quinta-feira, 6 de junho de 2013

Se eu ficar

Para Nick
Finalmente... Sempre.
7:09 da manhã
Todos pensam que foi por causa da neve. E de certa forma, eu suponho que isso
seja verdade.
Eu acordei essa manhã para encontrar um fino cobertor branco cobrindo
nosso jardim. Não chega a um centímetro, mas nessa parte de Oregon, uma
leve poeira faz tudo parar enquanto o único limpador de neve da região se
ocupa limpando as estradas. É água molhada que cai do céu – e caí e caí – e não
é do tipo congelado.
É neve o bastante para cancelar as aulas. Meu irmão menor, Teddy, solta um
grito de guerra quando o rádio de mamãe anuncia o feriado. “Dia de neve!” ele
grita. “Pai, vamos fazer um boneco de neve.”
Meu pai sorri e bate em seu cachimbo. Ele começou a fumar um
recentemente como parte de seu papel em Father Knows Best¹ que ele
começou. Ele também usa uma gravata borboleta. Eu nunca sei com certeza se
isso tudo é de alfaiate ou sardônico – O jeito de papai de anunciar que ele
costumava ser um punk mas agora é um professor de inglês do ensino médio,
ou se por se tornar professor isso realmente transformou meu pai em um
genuíno ser do passado. Mas eu gosto do cheiro do tabaco de seu cachimbo. É
doce e suave, e me lembra do inverno e de lenha.
“Você pode fazer uma tentativa corajosa,” Papai diz a Teddy. “Mas mal está
grudando nas estradas. Talvez você deva considerar uma ameba de neve.”
Eu posso perceber que papai está feliz. Quase um centímetro de neve significa
que todas as escolas da área estão fechadas, incluindo meu ensino médio e o
ensino fundamental onde papai trabalha, então é um dia inesperado de folga
para ele, também. Minha mãe, que trabalha numa agencia de viagens na
cidade, desliga o radio e se serve de uma segunda xícara de café. “Bem, se vocês
vão ficar na folga hoje, de jeito nenhum vou trabalhar. Simplesmente não é
certo.” Ela pega o telefone para avisar que não vai. Quando ela termina, ela olha
para nós. “Eu devo fazer o café da manhã?”
Papai e eu gargalhamos ao mesmo tempo. Mamãe faz o cereal e
torradas. Papai é o cozinheiro da família.
Fingindo não nos ouvir, ela busca no armário uma caixa de Bisquick.² “Por
favor. O quão difícil pode ser? Quem quer panqueca?”
“Eu quero!Eu quero!” Teddy grita. “Podemos colocar gotas de chocolate nelas?”
“Não vejo porque não,” Mamãe responde.
“Woo hoo!” Teddy grita, acenando seus braços no ar.
“Você tem energia demais a essa hora da manhã,” eu provoco. Eu viro para
mamãe. “Talvez você não devesse deixar Teddy beber tanto café.”
“Eu troquei o café dele por descafeínado,” mamãe responde. “Ele é só
naturalmente exuberante.”
“Desde que você não troque o meu por descafeínado,” eu digo.
“Isso seria abuso infantil,” papai diz.
Mamãe me entrega uma caneca e o jornal.
“Tem uma boa foto do seu jovem aqui,” ela diz.
“Verdade? Uma foto?”
“Yep. É o máximo que vimos dele esse verão,” mamãe diz, me dando um olhar
lateral com sua sobrancelha arqueada, sua versão do olhar que enxerga a alma.
“Eu sei,” eu digo, e então sem querer, eu suspiro. A banda de Adam, Shooting
Star, está ficando famosa, o que é uma ótima coisa – na maior parte do tempo.
“Ah, fama, desperdiçada na juventude,” papai diz, mas ele está sorrindo. Eu sei
que ele está excitado por Adam. Até mesmo orgulhoso.
Eu passo as folhas do jornal até o a sessão de calendário. Tem uma pequena
nota sobre Shooting Star, com uma foto ainda menos dos quatro, perto de um
grande articulo sobre o Bikini é uma enorme foto da cantora da banda: a diva
punk-rock Brooke Veja. A parte sobre eles basicamente diz que a banca local
Shooting Star vai abrir o show do Bikini em Portland na turnê nacional do Bikini.
Não menciona a notícia para-mim-ainda-maior que ontem a noite Shooting Star
tocou em um clube em Seattle e, de acordo com a mensagem que Adam me
mandou a meia noite, esgotou os ingressos.
“Você vai hoje a noite?” Papai pergunta.
“Eu estava planejando. Depende se eles vão fechar o estado todo por causa da
neve.”
“Uma nevasca está se aproximando,” papai diz, apontando para um único floco
de neve flutuando até a terra.
“Eu também deveria ensaiar com um pianista da faculdade que a professora
Christie encontrou.” A professora Christie, uma professora aposentada da
universidade que tem trabalhado comigo pelos últimos anos, está sempre
procurando por vitimas para tocar comigo. “Mantendo você afiada para que
você possa mostrar aqueles esnobes da Juilliard³ como se faz,” ela diz.
Eu não entrei em Juilliard ainda, mas minha audição foi muito boa. A peça de
Bacj e o Shostakovich tinham sido tocadas por mim como nunca antes, como se
meus dedos fossem uma simples extensão das cordas e do braço. Quando
terminei de tocar, ofegando, minhas pernas tremendo por ficarem pressionadas
juntas com tanta força, um juiz aplaudiu um pouco, o que eu suponho, não
acontece com muita freqüência. Enquanto eu o arrastava pra longe, o mesmo
juiz me disse que fazia um longo tempo desde que a escola tinha “visto uma
garota de Oregon.” Professora Christie assumiu que isso significa uma aceitação
garantida.
Eu não tenho tanta certeza de que isso seja verdade. E não tinha 100% de
certeza de que eu queria que fosse verdade. Como a meteórica ascensão do
Shooting Star, minha admissão a Juilliard – se acontecer – irá criar certas
complicações, ou, mais precisamente, iria se combinar com as complicações que
já tem aparecido nos últimos meses.
“Eu preciso de mais café. Mais alguém?” mamãe pergunta, perambulando perto
de mim com um antigo coador.
Eu cheio o café, o rico, e preto café oleoso e assado que preferimos. Só o cheiro
me anima. “Estou pensando em voltar para cama,” eu digo. “Meu violoncelo
está na escola, então não posso nem praticar.”
“Não pode praticar? Por 24 horas? Fique parada, meu coração despedaçado,”
mamãe diz. Embora ela tenha adquirido um gosto por música clássica nos
últimos anos – “é como aprender a apreciar um queijo fedido” – ela nem
sempre foi uma audiência cheia de deleite para muitas das minhas maratonas
de ensaio.
Eu escuto uma batida e um boom vindo do andar de cima. Teddy está na
sua bateria. Costumava pertencer a papai. Quando ele tocava bateria em uma
banda grande-na-nossa-cidade, desconhecia-em-todos-os-outros-lugares,
quando ele trabalhava numa gravadora.
Papai sorri ao ouvir o barulho de Teddy, e vendo isso, eu sinto uma
familiar dor. Eu sei que é bobo, mas sempre me perguntei se papai está
desapontado por eu não me tornar uma roqueira. Eu queria. Então, na terceira
série, eu me deparei com o violoncelo na aula de música – ele parecia quase
humano para mim. Parecia que se você o tocasse, ele te contaria segredos,
então eu comecei a tocar. Faz quase 10 anos agora e eu nunca parei.
“E lá se foi a ideia de voltar a dormir,” mamãe grita por cima do barulho de
Teddy.
“Quem diria, a neve já está derretendo.” Papai diz, sobrando seu cachimbo. Eu
vou para porta de trás e espio para a rua. Um raio de sol passa pelas nuvens, e
eu posso ouvir o barulho do gelo derretendo. Eu fecho a porta e volto para a
mesa.
“Eu acho que o condado exagerou,” eu digo.
“Talvez. Mas não podem “descancelar” a escola.O cavalo já está fora do celeiro,
e eu já me dei o dia de folga,” mamãe diz.
“De fato. Mas poderíamos aproveitar essa inesperada folga e ir a algum lugar,”
papai diz. “Ir dar uma volta. Visitar Henry e Willow.” Henry e Willow são uns
antigos amigos de mamãe e papai que também tem um filho e decidiram
começar a se comportar como adultos. Eles vivem numa antiga fazenda. Henry
faz coisas para web do celeiro que eles converteram num escritório e Willow
trabalha em um hospital ali perto. Eles tem uma filhinha. Essa é a verdadeira
razão para mamãe e papai quererem ir lá. Teddy tendo acabado de fazer 8 anos
e eu tendo 17 significa que já passamos da idade de ter aquele cheiro de talco
que faz os adultos derreterem.
“Podemos parar na BookBarn na volta,” mamãe diz, como se fosse para me
animar. BookBarn é uma gigante loja de livros usados. Na parte de trás eles
mantém umas partituras de 25 cents que ninguém parece comprar a não ser eu.
Eu tenho uma pilha delas debaixo da cama. Uma coleção de partituras clássicos
não é o tipo de coisa que você anuncia.
Eu mostrei elas para Adam, mas foi apenas depois de estar juntos por 5 meses.
Eu esperei que ele risse. Ele é um cara tão legal com suas jeans com pregas, e
uma camiseta preta, e suas tatuagens sutis. Ele não é o tipo de cara que iria
acabar com alguém como eu. E foi por isso que quando o vi pela primeira vez
me observando no estúdio de música dois anos atrás, eu estive tão convencida
de que ele estava gozando comigo e me escondi dele. De qualquer forma, ele
não riu. Acabou que ele tinha uma coleção empoeirada de partituras de punk-
rock debaixo da cama dele.
“Também podemos parar no vovó e na vovô para jantar,” papai diz, já pegando
o telefone. “Vamos de trazer de volta com bastante tempo para você ir a
Portland,” ele adiciona enquanto disca.
“Estou dentro,” eu digo. Não é o BookBarn, nem o fato de que Adam está em
turnê, ou que minha melhor amiga, Kim, está ocupada fazendo coisas para o
anuário. Não é nem porque meu violoncelo está na escola ou de que eu podia
ficar em casa e ver TV ou dormir. Eu prefiro sair com minha família. Essa é outra
coisa que você não anuncia sobre si mesmo, mas que Adam entende também.
“Teddy,” papai chama. “Se vista. Vamos sair numa aventura.”
Teddy termina seu solo de bateria com uma batida nos pratos. Um
momento depois ele está entrando na cozinha vestido, como se tivesse
colocado suas roupas enquanto descia os degraus de madeira da escada da
nossa casa vitoriana. “School´s out for summer...” ele canta.
“Alice Cooper?” papai pergunta. “Não temos padrões? Pelo menos cante algo
dos Ramones.”
“Sem escola para sempre,” Teddy canta sobre os protestos de papai.
“Sempre otimista,” eu digo.
Mamãe ri. Ela coloca um prato de panquecas na mesa da cozinha. “Coma,
família.”
¹ Father Knows Best é um seriado de televisão estadunidense.
² Massa pré-assada
³ Melhor universidade de música dos EUA.
8:17 da manhã
Subimos no carro, um enferrujado Buick que já era velho quando vovó
nos deu depois que Teddy nasceu. Mamãe e papai ofereceram me deixar dirigir,
mas eu disse não. Papai vai atrás do volante. Ele gosta de dirigir agora. Ele
teimosamente se recusou a fazer uma carteira por anos, insistindo em andar
com sua bicicleta pra toda parte. Quando ele tocava música, seu banimento a
dirigir significa que seus companheiros de banda era quem tinham que dirigir
em suas turnês. Eles costumavam virar os olhos para ele.
Mamãe fez mais que isso. Ela amolou, seduziu, e algumas vezes gritou
com papai para ele fazer a carteira, mas ele insistiu que preferia o poder de
pedalar. “Bem, então é melhor começar a trabalhar para construir uma bicicleta
que suporte uma família de três e nos mantenha secos quando chover,” ela
exigiu. Para o que papai sempre riu e disse que ia ver isso.
Mas quando mamãe ficou grávida de Teddy, ela bateu o é. Já chega, ela
disse. Papai pareceu entender que algo tinha mudado. Ele parou de discutir e
conseguiu sua carteira. Ele também voltou para escola para conseguir seu
certificado para ensinar. Eu acho que tudo bem estar se desenvolvendo com
apenas um filho. Mas com dois, o tempo passa. Hora de usar uma gravata.
Ele está usando uma essa manha, junto com um casaco esporte e um
sapato vintage. “Vestido para a neve, eu vejo,” eu digo.
“Eu gosto do correio,” papai responde, tirando a neve do carro com um dos
dinossauros de plástico de Teddy que estão espalhados no gramado. “Nem
chuva com neve nem meio centímetro de neve vão me compelir a me vestir
como um lenhador.”
“Hey, meus parentes eram lenhadores,” mamãe avisa. “Nada de fazer graça dos
homens da floresta.”
“Nem sonharia com isso,” papai responde. “Só estou fazendo contrastes
estilísticos.”
Papai tem que virar a ignição algumas vezes antes do carro ganhar vida.
Como sempre, tem uma batalha para a dominação do rádio. Mamãe quer NPR.
Papai quer Frank Sinatra. Teddy quer Bob esponja. Eu quero a estação de
músicas clássicas, mas reconheço que sou a única fã de música clássica da
família, e estou disposta a abrir com para ouvir Shooting Star.
Papai faz um trato. “Já que estamos perdendo aula hoje, vamos ouvir as
notícias por um tempo para não nos tornarmos ignorantes – “
“Eu acredito que isso é ignorante,” mamãe diz.
Papai vira os olhos e pões sua mão sobre mamãe e limpa sua garganta
naquele jeito professoral dele. “Como eu estava dizendo, NPR primeiro, e então
quando as notícias acabarem, a estação clássica. Teddy, não vamos torturar
você com isso. Você pode usar o discman,” papai diz, começando a desconectar
o cd player portátil que ele liga ao rádio do carro.
“Mas você não tem permissão para tocar Alice Cooper no meu carro. Eu te
proíbo.” Papai abre o porta luvas para examinar o lado de dentro. “O que você
acha de Jonathan Richman?”
“Eu quero Bob Esponja. Está na maquina,” Teddy grita, pulando para
cima e pra baixo e apontando para o Discman. O xarope de bolo de chocolate
claramente só aumentou a excitação dele.
“Filho, você quebra meu coração,” papai brinca. Tanto Teddy quanto eu
fomos criados nas musicas bobas de Jonathan Richman, que é o santo patrono
preferido de mamãe e papai.
Assim que a seleção musical foi feita, partimos. A estrada tinha alguns
amontoados de neve, mas na maior parte estava apenas molhada. Mas isso é
Oregon. As ruas estão sempre molhadas. Mamãe costumava brincar que era
quando a estrada estava seca que as pessoas tinham problemas. “Eles ficam
arrogantes, não se importam com o vento, dirigem como babacas. A policia tem
um dia cheio dando multas de velocidade.”
Eu inclino minha cabeça contra a janela do carro, observando o cenário
passar, uma pintura de verde escuro das arvores cheias de neve, uma fina listra
de uma nevoa branca, e as pesadas nuvens de tempestade acima. Está tão
quente no carro que a janela fica se embaçando, e eu faço rabiscos na
condensação.
Quando o noticiário acaba, ligamos na estação de musica clássica. Eu
ouço as primeiras notas da Sinfonia de Violoncelo nº 3. de Beethoven, que era a
peça que eu deveria trabalhar essa tarde. Parece algum tipo de coincidência
cósmica. Eu me concentro nas notas, me imaginando tocando, me sentindo
agradecida por essa chance de praticar, feliz por estar no calor do carro com
minha sonata e minha família. Eu fecho meus olhos.
Você não esperaria que o rádio funcionasse depois. Mas funciona.
O carro está destruído. O impacto de quatro toneladas de uma picape a
80 km/h batendo direto do lado do passageiro teve a força de uma bomba
atômica. Ela quebrou as portas, jogou o banco do passageiro em direção a
janela do motorista. Quebrou o chassi, o balançando pela estrada e quebrou o
motor no meio como se ele não fosse mais forte que uma teia de aranha. Ele
jogou as rodas e o carburador dentro da floresta. Ele derramou um pouco de
gasolina, então agora pequenas chamas crepitavam na estrada molhada.
E havia tanto barulho. Um sinfonia de trituração, um choros de batidas, e
uma opera de explosões, e finalmente, a triste batida de metal duro cortando
suaves arvores. Então tudo ficou quieto, a não ser por isso: A sinfonia de
Violoncelo nº 3. de Beethoven ainda estava tocando. O rádio do carro de
alguma forma ainda está ligado a bateria e então Beethoven está sendo
transmitido na, mais uma vez, tranqüila manhã de fevereiro.
A principio achei que tudo estava bem. Para começo de conversa, eu
ainda consigo ouvir Beethoven. E tem o fato de que eu estou parada numa vala
do lado da estrada. Quando olho para baixo, o a saia jeans, o suéter de cardigan,
e as botas pretas que pus hoje de manhã todas parecem como pareciam
quando sai de casa.
Eu sumo o barraco para olhar melhor o carro. Nem mesmo é um carro
ainda. É um esqueleto de metal, sem assentos, sem passageiros. O que significa
que o resto da minha família deve ter sido atirada para fora do carro como eu.
Eu passo minhas mãos pela minha saia e ando para a estrada para encontrar
eles.
Eu vejo papai primeiro. Mesmo a metros de distancia, eu posso distinguir
o cachimbo no bolso da sua jaqueta. “Pai,” eu chamo, mas enquanto ando na
direção dele, o pavimento fica escorregadio e tem pedaços cinzas do que parece
ser couve-flor. Eu sei o que estou vendo imediatamente mas de alguma forma
isso não se conecta imediatamente com meu pai. O que passa por minha mente
são os noticiários sobre tornados ou incêndios, como eles destroem uma casa
mais deixam a casa ao lado intacta. Pedaços do cérebro do meu pai estão no
asfalto. Mas seu cachimbo está no seu bolso esquerdo.
Eu encontro mamãe a seguir. Quase não tem sangue nela, mas seus
lábios já estão azuis e o branco em seus olhos estão completamente vermelhos,
como um demônio de um filme de baixo orçamento. Ela parece totalmente
surreal. E é a visão dela parecendo um zumbi que envia ondas de pânico
passando por mim.
Eu preciso encontrar Teddy! Onde ele está?Eu giro, de repente frenética,
como da vez que eu perdi ele por 10 minutos no mercado. Eu estive convencida
de que ele fora seqüestrado. É claro, acabou que ele se afastou indo para a ilha
de velas. Quando encontrei ele, eu não tinha certeza se deveria abraçar ou
gritar com ele.
Eu corri para a vala de onde sai e vi uma mão para fora. “Teddy! Estou
aqui!” eu grito. “Se estique. Vou puxar você.” Mas quando me aproximo, eu veja
um brilho metálico do bracelete de prata com um pequeno violoncelo e umas
guitarras. Adam me deu isso para meu aniversário de 17 anos. É o meu
bracelete. Eu estava usando ele hoje de manhã. Eu olho para meu pulso. Eu
ainda estou usando ele.
Eu me aproximo mais e agora sei que não é Teddy deitado ali. Sou eu. O sangue
do meu peito atravessou minha camiseta, saia, e suéter, e agora está caindo em
gotas na neve virgem. Uma das minhas pernas está inclinada para o lado, a pele
e os músculos aparecendo de tal forma que consigo ver pedaços de osso. Meus
olhos estão fechados e meu cabelo castanho escuro está molhado e cheio de
sangue.
Eu me afasto. Isso não está certo. Isso não pode estar acontecendo.
Somos uma família, estávamos num passeio. Isso não é real. Eu devo ter
adormecido no carro. Não!Pare. Por favor pare. Por favor acorde! Eu grito pelo
ar gelado. Está frio. Minha respiração deveria embaçar. Ela não embaça. Eu olho
para meu pulso, o que parece estar bem, intocado pelo sangue e tecidos e o
aperto com o máximo de força que consigo.
Eu não sinto nada.
Eu tive pesadelos antes – pesadelos em que estive caindo, tocando num
recital de violoncelo sem saber a música, terminando com Adam – mas sempre
fui capaz de me obrigar a abrir os meus olhos, a erguer minha cabeça do
travesseiro, para parar o filme de horror passando atrás dos meus olhos
fechados. Eu tento de novo. Acorde! Eu grito. Acorde! Acordeacordeacorde! Mas
não posso. Eu não acordo.
Então escuto algo. É a música. Ainda consigo ouvir a música. Então me
concentro nisso. Eu imito as notas da Sinfonia de Violoncelo nº 3. de Beethoven
com minhas mãos, como freqüentemente faço quando escuto peças em que
estou trabalhando. Adam chama de “violoncelo no ar.” Ele sempre me pergunta
se um dia podemos tocar um dueto, ele com a guitarra de ar, e eu com o
violoncelo de ar. “Quando acabarmos, podemos destruir nossos instrumentos
de ar,” ele brinca. “Você sabe que você quer.”
Eu toco, só me concentrando nisso, até que a ultima gota de vida no
carro morre, e a música vai com ela.
Não é muito depois das sirenes se aproximarem.
9:23 da manhã
Estou morta?
Eu tenho que me perguntar isso.
Estou morta?
A princípio parece obvio que estou. Que a parte de ficar parada aqui
observando era temporária, um meio termo antes da luz brilhante e a vida-
passando-por-seus-olhos que iria me transportar para onde vou a seguir.
Só que os paramédicos estão aqui agora, junto com a polícia e os
bombeiros. Alguém pos um lençol sobre meu pai. E um bombeiro está fechando
o zíper duma bolsa de plástico em que minha mãe está.Eu ouço ele conversar
sobre ela com outro bombeiro, que parece não ter mais de 18 anos. O mais
velho explica ao novato que mamãe provavelmente foi atingida primeiro e
morreu instantaneamente, explicando a falta de sangue. “Ataque cardíaco
imediato,” ele diz. “Quando seu coração não pode bombear sangue, você não
sangra. Você goteja.”
Mas eu estou morta? A eu que está deitada na beira da estraga, minha
perda pendura na vala, está cercada por um time de homens e mulheres que
estão fazendo vários procedimentos em mim e fincando em minhas veias com
algo que não sei o que é. Estou semi nua, tendo os paramédicos rasgado a parte
de cima da minha camiseta. Um dos meios seios está exposto. Embaraçada, eu
desvio o olhar.
A polícia colocou sinais pelo perímetro da cena e está instruindo os carros
de ambas as direções a voltar, a estrada está fechada. A policia educadamente
oferece rotas alternativas, estradas secundarias que vão levar as pessoas onde
precisam ir.
Eles devem ter lugares para ir, as pessoas naqueles carros, mas muitos
deles não voltam. Eles saem de seus carros, se abraçando contra o frio. Eles
avaliam a cena. E então eles desviam o olhar, alguns estão chorando, uma
mulher vomita nas samambaias do lado da estrada. E embora eles não saibam
quem somos ou o que aconteceu, eles rezam por nós. Eu posso sentir eles
rezando.
O que também me faz pensar que estou morta. Isso e o fato de que meu
corpo parece estar completamente dormente embora, olhando para mim, e a
perna que está esfoliada até o osso, eu deveria estar em agonia. E também não
estou chorando, embora eu saiba que algo impensável acabou de acontecer
com minha família. Somos como o Humpty Dumpty¹ e todos aqueles cavalos reis
e todos aqueles reis homens não podem nos juntar novamente.
Estou ponderando essas coisas quando a médica com o cabelo ruivo e
sardas que estava trabalhando em mim respondeu minha pergunta. “O nível de
Coma Glasgow dela está em oito. Vamos enturbar agora!” ela grita.
Ela e o médico de queixo-quadrado enfiam um tubo pela minha garganta,
ligam uma bolsa com um bulbo nele, e começam a bombear. “Qual é o Tempo
de Espera para o Life Flight²?”
“Dez minutos,” respondeu o médico. “Leva 20 minutos para chegar a
cidade.”
“Vamos levar ela lá em 15 minutos nem que você tenha que correr como
um demônio fudido.”
Eu sei o que o cara está pensando. Que não me fará nenhum bem se eles
baterem, e eu tenho que concordar. Mas ele não diz nada. Só cerra os dentes.
Eles me colocam na ambulância: a ruiva sobe na parte de trás comigo. Ela
bombeia minha bolsa com uma mão, e ajusta meu soro e meus monitores com
a outra. Então ela tira uma mexa do meu cabelo da minha testa.
“Agüente firme,” ela me diz.
Eu toquei no meu primeiro recital quando tinha dez anos. Estive tocando
violoncelo a dois anos naquele ponto. A principio, só na escola, como parte do
programa de música. Foi um golpe de sorte eles sequer terem um violoncelo;
eles são muito caros e frágeis. Mas um antigo professor de literatura da
universidade tinha morrido e cedido seu Hamburg³ para nossa escola. Ele ficava
em grande parte no canto. A maior parte dos garotos quer aprender a tocar
guitarra ou saxofone.
Quando eu anunciei a mamãe e papai que eu ia me tornar uma
violoncelista, os dois caíram na gargalhada. Eles se desculparam mais tarde,
alegada que a ideia da mini-eu com um instrumento tão grande entre minhas
pernas os fez rir. Quando eles perceberam que eu estava falando sério, eles
imediatamente engoliram suas risadas e colocaram rostos de apoio.
Mas a reação deles ainda doeu – de formas que eu nunca contei aos dois,
e de formas que eu não tenho certeza nem que eles teriam entendido mesmo
que eu tivesse contado. Papai às vezes brinca que o hospital onde nasci deve ter
acidentalmente trocado os bebês porque eu não pareço em nada com o resto
da minha família. Todos são loiros e bonitos e eu sou como a imagem negativa
deles, cabelo castanho e olhos escuros. Mas conforme envelheci, a piada de
hospital do papai ganhou mais significado do que eu acho que ele pretendia. As
vezes eu realmente sentia que havia vindo de uma tribo diferente. Eu não em
nada parecida com meu extrovertido e irônico pai ou durona como minha mãe.
E como se fosse para selar o negócio, ao invés de aprender a tocar guitarra
elétrica, eu escolhi tocar violoncelo.
Mas em minha família, tocar música era ainda mais importante do que o
tipo de música que você toca, então depois de alguns meses quando ficou claro
que meu amor pelo violoncelo não era uma paixão passageira, meus pais
alugaram um para mim para que eu pudesse praticar em casa.Escalas e tríades
enferrujadas levaram as primeiras tentativas de “Twinkle, Twinkle, Little Star”
que eventualmente cedeu a um étude4 básico até que comecei a tocar peças de
Bach.
Minha escola não tinha um programa de música muito bom, então mamãe
encontrou para mim um professor particular, um estudante da faculdade que
vinha uma vez por semana. Através dos anos, houve uma enorme quantidade
de estudantes que me ensinaram, e então, conforme minhas habilidades
superavam a deles, meus professores estudantes tocavam comigo.
Isso continuou até a nona série, quando papai, que conhece a professora
Christie de quando ele trabalhou numa loja de música, perguntou a ela se ela
estava disposta a me dar aulas particulares. Ela concordou em me escutar tocar,
sem esperar muito, mas como um favor a papai, mais tarde ela me disse. Ela e
papai ouvir no andar de baixo enquanto estava no meu quarto praticando a
Sonata de Vivaldi. Quando desci para jantar, ela se ofereceu para me treinar.
Mas meu primeiro recital, foi anos antes deu conhecer ela. Foi num salão
na cidade, um lugar que normalmente exibia bandas locais, então a acústica era
terrível para música clássica não amplificada. Eu estava tocando solo de
violoncelo de Tchikovsky “Dance of the Sugar Plum Fairy5.”
Nos bastidores, ouvindo os outros garotos tocar um violino arranhado e
uma composição de piano, eu quase amarelei. Eu corri pela porta do palco e
parei do lado de fora, hiperventilando. Meu professor estudante ficou em
pânico e mandou um grupo de busca.
Papai me encontrou. Ele estava recém começando sua transformação de
descolado-para-quadrado, então ele estava usando um terno antigo, com um
bolso de couro e botas pretas.
“Você está bem, Mia Oh-Minha-Uh?” ele perguntou, sentando perto de
mim nos degraus.
Eu balancei a cabeça, muito envergonhada para falar.
“O que aconteceu?”
“Eu não posso fazer isso,” eu chorei.
Papai levantou uma de suas sobrancelhas grossas e me olhou com seus
olhos azuis-acinzentados. Eu me sentia como uma espécie misteriosa que ele
estava observando e tentando entender. Ele esteve tocando em bandas a uma
eternidade. Obviamente, ele nunca teve algo tão bobo como medo de palco.
“Bem, isso seria uma pena,” papai disse. “Eu tenho um presente de
recital para você. Melhor do que flores.”
“Dê a outra pessoa. Eu não posso entrar lá. Não sou como você ou
mamãe ou até mesmo Teddy.” Teddy tinha apenas 6 meses naquela época, mas
já estava claro que ele tinha mais personalidade, mais coragem, do que algum
dia eu teria. E é claro, ele era loiro e tinha olhos azuis. Mesmo que não tivesse,
ele nasceu num centro de nascimento, não num hospital, então não tinha
chances de uma acidental troca de bebês.
“É verdade,” papai diz. “Quando Teddy deu seu primeiro concerto de
harpa, ele foi tão legal quanto um pepino. Que prodígio.”
Eu ri através das lágrimas. Papai pos um braço gentil ao redor de meus
ombros. “Você sabe que eu costumava ter o mais feroz nervosismo antes de um
show.”
Eu olhei para papai, que sempre pareceu absolutamente certo de tudo
no mundo. “Você está dizendo isso por dizer.”
Ele balançou sua cabeça. “Não, não estou. Era horrível. E eu era o
baterista, que ficava bem atrás. Ninguém nem prestava atenção em mim.”
“Então o que você fez?” eu perguntei.
“Ele ficou bêbado,” mamãe intercedeu, colocando sua cabeça para fora
da porta do palco. Ela estava usando uma mini saia de vinil preta, um topo
vermelho, e Teddy babando feliz em seu Baby Björn6.“Um par de cervejas
baratas antes do show. Eu não recomendo isso para você.”
“Sua mãe provavelmente tem razão,” papai disse. “O serviço social não
gosta de garotas de 10 anos bêbadas. Além do mais, quando eu soltei meus
bastões e vomitei no palco, foi punk. Se você soltar seu arco e cheirar a bebida,
vai parecer fracassada. Vocês pessoas de música clássica são esnobes assim.”
Agora eu estava rindo. Eu ainda estava assustada, mas de alguma forma
era reconfortante pensar que talvez meu medo de palco fosse um traço que
herdei do meu pai; não era apenas uma criança abandonada afinal de contas.
“E se eu estragar tudo? E se eu for horrível?”
“Tenho novidades pra você, Mia. Vai ter todo tipo de horrível ali dentro,
então você não vai realmente se destacar,” mamãe disse. Teddy deu um
pequeno grito de concordância.
Papai ainda estava sorrindo mas eu percebi que ele tinha ficado sério
porque ele diminuiu seu discurso. “Você não vai. Você só vai passar por isso.
Você apenas tem que agüentar firme.”
Então eu fui. Eu não estraguei a peça. Eu não alcancei glória ou me
destaquei, mas não estraguei tudo completamente. E depois do recital, eu
ganhei meu presente. Ele estava no banco do passageiro do carro, parecendo
tão humano quanto o violoncelo por qual estive atraída dois anos mais cedo.
Não era alugado. Era meu.
¹ Rima infantil.
2
Ambulância aérea
3
violoncelo
4
Solo de piano de Chopin
5
http://www.youtube.com/watch?v=HSQ3ZRmkmy4
6
http://my1.bizshop.com.au/betterbabydeals/images/Baby-Bjorn-Active.jpg
10:12 da manhã
Quando minha ambulância chega ao hospital mais próximo – não o da
minha cidade natal mas em um pequeno lugar que parecia mais como uma
antiga casa do que um centro médico – os médicos me levam com pressa para
dentro. “Eu acho que temos um pulmão perfurado. Coloquem um tubo no peito
dela e movam ela para fora daqui!” a gentil médica ruiva grita enquanto me
passa para um time de enfermeiras e doutores.
“Onde está o resto?” pergunta um cara com barba.
“O outro motorista sofreu uma concussão leve, está sendo tratado no
local. Os pai faleceram. Garoto, aproximadamente 7 anos, logo atrás de nós.”
Eu exalo profundamente, como se estivesse segurando meu fôlego nos
últimos 20 minutos. Depois de me ver naquela vala, eu não fui capaz de
procurar por Teddy. Se ele estivesse como mamãe e papai, como eu, eu... eu
não queria nem pensar nisso. Mas ele não estava. Ele estava vivo.
Eles me levam para um pequeno quarto com luzes brilhantes. Um doutor
coloca uma coisa laranja no lado do meu peito e então coloca um pequeno tubo
plástico em mim.Outro doutor coloca uma lanterna em meu olho. “Sem
resposta,” ele diz a enfermeira. “O helicóptero está aqui. Leve ela para o
Trauma. Agora!”
Eles correm comigo para fora da Emergência para dentro de um
elevador. Eu tenho que correr para acompanhar. Logo antes das portas
fecharem, eu noto que Willow está aqui. O que é estranho. Nós deveríamos
estar visitando ela e Henry e o bebê em casa. Ela foi chamada por causa da
neve? Por nossa causa? Ela corre no corredor do hospital, seu rosto uma
mascara de concentração. Eu não acho que ela sequer saiba que somos nós
ainda. Talvez ela tenha até tentado ligar, deixado uma mensagem no celular de
mamãe, se desculpando por ter havido uma emergência e ela não ser capaz de
estar em casa para nossa visita.
O elevador se abre no telhado. Um helicóptero, suas laminas cortando o
ar, está no meio de um enorme circulo vermelho.
Eu nunca andei de helicóptero antes. Minha melhor amiga, Kim, andou.
Ela foi em um voou sobre o Monte St. Helens uma vez com seu tio, um fotografo
figurão da National Geographic.
“Lá estava ele, falando sobre a flora pós vulcânica e eu vomitei nele,” Kim
me disse no dia seguinte. Ela ainda parecia um pouco verde por causa da
experiência.
Kim faz o anuário e tem esperanças de se tornar uma fotografa. Seu tipo
a levou nessa viagem como um favor, para nutrir seu crescente talento.”Até
acertei em algumas de suas câmeras,” Kim lamentou. “Eu nunca serei uma
fotografa agora.”
“Tem todo tipo diferente de fotógrafos,” eu disse a ela. “Você não precisa
necessariamente voar em helicópteros.”
Kim riu. “Isso é bom. Poruqe eu nunca vou subir num helicóptero de novo
– e você não deveria também!”
Eu queria dizer a Kim que as vezes você não tem uma escolha no assunto.
A escotilha do helicóptero está aberta, e minha maca com todos os seus
tubos e linhas e carregada para dentro. Eu subo atrás dela. Um médico está
perto de mim, ainda bombeando a bolsa plástica que aparentemente está
respirando por mim. Assim que erguemos, eu entendo porque Kim ficou tão
enjoada. Um helicóptero não tem nada a ver com um avião, uma suave bala
rápida. Um helicóptero e mais como um foguete, balançando pelo céu. Para
cima e pra baixo, lado a lado. Eu não faço ideia de como essas pessoas
conseguem trabalhar em mim, conseguem ler as pequenas impressões do
computador, conseguem dirigir essa coisa enquanto se comunicam sobre mim
com fones de ouvido, como eles conseguem fazer qualquer coisa com o
helicóptero se balançando.
O helicóptero atinge uma pressão do ar e deveria ter me deixado
enjoada. Mas eu não sinto nada, pelo menos a eu que está no assento não está.
E a eu na maca não parece sentir nada também. De novo tenho que me
perguntar se estou morta mas então eu decido que não. Eles não teriam me
colocado nesse helicóptero, não estariam voando comigo pela floresta se eu
estivesse morta.
Eu posso ver a hora no painel de controle. São 10:37. Eu me pergunto
sobre o que aconteceu no chão. Willow descobriu sobre a mergencia de quem
é? Alguém ligou para meus avós? Eles vivem a uma cidade de distancia de nós, e
eu estava ansiosa para jantar com eles. Vovô pesca e ele defuma seu próprio
salmão e ostras, e nós provavelmente iríamos comer isso com o pão preto de
vovó. Então vovó iria levar Teddy para a gigante fabrica de reciclados na cidade
e deixar ele andar pelas revistas. Ultimamente, ele tem uma coisa por Reader´s
Digest¹. Ele gosta de cortar os desenhos e fazer colagens.
Eu me pergunto sobre Kim. Não tem aula hoje. Eu provavelmente não
vou na aula amanha. Ela provavelmente pensará que estou ausente porque
fiquei acordada até tarde ouvindo Adam e Shooting Star em Portland.
Portaland. Tenho quase certeza que é para lá que estou sendo levada. O
piloto do helicóptero fica falando Trauma Um. Pela janela, eu posso ver o Mont
Hood. Isso significa que Portland está perto.
