inspirando profundamente o ar puro que o cercava. O silêncio, o cheiro das árvores, o barulho das ondas na praia calaram seus pensamentos. Havia uma ilha no lago, muito arborizada, com uma cabana visível na terra. Era uma visão de 1 milhão de dólares.
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Ele vira no rosto de Dannie que seus planos para aquele lugar maravilhoso a irritaram. Ela estava se deixando guiar pela emoção. Josh, ao contrário, guiava-se pelo bom senso dos negócios. Talvez a emoção dela o estivesse influenciando, porque preservar essas estruturas velhas custaria mais do que queimá-las e começar tudo de novo e, ainda assim, ele queria preservá-las. Pensava em renová-las, manter alguma coisa da personalidade e da solidez dos antigos donos e criar um recanto mais... rústico. O parquinho seria derrubado, pensou. Ele podia pensar num bar ao ar livre ali, espreguiçadeiras enfileiradas ao redor dele. Uma piscina aquecida e uma banheira de hidromassagem também poderia ser um recurso usado. Uma pista de pouso para helicópteros também seria uma ótima idéia. E então o grito de Susie ecoou pelo parquinho que ele queria destruir, seguido pela risada de Dannie. Ele olhou para elas. Dannie ria como louca, perseguindo Susie pela escada da casa na árvore, aquelas pernas longas, fortes e ágeis. Susie apareceu do outro lado da casa e escorregou de volta para o chão. Dannie não hesitou e escorregou atrás de sua sobrinha. Se Josh conhecia mulheres com mais a oferecer do que ela, repentinamente não conseguia pensar em nenhuma. Não conseguia pensar em uma mulher que se sentiria tão confortável e tão feliz voando em um escorregador de criança. A uma pequena distância de Dannie e Susie, Sally estava sentada em um banco com Jake a seus pés. Ele tinha uma pequena pá na mão e estava envolvido em sua ati-vidade, parecendo muito solene e concentrado enquanto enchia um balde de areia. Joshua imaginava como colocaria aquele parquinho abaixo agora. Sem sentir a pontada daquela lembrança perturbando-o. Aquele era o problema com a emoção. Ele devia ter focado nos negócios. Não deveria ter trazido as crianças ali. É claro que, sem as crianças, duvidava que tivesse sido convidado. Por um momento, observando a brincadeira no parquinho, Joshua sentiu fortemente a perda dos pais. Nunca tiveram a chance de dividir momentos como aquele. Ele sentiu a visão embaçando quando olhou mais uma vez a menina brincando e escutou os gritos e o riso. Joshua sentiu falta de seus pais naquele momento. Muita. Talvez mais do que se permitia sentir desde que eles haviam morrido. Ele se lembrou de momentos felizes com eles. Temporadas na praia, dias sem fim, risadas despreocupadas, raios de sol, areia e água. E então Joshua teve um momento de lucidez. Mas pareceu mais com um soco no estômago. Preciso ter meu filho junto de mim. Então, poderei sentir isso de novo. Essa sensação de família. De pertencimento. De amor. Esse pensamento tinha vivido em algum lugar dentro dele, esperando o exato momento de vulnerabilidade para aparecer em sua consciência. Quando Joshua desistiu de seu filho, desistiu de seu sonho. Deixou isso para trás. Fechou a porta. Tentou preencher o vazio com outras coisas e até aquele momento não sabia o quanto falhara. Era um dos homens mais bem-sucedidos do mundo. Como podia ver a si mesmo como fracasso? Sua irmã sabia quem ele realmente era. E ele também. Um homem que perdera uma parte de si mesmo. Oh, meu Deus. Não é momento para isso! Joshua mandou embora o indesejado momento de introspecção.
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Apesar de ter planejado procurar Michael para começar a discutir negócios, ele resolveu ir na direção das crianças. Sally olhou e sorriu para Joshua enquanto ele cruzava o pátio, vindo na direção deles. — Que bom que você chegou — disse ela. — Eu estava indo preparar o jantar. Então ela se levantou e se afastou, deixando-o com Jake. Depois de um momento considerando suas opções, Joshua se sentou no chão ao lado do sobrinho. Como sus-peitara, a realidade não era nada confortável. Ele encontrou outra pá e ajudou Jake a encher o balde. Então, virou o balde de cabeça para baixo, para começar um castelo de areia. Jake pegou sua pequena pá e destruiu tudo, rindo com alegria. Susie chegou sem fôlego. — Você está fazendo alguma coisa? Dannie entrou em seu campo de visão. Ela olhou para ele. Joshua não saberia dizer como percebeu, mas notou que Dannie estava sem seu querido medalhão. Ele deu um balde para a sobrinha, como se planejasse gerenciar um grande canteiro de obras. Grande garoto, parabenizou a si mesmo. Assuma o controle. — Você e Dannie querer trazer um pouco de água do lago? Faremos um enorme castelo de areia. Antes que percebesse, Joshua não estava entediado, e sim envolvido com sua grande obra. Dannie não tirava os olhos dele, como se fosse um estranho. Isso era tão infantil! Aquilo era como trabalhar em um projeto para a feira de Ciências da escola, com a garota pela qual você era secretamente apaixonado. Não que Joshua Cole fosse secretamente apaixonado por Dannie Springer. O castelo estava tomando forma, feito em várias camadas. Dannie cavava cuidadosamente as janelas na areia molhada, moldando as paredes das torres. Tinha um jeito meigo de segurar a língua entre os dentes quando estava concentrada. Seu cabelo continuava caindo para a frente e ela impacientemente o puxava para trás. Isso o fez imaginar o que seus dedos sentiriam quando acariciasse o cabelo dela, um pensamento que ele rapidamente abandonou tratando de ajudar Susie a construir o fosso e defender o castelo dos felizes esforços que Jake fazia para esmagá-lo com a pá. Antes que Josh se desse conta, seu desconforto desaparecera e a felicidade, a mais furtiva das emoções humanas, estava ao redor deles, obscurecendo tudo o mais. Era como se a névoa transformada em dourada com a luz do sol pela manhã os tivesse enredado em seu próprio mundo. Ele ria das coisas que a sobrinha dizia e das caretas de Jake, e Dannie estava rindo com ele. De repente, Susie estava em seus braços com o dedo imundo na boca, toda molhada, suja e cheia de areia, e o bebê cheirava mal. A realidade era estranha e maravilhosamente melhor do que qualquer fantasia que ele já imaginara, constatou Joshua surpreso. E maravilhado. Algo nele colocou os negócios em segundo plano. Por alguma razão, embora não merecesse, recebera um enorme presente. Alguns poucos dias passados com sua sobri-nha e seu sobrinho em um dos mais lindos lugares que já tinha visto. Alguns poucos dias com uma mulher que o intrigava. No dia seguinte, ele e Dannie pareceram se entender às mil maravilhas. Deveria ter sido constrangedor fazer esse papel com ela, mas não foi. Parecia que andar pela cabana Descanso do Anjo era como voltar para casa. Sally preparou as mais maravilhosas comidas que ele já comera: comida à moda
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antiga, cozidos e bolos para as refeições, biscoitos e geleia para o café da manhã e sanduíches de pão caseiro para o almoço. A cabana, magnificamente construída, sempre cheirava a pão assando e também a café recém-passado. A noite estava fria, então acenderam a lareira e jogaram jogos de tabuleiro com Susie, sob o olhar atento de Jake. O segundo dia trouxe um sol de primavera. Brincaram na areia, caminharam na mata, ele remou com as crianças ao longo do cais. Quando as crianças tiraram suas sonecas da tarde, ele e Dannie se sentaram na varanda da cabana. — As crianças estão exaustas — disse ele, descansando em sua cadeira, feliz por estar parado, olhando para a vista da pequena cabana na ilha que ficava em frente ao hotel. — Eu preciso mais de uma soneca do que eles. — Você tem feito um bom trabalho como tio. O Melhor Construtor de Castelos de Areia do Mundo. — De alguma forma, isso significava mais para ele do que ser agraciado com o título de Solteiro Mais Sexy do Mundo. — Obrigado. Você tem feito um bom trabalho... sendo você mesma. Isso a fez corar. Ele gostou. Ele decidiu fazê-la corar mais. — Melhor Conjunto de Dedos dos Pés do Mundo. — Você está sendo bobo — disse ela, e tentou esconder seus dedos descalços atrás de suas panturrilhas bem torneadas. Hoje ela estava vestindo calças mais curtas, que ele pensou se chamarem capri. Elas acentuavam suas curvas de maneira agradável. — Eu sei. Imagine isso. Vamos. É um esporte. Deixe-me ver uma pontinha desses dedos. Ela hesitou, tirou o pé de trás de sua perna, e mexeu os dedos para ele. Ele riu com a ousadia dela, e então ela riu também. Ele pensou em como era fácil a missão de fazê-la rir... e corar. — Eu amo a vista daqui — disse Dannie abraçando a si mesma e colocando seus pés debaixo da cadeira. — Especialmente a cabana, se eu tivesse uma lua de mel, seria lá — completou, corando violentamente. Se havia um sujeito que era devoto a ser solteiro era Joshua. Ele jamais discutia casamentos. Ou luas de mel. Mas seu amor ao vê-la corar despertou o melhor dele. — Como assim sei — provocou-a ele. — Se algum dedo do pé foi feito para servir em um sapatinho de cristal, foram esses. Algum rapaz irá cair por seus pés e aos seus pés e se casará com você. Você passará sua lua de mel inteira sendo perseguida por ele, que tentará dar uma mordidinha em cada um de seus dedos. Eu estou surpreso que não tenha acontecido ainda. A provocação funcionou, o rosto dela estava cor de framboesa... — Oh — disse ela, sua voz estrangulada, mesmo que tentasse parecer natural. — Desisti dos sonhos de Cinderela. Homens, em sua maioria, são lobos em pele de cordeiro. Sua tentativa de parecer natural foi um fracasso, então ela tocou seu pescoço, no lugar onde costumava ficar o medalhão. — Bem, você está coberta de razão — disse ele, mas sentiu muito quanto a isso. Joshua sabia exatamente que era o sujeito errado para convencê-la do contrário. Afinal de contas, ele a atraíra com as crianças até aquele hotel junto ao lago com um motivo
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bastante sórdido. E havia olhado para os lábios dela, seus dedos dos pés, seu cabelo e seu corpo, travando uma batalha cada vez mais dura para não roubar um pouco de seu gosto, não se importando com as conseqüências. Ele sabia que não deveria perguntar, mas perguntou de qualquer forma: — Ele machucou muito você? — Quem? — perguntou ela de olhos arregalados. Ele suspirou: — O professor. Sua mão saiu de seu pescoço. — Eu me envergonho por ser tão transparente. — Bom. Espero que isso faça você corar de novo. Ele a machucou? Ela contemplou a pergunta por um momento e depois disse calmamente: — Não, eu mesma me machuquei. Ele duvidou que isso fosse completamente verdade, e de repente sentiu um desejo assassino de encontrar o idiota que fizera a doce Dannie sofrer. E sentiu outro desejo, o de tentar alcançar aquela tristeza oculta que ela carregava. Alcançar aquela tristeza enorme e tirá-la de cima dela. Com suas mãos e seus lábios. As crianças finalmente acordaram e a tarde passou em um instante. Depois de outro inacreditável jantar, uma truta fresca do lago preparada por Sally, Dannie anunciou que ela e Susie dormiriam na casa da árvore. Ridiculamente ele se ouviu dizendo que gostaria de se juntar a elas. Joshua teve a pior noite de sono de sua vida na casa da árvore, com Susie entre os sacos de dormir dele e de Dannie, o bebê numa enorme cesta de vime perto de suas cabeças, arrulhando feliz do seu ninho de cobertores quentes. Dannie estava tão perto que ele poderia tocar aquele cabelo inacreditável. Mas não fez isso. Ela estava tão perto que ele podia sentir o cheiro de flor havaiana dela. Ficou acordado olhando a incrível quantidade de estrelas sobre sua cabeça e escutando a respiração dela. Pela manhã, Joshua se sentiu mais vivo do que se sentira em um longo, longo tempo. Dannie acordou, as crianças também, e no meio daquela confusão de mantas sendo dobradas e risadas Josh olhou dentro dos lindos olhos turquesa de Dannie, ainda cheios de sono, e se perguntou seriamente se poderia voltar à vida que conhecia. A estada despreocupada no Cabanas do Lago do Alce estava tão longe de sua vida ocupada e impessoal. Era como se fosse a vida de outra pessoa. Ali, ele não tinha acesso a celular, não havia televisão para assistir. Nem internet. Era toda uma nova realidade e muito dela girava em volta de Dannie: seus olhos e lábios e o modo como ela jogava o cabelo. Como ela, com as calças arregaçadas e manchadas de sujeira, abraçando a feminilidade de suas curvas, com seus dedos dos pés nus na areia quente, deixava-o zonzo e desarmado, pensando em mil loucuras. O modo como ela tratava as crianças também fazia parte de seus encantos. Ela era paciente, amorosa, verdadeira. Joshua observava sua inteligência rápida em ação e estava bem ciente de que Dannie era o tipo de mulher que os homens, criaturas superficiais como eram, negligenciavam. Porém se um homem estivesse procurando por uma parceira na vida, o que ele felizmente não estava, poderia haver alguém melhor do que ela? Naquela manhã, depois do requintado prazer de um banho quente após a noite tão fria, e depois de panquecas com melado, Sally disse a eles que ela e Michael pretendiam