Adam já está lá? Ele tocou em Seattle ontem a noite mas ele fica sempre tão
cheio de adrenalina depois de um show, e dirigir ajuda ele a se acalmar. A banca
normalmente fica feliz por deixar ele dirigir enquanto eles dormem. Se ele já
está em Portland, ele provavelmente está dormindo. Quando ele acordar, ele
foi tomar café na Hawthorne? Talvez levar um livro para o Jardim Japonês? Foi
isso que fizemos da ultima vez que fui para Portland com ele, só que estava
mais quente naquela época.
Hoje mais tarde, eu sei que a banda vai fazer a checagem de som. E então Adam
vai sair para esperar minha chegada. A principio, ele vai achar que estou
atrasada. Como ele vai saber que estou na verdade adiantada? Que eu cheguei
em Portland essa manhã enquanto a neve ainda estava derretendo?
“Você já ouviu falar de um cara chamado Yo-Yo?”Adam me pergunta. Era a
primaveira no meu ano de caloura, o que significa que era o segundo ano dele.
Naquela época, Adam esteve me observando praticar na ala musical por vários
meses. Nossa escola era pública, mas uma dessas progressivas que sempre tem
publicidade em revistas por causa de sua ênfase em artes. Tinhamos muitos
períodos livres para pintar no estúdio ou praticar música. Eu passava o meu
numa cabine a prova de som na ala de música. Adam ficava lá muito tempo
também, tocando violão. Não a guitarra elétrica que ele tocava em sua banda.
Só um violão acústico.
Eu virei os olhos. “Todo mundo ouviu falar de Yo-Yo Ma.”
Adam sorriu. Eu notei pela primeira vez que o sorriso dele era torto, sua
boca tendendo para um lado. Ele apontou o polegar em direção a quadra. “Eu
acho que você não vai encontrar cinco pessoas lá que ouviram falar de Yo-Yo
Ma. E alias, que tipo de nome é esse? É de gueto ou algo assim? Yo Mama?”
“É chinês.”
Adam balançou sua cabeça e riu. “Eu conheço muitas pessoas chinesas.
Eles tem nomes como Wei Chin. Ou Lee algo. Não Yo=Yo Ma.”
“Você não pode blasfemar o mestre,” eu disse. Mas então eu ri apesar do
que disse. Eu tinha levado alguns meses para acreditar que Adam não estava
tentando me zombar, e depois disso começamos a ter conversas pequenas no
corredor.
Ainda sim, a atenção dele me surpreendia. Não era que Adam fosse um
cara tão popular. Ele não era atleta ou um tipo mais-provavel-de-ter-sucesso.
Mas ele era legal. Legal e tocava numa banda com pessoas que iam para a
faculdade na cidade. Legal por ter seu próprio estilo roqueiro, formado por
economia em lojas e bazares, não de roubas descoladas urbanas de arrasar.
Legal por parecer completamente contente em sentar no almoço absorto num
livro, não apenas fingindo ler porque ele não tinha onde ou com quem se
sentar. Esse não era o caso. Ele tinha um pequeno grupo de amigos e um grande
grupo de admiradores.
E não era como se eu fosse uma nerd também. Eu tinha amigos e uma
melhor amiga para sentar no almoço. Eu tenho outros bons amigos no
acampamento de música que eu vou no verão. As pessoas gostam de mim o
bastante, mas eles também não me conhecem de verdade. Eu era quieta na
aula. Eu não erguia minha mão muito ou importunava os professores. E eu
estava ocupada, a maior parte do tempo gasto praticando ou tocando em um
quarteto de cordas ou indo em aulas teóricas na universidade comunitária. Os
garotos eram gentis o bastante comigo, mas tendiam a me tratar como se eu
fosse uma adulta. Outra professora. E você não flerta com seus professores.
“O que você diria se eu dissesse que tenho ingressos para o mestre?”
Adam me perguntou, um brilho em seus olhos.
“Cala a boca. Você não tem,” eu disse, empurrando ele um pouquinho
mais forte do que planejei.
Adam fingiu cair contra parede de vidro. Então ele se limpou. “Eu tenho.
No Schnitzle em Portland.”
“É o Arlene Scnitzer Hall.É parte da sinfonia.”
“Esse é o lugar. Eu tenho ingressos. Um par. Está interessada?”
“Tá falando sério? Eu estava morrendo de vontade de ir mas são tipo 80
dólares cada. Espere, como você conseguiu ingressos?”
“Um amigo da família deu para meus pais, mas eles não podem ir. Não
tem nada demais,” Adam disse rapidamente. “De qualquer forma, é sexta a
noite. Se você quiser, eu te pego as 17:30 e vamos dirigindo para Portalnd
juntos.”
“Ok,” eu disse, como se fosse a coisa mais natural.
Até sexta a tarde, no entanto, eu estava mais nervosa do que quando
sem querer bebi o café forte de papai enquanto estudava para as provas finais
no último inverno.
Não era Adam que estava me deixando nervosa. Eu fiquei confortável o
bastante ao redor dele agora. Era a incerteza. O que era isso, exatamente? Um
encontro? Um favor amigável? Um ato de caridade? Eu não gostava de estar
incerta tanto quanto não gostava de começar um novo movimento. Era por isso
que eu praticava tanto, para que eu pudesse me apresar e ter uma base solida e
então trabalhar nos detalhes dali.
Eu mudei de roupa umas seis vezes. Teddy, no jardim de infância naquela
época, estava sentado no meu quarto, tirando os livros Calvin e Hobbes das
prateleiras e fingindo ler eles. Ele estava morrendo de rir mas não sei se era por
causa das travessuras de Calvin ou as minhas deixando ele tão bobo.
Mamãe colocou sua cabeça pra dentro para checar meu progresso. “Ele é
só um cara, Mia,” ela disse quando me viu agitada.
“Yeah, mas ele é o primeiro cara com quem eu vou num talvez-
encontro,” eu disse. “Então não sei se devo usar roupas de encontro ou roupas
para sinfonia – as pessoas aqui se quer se vestem pra esse tipo de coisa? Ou eu
devo ser casual, em caso não seja um encontro?”
“Só use algo com o que você se sinta bem,” ela sugeriu. “Desse jeito você
está coberta.” Tenho certeza que mamãe teria feito todas as paradas se ela
fosse eu. Nas fotos dela com papai dos tempos antigos, ela parecia como um
cruzamento entre uma sirene 1930 e uma ciclista, com seu corte de cabelo de
duende, seus grandes olhos azuis cheios de delineador, e seu corpo magro
sempre coberto com uma roupa sexy, como uma camisola vintage junto com
uma justa calça de couro.
Eu suspirei. Eu queria poder ser tão legal. No final, eu escolhi uma longa
saia preta e um suéter marrom de manga curta. Sem graça e simples. Minha
marca registrada, eu suponho.
Quando Adam apareceu em seu terno e Creepers¹ (uma semelhança que
impressionou papai), eu percebi que realmente era um encontro. É claro, a
escolha de Adam de se vestir para a sinfonia com um terno anos 1960 podia
simplesmente o jeito legal dele de ser formal, mas eu sabia que havia mais
nisso. Ele parecia nervoso enquanto apertava a mão do meu pai e dizia a ele
que ele tinha os CD´s antigos de sua banda. “Para usar como porta copos, eu
espero,” papai disse. Adam parecia surpreso, incomodado com o pai ser mais
sarcástico do que a criança, eu imagino.
“Não enlouqueçam demais. Ferimentos sérios só na ultima peça do Yo-Yo
Ma,” mamãe chamou enquanto andávamos pelo gramado.
“Seus pais são tão legais,” Adam disse, abrindo a porta do carro para
mim.
“Eu sei,” eu respondi.
Fomos para Portland, conversando bobagens. Adam me mostrou as bandas que
ele gostava, um trio de pop suíço que soava monótono mas então uma banda
islandesa que era bem bonita. Nós perdemos no centro e chegamos no concerto
com apenas alguns minutos de sobra.
Nossos acentos eram no balcão. Perto do palco. Mas você não vai ver Yo-
Yo Ma pela vista, e o som foi incrível. Aquele homem tem um jeito de fazer o
violoncelo soar como uma mulher chorando num minuto, uma criança rindo no
próximo. Ouvir ele sempre me lembra do porque comecei a tocar violoncelo –
que tem algo tão humano e expressivo nisso.
Quando o concerto começou, eu olhei para Adam com o canto do olho.
Ele parecia natural o bastante sobre a coisa toda, mas ele ficava olhando para a
programação, provavelmente contando os movimentos até o intervalo. Eu me
preocupei de que ele estivesse entediado, mas depois de um tempo eu fiquei
muito presa na música para me importar.
Então, quando Yo-Yo Ma tocou “Le Grand Tango,” Adam se esticou e
pegou minha mão. Em qualquer outro contexto, isso teria sido brega, o velho
movimento de bocejar e apalpar. Mas Adam não estava olhando para mim. Seus
olhos estavam fechados e ele estava levemente inclinado em seu assento. Ele
também estava perdido na música. Eu apertei a mão dele em resposta e ficamos
sentados daquele jeito pelo resto do concerto.
Depois, compramos café e donuts e andamos pelo rio. Estava nublado e
ele tirou seu terno e colocou nos meus ombros.
“Você não conseguiu aqueles ingressos com um amigo da familia,
conseguiu?” eu perguntei.
Eu pensei que ele iria rir e ergueu seus braços para cima em uma
rendição zombadora como ele fazia quando eu o provocava numa discussão.
Mas ele olhou direto para mim, então eu pude ver os tons verde marrom e cinza
se misturando em sua Iris. Ele balançou sua cabeça. “Isso foram duas semanas
gorjeta de entregas de pizza,” ele admitiu.
Eu parei de andar. Eu podia ouvir o barulho da água. “Porque?” eu
perguntei. “Porque eu?”
“Eu nunca vi ninguém ficar tão preso na música como você. É por isso
que gosto de ver você praticar. Você fica com a ruga mais fofa na sua testa, bem
aí,” Adam disse, me tocando acima do nariz. “Sou obscecado com música e
mesmo eu não sou transportada como você é.”
“Então, o que? Sou como um experimento social para você?” Eu queria
que fosse uma brincadeira, mas saiu soando amargo.
“Não, você não é um experimento,” Adam disse. Sua voz era rouca e
sufocada.
Eu senti o calor subir por meu pescoço e eu podia me sentir corando. Eu
encarei meus sapatos. Eu sabia que Adam estava olhando para mim agora com
tanta certeza que eu sabia que se olhasse para cima ele iria me beijar. E fiquei
surpresa por o quanto eu queria ser beijada por ele, para perceber que eu
pensei nisso com tanta freqüência que memorizei o formato exato dos lábios
dele, que eu imaginava passar meus dedos pelo queixo dele.
Meus olhos se ergueram. Adam estava esperando por mim.
E foi assim que começou.
12:19 da tarde
Haviam muitas coisas erradas comigo.
Aparentemente, eu tenho um pulmão perfurado. Uma ruptura no baço.
Hemorragia interna de origem desconhecida. E o mais sério, contusões no
cérebro. Eu também tenho costelas quebradas. Abrasões nas minhas pernas,
que vão precisar de enxerto de pele; e no meu rosto, que vão necessitar de
plástica – mas, como o doutor notou, isso apenas se eu tiver sorte.
Agora, na cirurgia, os médicos tem que remover meu baço, inserir um novo
tubo para drenar meu pulmão, e costurar o que quer que esteja causando
minha hemorragia interna. Não tem muita coisa que eles podem fazer por meu
cérebro.
“Vamos esperar para ver,” um dos cirurgiões disse, olhando para
tomografia da minha cabeça. “Enquanto isso, ligue para o banco de sangue. Eu
preciso de duas unidades de O- e mantenha mais duas unidades prontas.”
O negativo. Meu tipo sanguíneo. Eu não fazia ideia. Não é como se algum
dia eu tenha que ter me preocupado com isso. Eu nunca estive no hospital a não
ser a vez que e fui para emergência depois de cortar meu tornozelo em vidro
quebrado. Eu nem precisei de pontos, só uma vacina contra tétano.
Na sala de cirurgia, os doutores estão debatendo sobre que música tocar,
como fizemos no carro essa manhã. Um cara quer jazz. Outro quer rock. A
anestesista, que está perto da minha cabeça, requisita música clássica. Eu torço
por ela, e sinto que isso deve ter ajudado porque alguém liga o CD de Wagner,
embora “Ride of the Valkyries” não fosse o que eu tinha em mente. Eu esperava
por algum um pouco mais leve. Four Season, talvez.
A sala de cirurgia é pequena e está lotada, cheia de luzes brilhantes
cegantes, que mostram o quão sujo este lugar está. Não é nada parecido como
na TV, onde as salas de cirurgia são como enormes teatros que podem
acomodar uma cantora de opera, e uma audiência. O chão, embora seja
brilhante, está escuro com marcas de fricção e linhas enferrujadas, o que eu
tomo como sendo antigas manchas de sangue.
Sangue. Está por toda parte. Não intimida os doutores nem um pouco. Eles
cortam para ver e sugam pelo rio dele, como se estivessem lavando os pratos
em uma água cheia de sabão. Enquanto isso, eles bombeiam um enorme
estoque em minhas veias.
O cirurgião que queria ouvir rock sua muito. Uma das enfermeiras tem que
periodicamente limpar ele com uma gaze que ela segura com uma pinça. Em
certo ponto, ele sua através de sua mascara e tem que substituir ela.
A anestesista tem dedos gentis. Ela está perto da minha cabeça, mantendo
um olho em meus sinais vitais, ajustando a quantidade de fluidos e gases e
drogas que eles estão me dando. Ela deve estar fazendo um bom trabalho
porque eu não pareço estar sentindo nada, embora eles estejam cortando meu
corpo. É um trabalho duro e sujo, em nada parecido com o jogo Operação que
costumávamos jogar quando crianças em que você tem que tomar cuidado para
não tocar nas laterais enquanto você remove um osso, ou o apito vai tocar.
A anestesista distraidamente acaricia minhas têmporas através da luva de
látex. É o que minha mãe costumava fazer quando eu aparecia com uma gripe
ou tinha uma daquelas dores de cabeça que doíam tanto que eu costumava
imaginar cortando uma veia em minha têmpora para aliviar a pressão.
O CD de Wagner já se repetiu duas vezes agora. Os doutores decidem que é
hora para um novo gênero. Jazz vence. As pessoas sempre assumem que
porque eu gosto de música clássica, sou uma aficionada por jazz. Não sou. Papai
é. Ele ama, especialmente a selvagem música de Coltrane. Ele diz que jazz é
punk para gente velha. Eu acho que isso explica, porque eu não gosto de punk
também.
A operação não termina nunca. Estou exausta de ver. Eu não sei como os
médicos tem a força para continuar. Eles estão parados, mas parecia mais difícil
do que correr uma maratona.
Eu começo a me distrair. E então começo a me perguntar sobre o estado em
que estou. Se não estou morta – e o meu monitor cardíaco está bipando, então
assumo que não estou – mas também não estou no meu corpo, posso ir a algum
lugar? Sou um fantasma? Posso me transportar para uma praia no Hawaii?
Posso aparecer no Carnegie Hall em Nova Iorque? Posso ir até Teddy?
Só para experimentar, eu enrugo meu nariz como Samantha de A feiticeira.
Nada acontece. Eu estalo meus dedos. Bato meus sapatos. Ainda estou aqui.
Eu decido tentar uma manobra mais simples. Eu ando até uma parede,
imaginando que eu vou passar por ela e sair do outro lado. Só que o que
acontece quando ando até a parede é que eu bato na parede.
Uma enfermeira aparece com uma bolsa de sangue, e antes da porta se
fechar, eu passo por ela. Agora estou no corredor do hospital. Tem muitos
médicos e infermeiras de roupas azul e verde correndo. Uma mulher numa
maca, seu cabelo em uma touca azul, e um soro em seu braço, chamando,
“William, William.” Eu ando para um pouco mais longe. Tem vários salas de
operação, todas cheias de pessoas dormindo. Se os pacientes dentro dessas
salas são como eu, porque eu não posso ver as pessoas fora das pessoas? Se
todo mundo está vagabundeando como eu pareço estar? Eu realmente gostaria
de conhecer alguém no meu estado. Eu tenho algumas perguntas, como, o que
é exatamente esse estado e como saio dele? Como volto para meu corpo?
Tenho que esperar os médicos me acordarem? Mas não tem mais ninguém por
perto. Talvez o resto deles tenha descoberto como chegar no Havaí.
Eu sigo uma enfermeira através de um par de portas automáticas duplas.
Estou numa pequena área de espera. Meus avós estão aqui.
Vovó está conversando com vovô, ou talvez com o ar. É o jeito dela de não
deixar suas emoções a superarem. Eu já vi ela fazer isso antes, quando vovô
teve um ataque cardíaco. Ela está usando seus Wellies¹ e seu avental de
jardinagem, que está sujo de lama. Ela deveria estar trabalhando em sua
plantação quando soube sobre nós.
O cabelo de vovó é curto e encaracolado e grisalho; ela o tem usado numa
onda permanente, papai diz, desde os anos 1970. “É fácil,” vovó diz. “Sem
confusão, sem discussão.” Isso é tão típico dela. Sem bobagens. Ela é tão
essencialmente pratica que a maior parte das pessoas nunca diriam que ela tem
algo por anjos. Ela tem uma coleção de anjos de cerâmica, anjos de quintal,
anjos de vidro, diga-você anjos, é um conjunto especial de porcelana em seu
quarto. E ela não apenas coleciona anjos; ela acredita neles. Ela acha que eles
estão por toda parte.Uma vez, um par de patos fez ninho no lago na floresta
atrás da casa deles. Vovó estava convencida que eram seus pai a muito mortos,
que vieram para cuidar dela.
Outra vez, estavamos sentadas na varanda e eu vi um pássaro vermelho.
“Aquilo é um cruza-bico vermelho?” eu perguntei a vovó.
Ela balançou sua cabeça. “Minha irmã Glória é um cruza-bico,” vovó disse, se
referindo a sua recentemente falecida tia-avó Glo, com quem vovó nunca se
deu bem. “Ela não viria para cá.”
Vovô está olhando para a sujeira de um copo de isopor, descascando o topo
para que pequenas bolas brancas descansem em seu colo. Eu percebo que é o
pior tipo de sobra, do tipo que parece ter sido em 1997 e está parado ali desde
então. Mesmo assim, não me imporia de tomar um copo.
Você consegue desenhar uma linha reta de vovô para papai para Teddy,
embora o cabelo de vovô tenha ido de loiro para grisalho e ele seja mais
troncudo que Teddu, que é magro, e papai, que é musculoso devido aos
levantamentos de peso. Mas todos eles tem os mesmos olhos azul-acinzentado,
a cor do oceano num dia de nuvens.
Talvez seja por isso que agora eu acho difícil olhar para vovô.
Juilliard foi ideia da vovó. Ela é originalmente de Massachussetts, mas se moveu
para o Oregon em 1955, sozinha. Isso não seria nada demais, mas acho que a 52
anos atrás era meio escandaloso para uma mulher solteira de 22 anos fazer esse
tipo de coisa. Vovó alegou que ela estava atraída pelo selvagem nele e não
ficava mais selvagem do que as florestas sem fim e as praias do Oregon. Ela
conseguiu um emprego como secretaria trabalhando para a Serviço Florestal.
Vovoô estava trabalhando lá como biologista.
As vezes voltamos para o Massachusettes no verão, para um hotel na parte
oeste do estado que é ocupada por um semana pela extensa família de vovó. É
quando vejo meus primos em segundo graus e tia-avós e tios cujos nomes eu
mal reconheço. Eu tenho muita família em Oregon, mas são todos do lado do
vovô.
No verão passado em um retiro em Massachusetts, eu trouxe meu
violoncelo para poder continuar a praticar para um concerto que estava por vir.
O vôo não estava cheio, então eles me deixaram viajar com ele ao meu lado,
como os profissionais fazem. Teddy acho que era hilário e ficava tentando
alimentar ele com pretzels.
No hotel, eu dei um pequeno concerto uma noite, no salão principal, com
meus parentes e os animais empalhados amontoados como minha audiência.
Foi depois disso que alguém mencionou Juilliard, e vovó foi tomada pela ideia.
A principio, parecia bobagem. Tem um programa de musica perfeitamente
bom na universidade perto de nós. E, se eu quisesse me esticar, havia um
conservatório em Seattle, que era apenas a algumas horas de viagem. Juilliard é
do outro lado do país. E caro. Mamãe e papai estavam intrigados com a ideia,
mas eu percebi que nenhum deles queria me deixar ir a Nova Iorque ou ter que
fazer uma penhora para que eu talvez pudesse me tornar uma violoncelista de
segunda categoria para uma orquestra de cidade pequena. Eles não faziam ideia
se eu era boa o bastante. Na verdade, eu também não fazia. Professora Christie
me disse que eu era uma das suas alunas mais promissoras que ela já ensinou,
mas ela nunca mencionou Juilliard para mim. Juilliard é para músicos virtuosos,
e parecia arrogante sequer pensar que eles me olhariam.
Mas depois do retiro, quando mais algum, alguém imparcial da costa Leste,
disse que eu era digna de Juilliard, a ideia se enterrou no cérebro de vovó. Ela
tomou como sua obrigação falar com a professora Christie sobre isso, e minha
professora se apoderou da ideia como um terrier com um osso.
Então, eu preenchi os formulários, juntei minhas cartas de recomendação, e
as enviei com uma gravação de mim tocando. Eu não contei a Adam sobre nada
disso. Eu tinha dito a mim mesma que era porque não havia motivo para
anunciar quando eu sequer conseguir uma audição era difícil. Mas mesmo ali,
eu reconhecia aquilo pela mentira que era. Uma pequena parte de mim sentia
como se sequer se inscrever era um tipo de traição. Juilliard é em Nova Iorque.
Adam está aqui.
Mas não mais na escola. Ele estava um ano na minha frente, e este ano, meu
ultimo, ele começou a freqüentar a faculdade da cidade. Ele só ia para escola
meio período agora, porque Shooting Star está começando a ficar popular.
Havia um acordo com uma gravadora em Seattle, e muitas viagens para shows.
Então só depois que recebi o envelope creme escrito “A escola Juilliard” me
convidando para uma audição, que eu contei a Adam que eu tinha me inscrito.
Eu expliquei como muitas pessoas não chegavam tão longe. A principio ele
pareceu um pouco apavorado, como se ele não conseguisse acreditar. Então ele
me deu um pequeno sorriso triste. “É melhor Yo Mama se cuidar,” ele disse.
As audições foram feitas em São Francisco. Papai tinha uma conferencia da
escola aquela semana e não podia deixar de ir, e mamãe tinha acabado de
começar no seu trabalho para a agencia de viagens, então vovó se voluntariou
para me acompanhar. “Vamos fazer um final de semana de garotas. Tomar chá
em Fairmont. Ir fazer compras na Union Square. Andar de balsa até Alcatraz.
Seremos turistas.”
Mas uma semana antes de partimos, vovó tropeçou em uma raiz de arvore
e torceu seu tornozelo. Ela tinha que usar uma daquelas botas estranhas e não
deveria andar.
Pânico se instalou. Eu disse que poderia ir sozinha – dirigindo, ou pegar o
trem, e então voltar.
Foi vovô que insistiu em me levar. Andamos de carro juntos em uma picape.
Não conversamos muito, o que por mim estava bem porque eu estava tão
nervosa. Eu ficava cutucando meu talismã de palito de picolé que Teddy me
presenteou antes deu partir. “Quebre um braço,” ele me disse.
Vovô e eu ouvimos música clássica e noticiários no radio quando podíamos
escolher uma estação. Fora isso, ficamos em silencio. Mas era um silencio tão
calmo; me fez relaxar e me sentir mais próxima dele do que qualquer conversa
teria feito.
Vovô tinha reservado para nos uma pousada realmente cheia de babados, e
era engraçado ver vovô em suas botas de trabalho e flanela pot-pourri. Mas ele
agüentou tudo com classe.
A audição foi esgotante. Eu tinha que tocar 5 peças: um concerto de
Shostakovich, dois de Bach, todos os Pezzo Capriccioso de Tchaikovsky, o que
era quase impossível, e um movimento de Ennio Morricone The Mission, uma
divertida mas arriscada escolha porque Yo-Yo Ma tinha feito isso e todos iriam
comparar. Eu sai dele com minhas pernas tremulas e minhas exilas molhadas
de suor. Mas as endorfinas estavam surgindo e isso, combinada com um
enorme senso de alivio, me deixou totalmente alegre.
“Vamos ver a cidade?” vovô perguntou, seus lábios se torcendo num sorriso.
“Definitivamente!”
Fizemos todas as coisas que vovó tinha prometido que faríamos. Vovó me
levou para tomar chá e fazer compras, embora para jantar, tenhamos pulado as
reservas que vovó tinha feito em um lugar chique em Fisherman Wharf e fomos
para Chinatown, procurando pelo restaurante com a fila mais longe de pessoas
esperando, e comemos lá.
Quando voltamos para casa, vovó me largou e me deu um enorme abraço.
Normalmente, ele apertava a mão, talvez desse um tapinha nas costas em
ocasiões muito especiais. Seu abraço foi forte e apertado, e eu sabia que era o
jeito dele de me dizer que ele tinha se divertido muito.
“Eu também, vovô,” eu sussurrei.
15:47
Eles acabaram de me tirar da sala de recuperação para a Unidade de Terapia
Intensiva, ou UTI. É uma sala com formato de ferradura com cerca de uma dúzia
de camas e um quadro de enfermeiras, que constantemente estão ocupadas,
lendo os computadores que estão no pé de nossas camas gravando nossos
sinais vitais. No meio da sala tem mais computadores e uma grande mesa, onde
outra enfermeira está sentada.
Eu tenho duas enfermeiras cuidando de mim, junto com uma quantidade
infinita de médicos. Um é um homem calado com cabelo loiro e bigode, que eu
não gosto muito. E a outra é uma mulher com uma pele tão preta que é azul e
tem ritmo na sua voz. Ela me chama de “querida” continuamente ajeita meus
cobertores, embora não seja como se eu estivesse chutando eles.
Tem tantos tubos ligados a mim que eu não consigo contar todos: um na
minha garganta respirando por mim; um no meu nariz, mantendo meu
estomago vazio; um na minha veia, me hidratando; um na minha bexiga, me
permitindo urinar; vários no meu peito, gravando o batimento cardíaco; outro
no meu dedo, gravando meu pulso. O ventilador que está me fazendo respirar
tem um ritmo suave como um metrônomo, para dentro, pra fora, pra dentro,
pra fora.
Ninguém, fora os doutores e enfermeiras e a assistente social, veio me
ver. É a assistente social que conversa com vovó e vovô em um tom quieto e
simpático. Ela diz a eles que estou em condição “grave.” Não tenho absoluta
certeza do que isso significa – grava. Na TV, os pacientes estão sempre em
estado critico ou estáveis. Grave soa ruim. Grave é o que você usa quando as
coisas não funcionam aqui.
“Eu queria que pudéssemos fazer alguma coisa,” vovó diz. “Eu me sinto
tão inútil só esperando.”
“Eu vou ver se consigo permissão para que vocês a vejam daqui a pouco,”
a assistente social diz. Ela tem um cabelo grisalho com frizz e uma mancha de
café na sua blusa: o rosto dela é gentil. “Ela ainda está sedada por causa da
cirurgia e está num ventilador que ajuda ela a respirar enquanto seu corpo se
cura do trauma. Mas pode ajudar até para pacientes em estado de coma ouvir
seus amados.”
Vovô geme em resposta.
“Vocês tem alguém para quem possam ligar?” a assistente social
pergunta. “Parentes que podem vir para cá com vocês. Eu entendo que isso
deve ser muito difícil para vocês, mas quanto mais forte vocês puderem ser,
mais irá ajudar Mia.”
Eu me surpreendo quando ouço a assistente social falar meu nome. É um
lembrete chocante de que é de mim que eles estão falando. Vovó diz a ela sobre
as farias pessoas que estão a caminha agora mesmo, tias, tios. Eu não ouço
nenhuma menção de Adam.
Adam é quem eu realmente quero ver. Eu queria saber onde ele está para
poder ir lá. Não faço ideia de como ele vai descobrir sobre mim. Vovó e vovô
não tem o celular dele. Eles não carregam celular, então ele não pode ligar para
eles. As pessoas que normalmente passariam a informação de que algo
aconteceu comigo não estão em posição para fazer isso.
Eu estou parada sobre os tubos que estão na forma sem vida que sou eu.
Minha pele está cinza. Meus olhos estão fechados com fita. Eu queria que
alguém pudesse tirar a fita. Parece coçar. A gentil enfermeira aparece. O avental
dela tem pirulitos nele, embora essa não seja a unidade pediátrica. “Como
estamos indo, querida?” ela me pergunta, como se tivéssemos acabado de nos
encontrar na mercearia.
As coisas não começaram tão bem com Adam e eu. Eu acho que tinha essa ideia
de que o amor conquista tudo. E até a hora que ele me levou para casa depois
do concerto de Yo-Yo Ma, eu acho que nós dois estavamos cientes que estamos
nos apaixonando. Eu pensei que chegar a essa parte era o desafio. Nos livros e
filmes, as histórias sempre acabam quando as duas pessoas finalmente tem seu
beijo romântico. O viveram felizes para sempre é assumido.
Não funcionou bem desse jeito para nós.Acabou que sair de cantos tão
distantes do universo social teve suas desvantagens. Continuamos a nos ver na
ala musical,mas essas interações permaneceram apenas platônicas, como se
nenhum de nós quisesse mexer com uma coisa boa. Mas sempre que nos
encontrávamos em outros lugares na escola – quando sentávamos juntos na
lancheria ou estudávamos lado a lado na quadra num dia ensolarado – algo
estava errado. Estavamos desconfortáveis. A conversa era dura. Um de nós ia
dizer algo e outro começava a dizer outra coisa ao mesmo tempo.
“Fale você,” eu digo.
“Não, fale você,” Adam respondia.
A educação era dolorosa. Eu queria passar por ela, e voltar para o brilho
da noite do concerto, mas não tinha certeza de como voltar lá.
Adam me convidou para ver sua banda tocar. Isso foi ainda pior que a
escola. S eu me sentia como um peixe fora da água com minha família, eu me
sentia como um peixe em marte no circulo de Adam. Ele estava sempre cercado
de pessoas funk e cheias de vida, por garotas bonitas que tingiam seus cabelos e
tinham piercings, por caras que se animavam quando Adam falava de rock com
eles. Eu não podia fazer o negocio de groupie. E eu não sabia como falar de
rock. Era uma linguagem que eu deveria ter entendido, sendo musica e a filha
de papai, mas eu não entendi. Era como pessoas que falam mandariam podem
meio que entender cantonês mas não de verdade, embora pessoas que não são
chinesas assumem que todos os chineses se comunicam uns com os outros,
embora mandariam e cantonês sejam diferentes.
Eu temia ir a shows com Adam. Eu não sentia ciúmes. E também não era
porque eu não gostava do tipo de música dele. Eu amava ver ele tocar. Quando
ele estava no palco, era como se a guitarra fosse um quinto membro, uma
extensão natural de seu corpo. E quando ele saia do palco depois, ele estaria
suado mas era um suor tão limpo que parte de mim estava tentada a lamber a
lateral de seu rosto, como se fosse um pirulito. Mas eu não fazia isso.
Quando os fãs apareciam, eu me afastava. Adam tentava me trazer de
volta, envolver um braço ao redor da minha cintura, mas eu me soltava e
voltava para as sombras.
“Você não gosta mais de mim?” Adam me perguntou depois do show. Ele
estava brincado, mas eu podia sentir a dor atrás da pergunta.
“Eu não sei se deveria continuar a vir para seus shows,” eu disse.
“Porque não?” ele perguntou. Dessa vez ele não estava tentando disfarçar a
magoa.
“Eu sinto como se estivesse te impedindo de aproveitar tudo. Eu não quero
que você se preocupe comigo.”
Adam disse que ele não se importava de se preocupar comigo, mas eu
percebia que parte dele se importava.
Provavelmente teríamos terminado naquelas primeiras semanas se não
fosse por minha casa. Na minha casa, com minha família, nós encontrávamos
algo em comum. Depois de estarmos juntos por um mês, eu levei Adam para
casa comigo para seu primeiro jantar em família conosco. Ele estava na cozinha
com papai, falando sobre rock. Eu observei, e ainda não entendia metade
daquilo, mas diferente dos shows eu não me sentia excluída.
“Você joga basquete?” Papai perguntou. Quando se trata de falar de
esportes, papai é um fanático por Baseball, mas quando se trata de jogar, ele
adora fazer cestas.
“Claro,” Adam disse. “Eu quero dizer, não sou muito bom.”
“Você não precisa ser bom;só precisa estar compromissado. Quer jogar uma
partida rapida? Você já está usando seus tênis de basquete,” papai disse,
olhando para os tênis de Adam. Então ele virou na minha direção. “Se importa?”
“Nenhum pouco,” eu disse sorrindo. “Posso praticar enquanto você joga.”
Eles foram para a quadra atrás de uma escola. Eles voltaram 45 minutos
depois. Adam estava coberto de suor e parecia um pouco deslumbrado.
“O que aconteceu?” eu perguntei.”O velho acabou com você?”
Adam balançou seu resto e acenou ao mesmo tempo. “Bem, sim. Mas não
desse jeito. Fui picado por uma abelha na minha palma enquanto jogávamos.
Seu pai agarrou minha mão o sugou o veneno para fora.”
Eu acenei. Esse era um truque que ele aprendeu com vovó, e
diferentemente do veneno de cobra, na verdade funciona com picadas de
abelha. Você tira o ferrão e o veneno, então você fica apenas com uma coceira.
Adam deu um sorriso embaraçado. Ele se inclinou para frente e sussurrou
no meu ouvido: “Eu acho que fiquei um pouco aborrecido por ter ficado mais
intimo com seu pai do que com você.”
Eu ri disso. Mas meio que era verdade. Nas poucas semanas que estavamos
juntos, não tínhamos feito muito mais do que nos beijar. Eu não era uma
puritana. Eu era virgem, mas eu certamente não era devotada a permanecer
assim. E Adam certamente não era virgem. Era mais porque nosso beijo sofria
da mesma dolorosa educação que nossas conversas.
“Talvez devêssemos remediar isso,” eu murmurei.
Adam ergueu suas sobrancelhas como se estivesse me fazendo uma
pergunta. Eu corei em resposta. Por todo o jantar, sorrimos um para o outro
enquanto ouvíamos Teddy, que estava falando sobre um asso de dinossauro
que ele aparentemente tinha desenterrado do quintal aquela tarde. Papai fez
seu famoso assado, que era meu prato favorito, mas eu não estava com fome.
Eu brinquei com a comida no meu prato, esperando que ninguém notasse.
Enquanto isso, um pequeno buzz estava crescendo dentro de mim. Eu pensei no
diapasão que eu usava para ajustar meu violoncelo. Acertando as vibrações na
nota A – vibrações que ficavam crescendo, e crescendo, até que o piche
preenchia o lugar todo. Era isso que o sorriso de Adam estava fazendo comigo
durante o jantar.
Depois da refeição, Adam deu uma rapida olhada no fóssil de Teddy, e
então subimos para meu quarto e fechamos a porta. Kim não tem permissão
para ficar sozinha em sua casa com garotos – não que a oportunidade surgisse.
Meus pais nunca mencionaram nenhuma regra sobre esse assunto, eu tinha o
pressentimento que eles sabiam o que estava acontecendo entre Adam e eu, e
embora papai bancasse o Papai Sabe Melhor, na verdade, ele e mamãe eram
perdedores quando se tratava de amor.
Adam deitou na minha cama, esticando seus braços acima de sua cabeça. O
rosto dele todo estava sorrindo – olhos, nariz, boca. “Toque,” ele disse.
“O que?”
“Eu quero que você toque em mim como no violoncelo.”
Eu comecei a protestar de que isso não fazia sentido, mas então percebi que
fazia perfeito sentido. Eu fui para meu armário e agarrei meu arco. “Tire sua
camisa,” eu disse, minha voz tremula.
Adam tirou. Por mais magro que ele fosse, ele era surpreendentemente
musculoso. Eu podia passar 20 minutos observando os contornos e vale do
peito dele. Mas ele me queria mais perto. Eu queria estar mais perto.
Eu sentei perto dele na cama então o corpo dele estava esticando na minha
frente. O arco tremeu enquanto eu o colocava na cama. Eu me estiquei e com
minha mão esquerda acariciei a cabeça de Adam como se fosse a voluta do meu
violoncelo. Ele sorriu de novo e fechou seus olhos. Eu toquei seus ouvidos como
se eles fossem as cravelhas e então eu brincado fiz cócegas nele enquanto ele
ria suavemente. Eu coloquei dois dedos no pomo de adão dele. Então,
respirando fundo buscando coragem, eu mergulhei no peito dele. Eu passei
minhas mãos para cima e para baixo, até seu torço, me focando nos tendões
dos músculos dele, designando cada nota – A,G,C,D. Eu então as tracejei, uma
por vez, com a ponta de meus dedos. Adam ficou silencioso então, como se
estivesse se concentrando em algo.
Eu peguei o arco e passei pelos lábios dele, onde eu imaginava onde o
cavalete do violoncelo estaria. Eu toquei levemente a principio e então com
mais força e velocidade enquanto a música que agora tocava em minha cabeça
aumentava sua intensidade. Adam ficou perfeitamente parado, pequenos
gemidos escapando dos seus lábios. Eu olhei para o arco, olhei para minhas
mãos, olhei para o rosto de Adam, e senti uma onda de amor, luxuria, e um
desconhecido sentimento de poder. Eu nunca soube que eu poderia fazer
alguém se sentir desse jeito.
Quando eu terminei, ele levantou e me deu um beijo longo e profundo.
“Minha vez,” ele disse. Ele me levantou e começou tirando o suéter por cima da
minha cabeça e baixando um pouco meus jeans. Então ele sentou na cama e me
deitou pelo seu colo. A principio Adam não fez nada a não ser me segurar. Eu
fechei meus olhos e tentei sentir seus olhos no meu corpo, me vendo como
mais ninguém tinha.
Então ele começou a tocar.
Ele tocou as cordas no meu peito, o que fez cócegas e me fez rir. Ele
gentilmente passou suas mãos para baixo. Eu parei de rir. A batida se
intensificou – suas vibrações crescendo cada vez que Adam me tocava em
algum lugar novo.
Depois de um tempo ele mudou para um estilo mais espanhol, mudando o
tipo de toque. Ele usou a parte de cima do meu corpo como o fret board,
acariciando meu cabelo, meu rosto, meu pescoço. Ele puxou meu peito e
barriga, mas eu podia sentir ele em lugares que suas mãos não estavam nem
perto. Enquanto ele tocava, a energia aumentou; o diapasão ficando maluco
agora, enviando vibrações por toda parte, até que todo meu corpo estava
zunindo, até que eu fiquei sem fôlego. E quando senti que não ia agüentar mais
nenhum minuto, o rodamoinho de sensações atingiram um vertiginoso
crescendo, fazendo todas as terminações nervosas do meu corpo ficarem
alertas.
Eu abri meus olhos, aproveitando o calor que estava passando por mim. Eu
comecei a rir. Adam também. Nos beijamos por mais um tempo até que
finalmente foi hora dele ir pra casa.
Enquanto eu andava com ele até seu carro, eu queria dizer que eu o amava.
Mas parecia algo clichê depois do que havíamos feito. Então esperei e disse a
ele no dia seguinte. “Isso é um alivio. Eu pensei que você só estava me usando
para sexo,” ele brincou, sorrindo.
Depois disso, ainda tivemos nossos problemas, mas ser educado demais um
com um outro não foi um deles.
16:39
Eu tenho uma bela multidão agora. Vovó e vovô. Tio Greg. Tia Diane. Tia Kate.
Meus primos Heather e John e David. Papai é um de cinco filhos, então ainda
tem muitos parentes por ai. Ninguém está falando sobre Teddy, o que me leva a
acreditar que ele não está aqui. Ele provavelmente ainda está no outro hospital,
sendo cuidado por Willow.
Os parentes estão reunidos na ala de espera. Não a pequena no andar
cirúrgico onde vovó e vovô estiveram durante minha cirurgia, mas uma maior
no andar principal do hospital que é decorado de bem gosto em tons de malva,
e tem cadeiras confortáveis e sofás e revistas que são quase atuais. Todos
conversam em tom baixo, como se estivessem respeitando as outras pessoas
esperando, embora esteja apenas minha família ali. Tudo é tão sério, tão
sinistro. Eu volto para o corredor para fazer uma pausa.
Fico tão feliz quando Kim chega; feliz por ver a familiaridade do seu longo
cabelo negro em uma única trança. Ela usa a trança todo dia e sempre, até a
hora do almoço, os cachos do seu grosso cabelo deram um jeito de escapar em
mexas rebeldes. Mas ela se recusa a se render aquele cabelo dela, e toda
manhã, ela volta a usar trança.
A mãe de Kim está com ela. Ela não deixa Kim dirigir por longas distancias, e
eu suponho que depois do que aconteceu, de jeito nenhum ela faria uma
exceção hoje. Sra. Schein está com o rosto vermelho e manchado, como se ela
estivesse chorando ou prestes a chorar. Eu sei disso porque a vi chorar muitas
vezes. Ela é muito emocional. “Rainha do drama,” é como Kim coloca. “É o gene
de mãe judia. Ela não consegue evitar. Eu suponho que eu vou ser assim um dia
também,” Kim diz.
Kim é tão o oposto disso, tão engraçada de um jeito discreto que ela
sempre tem que dizer “só brincando” para as pessoas que não entendem seu
senso de humor sarcástico, que eu não consigo imaginar ela sendo como sua
mãe. Mas de novo, não tenho muita base para comparar. Não tem muitas mãos
judias na nossa cidade ou muitos garotos judeus em nossa escola. E os que são
judeus são normalmente apenas em parte, então tudo que isso significa é que
eles colocam um menorah junto com suas arvores de natal.
Mas Kim é realmente judia. As vezes eu tenho jantares sexta a noite com a
família dela quando eles acendem velas, comem pão trançado, e bebem vinho
(a única hora que eu imagino que a neurótica Sra. Schein permite que Kim
beba). Se espera que Kim namore apenas caras judeus, o que significa que ela
não namora. Ela brinca que essa é a razão de sua família ter se mudado para cá,
quando na verdade é porque o pai dela foi contratado para fazer um chip de
computador. Quando ela tinha 13 anos, ela fez um bat mitzvah em um templo
em Portland, e durante a cerimônia de acender velas na recepção, eu fui
chamada para acender uma. Todo verão, ela vai para o acampamento de judeus
em New Jersey. Se chama Acampamento Torah Habonim, mas Kim chama de
Torah Whore,* porque tudo que os garotos fazem o verão todo é ficar.
“Como no acampamento de bandas,” ela brinca, embora o meu verão no
programa de conservatório não seja em nada parecido com American Pie.
Agora eu posso ver que Kim está irritada. Ela está andando rapidamente,
mantendo uma boa distancia entre ela e sua mãe enquanto marcham pelos
corredores. De repente seus ombros se erguem como um gato que acabou de
ver um cachorro. Ela vira para enfrentar sua mãe.
“Pare!” Kim exige. “Se eu não estou chorando, de jeito fudido nenhum você
pode.”
Kim nunca fala palavrão. Então isso me choca.
“Mas,” a Sra. Schein protesta, “como você pode ser tão...” – choro – “tão
calma quando – “
“Pare com isso!” Kim diz. “Mia ainda está aqui. Então não vou perder o
controle. E se eu não perder, então você também não pode!”
Kim anda em direção a sala de espera, sua mãe seguindo ela atrás. Quando
eles alcançam a sala de espera e vêem minha família reunida, Sra. Schein
começa a fungar.
Kim não xinga dessa vez. Mas suas orelhas ficam rosa, que é como sei que
ela ainda está furiosa. “Mãe. Vou deixar você aqui. Vou dar uma volta. Volto
mais tarde.”
Eu sigo ela de volta para o corredor. Ela perambula pelo lobby principal,
passa pela loja de presentes, visita a lancheria. Ela olha para o diretório do
hospital. Eu acho que eu sei onde ela está indo antes dela ir.
Tem uma pequena capela no porão. Está apertada ali, quieta como uma
biblioteca. Tem cadeiras estofadas como as do cinema, e uma trilha sonora
baixa está tocando como um tipo de música New Agey.
Kim se balança na cadeira. Ela tira seu casaco, que é preto e de veludo e que
eu tenho invejado desde que ela o comprou em um shopping em New Jersey
em uma viagem para visitar seus avós.
“Eu amo Oregon,” ela diz em uma tentativa soluçante de rir. Eu percebo pelo
tom sarcástico dela que ela está falando comigo, não com Deus. “Essa é a ideia
do hospital de não denominação.” Ela aponta pela capela. Tem um crucifixo na
parede, uma bandeira em um púlpito e um quadro da virgem Maria e seu Filho
nos fundos. “Temos uma estrela de Davi,’ ela diz, gesticulando para a estrela de
seis pontas na parede. “Mas e quanto aos mulçumanos? Nenhum tapete de
reza ou símbolo para mostrar qual é o leste em direção ao Mecca? E quanto aos
budistas? Eles não podiam ter um sino? Quer dizer, provavelmente tem mais
budistas do que judeus em Portland mesmo.”
Eu estou sentada numa cadeira ao lado dela. Parece tão natural o jeito que
Kim está falando comigo como ela sempre faz. Fora a paramédica que me disse
pra agüentar firme e a enfermeira que fica me perguntando como estou indo,
ninguém falou comigo desde o acidente. Eles falam sobre mim.
Eu nunca vi Kim rezar. Eu quero dizer, ela rezou no seu bat mitzvah e ela faz
a benção de Shabbat no jantar, mas isso é porque ela precisa. Na maior parte,
ela lida levianamente com sua religão. Mas depois que ela fala comigo por um
tempo, ela fecha seus olhos e move seus lábios murmurando coisas em uma
linguagem que eu não entendo.
Ela abre seus olhos e esfrega as mãos como se estivesse dizendo chega
disso. Então ela reconsidera e acrescenta uma ultima coisa. “Por favor não
morra. Eu posso entender o porque de você querer, mas pense nisso: se você
morrer, vai haver aqueles memórias toscos estilo Princesa Diana na escola, onde
todos colocam flores e velas e notas perto do seu armário.” Ela limpa uma
lagrima renegada com as costas da mão. “Eu sei que você odeia esse tipo de
coisa.”
Talvez fosse porque somos muito parecidas. Assim que Kim apareceu em cena,
todos assumiram que éramos melhores amigas porque nós duas éramos
silenciosas, estudiosas, e, pelo menos para os outros, sérias. O négocio é,
nenhuma de nós era particularmente uma ótima estudante (Notas B direto) ou,
para falar a verdade, tão sérias. Nós éramos sérias sobre certas coisas – música
no meu caso, arte e fotografia no dela – e no mundo simples do ensino
fundamental, isso era o bastante para nos tomar como gêmeas de algum tipo.
Imediatamente fomos colocadas juntas para tudo. No terceiro dia de aula de
Kim, ela foi a única pessoa a se voluntariar para ser capitão do time durante
uma partida de futebol em Educação Física, o que eu achei que era além do
puxa saquismo dela. Enquanto ela colocava seu casaco vermelho, o técnico
avaliou a turma para escolher o capitão do time B, seus olhos parando em mim,
embora eu fosse a menos atlética das garotas. Enquanto eu colocava meu
casaco, eu passei por Kim, murmurando “muito obrigado.”
Na semana seguinte, nosso professor de inglês nos colocou em duplas para
uma discussão oral sobre To Kill a Mochingbird. Sentamos na frente uma da
outro em um silencio pesado por cerca de 10 minutos. Finalmente, eu disse, “Eu
acho que deveríamos falar sobre racismo no Antigo Sul, ou algo assim.”
Kim virou olhos, o que me fez querer jogar um dicionário nela. Eu fui pega de
guarda baixa por o quão intensamente eu já a odiava. “Eu li esse livro na minha
antiga escola,” ela disse. “O negócio do racismo é meio obvio. Eu acho que a
maior coisa é a bondade das pessoas. Elas são naturalmente boas e se tornam
más por coisas como racismo ou eles são naturalmente ruins e precisam
trabalhar muito para não ser?”
“Tanto faz,” eu disse. “É um livro idiota.” Eu não sabia porque havia dito isso
porque na verdade eu amei o livro e tinha conversado com papai sobre ele; ele
está usando ele para ensinar seus alunos. Eu odiei Kim ainda mais por me fazer
trair o livro que eu amava.
“Tudo bem. Vamos fazer sua ideia então,” Kim disse, e quando recebemos
um B-, ela pareceu brilhar com nossa nota medíocre.
Depois disso, simplesmente não conversamos. Isso não impediu os
professores de nos colocar juntas ou de todos na escola assumirem que éramos
amigas. Quanto mais isso acontecia, mas resistíamos – uma a outra. Quanto
mais o mundo nos unia, mais nos empurrávamos para longe – e uma contra a
outra. Tentamos fingir que a outra não existia embora a existência de nossa
inimiga nos mantivesse ocupadas por horas.
Eu me senti compelida a me dar razões do porque eu odiava Kim: Ela não faz
nada errado. Ela é irritante. Ela é exibida. Mais tarde, descobri que ela fazia a
mesma coisa sobre mim, embora a maior reclamação dela era que ela achava
que eu era uma vaca. E um dia, ela até escreveu isso para mim. Na aula de
inglês, alguém lançou um pedaço de papel no chão perto do meu pé direito. Eu
o peguei e abri. Lia-se, Vaca!
Ninguém tinha me chamado disso antes, e embora tenha ficado
automaticamente furiosa, no fundo fiquei tão lisonjeada por ter trazido
emoções o bastante para ser digna desse nome. As pessoas chamam mamãe
disso bastante, provavelmente porque ela tem dificuldade de segurar a língua e
poderia ser brutalmente sincera quando descorda de você. De qualquer forma,
ela não se importava que as pessoas chamassem ela de vaca. “Só outra palavra
para feminista,” ela me disse com orgulho.Até papai chamava ela disso as vezes,
mas sempre brincando, de um jeito elogioso. Nunca durante uma briga. Ele
sabia melhor.
Eu olhei para cima do meu livro de gramática. Só havia uma pessoa que
podia ter mandado o bilhete para mim, mas eu ainda não acreditava. Eu olhei
para a turma. Todos estavam olhando seus livros. Com exceção de Kim. As
orelhas dela estavam tão vermelhas que faziam as mexas laterais de seu cabelo
negro parecer que também estavam corando. Ela estava me encarando. Eu
podia ter 11 anos e ser um pouco socialmente imatura, mas reconheço um
desafio sendo feito quando eu vejo, e eu não tinha escolha se não aceitar.
Quando ficamos mais velhas, gostávamos de brincar de que ficamos felizes
com nossa briga. Não apenas cimentou nossa amizade mas também nos
providenciou nossa primeira e provavelmente única oportunidade para uma
boa disputa. Onde mais duas garotas como nós vão brigar? Eu brigo no chão
com Teddy, e as vezes belisco ele, mas uma briga de socos? Ele era só um bebê,
e mesmo que fosse mais velho, Teddy era como metade irmão e metade meu
filho. Eu cuido dele desde que ele tinha apenas algumas semanas. Nunca
poderia machucar ele assim. E Kim, filha única, não tinha irmãos para socar.
Talvez no acampamento ela poderia se meter numa briga, mas as
conseqüências seriam ruins: seminários de horas sobre resolver conflitos com o
conselheiro e o rabino. “Minha gente sabe como lutar com seu melhor, mas
com palavras, com muitas, muitas palavras,” ela me disse uma vez.
Mas naquele dia, brigamos de soco. Depois do ultimo sino, sem uma
palavra, nos seguimos para o parquinho, soltamos nossas mochilas no chão, que
estava molhado do chuvisco firme daquele dia. Eu soquei ela na lateral da
cabeça, punho fechado, como os homens fazem. Uma multidão de garotos se
reunião para assistir o espetáculo. Uma briga era novidade na nossa escola.
Garotas lutando era extra especial. E boas garotas fazendo isso era perfeito.
Quando os professores nos separaram, metade da sexta série estava nos
vendo (na verdade, foi o amontoado de estudantes que alertou os monitores
que algo estava acontecendo). A briga foi um empate, eu suponho. Eu tinha um
lábio cortado e um pulso machucado, que eu tinha infringido a mim mesma
quando tentei acertar o ombro de Kim, errei, e bati no poste da rede de vôlei.
Kim tinha um olho inchado e um arranhão feio no quadril como resultado dela
ter tropeçado na sua mochila numa tentativa de me chutar.
Não fizemos as pazes sinceramente, nem nenhum aperto de mão oficial.
Assim que os professores nos separaram, Kim e eu olhamos uma para a outra e
começamos a rir. Depois de fazer uma visita para o diretor, mancamos para
casa. Kim me disse que a única razão para ela ter se voluntariado para ser capitã
de um time era porque se ela fizesse isso no começo do ano escolar, os técnicos
tendem a lembrar e isso faz com que eles não te escolham no futuro (um truque
que eu aprendi dali em diante). Eu expliquei para ela que eu concordei com ela
no trabalho do To Kill a Mochinbird, que era um dos meus livros favoritos. E foi
isso. Eramos amigas, assim como todo mundo assumiu o tempo inteiro que
seriamos. Nunca mais colocamos a mão uma na outra, e embora tenhamos nos
xingado bastante, nossos ataques tendem a acabar do jeito que nossa briga
acabou, com a gente rindo.
Mas depois da nossa briga, a Sra. Schein se recusou a deixar Mia vir para
minha casa, convencida que sua filha iria voltar machucada. Mamãe se ofereceu
para ir lá e resolver as coisas, mas eu acho que papai e eu percebemos que
graças ao temperamento dela, sua missão diplomática podia terminar com uma
medida cautelar contra nossa família. No fim, papai convidou os Scheins para
um frango assado, e embora pudéssemos ver que a Sra. Schein ainda estava um
pouco desconfiada com nossa família – “então você trabalha numa loja de
discos enquanto estuda para se tornar professor? E você cozinha? Que
estranho,” – ela disse para papai – Sr. Schein declarou meus pais decentes o
bastante e nossa família não violenta e disse a mãe de Kim que Kim podia ir e vir
quando quisesse.
Por aqueles meses na sexta série, Kim e eu começamos a formar nossas
personalidades. Rumores sobre nossa briga circularam, os detalhes se tornando
mais exagerados – costelas quebradas, unhas quebradas, mordidas. Mas
quando voltamos para a escola depois das férias de inverno, tudo foi esquecido.
Voltamos a ser as gêmeas boas e quietas.
Não nos importávamos mais. Na verdade, conforme os anos passavam essa
reputação nos serviu bem. Se, por exemplo, as duas ficamos ausentes no
mesmo dia, as pessoas automaticamente assumiam que tínhamos ficado
doentes da mesma coisa, não que matamos aula para ver filmes de arte sendo
mostrados numa turma na universidade. Quando, por brincadeira, alguém
colocou nossa escola a venda, cobrindo ela com placas e anúncios no eBay²,
olhos suspeitos se viraram para Nelson Baker e Jenna McLaughlin, não nós.
Mesmo que tivéssemos confessado a brincadeira – como planejamos se mais
alguém se metesse em problemas – teríamos dificuldades em convencer alguém
que foi realmente nós.
Isso sempre fazia Kim rir. “As pessoas acreditam no que querem acreditar,”
ela disse.
*Whore = vadia em inglês.
² Mercado Livre americano.
16:47
Mamãe uma vez me levou para um cassino. Estavamos indo de férias no Lago
Crater e paramos num resort numa reserva indigna para almoçar. Mamãe
decidiu jogar um pouco, e eu fui com ela enquanto papai ficou com Teddy, que
estava dormindo em sua cadeirinha. Mamãe sentou numa mesa de blackjack. O
distribuidor de cartas olhou para mim, então para mamãe, que devolveu sue
olhar suspeito com um olhar afiado o bastante para cortar diamentes seguido
por um sorriso mais brilhante que qualquer gema. O distribuidor de cartas
sorriu em resposta e não disse nada. Eu observei mamãe jogar, hipnotizada.
Parecia que estavamos lá por 15 minutos mas quando papai e Teddy vieram
procurando nós, os dois estavam emburrados. Acabou que ficamos lá por mais
de uma hora.
Na UTI é assim. Você não sabe que horas são ou quanto tempo passou. Não
tem luz natural. E tem um constante barulho de fundo, só que ao invés de bipes
eletrônicos dos caça-níquel e gritos satisfeitos dos jogadores, é o zunido e
zumbido dos equipamentos médicos, as infinitas paginas por cima da maquina
que media pressão arterial, e a conversa das enfermeiras.
Eu não tenho certeza absoluta de a quanto tempo estou aqui. Um tempo
atrás, a enfermeira que eu gostava com o sotaque alegre disse que estava indo
para casa. “Eu volto amanhã, mas quero ver você aqui, querida,” ela disse. Eu
achei que isso era estranho a principio. Ela não ia querer que eu fosse pra casa,
ou movida para outra parte do hospital? Mas então percebi que ela quis dizer
que ela queria me ver nessa ala, ao invés de morta.
Os médicos ficavam voltando e erguendo minha pálpebra colocando uma
lanterna no meu olho. Eles são grossos e apressados, como se não
considerassem pálpebras dignas de gentileza. Nos faz perceber o quão pouco
em vida tocamos os olhos uns dos outros. Talvez seus pais segurem sua
pálpebra para tirar uma sujeira, ou talvez seu namorado beije suas pálpebras,
tão de leve quanto uma borboleta, logo antes de você adormecer. Mas
pálpebras não são como cotovelos ou joelhos ou ombros, partes do corpo
acostumadas a ser tocadas.
A assistente social está ao lado da minha cama agora. Está olhando minha
ficha e conversando com uma enfermeira que normalmente fica sentada numa
mesa grande no meio da sala. É incrível o jeito que eles de observam aqui. Se els
não estão colocando luzes nos seus olhos ou lendo exames que saem das
impressoras na nossa cama, então eles estão observando seus sinais vitais de
uma tela do computador central.
Se qualquer coisa ficar levemente alterado, um dos monitores começa a
bipar. Tem sempre um alarme disparando em algum lugar. A principio, me
assustou, mas agora percebi que na metade do tempo, quando os alarmes
disparam, são as maquinas que estão funcionando errado, não as pessoas.
A assistente social parece exausta, como se ela não fosse se importar de
deitar em uma das camas vagas. Eu não sou a sua única pessoa doente. Ela tem
ido e voltado entre pacientes e familiares a tarde toda. Ela é a ponte entre os
médicos e as pessoas, e você pode ver o balanço entre esses dois mundos.
Depois que ela lê minha ficha e conversa com as enfermeiras, ela volta para o
andar de baixo para minha família, que parou de falar em tons baixos e agora
está engajada em atividades solitárias. Vovó está tricotando.Vovô está fingindo
dormir. Tia Diane está jogando sudoku. Meus primos estão se revezando no
Game Boy, o som está no mudo.
Kim foi embora. Quando ela voltou para sala de espera depois de visitar a
capela, ela encontrou a Sra. Schein um caos total. Ela parecia tão envergonhada
e ela correu para levar sua mãe para fora. Na verdade, eu acho que a ter a Sra.
Schein aqui provavelmente ajudou. Confortar ela deu a todo mundo algo a
fazer, um jeito que de se sentir útil. Agora eles voltaram a se sentir inúteis, de
volta a espera sem fim.
Quando a assistente social entra na sala de espera, todos se levantam, como
se estivessem saudando a realeza. Ela dá um meio sorriso, que eu já vi várias
vezes hoje, Eu acho que é o sinal dela de que tudo está bem, ou status quo, e
ela está aqui apenas para dar um update, não para jogar uma bomba.
“Mia ainda está inconsciente, mas seus sinais vitais estão melhorando,” ela
diz a meus parentes reunidos, que abandonaram suas distrações nas suas
cadeiras. “Ela está com o terapeuta respiratório agora mesmo. Eles estão
fazendo testes para ver como os pulmões dela estão funcionando e se ela pode
sair do ventilador.”
“Essa é uma boa noticia, então?” Tia Diane pergunta. “Eu quero dizer, se ela
puder respirar sozinha, então ela vai acordar logo?”
A assistente social dá um pratico aceno simpático.
“É um bom passo se ela puder respirar sozinha. Mostra que os pulmões dela
estão curando e seus ferimentos internos estão se estabilizando. A duvida ainda
são as contusões no cérebro dela.”
“Porque?” prima Heather interrompe.
“Não sabemos quando ela vai acordar sozinha, ou a extensão dos danos no
cérebro dela. Essas primeiras 24 horas são as mais criticas e Mia está recebendo
o melhor cuidado.”
“Podemos ver ela?” vovô pergunta.
A assistente social concorda. “É por isso que estou aqui. EU acho que vai ser
bom para Mia receber uma curta visita. Só uma ou duas pessoas.”
“Nós vamos,” vovó diz, dando um passo para frente. Vovô ao lado dela.
“Sim, foi o que pensei,” a assistente social diz. “Não vamos demorar,” ela diz
para o resto da família.
Os três andam pelo corredor em silencio. No elevador, a assistente social
tenta preparar meus avós para me ver, explicando a extensão dos meus
ferimentos externos, que parecem ruins, mas são tratáveis. São os ferimentos
internos com que eles estão preocupados, ela diz.
Ela está agindo como se meus avós fossem crianças. Mas eles são mais
durões que parecem. Vovô foi um médico na coréia. E vovó, ela está sempre
resgatando coisas: pássaros com asas quebradas, castor doente, um cervo
atingido por um carro. O cervo foi para um santuário de vida selvagem, o que é
engraçado porque vovó odeia eles; eles comem o jardim dela. “Ratos bonitos,”
ela chama eles. “Ratos saborosos” é do que vovô chama eles quando ele grelha
um bife. Mas aquele cervo, vovó não suportou ver sofrer, ela o resgatou. Parte
de mim suspeita que ela achou que fosse um dos anjos dela.
Ainda sim, quando eles passam pelas portas automáticas de UTI, os dois
param, como se estivessem repelidos por um barreira invisível. Vovó pega a
mão de vovô, e eu tento lembrar se eu já vi os dois darem as mãos antes. Vovó
olha as camas procurando por mim, mas assim que a assistente social começa
apontar onde estou, vovô me vê e se dirige a minha cama.
“Olá, querida,” ele diz. Ele não me chama assim a séculos, não desde que eu
era mais nova que Teddy. Vovó anda devagar até onde estou, dando pequenas
arfadas de ar enquanto se aproxima. Talvez aqueles animais feridos não tenham
sido muito úteis para preparar ela afinal de contas.
A assistente social trás duas cadeiras, as colocando no pé da minha cama.
“Mia, seus avós estão aqui.” Ela faz menção que eles sentem. “Vou deixar vocês
sozinhos.”
“Ela pode nos ouvir?” vovó pergunta. “Se conversarmos com ela, ela vai
entender?”
“Eu realmente não sei,” a assistente social responde. “Mas sua presença pode
ser apaziguadora desde que o que você diga for apaziguador.” Então ela dá a
eles um olhar severo, como se dissesse a eles para não dizer nada ruim para me
chatear. Eu sei que é o trabalho dela avisar a eles sobre coisas assim e que ela
está ocupada com centenas de outras coisas e nem sempre pode ser sensível,
mas por um segundo, eu odeio ela.
Depois que a assistente social parte, vovó e vovô sentam em silencio por um
minuto. Então vovó começa a falar sobre as orquídeas que ela está cuidado na
sua estufa. Eu noto que ela tirou a roupa de jardineiro e está usando uma calça
limpa de veludo. Alguém deve ter passado na casa dela e trazido uma muda
nova de roupas. Vovô ainda está muito parado, e suas mãos estão tremendo.
Ele não é muito falador, então deve ser difícil para ele ser ornado a conversar
comigo agora.
Outra enfermeira aparece. Ela tem cabeço e olhos escuros iluminada com
muita maquiagem nos olhos. Suas unhas são de acrílico e tem decalque de
corações nelas. Ela deve se esforçar muito para manter suas unhas tão lindas.
Eu admiro isso.
Ela não é minha enfermeira mas ela vai até vovó e vovô do mesmo jeito.
“Não duvidem nem por um segundo que ela pode ouvir vocês,” ela diz a eles.
“Ela está ciente de tudo que está acontecendo.” Ela fica parada ali com as mãos
nos quadris. Eu posso quase imaginar ela estourando uma bola de chiclete.
Vovó e vovô a encaram, absorvendo o que ela disse a eles.
“Vocês podem achar que são os médicos ou as enfermeiras ou tudo isso que
está controlando o show,” ela diz, gesticulando para a parede de equipamentos
médicos. “Nuh-uh. Ela está controlando o show. Talvez ela esteja simplesmente
guardando seu tempo. Então conversem com ela. Digam para ela levar o tempo
que precisar, mas para voltar. Vocês estão esperando por ela.”
Mamãe e papai nunca chamaram Teddy e eu de erros. Ou acidentes. Ou
surpresas. Ou nenhum desses eufemismos estúpidos. Mas nenhum de nós foi
planejado, e eles nunca tentaram esconder isso.
Mamãe ficou grávida de mim quando ela esta jovem. Não jovem adolescente,
mas jovem para os amigos deles. Ela tinha 23 e ela e papai já estavam casados a
um ano.
De um jeito engraçado, papai sempre usou gravata borboleta, sempre um
pouco mais tradicional do que você imaginaria. Porque embora ele tivesse
cabelo azul e tatuagens e usasse uma jaqueta de couro e trabalhasse numa loja
de discos, ele queria casar com mamãe numa época em que o resto de seus
amigos ainda estavam tendo casos de um noite. “Namorada é uma palavra tão
idiota,” ele disse. “Não agüentava chamar ela assim. Então, tínhamos que nos
casar, para poder chamar ela de ‘esposa.’”
Mamãe, para sua vez, tinha uma família problemática. Ela não entrou em
detalhes comigo, mas eu sabia que o pai dela a muito tinha falecido e por um
tempo ela esteve sem contato com sua mãe, embora agora víssemos vovó e
Papa Richard, que é como chamamos o padrasto de mamãe, algumas vezes por
ano.
Então mamãe foi tomada não só por papai mas pela grande, e na maior parte
intacta, relativamente normal família que ele pertencia. Ela concordou em se
casar com papai embora eles estivessem juntos a apenas um ano. É claro, eles
ainda fizeram isso no seu jeito. Foram casados por uma juíza de paz lésbica,
enquanto seus amigos tocavam a versão em guitarra da “Marcha de
casamento.” A noiva usou um vestido branco e botas com espinhos. O noivo
usou couro.
Eles ficaram grávidos de mim por causa do casamento de outra pessoa. Um
dos amigos musicais de papai que se mudou para Seattle e engravidou sua
namorada, então eles estavam casando. Mamãe e papai foram para o
casamento, e na recepção, eles ficaram um pouco bêbados e na volta para o
hotel eles não tiveram o cuidado de sempre. Três meses mais tarde tinha uma
pequena linha azul no teste de gravidez.
Do jeito que eles contam, nenhum dos dois se sentia particularmente pronto
para ser pai. Nenhum deles se sentia como um adulto ainda. Mas não havia
duvidas sobre se eles deveriam me ter. Mamãe era pró-escolha. Ela tinha um
adesivo no carro que dizia Se você não pode confiar em mim em relação a uma
escolha, como pode confiar em mim com um filho? mas no caso dela foi de me
ter.
Papai hesitou mais. Ficou mais assustado. Até o minuto que o médico me
tirou e então ele começou a chorar.
“Isso é um exagero,” ele dizia quando mamãe recontava a história. “Eu não
fiz tal coisa.”
“Você não chorou então?” mamãe perguntava numa diversão sarcástica.
“Eu derramei algumas lágrimas. Eu não chorei.” Então papai piscava para
mim e imitava o choro de um bebê.
Porque eu era a única criança no grupo de amigos de mamãe e papai, eu era
novidade. Eu fui criada pela comunidade musical, com dezenas de tias e tios que
me pegavam como sua própria filha, mesmo depois que eu comecei a mostrar
uma estranha preferência pela música clássica. Eu não queria para valer,
também. Vovó e vovô viviam perto, e ficavam felizes em cuidar de mim nos
finais de semana para que mamãe e papai pudessem agir selvagemente e ficar
acordados a noite toda para um dos show de papai.
Perto da época em que eu fiz quatro anos, eu acho que meus pais
perceberam que eles estavam realmente conseguindo – criando uma criança –
embora não tivessem uma tonelada de dinheiro ou empregos “de verdade.”
Tinhamos uma boa casa com aluguel barato. Eu tinha roupas (mesmo que
tivessem pertencido a meus primos) e eu estava crescendo feliz e saudavel.
“Você foi como um experimento,” papai diz. “Surpreendentemente sucedido.
Pensamos que devia ser um golpe. Precisávamos de outro filho como um tipo
de controle do grupo.”
Eles tentaram por 4 anos. Mamãe ficou grávida duas vezes e teve dois
abortos. Eles ficaram tristes, mas eles não tinham o dinheiro para fazer aquelas
coisas de fertilidade que as pessoas fazem. Quando eu tinha nove, eles
decidiram que talvez fosse para o melhor. Eu estava me tornando
independente. Eles pararam de tentar.
E como se fosse para convencer a si mesmos do quão incrível era não estar
amarrado a um bebê, mamãe e papai compraram passagens para nós visitarmos
Nova Iorque por uma semana. Devia ser um passeio musical. Iriamos ao CBGB´s
e ao Carnegia Hall. Mas quando, para surpresa dela, mamãe descobriu que
estava grávida, e então para uma surpresa maior ainda, permaneceu grávida
depois do primeiro semestre, tivemos que cancelar a viagem. Ela estava
cansada e enjoada e tão mau humorada que papai brincava que ela
provavelmente ia assustar os nova-iorquinos. Além do mais, bebês são caros e
precisamos poupar.
Eu não me importei. Eu estava excitada pelo bebê. E eu sabia que o Carnegie
Hall não ia a lugar nenhum. Eu vou chegar lá um dia.
17:40
Estou um pouco assustada agora. Vovó e vovô saíram a um tempo atrás, mas eu
fiquei na UTI. Eu ainda estou numa cadeira, repassando a conversa deles, que
foi muito gentil e normal e nada perturbadora. Até que eles saíram. Vovó e vovô
saíram da UTI, comigo seguindo eles, e vovô virou para vovó para perguntar:
“Você acha que ela decide?”
“Decide o que?”
Vovô parece desconfortável. Ele arrasta os pés.
“Você sabe? Decide,” ele sussurrou.
“Do que está falando?” vovó soa exasperada e gentil ao mesmo tempo.
“Não sei do que estou falando. É você que acredita em anjos.”
“O que isso tem a ver com Mia?” vovó pergunta.
“Se eles se foram agora, mas ainda estão aqui, como você acredita, e se eles
quiserem que ela se junte a eles? E se ela quiser se juntar a eles?”
“Não funciona assim,” vovó surtou.
“Oh,” foi tudo que vovô disse. O inquérito acabou.
Depois que eles saíram, eu estava pensando que um dia eu talvez conte a
vovó que eu nunca acreditei muito na teoria dela de que pássaros e coisas assim
podem ser os anjos da guarda das pessoas. E agora tenho mais certeza do que
nunca que não existe tal coisa.
Meus pais não estão aqui. Eles não estão de mãos dadas, ou me animando.
Eu conheço eles bem o bastante para saber que se eles pudessem, eles
estariam. Talvez não os dois. Talvez mamãe ficasse com Teddy enquanto papai
me cuidaria. Mas nenhum deles está aqui.
E enquanto contemplo isso eu penso no que a enfermeira disse. Ela está
controlando o show. E de repente eu entendi o que o vovô estava realmente
perguntando a vovó. Ele ouviu o a enfermeira também. Ele entendeu antes de
mim.
Se eu ficar. Se eu viver. Depende de mim.
Todo esse assunto sobre comas induzidos é só conversa. Não depende dos
médicos. Não depende dos anjos ausentes. Nem mesmo a Deus que, se existe,
não está em nenhum lugar por perto agora. Depende de mim.
Como eu devo decidir isso? Como posso ficar sem mamãe e papai? Como
posso abandonar Teddy? Ou Adam? Isso é demais. Eu nem entendo como tudo
funciona, porque estou aqui no estado que estou ou como sair dele se eu
quiser. Se fosse para dizer, eu quero acordar, eu iria acordar agora mesmo? Eu
já tentei bater os calcanhares para encontrar Teddy e tentar dar uma volta no
Havaí, e isso não funcionou. Isso parece complicado demais.
Mas apesar disso, eu acredito que é verdade. Eu ouvi as palavras da
enfermeira de novo. Estou controlando o show. Todo mundo está me
esperando.
Eu decido. Eu sei disso agora.
E isso me assusta mais do que qualquer coisa que aconteceu hoje.
Onde diabos está Adam?
Uma semana antes do Halloween no meu secundário, Adam apareceu na minha
porta triunfante. Ele estava segurando uma bolsa e usando um sorriso de quem
comeu merda.
“Prepare-se para ficar verde de inveja. Eu tenho a melhor fantasia,” ele disse.
Ele abriu a bolsa. Dentro tinha uma camiseta, um calção, e um longo casaco
com dragonas.
“Você vai se fantasiar de Seinfeld com uma camiseta estufada?” eu perguntei.
“Pff. Seinfeld. E você se chama de musicista clássica. Eu vou ser Mozart.
Espere, você não viu os sapatos.” Ele botou a mão na bolsa e tirou um sapato
preto de couro com barras de metal no topo.
“Legal,” eu disse. “Eu acho que minha mãe tem um par assim.”
“Você só está com inveja porque não tem uma fantasia tão roqueira. E vou
usar isso também. Eu sou simplesmente tão seguro assim em relação a minha
masculinidade. E também, eu tenho uma peruca.”
“Onde você conseguiu tudo isso?” eu perguntei, apontando pra peruca. Ela
parecia ser feita de aniagem.
“Online. Só uns 100 dólares.”
“Você gastou 100 dólares numa fantasia de Halloween?”