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passar o dia com as crianças. — A única que não teve qualquer tipo de férias, uma pausa na responsabilidade, é Dannie. Esse é o seu último dia aqui. Saiam e se divirtam vocês dois. Sua sobrinha estava tão certa sobre ele, pensou Joshua. Era mesmo um bobo. Um bobo enorme, enorme. Ele se virou para Dannie, humilhado pela consideração de Sally por ela, sentindo-se o pior dos seres humanos por não ter pensado nela da forma certa e não por meio de sonhos adolescentes imbecis. Ela era uma boa moça, uma profissional, e estava trabalhando sem parar. Meu Deus, claro que ela merece um descanso, seu animal egoísta e insensível. Naquela manhã, Dannie estava vestindo um moletom vermelho que escondia seu corpo bonito. Mas os jeans, em compensação... Era como se o tecido azul a abraçasse gentilmente, mas com firmeza. Como ele desejaria fazer um dia. Ocorreu-lhe que traseiros magros eram altamente superestimados. Ocorreu-lhe também que aquele era um pensamento altamente inadequado para um homem que tentava ser atencioso. — O tempo inteiro eu estive pensando em como isso tudo está sendo divertido, Dannie — admitiu Joshua —, e não tive a decência de ver que você esteve fazendo o seu trabalho, cuidando das crianças, sem um segundo de folga. — Ah, não — protestou Dannie. — Eu não me senti assim. Uma vez eu ouvi que se você faz seu trabalho com amor, você não trabalhará um único dia de sua vida; é assim que me sinto quando posso cuidar de Susie e Jake. De novo, Joshua foi tomado pelo pensamento que ela seria um prêmio na vida de alguém. E de novo foi tomado pela mesma reação daquele pensamento. Miséria. Antes de alguém agarrá-la e colocar um anel de noivado em seu dedo, ele poderia... Poderia o que, homem de Deus? Magoar ainda mais essa pobrezinha? Ah, Deus, será que era uma boa idéia que ela passasse seu dia livre com ele, no fim das contas? Ele podia confiar em si mesmo, não para sempre, mas por um dia só? Poderia colocar as necessidades dela acima das dele? Ser atencioso, em vez de um idiota egocêntrico? Dar a ela um dia divertido, despreocupado e feliz? — Sally está absolutamente coberta de razão — disse ele firmemente. — Já passou da hora de você ter uma folga. Dannie parecia bastante desconfortável, como se realmente não quisesse passar um tempo com ele sem o anteparo emocional de duas crianças vivazes e exigentes entre eles. O que demonstrava que era uma moça sensata. Prometeu a si mesmo que seria um cavalheiro. Que seria um homem melhor, atencioso e correto. — Eu já tive minhas férias, Joshua, falo sério — insistiu ela. — Onde mais eu comeria uma comida como a de Sally ou ficaria hospedada em um lugar tão lindo, tão acolhedor? Isso são férias, definitivamente. Gostei mais de ficar hospeda neste lugar do que em qualquer resort cinco estrelas. Sem ofensas aos donos de resorts cinco estrelas que estejam por aqui. — Não, nada disso — disse Sally de uma forma que não admitia discussão. — Hoje é a vez de vocês. Tirem o dia para descansar, sem as crianças, sem preocupações. Por que você e Josh não pegam uma canoa e vão para a ilha? Eu prepararei um piquenique. Josh deve olhar a ilha de qualquer forma, uma vez que é parte da propriedade do Cabanas do Lago do Alce. Muitas luas de mel aconteceram naquele lugar. Joshua, apesar de todas as suas boas intenções, não estava certo se queria ter um
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tempo de adulto com Dannie numa ilha onde as pessoas tinham passado suas luas de mel. Mas ficou entusiasmado com o comentário de Sally. Parecia haver algum tipo de abertura para o negócio se concretizar afinal. Se Sally o estava encorajando a ver a estrutura do lugar, restava uma esperança. Na busca de aventuras perfeitas para seus clientes, e tentando manter-se fiel ao seu estilo de vida único e acelerado que queria imprimir a cada um de seus hotéis, Joshua experimentara várias atividades, incluindo algumas mais radicais, como bungee jumping e parapente. Nuca tivera medo, nunca ficara nervoso. Mas a perspectiva de ter a vida de Dannie em suas mãos deixava-o cheio de aflição. Michael e ele levaram a canoa até o lago e depois repassaram suas habilidades em canoagem. Joshua sentiu o peso da responsabilidade. Já fizera canoagem antes, mas nunca em águas que pudessem matá-lo de frio se a canoa virasse e alguém tivesse que ficar qualquer duração de tempo nelas. Michael assegurou que a ilha ficava a vinte minutos de canoa em águas tranqüilas. — Manterei um olho em você — prometeu ele. — Se alguma coisa der errado, resgato vocês com o barco a motor. Joshua não conseguiu imaginar nada mais humilhante do que isso, especialmente com Dannie dividindo o barco com ele. A presença dela colocava sobre os ombros dele uma tremenda responsabilidade. As decisões de negócios que ele tomava literalmente afetavam a vida e o sustento de centenas de pessoas. Mas esse tipo de responsabilidade nem mesmo parecia real comparado a ter uma vida em suas mãos. Bem, claro que Joshua tivera a própria vida em suas mãos várias vezes antes, mas, se algum problema aparecesse, ele seria o único a sofrer as conseqüências. Estranhamente as duas sensações, não querer passar por bobo na frente dela e sentir-se responsável por sua segurança, faziam com que Joshua não se sentisse, enfra-quecido, e sim fortalecido. Como se estivesse passando por uma prova, crescendo, assumindo o papel de protetor, de guerreiro. Ele nunca havia pensado que esse papel po-dia ser tão satisfatório. Ele a acomodou na frente do barco e deu a ela um remo com fins decorativos. Depois, ensinou a ela sobre a natureza das canoas, como deveria contrabalançar seu peso com o dele e em seguida se sentou no lugar correto para controlar a embarcação. Antes mesmo de eles saírem do compartimento protegido que abrigava a cabana, ela virou para ele aborrecida, suas bochechas coradas com o esforço que fazia ao tentar puxar o barco sozinha pela água com seu remo. — Joshua, posso estar enganada, mas acho que esta é uma atividade de equipe. Eu não sou do tipo de garota que quer se sentar na frente do barco e parecer bonita, acho que nossos remos estão fora de sincronia. Em outras palavras, ela não era do tipo de garota à qual ele estava acostumado. Em outras palavras, talvez ele tivesse agido sozinho um pouco demais. Não estava certo se sabia agir em equipe. Para sua surpresa, assim que relaxou o controle, assim que começou a trabalhar com ela, em vez de tentar fazer tudo sozinho, a canoa começou a cortar a água com velocidade e graça, uma flecha direto para a ilha. — Assim está melhor — disse ela, olhando por cima dos ombros e sorrindo para ele. Ele não sabia ao certo quando a incrível transformação ocorrera, mas em algum ponto dos últimos dias ela fora de comum a bela. O sol havia beijado sua pele pálida,
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agora dourada, ela desistira dos esforços para domar seu cabelo que se enrolava selvagemente ao redor de seu rosto, sua expressão parecia mais relaxada a cada segundo que passava, as crianças ficavam mais e mais distantes. — Você é bonita — disse ele gaguejando, um rompante inexplicável, infantil, temerário e tolo. Muito tolo. Joshua, que já havia namorado as mulheres mais bonitas do mundo, parecia um garoto no seu primeiro encontro. Em resposta, ela bateu o remo na água, e deliberadamente espirrou a água fria do lago nele. Ela parecia cheia de vida, animada e, bem, um pouco lisonjeada com o elogio dele. Ele podia ver agora quem ela realmente era. A menina travessa, a mulher bonita, o ser humano gentil e doce. Fora essa pessoa que Josh vislumbrara quando tocara sua pele com um dedo, tantos dias atrás, uma vida atrás. Dannie nascera para brincar com a vida, para ser mimada e mimar, para sorrir e gargalhar, para ser esfuziantemente feliz. E para fazer alguém se sentir da mesma forma. Como ele se sentia agora. E então a revelação o atingiu como se fosse um tapa. Não fora ela quem mudara. E sim ele. — Não balance o barco! — disse ele, rabugento. E de alguma forma a advertência soou como uma metáfora de sua própria vida. Joshua Cole, o empresário inovador e ousado, que encarava qualquer aventura de peito aberto, não enfrentava mudanças, nem novas situações em uma área específica de sua vida. Relacionamentos. Essa era uma área na qual ele não queria nenhum tipo de alteração. Tinha poucos encontros com cada mulher. Assim que elas sinalizavam qualquer tentativa de envolvimento, Joshua parava de vê-las. Não se importava em bancar o jogo de sedução, financeiramente inclusive, mas não iria envolver seu coração, de jeito nenhum. Seu coração já sofrerá o suficiente, ora, muito obrigado. Quando seus pais morreram, as pessoas disseram a ele que o tempo curaria todas as feridas. Quando ele concordara com Sarah que a melhor coisa para o bebê seria ir viver com uma família que o amasse, que cuidasse dele financeira e emocionalmente, Joshua pensara estar fazendo o certo e acreditara firmemente que o tempo curaria mais aquela dor. Mas ele estava apenas se enganando. Havia feridas que o tempo simplesmente não tinha o poder de abrandar. Camuflar uma ferida não era a mesma coisa que curá-la. Não mesmo. — Ei, a ilha! — exclamou Dannie conforme se aproximavam da terra. Ele olhou para o rosto dela que brilhava de entusiasmo e seu coração ficou mais leve. Joshua decidiu que, apenas por um dia, baixaria a guarda, desarmaria suas defesas e seria feliz ao lado daquela linda mulher. Por ela. Para que ela pudesse aproveitar aquele dia, divertir-se e ser feliz. A canoa atingiu a parte mais rasa do lago e eles desceram, molhando os pés, fazendo algazarra, empurrando a canoa na terra firme. Joshua pegou a cesta de piquenique e seguiu Dannie pela prainha. — Mal posso esperar para explorar a ilha — disse ela, seguindo na direção da cabana. Dannie tropeçou em uma raiz e Josh estendeu a mão para ampará-la. Ele tomou a mão dela na sua e, de alguma forma, não a soltou mais, seguiram de mãos dadas o caminho todo, sorrindo um para o outro, cúmplices. Amigos. A trilha que levava para a cabana era bem demarcada. E a cabana tinha nome,
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assim como a cabana onde ficavam junto ao lago. "Ninho de Amor." — Ah, não é um nome adorável? — perguntou ela. — É meio cafona, não é? — Joshua achava aquilo ridículo e decidiu que o nome sairia no segundo em que se tornasse dono do lugar. — Devemos entrar? — Sim, claro, o lugar não é uma igreja. Não é sagrado. Além disso, posso vir a ser o dono disto tudo um dia. Preciso inspecionar. — Inspecionar — disse ela fazendo uma careta. — Sei. Joshua não ligou para a observação dela e abriu a porta. A cabana estava às escuras e cheirava a umidade. Havia uma cama antiga em um canto, com o colchão enrolado e os lençóis dobrados, uma mesa pequena, um sofá em condições lamentáveis e uma enorme lareira de pedra. Não havia nada de romântico ou de invocativo ali. Certamente não era o ninho do amor. De ratos, talvez. E morcegos. Sim, morcegos, certamente. E mesmo assim algo pairava no ar, ainda que escondido atrás do cheiro de mofo. Certa... dramaticidade, alguma emoção. Algo impregnara as paredes da cabana com encanto e expectativa. Meu Deus do céu, pensou ele enquanto dava em si mesmo uma sacudidela mental. Estou enlouquecendo e imaginando coisas. — Olhe — sussurrou ela, esquecendo-se de que aquele não era um lugar sagrado. — Olhe, Joshua! Entalhados cuidadosamente na parede de madeira atrás da cama, estavam nomes, centenas deles. Mildred e Manny, 3 de abril de 1947. Penelope e Alfred, 9 de junho de 1932. Às vezes havia apenas os nomes e a data, às vezes um coração ao lado ou em volta dos nomes, e às vezes um poema. Centenas de casais deixaram ali suas marcas, cobriram aquela parede com seus nomes, para que ela fosse testemunha de seu amor e de sua esperança no futuro. Não havia nada de valor na cabana e, ainda assim, ela guardava em si mesma o que pode haver de mais valioso, a história de amor de duas pessoas que crêem no amanhã, que juntas se dispõe a mudar um pedacinho do mundo com seu amor. Pessoas que diziam sim à grande aventura de cuidar do coração do outro. Para sempre. Joshua engoliu em seco. O cinismo não o protegeria para sempre. Ele colocou a cesta de piquenique sobre a mesa e eles deixaram a cabana. Assim que colocaram os pés para fora, a mão dele procurou a dela, automaticamente. Andaram pelo lugar. A ilha era pequena. Em pouco mais de uma hora tinham explorado toda a praia. Escolheram um ponto bonito e resolveram abrir ali a cesta de piquenique, que ele buscara na cabana. Joshua se sentia absolutamente confortável ao lado de Dannie. Era como se conhecessem um ao outro desde sempre. Ela recolhera lenha e eles acenderam uma fogueira. Enquanto os cachorros-quentes eram consumidos, Joshua percebeu que queria saber mais. Ouvir mais histórias sobre aquela mulher. Falar com ela, ouvir sua voz.
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— Bem, conte-me sobre seu trabalho. Por que criar os filhos dos outros? — perguntou ele enquanto limpava a mostarda do canto da boca de Dannie com o dedo. Ela sorriu, envergonhada com o toque. — Eu já disse, amo esse trabalho. É como se eu não estivesse realmente trabalhando. — Mas ele não a faz desejar ter seus próprios filhos e cuidar deles? — Ela corou novamente. Ele adorava aquilo. Adorava o tom rosado da pele dela. Antes que ela respondesse, ele continuou: — Você foi magoada demais, não é? E está se defendendo. Eu entendo. Você vai me contar o que aconteceu? Aquele era exatamente o tipo de pergunta que ele nunca fazia. Nunca. Perguntas assim, quando respondidas com sinceridade, levavam ao tipo mais profundo de in-timidade e de comprometimento. Mas Josh percebeu, de repente, que queria mesmo saber. Queria entender como a cabeça dela funcionava, qual era o estado de seu coração, quais eram os planos e esperanças dela e... Bem, e se ele poderia se encaixar naquilo de alguma forma. — Não, não vou. — Hum, qual era o nome dele? Dannie olhou para ele com uma expressão que dizia me deixe em paz. — Qual foi a parte do não que você não entendeu, Josh? — Qual era o nome dele, Dannie? — Brent. — Ah, eu sempre odiei esse nome. Deixe-me adivinhar. Professor universitário? — Não é uma boa história, acredite. — Todas as histórias são boas. — Certo. Foi você quem pediu. Eu estava na faculdade. Ele esperou até que eu não fosse mais da turma dele e me convidou para sair. Nós namoramos por alguns meses. Ele foi para a Europa, fazer um curso. — Ele a chamou para ir junto? — Não, ele me pediu para esperar por ele. Prometeu que voltaria e nós nos casaríamos. Eu estava apaixonada, você sabe — disse ela abanando a cabeça. Joshua rosnou. — Por que você está fazendo barulhos, Joshua? — Se ele a amasse, teria levado você junto, Dannie. Regra número um sobre os homens. Quando eles querem você, eles querem você. Nada mais importa. — Ah, obrigada pela lição. Onde você estava quando eu precisei de sua sabedoria? Ele riu. — De qualquer forma, peguei o emprego de babá temporariamente e... — É dele a foto dentro de seu medalhão? — Sim. Ele me deu o medalhão com a foto. — Que camarada vaidoso. Bem, e então...?