Ao mencionar a palavra Halloween, Teddy desceu as escadas correndo, me
ignorando e arrancando a carteira de Adam. “Espere aqui!” ele exigiu, e então
correu para cima e voltou alguns segundos depois segurando uma bolsa. “Isso é
uma boa fantasia? Ou vai me fazer parecer um bebê?”
Teddy perguntou, tirando um garfo, uma tiara com chifres, um rabo
vermelho, e um macacão vermelho.
“Ohh.”Adam deu um passo para trás, os olhos largos. “Essa fantasia me
assusta para caramba e você nem está usando ela.”
“Mesmo? Você não acha que o macacão me faz parecer bobo. Eu não quero
que ninguém ria de mim,” Teddy declarou, suas sobrancelhas enrugadas em
seriedade.
Eu sorri para Adam, que estava tentando engolir seu próprio sorriso.
“Macacão vermelho mais um garfo mais chifres do demônio e um rabo é tão
satânico que ninguém iria se atrever a desafiar você, a não ser que queiram
arriscar a danação eterna,” Adam assegurou ele.
O rosto de Teddy se quebra em um enorme sorriso, mostrando a brecha no
seu dente da frente perdido. “Foi isso que mamãe disse, mas eu só queria me
certificar que ela não estava só me dizendo isso porque ela não queria que eu a
incomodasse sobre a fantasia.Você vai me levar para buscar doces ou
travessuras, certo?” Ele olhou para mim agora.
“Como todo ano,” eu respondi. “Com quem mais vou pedir doces?”
“Você também vem?” ele perguntou a Adam.
“Eu não perderia por nada.”
Teddy virou e voltou para as escadas. Adam virou para mim. “Teddy está
pronto. O que você vai usar?”
“Ahh, não sou uma garota de fantasia.”
Adam virou os olhos. “Bem, se torne uma. É Halloween, nosso primeiro juntos.
Shooting Star tem um grande show hoje a noite. É um show a fantasia, e você
prometeu ir.”
Interiormente, eu gemi. Depois de 6 meses com Adam, eu tinha acabado de
me acostumar em ser um estranho casal na escola – pessoas nos chamavam de
Moderno e Nerd. E estava começando a me tornar mais confortável com os
companheiros de banda de Adam, e tinha até aprendido algumas palavras de
conversa de rock. Eu podia me agüentar por conta própria agora, quando Adam
me levava para a Casa do Rock, uma casa perto da faculdade onde o resto da
banda vivia. Eu até podia participar das festas de punk-rock quando todo
mundo convidado tem que trazer algo da sua geladeira que está prestes a
estragar. Pegamos todos os ingredientes e fizemos algo deles. Eu na verdade
encontrei formas muito boas de transformar um bife vegetariano de grãos,
beterraba, queijo feta, e damasco em algo comível.
Mas eu ainda odiava os shows e me odiava por odiar eles. Os clubes eram
esfumaçados, o que machuca meus olhos e fazem minhas roupas federem. Os
alto falantes estão sempre tão altos que a música retumbava, fazendo meus
ouvidos zunir tão alto que depois eu ficava acordada. Eu ficava deitada na cama,
repassando a noite desconfortável e me sentindo uma merda por causa dela
toda vez que eu pensava.
“Não me diga que você vai desistir,” Adam disse, parecendo tanto irritado
quanto magoado.
“E quando a Teddy? Prometemos levar ele para pegar doces – “
“Yeah, as 5 da tarde. Não temos que estar no show até as 10. Eu duvido que
até o Mestre Ted consiga buscar doces por 5 horas direto. Então você não tem
desculpas. E é melhor você estar com uma boa roupa porque eu vou ficar
gostoso, de um jeito século 18.”
Depois que Adam saiu para entregar pizzas, eu tinha um aperto no estomago.
Eu fui para cima para praticar a peça Dvorâk que a professora Christie tinha
designado para mim, e para trabalhar sobre o que me incomodava. Porque eu
não gostava dos show dele? Era porque Shooting Star estava ficando popular e
eu estava com ciúmes? As groupies me incomodavam? Isso parecia uma razão
lógica o bastante, mas não era isso.
Depois que toquei por cerca de 10 minutos, me ocorreu: minha aversão aos
shows de Adam não tinham nada a ver com a música ou com groupies ou inveja.
Tinha a ver com duvidas. As mesmas duvidas que eu sempre tive sobre meu
lugar. Eu não sentia que era parte da minha família, e agora eu não sentia que
pertencia a Adam, a não ser que, com exceção da minha família, que estava
presa comigo, Adam tinha me escolhido, e isso eu não entendia. Porque ele
tinha se apaixonado por mim?Não fazia sentido. Eu sabia que tinha sido a
música que nos uniu em primeiro lugar, nos colocou no mesmo espaço para nos
conhecermos. E eu sabia que Adam gostava sobre o quão afim de música eu
era. E que ele gostava do meu senso de humor,”tão negro que eu quase não
vejo,” ele diz. E, falando em negro, eu sabia que ele tinha algo por morenas
porque todas as namoradas dele foram morenas. E eu sabia que quando era
apenas nós dois sozinhos, podíamos conversar por horas, ou ficar sentados
lendo lado a lado por horas, cada um ouvindo seu próprio iPod, e ainda nos
sentir completamente juntos. Eu entendia tudo isso na minha cabeça, mas eu
ainda não acreditava no meu coração. Quando eu estava com Adam, eu me
sentia escolhida, especial, e isso me fazia perguntar porque eu? ainda mais.
E talvez fosse por isso que mesmo quando Adam se submetia por vontade
própria as sinfonias de Schubert e ia a qualquer recital que eu participava, me
trazendo lírios, minha flor favorita, eu ainda preferia ir ao dentista do que ir a
um dos shows dele. O que era infantil da minha parte. Eu pensei sobre o que
mamãe me diz as vezes quando me sinto insegura: “Finja até ser verdade.”
Quando terminei de tocar a peça três vezes, eu decidi que eu não só ia ao show
dele, mas eu faria um esforço para entender o mundo dele como ele fazia no
meu.
“Eu preciso de sua ajuda,” eu disse a mamãe aquela noite depois do jantar
enquanto estávamos lado a lado lavando as louças.
“Eu acho que já estabelecemos que não sou muito boa em trigonometria.
Talvez você possa fazer aquele negocio de tutor online,” mamãe disse.
“Não ajuda em matemática. Outra coisa.”
“Farei meu melhor. O que você precisa?”
“Conselho. Quem é a roqueira mais quente e legal que você consegue
pensar?”
“Debbie Harry,” mamãe disse.
“Isso – “
“Não terminei,” mamãe interrompeu. “Você não pode me pedir para escolher
só um. Isso é tão A escolha de Sofia. Kathaleen Hannah. Patti Smith. Joan Jett.
Courtney Love, em seu jeito demente e destrutivo. Lucinda Williams, embora
ela seja country ela é durona. Kim Gordon do Sonic Youth, beirando a cinqüenta
e ainda inteira. Isso é o poder da Mulher Gato. Joan Armatrading. Porque, isso é
algum tipo de projeto de estudos sociais?”
“Mais ou menos,” eu respondi, secando um prato. “É para o Halloween.”
Mamãe bateu suas mãos ensaboadas juntas em deleito. “Você está
planejando personificar um de nós?”
“Yeah,” eu respondi. “Pode me ajudar?”
Mamãe saiu do trabalho cedo para podermos ir em lojas de roupas vintage.
Ela decidiu que deveríamos ir pelo visual misturado de roqueira, ao invés de
tentar copiar apenas uma artista. Compramos uma calça apertada de pele de
lagarto. Uma peruca loira com franja, à la Debbie Harry anos oitenta, o que
mamãe misturou com roxo Manic Panic. Para acessórios, compramos um
bracelete preto de couro para um pulso e doce pulseiras prateadas para o
outro. Mamãe terminou me cedendo sua própria camiseta Sonic Youth – me
avisando para não tirar ela a não ser que fosse para vender no eBay por 200
dólares – e uma bota de couro com espinhos que ela usou no seu casamento.
No Halloween, ela fez minha maquiagem, grossas linhas pretas de delineador
que fizeram meus olhos parecerem perigosos. Pó branco que fez minha pele
ficar pálida. Batom cor de sangue nos meus lábios. Um piercing temporário no
nariz. Quando olhei no espelho, eu vi o rosto de mamãe olhando de volta para
mim. Talvez fosse a peruca loira, mas essa foi a primeira vez que eu pensei que
eu parecia com alguém da minha família imediata.
Meus pais e Teddy esperaram no andar debaixo por Adam enquanto eu fiquei
no meu quarto. Eu me sentia como se esse fosse o baile do formatura ou algo
assim. Papai tinha uma câmera. Mamãe estava praticamente dançando de
excitação. Quando Adam passou pela porta, dando a Teddy Skittles, mamãe e
papai me chamaram.
Eu fiz um caminhar de pessoa furtiva da melhor forma que pude usando
salto. Eu esperava que Adam fosse ficar maluco quando me visse, sua namorada
que usava jeans-e-sueter cheia de glamour. Mas ele sorriu como sempre, rindo
um pouco. “Boa fantasia,” foi tudo que ele disse.
“Quid pro quo. Apenas justo,” eu disse, apontando para fantasia de Mozart.
“Eu acho que você está assustadora, mas bonita,” Teddy disse. “Eu diria sexy
também, mas sou seu irmão, então isso é nojento.”
“Como você sequer sabe o que sexy significa?” eu perguntei. “Você tem 6
anos.”
“Todo mundo sabe o que sexy significa,”ele disse.
Todo mundo menos eu, eu acho. Mas naquela noite, eu acho que aprendi.
Quando fomos buscar doces com Teddy, meus próprios vizinhos que me
conheciam a anos não me reconheceram. Caras que nunca tinham me olhado
duas vezes olharam de novo. E toda vez que isso acontecia, eu me sentia um
pouco mais como a garota sexy que eu estava fingindo ser. Finja até ser verdade
funcionou.
O clube onde Shooting Star estava tocando estava cheio. Todo mundo estava
usando fantasia, a maior parte das garotas estava vestida como – empregadas
francesas, dominatrixes, Dorothys vadias do Mágico de Oz com saias tão curtas
que mostrava suas ligas vermelhas – que normalmente me faziam sentir um
grande imbecil. Eu não me senti imbecil aquela noite, mesmo que ninguém
tenha parecido reconhecer que eu estava usando uma fantasia.
“Você deveria vir fantasiada,” um cara me disse depois de me oferecer uma
cerveja.
“Eu AMO essas calças,” uma garota gritou no meu ouvido. “Você comprou
elas em Seatlle?”
“Você não é do Quarteto da Crack House?” um cara numa mascara de Hillary
Clinton me perguntou, se referindo a alguma banda pesada que Adam amava e
eu odiava.
Quando Shooting Star tocou, eu não fiquei nos bastidores, o que eu
normalmente fazia. Nos bastidores eu podia sentar numa cadeira e ter uma
vista perfeita e não ter que falar com ninguém.Dessa vez, eu fui até o bar, e
então, quando uma garota me agarrou, eu me juntei a dança dela na multidão.
Eu nunca fui na multidão antes. Eu tinha pouco interesse em andar círculos
enquanto garotos bêbados usando couro me jogavam para cima. Mas hoje a
noite, eu me envolvi totalmente. Eu entendi como era emerger sua energia
naquela multidão e absorver a deles também. Como na multidão, quando as
coisas estavam acontecendo, você não está andando ou dançado mas sendo
sugada por um rodamoinho.
Quando Adam terminou de tocar, eu estava tão ofegante e suada quanto ele.
Eu não fui para os bastidores para cumprimentar ele antes de todo mundo. Eu
esperei ele ir para o show do clube, para encontrar seu publico como ele fazia
no final de cada show. E quando ele chegou, com uma toalha ao redor do seu
pescoço, tomando uma garrafa de água, eu me joguei nos braços dele e o beijei
abertamente e negligentemente na frente de todo mundo. Eu podia sentir ele
sorrindo enquanto ele me beijava.
“Bem, bem, parece que alguém foi infuso com o espírito de Debbie Harry,”
ele disse, limpando o batom do seu queixo.
“Eu acho que sim. E quanto a você? Está se sentindo muito Mozarty?”
“Tudo que sei sobre ele é pelo que vi naquele filme. Mas eu lembro que ele
era meio tarado, e depois desse beijo, eu acho que eu sou. Pronta para ir? Eu
posso guardas as coisas e podemos sair daqui.”
“Não, vamos ficar para a ultima apresentação.”
“Verdade?” Adam perguntou, suas sobrancelhas se erguendo em surpresa.
“Yeah. Eu posso até ir dançar com você.”
“Você andou bebendo?” ele provocou.
“Só Kool-Aid¹,” eu respondi.
Dançamos, parando de vez enquando para ficar, até que o clube fechou.
No caminho para casa, Adam segurava minha mão enquanto ele dirigia.
De vez enquando ele virava para olhar para mim e sorrir enquanto balançava
sua cabeça.
“Então você gosta de mim assim?” eu perguntei.
“Hmm,” ele respondeu.
“Isso é um sim ou não?”
“É claro que gosto de você.”
“Não, desse jeito. Você gostou de mim hoje a noite?”
Adam se endireitou. “Eu gostei por você ter se envolvido no show e não
estava ansiosa para ir imediatamente embora. E eu amei dançar com você. E eu
amei o quão confortável você parecia por estar conosco.”
“Mas você gosto de mim assim? Gostou mais?”
“Do que o que?” ele perguntou. Ele parecia genuinamente perplexo.
“Do que o normal.” Eu estava ficando irritada agora. Eu me senti tão livre hoje
a noite, como se a fantasia de Halloween tivesse me dado uma nova
personalidade, uma mais digna de Adam, da minha família. Eu tentei explicar
isso para ele, e para minha infelicidade, me encontrei quase em lágrimas.
Adam pareceu sentir que eu estava chateada. Ele parou o carro no
acostamento e virou para mim. “Mia, Mia,Mia,” ele disse, acariciando meu
cabelo que tinha escapado da peruca. “Essa é a você que eu gosto. Você
definitivamente se vestiu mais sexy e é, você sabe, loira, e isso é diferente. Mas
a você que você é hoje a noite é a mesma você por quem estive apaixonado
ontem, a mesma que vou estar apaixonado amanha. Eu amo que você é frágil e
durona, quieta e fodona. Diabos, você é uma das garotas mais punks que eu já
conheci, não importa o que você escuta ou o que você usa.”
Depois disso, sempre que eu começava a duvidar dos sentimentos de Adam,
eu pensava na minha peruca, acumulando pó no armário, e ela trazia de volta a
memória daquela noite. E então eu não me sentia insegura. Eu só me sentia
sortuda.
¹Bebida de sabor artificial.
_______________
19:13
Ele está aqui.
Eu estive num quarto vazio na maternidade do hospital, querendo ficar longe
dos meus parentes e ainda mais longe da UTI e aquela enfermeira, ou mais
especificamente do que a enfermeira disse e o que agora eu entendo. Eu
precisava estar em algum lugar onde as pessoas não estariam tristes, onde os
pensamentos eram em relação a vida, não a morte. Então vim aqui, a terra dos
bebês gritantes. Na verdade, o choramingar dos recém nascidos é
reconfortante. Eles já tem tanta luta neles.
Mas está silencioso nesse quarto agora. Então estou sentada na janela,
olhando para a noite. Um carro para no estacionamento, me tirando dos meus
pensamentos. Eu olho em tempo de ver um deslumbre de um carro
desaparecendo na escuridão. Sarah, que é a namorada de Liz, a baterista do
Shooting Star, tem um Doge Dart rosa. Eu seguro o fôlego, esperando para
Adam aparecer. E então ali está ele, subindo a rampa, esfregando sua jaqueta
de couro contra a noite fria invernal. Eu posso ver as correntes da carteira dele
brilhando. Ele para, vira para falar com alguém atrás dele. Eu vejo a suave figura
de uma mulher emergir das sombras. A principio, eu penso que deve ser Liz.
Mas então eu vejo a trança.
Eu queria poder abraçar ela. Agradecer a ela por sempre estar um passo a
frente no que eu preciso.
É claro Kim iria até Adam, dizer a ele pessoalmente ao invés de contar pelo
telefone, e então traria ele aqui, para mim. Era Kim que sabia que Adam ia fazer
um show em Portland. Kim que deve de alguma forma, ter seduzido sua mãe
fazendo ela dirigir até o centro. Kim que, julgando pela ausência da Sra. Schein,
deve ter convencido sua mãe a ir para casa, e deixar ela ficar comigo e Adam. Eu
lembro como levou dois meses para Kim conseguir permissão para dar aquela
volta de helicóptero com seu tio, então estou impressionada por ela ter
conseguido essa quantidade de emancipação no espaço de algumas horas. Era
Kim que deve ter brigado com qualquer quantidade de seguranças para
encontrar Adam. E Kim que deve ter corajosamente ter contado a Adam.
Eu sei que isso soa ridículo, mas fico feliz por não ter sido eu. Eu não acho que
teria suportado. Kim teve.
E agora, por causa dele, ele finalmente estava aqui.
O dia todo, estive imaginando a chegada de Adam, e em minha fantasia, eu
corria para saudar ele, embora ele não consiga e me ver e embora, pelo que eu
percebi até agora, não seja como no filme Ghost – Do outro lado da vida, onde
você pode andar através dos seus amados e eles conseguem sentir sua
presença.
Mas agora que Adam está aqui, estou paralisada. Assustada por ver ele. Por
ver seu rosto. Eu vi Adam chorar duas vezes. Uma vez quando assistimos Do Céu
Caiu Uma Estrela. E outra vez quando estávamos na estação de trem em Seattle
e vimos uma mãe gritando e empurrando seu filho que tinha síndrome de
Down. Ele só ficou quieto e foi só quando estávamos nos afastando que eu vi
lágrimas rolando pelas bochechas dele. E quase rasgou meu coração. Se ele
estivesse chorando, vai me matar. Esqueça esse negócio de minha escolha. Isso
vai bastar para acabar comigo.
Eu sou tão medrosa.
Eu olho para o relógio na parede. Já passam das 7 da noite agora. Shooting
Star não vai abrir para o Bikini afinal de contas. O que é uma pena. Era uma
grande chance para eles. Por um segundo, eu me pergunto se o resto da banda
vai entrar sem Adam. Mas eu duvido. Não é só que ele é o cantor e toca
guitarra. A banda tem esse código. Lealdade aos sentimentos é importante. No
verão passado, quando Liz e Sarah terminaram (pelo que acabou sendo um
mês) e Liz estava muito distraída para tocar, eles cancelaram a tour de cinco
noites, embora esse cara Gordon que toca bateria para outra banda tenha se
oferecido para substituir ela.
Eu observo Adam caminhar até a entrada principal do hospital, Kim atrás
dele. Logo antes dele passar pelas portas automáticas, ele olha para o céu. Ele
está esperando por Kim mas também gosto de pensar que ele está procurando
por mim. Seu rosto, iluminado pelas luzes, está em branco, como se alguém
tivesse aspirado toda a personalidade dele, deixando apenas uma mascara. Ele
não parece como ele. Mas pelo menos não está chorando.
Isso me da a coragem para ir até ele. Ou melhor, até mim, na UTI, que é pra
onde eu sei que ele irá. Adam conhece vovó e vovô e os primos, e eu imagino
que ele vá se juntar a vigília na sala de espera depois. Mas agora, ele está aqui
por mim.
Na UTI o tempo está parado como sempre. Um dos cirurgiões que trabalhou
em mim mais cedo – o que suava muito e, quando foi vez dele de escolher a
música, ele escolheu Weezer – está me checando.
A fraca luz artificial é mantida no mesmo nível o tempo todo, mas mesmo
assim, os ritmos de 24 horas ganham e a noite entra no lugar. É menos frenético
do que durante o dia, como se as enfermeiras e as maquinas estivessem todos
um pouco cansados e reverteram para o modo de economizar bateria.
Então quando a voz de Adam ecoa do corredor do lado de fora da UTI, ela
realmente acorda a todos.
“Como assim não posso entrar?” ele exige.
Eu passo pela UTI, parada do outro lado das portas automáticas. Eu ouço a
explicação dada a Adam que ele não tem permissão de entrar nessa parte do
hospital.
“Isso é besteira!” Adam grita.
Dentro da ala, as enfermeiras olham para a porta, os olhos delas cuidadosos.
Tenho certeza que elas estão pensando: Não temos o bastante para lidar aqui
dentro sem ter que acalmar um louco do lado de fora? Eu queria explicar a eles
que Adam não é louco. Que ele nunca grita, a não ser em ocasiões muito
especiais.
A enfermeira de meia idade que não cuida de pacientes mas fica sentada
perto dos monitores dos computadores e telefones, da um pequeno aceno e se
levanto como se estivesse aceitando um prêmio. Ela ajeita sua calça branca e
caminha até a porta. Ela realmente não é a melhor para falar com ele. Eu queria
poder avisar eles que era melhor mandar a enfermeira Ramirez, a que
encorajou meus avós (e me assustado). Ela seria capaz de acalmar ele. Mas essa
vai piorar tudo. Eu sigo ela pelas portas onde Adam e Kim estão discutindo com
uma pessoa de plantão. O plantonista olha para a enfermeira. “Eu disse a eles
que eles não estão autorizados a estar aqui,” ele explica. A enfermeira dispensa
ele com um aceno de mão.
“Posso te ajudar, meu jovem?” ela pergunta a Adam. A voz dela soa irritada e
impaciente, como alguns dos colegas de papai na escola, que ele diz estarem
contando os dias para sua aposentadoria.
Adam limpa sua garganta, tentando se manter firme. “Eu gostaria de visitar
uma paciente,” ele diz, gesticulando em direção as portas que impedem ele de
entrar na UTI.
“Temo que isso não seja possível,” ela responde.
“Mas minha namorada, Mia, ela – “
“Ela está sendo bem cuidada,” a enfermeira interrompe. Ela soa
cansada,cansada demais para simpatia, cansada demais para se comover com
amor juvenil.
“Eu entendo isso. E sou agradecido,” Adam diz. Ele está tentando seu melhor
para jogar pelas regras, para soar maduro, mas eu ouço o tom na sua voz
quando ele diz: “Eu realmente preciso vê-la.”
“Desculpe, meu jovem, mas as visitas são restritas a família imediata.”
Eu ouço Adam arfar. Família imediata. A enfermeira não quer ser cruel. Ela só
não tem noção, mas Adam não sabe disso. Eu sinto a necessidade de proteger
ele e proteger a enfermeira do que ele pode fazer com ela. Eu tento alcançar
ele, por instinto, embora eu não possa realmente tocá-lo. Os ombros dele estão
arqueados e suas pernas estão começando a entortar.
Kim, que está perto da parede, de repente está do lado dele, seus braços
circulando sua forma caída. Com os dois braços ao redor da cintura dele, ela vira
para a enfermeira, os olhos dela brilhando de fúria. “Você não entende!” ela
grita.
“Eu preciso chamar a segurança?” a enfermeira pergunta.
Adam acena sua mão, se rendendo a enfermeira, a Kim. “Não,” ele sussurra
para Kim.
Então Kim não faz nada. Sem dizer outra palavra, ela envolve os braços dele
ao redor dos ombros dela e coloca seu peso nos dela. Adam tinha cerca de 40
cm a mais que Kim, mas depois de tropeçar por um segundo, ela se ajuda ao
peso acrescentado. Ela o suporta.
Kim e eu temos uma teoria de que quase tudo no mundo pode ser dividido em
dois grupos.
Tem as pessoas que gostam de música clássica. Pessoas que gostam de pop.
Tem pessoas que gostam da cidade. Tem pessoas que gostam do campo. Quem
bebe coca. Quem bebe Pepsi. Tem conformistas e pensadores livres. Virgens e
não virgens. E tem o tipo de garota que tem namorados no ensino médio, e o
tipo de garota que não tem.
Kim e eu sempre assumimos que nós duas pertenceríamos a ultima
categoria. “Não que vamos ser virgens de 40 anos nem nada assim,” ela
assegurou. “Vamos só ser o tipo de garotas que tem namorados na faculdade.”
Isso sempre fez sentido para mim, parecia até preferível. Mamãe era o tipo
de garota que teve um namorado no ensino meio e freqüentemente dizia que
queria não ter perdido seu tempo. “Só tem um número máximo de vezes que
uma garota quer ficar bêbada no Mickey Big Mouth, ir dar gorjetas, e ficar numa
caminhonete. Até onde os garotos que eu namorei se interessam, isso era uma
noite romântica.”
Papai pelo outro lado, não namorou até a faculdade. Ele era tímido no
ensino médio, mas então começou a tocar bateria no seu ano de calouro na
faculdade e se juntou a uma banda punk, e boom, namoradas. Ou pelo menos
alguma até ele conhecer mamãe, e boom, uma esposa. Eu meio que pensava
que seria assim para mim.
Então, foi uma surpresa para Kim e eu quando eu acabei no grupo A, com as
garotas de namorado. A principio, eu tentei esconder. Depois que vim para casa
no fim do concerto de Yo-Yo Ma, eu contei a Kim detalhes vagos. Eu não
mencionei o beijo. Eu racionalizei a omissão: Não tem porque ficar agitada por
causa de um beijo. Um beijo não faz uma relação. Eu beijei garotos antes, e
normalmente no outro dia o beijo evaporava como uma gota de chuva no sol.
A não ser que eu sabia que com Adam era importante. Eu soube com a forma
que calor passou por todo meu corpo na noite depois que ele me levou para
casa, me beijando mais uma vez nos degraus da casa. Pelo jeito que eu fiquei
abraçando meu travesseiro até o amanhecer. Pelo jeito que eu não consegui
comer no outro dia, e não podia tirar o sorriso do rosto. Eu reconheci que o
beijo foi uma porta pela qual eu passei. E eu sabia que tinha deixado Kim do
outro lado.
Depois de uma semana, e mais alguns beijos roubados, eu sabia que tinha
que contar a Kim. Fomos tomar café depois da aula. Era maio mas estava
chovendo como chove em novembro. Eu me sentia levemente sufocada pelo
que tinha que fazer.
“Eu pago. Você quer uma das suas bebidas froufrou?” Eu perguntei. Essa era
outra categoria que havíamos determinado: pessoas que bebem café normal e
pessoas que bebem drinks cheios de cafeína como latte com lascas de menta
que Kim tanto gostava.
“Eu acho que vou provar o latte com canela,” ela disse, me dando um olhar
firme que dizia, eu não vou me envergonhar da minha seleção de bebidas.
Eu comprei as bebidas para nós e um pedaço de torta de marionberry¹ com
dois garfos. Eu sentei na frente de Kim, passando o garfo pela lateral do recheio.
“Eu tenho algo para te contar,” eu disse.
“Algo sobre ter um namorado?” A voz de Kim era divertida, mas embora eu
estivesse olhando para baixo, eu percebi que ela estava virando os olhos.
“Como você descobriu?” eu perguntei, olhando nos olhos dela.
Ela virou os olhos de novo. “Por favor. Todo mundo sabe. É a fofoca mais
quente fora Melanie Farrow largando a escola para ter um bebê. É como um
candidato democrata a presidência se casando com um candidato a presidência
Republicano.”
“Quem disse algo sobre casamento?”
“Eu só estou usando uma metáfora,” Kim disse. “E de qualquer forma, eu sei.
Eu soube mesmo antes de você saber.”
“Mentira.”
“Qual é. Um cara como Adam ir ver o concerto de Yo-Yo Ma? Ele estava te
cantando.”
“Não é assim,” eu disse, embora é claro, fosse totalmente assim.
“Eu só não entendo porque você não podia me contar mais cedo,” ela disse
quieta.
Eu estava prestes a dar a ela os detalhes da minha ideia um-beijo-não-é-
igual-a-uma-relação e explicar que eu não queria exagerar, mas eu me impedi.
“Tive medo que você ficasse brava comigo,” eu admiti.
“Eu não estou,” Kim disse. “Mas vou ficar se você mentir pra mim de novo.”
“Ok,” eu disse.
“Ou se você se transformar numa daquelas garotas, sempre correndo atrás
de seus namorados, e falando em primeira pessoa no plural. Nós amamos o
inverno. Nós achamos que o Velvet Underground é produtivo.”
“Você sabe que eu não conversaria sobre rock com você na primeira pessoa
no plural ou singular. Eu prometo.”
“Ótimo,” respondeu Kim. “Porque se você se transformar numa dessas
garotas, eu mato você.”
“Se eu me transformar numa dessas garotas, eu te entrego a arma.”
Kim riu pra valer disso, e a tensão se quebrou. Ela botou um pedaço de torta
na boca. “Como seus pais reagiram?”
“Papai passou pelos cinco estágios do luto – negação, raiva, aceitação, tanto
faz – em tipo, um dia. Eu acho que ele está mais assustado por ser velho o
bastante para ter uma filha que tem um namorado.” Eu pausei, olhando para
meu café, deixando a palavra namorado descansar no ar. “E ele alega não
acreditar que estou namorando um músico.”
“Você é uma musicista,” Kim me lembrou.
“Você sabe, um punk, um musico pop.”
“Shootin Star é emo-core,” Kim corrigiu. Diferente de mim, ela se importa
com as distinções da música pop: punk, indie, alternativa, hard-core, emo-core.
“É na maior parte ar quente, sabe, parte do negócio de pai de gravata
borboleta dele. Eu acho que papai gosta de Adam. Ele o conheceu quando ele
foi me buscar para o concerto. Agora ele quer que eu o leve para um jantar em
família, mas não faz nem um semana. Não estou pronta para um conheço-o-
pessoal ainda.”
“Eu acho que nunca estarei pronta para isso,” Kim deu nos ombros enquanto
pensava. “E quanto a sua mãe?”
“Ela se ofereceu para me levar a Planejamento de Pais para pegar a pílula e
me disse para fazer Adam ser testado para todos os tipos de doença. Enquanto
isso, ela me mandou comprar camisinhas. Ela até me deu 10 dólares para
começar meu suprimento.”
“Você começou?” Kim arfou.
“Não, só faz uma semana,” eu disse. “Ainda estamos no mesmo grupo do que
o primeiro.”
“Por enquanto,” Kim disse.
Uma outro categoria que Kim e eu fizemos era de pessoas que tentavam ser
legais e pessoas que não tentavam. Nessa, eu achava que Adam, Kim, e eu
éramos da mesma coluna, porque embora Adam fosse legal, ele não tentava
ser. Vinha sem esforço para ele. Então, eu esperei que nós três nos tornássemos
melhores amigos. Eu esperei que Adam amasse todos que eu amava tanto
quanto eu.
E funcionou assim com minha família. Ele praticamente se tornou o terceiro
filho. Mas ele nunca teve um click com Kim. Adam tratava ela do mesmo jeito
que eu sempre imaginei que ele trataria uma garota como eu. Ele era gentil o
bastante – educado, amigável, mas distante. Ele não tentava entrar no mundo
dela ou ganhar sua confiança. Eu suspeito que ele pensou que ela não era legal
o bastante e isso me deixou brava. Depois de estarmos juntos por cerca de 3
meses, tivemos uma grande briga por causa disso.
“Não estou saindo com Kim. Estou saindo com você,” ele disse, depois que eu
o acusei de não ser gentil o bastante com ela.
“E daí? Você tem muitas amigas. Porque não acrescenta ela a lista?”
Adam deu nos ombros. “Eu não sei. Eu só não quero.”
“Você é um esnobe!” eu disse, de repente furiosa.
Adam me olhou com as sobrancelhas franzidas, como se eu fosse um
problema de matemática no quadro que ele estava tentando fazer. “Como isso
faz de mim um esnobe? Você não pode forçar amizade. Nós só não temos muito
em comum.”
“É isso que te faz um esnobe! Você só gosta de pessoas como você,” eu gritei.
Eu sai, esperando que ele me seguisse, implorando perdão, e quando ele não o
fez, minha fúria dobrou. Eu fui de bicicleta até a casa de Kim. Ela me ouviu, a
expressão dela propositalmente cheia de blasé.
“Isso dele só gostar de pessoas como ele é ridículo,” ela disse quando
terminei de falar. “Ele gosta de você, e você não é como ele.”
“Esse é o problema,” eu murmurei.
“Bem, então lide com isso. E não me arraste para seu drama,” ela disse.
“Além do mais, eu não combino com ele também.”
“Você não combina?”
“Não, Mia.Nem todo mundo é fã do Adam.”
“Eu não me referi a isso. Eu só queria que vocês fossem amigos.”
“Yeah, bem, eu quero viver em Nova Iorque e ter pais normais. Como o cara
disse, “Você nem sempre pode ter o que quer.”
“Mas vocês dois são as pessoas mais importantes na minha vida.”
Kim olhou para meu rosto vermelho e cheio de lágrimas e a expressão dela
se suavizou num sorriso gentil. “Sabemos disso, Mia. Mas somos de partes
diferentes da sua vida, como a música e eu somos partes diferentes da sua vida.
E está tudo bem. Você não tem que escolher um ou outro, pelo menos não pela
minha parte.”
“Mas eu queria que todas essas partes da minha vida se unissem.”
Kim balançou a cabeça. “Não funciona assim. Olha, eu aceito Adam porque
você o ama. E eu assumo que ele me aceita porque você me ama. Se te faz
sentir melhor, seu amor nos une. E isso é o bastante. Eu e ele não temos que
nos amar.”
“Mas eu quero,” eu disse.
“Mia,” Kim disse, um aviso na voz dela mostrando o fim de sua paciência.
“Você está começando a agir como um daquelas garotas. Você precisa me
entregar uma arma?”
Mais tarde naquela noite, eu passei na casa de Adam para dizer que sentia
muito. Ele aceitou minhas desculpas com um beijo no nariz. E então nada
mudou. Ele e Kim continuaram cordiais mas distantes, não importava o quanto
eu tentasse vender eles um para o outro. O engraçado era, eu nunca realmente
acreditei na noção de Kim que eles estavam de alguma forma ligados juntos
através de mim – até agora quando eu vi ela meio que carregando ele pelo
corredor do hospital.
¹Vários tipos de blackbarry.
20:12
Eu observei Kim e Adam desaparecerem pelo corredor. Eu queria seguir eles
mas estou colada ao linóleo, incapaz de mover minhas pernas fantasmas. É só
depois deles desaparecerem que eu me recupero e vou atrás deles, mas eles já
entraram no elevador.
Eu já descobri que não tenho habilidades sobrenaturais. Eu não posso flutuar
pelas paredes ou mergulhar nas escadas. Eu só posso fazer as coisas que eu era
capaz de fazer na vida real, a não ser que aparentemente o que eu faço no meu
mundo é invisível para todo mundo. Pelo menos esse parece ser o caso, porque
ninguém olha duas vezes quando eu abro portas ou aperto o botão do elevador.
Eu posso tocar nas coisas, e até manipular maçanetas de portas, mas não
consigo sentir nada nem ninguém. É como se estivesse experimentando tudo
através de um aquário. Nada faz sentido para mim, mas de novo, nada que
aconteceu hoje faz muito sentido.
Eu assumi que Kim e Adam estavam na sala de espera para se juntar a vigília,
mas quando eu chego lá, minha família não está ali. Tem uma pilha de casacos e
suéteres nas cadeiras e eu reconheço a jaqueta laranja da minha prima Heather.
Ela vive no condado e gosta de andar nas florestas, então ela diz que cores neon
são necessárias para impedir que caçadores bêbados confundam ela com um
cervo.
Eu olho para o relógio na parede. Pode ser hora da janta. Eu ando pelos
corredores até a lancheria, que tem a mesma comida frita e vegetais cozidas
que as lancherias de toda parte. Fora o cheiro desagradável, está cheio de
gente. As mesas estão lotadas com médicos e enfermeiras e estudantes de
medicina nervosos em jaquetas brancas com estetoscópios tão brilhantes que
parecem brinquedos. Eles estão todos ao redor de uma pizza e purê de batata
seco. Eu levo um tempo para localizar minha família, reunida numa mesa. Vovó
está conversando com Heather. Vovô está prestando atenção no seu sanduíche
de peru.
Tia Kate e Tia Diane estão no canto, sussurrando sobre algo. “Alguns cortes e
arranhões.Ele já foi liberado do hospital” Tia Kate está dizendo, e por um
segundo eu penso que ela está falando de Teddy e fico tão excitada que podia
chorar. Mas então ouço ela dizer algo sobre não haver álcool no sistema dele,
sobre como nosso carro simplesmente apareceu e um cara chamado Sr. Dunlap
dizer que ele não teve tempo para parar, e então eu percebi que ela não estava
falando de Teddy; ela estava falando do outro motorista.
“A policia disse que provavelmente foi a neve, ou um viado que fez eles
desvirem,” tia Kate continua.”E aparentemente esse resultado é bem comum.
Uma parte está bem e a outra sofre ferimentos catastróficos...” ela termina.