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— Bem, no começo trocávamos e-mails todos os dias, conversávamos pela câmera quando era possível e ele me mandava montes de cartões postais. E eu era tão tola, eu... Ela corou violentamente. — Usei todas as minhas economias para comprar um vestido de noiva — sussurrou ela. Cheio de rendas, de seda branca. — Ela estremeceu. — Foi tudo uma fantasia, entende? Eu estava sozinha, em um relacionamento de mentira, nada, nada mesmo era real. — Ela não conseguia parar de tremer. — Você era real, Dannie. Ela começou a chorar baixinho. Josh se aproximou dela e a abraçou. O corpo dela se encaixava no dele, como se tivesse sido feito para ficar exatamente ali. Ele passou a mão pelo cabelo dela. Finalmente o cabelo dela, macio, ah, tão macio. E tinha esse cheiro, realmente, um cheiro de flores havaianas, doce, penetrante. Ele estava ficando intoxicado. — E então ele me escreveu para dizer que conhecera alguém — continuou ela, soluçando. — Uma mulher mais sofisticada, mais bonita, mais atraente. E o que era para ser um emprego temporário transformou-se em minha vida. — O trabalho de babá. Ela assentiu. — Minha infância foi ruim, meus pais se davam mal. Muito mal. Depois, houve Brent. E eu, de alguma forma, encontrei refúgio nesse trabalho, fazendo com que a in-fância de outras crianças fosse mais feliz. — Ela se afastou um pouco dele. — E a sua infância? Foi feliz? — Muito — disse ele sem pestanejar. — Não consigo me lembrar de nada ruim, nem mesmo uma coisa. — Ele a puxou contra seu peito novamente. Queria aquelas curvas por perto. E aquele cabelo. — Meus pais se davam bem — continuou ele. — Éramos felizes. Eles cuidavam de nós e um do outro, nós viajávamos, passávamos muito tempo juntos. Josh se deu conta de que nunca mais sentira aquele tipo de felicidade. Até vir para a ilha com ela e com as crianças. Um barulho alto o fez acordar de seus devaneios. Um vento forte e súbito agitara o lago, que formara uma onda. A força da água soltara as amarras da canoa, e Josh podia vê-la indo para a água, arrastada pela correnteza. Ele largou Dannie e saiu correndo na direção do lago. Tarde demais. Que ótimo protetor, que grande guerreiro ele era. Joshua correu para dentro da água, enfiou-se no lago até a cintura, sem acreditar no que estava acontecendo. E sem acreditar no frio. Meu Deus. — Pare! Deixe pra lá! — gritou ela. Ótimo conselho. Mas ele não podia. — Não posso. Você imagina como os Baker vão se sentir se essa canoa aparecer vazia lá do outro lado do lago? E Susie? Ela vai ficar apavorada! Ele respirou fundo e continuou a entrar no lago. — Fique aí mesmo, Dannie! — gritou. — Deixe que eu resolva! Ele estava acostumado a falar e a ser obedecido. Mas Dannie, obviamente, não estava acostumada a obedecer. Ele a ouviu entrando na água, e em segundos ela estava ao seu lado. — Mandei você não vir até aqui!
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— Estou tentando ajudar, Josh! — Agora estamos ambos molhados! — Mas no fundo ele gostara. Gostou de ver uma mulher ao seu lado, lutando com ele, sem se preocupar com cabelo ou roupas. Gostou da disposição dela, de sua coragem. Menina maluca. Ela rira congelar ali ao lado dele. Conseguiram, por fim, alcançar a corda e puxar a canoa para a praia, prendendo-a bem desta vez e bem, bem longe da água. A canoa tinha um buraco na lateral, ele observou. Fora arremetida contra as pedras. E Dannie estava intacta, graças a Deus. Apenas gelada, molhada e tremendo. Aquilo não iria dar certo. Uma tempestade se formava. Dentro e fora de seu peito. E ele estava preso em uma ilha com uma mulher doce e linda, com cabelos que cheira-vam a flores e com os olhos mais azuis do mundo. Eles tinham que tirar aquelas roupas molhadas e se aquecer de alguma forma. Que Deus o ajudasse então. CAPÍTULO SEIS Danielle Springer esteve em poucas situações constrangedoras, mas aquela certamente poderia ser classificada como a Mais Embaraçosa Situação de sua Vida, se aquilo fosse um concurso da televisão. Especialmente pelo fato de que ela estava na companhia do Mais Sexy, Cobiçado Lindo, Engraçado, Fofo, Mandão e Adorável Solteiro do Mundo. Se ela não soubesse disso sobre ele antes, sem dúvida não deixaria de notar agora que pôde vê-lo em suas roupas molhadas, que emolduravam cada centímetro do seu maravilhoso corpo masculino. O que começara com um dia de folga cheio de potencial rapidamente se transformara em algo desastroso. A escuridão caíra sobre a pequena ilha numa velocidade inacreditável. Ela desmoronou na frente dele, compartilhou segredos que nunca havia compartilhado. Quando a canoa se perdeu, ficou devastada. Josh estava contando a ela coisas importantes, coisas reais sobre ele. Estava começando a se abrir. Felizmente suas confidencias a tiraram da maré de autopiedade em que ela estava. Vendo-o entrar na água para salvar a canoa, ela se deu conta de que apenas a tola Dannie Springer ficaria sozinha numa ilha como um homem como Josh, lamentando seu namorado perdido. E nem poderia colocar a culpa de sua fraqueza nele. Ela deveria saber. Era isso que os homens bem-sucedidos com mulheres faziam. Era a arma secreta deles. Eles ouviam. De qualquer forma, estava se tornando cada vez mais difícil ver Joshua sob a luz de sua reputação de playboy. Principalmente depois do modo como ele falava de sua família, a ternura em sua voz. Ele parecia o homem mais real que ela já conhecera. O pobre Brent parecia um personagem de quadrinhos em comparação. Joshua Cole era genuíno. Isso porque o elemento de confiança estava lá, apesar de ela tê-lo conhecido há questão de dias. Esse era o porquê de ela ter baixado a guarda em um indesculpável momento de fraqueza. Quando decidira que seria certo confiar nele de coração? Foi o
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modo-como ele olhou para ela, com a intensidade escurecendo o tom verde de seus olhos. Algo nela interpretou aquilo como interesse. Por ela. No entanto, aquela energia masculina clara e forte e o modo como ele conduzia a si mesmo nos últimos dias não eram nada menos que admiráveis. Ele era um homem na-vegando numa terra desconhecida com crianças à sua volta e, ainda assim, agia com graça e gentileza. Até mesmo o jeito como pulou na água atrás da canoa falou sobre seu caráter. Fora ele, supostamente o eterno egoísta, não ela, a suposta babá atenta e generosa, que havia considerado como os outros reagiriam se a canoa vazia aparecesse em algum lugar. Eles estavam na cabana da lua de mel, onde centenas de casais tiraram as roupas um do outro pela primeira vez. E nenhum daqueles casais se parecia com eles. — Que coisa embaraçosa — murmurou ela. — Esqueça o embaraço — disse ele, olhando para ela de onde estava abaixado em frente à lareira, alimentando-a com pequenos galhos. Então ele tirou as calças encharcadas como se fosse a coisa mais natural do mundo. Claro que, para ele, o "Solteiro Mais Sexy do Mundo", provavelmente era. Exceto pela parte de ele avisar a ela que estava fazendo isso, dando-lhe tempo para se virar. Ele pegou uma das muitas mantas sobre a cama e se enrolou nela. Possivelmente estava ridículo, mas... a alternativa era morrer de frio. — Você precisa tirar as calças também, mocinha. E pode se virar, estou decente. Em vez de rir dele, ela estava corada. Não poderia tirar as calças. O jeans molhado estava agarrado a ela e... — Não posso tirar as calças — choramingou ela. — Como? — Não posso. O tecido molhado... Bem, ele se agarra a mim e... — Você está me pedindo para ajudá-la a tirar as calças, srta. Pringy? — Não! — Você gosta de me fazer corar, não é? — Se eu estivesse considerando um novo hobby, seria esse. Eu poderia passar horas pensando em coisas que... — Agora não é hora para brincadeiras, Joshua! Eu apenas estou lhe dizendo que estou presa. Apenas me dê uma manta, por favor. Ele atravessou o quarto com a manta extra nas mãos. — Apenas relaxe — disse ele calmamente, avaliando de modo analítico a situação incômoda na qual ela estava. Ela desabotoara o jeans e baixara o zíper. Descera a calça molhada até um pouco abaixo dos quadris. E a calça ficara ali, presa. — É porque você está tensa — decidiu ele. — É porque minhas mãos estão muito frias. Era verdade, as mãos dela pareciam pedras de gelo. E os lábios dela estavam azulados. Ah, meu Deus, se ela... Não, calma, Josh. Vamos tirar essa menina de suas roupas molhadas e aquecê-la. — Não ria — avisou ela a ele. — Não estou rindo. Sério! — disse Joshua, mas ela,via que ele estava mordendo
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as bochechas por dentro. Difícil. Ele não falou por um minuto, contendo-se. — Deixe-me ajudar você — disse ele. — Ah, eu pareço uma camareira. — Não me toque! — Pronto. A autopreservação finalmente aparecera. Onde estava essa boa qualidade de caráter enquanto despejava seu coração nas simpáticas orelhas dele? — Não posso ajudar você sem tocá-la. — Eu não preciso de sua ajuda. — O que era uma mentira óbvia para os dois. — Você está rindo de mim. — Eu estou tentando não rir. — Tente com mais afinco. — Certo. Ele se abaixou e olhou para onde os jeans estavam presos nos quadris dela. Curiosamente a forma como ele olhava, breve e calorosa, antes de voltar a olhá-la no ros-to, não a fez sentir-se como uma baleia. Mesmo. O riso dele parecia ter morrido também. — Sim, você precisa — disse ele firmemente — da minha ajuda. — Certo, então. Dannie estava tremendo muito para negar a ajuda por mais tempo. Ela fechou bem os olhos, escondendo sua humilhação. — Apenas seja rápido. — É a primeira vez que eu ouço isso numa situação destas — murmurou ele. — Nós não estamos em uma situação — avisou ela a ele —, ou pelo menos em uma em que você já esteve. — Você está absolutamente certa sobre isso — disse ele. Suas mãos estavam ao redor do jeans. A pele dela estava tão fria que ela sentiu conforto com o calor das mãos dele. — A sua pele está parecendo mármore frio — notou ele clinicamente. De alguma forma, na imaginação dela, ela o ouviu dizendo suavemente sua pele é como seda que ficou ao calor do sol, macia e sensual. Quando imaginou esse tipo de coisa? Praticamente todos os minutos desde que o conhecera, um diálogo de luxúria e desejo. — Você não consegue relaxar? — Eu duvido — gemeu ela, e depois fez uma confissão que fez a sua humilhação completa: — Você terá que correr. Eu acho que tenho que ir ao banheiro. — Dannie, não seria muito aconselhável para você se nós dois ríssemos agora. Sério. — Acredite em mim, eu estou bem longe de rir. — Mas os lábios dele se comprimiram novamente. Como ela pôde tê-lo achado bonito? Ele não era. Era como um duende do mal. — Algum dia você verá graça nisso — assegurou ele a ela. — Você contará isso aos seus filhos. Não. Ela não contaria porque uma história como aquela começaria com: "Vocês sabem como eu conheci seu pai?" E ele não seria o pai dos filhos dela.
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Pensar nisso de repente a fez ter ciência de que tinha um segredo que não revelou em conversas inteiras e que estava fora do alcance de sua mente consciente, mas ela desejava coisas. Coisas impossíveis. Bebês de olhos verdes. Joshua puxou o jeans novamente. O tecido molhado, frio e fino se moveu um centímetro ou menos. — Ai! Quem inventou o jeans? Que tecido idiota — queixou-se ela. — Essa é a razão pela qual eles não fazem trajes de banho com isso — concordou ele, e então disse gentilmente: — Você terá que deitar na cama. Vamos. Eu desenrolei o colchão. — Talvez você devesse apenas cortar o jeans — disse ela. Ela se arrastou até a cama, o jeans baixo o suficiente para impedir a mobilidade dela, uma caminhada indigna por todo o piso frio da cabana, deixando grandes pegadas molhadas pelas tábuas de madeira. — Manterei isso em mente como último recurso. Mas eu poderia cortar você por acidente. E depois teríamos que explicar a uma menina de 4 anos, porque a sua querida srta. Pringy estava voltando para casa sem as calças. Vamos tentar assim primeiro. Deite-se. Por que as fantasias dela nunca funcionavam? Todas as mulheres do mundo morreriam ao ouvirem essas palavras dos lábios dele. — Não seja mandão — disse ela. — Ei, se você pudesse seguir simples instruções em primeiro lugar, não estaria nesta situação. Ela se virou e desabou sobre o colchão. — Eu não deixaria você entrar na água sozinho. — Por que não? A verdade explodiu dentro dela: Eu acho que estou me apaixonando por você. De verdade, caramba, não uma ilusão romântica que eu possa levar para casa e satisfazer comprando vestidos e planejando luas de mel. Eu sei que nunca vai acontecer. Em voz alta, ela disse: — Trabalho em equipe. Certo, puxe. Puxe forte. Dannie sabia que estava ficando mais patética a cada dia. Você não se apaixona por um homem em quatro dias. A menos que você fosse uma celebridade de Hollywood, o que ela definitivamente não era. Ela sentiu as mãos muito quentes dele novamente contra a pele macia de seus quadris. Parecia real, mesmo que não fosse. É claro, pessoas que haviam ouvido vozes juravam que era real também. — Calma — disse ele. Ele apertou e puxou. A calça começou a sair. Ela saiu da altura dos quadris e ficou no alto das coxas. Os dedos dele roçando aquela delicada parte de pura sensibilidade na parte interior de suas pernas. Felizmente a pele estava quase congelada, não estava sensível o bastante para fazê-la reagir e chegar até as orelhas dele e ordenar roücamente que ele a esquentasse.
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— Ele puxou novamente. Suas mãos se moveram da área das coxas e a calça relutantemente deixava sua pele pálida e congelada. Ele puxou a calça fazendo um gesto de triunfo. — Minha pele está horrível, não está? — perguntou ela procurando por sinais de repulsa no rosto dele. Ele ficou em silêncio por um longo momento. — Parece feita de alabastro — disse ele suavemente. — Hum. — Mas ela se sentiu lisonjeada com o comentário. Até que outra coisa lhe ocorreu. — Eu espero não estar usando a calcinha que diz quinta-feira. — Hum, não, você não está. — Ele riu alto. De repente, ela viu o quanto ele estava se deliciando em fazê-la corar, porque, quando viu aquela placa se erguer do seu pescoço e inundar seu rosto, sentiu-se alegre. — Quarta-feira? — perguntou ela, chocada consigo mesma. — Estou tentando ser um cavalheiro. Claro que ele estava. — Aqui, pegue essa manta — disse ele. Ela olhou para baixo antes de pegar a manta. Evidente que era branca, a roupa de baixo perfeita para a babá ter seu encontro com o milionário playboy! É claro que o en-contro foi trágico, em vez de romântico. Ela enrolou a manta em torno de si, deu uma guinada para fora da cama e quase tropeçou. Ele estendeu a mão para segurá-la. — Está tudo bem — disse ele suavemente. — Não se envergonhe. Ela olhou para onde a mão dele tocou seu ombro. Ali estava outro potencial para incêndio. Ela tirou o braço. — Tenho que ir ao banheiro. Agora posso ficar embaraçada? — Sim, certo. Todo mundo no planeta tem que ir ao banheiro cerca de quatro vezes ao dia, mas se você quiser ficar embaraçada sobre isso, sinta-se à vontade. — Então ele sorriu para ela, o que fez o embaraço diminuir em vez de piorar, porque quando Joshua sorria assim é que Dannie via quem ele realmente era. Não um playboy bilionário à frente de uma empresa de muito sucesso. Não o dono de um apartamento grande, nem piloto de seu próprio avião. Mas sim, o menino na foto da praia, muito tempo atrás. Ela se trancou no banheiro, por um longo tempo, tentando retomar a compostura. Finalmente, quando voltou, Josh tinha puxado o sofá para a frente da lareira e deu um tapinha no lugar ao lado dele. — Bom e quente. Cabana. Fogo. Homem maravilhoso. Aquilo não era uma boa equação! Ela se ajeitou no canto do sofá, tão longe dele quanto conseguiu. Ele passou para eia metade de uma barra de chocolate. Ela praguejou baixinho. Cabana. Fogo. Homem maravilhoso. Chocolate.
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— Não é permitido às babás praguejarem — repreendeu ele. — Sob pressão! — Que tipo de pressão? — perguntou ele inocentemente. Ela fechou seus olhos. Não fale mais nada, sua idiota. Naturalmente os lábios dela começaram a se mover antes de receberem essas preciosas instruções de seu cérebro para se calarem. — Você provavelmente pensará que isso é hilário, mas eu acho você muito atraente. — Pelo menos não era uma declaração de amor. — Isso é provavelmente um sintoma de que estou ficando resfriada — completou ela corando. — Falta de oxigênio no cérebro. Ou algo assim. — Provavelmente é o modo como eu fico enrolado no cobertor — disse ele inexpressivo. — Eu suponho que seja isso — concordou ela relutantemente, e então com certo desespero, perguntou: — Tem mais algum chocolate? — Eu também acho você atraente, Dannie. Ela soltou um suspiro incrédulo. Ele deslizou o braço pela distância que havia entre eles e tocou o cabelo dela. — Eu não conseguiria dizer a você há quanto tempo queria fazer isso. Suas mãos acariciaram o cabelo dela, seus dedos passando pelo emaranhado de fios. Ele se moveu para perto dela, afundou o rosto nos cabelos, sentiu o cheiro. Ela sabia que esse era o jogo dele, seu território, ele sabia como fazer uma mulher derreter em seus braços. Criatura fraca que era, não se importou. Na sua cabeça, Dannie pegou aquele estúpido medalhão e o jogou no Lago do Alce. Que tipo de incêndio poderia ou não apagar repentinamente não importou mais. Tão perto dele, tão envolvida na sensação das mãos dele em seus cabelos, não se impor-tava em ser queimada nos fogos da paixão. Ela virou a cabeça, pegou o lado do lábio dele, tocou-o com sua língua. Ele parou, recostou-se, olhou para ela, a luz dourada da lareira cintilou em seu belo rosto. Então, Josh se rendeu. Não foi só uma rendição qualquer. Ele levou sua tentativa a sério e tirou seu fôlego. Tomou seus lábios, fez deles prisioneiros, provou-os com fome e desejo. Queime, disse ela a si mesma feliz, queime. — Eu também queria fazer isso faz tempo — sussurrou ele, sua voz sexy, baixa e rouca. — Você tem gosto de chuva. Seu cabelo cheira a flores. Você não ficará desapontada, Danielle. Ela o provou, esfregou seus lábios na pele dele, voltou para a maciez de seus lábios, desceu pela coluna do pescoço. Ela se deu permissão para deixar-se ir. Deixou suas mãos roçarem a pele nua de Joshua, sentiu a textura macia, a dureza de seus músculos tão masculinos, a tensão de seu corpo. Dannie era uma exploradora em um terreno não mapeado, mas de alguma forma parte dela era instinto animal e primitivo, e sabia tudo sobre o amor, sabia como deixá-lo louco. Ela adorou quando o sentiu estremecer quando seus lábios seguiram o caminho através do peito nu dele. — Pare — disse ele com a voz rouca.
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Ela riu, amando esse novo lado perverso dela. — Não. — Ele se afastou dela, voltou ao seu lugar no sofá. Enquanto ela o observava com os olhos apertados, ele passou a mão por seu cabelo bagunçado, que parecia bronze à luz da lareira. — Nós não vamos fazer isso — disse ele em voz baixa, sem olhar para ela. Ela riu de novo, sentindo o requinte de seu poder. — Eu não estou brincando, Dannie. Minha irmã me mataria. — Você vai falar de sua irmã agora? — Ela sempre me vem à cabeça quando estou tentando fazer coisas decentes — disse ele amargamente. — Eu sou uma mulher adulta — disse ela. — Tomo minhas próprias decisões. — Sim, boas decisões, como me seguir para dentro da água quando era completamente desnecessário. Ela se moveu no sofá e foi para perto dele. Ele saltou para o lado. — Dannie, não torne isso difícil para mim. — Eu planejo tornar isso muito difícil para você — disse ela perigosamente, tirando a manta que a cobria e colocando-a fora do sofá. — Ei, eu ouvi alguma coisa. Ela riu. — Claro que você ouviu. — É um barco a motor! Ela parou, inclinou a cabeça, não conseguia acreditar na mesquinhez dos deuses. Eles estavam roubando aquele momento dela! Ela havia escolhido queimar. E agora essa escolha fora tomada dela! Não houve sinal de alívio na expressão dele quando o som do motor ficou mais alto na escuridão. Com um último olhar para ela, grato pela quase perda, melancólico, também ele se enrolou em sua manta e saiu da cabana, fechando a porta. Tão logo ele se foi, a sensação de poder a deixou bruscamente. Ela caiu para trás no sofá e contemplou o que tinha acabado de acontecer. Ela, Danielle Springer, tinha virado uma tigresa. — Desavergonhadamente imoral. Bem, mais ou menos — disse ela a si mesma. Ela não estava protegida na manta! Seu estado de nudez repentinamente pareceu um luminoso em neon onde estava escrito Imoral Sem-vergonha! Ela se jogou para baixo e pegou sua calça do lugar onde ele a havia pendurado ao lado do fogo. Ela estava minimamente mais seca do que antes, e agora começava a endurecer como se alguém tivesse jogado uma caixa de amido sobre ela. No entanto, ela se deitou na cama e tentou bravamente colocá-la de novo. Tinha chegado à parte chata dos quadris quando ele apareceu na porta. — Não olhe — disse ela irritada. — Estou me vestindo. Planejo manter minha dignidade. — Como seja não fosse muito tarde para isso. Ele fez um barulho que ela não gostou. Ela parou de lutar com a calça jeans e olhou para ele. — O que foi? — Era Michael no barco. A parte inferior do lago é muito rochosa aqui e ele não
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pode ver porque está muito escuro. Disse que se estivermos bem para passar a noite, voltará pela manhã. — E você disse a ele que estávamos bem para passar a noite? — perguntou ela incrédula. Era tão óbvio que as coisas não estavam bem que sua autodisciplina tinha se revelado como um carretel de fio sob as garras de um gatinho. — Foi o que eu disse a ele. — Sem me perguntar? — Desculpe-me. Eu costumo tomar decisões executivas. Ela pegou um travesseiro e jogou nele. Ele se abaixou. Ela arremessou cada travesseiro da cama e não o acertou uma única vez. Se tivesse mais alguma coisa para jogar, teria jogado também. Não tinha mais nada, não a seu alcance, e ela não ia se levantar com a calça metade por colocar para procurar algo. Em vez disso, pegou a manta que havia descartado e se cobriu até a cabeça. — Saia — disse ela. Ocorreu-lhe que seus trinta segundos de paixão tinham feito a pior coisa: ela havia se transformado em seus pais! A perda de controle aconteceu muito rápido. E teve conse-qüências terríveis também. Como sua mãe e seu pai. Um perfeito exemplo de pessoas preparadas para queimarem em nome do amor. Ela olhou por cima do cobertor. Na escuridão sombria da cabana, ela viu que ele não tinha saído completamente. Tinha encontrado uma vela e a acendeu. Agora estava olhando os armários, revirando latas. — Você quer comer alguma coisa? — perguntou ele, como se ela não tivesse sido uma megera completa. Claro que ela queria comer! Era como Dannie lidava com a dor. Esse era o primeiro motivo de a calça não servir. Ela a puxou de volta, enrolou-se bem apertado na manta e atravessou a sala para chegar até ele. Se ele poderia fingir que nada aconteceu, ela também poderia. — Isso parece bom — disse Dannie pegando uma lata estranha de espaguete. Se ele percebeu o entusiasmo dela, não disse nada. — Delicioso — concordou Joshua, olhando para todos os lugares, menos para ela, como se o espaguete fosse o fruto proibido, como a maçã no Jardim do Éden. CAPÍTULO SETE — Delicioso — disse Dannie ainda constrangida. — Obrigada por preparar o jantar. O inferno não tem a fúria de uma mulher desprezada, pensou Joshua, tentando não olhar para Dannie. Ele tinha razão sobre ela e o espaguete. Sua boca formou o mais delicioso "O" quando ela sugou o macarrão. Ela enrolava o macarrão com o garfo usando
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uma colher como apoio, e ele achou aquilo a coisa mais linda do mundo. O fogão antigo da cabana funcionava à base de propano, e os botijões não estavam cheios, porque não haveria temporada este ano no Lago do Alce. Ele tentou a sorte com uma frigideira e uma panela sobre o fogo, e o resultado estava longe de ser delicioso. Mas fome era o melhor tempero. — Está tudo queimado — disse ele. Algo brilhou nos olhos vulneráveis dela, mas então se apagou. Na verdade, comida nenhuma seria boa esta noite, ainda que a refeição fosse composta de caudas de lagosta e trufas. Tudo que ele colocou em sua boca tinha gosto de serragem. Serragem queimada. O mundo estava sem gosto porque ele a magoara. Insultando-a. Rejeitando-a. Mas ele estava preocupado com ela e quisera protegê-la. De si mesmo. De outra decepção. E se ela não parasse de fazer, aquilo com o espaguete, a determinação dele derreteria como açúcar em água fervente. Ele cometera o erro de olhar para ela, para suas feições amenizadas pela luz dourada da lareira e da pequena chama da vela. A expressão dela endureceu de indiferença e ele conseguia ver diretamente a dor que ela escondia. Ela pegou um macarrão de seu prato, e ele sentiu o calor surgir, puro desejo. Ele se conhecia. Parte disso era porque ela era uma boa garota, discreta e pudica, um tanto quanto simples. Era a fantasia da bibliotecária, onde, uma bonita tigresa espreitava logo abaixo da máscara de respeitabilidade. Exceto pela parte de não ser fantasia. Danielle Springer era uma tigresa! E ele, fraco e tolo e irresponsável que era, queria de volta o que tinha perdido. Não os beijos calorosos, Josh queria isso e muito mais. Mas o que realmente queria de volta era a rara confiança que sentira por ela e que merecera dela também. — Você quer jogar cartas? — perguntou a ela. O olhar que ela lançou a ele poderia fazer murchar uma sequoia. — Não, obrigada. — Charadas? Sem resposta. — Você quer sobremesa? Nada. — Esta será uma longa noite, Dannie. — Deus não permita que você fique um segundo sequer entediado. — Como se alguém conseguisse ficar entediado estando perto de você — murmurou ele. — Séria demais, chata, não ouve, não aprecia sacrifícios que foram feitos para o seu próprio bem... Ela o interrompeu: — Quais são as opções de sobremesa? — Bolo de chocolate. Não assado, mas bolo de chocolate. Apenas para fugir da condenação dos olhos dela, Josh se levantou, apertou bem o cobertor e foi olhar a caixa de mistura de bolo que tinha encontrado em um dos armários. Atrapalhou-se com a pouca luz até encontrar outra panela. Jogou a mistura de bolo nela, colocou um pouco de água e levou a panela até o fogo, onde ficou mexendo e mexendo sempre, até a mistura engrossar. Ele voltou, pegou uma colher e se sentou no sofá.
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— Você quer um pouco? — perguntou. — Claro. A garota que não consegue entrar em sua calça perdoaria qualquer coisa por causa de um bolo — disse ela. — Mesmo um bolo ruim. — Não diga isso, Dannie. Você fica fantástica naquele jeans. Pare. — E então, com cuidado, perguntou: — Perdoar o quê? — Eu queria continuar com o beijo. Você não. — Eu preciso mais de uma amiga do que de alguém para beijar. Você sabe o quão rápido as coisas podem explodir quando as pessoas vão adiante? — Quase adicionou antes de elas estarem prontas, mas isso implicaria que ele estaria pronto algum dia, o que não estava certo se era verdade. Você não poderia dizer coisas para Dannie Springer até estar certo de que era verdade. Silêncio. — Vamos lá — disse ele suavemente. — Perdoe-me. Venha comer o... bolo... ou seja lá o que isto for. Ele não percebeu que seu coração tinha parado de bater até que ela deslizasse pelo sofá para o lado dele. Ele encheu a colher com o creme e passou para ela, tentando não olhar para o modo como seus lábios se fechavam ao redor da colher. De qualquer modo, olhou, sentindo remorso e anseio em medidas iguais. Pensara que vê-la comendo espaguete era sexy? Ela fazia um compartilhamento de colher algo saído do Kama Sutra. O creme feito com mistura de bolo estava horrível, como um pudim encharcado, mas era quente e doce e eles comeram tudo, dividindo a colher, e Joshua não conseguia pensar em um doce melhor. — Conte-me alguma coisa sobre você que ninguém saiba — convidou ele, querendo a confiança de volta, desejando a intimidade que tinham partilhado à beira do lago. Mesmo que fosse perigoso. Não poderia ser mais perigoso que dividir uma colher com ela. — Apenas uma coisa. — Essa é uma de suas cantadas de playboy? — Não. — E era verdade. Ele nunca dissera isso a ninguém. Mesmo assim, ela parecia desconfiada e provavelmente com razão. Quando eu coloquei a colher na minha boca, tudo que consegui pensar é que ela esteve em sua boca antes. — Eu era esquelético até o nono ano. — Eu já sabia disso. Sua irmã tem uma fotografia sua. — Onde todo mundo pode ver? — perguntou ele, fingindo-se ultrajado. — Provavelmente postada na internet — disse ela. — Tente de novo. Havia uma coisa que ninguém sabia sobre ele, e por um momento esteve implorando para ser revelada. Para ela. Por um momento, Josh pensou que não carregar mais aquele fardo era uma tentação intoxicante. — Algumas vezes, solto gases em elevadores — disse ele, tentando olhar para a luz, tentando ser superficial, divertido e irreverente, tentando lutar contra seus demônios. — Não, você não faz isso! É grosseiro. — Homens de verdade geralmente são — disse ele. — Você foi a primeira a saber
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disso. — Uau. Eu não consigo pensar em querer beijar você novamente. — Isso é bom. — O que foi tão terrível? — perguntou ela. Ela realmente acreditava que foi terrível? Isso fez com que fosse tentador demais mostrar a ela, quase insuportável. Em vez disso, ele lambeu a colher agora vazia. — Não — disse ele rispidamente. — Não foi terrível de forma alguma. Sua vez. — Hum, no nono ano, mandei uma rosa para Leonard Burnside. E pus como remetente srta. Marchand, a professora de Francês. — Você gostava dele? — Eu o odiava — disse ela. — Um idiota cheio de si. Ele, na verdade, foi até a biblioteca e aprendeu uma frase em francês e tentou sair com ela. E foi suspenso por três dias. — Nota para mim mesmo: "Não ter Danielle Springer como inimiga". — Eu nunca disse a ninguém. Sua vez. — Eu nunca uso fio dental, nunca. — Você é nojento. — Você quer dizer que não saberia que eu não uso fio dental? — perguntou ele de mau humor. — Se você me conhecesse realmente, não iria querer me beijar. E então, a melhor coisa aconteceu. Ela estava rindo. Ele estava rindo. E estavam planejando seqüências cruéis que ela poderia ter feito com o arrogante Lennie Burnside. Tudo ficou muito tranqüilo. O fogo estalou e ele se sentiu quente e feliz, sonolento. Ela se mexeu mais, ele sentiu a cabeça dela cair em seu ombro. Mesmo sabendo que não deveria, ele estendeu a mão e brincou com os cabelos dela. — O que me pergunto sobre você — disse ela, após um longo tempo que o fez pensar se ela o gastou pensando nele — é que, se você passou bons momentos com sua família nos feriados familiares, porque seu negócio exclui as famílias totalmente? A batalha dentro dele foi surpreendentemente curta. Joshua carregara aquele fardo por tempo suficiente. E era um fardo muito pesado. Ele estava chocado por querer contar a ela. Só a ela. Chocado por querer que ela o conhecesse completamente. Com todos os seus defeitos e suas fraquezas. Queria que Dannie soubesse que ele era um homem capaz dos cometer erros terríveis. Queria saber se a verdade nua e crua sobre ele poderia apagar aquele olhar que Dannie tinha quando olhava para ele, desejoso e úmido. — Quando eu estava no último ano da faculdade — disse ele baixinho —, minha namorada ficou grávida. Nós tivemos um filho. Concordamos em dá-lo para adoção. Por um longo tempo, ela ficou absolutamente em silêncio, e então olhou para ele, na luz tremeluzente do fogo, era como se estivesse sem máscara. O que ele viu nos olhos dela não foi condenação. Ou qualquer coisa próxima a isso. Amor. A mão dela tocou o rosto dele, acariciou, reconfortante. — Você não queria — adivinhou Dannie. — Ah, Joshua. Ele olhou para ela sob a luz dourada do fogo escasso.