Eu não se eu diria que o Sr. Dunlap “está bem,” não importa o quão
superficial sejam seus ferimentos. Eu penso sobre como deve ser, ser ele,
acordar numa terça de manhã e subir na sua caminhonete para ir para o
trabalho no moinho ou talvez na loja de suprimentos ou talvez do restaurante
Loretta´s para comer ovos. Sr. Dunlap, que talvez estivesse perfeitamente feliz
ou perfeitamente miserável, casado com filhos ou solteiro. Mas quem quer ou
como quer que ele estivesse hoje de manhã, ele não é mais essa pessoa. A vida
dele mudou irremediavelmente também. Se o que minha tia diz é verdade, e a
batida não foi culpa dele, então ele é o que Kim chama de “pobre bastardo,” no
lugar e na hora errado. E por causa do azar dele e porque ele estava em sua
caminhonete, dirigindo na Rota 27 essa manhã, dois garotos estão sem pais e
pelo menos um deles está em condição grave.
Como você vive com isso? Por um segundo, eu tenho a fantasia de ficar cada
vez melhor e sair daqui para ir até a casa do Sr. Dunlap, para aliviar ele do seu
fardo, para assegurar ele que não foi sua culpa. Talvez a gente se torne amigos.
É claro, provavelmente não funciona assim. Seria constrangedor e triste.
Além do mais, eu ainda não faço ideia do que vou decidir, ainda não faço ideia
de como determinar que vou ficar ou não. Até eu descobrir, eu tenho que
deixar as coisas na mão do destino, ou na dos médicos, ou de quem quer que
decide esses assuntos quando quem tem que decidir está muito confuso para
escolher entre o elevador e as escadas.
Eu preciso de Adam. Eu dou uma ultima procurada por ele e Kim mas eles
não estão aqui, então volto para a UTI.
Eu encontro eles escondidos na andar de emergência, várias paredes de
distancia da UTI. Eles estão tentando parecer casuais enquanto testam as portas
para vários armários de suprimentos. Quando finalmente encontram uma
destrancada, eles entram. Eles estão no escuro procurando pelo interruptor de
luz. Eu odeio dizer a eles, mas fiquei no corredor.
“Não tenho certeza que esse tipo de coisa funcione fora dos filmes,” Kim diz
a Adam enquanto se coloca contra uma parede.
“Toda ficção tem sua base em fatos,” ele diz a ela.
“Você não parece ser o tipo médico,” ela diz.
“Eu estava esperando ser plantonista. Ou talvez um zelador.”
“Porque haveria um zelador na UTI?” Kim pergunta. Ela é rígida nesses tipos
de detalhes.
“Eu ainda não entendo porque você simplesmente não vai até a família
dela?” pergunta Kim, pragmática como sempre. “Tenho certeza que os avós
dela poderiam explicar, e você poderia ver Mia.”
Adam balança a cabeça. “Sabe, quando a enfermeira ameaçou chamar a
segurança, meu primeiro pensamento foi ‘eu vou ligar para os pais de Mia para
ajeitar isso.’” Adam para, respira um pouco. “Eu só fico repassando isso de novo
e de novo, e é como a primeira vez toda vez,” ele diz numa voz rouca.
“Eu sei,” Kim responde num sussurro.
“De qualquer forma,” Adam diz, voltando a sua busca pelo interruptor, “não
posso ir até os avós dela. Não posso acrescentar mais uma coisa ao fardo deles.
Isso é algo que eu tenho que fazer sozinho.”
Tenho certeza que meus avós na verdade ficariam felizes em ajudar Adam.
Eles o encontraram várias vezes, e eles gostam muito dele. No natal, vovó
sempre se certifica de fazer torta de maça porque ele uma vez mencionou o
quanto gostava.
Mas eu também sei que as vezes Adam precisam fazer as coisas do jeito
dramático. Ele gosta do Grande Gesto. Como guardar duas semanas de gorjeta
de entrega de pizzas para me levar ao Yo-Yo Ma ao invés de simplesmente me
chamar para um encontro normal. Como decorar minha persiana com flores
todo dia por um semana quando eu estava contagiosa com catapora.
Agora eu posso ver que Adam está se concentrando em sua nova tarefa.
Não tenho certeza sobre o que exatamente ele tem em mente, mas qualquer
que seja o plano, fico agradecida por ele, se apesar porque isso o tirou do
estupor emocional que eu vi no corredor fora da UTI. Eu vi ele ficar assim antes,
quando ele está escrevendo uma música ou tentando me convencer a fazer algo
que eu não quero – como ir acampar com ele – e nada, nem uma queda de
meteoro no planeta, nem mesmo sua namorada da UTI, podem dissuadir ele.
Além do mais, é a namorada na UTI que precisa da ajuda de Adam pra
começo de conversa. E pelo que eu posso adivinhar, é o truque de hospital mais
velho, tirado do filme O fugitivo, que mamãe e eu recentemente assistimos na
TNT. Eu tenho minhas duvidas sobre ele. Kim também.
“Você não acha que aquele enfermeira vai reconhecer você?” Kim pergunta.
“Você gritou com ela.”
“Ela não vai ter que me reconhecer se ela não me ver. Agora eu entendo
porque você e Mia são tão certinha. Um par de Cassandras.”
Adam e eu nunca encontramos a Sra. Schein, então ele não entende que
insinuar que Kim é uma pessimista é brigar com palavras. Kim fez uma carranca,
mas desistiu. “Talvez esse seu plano retardado funcionasse melhor se
pudéssemos ver o que estamos fazendo,” ela procura algo na sua bolsa e tira
um celular que a mãe dela fez ela começar a carregar quando tinha 10 anos –
rastreador de criança, Kim chama – e liga o monitor. Um quadrado de luz
suaviza a escuridão.
“Agora, essa é mais a garota brilhante que Mia se gaba,” Adam diz. Ele liga
seu celular e agora está iluminado por uma fraca luz.
Infelizmente, o brilho mostra que o pequeno armário de vassouras está
cheio de vassouras, um balde, e um par de esfregões, mas não tem nenhum
disfarce que Adam esperava encontrar. Se eu pudesse, eu informaria a eles que
o hospital tem armários, onde os médicos e enfermeiras colocam suas roupas
suadas e onde eles trocam suas roupas ou aventais. A única vestimenta genérica
de hospital disponível são as camisolas embaraçosas que eles colocam nos
pacientes. Adam provavelmente podia colocar uma camisola e andar pelos
corredor em uma cadeira de rodas, mas tal disfarce ainda não levaria ele para
UTI.
“Merda,” Adam diz.
“Podemos continuar tentando,” Kim diz, de repente alegre. “Esse lugar tem
tipo 10 andares.Tenho certeza que tem outros armários destrancados.”
Adam afunda no chão. “Nah.Você tem razão. Isso é idiota. Precisamos bolar
um plano melhor.”
“Você podia fingir uma overdose ou algo assim para acabar na UTI,” Kim diz.
“Isso é Portland. Você tem sorte se uma overdose te trás a emergência,”
Adam responde. “Não, eu estava pensando em uma distração. Você sabe, como
ligar o alarme de incêndio para fazer todas as enfermeiras correrem para fora.”
“Você acha que irrigadores e enfermeiras em pânico vai ser bom para Mia?”
Kim pergunta.
“Bem, não exatamente isso, mas algo para que eles todos olhem para longe
por meio segundo para que eu possa entrar.”
“Eles vão te encontrar imediatamente. Eles vão te expulsar.”
“Eu não me importo,” Adam responde. “Eu só preciso de um segundo.”
“Porque? Eu quero dizer, o que você pode fazer num segundo?”
Adam pausa por um segundo. Seus olhos, que normalmente são uma
mistura de cinza com marrom e verde, ficaram negros. “Para que eu possa
mostrar a ela que estou aqui. Que alguém ainda está aqui.”
Kim não faz mais perguntas depois disso. Eles ficam sentados ali, em silencio,
cada um perdido em pensamentos, e isso me lembra como Adam e eu
conseguimos ficar juntos mas em silencio e separados e eu percebo que eles são
amigos agora, amigos de verdade. Não importa o que aconteça, pelo menos
consegui isso.
E depois de cerca de 5 minutos, Adam bate na testa.
“É claro,” ele diz.
“O que?”
“Hora de ativar o Bat sinal.”
“Huh?”
“Vem. Eu te mostro.”
Quando eu comecei a tocar o violoncelo, papai ainda tocava bateria em sua
banda, embora isso tenha começado a ficar em segundo plano quando Teddy
chegou. Mas desde o inicio, eu percebi que havia algo diferente em tocar meu
tipo de música, algo mais do que o atordoamento dos meus pais em relação ao
meu gosto por música clássica. Minha música era solitária. Eu quero dizer, papai
pode bater na sua bateria por algumas horas sozinho ou escrever músicas
sozinho na mesa da cozinha, escolhendo notas para seu violão, mas ele sempre
disse que as músicas realmente são escritas enquanto você as toca. Era isso que
fazia ser tão interessante.
Quando eu tocava, era geralmente sozinha, no meu quarto. Mesmo quando
eu praticava com os estudantes da faculdade, fora das aulas, eu normalmente
tocava sozinha. E quando eu dava um concerto ou recital, era sozinha, no palco,
meu violoncelo, eu, e uma audiência. E diferente dos shows de papai, onde fãs
entusiasmados pulavam no palco e então mergulhavam na multidão, havia
sempre uma barreira entre uma audiência e eu. Depois de um tempo tocando
assim, era solitário. Também ficava um pouco chato.
Então na primavera da oitava série eu decidi desistir. Eu planejei parar aos
poucos, parando com meus treinos obsessivos, sem dar recitais. Eu achei que se
eu desistisse gradualmente, quando eu entrasse no ensino médico no outono,
eu podia começar do zero, sem ser conhecida como “a violoncelista.”
Talvez eu escolhesse um novo instrumento, uma guitarra ou baixo, ou até
bateria. Além do mais, com mamãe ocupada demais com Teddy para notar que
eu gradualmente parei de praticar, e com papai fazendo planos de aula e dando
notas a trabalhos com seu novo trabalho de professor, eu achei que ninguém ia
perceber que eu parei de tocar até que eu não tocasse mais.Pelo menos foi isso
que eu disse a mim mesma.A verdade foi que eu não podia largar o violoncelo
tão cedo quanto não podia parar de respirar.
Eu poderia ter largado pra valer se não fosse por Kim. Uma tarde, eu a
convidei para ir ao centro comigo depois da aula.
“É um dia de semana. Você não tem que praticar?” ela perguntou enquanto
girava a combinação do armário dela.
“Eu posso pular hoje,” eu disse, fingindo procurar por meu livro de ciências.
“As pessoas do pó roubaram Mia? Primeiro nada de recitais. E agora você
está pulando seus treinos. O que está acontecendo?”
“Eu não sei,” eu disse, batendo meus dedos contra meu armário. “Eu acho
que vou tentar um novo instrumento. Como bateria. O kit de papai está no
porão acumulando pó.”
“Yeah, certo. Você na bateria. Isso é legal,” Kim disse com uma risada.
“Estou falando sério.”
Kim olhou para mim, a boca aberta, como se eu tivesse acabado de dizer a
ela que eu estava planejando cozinhar um prato de lesmas pro jantar. “Você
não pode largar o violoncelo,” ela disse depois de um minuto de um silêncio
atordoado.
“Porque não?”
“Ela parecia penar para explicar. “Eu não sei, mas parece que o seu
violoncelo é parte de quem você é. Eu não consigo te imaginar sem aquela coisa
entre suas pernas.”
“É idiota. Eu não posso nem tocar na banda da escola. Eu quero dizer, quem
toca violoncelo afinal de costa? Um bando de pessoas velhas. É um instrumento
idiota para uma garota tocar. É tão nerd. E eu quero ter mais tempo livro, para
fazer coisas divertidas.”
“Que tipo de ‘coisa divertida’?” Kim desafiou.
“Um, sabe? Compras. Sair com você....”
“Por favor,” Kim disse. “Você odeia fazer compras. E você anda bastante
comigo. Mas tudo bem, não treine hoje. Eu quero te mostrar algo.” Ela me
levou para casa com ela e pegou o CD do Nirvana MTV Unplugged e mostrou
para mim “Something in the way.”
“Escute isso,” ela disse. “Dois guitarristas, um baterista, e um violoncelista. O
nome dela é Lori Goldston e eu aposto que quando ela era mais jovem, ela
praticava duas horas por dia como uma outra garota que conheço porque se
você quer tocar com a filarmônica, ou com Nirvana, é o que você tem que fazer.
E eu não acho que ninguém pode se atrever a chamar ela de nerd.”
Eu levei o CD pra casa e ouvi de novo e de novo na semana seguinte,
ponderando sobre o que Kim disse. Eu peguei meu violoncelo algumas vezes,
tocando junto. Era um diferente tipo de música do que eu já tinha tocado,
desafiadora, e muito revigorante. Eu toquei “Something in the Way” para Kim
na semana seguinte quando ela veio jantar.
Mas antes deu ter uma chance, na mesa de jantar Kim casualmente
anunciou a meus pais que ela achava que eu deveria ir para um acampamento
de verão.
“O que, você está tentando me converter para que eu vá ao seu
acampamento Torah?” eu perguntei.
“Nope. A um acampamento de música,” Ela pegou uma brochura do Franklin
Valley Conservatory, um programa de verão em British Columbia. “É para
musicistas sérios,” Kim disse. “Você tem que mandar uma gravação de você
tocando para entrar. Eu liguei. O prazo para se inscrever é 1 de maio, então
ainda tem tempo.” Ela virou para me olhar, como se estivesse me desafiando a
ficar brava com ela por ter interferido.
Eu não fiquei com raiva. Meu coração batia forte, como se Kim tivesse
anunciado que minha família ganhou a loteria e ela estivesse prestes a revelar o
valor do premio. Eu olhei para ela, o nervosismo nos olhos dela traindo o “quer
um pedaço de mim?” presunçoso do rosto dela, e fiquei sobrepujada com
gratidão por ser amiga de alguém que parecia me entender melhor do que eu
mesma me entendia. Papai me perguntou se eu queria ir, e quando protestei
por causa do dinheiro, ele disse para esquecer isso. Eu queria ir? E eu queria.
Mais do que qualquer coisa.
Três meses depois, quando papai me deixou num canto solitário da Ilha de
Vancouver, eu não tinha tanta certeza.O lugar parecia como um típico
acampamento de verão, com cabanas na floresta, e caiaques no praia. Tinha
cerca de 50 garotos que, a julgar pela forma como estavam se abraçando e
gritando, se conheciam a anos. Enquanto isso, eu não conhecia ninguém. Pelas
primeiras seis horas, ninguém falou comigo a não ser o assistente diretor do
acampamento, que me designou para uma cabana, mostrou minha cama, e
apontou o caminho para a lancheria, onde aquela noite, eu recebi um prato de
algo que parecia ser bolo de carne.
Eu encarei meu prato miseravelmente, olhando para a noite cinza. Eu já
sentia falta dos meus pais, Kim, e especialmente Teddy. Ele estava no estagio
divertido, querendo tentar coisas novas e constantemente perguntando “O que
é isso?” e dizendo as coisas mais hilárias. O dia antes deu partir, ele me
informou que ele estava “nove-décimos sedento” e eu quase me mijei de rir.
Com saudade de casa, eu suspirei e movi a massa de carne pelo meu prato.
“Não se preocupe, não chove todo dia. Só um dia sim outro não.”
Eu olhei para cima. Havia um garoto travesso que não podia ter mais de 10
anos. Ele tinha um cabelo loiro e uma constelação de sardas em seu nariz.
“Eu sei,” eu disse. “Eu sou do nordeste,embora estivesse ensolarado onde
eu vivo essa manhã. É com o bolo de carne que estou preocupada.”
Ele riu. “Isso não melhora.Mas a paz de amendoim com gelatina sempre é
boa,” ele disse, gesticulando em direção a mesa onde meia dúzia de garotos
estava se servindo de sanduíches. “Peter. Trombone. Ontário,” ele disse.Isso eu
aprendi, era a saudação padrão de Franklin.
“Oh, hey. Sou Mia. Violoncelo. Orégon, eu suponho.”
Peter me disse que tinha 13 anos, e esse era o segundo verão dele aqui; a
maioria começou quando tinha doze, e é por isso que eles se conheciam. Dos 50
estudantes, metade fazia jazz, a outra metade clássico, então era um grupo
pequeno. Só haviam outros dois violoncelistas, um deles um cara alto e ruivo
chamado Simon que Peter mostrou para mim.
“Você vai tentar a competição de concerto?”
Simon me perguntou assim que Peter me apresentou como Mia. Violoncelo,
Oregón. Simon era Simon. Violoncelo. Leicester, que acabou sendo uma cidade
da Inglaterra. Era um grupo bem internacional.
“Eu acho que não. Eu nem sei o que é isso,” eu respondi.
“Bem, você sabe como todos tocaremos numa orquestra para sinfonia
final?” Peter me perguntou.
Eu concordei, embora eu só tivesse uma vaga ideia. Papai passou a
primavera lendo em voz alta sobre a literatura do acampamento, mas a única
coisa que eu me importava era que ia num acampamento com outros musicistas
clássicos. Eu não tinha prestado muito atenção nos detalhes.
“É a sinfonia de final de verão. As pessoas vieram de toda parte. É um
negocio importante. Nós, os musicistas mais novos, tocamos como um tipo de
apoio,” Simon explicou. “No entanto, um musicista do acampamento é
escolhido para tocar com uma orquestra profissional e para fazer um solo. Eu
cheguei perto ano passado mas um flautista ganhou. Essa é minha segunda e
ultima chance antes deu me formar. O premio não foi para um instrumento de
cordas a um tempo, e Tracey, a terceira do nosso trio aqui, não vai tentar. Ela
toca mais por hobby. Boa mas não leva terrivelmente a sério. Eu ouvi que você
leva.”
Eu levava? Não tão sério se eu estive prestes a desistir. “Como vou ouviu
isso?” eu perguntei.
“Os professores ouvem todas as gravações da inscrição e os rumores rolam
por ai. A sua fita de audição aparentemente foi muito boa. É raro admitir
alguém no segundo ano. Então estava esperando por uma competição
sanguinária, para melhor meu jogo.”
“Whoa, de uma chance a garota,” Peter disse. “Ela acabou de provar o bolo
de carne.”
Simon enrugou seu nariz. “Desculpe. Mas se você quiser trabalhar junto
sobre as escolhas de audição, vamos conversar sobre isso,” ele disse, e
desapareceu na direção do bar de sundae.
“Perdoe Simon. Não temos violoncelistas de alta qualidade a alguns anos,
então ele está excitado com sangue novo. De um jeito puramente estético. Ele é
gay, embora fique difícil perceber porque ele é inglês.”
“Oh.Eu entendo. Mas o que ele disse? Parecia que ele quer que eu compita
contra ele.”
“É claro que ele quer. Essa é a diversão. É por isso que todos estamos num
acampamento no meio de uma floresta,” ele disse gesticulando para o lado de
fora. “Isso e a incrível comida.” Peter olhou para mim. “Não é por isso que você
está aqui?”
Eu dei nos ombros. “Eu não sei. Eu não toquei com tantas pessoas, pelo
menos tantas pessoas sérias.”
Peter coçou suas orelhas. “Verdade? Você disse que era do Orégon. Você já
fez algo com o Projeto de Violoncelo de Portland?”
“O que?”
“Curvo avançado coletivo de violoncelo, eh.Trabalho muito interessante.”
“Eu não moro em Portland,” eu murmurei, embaraçada por nunca ter sequer
ouvido sobre um Projeto de Violoncelo.
“Bem então, com quem você toca?”
“Outras pessoas. Estudantes universitários na maioria.”
“Nenhuma orquestra? Nenhuma câmera de música reunida? Um quarteto de
cordas?”
Eu balancei minha cabeça, me lembrando da vez quando meus professores
estudantes me convidaram para tocar num quarteto. Eu recusei porque tocar
sozinha era uma coisa: tocar com estranhos era outra. Eu sempre acreditei que
o violoncelo era um instrumento solitário, mas agora estava começando a me
perguntar se talvez eu fosse a solitária.
“Hmm. Como é que você é boa?” Peter perguntou. “Eu não quero soar como
um idiota, mas não é assim que você fica boa? É como no tênis. Se você joga
com alguém ruim, você acaba perdendo chances ou até ficando descuidada,
mas se você joga com um bom jogador, de repente e você é toda a rede, dando
bons golpes.”
“Eu não saberia,” eu disse a Peter, me sentindo como a pessoa mais chata do
mundo. “Eu não jogo tênis também.”
Os próximos dias passaram como um borrão. Eu não fazia ideia do porque
eles colocaram os caiaques. Não tinha tempo para usar tocar neles. Não nesse
tipo, pelo menos. Os dias passaram correndo. Levantar as seis, café as sete,
estudar por três horas na manha e na tarde, e ensaios para orquestra antes do
jantar.
Eu nunca toquei com mais de alguns musicistas antes, então os primeiros dias
na orquestra foram caóticos. O diretor do acampamento musical, que também
era condutor, lutou para nos situar e então foi tudo que ele pode fazer para nos
fazer tocar os movimentos mais básicos em conjunto. No terceiro dia, ele trouxe
umas das cantigas de Brahms. Da primeira vez que tocamos, foi doloroso. Os
instrumentos não se misturavam e sim colidiam como pedras presas num
cortador de grama. “Terrível!” ele gritou. “Como algum de vocês pode esperar
tocar em uma orquestra profissional se não podem manter o ritmo numa
cantiga? Agora de novo!”
Depois de cerca de uma semana, tudo começou a se ligar e eu tive meu
primeiro gosto de ser uma engrenagem numa maquina. Me fez ouvir o
violoncelo de um jeito totalmente novo, como seus tons baixos funcionavam
num concerto com as notas altas da viola, como dava a fundação para os
instrumentos de sopro e para o outro lado da orquestra. E mesmo que você
possa achar que ser parte de um grupo vá fazer você relaxar um pouco, sem se
importar como você soa junto com todo mundo, no mínimo, o oposto era
verdade.
Eu sentei atrás de uma tocada de viola de 17 anos chamada Elizabeth. Ela era
uma das musicistas mais realizadas do acampamento – ela foi aceita no
Conservatório Real de Música de Toronto – e ela era linda: alta, magra, com a
pele da cor de café, e bochechas que podiam esculpir gelo. Eu fiquei tentada a
odiar ela se não fosse por ela tocar.Se você não toma cuidado, a viola pode
fazer os sons mais horríveis, mesmo nas mãos de um musicista pratico. Mas
com Elizabeth o som era claro e puro e leve. Ouvir ela tocar, e observar o quão
profundamente ela se perdia na música, eu queria tocar assim. Até melhor. Não
era que eu queria apenas derrotar ela, mas eu também sentia que devia a ela,
ao grupo, a mim mesma, tocar no nível dela.
“Isso está soando muito bonito,” Simon disse quase no fim do acampamento
enquanto ele me ouvia praticar um movimento do Concerto de Violoncelo nº 2
de Haydens, uma peça que não me deu problemas quando comecei a praticar
ela na primavera passada.
Eu acenei. Então não pude me impedir, eu sorri. Depois do jantar e antes de
apagar as luzes toda noite, Simon e eu trazíamos nossos violoncelos para fazer
concertos improvisados no crepúsculo. Nos revezávamos desafiando um ao
outro em duetos de violoncelo, cada um tentado tocar mais louco que o outro.
Sempre estávamos competindo, sempre tentando ver quem ia tocar algo
melhor, mais rápido, de cabeça. Foi tão divertido, e provavelmente era um dos
motivos por eu estar me sentindo tão bem sobre Hayden.
“Ah, alguém está horrivelmente confiante. Acha que pode me derrotar?”
Simon perguntou.
“No futebol. Definitivamente,” eu brinquei. Simon freqüentemente nos dia
que era ela a ovelha negra de sua família não porque era gay, ou musicista, mas
porque ele era um “horrível jogador.”
Simon fingiu que eu o atingi no coração. Então ele riu. “Coisas incríveis
acontecem quando você para de se esconder atrás daquela besta,” ele disse,
gesticulando para meu violoncelo. Eu acenei. Simon sorriu para mim. “Bem, não
fique muito arrogante. Você deveria ouvir meu Mozart. Soa como uns benditos
anjos cantando.”
Nenhum de nós ganhou a vaga para o solo aquele ano. Elizabeth ganhou. E
embora eu tenha levado mais quatro anos, eu eventualmente também ganhei.
___________
21:06
“Eu tenho exatamente 20 minutos antes do nosso empresário dar um ataque.”
A voz áspera de Brooke Veja ecoa no agora silencioso lobby do hospital. Então
essa é a ideia de Adam: Brooke Veja, a deusa da musica indi e cantora do Bikini.
Em uma roupa punky – hoje a noite é uma saia, meia calça, e botas pretas de
couro com salto alto, e uma camiseta do Shooting Star, completa com um
casaco de pele vintage e um óculos Jackie O – está no lobby do hospital como
uma ostra numa gaiola de galinha. Ela está cercada de pessoas: Liz e Sarah;
Mike e Fitzy, o guitarrista rítmico do Shooting Star e o baixista, respectivamente,
além de vários dinheirudos de Portland que eu reconheci vagamente. Com um
cabelo vermelho, ela é como o sol, envolvida por seus planetas. Adam é como a
lua, ao lado, passando a mão no queixo. Enquanto isso, Kim parece meio
chocada, como se um bando de marcianos tivessem entrado no prédio. Ou
talvez seja porque Kim idolatra Brooke Veja. Na verdade, Adam também. Fora
eu, essa era uma das poucas coisas que eles tem incomum.
“Você sai daqui em 15 minutos,” Adam prometeu, entrando na galáxia dela.
Ela vai na direção dele. “Adam, querido,” ela disse. “Como você está?”
Brooke o abraça como se fossem velhos amigos, embora eu saiba que eles só se
conheceram hoje; ontem Adam estava dizendo o quão nervoso se sentia sobre
isso. Mas agora ela está agindo como a melhor amiga dele. Esse é o poder da
cena, eu acho. Enquanto ela abraça Adam, eu vejo todo cara e guria no lobby
observar com fome, desejando, eu imagino, que alguém significante para eles
estivesse no andar de cima em condição grave para que fossem eles a serem
consolados pelo abraço de Brooke.
Eu não consigo me impedir de pensar que, se eu estivesse observando isso
como a velha Mia, eu iria sentir ciúmes também? Mas de novo, se eu fosse a
velha Mia, Brooke Veja não estaria nesse lobby de hospital como parte de
algum plano para fazer com que Adam possa me ver.
“Ok, crianças. Hora de rock-and-roll. Adam, qual o plano?” Brooke pergunta.
“Você é o plano. Eu não pensei muito além de ir até a UTI e fazer alguma
confusão.”
Brooke lambe seus lábios. “Fazer confusão é uma das minhas coisas favoritas
de se fazer. O que você acha que deveríamos fazer? Dar um grito? Um strip?
Quebrar uma guitarra? Espere, eu não trouxe minha guitarra. Merda.”
“Você poderia cantar algo?” alguém sugere.
“Que tal aquela velha música dos Smiths “Girlfriend in a Coma”?” Outro diz.
Adam fica pálido com essa repentina visão da realidade e Brooke ergue suas
sobrancelhas numa firme repreensão. Todo mundo fica sério.
Kim limpa sua garganta. “Um, não faz nenhum bem se Brooke for uma
distração no lobby. Precisamos subir até a UTI e então talvez alguém poderia
gritar que Brooke Vega está aqui. Isso pode funcionar. Se não, então ela canta.
Tudo o que realmente queremos fazer é atrair algumas enfermeiras curiosas
para fora, e a enfermeira chefe delas. Assim que ela sair da UTI e ver todos nós
no corredor, ela vai estar ocupada demais lidando conosco para notar que
Adam entrou.”
Brooke avalia Kim. Kim em suas calças pretas e um suéter nada lisonjeiro.
Então Brooke sorri e liga seus braços com minha melhor amiga. “É um plano.
Vamos rodar, gente.”
Eu fico para trás, observando essa procissão de riquinhos passar pelo lobby. O
barulho deles, e de suas botas pesadas, e as vozes altas, zunindo pelo senso de
urgência, ricocheteando através da onda quieta do hospital e trazendo alguma
vida ao lugar. Eu lembro de ver um programa de TV uma vez, sobre clinicas
geriátricas que compravam gatos e cachorros para animar os mais velhos e os
pacientes moribundos. Talvez todos os hospitais devessem importar um grupo
de roqueiros-punk para animar o coração dos pacientes.
Eles param na frente do elevador, esperando séculos por um vazio o bastante
para que todos caibam. Eu decido que quero estar próxima a meu corpo quando
Adam entrar na UTI. Eu me pergunto se serei capaz de sentir o toque dele em
mim. Enquanto eles esperam o elevador, eu subo pelas escadas.
Eu estive longe da UTI por mais de duas horas, e muita coisa mudou. Tem um
novo paciente em uma das camas vazias, um homem de meia idade cujo rosto
parece uma daquelas pinturas surrealistas: metade parece normal, até mesmo
bonita, e a outra está cheia de sangue, gaze, e pontos, como se alguém a tivesse
estourado. Talvez um ferimento de arma. Temos muitos acidentes de caça por
aqui. Um dos outros pacientes, que estava tão inchado nas gazes e ataduras que
eu não podia ver se ele/ela era um homem ou mulher, se foi. No lugar dele/dela
tem uma mulher cujo pescoço está imobilizado por um daqueles colares.
Quando a mim, estou fora do ventilador. Eu lembro que a assistente social
disse a meus avós e tia Diane que esse era um passo positivo. Eu parei para
checar se eu sentia algo diferente, mas não sinto nada, pelo menos não
fisicamente. Eu não sento nada desde que estava no carro hoje de manhã,
ouvindo a Sonata de violoncelo n° 3 de Beethoven. Agora estou respirando
sozinha, minha parede de maquinas bipa muito menos, então tenho menos
visitas das enfermeiras. Enfermeira Ramirez, aquela das unhas, olha para mim
de vez enquando, mas ela está ocupada com o cara novo com meio rosto.
“Minha nossa. Aquela é Brooke Veja?” eu ouço alguém perguntar com uma
voz dramática falsa do lado de fora das portas automáticas de UTI. Eu nunca
ouvi um dos amigos de Adam falar tão educadamente antes. É a versão
hospitalar limpa deles de “puta que pariu.”
“Você quer dizer a Brooke Vega do Bikini? Brooke Veja que esteve na capa da
revista Spin mês passado?Aqui neste hospital?” Dessa vez Kim está falando. Ela
soa como uma adolescente de 16 anos recitando as linhas de uma peça de
escola sobre os grupos alimentares: Você quer dizer que você deveria comer
cinco tipos de frutas e verduras por dia?
“Yeah, isso mesmo,” diz a voz ríspida de Brooke. “Estou aqui para oferecer
rock-and-roll para todas as pessoas de Portland.”
Algumas enfermeiras jovens, as que provavelmente ouvem musica pop e
veem MTV e ouviram falar do Bikino, olham para cima, seus rostos pontos de
interrogação excitados. Eu ouço elas sussurrando, ansiosas para ver se
realmente é Brooke, ou talvez só felizes pela quebra de rotina.
“Yeah. Isso mesmo. Então achei que posso cantar uma música. Uma das
minhas favoritas. Se chama “Eraser,” Brooke diz. “Um de vocês quer me por no
ritmo?”
“Eu preciso de algo para bater,” Liz responde. “Alguem tem um lápis ou algo
assim?”
Agora as enfermeiras e os plantonistas na UTI estão muito curiosos e indo em
direção a porta. Estou vendo tudo sair como planejado, como um filme na tela.
Eu fico ao lado da minha cama, meus olhos nas portas duplas, esperando que
elas abram. Estou ansiosa por causa do suspense. Eu penso em Adam, do quão
calmo é quando ele me toca, como quando ele distraidamente acaricia meu
pescoço ou sopra ar quente nas minhas mãos frias, eu poderia me derreter em
um poça.
“O que está acontecendo?” A enfermeira mais velha pergunta. De repente
cada enfermeira do andar está olhando para ela, não em direção a Brooke.
Ninguem vai tentar explicar a ela que uma famosa pop star está do lado de fora.
O momento se quebra. Eu sinto a tensão passar para desapontamento. A porta
não vai se abrir.
Lá foram eu ouço Brooke começar a cantar a letra de “Eraser.” Mesmo a
cappella, mesmo através das portas automáticas, ela soa muito bem.
“Alguém chame a segurança agora,” a enfermeira rugiu.
“Adam, é melhor você tentar,” Liz grita. “Agora ou nunca. Última chance.”
“Vá!” Kim grita, de repente um general do exercito. “Vamos cobrir você.”
As portas se abrem. Em um grupo de mais de meia dúzia de punks, Adam, Liz,
Fitzy, algumas pessoas que eu não conheço, e então Kim. Lá fora, Brooke ainda
está cantando, como se esse fosse o conserto que ela veio a Portland para dar.
Enquanto Adam e Kim passam pela porta, os dois parecem determinados, até
felizes. Estou impressionada pela alegria deles, pela força escondida deles. Eu
quero pular para cima e pra baixo e torcer por eles como se estivesse num dos
jogos de Teddy quando ele ficava em terceiro e estava indo para casa. É difícil
acreditar, mas observando Kim e Adam em ação, eu quase me sinto feliz
também.
“Onde ela está?” Adam grita. “Onde está Mia?”
“No canto, perto do armario de suprimentos” Alguem grita. Eu levo um
minuto para perceber que é a enfermeira Ramirez.
“Segurança! Peguem ele! Peguem ele!” a enfermeira mal humorada grita. Ela
viu Adam através de todos os invasores e seu rosto ficou rosa de raiva. Dois
guardas do hospital e dois plantonistas entram correndo. “Cara, aquela era
Brooke Veja?” um pergunta enquanto agarra Fitzy e o leva em direção a saída.
“Acho que sim,” o outro responde, agarrando Sarah e a levando para fora.
Kim me viu. “Adam, ela está aqui!” ela grita, e então vira para me olhar, o
grito morrendo na garganta dela.
“Ela está aqui,” ela diz de novo, só que dessa vez é um sussurro.
Adam a escuta e está desviando das enfermeiras e andando até mim. E então
ele está ali no pé da minha cama, suas mãos esticadas para me tocar. A mão
dele prestes a estar na minha. De repente eu penso no nosso primeiro beijo
depois do concerto de Yo-Yo Ma, como eu não sabia o quanto eu queria os
lábios dele nos meus até que o beijo era iminente. Eu não percebi o quanto
estava desejando o toque dele, até que agora eu quase podia sentir ele em
mim.
Quase. Mas de repente ele está se afastando de mim. Dois guardas o
pegaram pelos ombros e o arrancaram para trás. Um dos mesmos guardas
agarra o cotovelo de Kim e a leva para fora. Ela está solta agora, sem oferecer
resistência.
Brooke ainda está cantando no corredor. Quando ela vê Adam, ela para,
“Desculpe, querido,” ela diz. “Eu tenho que sair antes de perder meu show. Ou
ser presa.” E então ela sai andando pelo corredor, seguida por alguns
plantonistas que imploravam um autografo.
“Chame a policia,” a velha enfermeira grita. “Prendam ele.”
“Vamos levar ele até a segurança. Esse é o protocolo,”um guarda diz.
“Não depende de nós prender ele,” o outro acrescenta.
“Só tirem ele da minha ala.” Ela responde e da uma volta. “Srta. Ramirez, é
melhor que não tenha sido você ajudando esses marginais.”
“É claro que não. Eu estava no armário de suprimentos. Eu perdi toda
confusão,” ela responde. Ela é uma mentirosa tão boa que o rosto dela não
cede nada.
A velha enfermeira bate as mãos. “Ok. O show acabou. De volta ao trabalho.”
Eu corro atrás de Adam e Kim, que estão sendo levados para o elevador. Eu
pulo com eles. Kim parece deslumbrada, como se alguém tivesse apertado o
botão de reset e ela ainda estivesse carregando.Os lábios de Adam são uma
linha fina. Eu não sei dizer se ele está prestes a chorar ou a socar um guarda.
Pelo bem dele, espero que seja o primeiro. Pelo meu, espero que seja o
segundo.
Lá embaixo, os guardas levam Adam e Kim em direção a um corredor cheio de
escritórios escuros. Eles estão prestes a entrar em um dos escritórios com luz
quando eu ouço alguém gritar o nome de Adam.
“Adam. Pare. É você?”
“Willow?” Adam grita.
“Willow?” Kim murmura.
“Com licença, onde vocês estão levando eles?” Willow grita, para os guardas
enquanto corre na direção deles.
“Desculpe mas esses dois foram pegos tentando invadir a UTI,” um dos
guardas explica.
“Só porque eles não nos deixaram entrar,” Kim explica fracamente.
Willow alcança eles. Ela ainda está usando suas roupas de enfermeira, o que
é estranho, porque ela normalmente troca de roupa no que ela chama de
“costura ortopédica” assim que ela pode. O cabelo longo e encaracolado dela
parece liso e gorduroso, como se ela tivesse esquecido de lavar eles nas ultimas
semanas. E as bochechas dela, normalmente rosas como maças, foram
repintadas de bege. “Com licença. Sou uma enfermeira no Cedar Creek. Fiz meu
treinamento aqui, então se vocês quiserem podemos acertar isso como Richard
Caruthers.”
“Quem é ele?” um guarda pergunta.
“Diretor de assuntos comunitários,” o outro explica. Então ele vira para
Willow. “Ele não está aqui. Não é horário comercial.”