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Ela estava olhando para ele atentamente, prendendo a respiração. A mão dela ainda estava no rosto dele. Ele poderia virar sua cabeça num toque e morder seu dedo. Mas isso seria errado. Tentando distrair os dois da intimidade real que começava a surgir ali, e do segredo mais profundo dela, que ele apenas tinha visto em seus olhos. — Não, eu não queria fazer isso. Acho que queria o que tive antes, uma família para chamar de minha novamente, aquela sensação. Não posso lhe dizer como senti falta dessa sensação depois que minha mãe e meu pai morreram. De pertencimento, de ter um lugar para ir onde as pessoas conhecem você. Ele estava chocado pelo tanto que falou, e também chocado com a facilidade com a qual as palavras surgiam, como se em todos esses anos elas apenas esperassem de-baixo da superfície para ganharem voz. — O que aconteceu com o bebê? — perguntou Dannie em voz baixa. — Sarah não queria laços. Ela não estava pronta para se estabelecer. Eu considerei, brevemente, tentar sozinho ser pai solteiro, mas Sarah achou isso estúpido. Um pai solteiro, que apenas estava começando a vida, quando havia tantas famílias estabelecidas que poderiam dar a um bebê estabilidade e amor esperando para adotar. Minha cabeça concordou com ela. Meu coração... — Ele parou de falar, recompondo-se, enquanto ela, agindo de forma impecável, não disse nada. Ele continuou: — Meu coração não queria ter agido assim. Não consegui terminar a faculdade. Tentei fugir do que estava sentindo. Eu tinha abandonado meu próprio filho, dado o bebezinho para estranhos. Que tipo de pessoa faz uma coisa dessas? Viajei pelo mundo e desenvolvi uma aversão por lugares que hospedavam famílias. Não havia nenhum lugar no mundo onde um sujeito como eu pudesse ficar longe de todo aquele amor? Eu meio que caí no negócio de hotéis, comprei um hotel simples na Itália, comecei a receber jovens solteiros e estilosos, e o sucesso veio antes que eu soubesse que ele havia me atingido. A mão dela sobre o rosto dele era terna. Isso soou como uma absolvição. Mas ele sabia a verdade. Ela nunca poderia absolvê-lo. Esse era o problema em mostrar seu coração para uma pessoa como Dannie. Ela o via claramente. — Você já considerou a hipótese de que pode simplesmente ter feito o melhor para ele? Que você pode ter dado a ele exatamente o que você perdeu quando seus pais morreram? — Em raras ocasiões, eu me permito pensar assim. E minha maior esperança. Não, mais do que uma esperança. Uma oração. E eu sou um homem que não reza muito, Dannie. — Você já pensou em procurá-lo? — perguntou ela suavemente. — De vez em quando. — E o que o impede? — O quanto isso parece complicado. Basta ir à internet e digitar adoção para ver a bagunça de opções que surge, burocracia, implicações legais, dilemas éticos. Dannie não estava acreditando nisso, olhava direto para ele. — Você deve ter uma equipe de advogados que poderia fazer isso em cerca de dez minutos. Se você não fez isso, deve haver outro motivo. — Medo, então, eu acho — disse ele, aliviado em dizer toda a verdade a ela, quem ele realmente era. Talvez querendo ele próprio saber também. — Medo de ser rejeitado. Medo de desejar e nunca ficar satisfeito, procurar pela Terra o que eu não tenho ou não
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posso encontrar. — Ah, Joshua — disse ela tristemente —, você não pode ter tudo, não é? Ele contou a ela sua mais profunda verdade, e apesar de a luz de amor que brilhou nos olhos dela não ter diminuído, suas palavras o fizeram sentir uma flechada de de-sapontamento. Uma mulher como Dannie poderia salvar um homem que tivesse perdido o caminho de casa. Como em uma família, ela mostraria a ele como chegar lá quando ele não conseguia encontrar o caminho por si mesmo. Pela primeira vez em um longo, longo tempo, a solidão dele diminuiu, a sensação de que ninguém o conhecia se dissipou. — Quando você dá seu filho para adoção, não é sobre o que você precisa ou quer, Joshua — disse ela gentilmente. — É sobre o que ele precisa e quer. E agora é a mesma coisa. E se ele quiser saber quem é seu pai biológico? Ah, que mulher maravilhosa. Que mulher doce ela era. Por um momento, sentados perto do fogo, trocando risadas e confidencias, comendo da mesma colher, comendo o espaguete de forma barulhenta, Josh se sentira em casa. Agora via que não poderia dividir aquele sentimento, não com ela ou com qualquer pessoa sem antes fazer as pazes com quem ele era e com o que fizera. Muito tempo atrás, dera sua própria carne e seu sangue para ser criado por estranhos. Tentara convencer a si mesmo que era a decisão certa. Racionalizou todos os motivos pelos quais fizera aquilo, mas sabia que ainda era um homem autocentrado e egoísta, encarando aquela criança como uma interrupção em seus planos, sua vida, seus sonhos. Mas Dannie estava certa. Era sobre a criança, não sobre ele. Se descobrisse que o menino estava bem, então os demônios sossegariam? Se fosse capaz de colocar as necessidades daquele bebê acima das suas próprias, seria o homem digno que viu nos olhos de Dannie? Não poderia pedir a ninguém que confiasse nele até restituir a confiança em si mesmo, sua crença de que poderia fazer a coisa certa. Por onde começaria? Talvez sua jornada já tivesse começado ao dizer sim para as necessidades de seus sobrinhos. Talvez sua jornada tivesse começado quando se afastou de Dannie, afastou-se do doce convite de seus lábios e do convite quente de seus olhos, porque sabia que não estava preparado. Nem ela. E talvez pudesse ganhar de volta a confiança em si mesmo dando um pequeno passo de cada vez. Seria simples. E muito difícil. — Obrigada por confiar em mim — disse Dannie suavemente. A última das brasas estava morrendo, e sua voz chegou até ele na escuridão. — Dannie, você é completamente confiável — disse ele. Joshua se perguntou se um dia seria digno daquela mulher. Tinha muito trabalho a fazer antes disso. A escuridão caiu sobre ele, e, quando acordou pela manhã, ouviu o som do barco a motor movendo-se pelo lago. Seu pescoço doía por ter dormido no sofá; não poderia acreditar em como era boa a sensação de tê-la abraçada a ele. Confiança. Ele suspirou, levantou-se e vestiu sua calça. Confiança. Não conseguia .sequer confiar em si mesmo para olhar para ela, não pensava ser forte o suficiente para lutar contra o desejo de desejar bom-dia a ela sem beijá-la. Dannie mal falou no caminho de volta pela água. Nem ele. Havia algo tão profundo entre eles agora que não eram necessárias palavras. Esse era o motivo de ele querer ser digno.
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Eles mal haviam chegado à margem quando Susie os cumprimentou, dançando entre os dois, jogando os braços ao redor deles, gritando como se fosse manhã de Natal. Até o bebê parecia empolgado em vê-los. Digno desse tipo de amor. — Vocês ficaram bem lá? — perguntou Sally. — Que coisa terrível para acontecer. — Nós ficamos bem, mas acho que a canoa não terá conserto — disse Joshua. — Comprarei outra. Sally fez um barulho que soou suspeito, quase uma exclamação de desgosto. — Eu não estou preocupada com coisas — disse ela irritada. — Coisas podem ser substituídas. Pessoas, não. Um garotinho enrolado num cobertor azul. Nunca tinha sido substituído. Nem por todas as coisas que ele tinha. — Fiz um café da manhã de despedida — disse Sally. — Venham. Com Susie segurando sua mão, como se merecesse completamente o amor e a devoção dela, e com o bebê apoiado em seu braço, ele seguiu Sally até a cabana. Dan-nie seguiu atrás, perdida em seus pensamentos. Sally fez um maravilhoso banquete, bacon, ovos, panquecas, suco fresco. Para eles. Para pessoas que mal conhecia. Ela parecia um pouco triste e Joshua percebeu que era parte da mágica daquele lugar. Ele não havia discutido negócios com Michael uma única vez, e de repente estava feliz. Não tinha feito nenhuma promessa que não poderia cumprir. Confiança. Era tempo de ser um homem do qual ele pudesse se orgulhar. Do qual seu filho poderia se orgulhar um dia. — Eu tenho uma confissão a fazer — disse ele, quando os restos do café da manhã tinham sido retirados. Susie estava em frente ao fogo, brincando com uma velha madeira de atiçar, longe do alcance de sua voz. Ele olhou Michael nos olhos. — Michael, eu estava tentando me livrar da minha sobrinha e do meu sobrinho quando você ligou. Eles entraram em minha vida por causa de um erro de datas. Eu não os queria lá. Eles me faziam sentir inadequado e desconfortável. Mas, quando senti que eles podiam aumentar minha chance de comprar o Cabanas, aceitei seu convite e os trouxe comigo. Eu iria fingir que era um tio devotado para manipular suas impressões sobre mim. Ele olhou para Dannie, não conseguiu ler a expressão no rosto dela, será que a tinha desapontado de novo? — Em vez de usá-los, como eu planejava — continuou ele — o Cabanas me deu a chance de passar um tempo com eles e me divertir, então estou muito agradecido a você e a Sally pela oportunidade. Ninguém parecia surpreso com a confissão, como se ele tivesse sido transparente todo o tempo. Ninguém parecia bravo ou traído ou magoado. De alguma forma, caíra em um lugar onde era a família que importava, onde todos viam você como você era. Onde as pessoas desejavam o melhor para você, enxergavam não apenas quem você era, mas o seu potencial, quem você poderia ser. Um lugar onde você não era julgado, era amado. — Então, Joshua, quais são seus planos para o Cabanas do Lago do Alce se você
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comprá-lo? — perguntou Michael, mas sua voz mostrou certa relutância em discutir negócios. Joshua estava quieto. Então disse palavras que nunca pensou que diria em toda a sua carreira: — Eu pensei que soubesse, mas não sei. Não posso prometer nada. Eu não sei qual rumo minha vida tomará agora. Josh olhou para Dannie. Ela sabia. Ele não estava falando sobre a empresa, e sim sobre seu filho. Michael suspirou e olhou para suas mãos; Joshua pôde ver claramente que ele era um homem com todo o peso do mundo em suas costas. Dannie, sempre intuitiva, viu isso também. — Por que você está vendendo o Cabanas do Lago do Alce, Michael? — perguntou Dannie. — Obviamente você ama muito o lugar. Para ser franca, não consigo imaginar este lugar sem vocês aqui. Esse era o tipo de questão que Joshua nunca teria feito no passado. Era o tipo de pergunta que confundia os limites entre o que era profissional e o que era pessoal. Por outro lado, aquelas linhas não tinham se turvado nos últimos dias? Ele se sentiu grato por isso ter sido perguntado. Sentiu que para tomar sua decisão precisaria ouvir todos os fatos. Sally dirigiu um olhar a Joshua, claramente imaginando se ele usaria alguma fraqueza contra eles. Ela olhou para seu marido. Michael deu de ombros, e Sally cobriu a mão cansada dele com as suas. Aquele foi um gesto de pura ternura. A conexão entre eles era tão forte e tão brilhante que Joshua viu os olhos deles cintilarem. Ou talvez isso fosse do fogo queimando em seu coração. Ou dos dias longe de seu ambiente. Ou o amor que sentia por Dannie Springer. Ele olhou para ela novamente, vendo-a observar Sally com sua enorme compaixão. Relembrando dela nos últimos dias, rindo, brincando com as crianças, correndo para dentro do lago atrás dele quando a canoa fora levada pelas águas. Uma mulher com a qual um homem poderia compartilhar os fardos, como Sally e Michael obviamente compartilhavam os deles ao longo dos anos. Uma mulher do lado da qual um homem pode falhar e ainda assim se sentir valorizado. Digno. Joshua reconheceu que estava apaixonado por ela. Esperou o terror surgir, mas não surgiu. Em vez disso, o que surgiu foi uma sensação de paz que não sentia há muito tempo. — Nós estamos vendendo ou tentando vender por várias razões — disse Sally, sua voz embargada de emoção. — Em parte porque estamos muito velhos para cuidar deste lugar como ele merece ser cuidado. — Ela parou, angustiada, e Joshua viu que as mãos dela tremiam dentro das mãos de Michael. — Mas o principal motivo é que nossa filha está doente — disse Michael tentando se controlar, quando viu que Sally não conseguia continuar. — Darlene tem uma forma agressiva de uma desordem muscular degenerativa. Ela praticamente cresceu aqui, mas não pode mais vir. Ela tem três crianças e é mãe solteira. — Muito em breve precisará de uma cadeira de rodas. E se for ficar em sua casa, tudo terá que ser mudado, dos armários às maçanetas. Precisará de um sistema especial. de elevador para entrar na banheira. Precisará de um carro adaptado. Precisará de nós.