“Bem, eu tenho o telefone da casa dele,” Willow diz, pegando seu celular
como se fosse uma arma. “Eu duvido que ele fique satisfeito se eu ligar para ele
agora e dizer a ele como esse hospital está tratando alguém tentando visitar sua
namorada criticamente ferida. Você sabe que o diretor valoriza compaixão
tanto quanto eficiência, e essa não é a forma de tratar um parente
preocupado.”
“Só estamos fazendo nosso trabalho, senhora. Seguindo ordens.”
“Que tal eu poupar vocês dois do problema e assumir daqui. A família da
paciente está reunida lá em cima. Eles estão esperando que esses dois se junte
a eles. Aqui, se tiverem problemas, diga a o Sr. Caruthers para entrar em
contato comigo.” Ela busca em sua bolsa e tira um cartão que ela entrega. Um
dos guardas o pega, da para o outro, que o encara e então da de ombros.
“É melhor nos poupar da papelada,” ele diz. Ele solta Adam, cujo corpo
tropeça como um espantalho tirado de seu posto. “Desculpe, garoto,” ele diz
para Adam, ajeitando os ombros dele.
“Espero que sua namorada fique bem,” o outro murmura. E então eles
desaparecem no brilho de uma das maquinas de venda.
Kim, que encontrou Willow duas vezes, se joga nos braços dela. “Obrigada!”
ela murmura sobre seu pescoço.
Willow abraça ela de volta, da batidinhas em seu ombro antes de soltar. Ela
esfrega os olhos e da uma risada.
“O que diabos vocês dois estavam pensando?” ela pergunta.
“Eu quero ver Mia,” Adam diz.
Willow vira para olhar para Adam e é como se uma válvula não parafusada,
deixando todo o ar escapar. Ela se esvazia. Ela vai pra frente e toca a bochecha
de Adam. “É claro que você quer.” Ela limpa os olhos com as costas da mão.
“Você está bem?” Kim pergunta.
Willow ignora a pergunta. “Vamos ver o que podemos fazer para que você
possa ver Mia.”
Adam se animam quando ouve isso. “Você acha que consegue? Aquele
enfermeira velha não gosta de mim.”
“Se aquela enfermeira velha é quem eu penso que é, não vai importar que ela
não goste de você. Não depende dela. Vamos checar com os avós de Mia e
então vou descobrir quem está no comando de quebrar as regras por aqui e vou
fazer você ver sua garota. Ela precisa de você agora. Mais do que nunca.”
Adam vira e abraça Willow com tal força que os pés dela se erguem do chão.
Willow para o resgate. Da mesma forma que ela resgatou Henry, o melhor
amigo de papai e companheiro de banda, que, uma vez, era um playboy
bêbado. Quando ele e Willow estavam namorando a algumas semanas, ela disse
a ele para se acertar e parar de beber ou dizer adeus. Papai disse que muitas
garotas deram a Henry esse ultimato, tentando forçar ele a se ajeitar, e varias
garotas foram deixadas chorando na calçada. Mas quando Willow junto sua
escova de dentes e disse a Henry para crescer, foi Henry que chorou. Então ele
secou suas lágrimas, cresceu, ficou sóbrio e monogâmico. Oito anos mais tarde,
aqui estão eles, com um bebê. Willow é formidável dessa maneira.
Provavelmente depois que ela e Henry ficaram juntos que ela se tornou a
melhor amiga de mamãe; ela era outra durona-como-unhas, gentil-como-gatos,
vadia feminista. E provavelmente é por isso que ela é uma das pessoas favoritas
de papai, embora ela odeie os Ramones e ache que baseball é chato, enquanto
papai vive pelos Ramones e achava que baseball é uma instituição religiosa.
Agora Willow está aqui. Willow a enfermeira. Willow que não aceita não como
resposta está aqui. Ela vai fazer com que Adam possa me ver. Ela vai cuidar de
tudo. Uhuuu! Eu quero gritar. Willow está aqui!
Estou tão ocupada celebrando a chegada de Willow que leva alguns
momentos para cair a ficha das implicações do porque ela está aqui, mas
quando ela cai, ela me atinge como um choque elétrico.
Willow está aqui. E se ela está aqui, se ela está no meu hospital, isso significa
que não tem motivo para ela estar no hospital dela. Eu a conheço bem o
bastante para saber que ela nunca deixaria ele lá. Mesmo comigo aqui, ela teria
ficado com ele. Ele estava quebrado, e foi trazido até ela para ser concertado.
Ele era o paciente dela. A prioridade dela.
Eu penso sobre o fato que vovó e vovô estão em Portland comigo. E que tudo
que todos estão falando na área de espera é sobre mim, e como eles estão
evitando mencionar mamãe ou papai ou Teddy. Eu penso sobre o rosto de
Willow, que parece ter sido limpo de qualquer alegria. E eu penso sobre o que
ela disse a Adam, que eu preciso dele agora. Mais do que nunca.
E é assim que eu sei. Teddy. Ele se foi também.
Mamãe entrou em trabalho de parto 3 dias antes do natal, e ela insistiu que
fossemos fazer compras para o feriado juntas.
“Você não deveria deitar e ir a um centro de nascimento ou algo assim?” eu
perguntei.
Mamãe faz uma careta através da cólica. “Nah. As contrações não são tão
ruins e ainda tem 20 minutos uma entre a outra. Eu limpei a casa toda, de cima
abaixo, enquanto estava em trabalho de parto com você.”
“Colocando trabalho em parto¹,” eu brinquei.
“Você é uma expertinha, sabia disso?” mamãe disse. Ela respirou algumas
vezes. “Tenho muito caminho para percorrer. Agora anda. Vamos tomar um
ônibus até o shopping. Não estou afim de dirigir.”
“Não deveríamos ligar para o papai?” eu perguntei.
Mamãe riu disso. “Por favor, é o bastante para mim ter que dar a luz a esse
bebê. Eu não preciso lidar com ele também. Vamos ligar para ele quando eu
estiver pronta. Eu prefiro ter você por perto.”
Então mamãe e eu andamos pelo shopping, parando de vez enquando para
que ela pudesse sentar a respirar fundo e apertar meus pulsos com tanta força
que deixava marcas vermelhas irritadas. Ainda sim, foi uma manhça
estranhamente divertida e produtiva. Compramos presentes para vovó e vovô
(um suéter com um anjo e um novo livro sobre Abraham Lincoln) e brinquedos
para o bebê e uma bota de chuva nova para mim. Normalmente esperamos até
as promoções pos feriado para comprar coisas assim, mas mamãe disse que
esse ano estaríamos muito ocupados trocando fraudas. “Agora não é a hora de
ser pão duro. Oh. Porra. Desculpe, Mia. Anda. Vamos comer torta.”
Fomos para o Marie Callenders. Mamãe comeu uma pedaço de torta de
abobora com creme de banana. Eu comi de blueberry. Quando ela acabou, ela
empurrou seu prato para longe e anunciou que estava pronta para ir a parteira.
Nós nunca realmente falamos sobre eu estar lá ou não. Eu ia a toda parte com
mamãe e papai naquele ponto, então foi só meio que assumido. Encontramos
um nervoso papai no centro de nascimento, que não era nada como um
escritório medico. Era o primeiro andar de uma casa, o deque cheio de camas e
banheiras, o equipamento medico afastado. A parteira hippie levou mamãe
para dentro e papai me perguntou se eu queria vir também. Naquela hora, eu
podia ouvir mamãe gritando profanações.
“Eu posso ligar para a vovó e ela vem te pegar,” papai disse, recuando pelos
gritos de mamãe. “Isso pode levar um tempo.”
Eu balancei a cabeça. Mamãe precisava de mim. Ela disse isso. Eu sentei num
dos sofás florais e peguei uma revista com um bebê com cara de bobo na capa.
Papai desapareceu dentro do quarto com a cama.
“Música! Pelo amor de deus! Música!” Mamãe gritou.
“Temos uma adorável Enya. Muito calmante,” a parteira disse.
“Foda-se Enya!” Mamãe gritou. “Melvins. Earth. Agora!”
“Eu tenho tudo sob controle,” papai disse. Então ele pegou um cd da música
mais alta e barulhenta que eu já ouvi. Fazia todas as músicas de ritmo rápido
que papai normalmente escutava soar como música de harpa. Essa música era
primitiva e isso pareceu fazer mamãe se sentir melhor. Ela começou a fazer
pequenos barulhos guturais. Eu só fiquei sentada ali quieta. De vez enquando
ela gritava meu nome e eu entrava. Mamãe olhava para mim, o rosto dela cheio
de suor. Não se assuste, ela sussurrou. Mulheres podem lidar com o pior tipo de
dor. Você vai descobrir algum dia. Então ela gritou porra de novo.
Eu vi alguns nascimentos naquele programa de TV a cabo, e as pessoas
normalmente gritam por um tempo; as vezes eles xingaram e isso tem que ser
censurado, mas nunca levou mais do que meia hora. Depois de 3 horas, mamãe
e o Melvins ainda estavam gritando.Todo o centro de nascimento parecia
tropicalmente úmido, embora estivesse frio lá fora.
Henry apareceu. Quando ele entrou e ouviu o barulho, ele congelou. Eu sabia
que todo o negocio de filhos o assustava. Eu ouvi mamãe e papai conversando
sobre isso, e a recusa de Henry de crescer. Ele aparentemente ficou chocando
quando mamãe e papai me tiveram, e agora estava completamente
desnorteado por mamãe e papai terem escolhido fazer isso de novo. Os dois
ficaram aliviados quando ele e Willow ficaram juntos. “Finalmente, um adulto
na vida de Henry,” mamãe disse.
Henry olhou para mim; o rosto dele pálido e suado. “Puta merda, Mee. Você
deveria estar ouvindo isso? Eu deveria estar ouvindo isso?”
Eu dei nos ombros. Henry sentou perto de mim. “Eu estou com gripe ou algo
assim, mas seu pai ligou me pedindo pra trazer comida. Então aqui estou,” ele
disse, mostrando uma sacola do Taco Bell que fedia a cebola. Mamãe soltou
outro gemido. “Eu deveria ir. Não quero espalhar germes ou algo assim.”
Mamãe gritou ainda mais alto e Henry praticamente pulou do seu assento.
“Tem certeza que você quer ficar aqui para ver isso? Você pode ir lá pra casa.
Willow está lá, cuidando de mim.” Ele sorriu quando mencionou o nome dela.
“Ela pode cuidar de você também,’ Ele levantou para ir embora.
“Não. Estou bem. Mamãe precisa de mim. Papai está meio surtado.”
“Ele já vomitou?” Henry perguntou, sentando de volta no sofá. Eu ri, mas
então vi que o rosto dele estava sério.
“Ele vomitou quando você estava vindo. Quase desmaiou no chão. Não que
eu possa culpar ele. Mas o cara estava uma confusão, os médicos queriam
expulsar ele... falaram que eles teria feriam se você não chegasse na próxima
meia hora. Isso irritou tanto sua mãe que ela te empurrou pra fora 5 minutos
depois.” Henry sorriu, se inclinando no sofá. “Então a história continua. Mas eu
te digo isso: Ele chorou como a filhadaputadeum bebê quando você nasceu.”
“Eu ouvi essa parte.”
“Ouviu que parte?” papai perguntou sem fôlego. Ele agarrou o pacote de
Henry. “Taco Bell, Henry?”
“O jantar dos campões,” Henry disse.
“Vai servir. Estou faminto. Está intenso lá dentro. Tenho que manter minhas
forças.”
Henry piscou para mim. Papai pegou um burrito e ofereceu para mim. Eu
neguei. Papai começou a desenrolar a refeição dele quando mamãe soltou um
rugido e então começou a gritar para a parteira que ela estava pronta para
empurrar.
A parteira colocou sua cabeça para fora da porta. “Eu acho que estamos
chegando perto, então é melhor guardar o jantar para mais tarde,” ela disse.
“Volte.”
Henry praticamente saiu correndo pela porta da frente. Eu segui papai no
quarto onde mamãe estava sentada agora, ofegando como um cachorro
doente. “Quer ver?” a parteira perguntou a papai, mas ele só oscilou e ficou
duma tonalidade pálida de verde.
“Eu provavelmente estou melhor aqui,” ele disse, pegando a mão de mamãe,
que ela violentamente apertou.
Ninguém me perguntou se eu queria ver. Eu só automaticamente foi parar ao
lado da parteira. Era bem nojento, eu admito. Muito sangue. E eu certamente
nunca vi minha mãe tão de frente antes. Mas pareceu estranhamente normal
estar ali. A parteira estava dizendo a mamãe para empurrar, para segurar, e
então empurrar. “Vá bebê, vai bebê, vai bebê, vai,” ela cantou. “Você está
quase aqui!” ela torceu. Mamãe parecia querer bater nela.
Quando Teddy saiu, a cabeça dele estava erguida, olhando pro teto, então a
primeira coisa que ele viu foi eu. Ele não saiu gritando como o que você vê na
TV. Ele estava quieto. Os olhos dele estavam abertos, olhando diretamente para
mim. Ele manteve meu olhar enquanto a parteira fazia sucção no nariz dele. “É
um garoto,” ela gritou.
A parteira pos Teddy na barriga de mamãe. “Você quer cortar o cordão?” ela
perguntou ao papai. Papai acenou sua mão num não, muito nauseado para
falar.
“Eu faço,” eu ofereci.
A parteira segurou o cordão umbilical e me disse onde cortar. Teddy ficou
deitado quieto, os olhos cinza dele bem abertos, ainda me olhando.
Mamãe sempre disse que porque Teddy me viu primeira, e porque eu cortei o
cordão umbilical, que em algum lugar no consciente dele ele achava que eu era
a mãe dele. “É como aqueles gansos,” mamãe brincou. “Eles se ligaram aquele
zoólogo, não a mamãe ganso, porque ele foi o primeiro que eles viram quando
eles eclodiram.”
Ela exagerou. Teddy não me via como sua mãe, mas haviam certas coisas que
só eu podia fazer por ele. Quando ele era bebê e estava passando por seu
período noturno difícil, ele só se acalmava depois que eu tocava para ele uma
canção de ninar com meu violoncelo. Quando ele começou a gostar de Harry
Potter, só eu podia ler um capitulo toda noite para ele. E quando ele ralava o
joelho ou batia a cabeça, se eu estava por perto ele não parava de chorar até eu
dar um beijo mágico no ferimento dele, e depois ele se recuperava
milagrosamente.
Eu sei que todos os beijos mágicos do mundo provavelmente não teriam
ajudado ele hoje. Mas eu faria qualquer coisa para ser capaz de dar um beijo
nele.
¹Labor em inglês pode ser tanto trabalho, quanto parto.
22:40
Eu corro para longe.
Eu deixo Adam, Kim, e Willow no lobby começo a andar pelo hospital. Eu não
percebe que estou procurando pela pediatria até que chego lá. Eu choro pelo
corredor, passo pelos quartos antes crianças nervosas de 4 anos estão
dormindo ansiosos antes da amigdalectomia,passo pela UTI neo-natal com
bebês do tamanho de punhos, ligados a mais tubos que eu, passo pela ancologia
pediátrica onde pacientes de câncer dormem sobre alegres murais de arco-iris e
balões. Estou procurando por ele, embora eu saiba que não vou encontrá-lo.
Ainda sim, eu tenho que continuar a procurar.
Eu imagino a cabeça dele, aqueles cachos loiros. Eu adoro afundar meu rosto
naqueles cachos, faço isso desde que ele era bebê. Eu fico esperando o dia
quando ele vai me afastar e dizer “você está me envergonhando,” da forma que
ele faz quando papai anima ele alto demais em seus jogos. Mas até agora, isso
não aconteceu. Até agora, eu tive acesso constante a cabeça dele. Até agora.
Agora não existe mais até agora. Acabou.
Eu me imagino cheirando a cabeça dele uma ultima vez, e eu não consigo
nem imaginar sem me ver chorar, minhas lágrimas fazendo o cabelo
encaracolado dele se alisar.
Teddy nunca vai se formar da base mirim para infantil no baiseball. Ele nunca
vai deixar um bigode crescer. Nunca vai brigar ou atirar num viado ou beijar
uma garota ou transar ou se apaixonar ou se casar ou ser o pai do seu próprio
filho com cachos. Eu tenho apenas 10 anos a mais que ele, mas é como se eu já
tivesse feito tanta a coisa a mais da vida. É injusto. Se um de nós deveria ser
deixado para trás, se um de nós devesse ter recebido a oportunidade para mais
vida, deveria ter sido ele.
Eu corro pelo hospital como um animal selvagem. Teddy? Eu chamo. Onde
você está? Volte para mim!
Mas ele não vai. Eu sei que é inútil. Eu desisto e me arrasto de volta a minha
UTI. Eu quero quebrar as portas. Eu quero destruir a recepção das enfermeiras.
Eu quero que tudo suma. Eu quero sumir. Eu não quero ficar aqui. Eu não quero
ficar nesse hospital. Eu não quero estar nesse estado suspenso onde posso ver
tudo que está acontecendo, onde estou ciente do que estou sentindo sem ser
capaz de realmente sentir. Eu não posso gritar até minha garganta doer ou
quebrar a janela com meu punho até minhas mãos sangrarem, eu puxar meu
cabelo até que a dor no meu escalpo supere a do meu coração.
Estou me encarando, a Mia “viva” agora, deitada na cama do hospital. Eu
sinto uma explosão de fúria. Se eu pudesse bater no meu rosto sem vida, eu
bateria.
Ao invés disso, eu sento na cadeira e fecho meus olhos, desejando que tudo
suma. Só que eu não posso. Eu não consigo me concentrar porque de repente a
barulho demais. Meus monitores estão bipando e vibrando e duas enfermeiras
correm em minha direção.
“A pressão sanguínea dela e oxigênio estão caindo,” uma grita.
“Código azul, código azul no Trauma,” diz o aparelho.
Logo se junta as enfermeiras um médico com olhos cansados, esfregando o
sono de seus olhos, que estão marcados por círculos profundos. Ele arranca as
cobertas e ergue minha camisola.Estou nua da cintura para baixo, mas ninguém
nota essas coisas aqui. Ele põe sua mão na minha barriga, que está rígida e
inchada. Os olhos dele se alargam e então se estreitam em fendas. “O abdômen
está rígido,” ele diz com raiva. “Precisamos de um ultra-som.”
A enfermeira Ramirez corre para uma sala e então trás o que parece ser um
laptop portátil com um anexo branco e comprido. Ela coloca um gel no meu
estomago, e o médico passa o anexo no meu estomago.
“Merda. Cheio de fluidos,” ele diz.”A paciente fez cirurgia essa tarde?”
“Uma esplenectomia,” responde a enfermeira Ramirez.
“Pode ser um vazo sanguíneo que não foi cauterizado,” o médico diz. “Ou
um vazamento do intestino perfurado. Acidente de carro, certo?”
“Sim. A paciente foi trazida hoje de manhã.”
O médico olha minha ficha. “O doutor Sorensen foi o cirurgião dela. Ele
ainda está de plantão. Bipem ele, e levem ela para cirurgia. Precisamos abrir
para ver o que está vazando, e porque, antes que ela piore ainda mais. Jesus,
contusões cerebrais, pulmão perfurado. Essa garota está destruída.”
A enfermeira Ramirez olha para o médico com raiva, como se ele tivesse
acabado de me insultar.
“Srta. Ramirez,” a enfermeira mal humorada da recepção diz. “Você tem
pacientes próprios para lidar. Vamos entubar essa jovem e a transferir para
cirurgia. Isso vai ajudar ela mais do que toda essa enrolação!”
As enfermeiras trabalham rapidamente para me desconectar dos monitores
e cateteres e colocam outro tubo na minha garganta. Um par de plantonistas
corre com uma maca e me colocam nela. Ainda estou nua da cintura para baixo
enquanto eles me carregam, mas logo antes deu chegar na porta de trás, a
enfermeira Ramirez diz, “Esperem!” e então gentilmente fecha a camisola
hospitalar ao redor das minhas pernas. Ela da três batidinhas na minha testa
com seus dedos, como um tipo de mensagem por código Morse. E então eu saio
pelo corredor que leva em direção a sala se cirurgia, mas dessa vez eu não me
sigo.Dessa vez eu fico para trás, na UTI.
Estou começando a entender agora. Eu quero dizer, eu não entendo
completamente. Não é como se de alguma forma eu tenha comandado que um
vazo sanguíneo explodisse e começasse a vazar no meu estomago. Não é como
se eu tenha desejado outra cirurgia. Mas Teddy se foi. Mamãe e papai se foram.
Essa manhã fui dar uma volta com minha família. E agora estou aqui, mais
sozinha do que nunca. Tenho 17 anos. Não era assim que deveria ser. Não é
assim que a minha vida deveria ter ficado.
No canto silencioso da UTI eu começo a pensar sobre as coisas amargas que
fui capaz de ignorar o dia todo. Como seria se eu ficasse? Como eu me sentiria
acordando como uma órfã? Nunca mais sentir o cheiro do cachimbo de papai?
Nunca mais ficar conversando baixo, perto de mamãe, enquanto lavamos os
pratos? Nunca mais ler outro capitulo de Harry Potter para Teddy? Ficar sem
eles?
Eu não tenho mais certeza se eu pertenço a esse mundo. Não tenho certeza
se eu quero acordar.
Só estive num funeral na minha vida e foi de alguém que eu mal conheci.
Eu poderia ter ido ao funeral da minha tia-avó Glo depois que ela morreu de
pancreatiti aguda. Só que o testamento dela foi muito especifico sobre seus
desejos finais. Nenhum funeral especifico, nenhum enterro no terreno da
família. Ao invés disso, ela queria ser cremada e ter suas cinzas espalhadas
numa cerimônia nativo americana sagrada em algum lugar nas Montanhas
Sierra Nevada. Vovó ficou bem irritada com isso, e com Tia Glo em geral, quem
vovó diz que sempre esteve tentando chamar a atenção para o quão diferente
ela era, mesmo depois de morta. Vovó acabou boicotando o espalhar das
cinzas, e se ela não ia, não havia porque o resto de nós ir.
Peter Hellman, meu amigo trambonista do acampamento, morreu dois anos
atrás, mas não descobri até eu voltar para o acampamento e ele não estar lá.
Poucos de nós sabiam que ele tinha um linfoma. Essa era a coisa engraçada
sobre o acampamento: você se aproxima das pessoas durante o verão, mas
como uma regra não escrita, você não mantinha contato no resto do ano.
Éramos amigos de verão. E de qualquer forma, fizemos um conserto em
homenagem a Peter, mas não foi realmente um funeral.
Kerry Gifford era um musicista na cidade, um das pessoas de mamãe e papai.
Deferente de papai e Henry, que conforme ficaram mais velhos e tiveram
famílias se tornaram menos músicos de apresentação e mais de entendido de
música, Kerry permaneceu solteiro e permaneceu fiel a seu primeiro amor:
tocar música. Ele esteve em três bandas e ganhava a vida fazendo música num
bar local, um lugar ideia porque pelo menos uma das bandas dele parecia tocar
ali toda semana, então ele só tinha que subir no palco e deixar alguém tomar
controle do set dele, embora as vezes você visse ele pulando para baixo do set
para ajustar o som ele mesmo. Eu conheci Kerry quando era pequena e iria aos
shows com mamãe e papai e então eu meio que encontrava dele quando Adam
e eu íamos juntos e eu comecei a ir nos shows de novo.
Ele estava no trabalho uma noite, fazendo a passagem de som para uma
banda chamada Clod, quando ele se ajoelhou no som. Ele estava morto quando
a ambulância chegou lá. Um aneurisma cerebral.
A morte de Kerry causou uma baderna na nossa cidade. Ele era meio que
uma celebridade por aqui, um cara quieto com uma grande personalidade e um
massivo e selvagem cabelo com drea. E ele era jovem, só 32. Todo mundo que
conhecíamos estava planejando ir no funeral dele, que ia ser feito onde ele
cresceu, nas montanhas a algumas horas de distancia. Mamãe e papai iriam, é
claro, e Adam também. Então embora eu tenha me sentido um pouco como
uma impostora invadindo o dia da morte de alguém, eu decidi ir junto. Teddy
ficou com vovó e vovô.
Fomos de caravana até a cidade natal de Kerry com várias pessoas, se
apertando num carro com Henry e Willow, que estava tão grávida que o cinto
de segurança não cabia no estomago dela. Todo mundo se revezou contando
histórias sobre Kerry. Kerry o manifestante de esquerda radical que decidiu
protestar contra a guerra do Iraque fazendo vários caras se vestir de drag e ir
até um centro de recrutamento do exercito para se alistarem. Kerry o ateu, que
odiava o quão comercializado o natal havia se tornando e então dava um festa
de Anti Natal no clube, onde ele fazia uma competição para ver qual banda
conseguia tocar a versão mais distorcida das músicas de natal. Então ele
convidava todos para jogar seus presentes ruins numa pilha no meio do clube. E
ao contrario da crença local, Kerry não queimava as coisas numa fogueira: papai
me disse que ele doava ao São Vincent.
Enquanto todos falavam de Kerry, o humor no carro era efervescente e
divertido, era como estar indo ao circo, não a um funeral. Mas parecia certo,
parecia verdadeiro a Kerry, que sempre teve uma super energia.
O funeral, no entanto, foi o oposto. Foi horrivelmente deprimente – não
apenas porque era para alguém que morreu tragicamente jovem e por
nenhuma razão em particular fora uma sorte ruim em relação a artérias. Ele foi
feito numa enorme igreja, o que parecia estranho considerando que Kerry era
um conhecido ateísta, mas parte de mim conseguia entender. Eu quero dizer,
onde mais você faz um funeral? O problema foi o próprio funeral. Era obvio que
o pastor não conhecia Kerry porque quando ele falava sobre ele, era genérico,
sobre o coração gentil de Kerry e como era triste que ele havia partido, ele
estava tendo sua “recompensa divina.”
E ao invés de seus companheiros de banda fazerem discursos sobre ele ou as
pessoas na cidade que passaram os últimos 15 anos com ele, um tio de Boise
levantou e falou sobre ter ensinado Kerry a andar de bicicleta quando ele tinha
seis anos, como se aprender a andar de bicicleta fosse o momento mais
significativo da vida de Kerry. Ele concluiu assegurando para nós que Kerry
estava com Jesus agora. Eu podia ver minha mãe ficando vermelha enquanto
ele falava, e eu comecei a ficar um pouco preocupada que ela fosse falar algo.
Iamos a igreja as vezes, então não é como se mamãe seja contra religião, mas
Kerry era e mamãe era feroz em proteger as pessoas que ela ama, tanto que ela
se insulta por eles pessoalmente. Os amigos dela as vezes chamam ela de
Mamãe Urso por essa razão. Vapor praticamente saia das orelhas de mamãe até
a hora que a cerimônia terminou com uma música de Bette Midler “Wind
Beneath My Wings.”
“É uma boa coisa Kerry estar morto, porque esse funeral ia enlouquecer ele,”
Henry disse. Depois do funeral, decidimos pular a refeição formar e ir jantar.
“Wind Beneath My Wings?” Adam perguntou, distraidamente pegando
minha mão e a assoprando, que era como ele esquentava meus dedos sempre
gelados. “Qual o problema de ‘Amazing Grace’? É tradicional – “
“Mas não te faz vomitar,” Henry intercedeu. “Ou melhor, ‘Three Little Birds’
do Bob Marley. Isso teria sido mais como uma música digna de Kerry. Algo para
brindar o cara que ele foi.”
“Aquele funeral não foi sobre celebrar a vida de Kerry,” mamãe rosnou,
arrancando seu cachecol. “Foi sobre repudio. É como se eles tivessem matado
ele de novo.”
Papai colocou uma mão calma sobre o punho fechado de mamãe. “Agora qual
é. Foi só uma música.”
“Não foi só uma música,” mamãe disse, afastando sua mão. “Foi o que ela
representou. Toda aquela cena lá. Você de todas as pessoas deveria entender.”
Papai deu nos ombros e deu um sorriso triste. “Talvez eu devesse. Mas não
posso ficar com raiva da família dele. Eu imagino que esse funeral foi o jeito
deles de reclamar seu filho.”
“Por favor,” mamãe disse, balançando a cabeça. “Se eles queriam reclamar
seu filho, porque eles não respeitaram a vida que ele escolheu viver? Porque
eles nunca vieram visitar? Ou apoiaram a música dele?”
“Não sabemos o que eles pensavam disso,” papai respondeu. “Não vamos
julgar duro demais. Tem que ser horrível enterrar seu filho.”
“Não acredito que você está dando desculpas por eles,” mamãe exclamou.
“Não estou. Eu só acho que você está achando demais numa seleção
musical.”
“E eu acho que você está confundindo ser empático com ser puxa saco!”
O recuo de papai mal foi visível, mas foi o bastante para fazer Adam apertar
minha mão e Henry e Willow se olharem. Henry se intrometeu, resgatando
papai, eu acho. “É diferente para você, com seus pais,” ele falou para papai. “Eu
quero dizer, eles são antiquados mas eles sempre te apoiaram, e mesmo nos
seus dias mais selvagens você sempre foi um bom filho, um bom pai. Sempre
em casa para o jantar de domingo.“
Mamãe gargalhou, como se o que Henry disse tivesse provado o ponto
dela. Todos viramos em direção a ela, nossas expressões chocadas parecendo
tirar ela da sua do seu desvairo. “Claramente estou emocional agora,” ela disse.
Papai pareceu entender isso como o máximo de desculpas que ele ia receber
agora. Ele cobriu a mão dela com a dele e dessa vez ela não se afastou.
Papai pausou, hesitando antes de falar. “Eu só acho que funerais são muito
como a própria morte. Você pode ter seus desejos, planos, mas no fim do dia,
está fora do seu controle.”
“De jeito nenhum,” Henry disse. “Não se você deixar seus desejos expressos
para as pessoas certas.” Ele virou para Willow e falou para o calombo na barriga
dela. “Então escute, família. No meu funeral ninguém pode usar preto. E para
música, eu quero algo antigo, como Mr. T Experience.” Ele olhou para Willow.
“Entendeu?”
“Mr. T Experience. Vou me certificar de tudo.”
Sem perder um segundo, Willow disse: “Toque P.S You Rock My World POR
Eels. E eu quero um daqueles funerais verdes onde eles te enterram sobre o é
de uma arvore. Para que o funeral em si seja na natureza. E nada de flores. Eu
quero dizer, me de todas as peônias que você quis enquanto eu estiver viva,
mas quando eu morrer, é melhor fazer doações no meu nome para uma boa
instituição de caridade como Médicos sem Fronteira.”
“Você tem todos os detalhes na cabeça,” Adam disse. “É um negócio de
enfermeira?”
Willow deu nos ombros.
“De acordo com Kim, isso significa que você é profunda,” eu disse. “Ela diz
que o mundo é dividido entre as pessoas que imaginam seu funeral e as pessoas
que não imaginam, e que pessoas inteligentes e artistas naturalmente caem na
primeira categoria.”
“Então qual é você?” Adam me perguntou.
“Eu quero o Requiem de Mozart,” eu disse. E virei para mamãe e papai. “Não
se preocupem, não sou suicida nem nada do tipo.”
“Por favor,” mamãe disse, o humor dela melhorando enquanto ela bebia seu
café. “Quando eu estava crescendo eu tinha fantasias elaboradas sobre meu
funeral. Meu pai acaba e todos os seus amigos que falavam mal de mim iam até
meu caixão, que séria vermelho, naturalmente, e iam tocar James Taylor.”
“Me deixe adivinhar,” Willow disse. “Fire and Rain?”
Mamãe concordou e ela e Willow começaram a rir e logo todos na mesa
estavam rindo tanto que lágrimas rolavam por nossos rostos. E então estavamos
chorando, até eu, que não conhecia Kerry muito bem. Chorando e rindo, rindo e
chorando.
“Então, e agora?” Adam perguntou a mamãe quando nos acalmamos.”Ainda
tem uma queda pelo Sr. Taylor?”
Mamãe parou e piscou com força, que era o que ela fazia quando estava
pensando sobre algo. Então ela acariciou a bochecha de papai, uma rara
demonstração de carinho. “No meu cenário ideal, meu marido de cabeça branca
e eu morremos rápida e simultaneamente quando tivermos 90 anos. Não tenho
certeza como. Talvez a gente esteja num safári na África – porque no futuro,
seremos ricos: hey, é minha fantasia - e pegamos alguma doença exótica e
vamos dormir uma noite nos sentindo bem e então nunca acordamos. E nada
de James Taylor. Mia toca no nosso funeral. Se, é claro, pudermos tirar ela da
Filarmônica de Nova Iorque.”
2:48 da manhã
Estou de volta onde comecei. De volta na UTI. Meu corpo, isso é. Eu estive
sentada aqui o tempo todo, muito cansada para me mexer. Eu queria conseguir
dormir. Eu queria que houvesse algum tipo de anestesia para mim, ou pelo
menos algo que fizesse meu mundo se calar. Eu queria ser como meu corpo,
quieta e sem vida, nas mãos de outra pessoa. Eu não tenho a energia para essa
decisão. Eu não quero mais isso. Eu digo em voz alta. Eu não quero isso. Eu olho
para a UTI, me sentindo meio ridícula. EU duvida que todas as outras pessoas
com problemas da área estão exatamente animadas por estar aqui, também.
Meu corpo não saiu da UTI por muito tempo. Algumas horas de cirurgia. Um
tempo na recuperação. Eu não sei exatamente o que aconteceu comigo, e pela
primeira vez hoje, eu não me importa. Eu não deveria ter que me importar. Eu
não deveria ter que trabalhar tanto. Eu percebo agora que morrer é fácil. Viver
é difícil.
Estou de volta no respirador, e mais uma vez tem fita nos meus olhos. Eu
ainda não entendo a fita.Os médicos temem que eu vou acordar no meio da
cirurgia e ficar horrorizada pelos cortes ou o sangue? Todas essas coisas não
podiam me atingir agora. Duas enfermeiras, a que estava designada a mim e a
enfermeira Ramirez, vieram a minha cama checar todos os monitores. Eles
falam vários números que agora são tão familiares a mim quanto meu próprio
nome: Pressão, oxigenação, ritmo respiratório. A enfermeira Ramirez parece
uma pessoa totalmente diferente de quando chegou ontem a tarde. A
maquiagem está borrada e o cabelo dela muito liso. Ela parece que vai dormir
de pé. O turno dela deve estar acabando. Eu vou sentir falta dela mas ficou feliz
por ela poder se afastar de mim, desse lugar. Eu gostaria de me afastar também.
Eu acho que eu vou. Eu acho que é só uma questão de tempo – ou de descobrir
como deixar para trás.
Eu não estou de volta na minha cama a quinze minutos quando Willow
aparece. Ela marca através das portas e vai falar com a enfermeira atrás do
balcão. Eu não ouço o que ela diz, mas eu ouço o tom dela: é educado, suave,
mas não deixa espaço para questionamentos. Quando ela deixa a UTI alguns
minutos mais tarde, tem uma mudança no ar. Willow está no comando agora. A
enfermeira mau humorada a principio pareceu irritada, tipo Quem é essa
mulher para me dizer o que fazer? Mas agora ela parece estar resignada, para
jogar aos mãos no ar em redenção. Foi uma noite maluca. O turno está quase
no fim. Porque se incomodar? Olha, eu e todo o meu barulho, e visitantes
chatos serão problema de outra pessoa.
Cinco minutos depois, Willow está de volta, trazendo vovó e vovô com ela.
Willow trabalhou o dia todo e agora está aqui a noite toda. Eu sei que ela não
dorme bem num dia bom. Eu costumava ouvir mamãe dar a ela dicas para fazer
o bebê dormir a noite toda.
Não tenho certeza quem parece pior, eu ou vovô. As bochechas dele estão
inchadas, a pele dele parece cinza e áspera, e os olhos dele estão vermelhos.
Vovó, por outro lado, está como sempre. Nenhum sinal de desgaste ou
lágrimas. É como se a exaustão não se atrevesse a mexer com ela. Ela vai direto
para minha cama.
“Você com certeza nos fez andar de montanha russa hoje,” vovó diz
levemente. “Sua mãe sempre disse que ela não conseguia acreditar no quão
fácil você era e eu lembro de dizer a ela, ‘Espere até a puberdade.’ Mas você
provou que eu estava errada. Mesmo na puberdade você foi tão leve. Nunca
nos deu problemas. Nunca o tipo de garota que faz meu coração bater mais
rápido de medo. Você compensou por todo uma vida hoje.”
“Ora, ora,” vovô diz, colocando uma mão no ombro dela.
“Oh, só estou brincando. Mia iria gostar. Ela tem senso de humor, não
importa o quão séria ela pareça as vezes. Um senso de humor maluco, essa
aqui.”