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Joshua ouviu o que não foi falado: isso gastará mais dinheiro do que eles previram e não havia outra forma de conseguir dinheiro para cuidar da saúde deteriorada da filha deles. Michael se levantou abruptamente e saiu para a claridade da manhã, um homem preparado para fazer a coisa certa, não importava o quão difícil fosse, não importava o quanto custaria a ele, não importava o que ele deixaria para trás. — Perdoem o gesto de Michael — disse Sally, dor e amor em igual medida em seus olhos. — É duro para um homem que se importa tanto quanto ele se ver impotente para ajudar a própria filha. Isso confirmava tudo que Joshua já sabia sobre o amor. Poderia matar o homem mais forte. Rasgaria a carne de seus ossos. Faria com que tremesse, com que se sentisse inseguro, com que revesse suas opções. Ele olhou para Dannie. Ela estava observando o fogo. Ele viu a mão dela segurar a de Sally. Um detalhe. A coisa certa. Josh sentiu o estômago doer. Ele queria o Cabanas do Lago do Alce, e queria muito, mas não tiraria vantagem da miséria dessas pessoas. Exceto que eles precisavam de dinheiro. E tinha apenas um modo de consegui-lo. Vender aquilo que eles mais amavam. Sua história. Suas lembranças. Apenas alguns dias atrás, Joshua Cole estava certo de sua identidade: um homem de negócios, empresário. Talvez tivesse abraçado a parte de playboy um pouco porque isso lhe permitia encher sua vida de diversão superficial. Hoje não estava mais certo de nada, muito menos de sua identidade. Mais tarde, ainda pela manhã, carregando as malas que estavam ao seu lado, Joshua viu Dannie e as crianças da segurança da varanda da cabana Descanso do Anjo. Eles estavam indo para a praia uma última vez com Sally, Dannie carregava o bebê, seus pés nus na areia fria. Ele viu Dannie tirar algo de seu bolso. Ele a viu respirar fundo, e então ela jogou um pequeno objeto na água, mais longe do que ele imaginou que pudesse. Ele viu o brilho do ouro reluzindo com a luz do sol, antes de o objeto atingir a superfície do lago, fazendo uma ondulação. De onde ele estava, pôde ouvir a risada de Dannie, e entendeu que ela estava livre. Josh estava feliz de tomar o avião uma hora depois. Seu mundo. Precisão. Controle. Ele ansiava pela liberdade tanto quanto ansiava pela risada de Dannie, mas em vez de sentir alegria quando o avião decolou, Josh sentia o peso de sua nova responsabilidade. Não haveria mais desculpas. Ele não poderia voar para longe das verdades que tinha que encarar. Elas o estariam esperando quando pousasse. Ocorreu a ele que talvez nunca encontrasse seu filho. Ou talvez o encontrasse, e a família optasse por não ter contato. Mas sabia que poderia recuperar a fé em si de outras formas. Joshua Cole sabia que seu coração estava pronto. E estava surpreso em descobrir que tinha uma fé simples guardada dentro de si, depois de tudo. Uma vez que seu coração estivesse pronto, as oportunidades viriam. E o homem realmente pronto aproveitaria cada uma delas.
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CAPÍTULO OITO Eles estavam se despedindo. Dannie não pôde acreditar que os dias passaram tão rápido. Ela queria dizer a Joshua que o admirava por dizer a Sally e a Michael a verdade. Queria perguntar como ele planejava ajudá-los, porque é claro que ele os ajudaria. E ela queria agradecê-lo por contar a ela sobre seu filho. Mas de alguma forma, durante o curto voo de volta do Cabanas do Lago do Alce para Vancouver, a oportunidade nunca surgiu. Afora o fato de a expressão dele estar distante e de ele parecer totalmente concentrado em pilotar, não havia convite para nenhum tipo de conversação. E Jake estava terrivelmente exigente, pedindo a atenção dela todo o tempo. Susie teve uma reação tardia ao fato de ter sido deixada por ele por uma noite sem consultá-la, e sua irritação aumentou quando não conseguiu achar Michael para dizer tchau a ele. Agora estava se comportando escandalosamente. Pedaços do enchimento do ursinho que Joshua tinha dado a ela no primeiro dia voavam em todas as direções e aterrissavam aos punhados nos bancos da frente do avião. Joshua sequer parecia notar. Assim que pousaram, pediu que esperassem um pouco e saiu. Quando voltou, disse que tinha arranjado um voo para que voltassem para casa. Um avião fretado os levaria para Toronto, um carro com motorista deveria buscá-los no aeroporto e levá-los até a casa de Melanie. Ele pegou as mãos de Dannie e colocou entre as suas. Por um momento, ela pensou que ele iria beijá-la, mas não beijou. De várias maneiras, o modo como ele a olhou foi melhor que um beijo. Os olhos dele estavam cheios de confiança. — Entro em contato assim que puder — disse ele. — Tenho algumas coisas que preciso resolver. Não sei quanto tempo levará, mas assim que puder, prometo, voltarei para você. Palavras estranhamente parecidas como as de Brad. Ela faria isso de novo? Construiria uma fantasia ao redor de poucas palavras e uma promessa vaga? Quando Dannie olhou dentro dos olhos de Joshua, acreditou. Desta vez era real. Apesar de terem vidas tão diferentes, apesar de seus medos e dores, apesar de todas as decepções que sofrerá, Dannie realmente acreditou. Que tudo daria certo, que ele voltaria. Que tudo ficaria bem. Melanie e Ryan chegaram em casa um dia depois que Dannie chegou com as crianças. Estavam bronzeados e relaxados, mais apaixonados do que nunca. A afeição e respeito que tinham um pelo outro eram comoventes. Os problemas de comportamento de Susie evaporaram instantaneamente uma vez que sua unidade familiar segura havia voltado. Dannie nunca havia se sentido tão incerta sobre suas próprias escolhas. Parte dela esperou, com alfinetes e agulhas saltando em sua pele toda vez que o telefone tocava. Quando pensava no tempo que tivera com Joshua, os dias no Cabanas do Lago do Alce pareciam ter sido a coisa mais real em toda sua vida. Ele compartilhara seu segredo com ela. Seu filho. Todas as vezes que Dannie pensava na coragem dele em contar sua história em voz alta, em como se sentira perdido
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e abandonado ao longo dos anos e em como estava determinado agora, ela sentia seus olhos úmidos. Dannie sabia que a promessa dele significava alguma coisa. Sabia que não eram palavras vazias ditas por impulso ou por vontade de agradar. De alguma forma, sabia que ele precisava dela nas águas em que estava entrando, sabia que remariam juntos. Como já haviam feito. Quando ele não ligou, por um dia e depois outro, a insegurança dela voltou com força. Quando uma semana se passou sem qualquer ligação de Joshua, Dannie se condenou por ser uma mulher que transforma em romance uma fantasia frágil. Joshua Cole, o Solteiro Mais Sexy do Mundo, num momento de completa vulnerabilidade contara a ela seu mais profundo segredo. Naturalmente isso significava que ele estava jogando fora todas as mulheres com quem esteve no passado. Ele estava desistindo de atrizes, cantoras e herdeiras por uma babá. É claro que ele estava! Dannie pegou seu vestido de noiva e o levou para cima da cama, permitindo-se olhar para ele melancolicamente e imaginar-se deslizando pela igreja, onde ele estaria esperando por ela. Mas os dias foram passando, transformando-se em semanas e mais semanas, e, quando ficou claro que ele não ligaria, Dannie encontrou conforto em quantidades cada vez maiores de chocolate. Uma tarde, enquanto as crianças tiravam sua soneca, e ela dobrava suas roupinhas recém-saídas da máquina de secar, Melanie invadiu a área de serviço como um furacão. — Certo, Dannie, chega. Vamos conversar — disse Mel. — Diga-me, o que diabos aconteceu com você. O que há de errado? — O que você quer dizer? — Você não para de comer chocolate! E não é a mesma de antes com as crianças. E como se você tivesse decidido ser uma funcionária em vez de um membro da família. Eu sinto sua falta! O que está acontecendo, pelo amor de Deus? — Ah... O de sempre, Melanie... Tudo que aconteceu com Brent, e... — mentiu Dannie. Tudo que diz respeito a romance. Tudo que diz respeito a essa coisa de vida. Melanie olhou para ela e um entendimento totalmente indesejado tomou conta de seu rosto. — Não é Brent — adivinhou ela. — É meu irmão. O que Joshua fez com você? — Nada — respondeu Dannie rapidamente. Obviamente rápido demais. — Eu vou matar o desgraçado — disse Mel. Dannie repentinamente imaginou Mel telefonando para o irmão e contando a ele como Dannie estava infeliz e amargurada, e como a vida dela não fazia sentido sem ele. Dannie, quem?, perguntaria ele, totalmente esquecido da moça gorducha que abandonara no aeroporto. — Você não estava tramando alguma coisa, estava? Você não pensou que eu e seu irmão formaríamos um bom par, não é? — perguntou Dannie lembrando-se da embaraçosa conclusão a que Joshua chegara quando eles se encontraram pela primeira vez. — Claro que não — afirmou Melanie, seus olhos olhando para qualquer lugar, menos para o rosto de Dannie. — Ah, meu Deus. Você armou tudo — suspirou Dannie.
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— Não, não! Bem, não oficialmente. — E extraoficialmente? — Ah, Dannie, eu amo tanto você. E ele. E vocês dois pareciam tão sozinhos e perdidos, e tão devotados a escolher absolutamente tudo que é errado para vocês. Pensei que não seria má idéia colocá-los juntos e ver o que aconteceria. Pensei que não pudesse fazer mal algum, mas fez, não fez? Mal? Dannie pensou em seus dias com Joshua, do prazer de conhecer a ele e a si mesma. Mesmo que ele nunca ligasse, como aqueles dias poderiam ser tomados dela? — Eu vou matá-lo — disse Melanie novamente. — Sabe, Melanie — disse Dannie devagar —, seu irmão não me fez nada. Eu fiz coisas para mim. — O que isso significa? — perguntou Melanie, cética. — Isso significa que eu tenho uma imaginação que preenche as lacunas deixadas pela realidade. Quando disse isso, Dannie entendeu que crescera. Não era mais a garota que espera um homem voltar do outro lado do oceano. Não era mais a mulher que espera outro homem ligar. Era uma mulher que se bastava. Uma boa profissional. Uma boa amiga. Depois de todo o tempo que perdera com Brent, com a idéia de uma vida com Brent, estava mesmo disposta a sofrer da mesma forma pela idéia de que, um dia, o telefone poderia tocar? Enquanto Melanie a observava, Dannie pegou o sorvete que estava comendo e o despejou na pia. — Chega — disse ela à sua amiga e patroa. — Não vou mais viver arrastando minha autopiedade. Não vou mais me fazer de vítima. Tenho uma vida para viver! — Eu ainda vou matá-lo — murmurou Melanie. — Não. Pelo menos, não por minha causa — disse Dannie com firmeza. No dia seguinte, seu dia de folga, Dannie pegou o vestido de casamento, foi até uma companhia de teatro e o doou para o departamento de figurino. Eles ficaram emo-cionados ao ganharem o vestido, e ela se emocionou por vê-lo sair de sua vida. Era àquele lugar que a fantasia feita de seda e rendas pertencia, a um mundo de faz de conta. Onde ela não vivia mais. Depois disso, Dannie se matriculou em aulas de canoagem, em um centro de ensino de esportes radicais. Enquanto estava lá, soube que tinham aula de escalada, então ela se matriculou nessa aula também. Dannie levou suas novas atividades a sério, passando no centro todos os seus minutos livres. A coisa mais inesperada aconteceu. Danielle Springer havia esperado sua vida inteira para se apaixonar e isso aconteceu. Ela estava apaixonada por si mesma. Estava apaixonada pela mulher sorridente que atacava paredes de escalada e canoas com uma vertiginosa sensação de aventura. Ela se apaixonou pela mulher que repentinamente abraçava as incertezas, transformando-as em força. Com os dias frescos da primavera tornando-se quentes e úmidos dias de verão, ela pulou entre os esguichos do irrigador automático com Susie, e na piscina infantil com Jake. Estava demonstrando às suas crianças que a vida era um dom. Uma vida imperfeita, uma vida que não saíra como o planejado, e ainda assim, um dom.
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Dannie sabia que era forte, independente e capaz. E divertida e amável, e cheia de energia. E estava pronta para dançar com a vida. A ironia, é claro, é que aqueles homens que sempre a trataram como se ela fosse invisível gostavam dela agora. Corriam na direção dela. Flertavam com ela. Gostou de descobrir como era simples viver sua própria vida, perseguir seus próprios interesses, imersa em seu trabalho e seus prazeres cotidianos. Algo tão simples quanto deitar no gramado à noite e olhar com admiração o modo como as estrelas enchiam o céu. Uma tarde, de volta da aula de canoagem, Melanie avisou a Dannie que havia uma ligação para ela. — É Joshua — disse Melanie, suas sobrancelhas erguidas, sem tentar esconder sua esperança e alegria por seu irmão estar tomando juízo. Dannie pegou o telefone. Apesar de ter superado toda a angústia, seu coração estava descontrolado. — Como você está? — perguntou ele. Uma pergunta simples. E mesmo assim o som da voz dele, única, familiar, profunda, masculina e terna a fez estremecer. — Eu estou bem, Joshua. Antes que ela pudesse perguntar como ele estava, Joshua começou a falar novamente: — Mel disse que você está realmente ocupada. Canoagem e escalada. — Sim, é verdade — disse ela mantendo sua voz cuidadosamente neutra. — Disse que rapazes ligam para você o tempo todo. — Era uma ponta de ciúme o que ela ouvia na voz do Solteiro Mais Sexy do Mundo? Dannie riu. — Não o tempo todo. Ele baixou a voz: — Ela disse que você não sai com nenhum deles. — Joshua! Sua irmã não deveria contar a você qualquer coisa sobre minha vida particular. — Ela não consegue resistir quando eu imploro — disse ele. Quem conseguiria? — Por que você está implorando por informações a meu respeito? — Você sabe por quê. Ela não disse nada, temendo falar, temendo acreditar, temendo que isso fosse um teste para a sua resolução de não viver em suas fantasias. — Dannie, eu não poderia ligar para você até resolver umas coisas. Até ter feito o meu melhor para afastar qualquer bagagem, qualquer coração partido que me impedia de ser o homem que você merece. Dannie queria dizer que ele estava errado, que sempre foi o homem que ela merecia, mas alguma coisa na sua resposta a fez esperar, ouvir e, acima de tudo, acreditar. — Quando eu voltei do Cabanas, pensei no que você havia dito, de colocar as coisas na perspectiva do meu filho. Fazer o que ele precisava, em vez do que eu pensava que precisava ou queria. Eu discuti as opções com um dos meus advogados. Depois de
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muita discussão, finalmente concordamos em registrar numa agência especializada em organizar reuniões. Quer dizer as três partes, a criança, a família adotiva e os pais biológicos têm que querer um contato, um encontro ou uma reunião. Até que as três par-tes estejam no mesmo lugar, nada acontece. Dannie conseguia ouvir a emoção na voz dele. Ela se sentiu tão orgulhosa dele. Houve um longo, longo silêncio. Finalmente ele falou, sussurrando uma única palavra: — Dannie. Ele não poderia estar possivelmente chorando. Ele não poderia. Não o playboy forte e totalmente no controle. Não o Solteiro Mais Sexy do Mundo. Não um dos mais bem-sucedidos empresários do mundo. — Dannie — disse Joshua —, eles estão esperando por mim. — Ah, Joshua — sussurrou o nome dele, e de novo confirmou que ele era exatamente o homem que ela sabia que ele era. — Ah, Joshua. De novo, o nome dele vinha dos lábios dela como uma celebração, como uma oração. — Combinei de encontrar meu filho e seus pais adotivos neste fim de semana. Eles vivem em Calgary. Seu nome é Jared. Eu... — Ele fez uma pausa, sua voz ainda rouca de emoção. — Eu quero que você venha comigo. — Por quê? — disse ela. Era uma pergunta dura a fazer, quando a única coisa que ela queria dizer era sim. Gritar sim. Mas a resposta dele era tudo. Tudo. Se Joshua a qui-sesse com ele por suas habilidades como babá, bem, não. Ela já tinha um emprego. Um bom emprego. — Quero que você venha comigo porque essa é a coisa mais importante que já fiz na vida e não posso imaginar fazer isso sem você. Preciso que você venha comigo por-que confio mais em você do que confio em mim — disse ele, e então suavemente, mais do que suavemente, completou: — Quero que você venha comigo porque acho que eu posso me apaixonar por você. Acho que já estou no meio do caminho. Ela não conseguia falar porque estava chorando. — Dannie, você está aí? — Sim. — Você virá? — Se eu vou? Ah, Joshua, eu já estou lá. — Ela respirou profundamente, mas ainda tremia. — Estive esperando por você. Dannie não sabia como isso era verdade até colocar em palavras. Não havia sequer percebido que a canoagem e a escalada, e dizer sim a toda a ousadia e aprender a se amar, tudo isso era sobre estar pronta. Para ele. Ela estava se tornando o tipo de mulher que pode se apaixonar por outra pessoa, porque aprendeu a amar a si mesma em primeiro lugar. Era verdade, Dannie sabia, ela estava esperando por Joshua. E antes de qualquer outra coisa, esperando por si mesma.
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CAPÍTULO NOVE Eu estava esperando por você. As palavras de Dannie, a doce lembrança delas, foram a tábua de salvação de Josh nos dias seguintes à conversa deles. A afirmação de Dannie foi o ar de seus pulmões, a beleza que ouviu na voz dela o fazia continuar firme, sem deixar que o pânico o dominasse. Joshua Cole, sozinho, erguera um império de milhões de dólares. Em poucos anos. E tudo isso era nada em comparação ao que sentia sobre esse encontro com seu filho e sobre ver Dannie novamente. Era como se, em todo o mundo, apenas duas coisas importassem. Como se apenas duas coisas tivessem importância. E essas coisas eram a coisa. Amor. Josh esperou por Dannie no Aeroporto Internacional de Calgary, nervoso, sentindo-se um menino de escola, com um buquê de flores na mão. Quando a viu saindo pela por-ta da área de segurança, ficou surpreso com as mudanças dela. Ela parecia dez quilos mais magra. Estava vestindo uma camisa branca de seda, blazer, um jeans com um cai-mento incrível. O cabelo dela, felizmente, estava do mesmo jeito, emaranhado, indomável. Ela não fez nenhum esforço para domá-lo, e ele se espalhava ao redor de sua cabeça de forma sedutora, cachos rebeldes que os dedos dele ansiavam por tocar. Ela estava bronzeada e saudável, e a maquiagem em seus olhos azuis-turquesa fazia com que parecessem maiores. Ele viu outro passageiro quase se inclinar para olhar para ela. Ei, colega, eu a vi primeiro. Aliás, os homens viravam a cabeça quando ela passava, seguindo-a com o olhar. Ávidos. Como sempre, Dannie irradiava calma, um navio confiante deslizando pela tempestade. Ele viu confiança nela. E a pureza de sua força. E ele sabia que precisaria disso. Pensou que não importaria por quanto tempo vivesse, nunca esqueceria os olhos dela. Mais do que bem-vindos. Mais do que alegres. Enormes. Ela voou para os braços dele, sem reservas, e ele a pegou e a girou, agradecendo pela resposta que via nos. olhos dela, sentindo seu peso doce em seus braços, como se ela pertencesse a ele, sua suavidade desmanchando-se na firmeza de seu peito. Finalmente ele a colocou no chão e olhou para ela. Depois, tocou o cabelo dela. — Hoje à noite somos apenas eu e você — disse ele, pegando a bagagem dela, percebendo que ele poderia ficar ali olhando para aquela mulher, mesmo que fosse isso que quisesse fazer. — Encontraremos Jared e seus pais amanhã na casa deles para almoçar. Se correr tudo bem, vamos ao zoológico. — Como você está? — perguntou ela. Ele sorriu. Ela sabia, claro. Ela sabia. — Apavorado — murmurou Josh. Não apenas com relação a Jared, mas também sobre eles. Josh não queria errar. Não queria magoá-la. E, acima de tudo, não queria per-
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dê-la. Nunca, nunca. — O que você quer fazer esta noite? — perguntou ele, sua voz um tanto sufocada. Um adolescente atrapalhado diante do primeiro encontro não soaria mais inseguro. — Vamos pedir uma pizza no hotel — disse ela, enterrando o nariz no buquê — e ver um filme no seu quarto. Tão simples. Tão perfeito. Como as margaridas. Como ela. — Hum. — Ele estava se sentindo tímido, embaraçado. — Eu reservei para você um quarto separado. Eu não pensei... — Estava realmente corando, conseguia sentir. Ela jogou a cabeça para trás e riu. — Joshua, você terá que me cortejar. Eu não sou como as outras. — Você não é — disse ele com tristeza. — Nenhuma alma que conheço usaria a palavra cortejar, Dannie. — Bem, pretendo ser cortejada. Não vou apenas me deitar com você. Naquela noite, esparramados em sua cama no hotel, comendo pizza e vendo filmes, ele se lembrou de como havia sido a noite com ela na cabana. Emocionante. Confortável também. Às 23h, ela lhe deu um beijo de boa-noite, seus lábios ternos e cheios de promessas. Então, foi para o próprio quarto. Na manhã seguinte, Dannie insistiu que eles encontrassem uma parede de escalada, porque, disse ela, a tensão estava fervendo dentro dele. Ela chegou ao topo mais rápido do que ele três vezes. Mas a tensão se fora. Eles foram ao shopping juntos. Ele pensou em comprar um ursinho para Jared, mas ela re-virou os olhos e disse a ele que meninos de 7 anos não gostavam de ursinhos. O que era um alívio, porque ele tinha visto várias coisas mais divertidas, como carrinhos de controle remoto, bolas de futebol, skates, videogames. Queria comprar tudo. Dannie o guiou calmamente através do terreno montanhoso do coração, e disse-lhe para escolher apenas um brinquedo. Eles chegaram à casa de Jared na hora do almoço. Joshua, com um carrinho de controle remoto nas mãos, desejando ter uma caixa lotada de brinquedos escondida atrás de si. Era uma casa comum numa rua comum, bem cuidada. Atrás da cerca, surgindo através das folhas de uma árvore de bordo, Josh pôde ver um deque que saía diretamente da cozinha e que ficava acima do pátio. Uma bicicleta estacionada na parede do lado da casa. Uma rede de vôlei estava na grama. Aquilo deixou Joshua mais feliz do que ele poderia dizer. Seu filho desfrutava de vida comum, uma família comum, uma vida muito diferente daquela que Joshua teria dado a ele se ele tivesse ficado com o garoto ao invés de deixá-lo ir. Uma vida melhor, pensou ele olhando mais uma vez o quintal, sentindo a mão de Dannie apertar a sua, uma vida onde todos colocavam Jared em primeiro lugar. Joshua nunca tinha sentido tanto medo em sua vida como quando tocou aquela campainha. Um cachorro latiu da parte de dentro. Um golden retriever, delirante de felicidade, os saudou primeiro. Uma mulher adorável veio até a porta, uma ruiva com um sorriso travesso, olhos verdes calorosos, de aproximadamente 30 anos. Atrás dela estava seu marido, tão vermelho quanto uma torta de maçã, o sujeito da porta ao lado que
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constrói casas nas árvores e bases no campo de beisebol até escurecer e que provavelmente acordou cedo para treinar o time infantil de hóquei. E então o mundo fez silêncio. Jared entrou na sala, todo energia e felicidade. Um menino robusto, com cabelos castanhos e olhos verdes, a confiança de uma criança que sabia que era amada. Ele derrapou até parar, acariciou as orelhas do cachorro, olhou para Joshua com curiosidade. — Você se parece comigo — disse o menino. — Pela foto que mamãe me deu, eu não pude perceber. Ei, mãe, posso ter um sapo? Até aquele momento, pareceu a Joshua que sua vida inteira tinha sido um quebra-cabeça espalhado por todo lugar. Aquelas palavras, Ei, mãe, posso ter um sapo?, e a risada repentina que quebrou o constrangimento da sala como que faziam as peças deslizarem firmemente para seus lugares. Parecia que sua vida, repentina e gloriosamente, tinha se tornado o que deveria ter sido. Desde sempre. Apresentações foram feitas, mas era uma formalidade estranha e desnecessária naquele grupo de pessoas que, de alguma forma, já era e sempre tinha sido uma família. Durante o fim de semana inteiro eles não fizeram nada de especial, e ainda assim tudo foi especial. Comer churrasco de hambúrguer no quintal dos Morgan, jogar frisbee com o cachorro, visitar o zoológico, sentar na beirada da cama de seu filho, tentar ler uma história para ele ignorando o enorme nó em sua garganta. Joshua Cole, que era especializado em dar a pessoas comuns experiências espetaculares, fez a descoberta humilhante de que experiências comuns são espetaculares por causa das pessoas com as quais você as compartilha, com a adição de um ingrediente secreto. Amor. Joshua descobriu que algumas vezes um homem tem que trabalhar com amor. Mas na maior parte do tempo ele deve estar completamente a serviço dele. — Eu não consigo me lembrar de um fim de semana mais perfeito do que este — disse Joshua enquanto esperava no aeroporto com Dannie na noite de domingo. A mão dela dentro da mão dele também era algo próximo da perfeição. — Nem eu — disse ela. Em poucos instantes, quilômetros os separariam. Como ele poderia fazer doer menos, mandar embora a sensação de perda? Não apenas por ele mesmo, que era como o antigo Joshua pensaria, mas por ela. Ele parou em frente a uma joalheria, e eles olharam juntos para a vitrine, com colares de diamantes. — Escolha um — disse ele. — Qualquer um para lembrar esse fim de semana. — Não — disse ela. — Vamos — falou ele. — Para você se lembrar de mim. Para mostrar-lhe o quanto me importo com você e como vou sentir sua falta até nos encontrarmos de novo. — Não — disse ela com mais firmeza do que da primeira vez. Muito caro, não apropriado para nosso primeiro fim de semana juntos, pensou ele,
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embora tivesse dado presentes mais caros por menos. — E que tal estes, então? — disse ele, apontando para um mostrador de pulseiras de diamantes. — Joshua, não! — Ei — disse ele. — Eu estou cortejando você! — Não, Josh, não está — disse ela, quase delicadamente, como se estivesse explicando como ver as horas para uma criança de 3 anos. — Isso é encantar. Há uma diferença. Eu não preciso de nada para me lembrar deste fim de semana, Joshua. — Como é que vou cortejá-la com uma atitude dessas? — perguntou ele, sentindo-se ranzinza. — Para você, Joshua, a coisa mais fácil seria me cobrir de presentes, com todas as coisas que o dinheiro pode comprar. Mas não é isso que eu quero. Quero coisas mais difíceis de você. Quero o seu tempo. Quero sua energia. Quero seu total comprometimento. Eu quero você. Você não pode me ganhar jogando sua riqueza em mim. Joshua fez uma careta para isso. O fim de semana tinha transcorrido tão bem que ele pensou que já a tivesse ganho. Pôde ver claramente agora que isso não era verdade. Dannie estava tentando dizer a ele que não era sobre o ponto de chegada. Que tudo era sobre a viagem. E que ela não queria um namorado rico, um marido rico, viagens, roupas e jóias. Queria uma vida real. Com ele ou sem ele. Mas consigo mesma, sempre. — Dannie — disse Melanie —, será que você poderia dizer sim? Meu irmão está me deixando louca. Ambas estavam em pé junto à janela, olhando para o gramado da frente. Durante a noite, trezentos flamingos cor-de-rosa de plástico tinham aparecido nele como que por encanto, salpicando de cor a primeira neve do inverno. Com eles, uma faixa enorme: DANNIE, EU AMO VOCÊ! — Já se passaram seis meses — disse Melanie. — Ele está a cada dia mais insanamente apaixonado por você. Apenas diga sim. — Eu realmente não sei se os flamingos se enquadram nos meus critérios. Ele usou dinheiro. — Ele teve que alugá-los! Ou pegá-los emprestados. Talvez até mesmo os tenha roubado. Ele não os comprou. E eu aposto que estava lá fora congelando, soletrando o seu nome para a faixa que acompanha esses pássaros bregas. Se isso não é amor, nada é. Diga sim. — A quê? — disse Dannie inocentemente. — Ele não me pediu nada ainda. Dannie sorriu para Melanie permitindo-se sentir a ternura dos flamingos plantados em uma declaração de amor para ela. Quando desafiou Joshua a cortejá-la sem grandes demonstrações de riqueza e poder, nada poderia prepará-la para como aquele homem aceitou o desafio! A única exceção que Dannie fez ao uso de dinheiro foram as passagens de avião. Mesmo ela precisava admitir que era um bocado difícil cortejar alguém, a menos que você
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o visse. Então, Josh voou para Toronto, e ela voou para Vancouver, ou eles se encontravam em Calgary para passarem algum tempo com Jared e os Morgan. Melanie estava certa. Seu irmão era louco, mas no sentido mais fenomenal. Nenhuma mulher havia sido cortejada do modo como Danielle Springer estava sendo. En-quanto o tempo ainda estava bom, eles fizeram aulas de escalada e canoagem juntos. Para a tristeza dele, Dannie insistiu em continuar pagando sua parte. Ela pediu a ele que doasse sua parte ao centro, que oferecia aulas gratuitas a crianças carentes. Josh encontrou um violão e fez uma serenata para ela. Ele tocava mal e cantava pior ainda. Os cães da vizinhança ficaram roucos de tanto uivar. Escutá-lo assassinar uma canção de amor tinha sido mais agradável do que vê-lo se oferecer para levá-la a um concerto em Vancouver, que, aliás, ela recusou quando viu o preço das entradas. Josh fez para ela uma caixa de cedro com suas próprias mãos, quando Dannie recusou a que ele queria comprar de um antiquário. Josh era pior carpinteiro do que cantor, e ainda assim Dannie nunca vira uma peça tão linda. Ele encheu a caixa com tesouros, nenhum deles algo que o dinheiro pudesse comprar. A caixa guardava o anel de casamento de sua mãe e uma renda feita a mão por sua avó. Guardava um sapatinho de bebê de Josh e uma foto de Jared bebê. Ele estava dando a ela sua história. Josh fez um medalhão para substituir o que ela jogara no lago. O dele era feito de papel machê e tinha sua impressão digital. Ela o usou até começar a desintegrar, e então o colocou na sua caixa com os outros tesouros. Ele assou para ela biscoitos em forma livre de coração e o gosto deles era horroroso. Uma das noites mais românticas que tiveram juntos foi um jantar de espaguete feito em casa, a massa que ele preparou para ela com amor. Ele tinha mandado a ela uma caixa com um ninho de fio dental, uma entrega especial, que mostrava que ele era um novo homem. — É usado? — perguntou Melanie, horrorizada quando Dannie abriu o pacote. — Não importa — disse Danielle, guardando o envelope em sua caixa de tesouros. — Vou mostrar aos meus filhos algum dia. Eu vou falar: "O pai de vocês me deu placa bacteriana." — Você é tão nojenta quanto ele — reclamou Melanie, para depois erguer as sobrancelhas e perguntar: — Que crianças? Ele a pediu em casamento? — Ainda não. — É melhor ele pedir a você de uma vez. Eu vou relatar aos correios se ele mandar qualquer outra coisa nojenta como essa. Quando voava para ver Dannie nos fins de semana, Josh a ensinou a pescar no pequeno canal perto da casa de Melanie e Ryan. Nunca pescaram um único peixe, embora tivessem pego um sapo para Jared, e Joshua acabou por fretar um avião para não ter que contrabandear a criaturinha verde pela segurança do aeroporto e o enviou para o filho. E quando o canal congelou, ele a ensinou a patinar. Dannie nunca conseguiu patinar sem que ele a segurasse, e isso não importava. Faziam longos passeios sob a luz das estrelas. Um dia, ao passarem por crianças com uma caixa de papelão cheia de gatinhos para doação, ele escolheu o mais bonito para ela. Ela o batizou de Alce, e Joshua riu. Quando Josh mandou o avião até Vancouver buscá-la, Dannie levou os poemas terríveis que escrevera, e cozinhou para ele refeições desastrosas, Dannie admirou as flores que ele cultivou para ela em seu terraço. Andaram de trem e exploraram o parque