Vovó pega a cadeira perto da minha cama e começa a mexer no meu cabelo
com seus dedos. Alguém o limpou, então, embora não esteja exatamente limpo,
não está cheio de sangue também. Vovó começa a desenrolar minha franja, que
está na altura do queixo. Estou sempre cortando franjas, e então deixando elas
crescer. É a transformação mais radical que posso dar a mim mesma. Ela vai até
embaixo, tirando o cabelo debaixo do travesseiro para que ele fique sobre meu
peito, escondendo algumas das linhas e tubos conectados a mim. “Ai, muito
melhor,” ela diz. “Sabe, eu fui dar uma volta hoje e você nunca adivinharia o
que eu vi. Um crosbill. Em Portland em fevereiro. Agora, isso é raro. Eu acho que
é Glo.Ela sempre teve uma queda por você. Ela dizia que você lembra seu pai, e
ela adorava ele. Quando ele fez seu primeiro Moicano, ela praticamente deu
uma festa pra ele. Ela adorava que ele fosse rebelde, tão diferente. Ela veio nos
visitar uma vez quando seu pai tinha cerca de 5 ou 6 anos, e ela tinha um casaco
de pele com ela. Isso foi antes dela virar defensora dos direitos dos animas e
gostar de cristais e coisas assim. O casaco tinha um cheiro horrível, como mofo,
como o linho velho que mantemos no porão, e o seu pai começou a chamar ela
de “Tia com Cheiro de Caminhão.” Ela nunca soube disso. Mas ela amava que
ele era rebelde contra nós, ou era o que ela pensava, e ela pensou que algo
você ter se rebelado de novo se tornando uma musicista clássica. Embora eu
tenha tentando explicar a ela que não era assim, ela não se importou. Ela tinha
suas próprias idéias sobre as coisas: eu suponho que todos temos.”
Vovó conversa por mais cinco minutos, me contando as noticiais mundanas:
meu primo Matthew comprou uma moto e minha tia Patricia não está feliz com
isso. Eu ouvi ela fazendo comentários desse tipo por horas enquanto ela fazia o
jantar ou molhava orquídeas. E ouvindo ela agora, eu quase consigo nos
imaginar na estufa, onde todo o inverno, o ar é sempre quente e úmido e cheia
a umidade e terra, como o solo com uma leve pitada de estrume. Vovó
coleciona cocô de vaca, “restos de vaca,” ela chama eles, e mistura eles na terra
para fazer seu próprio fertilizante. Vovô acha que ela deveria patentear a
receita e vender porque ela usa em suas próprias orquídeas, que estão sempre
ganhando prêmios.
Eu tento meditar com o som da voz de vovó, ser levada pela conversa feliz
dela. As vezes eu consigo quase adormecer enquanto estou sentada no banco
da cozinha e ouvindo ela, e eu me pergunto se poderia fazer isso aqui hoje. O
sono seria bem vindo. Um cobertor quente negro para apagar tudo mais. Um
sono sem sonhos. Eu ouvi pessoas falando sobre o sono da morte. É assim que é
a morte? O melhor, mais quente, mais pesado e sem fim sono? Se é assim que
é, então eu não me importaria.
Eu me ergo, pânico destruindo qualquer calma que ouvir vovó me ofereceu.
Ainda não estou totalmente certa das particularidades aqui, mas eu sei que
assim que estiver comprometida em partir, eu partirei. Mas não estou pronta.
Ainda não. Não sei porque, mas não estou. E estou um pouco assustada de que
se eu acidentalmente pensar, eu não me importaria com o sono sem fim, vai
acontecer e vai ser irreversível, como o jeito que meus avós costumavam me
avisar que se eu fizer uma careta para o sol, ela ficaria assim para sempre.
Eu me pergunto se toda pessoa moribunda pode decidir se ela vai ficar ou
partir. Parece improvável. Afinal de contas, esse hospital está cheio de pessoas
colocando veneno em suas veias ou se submetendo a horríveis operações para
que possam ficar, mas alguns deles vão morrer mesmo assim.
Mamãe e papai decidiram? Parece improvável que eles tenham tido tempo
para fazer tal decisão, e eu não consigo imaginar eles escolhendo me deixar
para trás. E quanto a Teddy? Ele quis ir com mamãe e papai? Ele sabia que eu
ainda estava aqui? Mesmo que soubesse, eu não culparia ele por escolher partir
sem mim. Ele é pequeno. Ele provavelmente estava assustado. Eu de repente
imagino ele sozinho e assustado, e pela primeira vez na minha vida, eu espero
que vovó esteja certa sobre os anjos. Eu rezo que eles tenham estado ocupados
demais confortando Teddy para se preocupar comigo.
Porque outra pessoa não pode decidir por mim? Porque não posso ter uma
expectativa de vida? Ou fazer o que times de baseball fazendo quando o jogo
está acabando e eles precisam de uma rebatida solida para trazer um cara para
a base? Porque eu não posso ter um lançador para me levar para casa?
Vovó se foi. Willow se foi. A UTI está tranqüila. Eu fecho meus olhos. Quando
os abro de novo, vovô está ali. Ele está chorando. Ele não está fazendo nenhum
barulho, mas lágrimas rolam por suas bochechas, molhando seu rosto. Eu nunca
vi alguém chorar assim. Em silencio mas fortemente, uma torneira atrás dos
olhos dele misteriosamente ligada. As lágrimas caem no meu cobertor, no meu
cabelo. Plink.Plink. Plink.
Vovô não limpa seu rosto ou assopra seu nariz. Ele só deixa as lágrimas
caírem a vontade. E quando o rio de dor está momentaneamente seco, ele da
um passo para frente e me beija na testa. Ele parece que está prestes a sair,
mas então ele volta para minha cama, coloca seu rosto na altura do meu
ouvido, e sussurra neles.
“Está tudo bem,” ele me diz. “Se você quiser ir. Todo mundo quer que você
fique. Eu quero que você fique mais do que jamais quis algo na minha vida.” A
voz dele se quebra em emoção. Ele para, limpa sua garganta, respira fundo, e
continua. “Mas isso é o que eu quero e eu posso entender o porque pode não
ser o que você quer. Então eu só quero te dizer que eu entendo se você se for.
Está tudo bem se você nos deixar. Está tudo bem se você quiser parar de lutar.”
Pela primeira vez desde que percebi que Teddy se foi também, eu sinto algo
se desligar. Eu me sinto respira. Eu sei que vovó não pode ser aquele rebatedor
que eu esperava. Ele não vai desligar nenhum dos meus tubos ou me dar uma
overdose de morfina nem nada assim. Mas essa é a primeira vez hoje que
alguém reconheceu o que eu perdi. Eu sei que a assistente social avisou vovó e
vovô para não me chatearem, mas o reconhecimento de vovô, e a permissão
que ele acabou de me oferecer – parece um presente.
Vovô não me deixa. Ele volta para a cadeira. Está silencioso agora. Tão
silencioso que você quase consegue ouvir os sonhos das outras pessoas. Tão
silencioso que você quase consegue me ouvir dizer a vovô, “Obrigado.”
Quando mamãe teve Teddy, papai ainda estava tocando bateria na mesma
banda que ele tocava desde a faculdade. Eles liberaram alguns CDs: eles saíam
em turnê todo verão. A banda não era grande, mas tinham seguidores em
Nortwest e em várias faculdades entre ela e Chicago. E, estranhamente, eles
tinham vários fãs no Japão. A banda estava sempre recebendo cartas de
japoneses adolescentes implorando a eles para irem tocar, e oferecendo suas
casas para que eles ficassem. Papai estava sempre dizendo que se eles forem,
ele levaria mamãe e eu. Mamãe e eu até aprendemos algumas palavras em
japonês só por precaução. Konnichiwa. Arigatou. Mas nunca fomos.
Depois que mamãe anunciou que estava grávida de Teddy, os primeiros sinais
de mudança foram quando papai foi conseguir uma licença para ensinar. Aos 33
anos. Ele está tentando deixar mamãe ensinar ele a dirigir, mas ela é muito
impaciente, ele diz. Papai era sensível para criticas, mamãe disse. Então vovô
levou papai para um terreno vazio em sua caminhonete, como ele tinha feito
com o resto dos irmãos de papai – só que eles aprenderam a dirigir quando eles
tinham 16 anos.
A seguir foi a mudança do guarda-roupa, mas não foi algo que nós notamos
imediatamente. Não foi como se num dia ele tivesse abandona as calças
apertadas de couro e começado a usar terno. Foi mais sutil. Primeiro as
camisetas de banda voaram pela janela para dar lugar a camisas anos 1950, que
ele pegou da Goodwill¹ até que eles começarem a entrar na moda e ele teve
comprar elas de lojas chiques de roupas antigas. Então o jeans foram para uma
caixa, a não ser uma impecável Levis azul escuro, que papai passou e usava nos
finais de semana. Na maioria dos dias, ele usava uma calça social. Mas então,
algumas semanas depois que Teddy nasceu, quando papai deu sua jaqueta de
couro – sua jaqueta de motoqueiro com um cinto de leopardo – finalmente
percebemos a enorme transição que estava acontecendo.
“Cara, você não pode estar falando sério,” Henry disse quando papai
entregou para ele sua jaqueta. “Você tem usado isso desde que era garoto. Tem
até seu cheiro.”
Papai deu nos ombros, terminando a conversa. Então ele foi buscar Teddy,
que estava gritando no seu berço.
Alguns meses mais tarde, papai anunciou que estava deixando a banda.
Mamãe disse a ele para não fazer isso por ela. Ela disse que estava tudo bem em
continuar tocando desde que ele não saísse em meses de turnê, deixando ela
sozinha com dois filhos. Papai disse para não se preocupar, ele não estava
desistindo por ela.
Os outros parceiros de banda de papai entenderam a decisão dele, mas Henry
ficou devastado. Ele tentou fazer ele desistir. Prometei que eles só tocariam na
cidade. Não fariam turnê. Nem ficariam fora a noite toda. “Podemos até tocar
de terno.Vamos parecer como o Rat Pack. Fazer covers do Sinatra. Anda, cara,”
Henry disse.
Quando papai se recusou a reconsiderar, ele e Henry tiveram uma grande
briga. Henry estava furioso com papai por ter abandonado a banda
unilateralmente, especialmente já que mamãe tinha dito que ele ainda podia
fazer shows. Papai disse a Henry que ele sentia muito, mas ele tinha tomado sua
decisão. Nessa hora, ele já tinha preenchido os papeis para escola. Ele ia ser um
professor agora. Nada mais de brincadeiras. “Um dia você vai entender,” papai
disse a Henry.
“Foda-se que eu vou,” Henry respondeu.
Henry não falou com papai por alguns meses depois disso. Willow aparecia de
vez enquando, para bancar a pacificadora. Ela explicou para papai que Henry
está lidando com as coisas. “Dê a ele tempo,” ela disse, e papai fingia não estar
magoado. Então ela e mamãe bebiam café na cozinha e trocavam olhares sábios
que pareciam dizer: Homens são tão garotos.
Henry eventualmente ressurgiu, mas ele não se desculpou com papai, não
imediatamente. Anos mais tarde, logo depois da filha dele nascer, Henry ligou
para nossa casa uma noite chorando. “Eu entendo agora,” ele disse para papai.
Estranhamente, de certa forma vovô pareceu tão chateado com a
metamorfose de papai quanto Henry. Era de se imaginar que ele ia amar o novo
papai. Na superfície, ele e vovó pareciam tão antiquados, que era como um se
eles tivessem vindo do passado. Eles não usam computador ou assistem TV a
cabo, e eles nunca xingam e tem essa coisa que te faz querer ser educado.
Mamãe, que xinga como um guarda de prisão, nunca xingou perto de vovó e
vovô. É como se ninguém quisesse desapontar eles.
Vovó ficou feliz com a transformação de estilo de papai.
“Se eu soubesse que tudo isso ai voltar a moda, eu teria guardado alguns
ternos do vovô,” vovó disse um domingo a tarde quando nós passamos para
almoçar e papai tirou um casaco para revelar uma calça de gabardine e um
cardigan 1950.
“Não voltou a moda. Punk entrou na moda, então acho que o jeito do seu
filho de se rebelar de novo,” mamãe disse com uma careta. “O papai de quem é
um rebelde? O seu papai é um rebelde?” mamãe falou feito bebê enquanto
Teddy ria em deleite.
“Bem, ele com certeza parece agradável,” vovó disse. “Você não acha?” ela
disse, virando para o vovô.
Vovô deu nos ombros. “Ele sempre pareceu bem pra mim. Todos os meus
filhos e netos parecem.” Mas ele parecia triste enquando dizia isso.
Mais tarde, eu saí com vovô para ajudar ele a juntar lenha. Ele precisava
partir algumas toras, então eu observei ele levar um machado até um toco seco.
“Vovô, você não gosta das roupas novas do papai?” eu perguntei.
Vovô parou o machado no meio do ar. Então ele o colocou gentilmente
contra o banco que eu estava sentada.”Eu gosto das roupas dele, Mia,” ele
disse.
“Mas você pareceu tão triste ali dentro quando vovó estava falando sobre
elas.”
Vovô balançou sua cabeça. “Não perde nada, não é? Mesmo com 10 anos.”
“Não é fácil não ver. Quando você se sente triste, você parece triste.”
“Não estou triste. Seu pai parece feliz e eu acho que ele vai ser um bom
professor. Aqueles são uns garotos sortudos que vão ler The Great Gatsby com
seu pai. Eu só vou sentir falta da música.”
“Música? Você nunca foi aos shows de papai.”
“Eu tenho uma audição ruim. Por causa da guerra. O barulho machuca.”
“Você deveria usar fones de ouvido. Mamãe me faz usar. Tampões de
orelha caem.”
“Talvez eu tente isso. Mas sempre ouvimos a música do seu pai. Num
volume baixo. Eu admito, eu não me importo muito com toda aquela guitarra.
Não é minha praia. Mas eu ainda admito a música. As palavras, especialmente.
Quando ele tinha sua idade, seu pai costumava inventar umas histórias ótimas.
Ele sentava na sua mesa e as escrevia, e então dava para vovó digitar, então ele
fazia desenhos. Histórias engraçadas sobre animais, mas reais a inteligentes.
Sempre me lembrando daquele livro sobre a aranha e o porto – como se
chama?”
“Charlotte´s Web?”
“Esse mesmo. Eu sempre pensei cresceria e se tornaria um escritor. E de
certa forma, eu sempre senti que ele se tornou. As palavras que ele escreve em
sua música, são poesia. Você já ouviu com cuidado as coisas que ele diz?”
Eu balancei a cabeça, de repente envergonhada. Eu nem sabia que papai
escrevia letras. Ele não cantava então eu assumi que a pessoa no microfone
escrevia as palavras. Mas tinha visto ele sentado na cozinha com uma guitarra e
um bloco de notas várias vezes. Eu só nunca liguei os fatos.
Aquela noite quando chegamos em casa, eu fui para o meu quarto com o CD do
papai e o discman. Eu ouvi as notas para ver quais músicas papai tinha escrito e
então eu copiei todas as letras. Só foi depois que eu as vi no meu livro de
ciências que eu entendi o que vovô quis dizer. As letras de papai não eram só
rimas. Tinha algo mais. Havia uma música em particular chamada “Wainting for
Vengeance” que eu ouvi e li de novo e de novo até que eu a memorizei. Era do
segundo álbum, e foi a única música lenta que eles já gravaram: soava quase
country, provavelmente pela breve paixão com o campo de Henry. Eu ouvi tanto
que eu comecei a cantar para mim mesma sem perceber.
Well, what is this?
(Bem, o que é isso?)
What am I coming to?
(Ao que estou chegando)
And beyond that, what am I gonna do?
(E além disso, o que vou fazer?)
Now there´s blankness
(Agora tem escuridão)
Where once your eyes held the light
(Onde uma vez seus olhos mantinham a luz)
But that was so long ago
(Mas isso foi a tanto tempo atrás)
That was last night
(Isso foi ontem a noite)
Well, what is that?
(Bem, o que foi isso?)
What´s that sound that I hear?
(O que é esse som que eu escuto?)
It´s just my lifetime
(É só meu tempo de vida)
It´s whistling past my ear
(É um assovio no meu ouvido)
And when I look back
(E quando olho para trás)
Everything seems smaller than life
(Tudo parece menor que a vida)
The way it´s been for so long
(Da forma como tem sido a tanto tempo)
Since last night
(Desde ontem a noite)
Now I´m leaving
(Agora estou partindo)
Any moment I´ll be gone
(A qualquer momento terei ido)
I think you´ll notice
(Eu acho que você notou)
I think you´ll wonder what went wrong
(Eu acho que você se pergunta o que deu errado)
I´m not choosing
(Não estou escolhendo)
But I´m running out of fight
(Mas estou ficando sem forças para lutar)
And this was decided so long ago
(E isso foi decidido a tanto tempo atrás)
It was last night
(Foi ontem a noite)
“O que é que você está cantando, Mia?” Papai me perguntou, ouvindo minha
serenata para Teddy enquanto eu o empurrava pela cozinha em seu carrinho
numa tentativa vã de fazer ele dormir.
“Sua música,” eu disse timidamente, de repente sentindo que eu talvez invadi
a privacidade de papai. Era errado começar a cantar a música de outras pessoas
sem permissão?
Mas papai pareceu feliz. “Minha mia está cantando “Waiting for Vengeance”
para meu Teddy. O que você diz disso?” Ele se inclinou para me descabelar e
para fazer cócegas das bochechas gordinhas de Teddy. “Bem, não deixe eu te
impedir. Continue. Eu assumo essa parte,” ele disse pegando o carrinho.
Eu me senti embaraçada por cantar na frente dele agora, então eu só meio
que murmurei as palavras, mas quando papai se juntou nós cantamos
suavemente juntos até Teddy adormecer. Então ele colocou um dedo nos lábios
e gesticulou para que eu o seguisse até a sala.
“Quer jogar xadrez?” ele perguntou. Ele estava sempre tentando me ensinar a
jogar, mas eu achava que era trabalho demais para um jogo.
“Que tal dama?’ eu perguntei.
“Claro.”
Jogamos em silencio. Quando papai fazia um movimento, eu olhava para a
camiseta de botões dele, tentando lembrar a imagem do cara com cabelo
embranquecido por causa do peróxido e com uma jaqueta de couro.
“Pai?”
“Hmm.”
“Posso te fazer uma pergunta?”
“Sempre.”
“Você está triste por não estar mais numa banda?”
“Nope,” ele disse.
Os olhos cinzas de papai encontraram os meus. “O que causou isso?”
“Eu estava conversando com vovô.”
“Oh, entendo.”
“Entende?”
Papai acenou. “O vovô acha que de alguma forma fez pressão para mim
mudar minha vida.”
“Bem, ele fez?”
“Eu suponho que de um jeito indireto sim. Sendo quem ele é, mostrando
para mim o que é um pai.”
“Mas você era um bom pai quando tocava numa banda. O melhor pai. Eu não
quero que você desista por mim,” eu disse, me sentindo sufocar. “E eu acho que
Teddy também não gostaria.”
Papai sorriu e deu tapinhas na minha mão. “Mia Oh-Minha-Uh. Não estou
desistindo de nada. Não é uma preposição nenhum dos dois-ou. Ensinar ou a
música. Jeans ou terno. Música sempre vai ser parte da minha vida.”
“Mas você desistiu da banda! Desistiu de se vestir como punk!”
Papai suspirou. “Não foi difícil de se fazer. Eu já toquei essa parte da minha
vida. Era hora. Eu nem pensei duas vezes nisso, apenas do que vovô ou Henry
possam pensar. As vezes você faz escolhas na vida e as vezes as escolhas fazem
você. Isso faz sentido?”
Eu pensei no violoncelo. Como as vezes eu não entendia porque ele me
atraia, como alguns dias parecia que o instrumento tinha me escolhido. Eu
acenei, sorriu, e voltei minha atenção para o jogo. “Fiz um rei,” eu disse.
4:57 da manhã
Não consigo parar de pensar em “Waiting for Vengeance.” Faz anos desde que
eu a ouvi ou pensei nessa música, mas depois que vovô me deixou, eu tenho
cantado ela para mim de novo e de novo. Papai escreveu essa música séculos
atrás, mas agora parece que ele escreveu ontem. Como se ele tivesse escrito de
onde ele está. Como se houvesse uma mensagem secreta nela para mim. Como
mais se explica a letra? Não estou escolhendo. Mas estou ficando sem forças
para lutar.
O que isso significa? Deveria ser algum tipo de instrução? Alguma pista sobre
o que meus pais escolheriam para mim se pudessem? Eu tento pensar nisso na
perspectiva deles. Eu sei que eles iriam querer ficar comigo, para que todos nós
fiquemos juntos de novo eventualmente. Mas eu não faço ideia se é isso que
acontece depois que você morre, e se é, se vai acontecer essa manhã ou em
sete anos. O que eles iriam querer de mim agora? Assim que eu faço a
pergunta, eu posso ver a expressão irritada de mamãe. Ela ficaria lívida comigo
se soubesse que estou contemplando tudo menos ficar. Mas papai, ele entendia
o que significa não ter forças para lutar. Talvez, como vovô, ele entenda porque
eu não acho que posso ficar.
Estou cantando a música, como se enterrada nas letras estivessem
instruções, um mapa musical para onde eu deveria ir e como chegar lá.
Estou cantando e me concentrando e pensando tanto que eu mal registro a
volta de Willow a UTI, mal noto que ela está falando com a enfermeira mal
humorada, mal reconheço a determinação no tom dela.
Se eu estivesse prestando atenção, eu podia ter percebido que Willow
estava fazendo força para Adam poder me visitar. Se eu tivesse prestando
atenção, eu podia ter de alguma forma escapado antes de Willow ter – como
sempre – sucedido.
Eu não quero ver ele agora. Eu quero dizer, é claro que quero. Eu anseio por
isso. Mas eu sei que se eu o ver, vou perder meu ultimo pingo de paz que vovô
me deu quando ele disse que estava tudo bem se eu partir. Estou tentando
convocar a coragem para fazer o que preciso fazer. E Adam vai complicar as
coisas. Eu tento levantar e me afastar, mas algo aconteceu comigo desde que eu
voltei da cirurgia. Eu não tenha mais forças para me mover. É preciso todas as
minhas forças para mim me sentar direito na cadeira. Eu não posso fugir; tudo
que posso fazer é me esconder. Eu curvo meus joelhos até meu peito e fecho os
olhos.
Eu ouço a enfermeira Ramirez conversando com Willow. “Eu levo ele até lá,”
ela diz. E pela primeira vez, a enfermeira mal humorada não manda ela voltar
para seus pacientes.
“Aquilo que você fez mais cedo, foi algo bem ousado,”eu ouço ela dizer a
Adam.
“Eu sei,” Adam responde. A voz dele é um sussurro, do jeito que fica depois
de um show muito gritado. “Eu estava desesperado.”
“Não, você foi romântico,” ela diz a ele.
“Eu fui idiota. Eles falaram que ela estava melhor antes. Que ela tinha saído
do respirador. Que ela estava ficando mais forte. Mas depois que eu vim aqui
ela piorou. Eles falaram que o coração dela parou na cirurgia...” Adam diz.
“E eles o fizeram bater de novo. Ela tinha um intestino perfurado que estava
vazando bile devagar no abdômen dela e isso fez os órgãos dela se bagunçarem.
Esse tipo de coisa acontece o tempo todo, e não teve nada a ver com você. Nós
vimos e consertamos e é isso que importa.”
“Mas ela estava melhor,” Adam sussurra. Ele soa jovem e vulnerável, como
Teddy costumava soar quando ele ficava doente. “E então eu vim aqui e ela
quase morreu.” A voz dele se afoga num soluço. O som dele me faz acordar
como um balde de gelo derrubado na minha camiseta. Adam acha que ele fez
isso comigo? Não! Isso vai além do absurdo. Ele está tão errado.
“E eu quase fiquei em Porto Rico para casar com um gordo SOB,” a
enfermeira responde. “Mas eu não fiquei. E eu tenho uma vida diferente agora.
Quase não importa. Você tem que lidar com a situação em vista. E ela ainda está
aqui.” Ela coloca a cortina de privacidade ao redor da minha cama.”Vai
entrando,” ela diz a Adam.
Eu forço minha cabeça a levantar e abro os olhos. Deus, mesmo nesse
estado, ele é tão lindo. Os olhos dele estão caídos de fadiga. Ele está crescendo
barba, o bastante para que quando ficamos, faz meu queixo coçar. Ele está
usando seu uniforme típico da banda, uma camiseta, calça skinny, e All Star,
com o cachecol de vovó enrolado em seus ombros.
Quando ele me vê, ele empalidece, como se eu fosse uma criatura horrível
do Lago Negro. Eu pareço muito mal, ligada ao respirador e uma dúzia de outros
tubos, o corte da minha cirurgia mais recente ainda sangrando. Mas depois de
um momento, Adam exala alto e então ele é apenas Adam de novo. Ele olha ao
redor, como se tivesse derrubado algo e então encontra o que está procurando:
minha mão.
“Jesus, Mia, suas mãos estão congelando.” Ele se abaixa, bota minha mão
direita das dele, e cuidadosamente para não bater em nenhum dos meus tubos
e fios, coloca sua boca perto dela, soprando ar quente na cratera que ele criou.
“Você e suas mãos loucas.” Adam sempre fica surpresa como mesmo no meio
do verão, mesmo depois dos encontros mais suados, minhas mãos permanecem
frias. Eu disse a ele que é má circulação mas ele não cai nessa porque meus pés
normalmente são quentes. Ele diz que eu tenho mãos biônicas, e é por isso que
sou uma violoncelista tão boa.
Eu observo ele esquentar minhas mãos como ele fez centenas de vezes
antes. Eu penso na primeira vez que ele fez isso, na escola, sentado no gramado,
como se fosse a coisa mais natural do mundo. Eu também lembro da primeira
vez que ele fez isso na frente dos meus pais. Estavamos sentados na varanda na
véspera de natal, bebendo cidra. Estava congelando lá fora. Adam pegou
minhas mãos e soprou nelas. Teddy riu. Mamãe e papai não disseram nada, só
trocaram um rápido olhar, algo privado passou entre eles e então mamãe sorriu
para nós.
Eu me pergunto se eu tentar, se eu posso sentir ele me tocando. Se eu
deitasse em cima de mim na cama, eu voltaria para meu corpo de novo? Eu iria
sentir ele então? Se eu tocasse minha mão fantasma na dele, ele me sentiria?
Ele esquentaria as mãos que ele não consegue ver?
Adam solta minha mão e dá um passo para frente para olhar para mim. Ele
está parado tão perto que eu quase consigo sentir o cheiro dele e sinto uma
incrível vontade de tocar nele. É básico, primitivo, e consumista como o jeito
que um bebê precisa do seio de sua mãe. Embora eu saiba, que se nos
tocarmos, uma guerra – que será mais dolorosa do que a que estamos travando
silenciosamente nos últimos meses - vai começar.
Adam está murmurando algo agora. Em voz baixa. E de novo e de novo ele
está dizendo: por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por favor. Por
favor. Por favor. Por favor. Por favor. Finalmente, ele para e olha para meu
rosto. “Por favor, Mia,” ele implora. “Não me faça escrever uma música.”
Eu nunca esperei me apaixonar. Nunca foi o tipo de garota que tem paixões por
estrelas de rock ou fantasia se casar com Brad Pitt. Eu meio que vagamente
sabia que um dia eu provavelmente teria um namorado (na faculdade, se a
previsão de Kim fosse algo para seguir) e me casar. Eu não era totalmente
imune aos encantos do sexo oposto, mas eu não era uma daquelas garotas
românticas e sonhadora, que sonha acordada em se apaixonar.
Mesmo quando estava me apaixonada – um amor intenso, impossível-de-
apagar-aquele-sorriso-bobo – eu não registrei o que estava acontecendo.
Quando eu estava com Adam, pelo menos depois daquelas primeiras semanas
constrangedoras, eu me senti tão bem que não me incomodei em pensei sobre
o que estava acontecendo comigo, conosco. Eu só me senti normal e bem,
como se tivesse entrando num banho quente. O que não quer dizer que a gente
não brigasse. Discutimos sobre muitas coisas: ele não ser gentil o bastante com
Kim, eu ser anti-social nos shows dele, o quão rápido ele dirigia, como eu
roubava as cobertas. Eu fiquei chateada por ele nunca escrever músicas sobre
mim. Ele alegou que ele não era bom com músicas de amor: “Se você quiser
uma música, você vai ter que me trair ou algo assim,” ele disse, sabendo muito
bem que isso não ia acontecer.
_______
No outono passado, Adam e eu começamos a ter tipos diferentes de brigas.
Nem era realmente uma briga. Não gritávamos. Nós mal discutíamos, mas uma
cobra de tensão entrou em nossas vidas. E parece que tudo começou com
minha audição para Juilliard.
“Então você acabou com eles?” Adam perguntou quando eu voltei. “Eles vão
te deixar entrar com uma bolsa?”
Eu tinha o pressentimento que eles iam me deixar entrar, pelo menos –
mesmo antes deu contar a professora Christie sobre um dos comentários dos
juízes “a muito tempo não temos uma garota do Oregon,” mesmo antes dela
hiperventilar porque ela estava tão convencida que essa era uma promessa
tácita de admissão. Algo tinha acontecido enquanto eu tocava naquela audição;
eu tinha quebrado alguma barreira invisível e podia finalmente tocar as peças
como eu as ouvida sendo tocadas em minha cabeça, e o resultado foi algo
transcendente: os lados mental e físico, técnico e metal da minha habilidade
finalmente se juntaram. Então, na volta para casa, enquanto Vovô e eu nos
aproximávamos da fronteira Califórnia-Oregon, eu tive esse repentino flash –
uma visão de mim levando um violoncelo por Nova Iorque. E foi como se eu
soubesse, e essa certeza se plantou em minha barriga como um quente segredo.
Eu não sou o tipo de pessoa que tem premonições ou é super confiante, então
eu suspeito que havia algo mais em meu flash do que um pensamento mágico.
“Eu fui bem,” eu disse a Adam, e enquanto eu dizia, eu percebi que eu tinha
acabado de mentira para ela pela primeira vez, e que isso era diferente de todas
as mentiras por omissão que eu fiz antes.
Eu tinha negligenciado contar a Adam que eu estava me inscrevendo para
Juilliard, o que foi mais difícil do que parece. Antes deu enviar minha inscrição,
eu tive que praticar a todo mundo com a professora Christie para deixar o
Shostakovich e os dois Bech perfeitos. Quando Adam perguntou porque eu
estava tão ocupada, eu dei uma desculpa propositadamente vaga sobre
aprender novas peças. Eu justifiquei isso a mim mesma porque era
tecnicamente verdade. E então a professora Christie arranjou que eu fosse
gravar na universidade para que eu pudesse submeter um CD de alta qualidade
para Juilliard. Eu tinha que estar no estúdio as 7 da manha num domingo e a
noite anterior eu fingi estar me sentindo mal e disse a Adam que ele
provavelmente não deveria ficar. Eu justifiquei aquilo também. Eu estava me
sentindo mal porque estava muito nervosa. Então, não era uma mentira de
verdade. E além do mais, eu pensei, não tem porque fazer uma confusão disso.
Eu não tinha contado a Kim também, então não era como se Adam estivesse
sendo o único a ficar de lado.
Mas depois que eu disse a ele que eu só me sai bem na audição, eu tinha o
sentimento que eu me afundando em areia movediça, e que se eu desse mais
um passo, não haveria como sair dali e eu ia afundar até sufocar. Então eu
respirei fundo e voltei para o chão solido. “Na verdade, isso não é verdade,” eu
disse a Adam. “Eu fui muito bem. Eu toquei melhor do que nunca. Foi como se
eu estivesse possuída.”
A primeira reação de Adam foi sorrir com orgulho. “Eu queria ter visto isso.”
Mas então os olhos dele ficar nublados e os lábios dele caíram num franzido.
“Porque você não disse nada?” ele perguntou. “Porque você não me ligou
depois da audição para se gabar?”
“Eu não sei,” eu disse.
“Bem, isso é uma ótima noticia,” Adam disse, tentando mascarar a magoa.
“Deveriamos celebrar.”
“Ok, vamos celebrar,” eu disse, com uma forçosa alegria. “Podemos ir a
Portland no sábado. Ir para os jardins Japoneses e ir jantar no Beau Thai.”
Adam fez uma careta. “Não posso. Vamos tocar em olumpia e Seattle esse
final de semana. Mini tour. Lembra? Eu adoraria ir, mas eu não sei se isso é
realmente uma celebração para você. Mas volto no domingo a noite. Posso te
encontrar em Portland se você quiser.”
“Não posso. Vou tocar em um quarteto na casa de um professor. E quanto ao
final de semana que vem?”
Adam parecia triste. “Estaremos num estúdio nas próximas semanas, mas
podemos ir a algum lugar durante a semana. Por aqui. A um restaurante
mexicano?”
“Claro. O restaurante mexicano,” eu disse.
Dois minutos antes, eu nem queria celebrar, mas agora eu estava me
sentindo rejeitada e insultada ao ser colocada em um jantar no meio da semana
no mesmo lugar que sempre íamos.
Quando Adam se formou no ensino médio na primavera passada e se mudou
da casa de seus pais para a House of Rock, eu não esperei que muita coisa
mudasse. Ele ainda vivia por perto. Ainda nos víamos o tempo todo. Eu sentiria
falta das nossas conversas na ala de música, mas também ficaria aliviada por
nosso relacionamento sair do microscópio do ensino médio.
Mas as coisas tinham mudado quando Adam mudou para a House of Rock e
começou a faculdade, embora não pelas razões que eu achei que mudariam. No
começo do outono, quando Adam estava começando a vida de universitário, as
coisas de repente começaram a melhorar para o Shooting Star. A banda recebeu
o convite de gravar com uma gravadora de tamanho médio cujo escritório era
em Seattle e agora estava ocupada fazendo as gravações. Eles também estavam
fazendo mais shows, para multidões cada vez maiores, quase todo final de
semana. As coisas eram tão caóticas que Adam tinha largado metade das
cadeiras do seu curto e ia a faculdade por meio período, e se as coisas
continuassem nesse ritmo, ele estava pensando em largar de vez. “Não existe
segunda chance,” ele me disse.
Eu estava genuinamente excitada por ele. Eu sabia que Shooting Star era
especial, mais do que as bandas da faculdade. Eu não me importei com a
crescente ausência de Adam, especialmente já que ele deixou tão claro o
quanto ele se importava. Mas de alguma forma, o prospecto de Juilliard deixou
as coisas diferentes – de alguma forma me fez mudar de ideia. O que não fazia
sentido porque deveria ter nivelado as coisas. Agora eu também tinha algo
excitante acontecendo.
“Podemos ir para Portland em algumas semanas,” Adam prometeu. “Quando
o feriado passar.”
“Ok,’ eu disse solenemente.
Adam suspirou.”As coisas estão ficando complicadas, não estão?”
“Yeah. Nossos horários são muito cheios,” eu disse.
“Não é isso que eu quis dizer,” Adam disse, virando meu rosto em direção ao
dele para que eu olhasse para os olhos dele.
“Eu sei que não é isso que você quis dizer,” eu respondi, mas então um caroço
se formou na minha garganta e eu não consegui mais falar.
Tentamos melhorar a tensão, falar sem realmente falar sobre isso, tentamos
brincar sobre o assunto. “Sabe eu li no US News and Word Report que a
Universidade Willamette tem um bom programa de música,” Adam me disse. “É
em Salem, que aparentemente está ficando mais hippie a cada segundo.”
“De acordo com quem? O governador?” eu respondi.
“Liz encontrou umas lojas de roupas vintage muito boas lá. E sabe, assim que
lugares de roupas antigas chegam, os hippies não estão muito atrás.”
“Você esquece que eu não sou hippie,” eu lembrei ele. “Mas falando nisso,
talvez Shooting Star devesse se mudar para Nova Iorque. Eu quero dizer, é o
coração da cena punk. Os Ramones. Blondie.” Meu tom era superficial e
flertador, uma performance digna do Oscar.
“Isso foi a trinta anos atrás,” Adam disse. “E mesmo que eu quisesse me
mudar para Nova Iorque, de jeito nenhum o resto da banda poderia.” Ele olhou
de boca aberta para seus tênis e eu percebi que a parte brincalhona da conversa
tinha terminado. Meu estomago se apertou, um aperitivo antes da porção
principal de dor no coração e um sentimento que ia ser demais em algum
ponto.
Adam e eu nunca fomos o tipo de casal que fala sobre o futuro, sobre onde
nossa relação ia, mas com as coisas de repente incertas, evitamos falar sobre
qualquer coisa que estava acontecendo mais do que a algumas semanas além, e
isso fez nossas conversas ficarem tão desconfortáveis e constrangedoras como
naquelas primeiras semanas juntos antes de encontrarmos nosso canal. Uma
tarde no outono, eu vi uma linda loja de vestidos de 1930 onde papai tinha
comprado seus ternos e eu quase mostrei para Adam e perguntei se ele achava
que eu deveria usar aquilo para o baile de formatura, mas o baile era em Junho
e talvez Adam estivesse em turnê em junho ou talvez eu estivesse muito
ocupada me preparando para ir a Juilliard, então eu não disse nada. Não muito
depois disso, Adam estava reclamando sobre sua velha guitarra, dizendo que ele
queria uma antiga Gibson SG, e eu ofereci uma a ele para seu aniversário. Mas
ele disse que essas guitarras custam centenas de dólares, e além do mais o
aniversário dele só era em setembro, e do jeito que ele disse setembro, foi
como se estivesse dando uma sentença de prisão.