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Stanley. Passavam as noites na hidromassagem. Em Calgary, faziam piqueniques com os Morgan e andavam de bicicleta com Jared pelas trilhas. Jogaram bola no quintal e uma tarde construíram um telhado para a pla-taforma da árvore, para que pudessem passar a noite lá. O telhado vazava como uma peneira, o que apenas aumentou a diversão. Levaram Jared a piscinas públicas que tinham ondas e quedas-d'água, e foram a bibliotecas que contavam com contadores de histórias. Pegaram insetos para o sapo dele, Simon, e levaram o golden retriever para aulas de adestramento. Joshua e Jared tiveram aulas de esqui no Parque Olímpico, e ela se aperfeiçoou na arte de tomar chocolate quente com marshmallow. — Lá está ele — disse Melanie olhando para além dos flamingos. Ela bufou com carinho: — O grande playboy chegou. Se ele não propuser casamento a você neste fim de semana, eu o renego. — Você disse isso no último fim de semana — lembrou-lhe Dannie. — A diferença é que neste fim de semana estou falando sério. — Olhe, Melanie — disse Dannie suavemente —, ele trouxe uma surpresa. Joshua saía de um carro esporte pequeno, obviamente alugado, tentando convencer um enorme tobogã de oito metros a sair com ele. E então um menininho saiu do carro. — Meu Deus — disse Melanie, e virou os olhos úmidos para Dannie. — É meu sobrinho? — Ela não esperou pela resposta, foi até a porta de entrada, que abriu com um pontapé, e passou tropeçando pelos flamingos cor-de-rosa, em sua pressa de abraçar o menino tão, tão parecido com seu irmão. Cada dia que passaram juntos pareceu mágico. Mais que isso. Eles levaram os filhos para escorregarem no tobogã, instantaneamente encantados pelo seu primo mais velho. Quando voltaram para casa, Melanie levou as crianças embaixo de suas asas, depois entregou um envelope ao seu irmão. — Já chega, vocês precisam de um tempo a sós. Resolvam isso, Josh, e estou falando sério — disse ela com firmeza. — Eu cuido das crianças. Joshua abriu o envelope. Dentro havia um mapa. Danielle mal conseguia olhar para ele, repentinamente tímida, imaginando se ele também se lembrava da última vez que alguém se ofereceu para olhar as crianças para eles. Seguiram o mapa até fora da cidade, através da escuridão crescente e pela paisagem rural, e chegaram a uma pequena cabana. Já estavam dentro da cabana quando Dannie percebeu que ele também fazia parte da trama. Como a cabana poderia ter sido abastecida com caixas de espaguete e de ingrediente para bolo se ele não estivesse envolvido? Josh fez um jantar para ela; então, com o fogo rugindo na lareira de pedra, colocou a mistura de bolo numa panela, juntou água, misturou e cozinhou tudo no fogo da lareira. — Eu não quero nada disso — disse ela. — Vamos lá. Você está muito magra. Era verdade, mas pela primeira vez em sua vida ela não estava magra por um propósito. Dannie estava magra porque estava feliz e não havia nela um único espaço
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que a comida pudesse preencher. Ele a tomou em seus braços e suspirou: — Eu não posso fazer mais isso — disse ele. — Não posso mais só beijar você, Dannie. — Eu sei — disse ela. — Tudo bem. Eu fui conquistada. Vamos para a cama. — Ah, não. — O que você quer dizer? — perguntou ela aturdida. — Dannie, não é assim que a coisa acontece, querida. — Não é? — Não — disse ele, e ficou de joelhos na frente dela. — Termina assim. Ele tirou uma caixa de anel de seu bolso. — Dannie, você quer se casar comigo? Quer ser minha para sempre? Você teria meus filhos e seria parte da família que inclui meu filho? E sobrinha e sobrinho? — Sim — sussurrou ela. Então ele a beijou, mas, quando ela tentou levá-lo para o quarto, ele a impediu: — Não. Você terá que esperar até a noite de núpcias. — Terei? — Sim. — Vamos comer seu bolo nojento, então — disse ela com tristeza. Ela dividiu a colher com ele. Não tinha um gosto ruim. — Você não vai ver o que tem na caixa? — provocou ele. Dannie se esquecera de olhar o anel. A verdade era que o anel não significava nada para ela. Como poderia com-parar-se com aquele que Josh fizera de papel alumínio e que estava na caixa de tesouros dela? Como poderia ter o mesmo valor que esses maravilhosos dias de namoro? Ah, ela sentiria falta disso. É claro, estar casados significava que tudo iria ser substituído. Por algo melhor. Muito melhor. Ela percebeu que estava faminta por Josh. Por seu corpo e sua língua e pelos seus lábios e suas mãos sobre ela. Os olhos dela deslizaram até a porta do quarto novamente. Ele realmente a faria esperar? — Abra — insistiu ele dando a caixa a ela. A tampa era muito, muito difícil de abrir. Quando a abriu, ela viu por quê. Em vez de um anel, havia um pedaço de papel dobrado para caber lá dentro. Cuidadosamente ela o desdobrou, tentou entender os termos legais que estavam escritos nele. Finalmente entendeu. Joshua dera a ela a escritura do Cabanas do Lago do Alce. — Eu não consigo imaginar não tê-la como parceira em cada coisa que eu faça, minha confidente, minha igual. Isso é seu Dannie, faça o que quiser. — Ela olhou para ele, muda. — Quanto tempo você levará para planejar o casamento? — perguntou ele. — Eu quero que você tenha tudo. O vestido, as damas de honra, a catedral, o... — Não — disse ela. — Eu não quero nada disso. Isso é tudo sobre casamento e nada sobre casar.
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Ela começou a corar. — Joshua, eu não posso esperar muito. — Pelo quê? — Você sabe. — Conte-me. Então, ela sussurrou seus anseios secretos no ouvido dele. — Você está certa — disse ele. — Eu acho que temos que fazer algo rápido. Minha honra está em jogo. O que você tem em mente? — Uma rápida cerimônia no civil. Ele riu. — Eu esqueci que você já tem um vestido. — Eu não tenho mais — disse ela. — Eu me casarei com você usando uma roupa de esquiar, assim nós poderemos ir direito para nossa lua de mel. — Você tem algo em mente? — perguntou ele, levantando uma sobrancelha. — Receio que sim — confessou ela, corando. — Quero passar nossa lua de mel no Cabanas do Lago do Alce. — Está nevando lá! — disse ele. Ela sorriu. Não conseguia pensar em alguma coisa que fosse amar mais do que ficar com ele, seu amor, em uma pequena cabana cercada de neve. — Eu sei — disse ela alegre. — Eu sei. — Eu nem mesmo sei como chegar àquela cabana no inverno. Eu não vou de canoa com você através do lago congelado. — Joshua? — Sim. — Confio que você pensará em alguma coisa. — Ela fez uma pausa e sussurrou: — Eu confio em você. — Você não confiaria se soubesse os pensamentos pervertidos que tive sobre seus dedos do pé. Dannie entendeu que as palavras eram o presente dele para ela. O único que ela precisava e queria mais do que qualquer outro. Colocou sua cabeça no ombro dele e en-controu o calor de sua mão. — Eu confio em você — sussurrou de novo. — Para sempre e além. EPÍLOGO Joshua Cole olhou em volta. Era um de seus poucos momentos completamente sozinho atrás de sua cabana no hotel Cabanas do Lago do Alce.
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Os sons do verão, gritos dos jogadores de futebol, música de um rádio perto dali, risadas e crianças chamando umas às outras, alcançavam seu refugio. Ele tinha a muda de uma roseira na mão e estava pronto para plantá-la assim que encontrasse o lugar adequado para ela no pequeno jardim que começara ali. Nada mudara no Cabanas desde que ele o comprara. Quase nada. Algumas melhorias, novos móveis, pintura, algumas obras de manutenção. Quatro anos haviam se passado desde que estivera ali pela primeira vez, mas o encanto permanecia intacto. Dannie amava o lugar e sabia exatamente como fazer para mantê-lo vivo. As famílias lotavam o Cabanas, todos os meses do ano, inverno ou verão. Eles não tinham televisores, sinal para celulares ou internet e nada mantinha as pessoas afastadas dali. Jared estava com 11 anos. E passava os verões com Josh, com essa nova família, cheia de possibilidades, brincando com os primos, correndo pela água, nadando. Sally e Michael ainda moravam ali e criavam os netos, agora que sua filha Darlene tinha morrido no outono passado. Eles administravam o Cabanas para Dannie com o mesmo amor que sempre tiveram pelo lugar. Ele e Dannie tinham um bebê. Uma menininha. A vida nunca fora tão boa, tão rica, tão completa. Josh se levantava todas as manhãs cheio de amor e energia, pronto para caminhar sobre a Terra com seus pés bem plantados no chão, os olhos no horizonte e em suas promessas. Josh fizera um jardim em homenagem a Darlene, coisa que levara Sally às lágrimas e que ainda fazia Michael engasgar. Ele adorava suas plantas, a paz daquele canto, o cheiro da terra molhada e trabalhar com suas mãos. Fora um caminho tão longo, pensou ele, suspirando e ajoelhando no chão, junto ao lugar que iria cavar para plantar sua muda. Um caminho tortuoso, difícil, confuso às vezes, solitário até. Mas ele aprendera. Aprendera tanto. O valor das coisas, o valor das pessoas. O lugar de cada uma delas em sua vida. Joshua aprendera também a verdade mais básica, mais fundamental, o maior tesouro que um homem pode querer conhecer. O poder do amor. O amor que cura, que restaura, que guia, que preenche. Que traz crianças e amigos para perto, que afasta os descrentes, os futeis, o que não é profundo e nem pretende ser. — Papaiiiii! Você vem? Nosso time precisa de reforços! — Era Jared chamando. Ele o chamava de pai agora. E chamava seu pai adotivo assim também, sem dramas sem conflitos. Um menino tão amado, tão querido, tão aceito que incorporara à sua vida mais um pai, mais um amor, mais uma promessa de felicidade sem nenhum estranhamento. Joshua terminou de cobrir sua muda e se levantou, secando os olhos com as costas da mão. — Já vou, Jared! — gritou Josh de volta, virando-se para descer correndo os degraus de madeira, dois de cada vez, de volta à sua vida, sua família. De volta, enfim, para aquele lugar repleto de amor e sorrisos, abraços e risadas, guerras de lama, jogos de futebol, corridas na areia, canções de ninar e certezas. Seu mundo.
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Próximo Lançamento O DESTINO DE UM SHEIK MELISSA JAMES — Há um carro logo atrás da tenda. Preciso que vá até a frente do campo enquanto eu vou para trás. Assim, se eu for reconhecido, não seremos vistos juntos. Hana assentiu e, percebendo que ainda apoiava as mãos no peito de Alim, ruborizou e as tirou. — Está bem. — Conversaremos no avião, Hana. — Os olhos de Alim brilhavam. — Tudo bem. — Apressou-se para fora da sala. O diretor fez bem o seu trabalho. Pelo menos seis pessoas desejaram-lhe boa sorte em sua realocação enquanto ia até os portões. Sentiu-se uma mentirosa. Qual era a diferença? Não era o que tinha sido nos últimos cinco anos? Não posso mentir para Alim. E isso a aterrorizava, pois seria difícil. As janelas do carro eram escuras, Alim já estava sentado. O vidro escuro entre o motorista e os passageiros estava fechado, criando um clima íntimo. — Não é tão barulhento quanto o caminhão ou o jipe — comentou, tentando parecer relaxada, e o coração batendo forte ao ver o olharem seu rosto. Ele se aproximou. — Demora vinte minutos até o aeroporto. Ainda não a cumprimentei... — Levantou a cabeça e, antes que ela pudesse reagir, afastou o véu que recolocara depois de deixar o escritório e encostou os lábios nos seus, macios, prolongando-se... — Oi, Sahar Thurayya. Senti saudades... Como pode ver. Seu coração batia incontrolavelmente, não conseguia nem falar. O primeiro beijo de verdade... Tão gentil e puro... Fechou os olhos. Desespero varreu-a como uma enxurrada, fazendo-a sentir-se suja devido ao desejo que não tinha o direito de sentir. Um beijo e ansiava por Alim, mas nunca poderia tê-lo como marido ou amante. Engoliu a dor, mas ainda não conseguia falar. Tudo que pôde fazer foi balançar a cabeça. — Não? — perguntou ele gentilmente. — Não sentiu saudade? É difícil de acreditar, considerando a saudação que você me deu. — Os dedos em seu queixo acariciavam-na. Estremeceu com o poder daquele toque, mais forte do que qualquer Mukhtar. — Olhe para mim, Hana. Momentos se passaram, mas a dor só crescia enquanto hesitava. — Sei que disse que não sentia nojo de mim, mas foi numa situação de vida ou morte. Agora, quero que olhe com cuidado. — Tirou a camisa, revelando os enxertos rosados sobre as cicatrizes tortas no ombro, metade do peitoral e barriga. — Cirurgia pode ajudar, mas não há tanto a fazer por queimaduras de segundo grau. Espero que a enfermeira em você não enjoe me vendo — disse, com uma amargura que partiu seu coração. — Tenho cicatrizes no quadril também, porque alguns dos enxertos vieram de lá.
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Não precisou perguntar de onde vinha o resto da pele. Fadi está comigo onde vou, dissera. Orgulho e dor juntos, o lembrete eterno da perda. O corpo do irmão morto havia sido o doador. Mais lágrimas rolaram, inúteis. Seus dedos trêmulos tocaram aquela pele, quase sentindo a chama que a destruíra. — Me acha repulsivo? — perguntou, tocando-a. — Não como enfermeira, mas como mulher... Se acha, acaba aqui. Sou seu eterno devedor, Hana. O que acontece daqui para frente está em suas mãos. O futuro é sua escolha. Não ouviu mais nada depois da palavra "repulsivo". Tirou suas mãos das dele e tremeu enquanto o tocava, misturando desejo e dor. Não percebeu que se inclinara sobre ele até que seus lábios tocaram as cicatrizes do ombro, deixando lágrimas salgarem a pele quente. Quando começou, não pôde parar. Era lindo, tão absolutamente primoroso, que só pensar em não tocá-lo, não beijá-lo, causava-lhe agonia. Precisava, tinha que beijá-lo novamente... — Alim — sussurrou, com o desejo puro de uma mulher por seu homem, estranho e lindo. Beijou aquele pescoço, peitoral e ombro repetidas vezes; sua boca passeando pelo que ele era agora, pelo que sempre fora, e enchendo-se de desejo feminino, porque aquele sofrimento o havia tornado o homem que amava. Alim levantou seu queixo com as mãos. — Não, não... — murmurou num protesto incoerente, com palmas e dedos ainda o acariciando. — Não, mais, eu preciso de mais...

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