Algumas semanas atrás, fomos para uma festa em Nova Iorque juntos. Adam
ficou bêbado, e quando a meia noite chegou, ele me beijou com força. “Me
prometa. Me prometa que vai passar o ano novo do ano que vem comigo,” ele
sussurrou no meu ouvido.
Eu estava para explicar que se eu fosse para Juilliard, eu iria para casa no
natal e ano novo, mas então eu percebi que não era esse o ponto. Então eu
prometi a ele porque eu queria que fosse verdade tanto quanto ele. E eu o
beijei de volta com tanta força, como se eu estivesse tentando emergi nossos
corpos através dos nossos lábios.
No dia de ano novo, eu vim para casa para encontrar minha família reunida na
cozinha com Henry, Willow, e o bebê. Papai estava fazendo café da manhã:
salmão defumado, a especialidade dele.
Henry balançou a cabeça quando me viu. “Veja as crianças de hoje. Parece
que foi ontem que chegar em casa as oito da noite parecia cedo. Agora eu
mataria só pra ser capaz de dormir até as oito.”
“Nós não conseguimos nem até a meia noite,” Willow admitiu, balançando o
bebê em seu colo. “Uma boa coisa, porque esse bebê decidiu começar seu ano
novo as 5:30.”
“Eu fiquei acordado até a meia noite!” Teddy gritou. “Eu vi uma bola cair a
meia noite na TV. Foi em Nova Iorque, sabe? Se você se mudar para lá, você vai
me levar para ver ao vivo?” ele perguntou.
“Claro, Teddy,” eu disse fingindo entusiasmo. A ideia de ir a Nova Iorque
parecia mais e mais real, e embora isso me enchesse de nervoso, conflito,
excitação, a imagem de mim e Teddy andando em Nova Iorque juntos no ano
novo me fazia sentir incrivelmente sozinha.
Mamãe olhou para mim, as sobrancelhas arqueadas. “É ano novo, então não
vou dizer nada por você chegar a essa hora. Mas se você estiver de ressaca,
você está de castigo.”
“Eu não estou. Eu só tomei uma cerveja. Só estou cansada.”
“Só cansada, é? Tem certeza?” mamãe pegou meu pulso e me virou em
direção a ela. Quando ela viu minha expressão dura, ela virou a cabeça para o
lado como se dissesse, Você está bem? Eu dei nos ombros e mordi meu lábio
para evitar de perder o controle. Mamãe acenou. Ela me entregou uma xícara
de café e me levou até a mesa. Ela soltou um prato de carne e cortou duas fatias
de pão, e embora eu não conseguisse imaginar estar com fome, minha boca
salivou e meu estomago roncou e eu estava repentinamente faminta. Eu comi
em silencio, mamãe me observando o tempo todo. Depois que tudo acabou,
mamãe o resto deles para a sala para assistir Rose Parede na Tv.
“Todo mundo para fora,” ela ordenou. “Mia e eu vamos lavar as louças.”
Assim que todos se foram, mamãe virou para mim e eu cai contra ela,
chorando e liberando toda a tensão e incerteza das ultimas semanas. Ela ficou
ali em silencio, me deixando chorar no suéter dela. Quando eu parei, ela pegou
a esponja. “Você lava. Eu seco. Vamos conversar. Eu sempre acho calmante. O
calor da água, o sabão.”
Mamãe pegou o pano de prato e começamos a trabalhar. E eu disse a ela
sobre Adam e eu. “É como se a gente tivesse tido esse um ano e meio perfeito,”
eu disse. “Tão perfeito que eu nunca pensei no futuro. Sobre nós seguirmos
caminhos diferentes.”
O sorriso de mamãe era tanto triste quanto sábio. “Eu pensei nisso.”
Eu virei em direção a ela. Ela estava olhando direto para a janela, observando
uns pardais se banhar numa poça. “Eu lembro ano passado quando Adam veio
na véspera de natal. Eu disse que a seu pai que você se apaixonou cedo
demais.”
“Eu sei, eu sei. O que uma garota boba sabe sobre amor”?
Mamãe parou de sacar a louça. “Não é o que eu quis dizer. O oposto na
verdade. Você e Adam nunca me pareceram como uma “relação colegial,”
mamãe disse fazendo uma citação com as mãos. “Não é nada como o papel de
bêbada que ficava no Chevy com um cara e que passava como um
relacionamento quando eu estava no ensino médio. Vocês pareciam, ainda
parecem, apaixonados, realmente e profundamente.” Ela suspirou. “Mas estar
apaixonado aos 17 anos é inconveniente.”
Isso me fez sorrir e fez o aperto no meu estomago se suavizar um pouco.
“Nem me diga,” eu disse. “Se nós dois não fossemos músicos, poderíamos ir
para a faculdade juntos e tudo ficaria bem.”
“Isso é bobagem, Mia,” mamãe respondeu. “Todos os relacionamentos são
duros. Assim como com a música, as vezes você tem harmonia e as vezes uma
cacofonia. Não tenho que te dizer isso.”
“Eu suponho que você tenha razão.”
E qual é, a música aproximou vocês dois. É isso que o seu pai e eu sempre
pensamos. Os dois estavam apaixonados pela música e então vocês se
apaixonaram pela música um do outro. Foi um pouco parecido como o que
aconteceu com seu pai e eu. Eu não tocava mais escuta. Por sorte, eu era um
pouco mais velha quando nos conhecemos.”
Eu nunca disse a mamãe sobre o que Adam tinha dito naquela noite depois
do concerto de Yo-Yo Ma, quando perguntei a ele porque eu? Como a música
era total parte disso. “Yeah, mas agora sinto como se a música fosse nos
separar.”
Mamãe balançou a cabeça. “Isso é bobagem. A música não pode fazer isso. A
vida pode levar vocês para caminhos diferentes. Mas são vocês que decidem
para qual vocês vão seguir.” Ela virou para me olhar. “Adam não está tentando
te impedir de ir a Juilliard, está?”
“Não mais do que estou tentando convencer ele a se mudar para Nova
Iorque. E tudo é ridículo mesmo. Eu posso nem entrar.”
“Não, você pode não entrar. Mas você vai a algum lugar. Acho que todos
entendemos isso. E o mesmo é verdade para Adam.”
“Pelo menos ele pode ir a algum lugar enquanto ainda vive aqui.”
Mamãe deu nos ombros. “Talvez. Por agora pelo menos.”
Eu coloquei meu rosto nas minhas mãos e balancei a cabeça. “O que vou
fazer?” eu lamentei. “Eu me senti como se estivesse presa numa guerra.”
Mamãe deu um sorriso simpático. “Eu não sei. Mas eu sei que se você quiser
ficar com ele, eu vou apoiar isso, embora talvez eu só esteja dizendo isso
porque eu não acho que você vai ser capaz de recusar Juilliard. Mas eu entendo
que se você escolher o amor, o amor de Adam, ao invés do amor pela música.
De qualquer forma você vence. E de qualquer forma você perde. O que posso te
dizer? O amor é uma merda.”
_________________
Adam e eu conversamos sobre isso mais uma vez depois disso. Estavamos na
House of Rock, sentados no futon dele. Ele estava tocando um refrão em seu
violão.
“Eu posso não entrar,” eu disse a ele. “Eu posso acabar na escola aqui, com
você. De certa forma, eu espero que não seja aceita para não ter que escolher.”
“Se você entrar, a escolha já está feita, não está?” Adam perguntou.
Estava. Eu iria. Isso não significa que eu pararia de amar Adam ou que íamos
terminar, mas mamãe e Adam tinham razão. Eu não ia rejeitar Juilliard.
Adam ficou em silencio por um minuto, mexendo em seu violão tão alto que
eu quase não ouvi quando ele disse, “eu não quero ser o cara que não quer que
você vá. Se você ao contrário, você me deixaria ir.”
“Eu meio que já deixei. De certa forma, você já foi. Para sua própria Juilliard,”
eu disse.
“Eu sei,” Adam disse quieto. “Mas ainda estou aqui. E ainda estou loucamente
apaixonado por você.”
“Eu também,” eu disse. E então paramos de falar por um tempo enquanto
Adam tocava uma melodia desconhecida. Eu perguntei a ele o que ele estava
tocando.
“Estou chamando de ‘A namorada-vai-para-Juilliard-Deixando-meu-coração-
punk-em-pedaços,” ele disse, cantando a letra em um tom de voz
exageradamente fanhoso. Então ele deu aquele sorriso tímido bobo que eu
sentia vir da parte mais verdadeira dele. “Estou brincando.”
“Bom,” eu disse.
“Mais ou menos,” ele acrescentou.
5:42 da manhã
Adam se foi.Ele de repente correu para fora, dizendo para a enfermeira Ramirez
que ele esqueceu algo importante e que ele voltaria assim que pudesse. Ele já
estava saindo pela porta quando ela disse a ele que ela estava prestes a sair do
trabalho. Na verdade, ela acabou de sair, mas não antes de se certificar de dizer
a enfermeira que lembrava a Velha Mau humorada que “o jovem com as calças
skinny e cabelo bagunçado” tem permissão de me ver quando voltar.
Não que isso importe. Willow manda na escola agora. Ela esteve marchando
as tropas para cá a manhã toda. Depois de vovó e vovô e Adam, Tia Kate
apareceu. Então vieram Tia Diane e Tio Greg. E então meus primos. Willow está
correndo pra lá e pra cá, um brilho nos seus olhos. Ela está tramando algo, mas
se ela está forçando meus amados a me ver para continuar minha existência
terrena ou se ela simplesmente está trazendo eles para dizer adeus, eu não sei
dizer.
Agora é a vez de Kim. Pobre Kim. Ela parece que dormiu numa lixeira. O
cabelo dela está totalmente rebelde e mais fios escaparam da trança do que os
que continuam nela. Ela está usando um dos “suéteres merda,” esverdeadas,
acinzentadas, e amarronzadas massas que a mãe dela sempre compra para ela.
A príncipe, Kim pisca ao me ver, como se eu fosse uma luz brilhante. Mas então
é como se ajustasse a luz e decide que embora eu pareça um zumbi, embora
tenham tubos saindo de todos os meus orifícios, embora tenha sangue no meu
fino cobertor de onde ele escorreu através das bandagens, eu ainda sou a Mia e
ela ainda é a Kim. E o que Mia e Kim gostam mais de fazer? Conversar.
Kim senta na cadeira perto da minha cama. “Como você está?” ela pergunta.
Não tenho certeza. Estou exausta, mas ao mesmo tempo a visita de Adam me
deixou...eu não sei o que. Agitada. Ansiosa. Acordada, definitivamente
acordada. Embora eu não tenha conseguido sentir quando ele me tocou, a
presença dele me agitou mesmo assim. Eu estava começando a me sentir
agradecida por ele estar aqui quando ele saiu como se o diabo estivesse
perseguindo ele. Adam passou as ultimas 10 horas tentando me ver, e agora
que ele finalmente conseguiu, ele saiu 10 minutos depois que chegou. Talvez eu
tenha assustado ele. Talvez ele não queira lidar com isso. Talvez eu não seja a
única frangote por aqui. Afinal de contas, eu passei o dia sonhando com ele
vindo até mim, e quando ele finalmente entrou na UTI, se eu tivesse a força, eu
teria fugido.
“Bem, você não iria acreditar em como a noite tem sido maluca,” Kim diz.
Então ela começa a me contar. Sobre os ataques da mãe dela, sobre como ela
perdeu o controle na frente dos meus parentes, que foram graciosos sobre
tudo. A briga que eles tiveram fora do Teatro Roseland na frente de um bando
de punks e hippies. Quando Kim gritou com sua mãe, que chorava, para “se
acertar e começar a agir como a adulta” e então saiu do clube deixando uma
chocada Sra. Schein na calçada, um grupo de caras usando couro e cabelo
florescente torceram e bateram na mão dela. Ela me conta sobre Adam, a
determinação dele em me ver, como depois que ele foi expulso da UTI, ele
pediu a ajuda de seus amigos músicos, que não eram tão esnobes quanto ela
achou que fossem. Então ela me diz que uma estrela do rock veio ao hospital
por minha causa.
É claro, eu sei quase tudo que Kim está me dizendo, mas não tem como ela
saber isso. Além do mais, eu gosto de ver ela recontando o dia para mim. Eu
gosto sobre como Kil fala normalmente comigo, como vovó fez mais cedo, só
tagarelando, dando um bom bocejo, como se estivéssemos na minha varanda,
bebendo café (ou um frappuccino de caramelo no caso de Kim) e botando a
conversa em dia.
Eu não sei se depois que você morre você lembra das coisas que
aconteceram quando você estava viva. Faz um sentido lógico que você não
lembre. Que estar morto vai parecer como antes de você nascer, que é como
dizer, um bando de nada. A não ser que para mim, pelo menos, os anos não são
um branco completo. De vez enquando, mamãe ou papai me contam histórias
sobre algo, sobre papai pegar seu primeiro salmão com vovô, ou mamãe
lembrando o incrível concerto do Dead Moon que ela viu com papai no primeiro
encontro deles, e eu tenho um incrível senso de déjà vu.
Não apenas um sentimento de que já ouvi a história antes, mas que eu a vivi;.
Eu consigo me imaginar sentada no banco de areia enquanto papai tira um
peixe rosa da água, embora papai tivesse doze anos na época. Ou eu consigo
ouvir o feed-back de quando Dead Moon tocou “D.O.A” no X-Ray, embora eu
nunca tenha ouvido Dead Moon toca ao vivo, e muito embora o Z-Ray Café
tenha fechado antes deu nascer. Mas as vezes as memórias parecem tão reais,
tão viscerais, tão pessoais, que eu as confundo com as minhas.
Eu nunca contem a ninguém sobre essas “memórias.” Mamãe provavelmente
diria que eu estava lá – como um dos seus óvulos no ovário dela. Papai iria
brincar que ele e mamãe tinham me torturado com seus histórias tantas vezes
que fizeram uma lavagem cerebral em mim. E vovó me diria que eu estava lá
como um anjo antes de eu escolher me tornar filha de mamãe e papai.
Mas agora me pergunto. Agora eu tenho esperança. Porque quando eu me
for, eu quero lembrar de Kim. E eu quero lembrar dela assim: me contanto
histórias engraçadas, brigando com sua mãe maluca, sendo alegrada pelos
punkeiros, aproveitando a ocasião, encontrando forças dentro dela que ela não
fazia ideia que possuía.
Adam é uma história diferente. Lembrar de Adam será como perder ele de
novo, e não tenho certeza se posso suportar isso além de todo o resto.
Kim está na parte da Operação Distração, quando Brooke Veja e vários punks
reunidos apareceram no hospital. Ela me conta que antes deles chegarem na
UTI, ela estava tão assustada em se meter em problemas, mas quando ela
entrou dentro da ala, ela se sentiu extasiada. Quando o guarda a agarrou, ela
não teve medo. “Eu fiquei pensando, qual a pior coisa que pode acontecer? Eu
vou para cadeia. Mamãe tem um ataque. Eu fico de castigo por um ano.” Ela
para por um minuto. “Mas depois do que aconteceu hoje, isso seria nada.
Mesmo ir para a cadeia seria fácil comparado a perder você.”
Eu sei que Kim está me dizendo isso para me manter viva. Ela provavelmente
não percebe que num jeito estranho, o que ela diz me liberta, como a permissão
de vovô fez. Eu sei que vai ser horrível para Kim quando eu morrer, mas eu
também penso sobre o que ela disse, sobre não estar assustada, sobre a cadeia
ser fácil comparado a me perder. Me perder vai doer; vai ser o tipo de dor que
não vai parecer real a principio, e quando for, vai tirar o fôlego dela. E o resto do
ultimo ano dela provavelmente vai ser uma merda, com ela recebendo toda
aquela simpatia de sua-melhor-amiga-morreu que vai deixar ela tão louca, e
também porque nós somos a amiga mais próxima uma da outra na escola. Mas
ela vai lidar com isso. Ela vai seguir em frente. Ela vai deixar o Oregon. Ela vai
para faculdade. Ela vai fazer novos amigos. Ela vai se apaixonar. Ela vai se tornar
fotografa, do tipo que nunca vai ter que subir num helicóptero. E eu aposto que
ela será uma pessoa mais forte por causa do que ela perdeu hoje. Eu tenho o
pressentimento que depois que você sobrevive de algo assim, você se torna um
pouco invencível.
Eu sei que isso me faz um pouco hipócrita. Se esse é o caso, eu não deveria
ficar? Passar por isso? Talvez se eu tivesse pratica, talvez se eu tivesse tido mais
devastação na minha vida, eu estivesse mais preparada para continuar. Não é
que minha vida tenha sido perfeita. Eu tive desapontamentos e fiquei sozinha e
frustrada e irritada e todos as coisas ruins. Mas em termos de coração partido,
eu fui poupada. Eu nunca endureci o bastante para lidar com o que vou ter que
lidar se eu ficar.
Kim está agora me dizendo sobre ser resgatada de um certo cárcere por
Willow. Enquanto ela descreve como Willow tomou controla de todo hospital,
tem muita admiração na voz dela. Eu imagino de Kim e Willow se tornando
amigas, mesmo que exista 20 anos de diferença entre elas. Me deixa feliz
imaginar elas bebendo chá ou indo ao cinema juntas, ainda conectadas uma a
outra por uma invisível corrente de uma família que não existe mais.
Agora Kim está listando todas as pessoas que estão ou estiveram no hospital,
durante todo o dia, contando com os dedos. “Seus avós suas tias, tios, e primos.
Adam e Brooke Veja e os vários arruaceiros que vieram com ela. Os colegas de
banda de Adam, Mike e Fitzy e Liz e a namorada dela, Sarah, todos estão na
área de espera desde que foram tirados da UTI. A professora Christie, que
passou e ficou metade da noite antes de voltar para que ela possa dormir
algumas horas, tomar um banho e ir a um compromisso que ela tem. Henry e o
bebê. Que estão por conta própria agora porque o bebê acordou as cinco da
manha e Henry nos ligou e disse que ele não agüentava mais ficar em casa. E eu
e mamãe,” Kim conclui. “Merda. Eu perdi conta de quantas pessoas foram. Mas
foram muitas. E mais ligaram e pediram para vir, mas sua tia Diante disse a eles
para esperar. Ela disse que já estamos perturbando bastante. E eu acho que
“nós,” ela se refere a eu e Adam.” Kim para, para sorrir um pouco. Então ela fez
um barulho engraçado, um cruzamento entre uma tosse e um limpar de
garganta. Eu ouvi ela fazer esse som antes; é o que ela faz quando está
convocando sua coragem, se preparando para pular das rochas e cair na água
do rio.
“Eu tenho um ponto em tudo isso,”ela continuou. “Tem tipo vinte pessoas na
ala de espera agora. Alguns são seus parentes. Alguns não. Mas todos somos
sua família.”
Ela para agora. Ela se inclina sobre mim e tira o cabelo do meu rosto. Ela me
beija na testa. “Você ainda tem uma família,” ela sussurra.
Verão passado, fomos anfitriões de uma festa acidental do dia do trabalho em
nossa casa. Foi uma estação ocupada. Acampamento para mim. Então fomos
para um retiro da família da vovó em Massachusetts. Eu me sentia como se mal
tivesse visto Adam e Kim o verão todo. Meus pais estavam lamentando que eles
não tinham visto Willow e Henty e o bebê a meses. “Henry diz que ela está
começando a caminhar,” papai disse uma manhã. Estavamos todos sentados na
sala, na frente do ventilador, tentando não derreter. Oregon estava numa onda
de calor. Era 10 da manhã e estava passando dos 30 graus.
Mamãe olhou para o calendário. “Ela já tem 10 meses. Onde foi parar o
tempo?” Então ela olhou para Teddy e eu. “Como é humanamente possível que
eu tenho uma filha que está começando o ultimo ano no colegial? Como diabos
meu bebê começou a segunda série?”
“Não sou um bebê,” Teddy respondeu, claramente insultado.
“Desculpe, garoto, a não ser que tenhamos outro, você sempre será meu
bebê.”
“Outro?” papai perguntou num alarme zombado.
“Relaxe. Estou brincando – na maior parte,” mamãe disse. “Vamos ver como
me sinto quando Mia partir para faculdade.”
“Eu vou fazer 8 anos em dezembro. Então serei um homem e você terá que
me chamar de ‘Ted,’” Teddy reportou.
“É mesmo?” eu ri, espalhando suco de laranja no meu nariz.
“Foi o que Casey Carson me disse,” Teddy disse, a boca dele numa linha de
determinação.
Meus pais e eu gememos. Casey Carson era o melhor amigo de Teddy, e
todos gostávamos muito dele e achávamos que os pais dele pareciam ser gente
boa, então não entendíamos como eles podiam ter dado a seu filho um nome
tão ridículo.
“Bem, se Casey Carson diz,” eu disse, rindo, e logo mamãe e papi estavam
rindo também.
“Qual a graça?” Teddy exigiu.
“Nada, Homenzinho,” papai disse. “É apenas o calor.”
“Podemos ligar os irrigadores hoje?” Teddy perguntou. Papai tinha
prometido a ele que ele podia correr pelos irrigadores aquela tarde embora o
governador tivesse pedido que todos no estado conservassem água esse verão.
O pedido tinha irritado papai, que alegou que nós Oregonianos sofremos oito
meses de chuva por ano e deveríamos ser excluídos da preocupação com a
conservação de água.
“Com certeza você pode,” papai disse. “Inunde o lugar se você quiser.”
Teddy pareceu se acalmar. “Se o bebê pode andar, então ela pode andar
pelos irrigadores. Ela pode vir andar comigo?”
Mamãe olhou para papai. “Não é uma ideia ruim,” ela disse. “Eu acho que
Willow está de folga hoje.”
“Poderíamos fazer um churrasco,” papai disse. “É o dia do Trabalho e grelhas
nesse calor certamente se qualificaria como trabalho.”
“Além do mais, temos um freezer cheio de carne de quando seu pai decidir
pedir aquele lado da vaca,” mamãe disse. “Porque não?”
“Adam pode vir?” eu perguntei.
“É claro,” mamãe disse. “Não vimos muito do seu jovem ultimamente.”
“Eu sei,” eu disse. “Coisas estão começando a acontecer para a banda,” eu
disse. Naquele tempo eu estava excitada com isso. Genuina e completamente.
Vovó só tinha recentemente plantado a semente de Juilliard na minha cabeça,
mas ela não tinha feito raiz. Eu não tinha decidido me inscrever ainda. As coisas
com Adam ainda não tinham ficado estranhas.
“Se a estrela de rock puder lidar com um piquenique com pessoas como
nós,” papai brincou.
“Se ele puder lidar com alguém como eu, ele pode lidar com alguém como
você,” eu brinquei. “Eu acho que vou convidar Kim também.”
“Quanto mais melhor,” mamãe disse. “Vamos fazer uma explosão como
antigamente.”
“Quando os dinossauros dominavam a terra?” Teddy perguntou.
“Exatamente,” papai disse. “Quando os dinossauros dominavam a terra e sua
mãe e eu éramos jovens.”
Cerca de 20 pessoas apareceram. Henry, Willow, o bebê, Adam, que trouxe
Fitzy, Kim, que trouxe um primo que estava visitando de New Hesey, mais vários
amigos dos meus pais que eles não viam a séculos. Papai pegou uma antiga
churrasqueira do porão e passou a tarde esfregando ela. Fizemos bifes, e sendo
Oregon, tofu e hambúrguers vegetarianos. Havia melão, que mantivemos num
balde de gelo, e uma salada feita com vegetais da fazenda orgânica que uns
amigos de mamãe e papai começaram. Mamãe e eu fizemos três tortas com
blackberrie selvagem que Teddy e eu colhemos. Bebemos Pepsi nas antigas
garrafas que papai encontrou em uma loja antiga, e eu juro que elas tinham um
gosto melhor do que as normais. Talvez fosse porque estava tão quente, ou
porque a festa foi tão em cima da hora, ou talvez porque tudo tem gosto melhor
vindo da grelha, mas foi uma daquelas refeições que você sabe que vai lembrar.
Quando papai ligou os irrigadores para Teddy e o bebê, todos decidiram
correr entre ele. Deixamos ligado portanto tempo que toda a grama marrom se
tornou uma poça e eu me perguntei se o próprio governador ia aparecer para
nos dizer para desligar. Adam me perseguiu e nós rimos e gritamos pelo
gramado. Estava tão quente, eu não me incomodei em colocar roupas quentes,
só fiquei me abanando sempre que ficava muito suada. No fim do dia, meu
vestido estava duro. Teddy tinha tirado sua camiseta e tinha se jogado na lama.
Papai disse que ele parecia com um dos garotos do Senhor das moscas.
Quando começou a escurecer, a maior parte das pessoas saiu para ver os
fogos de artifício na universidade ou para ver uma banda chamada Oswald Five-
0 tocar na cidade. Algumas pessoas, incluindo Adam, Kim, Willow, e Henry,
ficaram. Quando esfriou, papai acendeu uma fogueira no gramado, e assamos
marshmallows. Então os instrumentos musicais apareceram. Papai tirou a
bateria da casa, Henry a guitarra do seu carro, Adam pegou sua guitarra no meu
quarto. Todos se juntaram, cantando músicas: as músicas de papai, as músicas
de Adam, velhas músicas de Clash, velhas músicas do Wipers. Teddy estava
dançando, o cabelo loiro refletindo as chamas douradas. Eu lembro de observar
tudo e ter um formigamento no meu peito pensando para mim mesma: É assim
que a felicidade parece.
Em um certo ponto, papai e Adam pararam de tocar e eu vi eles sussurrando
sobre algo. Então eles entraram, para pegar mais cerveja, eu pensei. Mas
quando voltaram eles estavam carregando meu violoncelo.
“Oh, não.Não vou dar um concerto,” eu disse.
“Não queremos que você dê,” papai disse. “Queremos que você toque
conosco.”
“De jeito nenhum,” eu disse. Adam tinha tentando ocasionalmente se
“misturar” comigo e eu sempre recusei. Ultimamente ele começou a brincar
sobre nós tocar duetos com a guitarra-e-o-violoncelo-de-ar, que foi o mais longe
que estivemos dispostos a ir.
“Porque não, Mia?” Kim disse. “Você é uma musicista tão esnobe?”
“Não é isso,” eu disse, de repente me sentindo em pânico. “É só que os dois
estilos não combinam.”
“Quem disse?” Mamãe perguntou, as sobrancelhas erguidas.
“Yeah, quem diria que você é uma segregacionista musical?” Henry brincou.
Willow virou os olhos para Henry e virou em minha direção. “É bem fácil,” ela
disse, balançando o bebê para que dormisse em seu colo. “Eu nunca mais
consigo ouvir você tocar.”
“Anda, Mee,” Henry disse. “Você está em família.”
“Totalmente,” Kim disse.
Adam pegou minha mão e acariciou meu pulso com seus dedos. “Faça por
mim. Eu realmente quero tocar com você. Só uma vez.”
Eu estava prestes a balançar minha cabeça, para reafirma que meu
violoncelo não tinha lugar entre as guitarras, nenhum lugar no mundo punk-
rock. Mas então olhei para mamãe, que estava fazendo uma careta para mim,
como se estivesse fazendo um desafio, e papai, que estava batendo no seu
cachimbo, fingindo estar indiferente para não fazer nenhuma pressão, e Teddy,
que estava pulando pra cima e pra baixo - embora eu ache que é porque ele
estava com um marshmallow, não porque ele tinha desejo de me ouvir tocar – e
Kim e Willow e Henry todos olhando para mim como se isso fosse realmente
importante, e Adam, parecendo apavorado e orgulhoso como ele sempre ficava
quando ele me ouvia tocar. E eu estava um pouco assustada de cair de cara, de
não me misturar, de fazer uma música ruim. Mas todos estavam olhando para
mim tão intensamente, querendo que eu me juntasse tanto, que eu percebi que
soar ruim não era a pior coisa que podia acontecer.
Então eu toquei. E embora não fosse de se imaginar, o violoncelo não soou
tão ruim com todas aquelas guitarras. Na verdade, soou bem incrível.
7:16 da manhã
Amanheceu. Dentro do hospital, é um tipo diferente de amanhecer, um
sussurro de cobertas, uma claridade dos olhos. De certa forma, o hospital nunca
vai dormir. As luzes ficam ligadas e as enfermeiras permanecem acordadas, mas
mesmo que ainda esteja escuro do lado de fora, você percebe que as coisas
estão acordando. Os médicos voltaram, mexendo nas minhas pálpebras,
colocando suas lanternas brilhantes em mim, franzindo enquanto escrevem
notas na minha ficha como se eu tivesse desapontado eles.
Eu não me importo mais. Estou cansada de tudo isso, e vai acabar logo. A
assistente social voltou ao trabalho, também. Parece que a noite de sono teve
pouco impacto nela. Os olhos dela ainda estão pesados, o cabelo dela ainda é
uma confusão. Ela lê minha ficha e escuta os updates das enfermeiras sobre
minha noite complicada, o que parece deixar ela ainda mais cansada. A
enfermeira com a pele azul-negra também voltou. Ela me saúda me dizendo o
quão feliz ela está por me ver essa manhã, como ela esteve pensando em mim
ontem a noite, esperando que eu estivesse ali. Então ela nota a mancha de
sangue no meu cobertor e tsked tsked antes de ir buscar um novo.
Depois que Kim saiu, não houve mais visitas. Eu acho que Willow está ficando
sem pessoas para me ver. Eu me pergunto se esse negócio de decidir é algo que
todas as enfermeiras são cientes. A enfermeira Ramirez com certeza sabia. E eu
acho que a enfermeira comigo agora também sabe, julgando por quão
congratulatória ela esta agindo por eu ter sobrevivido a noite. E Willow parece
saber também, com a forma com que ela tem feito todo mundo entrar aqui. Eu
gosto tanto dessas enfermeiras. Eu espero que elas não levem para o lado
pessoal minha decisão.
Estou tão cansada agora que eu mal consigo piscar meus olhos. É só uma
questão de tempo, e parte de mim se pergunta porque estou atrasando o
inevitável. Mas eu sei porque. Estou esperando Adam voltar. Embora pareça
que ele se foi a uma eternidade, provavelmente só faz uma hora. E ele me pediu
para esperar, então eu vou. Isso é o mínimo que posso fazer por ele.
______
Meus olhos estão fechados então eu ouço ele antes de o ver. Eu ouço a
respiração rápida e difícil. Ele está ofegante como se ele tivesse acabado de
correr uma maratona. Então eu sinto o cheiro dele, um cheio limpo que eu
engarrafaria e usaria como perfume se pudesse. Eu abro meus olhos. Adam
fechou os dele. Mas as pálpebras estão rosas e inchadas, então eu sei o que ele
andou fazendo. É por isso que ele se afastou? Para chorar sem ser visto?
Ele não senta na cadeira mais cai nela, como roupas atiradas no chão depois
de um longo dia. Ele cobre seu rosto com as mãos e respirando profundamente
para se firmar. Depois de um minutos, ele solta sua mão no colo. “Só escute,”
ele diz com uma voz que soa como uma metralha.
Eu abro largamente meus olhos agora. Eu sento o mais reto que posso. E eu
escuto.
“Fique.” Com essa única palavra, a voz de Adam falha, mas ele engole suas
emoções e continua. “Não existem palavras para o que aconteceu com você.
Não existe uma boa palavra. Mas existe algo para se viver. E não estou falando
de mim. É só que.... eu não sei. Talvez eu esteja falando merda. Eu sei que estou
em choque. Eu sei que não digeri o que aconteceu a seus pais, ao Teddy...”
Quando ele diz Teddy, a voz dele se quebra e uma avalanche de lágrimas se
derrama pelo seu rosto. E eu penso: eu te amo.
Eu ouço ele tomar golfadas de ar e se firmar. E então ele continua: “Tudo que
consigo pensar é quão fodido vai ser sua vida terminar aqui, agora. Eu quero
dizer, eu sei que sua vida está fodida não importa o que aconteça agora, para
sempre. E não sou tolo o bastante para pensar que eu posso fazer algo para
ajudar nisso, que qualquer pessoa possa. Mas não posso tirar minha cabeça da
noção de que você não envelhecer, ter filhos, ir para Juilliard, tocar aquele
violoncelo na frente de uma enorme platéia, para que eles tenham arrepios do
jeito que eu sempre tenho toda vez que eu vejo você pegar o seu arco, toda vez
que eu vejo você sorrir para mim.”
“Se você ficar, eu faço o que você quiser. Eu largo a banda, vou com você para
Nova Iorque. Mas se você precisar que eu vá embora, eu faço isso também. Eu
estava conversando com Liz e ela disse que talvez voltar para sua antiga vida
seja doloroso demais, que talvez seja mais fácil para você nos apagar. E isso
seria uma droga, mas eu faço. Eu posso perder você assim se eu não te perder
hoje. Eu te deixo ir. Se você ficar.”
Então é Adam que se solta. O choro dele sai como punhos batendo contra a
pele macia.
Eu fecho meus olhos. Eu cubro meus ouvidos. Eu não posso ver isso. Eu não
posso ouvir isso.
Mas então, não é mais Adam que eu escuto. É aquele som, o baixo gemido
que num instante levanta vôo e se transforma em algo doce. É o violoncelo.
Adam colocou os fones de ouvido em minhas orelhas sem vida e está colocando
o iPod no meu peito. Ele está se desculpando, dizendo que ele sabe que não é
meu favorito mas foi o melhor que ele conseguiu fazer. Ele aumenta o volume
então posso ouvir a música tocando através do ar da manhã. Então ele pega
minha mão.
É Yo-Yo Ma. Tocando Andante com poco e moto rubato.
O baixo piano toca quase em aviso. Então vem o violoncelo, como um coração
sangrando. E é como se algo dentro de mim tivesse implodido.
Estou sentada na mesa do café com minha família, bebendo café quente,
rindo do bigode de chocolate quente de Teddy. A neve está lá fora.
Estou visitando um cemitério. Três túmulos embaixo de uma arvore num
colina com vista para o rio.
Estou ouvindo as pessoas dizerem a palavra órfã e percebo que estão falando
de mim.
Estou andando por Nova Iorque com Kim, os arranha-céus fazendo sombra em
nossos rostos.
Estou segundo Teddy no meu colo, fazendo cócegas nele enquanto ele ri
tanto que ele se ajoelha.
Estou sentada com meu violoncelo, o que mamãe e papai me deram depois
do meu primeiro recital. Meus dedos acariciam a madeira e as cravelhas, cujo
tempo e o toque deixaram suaves. Meu arco está colocado sobre as cordas.
Estou olhando para minha mão, esperando para começara tocar.
Estou olhando para a minha mão, segundo segurada pela mão de Adam.
Yo-Yo Ma continua a tocar, e é como se o piano e o violoncelo estivessem
fluindo dentro do meu corpo, do mesmo jeito que o soro e a transfusão de
sangue estão. E as memórias da minha vida como era, e os flashes do que ela
poderia ser, estão vindo rápido e furiosamente. Eu sinto como se não pudesse
mais acompanhar elas mas elas continuam vindo e tudo está colidindo, até que
eu não consigo mais agüentar. Até que não posso mais permanecer assim nem
por um segundo a mais.
Tem um flash cegante, uma dor que passa por mim por um instante, um grito
silencioso do meu corpo quebrado. Pela primeira vez, eu posso sentir como
completamente agonizante ficar será.
Mas então eu sinto a mão de Adam. Não percebo,mas eu sinto. Não estou na
minha cadeira mais. Estou deitada na cama do hospital, mais uma vez no meu
corpo.
Adam está chorando e em algum lugar dentro de mim estou chorando
também, porque estou finalmente sentindo as coisas. Não estou sentindo só
dor física, mas tudo que eu perdi, e é profundo e catastrófico e vai deixar uma
cratera em mim que nada nunca vai preencher. Mas também estou sentindo
tudo que tenho na minha vida, que inclui o que eu perdi, assim como o grande
desconhecido que a vida ainda por me trazer. E é demais. Os sentimentos estão
aumentando, ameaçando quebrar meu peito. O único jeito de sobreviver a eles
é me concentrar na mão de Adam. Segurando a minha.
E de repente eu só preciso segurar a mão dele mais do que qualquer coisa no
mundo. Não só ser segurada, mas segurar também. Eu transfiro cada gota
restante de energia na minha mão direita. Estou fraca, e isso é difícil demais. É a
coisa mais difícil que eu tenho que fazer. Eu convoco todo o amor que eu já
senti, eu convoco toda a força que vovó e vovô e Kim e as enfermeiras e Willow
me deram. Eu convoco todo o fôlego que mamãe, papai, e Teddy me dariam se
pudessem. Eu convoco toda a minha força, a focando como um laser nos meus
dedos e na minha palma da minha mão direita. Eu imagino minha mão
acariciando o cabelo de Teddy, segurando o arco do meu violoncelo,
entrelaçada com Adam.
E então eu aperto.
Eu vou para trás, exausta, insegura se acabei de fazer o que fiz. Ou o que isso
significa. Se eu registrei. Se importa.
Mas então eu sinto a mão de Adam se apertar, então o aperto da mão dele
parece estar segurando todo meu corpo. Como se pudesse me erguer da cama.
E então eu ouço o influxo da respiração dele seguido pelo som da voz dele. É a
primeira vez hoje que eu posso realmente ouvir ele.
“Mia?” ele pergunta.
FIM

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